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5. Equilíbrio em misturas

5.1. Fundamentos

5.2. Critérios de equilíbrio e estabilidade de fases em misturas

5.3. Funções residuais para misturas

5.4. Fugacidade de compostos em mistura

5.5. A regra de fases de Gibbs

5.6. Exercícios resolvidos

5. Equilíbrio em misturas
5.1. Fundamentos
Por extensão da definição de potencial químico para uma substância pura,
também para um componente em mistura o potencial químico é definido a partir da
energia interna, considerando nesse caso a possibilidade de que quantidade de cada
composto varie independentemente. Nesse caso, tem-se:
𝑐

𝑑𝑈 = 𝑇𝑑𝑆 − 𝑃𝑑𝑉 + ∑ 𝜇̂ 𝑗 𝑑𝑛𝑗 ( 5-1 )


𝑗=1

em que o potencial químico de um componente na mistura (identificado por 𝜇̂ 𝑖 , com


o circunflexo para marcar a diferença para o potencial químico do composto puro,
𝜇𝑖 ) é definido por:
𝜕𝑈
𝜇̂ 𝑖 = ( ) ( 5-2 )
𝜕𝑛𝑖 𝑆,𝑉,𝑛
𝑗≠𝑖

Por extensão, considerando a definição de todas as outras funções auxiliares:


𝑐

𝐻 = 𝑈 + 𝑃𝑉 ⇒ 𝑑𝐻 = 𝑇𝑑𝑆 + 𝑉𝑑𝑃 + ∑ 𝜇̂ 𝑗 𝑑𝑛𝑗 ( 5-3 )


𝑗=1
𝑐

𝐴 = 𝑈 − 𝑇𝑆 ⇒ 𝑑𝐴 = −𝑆𝑑𝑇 − 𝑃𝑑𝑉 + ∑ 𝜇̂ 𝑗 𝑑𝑛𝑗 ( 5-4 )


𝑗=1
𝑐

𝐺 = 𝐻 − 𝑇𝑆 ⇒ 𝑑𝐺 = −𝑆𝑑𝑇 + 𝑉𝑑𝑃 + ∑ 𝜇̂ 𝑗 𝑑𝑛𝑗 ( 5-5 )


𝑗=1

Das quais resultam as definições com respeito a essas funções:


𝜕𝐻 𝜕𝐴 𝜕𝐺
𝜇̂ 𝑖 = ( ) =( ) =( ) ( 5-6 )
𝜕𝑛𝑖 𝑆,𝑃,𝑛 𝜕𝑛𝑖 𝑇,𝑉,𝑛 𝜕𝑛𝑖 𝑇,𝑃,𝑛
𝑗≠𝑖 𝑗≠𝑖 𝑗≠𝑖

Ou seja, o potencial químico de um componente é definido pela variação no


valor de uma propriedade ao variar a quantidade deste componente, mantidas
constantes as variáveis naturais da propriedade em questão (e a quantidade de todos
os outros componentes do sistema). No caso de um sistema monocomponente, as
equações acima se reduzem às formas já conhecidas.
Uma última observação pode ser feita a respeito da forma do potencial
químico como função da energia de Gibbs:
𝜕𝐺
𝜇̂ 𝑖 = ( ) = 𝐺𝑖 [𝑇, 𝑃, 𝒙] ( 5-7 )
𝜕𝑛𝑖 𝑇,𝑃,𝑛
𝑗≠𝑖

Ou seja, o potencial químico é a própria energia de Gibbs parcial.

5.2. Critérios de equilíbrio e estabilidade de fases em misturas


Consideremos novamente um sistema formado por c componentes, agora
distribuídos por duas fases I e II, e mantido isolado. O critério fundamental de
equilíbrio se mantém: a entropia desse sistema deve ser máxima sobre todos os
estados acessíveis. Assim, temos a seguinte função a ser maximizada:
𝑆 = 𝑆 𝐼 + 𝑆 𝐼𝐼 ( 5-8 )
mas, nesse caso, sujeita às seguintes restrições:
𝑛𝑖𝐼 + 𝑛𝑖𝐼𝐼 = 𝑛𝑖 , 𝑖 = 1, … , 𝑐 ( 5-9 )
𝑉 = 𝑉 𝐼 + 𝑉 𝐼𝐼 ( 5-10 )
𝑈 = 𝑈 𝐼 + 𝑈 𝐼𝐼 ( 5-11 )
Na aplicação do método dos multiplicadores de Lagrange, de maneira
semelhante à feita para o equilíbrio com um componente puro, este problema de
otimização não-linear dá origem à seguinte função:
Λ = 𝑆 𝐼 + 𝑆 𝐼𝐼 + 𝜆𝑉 (𝑉 𝐼 + 𝑉 𝐼𝐼 − 𝑉) + 𝜆𝑈 (𝑈 𝐼 + 𝑈 𝐼𝐼 − 𝑈) ( 5-12 )

5. Equilíbrio em misturas 5.2


𝑐

+ ∑ 𝜆𝑛𝑗 (𝑛𝑗𝐼 + 𝑛𝑗𝐼𝐼 − 𝑛𝑗 )


𝑗=1

A aplicação das condições de otimalidade leva a:


