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Popper e Kuhn – Ap.

(Luís Rodrigues)

Popper e o problema da demarcação


O problema da demarcação consiste em definir uma linha que separe a ciência genuína da
pseudociência. O problema que está por detrás tem a ver com o que distingue as teorias
científicas das teorias não científicas e com o estabelecimento de critérios que tornem uma
teoria científica, demarcando-a das teorias não científicas.
Uma teoria é científica se for observável.
Para Popper essa resposta tem problemas: é que as teorias envolvem leis que são proposições
universais; mas não podemos verificar cada caso passado, presente ou futuro que comprove
essa mesma lei.
Vejamos a deficiência do verificacionismo. Se eu disser que todos os corpos caem uma vez
perdido o ponto de apoio, estou a formular uma lei que tem alcance universal. O que a lei
enuncia é uma regra que todos os corpos cumprem, cumpriram até agora e cumprirão no
futuro.
Pode uma proposição deste tipo ser verificada?... Não! Isso exigiria que se observassem todos
os casos particulares passados, presentes e futuros, o que é impossível.

A resposta de Popper é: uma teoria é científica se for falsificável.


Uma teoria é científica se for confirmável. O que significa dizer que uma teoria é confirmável?
Significa dizer que pode ser parcialmente verificada pela experiência, pelo confronto com os
factos.
Deficiência da resposta segundo Popper. Se enuncio uma proposição universal  todas as leis
científicas o são , parece suficiente que se verifique nalguns casos para concluir que
provavelmente essa proposição é verdadeira. Mas esta forma de raciocinar é indutiva, e a
indução não nos dá garantias quanto à verdade da conclusão.
O que carateriza as hipóteses científicas é a sua refutabilidade ou «falsificabilidade»: nenhuma
hipótese científica é irrefutável, mais tarde ou mais cedo pode ser declarada falsa.
Uma teoria é científica se for falsificável. Se verificar ou confirmar uma proposição universal é
impossível, o mesmo já não acontece com a sua refutação ou negação. Pensemos nesta
proposição universal: «Todos os cisnes são brancos». Por mais cisnes brancos que
observemos, nunca poderemos estar seguros da sua verdade. Mas é suficiente aparecer um
cisne negro como aconteceu, para a refutar.

Uma teoria falsificável é uma teoria que podemos descobrir que é falsa, mas não é
necessariamente uma teoria falsa. Trata-se de uma teoria de que se deduzem consequências
ou predições testáveis, isto é, passíveis de serem confrontadas com os factos.
Se estas predições se revelarem incompatíveis com os factos, a teoria diz-se falsificada, ou
seja, o teste a que foi submetida mostrou que é falsa.
Uma teoria é científica se for falsificável. E o que dizer se uma hipótese, ao ser posta à prova,
resistir aos testes a que a submetemos? Segundo Popper, só temos o direito de dizer que não
foi refutada e que temos razões para a aceitar, ou seja, para continuar a trabalhar com ela. Diz-
se então que foi corroborada. Será uma boa teoria, digna de confiança, mas não foi
demonstrada nem se pode dizer que é verdadeira.

Uma teoria genuinamente científica é uma teoria que pode ser submetida a testes empíricos e
que pode ser refutada ou falsificada (negada) se esses testes lhe forem desfavoráveis. Nota:
uma teoria genuinamente científica não é uma teoria falsa. É ma teoria que não é imune à
falsificação, embora deva resistir às tentativas de refutação ou falsificação.

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Não podemos, mediante a observação e a experimentação, mostrar que as nossas hipóteses
são verdadeiras. A única coisa que, segundo Popper, os cientistas podem fazer é mostrar ou
que são falsas ou que ainda não foi provada a sua falsidade (muito diferente de dizer que são
ou ainda são verdadeiras).

