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07/04/2019 A hipérbole e o Brasil grande, do varguismo ao lulismo

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Estado da Arte
Um espaço para a discussão de ideias para nosso tempo

A hipérbole e o Brasil grande, do


varguismo ao lulismo
As linhas de continuidade retórica entre o varguismo, a ditadura militar e o lulismo não apagam as
diferenças entre esses regimes políticos. Mas sugerem que se mobilizou um repertório comum da imagem do
Brasil Grande

Estado da Arte
07 de abril de 2019 | 16h00

Na origem da hipérbole do Brasil Grande no século XX, o varguismo

Por Idelber Avelar

Uma genealogia exaustiva das metáforas através das quais o Brasil se imaginou como pátria grandiosa poderia
regressar até a carta de Pero Vaz de Caminha, evidentemente, com seu entusiasmo sobre a fertilidade do solo. O
Brasil grande aparece em numerosas encarnações ao longo dos períodos colonial e imperial, na literatura, na
pintura, na jurisprudência, no discurso político e alhures. Há, no entanto, uma vertente particular e moderna
dessa metáfora, que é a imagem hiperbólica na qual nação e povo se fundem e a grandeza do Brasil se expressa na
grandeza de seu povo, em uma espécie de encaixe sem fissuras e sem sobras que está apenas à espera de sua
realização plena. O varguismo foi o grande artífice dessa hipérbole, que teria reiterações prolongadas durante a
ditadura militar e o lulismo. Essas linhas de continuidade retórica entre três regimes bastante distintos (quatro,
se consideramos que o varguismo se subdivide em períodos ditatorial e democrático) são pouco revisadas na
bibliografia de ciências sociais em geral, mas são visíveis à luz da análise do discurso. Na historiografia, já se
assinalaram algumas semelhanças e contrastes entre o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) varguista
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07/04/2019 A hipérbole e o Brasil grande, do varguismo ao lulismo
e a AERP (Assessoria Especial de Relações Públicas) da ditadura. Permanece ainda por ser plenamente estudada
a Blitzkrieg propagandística do Brasil grande lulista.

Na área de análise do discurso do populismo brasileiro, a pesquisa pioneira (e infelizmente pouco conhecida) foi
publicada por Maria Emilia A. T. Lima em 1990. Em A construção discursiva do povo brasileiro: Os discursos de
1˚ de maio de Getúlio Vargas (1990), Maria Emilia analisa os mecanismos através dos quais Vargas construiu
uma concepção particular de povo em sete discursos de 1˚ de maio proferidos como ditador do Estado Novo entre
1938 e 1944 e em quatro discursos proferidos como Presidente eleito entre 1951 e 1954. As premissas
metodológicas do trabalho de Maria Emilia se filiam à escola de análise do discurso inaugurada por Michel
Pêcheux no final dos anos 1960, para a qual a fidelidade da linguagem ao seu referente ou às reais intenções do
autor não são, em absoluto, problemas relevantes. Em outras palavras, pouco importa aqui que os trabalhadores
brasileiros dos anos 1940 fossem ou não fossem o que Vargas dizia que eram. Importa muito mais determinar
quais são os efeitos da interação que o discurso do varguismo produzia com a realidade social que ele ao mesmo
tempo traduzia e traía, representava e transformava. Maria Emilia demonstra que há uma evolução particular no
varguismo, segundo a qual os trabalhadores são inicialmente interpelados como tais e progressivamente diluídos
na categoria “povo”, que se constrói no varguismo de forma muito particular (o primeiro discurso, o de 1938, é o
único em que a palavra “povo” não aparece). A escolha do 1˚ de maio é simbólica, na medida em que ataca uma
memória da classe trabalhadora em geral, e do anarquismo em particular, e a dilui na categoria de povo,
evacuando-a de ódio de classe.

