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FACULDADE EVANGÉLICA RAÍZES

KARYNE RIBEIRO DE OLIVEIRA

ABUSO SEXUAL INFANTIL

UMA VISÃO ENTRE O DIREITO E A PSICOLOGIA

Anápolis/GO

Karyne Ribeiro de Oliveira


ABUSO SEXUAL INFANTIL

UMA VISÃO ENTRE O DIREITO E A PSICOLOGIA

Monografia apresentada como requisito parcial


para a aprovação na disciplina TC2 da
Faculdade Evangélica Raízes, sob orientação
da Professora Mylena Seabra Toshi.

Anápolis/GO
1. SUMÁRIO GERAL

CAPITULO 1 – O ABUSO SEXUAL INFANTIL

1.1- Conceitos e considerações

1.2 - A importância da educação sexual

CAPÍTULO 2- IDENTIFICANDO UMA ABUSADOR SEXUAL DE CRIANÇAS E


OS SINTOMAS QUE ELAS APRESENTAM
1.1- Como identificar na criança
sintomas de abuso sexual
2.2- O perfil psicológico do
abusador

CAPITULO 3 – O ABUSO SEXUAL INFANTIL E A DINÂMICA FAMILIAR


1. CAPÍTULO 1 – O ABUSO SEXUAL INFANTIL
1.1 - Conceitos e apontamentos do Direito

Há 48 anos, a pequena Araceli desapareceu em Vitória, no Espírito Santo. Só foi


encontrada 6 dias depois. Espancada, estuprada, drogada e morta. Seu corpo foi
encontrado desfigurado com ácido. Ela tinha apenas 8 anos e os suspeitos foram
absolvidos e o caso, arquivado. O fato instituiu o Dia Nacional de Combate ao Abuso
Sexual Contra Crianças.
O assassinato brutal de Araceli é apenas uma amostra de crimes que acontecem
diariamente dentro dos lares. Nem sempre são cometidos por psicopatas ou foras da
lei, a maioria deles vai ocorrer com quem já tem a confiança da criança. Infelizmente
o pedófilo está dentro de casa ou frequenta a casa ou faz parte do núcleo familiar.
O abuso sexual infantil é um problema mundial e de acordo com os dados do Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) 70% das vítimas de estupro do país são
menores de idade. Segundo dados do Disque 100 (Disque Direitos Humanos) e do
Sistema Único de Saúde, mais de 120 mil casos de abuso sexual contra crianças e
adolescentes foram registrados no país entre 2012 e 2015, o equivalente a pelo
menos 3 ataques por hora.
O abuso sexual infantil é uma violência que envolve poder, coação, medo e

autoridade sobre uma criança. É um tipo de violência que envolve duas

desigualdades: de gênero de geração. Na maioria das vezes o abuso sexual infantil

é praticado sem o uso da força física e não deixa marcas visíveis, o que dificulta a

sua comprovação. O abuso sexual pode variar de atos que envolvem o contato

sexual com ou sem penetração a atos em que não há contato sexual, como o

voyeurismo e o exibicionismo.

O abuso sexual supõe uma disfunção em três níveis: o

poder exercido pelo grande (forte) sobre o pequeno (fraco); a

confiança que o pequeno (dependente) tem no grande (protetor);

e o uso delinquente da sexualidade, ou seja, o atentado ao

direito que todo indivíduo tem de propriedade sobre seu corpo

(Gabel, 1997, p.10)


Pesquisas informam que mais de 70% dos casos de abuso e exploração sexual de
crianças e adolescentes são praticados por pais, mães, padrastos ou outros
parentes das vítimas. Em mais de 70 % dos registros, a violência foi cometida na
casa do abusador ou da vítima e quando se trata de abuso cometido nesse espaço
há uma maior predominância do homem como agressor e da mulher como vítima.
(Azevedo & Guerra, 1988; Cohen, 1993; Saffioti, 1997). Os meninos também são
vítimas de abuso sexual, mas a incidência maior acontece fora da família, em geral
perpetrado por adultos não parentes. Dentre os parentes envolvidos em abuso
sexual intrafamiliar, o grande vilão é o pai, conforme aponta pesquisa realizada por
Saffioti (1997) no Município de São Paulo sobre abuso incestuoso: 71,5% dos
agressores eram pais biológicos e 11,1%, padrastos. Portanto, pai e padrasto foram
responsáveis por 82,6% do total de abusos sexuais (Saffioti, 1997, p.183).
O abuso sexual infantil é um fenômeno complexo e difícil de enfrentar, por parte de
todos os envolvidos. É difícil especialmente para a criança, que na maioria das
vezes nem sabe que está sofrendo um abuso, ou tem medo de denunciar, é difícil
para os familiares, pois a denúncia revela o segredo de uma violência que ocorre
dentro da própria família.
O abuso sexual infantil é um problema que envolve questões legais de proteção à
criança e a punição do agressor, e também terapêuticas de atenção à saúde física e
mental da criança, tendo em vista as consequências psicológicas decorrentes da
situação de abuso. Tais consequências estão diretamente relacionadas a fatores
como: idade da criança e duração do abuso; condições em que ocorre, envolvendo
violência ou ameaças; grau de relacionamento com o abusador; e ausência de
figuras parentais protetoras. Relacionado a crianças, estupro de vulnerável é um
problema grave e muito comum, que tem como objeto tutelado a dignidade sexual
do menor de 14 anos e de qualquer pessoa que se encontre em situação de
enfermidade ou doença mental. Este delito está tipificado no artigo 217-A do Código
Penal e diz que:

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso


com menos de 14 (catorze) anos:

Pena- reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

Vejamos outros artigos do mesmo Código:


Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a
lascívia de outrem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra


forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou
que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário
discernimento para a prática do ato, facilitá- la, impedir ou dificultar
que a abandone:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.

Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou


expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio -
inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de
informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro
audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável
ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento
da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui


crime mais
grave.

§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços)


se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido
relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou
humilhação. (CÓDIGO PENAL, 1940)

A legislação é importante para garantir a proteção à criança e ao adolescente,


entretanto, nem sempre foi assim. Essa foi uma conquista, graças a criação de leis
que favorecem o direito e garantam a segurança. Ao ser promulgada, a atual
Constituição Federal, em seu artigo 227 relacionado ao indivíduo diz:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao


adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Mesmo com a lei garantindo tal proteção, foi necessária a criação de uma legislação
específica, envolvendo as crianças e os adolescentes, diante dos crimes que eram
cometidos contra elas. Essa legislação veio alguns anos depois e atualmente é
conhecida como ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente. O referido diploma
normativo tem como objetivo proteger a criança e o adolescente de forma
extremamente ampla não se limitando apenas em tratar de medidas repressivas e
de atos infracionais. (GUILHERME FREIRA, 2017)

Com o Estatuto, foram criados diversos meios de proteção à criança, alguns


deles são: os Conselhos Tutelares, Conselhos de Direitos e a competência
do Ministério Público como guardião dos direitos infanto-juvenis e ser
legitimado para a propositura de ações que visam a proteção dos
incapazes. Infelizmente, todas essas conquistas se deram por conta de
erros que ocorreram no passado, e além disso, toda essa proteção
envolvendo crianças e adolescentes se deu por causa do princípio da
dignidade humana, princípio base de todo o ordenamento. “Configura, em
suma, verdadeira “cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana”,
o que significa dizer que todo ser humano encontra-se sob seu manto,
aqui se incluindo, por óbvio, nossas crianças e adolescentes” (MACIEL,
2013).

O artigo 2º da Lei 8.069/90 descreve que criança é a pessoa de até doze


anos de idade incompleto, já o adolescente é a pessoa entre doze e dezoito anos.
Estudos comprovam que a formação do cérebro se completa apenas na vida adulta,
assim:

Na adolescência o córtex pré-frontal ainda não refreia emoções e

impulsos primários. Também nesta fase de formação o cérebro

adolescente reduz as sensações de prazer e satisfação que os

estímulos da infância proporcionam, o que impulsiona a busca de

novos estímulos. Atitudes impensadas, variações de humor,

tempestade hormonal, onipotência juvenil são características comuns a

esta fase de formação fisiológica do adolescente, justificando

tratamento diferenciado por meio da lei especial que o acompanha

durante esta etapa de vida (MACIEL, 2013).

O Estatuto trouxe o chamado direito ao respeito, incluindo a inviolabilidade da


integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo,
abrangendo a preservação da imagem, identidade, autonomia, valores, ideias,
crenças, dos espaços e também dos objetos pessoais. Desse modo, esse direito
tem relação com os direitos de personalidade, aqueles inerentes à pessoa e à sua
dignidade (art. 1.°, III, da CF/1988). De acordo com Flavio Tartuce:

(...) os direitos da personalidade têm por objeto os modos de ser,


físicos ou morais do indivíduo e o que se busca proteger com eles são,
exatamente, os atributos específicos da personalidade, sendo
personalidade a qualidade do ente considerado pessoa. Na sua
especificação, a proteção envolve os aspectos psíquicos do indivíduo,
além de sua integridade física, moral e intelectual, desde a sua
concepção até sua morte(...). (2014, p.139)

1.2 - A importância da educação sexual


A maior parte das escolas brasileiras não possuem educação sexual em seus currículos. Isso

se deve ao fato de algumas famílias acreditarem no tabu de que a educação sexual para

crianças e adolescentes é ensinar como fazer sexo. Quando uma criança sofre um abuso

sexual, não só o seu corpo é corrompido, mas todo o seu ser, seus pensamentos, suas

verdades e crenças de proteção, de cuidado, de amor são comprometidos. A violência sexual

é uma das experiências mais traumáticas que uma criança pode passar e, gera diversas

dificuldades como adaptação interpessoal, sexual, afetiva e psicológica. Como explica

Figueiró:

[...] a educação sexual tem a ver com o direito de toda pessoa de receber

informações sobre o corpo, a sexualidade e o relacionamento sexual e,

também, com o direito de ter várias oportunidades para expressar sentimentos,

rever seus tabus, aprender, refletir e debater para formar sua própria opinião,

seus próprios valores sobre tudo que é ligado ao sexo. No entanto, ensinar

sobre sexualidade no espaço da escola não se limita a colocar em prática,

estratégias de ensino. Envolve ensinar, através da atitude do educador, que a

sexualidade faz parte de cada um de nós e pode ser vivida com alegria,

liberdade e responsabilidade. Educar sexualmente é, também, possibilitar ao

indivíduo, o direito a vivenciar o prazer. (2009, p. 163)

Se grande parte dos abusos acontecem em casa com familiares ou pessoas


próximas da família, é de extrema importância que sejam criados mecanismos de
combate, e o lugar mais propicio é a escola. Estima-se que grande parte dos casos
são identificados por professores, por isso é tão importante que esse assunto seja
abordado em sala de aula para que as crianças e adolescentes saibam diferenciar
afeto de abuso e até que ponto o afeto passa a ser uma violação ao corpo e
psicológico da criança.

Além disso educação sexual para crianças e adolescentes ajuda a prevenir doenças
sexualmente transmissíveis e uma gravidez indesejada na adolescência. É
importante conhecerem o próprio corpo e terem um ambiente seguro para tirar
dúvidas, ao invés de aprender sobre sexo com pornografia, que estimula a violência
sexual. Atores como Vasconcelos (1971) sugerem refletir sobre a construção da
sexualidade com o viés da educação sexual emancipatória, ou seja, aquela que
possibilita compreender a sexualidade de uma forma que não seja estritamente
biológica, mas, sim, abrangente.