O indutivismo
Quando se trata de conhecer cientificamente a realidade, chega sempre o momento em que o
cientista tem de testar e submeter à prova a hipótese que construiu para explicar ou
compreender algo. Uma hipótese é uma tentativa de resposta a um problema, a procura de
uma solução, uma tentativa de explicação ou de compreensão de algo que acontece no
mundo.
Como entender o teste das hipóteses? O que fazem os cientistas? Tentam provar que são
verdadeiras ou procuram mostrar que são falsas? Verificar ou falsificar parece ser a questão.
Como procedem os cientistas para conhecer a realidade, que caminho percorrem para atingir
essa meta? Resposta mais frequente, partilhada pelas pessoas que não se dedicam à ciência
nem à reflexão sobre o método científico, é a de que a ciência usa o método indutivo. Esta
perspetiva é também frequentemente aceite por vários cientistas. Se a partir desta ideia
julgarmos que o método indutivo é o método da ciência e não um entre outros, estamos a ser
indutivista.
Como podemos descrever o método indutivo. Em primeiro lugar, ocorre a observação, onde se
recolhe o máximo possível de informação empírica sobre o assunto que se estuda. Ainda que
as observações fortuitas ou ocasionais desencadeiem por vezes importantes descobertas
científicas, a observação científica deve ser rigorosa e orientada para a resolução de
problemas. A objetividade das observações deve ser garantida pelo uso de instrumentos e
medidas rigorosas.
Depois passamos à formulação de hipóteses. Organizam-se os dados recolhidos e registados,
procurando-se descobrir relações constantes entre eles  regularidades ou leis. Generalizam-
se os dados da observação: o que vale para os casos observados é, a título de hipótese,
extensível a todos os factos do tipo dos que foram observados.
Teste da hipótese ou verificação das hipóteses, da sua correspondência com os factos.
Finalmente, passamos à conclusão. O sucesso das predições num número razoável de
experiências atesta a verdade da hipótese  pelo menos provisória , que passa então a
designar-se lei científica.
Críticas à perspetiva indutivista do método científico. É errado supor que começamos pela
observação ou que há observação pura. Sem teorias prévias, a observação carece de qualquer
orientação. As conjeturas (hipóteses ou expetativas) são logicamente anteriores às
observações.
As hipóteses não são, de modo algum, extraídas dos factos. As hipóteses são produto da
cooperação do raciocínio e da imaginação. Têm de ser criadas, inventadas. Neste aspecto, o
trabalho do cientista é semelhante ao da criação artística. Com uma diferença: o cientista é tão
livre para criar hipóteses como o artista, mas, ao contrário deste último, tem de submeter as
suas criações a testes empíricos.
Outro aspeto que de momento só brevemente será referido  porque será retomado e
desenvolvido a seguir  diz respeito ao facto de as hipóteses, ao contrário do que pensa o
indutivista, não serem verificáveis.

Popper contra o indutivismo


As críticas que Popper faz ao indutivismo partem do princípio básico que a indução não tem
valor científico. A observação não é meio de prova. Não se pode provar a verdade – verificar –
de um enunciado universal – como uma lei natural porque enunciados deste género referem-
se a um número de casos que não podem ser controlados empiricamente. A observação de

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muitos corpos aquecidos que dilatam não prova, por maior que seja o seu número, que a
proposição enunciada é verdadeira.
As hipóteses não são extraídas dos factos: são conjeturas criadas pelo cientista para tentar
responder a um problema.
O que deve ser testado não é a possibilidade de verificação, mas sim a de refutação de uma
hipótese. O facto de uma hipótese ser bem-sucedida num teste empírico não a verifica ou
torna verdadeira. Unicamente mostra que não é (ainda) falsa.
O indutivismo é uma forma de verificacionismo. O indutivismo entendia o teste das hipóteses
como tentativa de verificação destas. O falsificacionismo de Popper entende-o como tentativa
de refutação. Nunca podemos declarar verdadeira uma teoria porque nunca podemos ter a
certeza disso. Contra o indutivismo, Popper diz que não podemos saber se uma teoria é
verdadeira. Só podemos saber se as teorias foram refutadas ou não.