No varguismo, a identificação entre povo e nação é metonímica. Como demonstra Maria Emilia ao longo de seu
livro, chega-se a um momento em que já não há diferenciação possível entre “povo” e “povo brasileiro”. A nação é
o povo, que a ela expressa. O mapeamento de quais são os sintagmas nominais mais frequentemente associados
ao termo-chave rende resultados interessantes: “os inimigos do povo”, “o suor do povo” e “a miséria do povo” são
alguns dos mais recorrentes. Uma das definições possíveis de populismo é que se trata de um regime político-
discursivo que se sustenta na permanente produção de um inimigo do povo—aquela paradoxal fração do povo
que, por suas crenças, posições políticas ou lugar social, instala-se em um lugar exterior ao povo, abdica, por
assim dizer, de ser parte do povo. No Brasil, os populismos varguista e lulista trabalharam à exaustão a produção
do inimigo exterior ao povo, mas a ditadura militar também recorreu a essa estranha metonímia, a parte do todo
que se exclui do todo. Esses seres exteriores ao povo (os que se insurgiam contra o Estado Novo em 1940, os que
eram contrários ao monopólio estatal do petróleo em 1950, os que não suportavam que os pobres viajassem de
avião em 2010) acabam permitindo, claro, que o “povo” se constitua enquanto entidade homogênea que se
representa e se reconhece no pacto populista. É imperativa a existência do inimigo, ainda que ele seja imaginário.
Essa lógica através da qual uma totalidade se constitui por remissão, oposição e expurgo de um elemento que é,
ao mesmo tempo, parte dela e exterior a ela já foi descrita na filosofia pela corrente de pensamento associada a
Jacques Derrida com a alcunha de suplemento. O que nos interessa aqui é realizar um mapeamento inicial dos
antagonismos políticos que essa estrutura retórica coloca em movimento na história brasileira moderna.

Como demonstrou o historiador Carlos Fico em Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário
social no Brasil, 1969-1979, a Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP) da ditadura militar fomentou um
clima de otimismo ancorado nas categorias de integração, progresso, desenvolvimento com um pesado
investimento especialmente em propaganda televisiva. A AERP da ditadura militar manteve diferenças retóricas
importantes com o DIP varguista: ao contrário do departamento estado-novista, cuja propaganda passava
invariavelmente pela voz, pelo nome e pelo corpo do ditador, a assessoria da ditadura promoveu uma propaganda
despersonalizada e impessoal, que extraía sua força principalmente da imagem. A ditadura militar foi também
uma intensa produção de imagens hiperbólicas do Brasil, da Transamazônica a Tucuruí, do acordo nuclear com a
Alemanha à ponte Rio-Niterói. Como tem demonstrado Carlos Fico e as pesquisas que dialogam com seu
trabalho, como o livro e artigos de Nina Schneider e a dissertação de mestrado de Raphael Oliveira na UFF, a
AERP da ditadura militar manteve continuidades e realizou rupturas com o DIP varguista. Ela se distancia da
propaganda estado-novista ao promover um discurso despersonalizado e pouco doutrinário, calcado em imagens
grandiosas de obras ou em flashes do cotidiano, em famílias, cidades pequenas do campo, o trabalho, o carnaval,
o futebol. No entanto, como bem nota Raphael Oliveira em sua dissertação, o substrato histórico do povo ao qual
apela a propaganda da AERP vem de inconfundível linhagem estado-novista. A AERP trabalharia em um registro
bem mais tecnocrático e descentralizado que o DIP varguista, e sem dúvida evitaria os arroubos personalistas em
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que a propaganda se deixa atravessar pelo corpo e voz do soberano. Mas o modus operandi de suas hipérboles
bebe no encaixe povo-nação do varguismo.

Etimologicamente, “hipérbole” não alude apenas às ideias de exagero e excesso que se consolidariam como os
sentidos dominantes do termo. Bol- é a raiz nominativa de ballein, o verbo “lançar”, “atirar”. Hyperballein é
lançar ao além, atirar para o mais adiante. A operação característica do discurso hiperbólico é o permanente
movimento das balizas que o discurso tenta suplantar. Não por acaso, historiadores detectaram a dominância das
temáticas do desenvolvimento, do progresso e da integração nacional na operação propagandística da AERP
durante a ditadura militar. Nos discursos de Ernesto Geisel, é raro que não apareça alguma combinação entre as
palavras “planejamento”, “estratégico” e “nacional”. No discurso com que encerra o ano de 1975, já com o milagre
econômico em descenso, Geisel o microgerenciamento da economia chega a níveis inéditos. Preocupado com a
balança de pagamentos, Geisel anuncia uma sequência de medidas: empréstimos a juros subsidiados a
exportadores, isenção de impostos sobre lucros auferidos na exportação, linhas de crédito para produtores. A
política de juros subsidiados, de empresas campeãs nacionais escolhidas para benesses e da isenção de impostos
para setores considerados estratégicos seriam, claro, os eixos fundamentais da Nova Matriz Econômica de Dilma
e Mantega quatro décadas depois. Esse permanente hyperballein, esse constante mover-se das balizas a serem
ultrapassadas, essa reiterada repetição da mesma fórmula em versão intensificada, levaria o economista Marcos
Lisboa a comentar que o Brasil parece ter a vocação de repetir soluções já tentadas e fracassadas para os mesmos
problemas.