Para Vasconcelos (1971), educação sexual emancipatória:

[...] é abrir possibilidades, dar informações sobre os aspectos


fisiológicos da sexualidade, mas principalmente informar sobre suas
interpretações culturais, e suas possibilidades significativas, permitindo
uma tomada lúcida de consciência. É dar condições para o
desenvolvimento contínuo de uma sensibilidade criativa em seu
relacionamento pessoal. Uma aula de educação sexual deixaria de ser
apenas um aglomerado de noções estabelecidas de biologia, de
psicologia e moral, que não apanha
sexualidade naquilo que lhe pode dar significado e vivência autêntica: a procura
mesmo da beleza interpessoal, a criação de um erotismo significativo do amor. (p.
111).

De fato, inúmeras dúvidas surgem a respeito de como incorporar essa educação em


casa e nas escolas, já que essa inciativa tende a ser taxada como inapropriada.
Porém, deve – se entender a existência de conceitos apropriados para informar sobre
sexualidade com crianças e adolescentes, de acordo com a faixa etária e com o
estágio de desenvolvimento. O mesmo conteúdo que é conversado com
adolescentes de 12-14 anos não será igual ao de crianças de 3-5 anos. Para a
maioria da sociedade isso pode parecer algo fora da realidade, uma vez que muitos
viveram em uma época em que a educação sexual deveria ser escondida e
postergada, porém, ela precisa ser falada. Vittelo (1997) alega que nossa sociedade
vincula a prorrogação da comunicação aberta da sexualidade com os jovens para um
futuro relativamente longínquo, pois, conforme mencionado anteriormente, muitas
pessoas consideram a sexualidade exclusivo dos adultos.

Diante do que foi exposto é evidente a necessidade de implantação de um sistema


de educação sexual nas escolas. As crianças devem aprender desde pequenas os
limites sobre seu corpo para assim evitar abusos, quantos abusos poderiam ter sido
evitados e denunciados se as crianças e adolescentes tivessem ao menos um pouco
de noção de sexualidade? É importante a escola envolver as famílias no diálogo
sobre sexualidade, usando o espaço escolar para reuniões de pais e mestres. É
imprescindível que os pais tentem abandonar os tabus e os critérios morais de
julgamento e pensar que assim estarão protegendo os seus filhos, a saúde física e
mental deles e seus projetos de futuro.
CAPÍTULO 2- IDENTIFICANDO UM ABUSADOR DE CRIANÇAS E OS
SINTOMAS QUE ELAS APRESENTAM
1.1- Como identificar na criança
sintomas de abuso sexual

A identificação de uma situação de abuso sexual contra uma criança ou adolescente


requer medidas de proteção que garantam a segurança da vítima e evite possíveis
revitimizações. Dentre as medidas de proteção existentes, o abrigamento constitui-se
como um recurso protetivo para aquelas crianças ou adolescentes que não possuem
algum familiar capaz de garantir seus cuidados e segurança. Os efeitos dessa medida
de proteção têm sido alvo de discussões e estudos sobre as conseqüências da
experiência de abrigamento para o desenvolvimento das vítimas.

Como denota Siqueira, Betts, & Dell'Aglio:

Alguns estudos apontam que o afastamento da criança do convívio familiar é negativo,


podendo potencializar sintomas de depressão e ansiedade. Por outro lado, o abrigo
pode constituir uma fonte de apoio para crianças e adolescentes, em vista das relações
e vínculos familiares, ainda existentes, serem muito frágeis e não oferecerem a
segurança e proteção necessária (Siqueira, Betts, & Dell'Aglio, 2006).

Crianças sexualmente abusadas tem uma propensão a apresentar sintomas


externalizantes e internalizantes. Os sintomas externalizantes podem ser
comportamentos deliquentes e agressividade. Já os sintomas internalizantes são
aqueles comportamentos como depressão, ansiedade, isolamento, dificuldades de
atenção e queixas somáticas. Também é comum que a criança oscile entre a
negação e a reafirmação do abuso (Duarte & Arboleda, 2005; Furniss, 1993), o que
provavelmente seja ainda maior gerador de ansiedade e sofrimento.

Elas podem apresentar mudanças no padrão de comportamento, como alteraçoes de


humor entre retraimento e extroversão, por exemplo uma criança extremamente
extrovertida de repente fica mais retraída, podem apresentar agressividade, timidez,
medo ou pânico.

Para manter a vitima em silencio o abusador pode usar ameaças de violencia fisica
ou mental, além de chantagens. É normal que usem presentes, dinheiro ou qualquer
outro tipo de material para ter uma boa relação com a vítima.

Crianças que apresentam comportamentos sexuais muito cedo, que apresentam


interesse por questoes sexuais ou que façam brincadeiras de cunho sexual e usam
palvaras e desenhos que se referem às partes intimas podem estar indicando uma
situação de abuso.
Além disso, temos os vestígios mais obvios, os traumatismos fisicos. Enfermidades
psicossomaticas também podem ser sinais de abuso. São problemas de sáude sem
uma aparente causa clínica, como dores de cabeça, erupções na pele, võmitos e
dificuldades digestivas. Marcas de agressão, doenças sexualmente transmissiveis e
gravidez são as principais manifestações fisicas e devem ser usadas como provas à
Justiça.