Popper e a indução
Popper apresenta uma perspetiva falsificacionista do método científico. Propõe que o
indutivismo seja substituído por um modelo hipotético-dedutivo que apresenta um aspecto
inovador. O que deve ser testado não é a possibilidade de verificação, mas sim a de refutação
de uma hipótese.
Segundo Popper, a indução não pode ser um procedimento científico porque o salto indutivo
de alguns casos para todos os casos implicaria que a observação dos factos atingisse a
totalidade, o que é impossível.
Em clara oposição à indução, Popper afirma que a investigação científica começa com
problemas, isto é, quando os conhecimentos disponíveis sobre um dado assunto se revelam
insuficientes para explicar um determinado acontecimento.
São então formuladas novas conjeturas ou hipóteses. Destas deduzem-se consequências que
deverão ser testadas, submetidas a testes empíricos. Mas, em vez de procurarmos evidências
empíricas que verifiquem ou confirmem as consequências deduzidas da hipótese, devemos
tentar falsificá-las para ver se resistem a esse exame.

As críticas a Kuhn
1) Dá um a visão da ciência que afasta em certa medida a racionalidade e o pensamento crítico
que com Popper muitos lhe atribuem.
2) Exceto em períodos de ciência normal, não parece haver fundamento, dada a
incomensurabilidade dos paradigmas, para falar de progresso científico. Um paradigma não é
objetivamente superior a nenhum outro.
3) A ideia de que os cientistas não estão especialmente comprometidos com a descoberta da
verdade mas com a manutenção de uma dada forma de ver o mundo parece desafiar a
convicção de que a verdade é a meta ideal da atividade científica.
4) A ideia de verdade objetiva é posta em causa porque se só podemos avaliar um paradigma
usando os meios que este fornece há tantas verdades quantos os paradigmas (quantas as
formas que, ao longo da história da ciência, tiveram de ver o mundo). A acusação de
relativismo é uma das mais frequentes de que Kuhn é alvo.

Comparação entre Popper e Kuhn


A verdade é a meta ideal da investigação científica. As teorias mais verosímeis são as que
explicam melhor os factos, sugerem novas experimentações e superaram testes em que as
outras foram derrotadas. A comunidade científica muda de paradigmas, mas não há forma
objetiva de provar que a mudança é um crescimento do conhecimento em direção à verdade.
A verdade é relativa a um paradigma, e por isso nenhum é mais verosímil do que outro.
Objetividade. O crescimento ou progresso do conhecimento é objetivo porque a nova teoria
superou testes precisos e rigorosos. Confrontou-se com observações tendentes a superá-las e
resistiu. Uma teoria está mais próxima da verdade do que outra quando tem um conteúdo

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empírico corroborado por mais factos e torna compreensíveis mais fenómenos do que outra
teoria. A mudança de paradigma não é determinada por citérios estritamente objetivos, mas
por uma combinação de fatores extracientíficos (psicológicos e sociológicos) e científicos
(caraterísticas das teorias – poder explicativo, alcance, simplicidade e fecundidade).
Racionalidade. A aproximação à verdade que carateriza a evolução da ciência é marcada pela
atitude racional traduzida na vigilância crítica em relação às teorias: nunca se pode dizer que
deixaram de ser conjeturas e se tornaram verdades. A evolução da ciência não é determinada
por uma atitude de vigilância crítica porque os cientistas tendem a ignorar em muitos casos as
refutações de que um paradigma é alvo. Na passagem de um paradigma a outro, os fatores
lógicos e racionais são muitas vezes superados por fatores subjetivos.
Progresso ou avanço da ciência. Há progresso em ciência porque as novas teorias,
sobrevivendo a testes rigorosos, eliminam os erros das anteriores e assim aproximam-se mais
da verdade. A verosimilhança é o critério do progresso. A ciência evolui e progride de forma
racional e objetiva. Não há progresso em ciência, exceto nos períodos de ciência normal. Na
passagem de um paradigma a outro, não há forma de dizer que o novo representa um maior
avanço em direção à verdade. A ciência evolui, mas é difícil falar de progresso porque a
sucessão de paradigmas não acontece segundo padrões estritamente racionais e objetivos.

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