Hipérbole nos discursos de Geisel: até a minúcia do microplanejamento

O exame dos discursos presidenciais proferidos por Lula em seus dois mandatos (2003-10) e por Dilma Rousseff
e seu mandato e pouco menos de meio (2011-16) revela a volta dos temas do progresso e integração nacional com
preponderância, particularmente no período 2008-13, o auge do desenvolvimentismo lulista. As linhas de
continuidade retórica com o desenvolvimentismo da ditadura são inúmeras e merecem exame mais detalhado. Os
discursos que se constituem em torno a iniciativas como a indústria naval brasileira (tentada e fracassada duas
vezes, sob Geisel e sob Rousseff), a hidrelétrica de Belo Monte (projeto da ditadura militar ressuscitado pela Casa
Civil de Dilma e pelo Planalto de Lula em forma recauchutada, a fio d’água, e portanto já inviável
economicamente à luz da sazonalidade do Xingu) e o papel do banco estatal de fomento na “proteção” e no
“desenvolvimento” da indústria nacional são notavelmente semelhantes. Quando chegamos à descoberta do pré-
sal, vamos passando ao terreno da hipérbole sob o efeito de esteroides. No auge do desenvolvimentismo lulista,
Edison Lobão chegou a prometer uma usina nuclear por ano durante cinquenta anos e Dilma Rousseff anunciou
oitocentos aeroportos regionais, seis mil creches e um trem-bala entre Rio a São Paulo a ser inaugurado em 2016.
Não por acaso, os discursos de líderes políticos e intelectuais petistas e lulistas passam a incorporar menções
elogiosas cada vez mais frequentes à ditadura militar e ao seu caráter nacionalista e desenvolvimentista, que
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07/04/2019 A hipérbole e o Brasil grande, do varguismo ao lulismo
contrastaria favoravelmente com o “entreguismo” dos governos tucanos ou liberais.

Lula: posição favorável de petistas e lulistas ao nacionalismo militar era


componente da retórica do Brasil grande

As linhas de continuidade retórica entre o varguismo, a ditadura militar e o lulismo não apagam, evidentemente,
as enormes diferenças entre esses três (ou quatro) regimes políticos. Mas sugerem que se mobilizou um
repertório comum da imagem do Brasil Grande, em torno da qual se reiteram alguns dos mesmos dilemas não
resolvidos: a “integração” nacional feita às custas do genocídio indígena e de uma concepção da Amazônia como
colônia energética; a acoplagem da autoestima nacional a projetos grandiosos e faraônicos; a insistência em uma
suposta vocação histórica, que pode oscilar entre a coalizão cristã das nações ocidentais ou a potência
desenvolvimentista que impulsionará uma indústria naval, mas que sempre se encaminha rumo a uma meta
ideal, uma hipérbole concebida de antemão. A análise do discurso pode iluminar algumas dessas áreas de
continuidade que atravessam nossa história.

Idelber Avelar é ensaísta e professor de literatura na Universidade Tulane (Nova Orleans). Seus livros mais
recentes são Transculturación en suspenso: Los orígenes de los cánones narrativos colombianos (Caro y cuervo,
2016) e Crônicas do estado de exceção (Azougue, 2015).

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O fim da “espiral do silêncio” no Brasil
07/04/2019 A hipérbole e o Brasil grande, do varguismo ao lulismo

Em que medida os embates raivosos são sintoma da emergência de vozes que estavam silenciadas no debate
público?