Para Furniss:

o dano psicológico pode estar relacionado aos seguintes itens: a idade do início do
abuso; a duração do mesmo; o grau de violência ou ameaça; a diferença de idade entre
quem comete o abuso e a vítima; quão estreitamente era a relação da pessoa que
cometeu o abuso com a pessoa que sofreu o abuso; a ausência de figuras parentais
protetoras e o grau de segredo. (1993)

Como na maioria dos casos os abusador costuma ser uma pessoa próxima da criança
e estabele uma relação de confiança com ela, está garantido o sigilo da situação de
abuso. O abusador pode usar ameaças ou benefícios materiais em um vínculo de
dominação e submissão.

No caso de meninos que sofreram abuso sexual, eles podem apresentar dúvidas
quanto à sexualidade, sentindo-se muitas vezes fora do padrão estabelecido
socialmente, no qual o homem tem de se defender e de que sempre são capazes de
evitarem agressões de qualquer natureza. Sem contar que a mídia sempre os aponta
como agressores e não como possíveis vítimas (Abrapia, 2002).

Na escola as crianças sexualmente abusadas também apresentam sintomas. Elas


podem manifestar dificuldades de concentração e queda no rendimento por estarem
emocionalmente abaladas, criando formas para fugir das obrigações e preocupadas
com as tensões familiares.

Ocorre também o inconveniente de uma criança que aparentemente expressa um


comportamento sedutor sofrer uma série de outros problemas. Ao relatar o abuso a
criança ou adolescente pode vir a ser culpada por ter seduzido o abusador. Isso pode
gerar uma série de outros abusos, por outras pessoas terem uma falsa impressão da
criança.

Como explica Furniss:

Nem mesmo o mais sexualizado ou sedutor comportamento jamais poderia tornar a


criança responsável pela resposta adulta de abuso sexual, em que a pessoa que
comete o abuso satisfaz seu próprio desejo sexual em resposta a necessidade da
criança de cuidado emocional. (1993, p.21).
O Transtorno de Estresse Pós Traumático é a psicopatologia mais apresentada como
sintoma do abuso sexual (Cohen, 2003). Esse transtorno prevalesce em 20 % a 70%
dos casos de crianças vitimas de abuso sexual infantil.(Nurcombe, 2000). O TEPT é
um transtorno de ansiedade que ocorre após a exposição a uma situação traumatica.
A vitíma apresenta uma resposta de pavor e medo ligado a sintomas de revivencia,
evitação, excitabilidade fisiologica aumentada e prejuizo funcional, segundo o Manual
Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais. A manifestação de flashbacks é
caracterizada pela sensação da vítima estar constantemente revivendo a situação
traumatica no momento atual de sua vida.

Observa-se ainda, o entorpecimento emocional o qual pode ser caracterizado pela


dificuldade da vitima com TEPT descrever, expressar e ganhar afeto. Sintomas de
taquicardia, respiração ofegante, formigamentos, sudorese, tonturas, dores
abdominais, entre outros, acompanham as lembranças traumáticas e a evitação
cognitiva e emocional do trauma. A hipervigilância, que é caracterizada como "estar
em guarda e atento" aos estímulos externos, coloca a vítima num estado persistente
de ameaça, em que o ambiente que ela vivie sempre é considerado como um lugar
perigoso e imprevisível. Por último, resposta de sobressalto exagerada também é
comum nas pessoas com TEPT, isto é, as vítimas facilmente se assustam com
qualquer estímulo (Câmara Filho & Sourgey, 2001).

Crianças traumatizadas desenvolvem sintomas de hiperatividade, dificuldade de


atenção, ansiedade de separação, medos, queixas psicossomáticas e,
frequentemente, retrocesso no desenvolvimento (Kaminer, Seedat & Stein, 2005).
Reencenação do trauma, através de brincadeiras e jogos repetitivos, sonhos
traumáticos recorrentes ou pesadelos sem conteúdo identificável, e interesse
diminuído em atividades habituais podem ser caracterizados como sintomas de TEPT
na infância (Pynoos, 1992).

De acordo com Silva:

Os sintomas construídos durante uma experiência traumática afetam não somente os


pensamentos do indivíduo, mas a sua memória, o estado de consciência e todo o
campo de ação, de iniciativa e de objetividade na vida. Muitas vítimas criam uma área
de proteção em volta de si que as impede de continuar com a vida normal. Uma vítima
de violência física, seja ela estupro ou pancadas, evita sair de casa, tem medo de andar
sozinha, rejeita sexo ou qualquer contato físico (SILVA, 2000, p. 32).

Os sintomas clínicos do Transtorno de Estresse Pós Traumático infantil podem variar


de acordo com a etapa do desenvolvimento. Por exemplo, crianças pequenas tendem
a apresentar mais sintomas de agressividade e hiperatividade. Já adolescentes
tendem a apresentar sintomas mais próximos daqueles dos adultos.

M. Gabel (1997) observa o sentimento da criança e do adolescente que vivenciam o


abuso e a violência sexual a perda da integridade física, as novas sensações que
foram despertadas são misturadas com angústia e medo de ter engravidado ou de
ter contraído uma doença.

Insere-se a esse conjunto de fatores diversas queixas, tais como mal-estar difuso,
dores nos ossos, enurese, principalmente em crianças menores, problemas na
alimentação, perturbação de sono, prejuízo das funções intelectuais e criativas,
tentativas de suicídio, medo ou afastamento da pessoa do mesmo sexo que o
agressor. Se a pessoa a quem a criança revelou o que aconteceu não lhe der crédito e
não lhe prestar nenhum tipo de ajuda.