Estado da Arte
05 de abril de 2019 | 19h04

por Isabelle Anchieta

Há uma belicosidade no ar. Nenhuma agressão parece estar mais imune a uma reação de igual (ou maior)
intensidade. Despidos, enfim, das roupas da civilidade estão os tupiniquins nus com os dentes à mostra! É o fim
da cordialidade nacional? Ou estamos vendo a nossa outra face? Sim, não se pode negar: fomos canibais
vingativos e, de certa forma, ainda somos. Mas o que mudou para ativarmos essa outra faceta violenta?

Ao que tudo indica, as pessoas, que até então silenciaram sobre temas delicados, resolveram levantar a voz.
Foram quase 13 anos de escuta das pautas tidas como progressistas e a consolidação de um falso consenso
nacional. Mas desde que o gigante acordou, em 2013, e se recusa a dormir, estamos percebendo que a aparente
paz do país estava assentada em uma falsa premissa de acordo entre os brasileiros. E eles não são uma minoria,
ou uma elite. Muito pelo contrário, acabam de eleger, com ampla vitória, um projeto político em curso no país.
Com isso, emerge também uma democracia barulhenta e combativa, na medida em que oferece legitimidade aos
que até então estavam calados.

As pessoas, que até então silenciaram



sobre temas delicados, resolveram
levantar a voz

Os temas tabus, como: o aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, os direitos humanos (especialmente
os destinados aos criminosos), as religiões, o ensino e mesmo a história nacional estão em xeque. O mais recente
embate é sobre a ditadura militar. Tema que parecia ser unanimidade nacional e que é, agora, revisitado
criticamente. Se por um lado não se pode negar as atrocidades do período; por outro, questiona-se (com razão), se
os supostos defensores da democracia não estavam também defendendo uma ditadura de outra natureza, a do
proletariado. Um dos integrantes da guerrilha brasileira, o jornalista Fernando Gabeira, é categórico ao afirmar
que não havia qualquer defesa da democracia naquele período e, sim, o desejo de instaurar uma ditadura de
esquerda. Tais embates tornam ainda mais difícil a identificação dos bandidos e dos heróis nacionais e
complexificam o nosso passado e o nosso presente. Mas como mantivemos a aparência de já termos fechado essa
questão? Cicatrizado essa ferida?

Para explicar esse frágil consenso nacional recorro a cientista social Noelle Neuman que desenvolveu uma teoria
que denominou de “espiral do silêncio”. Ele é “o resultado de um processo de espiral que incita os indivíduos a
perceber as mudanças de opinião pública e segui-las até que uma opinião se estabelece como a atitude
prevalecente, enquanto as outras opiniões são rejeitadas ou evitadas por todos, à exceção dos duros de espírito.
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07/04/2019 A hipérbole e o Brasil grande, do varguismo ao lulismo
Propus o termo espiral do silêncio para descrever este mecanismo psicológico”.

Um mecanismo que conta com um dos maiores temores humanos: o medo do isolamento, de não sermos aceitos e
bem quistos em um grupo. Assim, para não dissoar e abrir um debate, silenciamos e seguimos o fluxo da maioria.
Toqueville dizia algo similar. Para ele, as pessoas “temem o isolamento, mais do que o erro, e acabam por
compartilhar a opinião da maioria”.

Segundo Noelle Neuman, as pessoas são hábeis em perceber o que ela chama de “clima da opinião”. Em outras
palavras, as pessoas prestam atenção a qual opinião vigora naquele grupo sobre temas centrais. Um clima que
“depende de quem fala e de quem permanece em silêncio”. A opinião é sobretudo a “opinião que se faz pública”.
Ou lembrando a máxima de Winston Churchill: “não existe opinião pública, há opinião publicada”.

Essa máxima não tem mais a mesma força nas sociedades das redes sociais. Mesmo a complexa formação social
da espiral do silêncio parece ter seu ponto de quebra não só no Brasil, mas no mundo. São fatores visceralmente
associados. As redes sociais revelaram que uma opinião dissonante não está isolada. O encontro com grupos de
apoio nacionais e internacionais pode ter sido um dos motivadores da quebra do silêncio e da ruptura com o
aparente consenso nacional. As pessoas tomaram coragem de expressar o que pensam e até mesmo os seus
preconceitos, já que não se sentem mais isoladas.

Algo mudou profundamente em nosso país. Eu me arriscaria a dizer que há uma mudança de mentalidade com
efeitos duradouros em curso. Por isso, é preciso abrir os ouvidos e os olhos para esse canibal tupiniquim que
habita em nós e que poderá nos devorar. A agressividade dessa descoberta pode ser transformadora ou
destruidora.