Observemos a fala de Gabel:

As manifestações mais notórias desaparecem; ela reencontra o interesse pelos outros e


pela brincadeira, mas a angústia toma forma de neurose com diversas fobias. (M.
Gabel, 1997, p. 68)
2.2- O perfil psicologico do abusador

Tradicionalmente, a cultura brasielira provoca nos adultos ou naqueles que


detem o poder, uma mentalidade de violações contra crianças, mulheres e
outros segmentos sociais. As estruturas sociais justificam o papel do
homem como proprietário da família e dos filhos. O espaço definido como
aquele que deveria proteger, torna-se um espaço de agressão. Exemplo dessa
cultura é que, geralmente, o agressor é uma pessoa aceita pela comunidade,
uma pessoa que ninguém desconfiaria e que faz parte de sua convivência, sem
passado criminoso. Como o abusador costuma ser alguém próximo da vítima,
acaba estabelecendo uma relação de confiança ou de medo. Como explica
Gabbel:
A vítima “teme a punição e a incapacidade do adulto de protegê-la da violência
do seu agressor” (M. Gabel, 1997, p. 55)

Muitas vezes os agressores se aproveitam da situação de vulnerabilidade da


criança, como demonstra a literatura (A. Dias, 2010; M. Vollet, 2012). Uma
pesquisa realizada por M. Lamour (1997), usando vinte agressores sexuais em
tratamento, por meio de uma entrevista com 69 perguntas, concluiu-se que
o agressor geralmente foi, também, vítima de abuso e sabe lidar com as
múltiplas fragilidades da criança e de seus familiares.

M. Lamour, 1997, explica que para prevenir o abuso sexual, é necessário


ensinar a criança desde cedo a identificar os comportamentos
manipuladores e coercivos. Não seria apenas ensinar a dizer não ou
simplesmente fugir, pois o adulto é muito mais avantajado no combate
entre criança e agressor. É importante mostrar como ela pode escapar e pedir
ajuda, além de ser capaz de reconhecer as variadas situações abusivas. Por
isso a importancia da educação sexual.

Alguns autores como I. Casoy (2004) têm demonstrado uma semelhança


entre psicopatas e abusadores sexuais. Eles têm em comum a violência
sexual e a negligência na infância, bem como inabilidade escolar e de
convivência, dentre outras formas de violência vivenciadas. I. Casoy (2004) cita
exemplos de personagens reais que chocaram o país com crimes de grande
perversidade contra crianças e adolescentes.

Aponta D. Ferrari:
O abusador apresenta, geralmente, “personalidade antissocial, paranoia,
impulsividade, não sabem lidar com frustação, sentimentos de
inferioridade ou de insuficiência, infância violenta, estresse, álcool ou
drogas” (D. Ferrari 2002, p. 92).

Isso porque a construção do sujeito é resultado de múltiplas interações, que se


desenvolvem desde seu nascimento. Há uma alternância de papéis que
correspondem ao papel de agressor e de vítima (J.B.S Camargo, 1997), numa
dinâmica que acaba por perpetuar o processo de reprodução da situação,
num primeiro momento, como vítima e, num segundo momento, como
opressor.

De acordo com os dados estatísticos, o pai é o principal agressor nos casos de


violência doméstica e incestuosa; a mãe e familiares, na maioria das vezes,
são coniventes com a situação, por medo, envolvimento afetivo ou
dependência financeira. É importante observar que a mãe pode também
ter sido vítima de violência sexual quando criança, vivendo num ciclo
familiar incestuoso, que reproduz abuso contra as filhas e netas (D. Ferrari,
2002). Diante dessas pesquisas, é possível constatar que crianças e
adolescentes vítimas de violência e/ou abuso sexual, podem estar
vivendo num ambiente de continuidade da violência da qual seus pais
foram vítimas e da qual agora são autores.

No caso do incesto, os impactos são mais complicados, porque provoca na


criança uma confusão em relação a imagem a ao papel dos pais, que deveria
ser de proteção, e ao inves disso, aparecem como ameaça. O mesmo ocorre
quando o abusador é irmão mais velho ou um adulto que desempenha um
papel educativo. Quanto mais cedo ocorre o abuso na relação incestuosa maior
será o risco de haver feridas e irreversiveis.
 É consenso que os portadores de pedofilia podem manter seus desejos em
segredo durante toda a vida sem nunca compartilhá-los ou torná-los atos reais;
podem casar-se com mulheres que já tenham filhos ou atuar em profissões que
os mantenham com fácil acesso a crianças, mas raramente causam algum mal .

Por outro lado, os molestadores de crianças, em sua maioria, apresentam


motivações variadas para os seus crimes, que raramente têm origem em
transtornos formais da preferência sexual.

Acredita-se que a passagem da fantasia para a ação no caso dos pedófilos


ocorre com maior frequência quando o indivíduo é exposto a estresse intenso,
situações nas quais haja grande pressão psíquica, como discussão conjugal
importante, demissão, aposentadoria compulsória etc. Nesse caso, quando
envolvidos com atos ilícitos, a expressão do comportamento criminoso dos
pedófilos permite diferenciá-los em dois tipos: os abusadores e os
molestadores. Os abusadores caracterizam-se principalmente por atitudes mais
sutis e discretas no abuso sexual, geralmente se utilizando de carícias, visto
que em muitas situações a vítima não se vê violentada. Já os molestadores são
mais invasivos, menos discretos e geralmente consumam o ato sexual contra a
criança.

Alguns autores classificam os pedófilos baseado na preferência de gênero


(homossexual, heterossexual e bissexual) enquanto outros preferem classifica-
los por faixa-etária.

1. Pedófilo abusador

Esse tipo de pedófilo é aquele individuo imaturo. Em algum momento ele


descobre que pode ter com crianças uma satisfação sexual que ele não
consegue alcançar de outra forma. É um tipo solitário que não tem habilidade
social e isso o leva a submergir e fantasiar ainda mais na pedofilia. Seu
comportamento é menos invasivo e discreto e raramente usa violência. E é aí
que está o perigo, porque a criança e as pessoas ao redor dificilmente vão
notar o fato. É propenso a se envolver com pornografia infantil pela internet.
2. Pedófilo molestador

Esse tipo de pedófilo é o contrário do abusador. Ele é extremamente invasivo e


usa frequentemente a violência. Esse tipo é dividido em dois grupos:

A) Molestador situacional (pseudopedófilo)

No caso desse individuo a criança não é o objeto central de sua fantasia, logo
não pode ser diagnosticado como pedófilo. Esse abuso ocorre muito mais
fragilidade da criança e pela dificuldade de ser descoberto que pelo fato pré-
púbere, daí o termo situacional.

Na maior parte das vezes esse tipo de molestador é casado e vive com a
família, mas se alguma situação de frustação acontece ele é induzido a se
sentir mais confortável com crianças.

A maioria desses agressores fazem parte das classes socioeconômicas mais


baixas e é menos inteligente. Seu comportamento sexual está a serviço das
suas necessidades básicas sexuais ou não sexuais, como raiva. São
oportunistas e impulsivos e focam nas características gerais da vítima, como
idade, sexo ou raça. Os primeiros critérios de escolha são os de disponibilidade
e oportunidade. Entre os molestadores situacionais existem 3 perfis diferentes,
o regredido, o inescrupuloso e o inadequado.

A.1) Molestador situacional regredido

Segundo Holmes, (2002),Kocsis, (2002) e Lanning (1991), indivíduos com esse


perfil, por viver constantemente em situações de estresse, regride a estágios
mais baixos de desenvolvimento e para se sentir seguro e a vontade passa a
se relacionar com pessoas tão frágeis quanto ele naquele momento. Para se
satisfazer ele procura qualquer pessoa vulnerável, não necessariamente
crianças, mas podem ser idosos, deficientes físicos ou mentais.

Diferentemente do situacional esse tipo de molestador tem uma vida estável,


financeiramente e geograficamente. Pode ser que tenha emprego, mas no seu
histórico pode apresentar problemas com bebidas alcoólicas. Tem prazer em
seduzir, o que diminui seu problema de baixa autoestima, que as vezes o
acomete e mantem várias vítimas seduzidas esperando uma ação.

Busca na internet os seus alvos, cujo o comportamento sexual é composto de


apenas sexo oral e vaginal. Usa pornografia infantil, melhorando o seu
desempenho e conquista da vítima. É normal ter fotografias e filmes caseiros
de suas vítimas.

A.2) Molestador situacional inescrupuloso

Esse molestador busca qualquer pessoa que esteja disponível para satisfazer
suas necessidades e o fato de escolher crianças faz parte desse contexto, mas
pode não ser sua prioridade. Esse individuo, furta, trapaceia, mente e não ve
motivo para não molestar crianças. Usa força, sedução ou manipulação para
conquistar a vítima. É um indivíduo charmoso, agradável com todos e se for
casado é o tipo de homem que troca de esposa toda hora. O incesto é comum
para esse tipo de molestador, não tem medo de molestar seus filhos ou
enteados e participa de grupos de pornografia infantil. Tem o costume de
escolher uma faixa etária definida para ser sua vítima.

A.3) molestador situacional inadequado

De acordo com Kocsis (2002), Lanning KV (2001) e Leclerc B (2008) há a


possibilidade desse tipo de molestador ter algum transtorno mental que o
impossibilidade de diferenciar o certo e o errado nas práticas sexuais. Na
maioria das vezes não é agressivo, ou seja, não machuca as crianças, seus
comportamentos sexuais são abraçar, acariciar, lamber ou outros atos
libidinosos que não sejam a relação sexual em si. Quando ela ocorre é oral ou
anal.

A.4) Pedófilo molestador preferencial

Para esse molestador a satisfação sexual só será alcançada se a vítima for


uma criança. Eles tendem a ser mais inteligentes que a média da população e
pertencem a classes sociais mais altas. Seu comportamento é persistente e
compulsivo, instruído por suas fantasias. Foca sua ação em vítimas especificas
e realiza fantasias sexuais que não tem coragem de executar com um parceiro
adulto. O número de vítimas desse molestador é muito alto e ataca mais
meninos do que meninas. A característica mais marcante desse tipo de
molestador é a violência extrema, chegando até o homicídio. Ele pode ser
sedutor, sádico e introvertido.

A.5) Pedófilo molestador preferencial sedutor

De acordo com Holmes e Holmes, esse tipo de molestador se apresenta como


o mais perigoso, uma vez que é difícil para a criança escapar de suas mãos.
Geralmente ele corteja, seduz e faz tudo para agradar a criança, percorre
distancias para alcança-las. De começo seu objetivo não é machucar a criança,
fica intimo dela e começa a insinuar gradualmente assuntos sexuais usando
pornografia infantil fazendo a própria criança gerar interesse e criar a
possibilidade de manter sexo com uma adulto. Normalmente é solteiro, tem
mais de 30 anos e apresenta comportamentos infantis.

O perfil desse tipo de molestador é aquele em que a criança confia e que tem
um contato inquestionável, como professores, padres, motoristas de ônibus
escolar, fotógrafos e etc.

A.5) Pedófilo molestador preferencial sádico

Holmes (2002) e Lanning (1991) afirmam que esses agressores molestam


crianças com o fim de machucá-las. Se excita diretamente com o nível de
violência, que pode ser fatal.

O crime é premeditado e bem elaborado com um plano de ataque. Geralmente


pega vítimas aleatórias que ele não conhece e não as seduz. Utiliza-se de
truques para tirá-las dos pais ou de armas para amedronta-las ou até mesmo
as levam em parquinhos, shoppings e escolas.