Isabelle Anchieta é doutora em Sociologia pela USP, mestre em Comunicação pela UFMG, premiada como
Jovem Socióloga pela ISA/UNESCO.

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Podcast: A Pintura nos Países Baixos


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07/04/2019 A hipérbole e o Brasil grande, do varguismo ao lulismo
Confira o podcast com Antonio Gonçalves Filho (Estadão), Luiz Marques (Unicamp) e Pieter Tjabbes
(Universidade de Leiden).

Estado da Arte
04 de abril de 2019 | 05h48

A Pintura nos Países Baixos



Quem quisesse escrever uma “História de Perfeição” teria de dedicar um capítulo especial à pintura holandesa do
século XVII. Esse é o instante mágico no qual o homem, 40.000 anos depois que começou a pintar paredes de
cavernas, finalmente se percebeu capaz de representar absolutamente qualquer coisa tocada pela luz: um vestido
de cetim o ar vaporoso as escamas de um peixe um cálice de vinho
https://cultura.estadao.com.br/blogs/estado-da-arte/a-hiperbole-e-o-brasil-grande-do-varguismo-ao-lulismo/ e claro todos os matizes da carne sob a pele 7/11
de cetim,
07/04/2019 o ar vaporoso, as escamas de um peixe, um cálice
A hipérbole e o Brasilde vinho
grande, e, claro,
do varguismo todos os matizes da carne sob a pele
ao lulismo

humana. Qualquer vibração do nervo ótico podia agora ser comunicada à mão e de lá imortalizada em uma
superfície plana. Não por acaso, essa epifania visual aconteceu no mesmo espaço e tempo em que se aprimorava e
se popularizava máquina-mãe da fotografia e do cinema: a câmera escura. Era o tempo no qual a experiência
científica começava a desafiar a revelação religiosa como autoridade suprema do saber, e o espaço no qual
começavam a ser testados os aparatos democráticos e a sociedade de mercado na qual vivemos hoje. Enquanto os
artistas italianos, respirando a atmosfera das cortes banhadas pelo esplendor do renascimento católico,
idealizavam um novo mundo povoado pelos nus pagãos de atletas sobre-humanos, no ambiente austero da
Holanda mercantil e protestante, os pintores, movidos pelo amor ao real, enchiam os olhos com tudo o que
encontravam ao seu redor a fim de glorificar a vida como ela é. Como disse Hippolyte Taine

aquilo que [o gênio nacional holandês] exige e aquilo que ele provoca, é a representação do homem real e da
vida real, tal qual os olhos os veem: burgueses, camponeses, gado, lojas, estalagens, alojamentos, ruas e
paisagens. Não há necessidade de transformá-los para os enobrecer; basta que eles sejam, para serem dignos
de interesse. A natureza por ela mesma, seja qual for, humana, animal, vegetal, inanimada, com suas
irregularidades, suas trivialidades, suas lacunas, tem razão de ser como ela é; quando a compreendemos, a
amamos e gozamos ao vê-la. A arte tem por fim, não a alterar, mas interpretá-la; por força da simpatia, ela a
faz bela.

Convidados
Antonio Gonçalves Filho: crítico de arte, curador e repórter especial de cultura do jornal O Estado de São Paulo.

Luiz Marques: professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.

Pieter Tjabbes: graduado em Direito e História da Arte pela Universidade de Leiden, na Holanda, curador e sócio
fundador da Art Unlimited.

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Entre os mitos e o pragmatismo: o risco


de uma política externa patética
https://cultura.estadao.com.br/blogs/estado-da-arte/a-hiperbole-e-o-brasil-grande-do-varguismo-ao-lulismo/ 8/11
07/04/2019 A hipérbole e o Brasil grande, do varguismo ao lulismo
Ao representar o interesse nacional, a Política Externa carrega em si um elemento que torna sua
configuração ainda mais complexa.

Estado da Arte
29 de março de 2019 | 14h00

por Vinícius Müller

A formulação de qualquer política, no sentido de manifestação de certa intenção amparada em planejamento, em


uma ideologia ou em uma simples reconfiguração eleitoral, é fundada em um modo como se escolhe, hierarquiza
e reconta a História. Os elementos que orientam esta reorganização da História variam ao gosto de quem a conta
e conforme suas limitações do presente. Ou seja, é no presente, com todas as suas determinações, que escolhemos
qual história vamos contar de modo a justificar aquilo que imaginamos estar preparando para o futuro.