A maioria desses molestadores é do sexo masculino, tem comportamentos


antissociais, antecedentes criminais envolvendo atos violentos, como estupro
ou assaltos. Possuem empregos temporários e mudam de endereço ou de
cidade frequentemente. Meninos são sua principal vítima e preferem sexo anal.
Machuca a criança de forma fatal e a pratica de canibalismo pode ser corrente.
Castração de meninos e brutalização da área genital feminina fazem parte dos
atos de mutilação desse criminoso.

A.6) Pedófilo molestador preferencial introvertido

Esse indivíduo prefere crianças, mas possui tem habilidade para seduzi-las. Ele
raramente conversa com elas e escolhe vítimas muito pequenas que não
entendem o que está acontecendo. Seu campo de ação envolve parques
infantis ou locais com grande concentração de crianças, onde as observa e tem
breves encontros sexuais. Para realmente se relacionar sexualmente utiliza
pornografia infantil, internet ou até mesmo se casa com a mãe das crianças
para ter fácil, frequente e seguro acesso a elas.

Após analisar a fundo, o crime sexual contra menores, se mostra complexo e


variado, com inúmeros perfis de criminosos. Traçar um perfil psicológico dos
criminosos ajuda a identifica-los e muitas vezes evitar que uma criança seja
uma nova vítima, ou salvar uma criança que esteja nas mãos desse criminoso.
Essa pratica é necessária na esfera da psiquiatria e na psicologia forense,
ajuda a ampliar o conhecimento da dinâmica do indivíduo agressor e contribui
para a determinação da sua capacidade de entendimento e autocontrole.
Capitulo 3 – O abuso sexual infantil e dinâmica familiar

É desesperadora a dor de quem sofre violência sexual dentro da própria


familia, a criança sofre em silêncio, e quando fala, muitas vezes não é ouvida.
Um estudo feito por Angela Marquardt mais da metade das pessoas afetadas
sofreram violencia dentro da propria familia. Raramente se acredita nas
crianças e dificilmente eles são ajudados quando sofrem violencia do pai, avô,
irmão, padrasto, mãe ou outros parentes. A criança não consegue se libertar
sozinha da familia. A violência sexual é um fenômeno complexo, multifacetado
e que, por vezes, afetam também a vida de seus familiares (TIMMERMAN;
SCHREUDER, 2014).
Quando essa violência acontece na família, ela choca e surpreende a
sociedade. Segond (1992) nos revela que

a família é, ao mesmo tempo, considerada pela opinião


pública como um valor cardinal e condição essencial de
felicidade, lugar de refúgio, de relaxamento, de segurança,
propício do desabrochar pessoal, enquanto, ao mesmo
tempo, as pesquisas criminológicas têm demonstrado,
paralelamente, que ela pode ser o lugar de todas as
violências e de todas as transgressões, citando incestos,
maus-tratos, violências de todos os tipos e até
intergeracionais. (p.443)

Faleiros e Faleiros (2001) também aduz que a negação e o silêncio em torno


do assunto são também características dessas famílias,

... é um espaço de silêncios, segredos e sigilos. Verifica-se a


freqüente existência de pactos de silêncio, mantidos por
familiares, amigos, vizinhos, comunidades, profissionais, que a
encobertam, desqualificando revelações verbais e não verbais
das vítimas, negando evidências e sinais, em nome de
fidelidades, interesses de diversas ordens, medos, sigilos
profissionais e de justiça. (p.18)

Sendo assim, é importante enfatizar a necessidade da família interferir nesses


casos quando estão cientes ou até mesmo desconfiadas que um abuso esteja
ocorrendo. As pessoas tem uma relutância muito grande em interferir na vida
privada das familias. Porém, essa não interferência, leva as crianças a não
receberem ajuda.
O sistema publico de saude (SUS) nos traz dados dos casos de abuso sexual.
Em 2016 foram registrados mais de 22,9 mil atendimentos a vitimas de estupro,
segundo dados apurados pela BBC. Mais de 57% desses casos eram de
vitimas entre 0 e 14 anos, sendo que 6 mil vitimas tinham menos de 9 anos de
idade.
Além desses números preocupantes, é importante lembrar que muitas vítimas
sofrem em silêncio, ja que o tema é um tabu na sociedade. Quebrar o silêncio é
uma forma de enfrentar e expor os agressores e também dar força para outras
vitimas falarem.
Existe um dia especifico voltado ao combate do abuso sexual infantil. O
objetivo é conscientizar a sociedade e enganjá-la no tema, motivando-as a
denunciarem e tambem oferecendo informações para que os pais consigam
reduzir os casos e manterem as crianças mais seguras. A data foi escolhida
porque em 18 de maio de 1973, uma menina de apenas 8 anos de Vitória (ES),
foi sequestrada, violentada e morta. A pequena Araceli citada no capitulo 1
deste trabalho.
No Brasil, a violencia contra crianças, mulheres e adolescentes ainda é um
fenomeno social grave. A maioria das pesquisas apontam que o principal alvo
são mulheres, mas isso nao quer dizer que os meninos também não sofram,
eles sofrem, mas isso ocorre em menor proporção.
Como aponta LAZARUS 1991, quando acontece esse evento traumatico na
familia, todos passam por um processo de adaptação. As memórias
traumáticas são dificeis de serem trabalhadas, porque dificilmente são
verbalizadas, a criança bloqueia a memoria. O abuso viola aquilo que é a
criança, dependência, vulnerabilidade e inocência. O papel da familia é muito
importante nesse momento, pois elas precisam estar fortes para dar força a
criança, é uma situação extremamente dificil para todos, mas especialmente
para a vitima. Ela dificilmente confiará em adultos novamente. A família precisa
ser reorganizada após a ciência do abuso, a criança ou o adolescente devem
ser protegidos e afastados imediatamente do abusador. A vitima só se afasta
quando a familia não tem estruturas para se organizar para protegê-la e nesses
casos a criança é abrigada ou sua guarda passa para algum familiar não
abusivo. Quando isso acontece a criança se sente culpada pelo sofrimento de
todos.
Um estudo realizado com 13 vitimas de abuso sexual, todas relataram se sentir
culpadas pelo sofrimento da mãe e dos irmãos quando o pai ou padrasto é
afastado. As meninas que iam para abrigos achavam que aquilo era um castigo
pelo abuso. (De Antoni & Koller, 2000b; Habigzang & Caminha, 2004)