A confusão pode ser exemplificada. Há uma quase unânime opinião, ao menos entre aqueles que têm o mínimo
de responsabilidade, acerca da necessidade de um ajuste das contas públicas brasileiras. Um dos elementos que
compõem esse quadro é a dificuldade de estados e municípios em equilibrar seus orçamentos e cumprir com suas
responsabilidades. Entre elas, o pagamento de seus funcionários. Como resolver esse problema? Para alguns,
diminuindo o número de funcionários, criando, inclusive, mecanismos formais que permitam a demissão de
alguns deles. Para outros, reformando as regras da aposentadoria dos futuros inativos. Para outros tantos,
aumentando os impostos para ampliar a receita dos estados e municípios. Ou ainda reorganizando as relações de
direitos e deveres entre municípios, estados e união, de modo a redefinir o que chamamos, grosso modo, de pacto
federativo.

É no presente que escolhemos qual



história vamos contar de modo a
justificar aquilo que imaginamos estar
preparando para o futuro

Em geral, essa última proposta é defendida por aqueles que entendem ser a centralização excessiva. Também, em
geral são aqueles que se identificam com abordagens mais liberais
https://cultura.estadao.com.br/blogs/estado-da-arte/a-hiperbole-e-o-brasil-grande-do-varguismo-ao-lulismo/ sobre a economia a política e a sociedade São 9/11
geral,
07/04/2019 são aqueles que se identificam com abordagens
A hipérbole emais
o Brasilliberais sobre aaoeconomia,
grande, do varguismo lulismo a política e a sociedade. São
os mesmos que, muitas vezes, reconhecem na trajetória dos EUA elementos de sucesso, riqueza e
desenvolvimento, justificando-os pela inovação e precocidade do modelo federativo que o país adotou desde sua
independência no final do século XVIII. E, também, aqueles que, por isso, buscam na trajetória brasileira os
elementos constitutivos da centralização, apontando para os males que nos legou. Assim, são críticos ao legado da
centralização imperial, assim como do governo Vargas, e insistem em identificar na Constituição de 1988 um
desequilíbrio relacionado ao pacto federativo que, em tese, teria ampliado a descentralização sem, em
contrapartida, viabilizar financeiramente os estados e municípios. Em outras palavras, ao identificarem um
problema presente (a falência de estados e municípios), propõem uma política esperando que no futuro o
problema acabe. Mas, tal proposta é justificada pelo modo como enxergam e reconstroem a História, ou ao
menos, aquela que destaca os itens que confirmam o modo como definem os problemas.

Outros tantos exemplos podem ser dados. Política externa é um deles. Isso porque ela carrega um elemento que
torna sua configuração ainda mais complexa, dado que deve, entre suas funções, representar interesses baseados
em uma possível unidade. Ou seja, representa os interesses do país como se fosse possível defini-los em meio à
diversidade que o configura. Por isso, busca sempre algum tipo de embasamento mais subjetivo: interesse
nacional, patriotismo, defesa de valores universais, valores culturais, tradições morais, etc. Não que esta
subjetividade unificadora seja simplória por definição. Ao contrário, pode ser bastante complexa em sua
construção. E isso envolve o modo como recuperamos nossa História.

Sobre isso, Demétrio Magnoli, na obra O Corpo da Pátria (Editora Unesp/Moderna, 1997) retoma uma parte
desta História ao analisar como a geografia, especialmente o que chama de “imaginação geográfica”, moldou
parte considerável da política externa brasileira no século XIX. A imaginação, no caso, relaciona-se ao modo
como construímos certa identidade a partir da definição do território. E essa identidade esteve tanto na maneira
que entendemos o gigantismo territorial como parte essencial de nossa “brasilidade”, como também na
formulação das posições externas, principalmente nas definições das fronteiras do norte (Amazônia e a compra
do Acre em 1903) e na relação com a África Atlântica sob a pressão britânica ao longo do debate sobre o tráfico de
escravos. Além, certamente, das definições das fronteiras do sul, envolvidas pelas disputas e interesses argentinos
e paraguaios.