No entanto, quando a familia reage de forma negativa e não concede apoio


moral e afetivo, a vítima fica em uma situação de vulnerabilidade, de acordo
com COHEN & MANNARINO, 2000, ela pode desenvolver problemas como
isolamento social, depressão, pensamentos e até tentativas de suícidio,
ansiedade, entre outros. Sendo assim, tanto a vitima, quanto a familia precisam
de acompanhamento psicológico para entender a dinâmica do abuso sexual e
como lidar com ele, suas consequencias e como é possível evitar essas
situações. (HABIGZANG, KOLLER, AZEVEDO & MACHADO)

O Ministério Público de Santa Catarina listou algumas ações a serem adotadas


quando é descoberto um caso de violência sexual que tem como vítimas
crianças ou adolescentes:

 não critique nem duvide de que ela/ele esteja faltando com a verdade;
 incentive a criança e/ou o adolescente a falar sobre o ocorrido, mas não
o obrigue;
 fale sempre em ambiente isolado para que a conversa não sofra
interrupções nem seja constrangedora;
 evite tratar do assunto com aqueles que não poderão ajudar;
 denuncie e procure ajuda de um profissional;
 converse de um jeito simples e claro para que a criança e/ou o
adolescente entendam o que você está querendo dizer;
 não os trate com piedade e sim com compreensão;
 nunca desconsidere os sentimentos da criança e/ou do adolescente;
 reconheça que se trata de uma situação difícil; e
 esclareça à criança e/ou adolescente que a culpa não é dela/dele;

Há, ainda, algumas atitudes a serem adotadas para prevenir os casos de


violência sexual infanto-juvenil:

 cuide de seu filho: dê a ele toda a atenção que puder;


 saiba sempre onde eles estão, com quem estão e o que estão fazendo;
 ensine-os a não aceitar convites, dinheiro, comida e favores de
estranhos, especialmente em troca de carinho;
 sempre os acompanhe em consultas médicas;
 converse com seus filhos: crie um ambiente familiar tranquilo;
 conheça seus amigos, principalmente os mais velhos;
 supervisione o uso da internet (Facebook, Twitter, chats, etc.); e
 oriente seus filhos a não responderem e-mails de desconhecidos, muito
menos enviarem fotos ou fornecerem dados (nome, idade, telefone,
endereço, etc.), ou, ainda, informarem suas senhas da internet a outras
pessoas, por mais amigas que sejam.

Impossível deixar de citar o caso que ocorreu no Espírito Santo, em que uma
menina de 10 anos de idade foi estuprada pelo tio. Ela relatou que o fato
acontecia desde os 6 anos e não o denunciou porque era ameaçada. Ele tem
33 anos. O caso se transformou em uma disputa no Brasil, uma guerra entre
quem defendia ou não o aborto da criança. São muitas as violências as quais
essa criança viveu, além de todo esse trauma, a família e a criança tem que
lidar com toda a vigia ideológica e midiática criada.

Informações do Ministério da Saúde apontam que 70% dos casos de abuso


sexual infantil acontecem dentro da residência. É provável que com o
isolamento social adotado para diminuir a propagação do novo corona vírus,
tenha contribuído para o aumento dos casos de violência sexual contra
crianças e adolescentes.

Diante desse cenário, é possível prevenir e abordar esse assunto com as


crianças. Geralmente os abusadores procuram crianças que estão fragilizadas
e com problemas em outras áreas de suas vidas. De acordo com o psiquiatra
Felipe Batista em uma matéria feita pela Vogue, embora seja um assunto
delicado e distante de apresentar soluções simples, há muito o que os pais
podem fazer para proteger suas crianças: educa-las sobre seus corpos,
oferecer as ferramentas para reconhecer o abuso sexual e fortalecer nelas a
confiança, dando lhes o poder de fala.

O psiquiatra Felipe Batista cita algumas tarefas que os pais podem fazem para
prevenir ou lidar com o abuso sexual infantil:

 Enfatize que o corpo das crianças pertencer a elas

As crianças devem ser capazes de entender que ninguém tem permissão para
tocar em suas partes intimas ou olhar para elas fora de ambientes adequados,
como em um consultório médico.
 Compartilhe suas próprias histórias e inclua o máximo de sentimentos e
sensações que puder
 Peça permissão para tocar em uma criança

Quando pedimos permissão à crianças pequenas para tocá-las estamos dando


a elas a sensação de que têm controle e autonomia sobre seus corpos.

 Capacite as crianças a dizer não e falar abertamente


 Fique atento aos sinais

Crianças vítimas de abuso sexual, podem vir a apresentar sintomas, como foi
citado no capítulo 2 deste trabalho, elas podem manifestar alterações no
humor, tornando-se mais tristes, irritadas ou agressivas. Muitas vezes, ficam
mais introspectivas, evitando interação social. Prejuízo do rendimento escolar,
alteração do sono, pesadelos e incontinência urinária noturna podem revelar
que algo não vai bem. É importante também ficar alerta quando uma  criança,
inesperadamente, passa a rejeitar um adulto sem motivo aparente.
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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