O interessante nesse caso é que a justificativa de uma política externa amparada na identidade territorial foi
amplamente vista como uma simples definição de algo que o Brasil teria uma espécie de direito histórico. Este
direito, na narrativa construída, derivava das definições territoriais da época colonial. Tanto, em caso específico,
das fronteiras organizadas pelo Tratado de Madri de 1750, como também – e especialmente – de um certo mito
criado como um elo entre um Brasil colonial e um Brasil definido como um Estado Nacional soberano. Um mito
romântico, portanto, como foi o do indianismo. Ou como foi e, para muitos ainda é, aquele que identifica a
abertura econômica como sendo inimiga dos reais interesses nacionais.

Neste sentido, a projeção relativa ao papel do país em seu posicionamento externo deve-se não só aos problemas
identificados no presente, mas também a como o passado é reconstruído de modo a justificar tal projeção. Já foi
assim em outros episódios, quando uma certa narrativa que nos incluía na tradição ocidental foi parcialmente
responsável pelo posicionamento do país na Segunda Grande Guerra. Ou quando, logo depois, um antigo
entusiasta da ‘germanização’ optou por recuperar uma inexistente trajetória democrática para justificar a
aproximação entre o Brasil e os EUA. Ou ainda, quando a defesa dos interesses nacionais foi confundida com
certo anticapitalismo juvenil. Assim como, logo depois, um perigoso anticomunismo lustrava a ideia de que ‘o que
é bom para os EUA é bom para o Brasil’. Por fim, a heroica política que se sustentava pela perspectiva de que
negócios internacionais que envolvem países com níveis diferentes de desenvolvimento resultam,
invariavelmente, em prejuízo aos menos desenvolvidos. Uma espécie de imperialismo contemporâneo. Assim,
toda a política externa deveria buscar certo isolamento em relação aos países ricos e, ao contrário, aproximação
com países em desenvolvimento.

Vale destacar que nenhuma delas era mentirosa. Todas tinham alguma referência histórica pertinente. Mas,
mesmo diferentes em suas propostas e justificativas, superestimavam os itens que as constituíam. E se
justificavam por uma visão mitológica sobre o passado. Mitos não são mentirosos. Só exageram e romantizam o
tempo pretérito em nome de uma ligação entre o passado e o presente. E ajudam a criar narrativas que, em tese,
https://cultura.estadao.com.br/blogs/estado-da-arte/a-hiperbole-e-o-brasil-grande-do-varguismo-ao-lulismo/ 10/11
07/04/2019 A hipérbole e o Brasil grande, do varguismo ao lulismo
nos unem em um passado e um futuro comum. Por isso, os exageros românticos que amparam as políticas
externas tendem a criação de mitos como o da grandiosidade geográfica, o da essência ocidental, o da exploração
pelo imperialismo, o da superioridade racial, entre outros.

Se tais mitologias nos ajudam a resgatar um passado que nos une, até pela própria necessidade da política externa
em representar de modo coerente um país que, internamente, apresenta tantas variações, também ajudam a
captura por questões ideológicas de parte importante de nossa representação internacional. Manter o que seria o
equilíbrio entre tais formulações românticas e ideológicas, de um lado, e o pragmatismo, de outro, parece ser o
ideal. Muitos já conseguiram, conforme a leitura do grande José Honório Rodrigues nos revela (Uma História
Diplomática do Brasil, 1531 – 1945. Com Ricardo Seitenfus. Civilização Brasileira, 1995). Mas, a dificuldade está
exatamente em manter esse equilíbrio. Nesse caso, o pendor, que muitos apresentam, favorável à idealização de
um passado que nos une, que explica o presente e justifica o que projetamos em matéria de política externa pode
nos tornar mais do que irrelevantes no plano internacional: coloca-nos em risco de sermos verdadeiramente
patéticos. A Venezuela comprova. O Brexit idem. O Brasil desta quadra da História parece correr esse risco
também.

Vinícius Müller é doutor em História Econômica pela USP e professor do Insper.

Mais conteúdo sobre: política externa Ciência Política Cultura política Política Vinicius Muller

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https://cultura.estadao.com.br/blogs/estado-da-arte/a-hiperbole-e-o-brasil-grande-do-varguismo-ao-lulismo/ 11/11

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