𝑇 𝐼 = 𝑇 𝐼𝐼 ( 5-13 )
𝑃𝐼 = 𝑃𝐼𝐼 ( 5-14 )
𝜇̂ 𝑖𝐼 = 𝜇̂ 𝑖𝐼𝐼 , 𝑖 = 1, … , 𝑐 ( 5-15 )
Comparando-se com os critérios de equilíbrio para um composto puro, nota-
se que os critérios de igualdade dos potenciais térmico (temperatura) e mecânico
(pressão) se mantêm, e o critério de igualdade do potencial químico é estendido
para todos os constituintes do sistema.
Também no que diz respeito às condições de estabilidade, os critérios de
estabilidade térmica e mecânica continuam válidos, devendo-se considerar apenas
que se aplicam a um sistema cuja composição seja constante, ou seja:
𝜕𝑃
( ) <0 ( 5-16 )
𝜕𝑉 𝑇,𝒙
𝜕𝑈
( ) >0 ( 5-17 )
𝜕𝑇 𝑉,𝒙
Para misturas, entretanto, há um critério adicional, que se poderia chamar
de critério de estabilidade química: o potencial químico não pode decrescer com a
quantidade de matéria do composto, mantidas constantes temperatura, pressão e a
quantidade de todos os outros compostos:
𝜕𝜇̂ 𝑖
( ) >0 ( 5-18 )
𝜕𝑛𝑖 𝑇,𝑃,𝑛
𝑗≠𝑖

em uma determinada fase.


Deve-se notar que os critérios de equilíbrio e estabilidade também se aplicam
a sistemas que contenham mais de duas fases. Nesse caso, sendo 𝜋 o número de
fases, valerá:
𝑇 𝐼 = 𝑇 𝐼𝐼 =. . . = 𝑇 𝜋 ( 5-19 )
𝑃𝐼 = 𝑃𝐼𝐼 =. . . = 𝑃𝜋 ( 5-20 )
𝜇̂ 𝑖𝐼 = 𝜇̂ 𝑖𝐼𝐼 =. . . = 𝜇̂ 𝑖𝜋 , 𝑖 = 1, … , 𝑐 ( 5-21 )

5. Equilíbrio em misturas 5.3


5.3. Funções residuais para misturas
Anteriormente foram definidas funções residuais para um composto puro:
foi visto de que maneira essas funções podem auxiliar tanto o cálculo de variações
de propriedades em processos quanto o cálculo do estado de equilíbrio.
É possível estender o conceito de função residual para misturas: basta alterar
ligeiramente sua definição para incluir a necessidade de considerar também a
composição em seu cálculo.
No caso de substâncias puras, a função residual era definida como a diferença
entre o valor de uma propriedade e o valor da mesma propriedade no estado de gás
ideal na mesma condição de temperatura e pressão. No caso de misturas, a definição
é semelhante, acrescentando-se apenas a restrição de igual composição. Assim, a
função residual é definida como sendo a diferença entre o valor de uma propriedade
em um determinado estado e o valor da mesma propriedade para uma mistura de
gases ideais de mesma composição, no mesmo estado de temperatura e pressão.
Como exemplo, a função residual da energia de Helmholtz é dada por:
𝑉
𝑅𝑇 𝑉 𝑀𝐺𝐼
𝐴[𝑇, 𝑉, 𝒙] − 𝐴𝑀𝐺𝐼 [𝑇, 𝑉 𝑀𝐺𝐼 , 𝒙] = − ∫ (𝑃 − ) 𝑑𝑉 + 𝑅𝑇ln ( ) ( 5-22 )
𝑉 𝑉

sendo que a integração deve ser realizada mantendo-se constante a composição; por
definição, o volume de uma mistura de gases ideais é igual a 𝑅𝑇/𝑃. Deve-se notar
que, para uma mistura, a própria forma da equação da pressão vai depender
necessariamente da composição, ou seja, 𝑃 = 𝑃[𝑇, 𝑉, 𝒙].
As outras propriedades são obtidas de maneira semelhante; por exemplo, a
entropia é:
𝜕𝐴
𝑆 = −( ) ( 5-23 )
𝜕𝑇 𝑉,𝒙
de maneira que:
𝜕𝐴 𝜕𝐴𝑀𝐺𝐼
𝑆[𝑇, 𝑉, 𝒙] − 𝑆 𝑀𝐺𝐼 [𝑇, 𝑉 𝑀𝐺𝐼 , 𝒙] = − ( ) +( )
𝜕𝑇 𝑉,𝒙 𝜕𝑇 𝑉 𝑀𝐺𝐼 ,𝒙
𝑉 ( 5-24 )
𝜕 𝑅𝑇 𝑉 𝑀𝐺𝐼
= ( ∫ (𝑃 − ) 𝑑𝑉 ) − 𝑅ln ( )
𝜕𝑇 𝑉 𝑉
∞ 𝑉,𝒙

Como feito no caso de substâncias puras, podem-se obter funções residuais

5. Equilíbrio em misturas 5.4


para as outras grandezas (H, U e G) a partir das equações acima e de informações
sobre o comportamento volumétrico.
Finalmente, o potencial químico residual pode ser obtido por meio de:
𝜕𝐴 𝜕𝐴𝑀𝐺𝐼
𝜇̂ 𝑖 [𝑇, 𝑉, 𝒙] − 𝜇̂ 𝑖𝑀𝐺𝐼 [𝑇, 𝑉 𝑀𝐺𝐼 , 𝒙] = ( ) −( ) ( 5-25 )
𝜕𝑛𝑖 𝑇,𝑉,𝑛 𝜕𝑛𝑖 𝑇,𝑉 𝑀𝐺𝐼 ,𝑛
𝑗≠𝑖 𝑗≠𝑖

Essa função pode ser calculada a partir da expressão final da energia de


Helmholtz residual, derivando-a com respeito a 𝑛𝑖 , mantendo constantes a
temperatura, o volume 𝑉, o volume do gás ideal 𝑉 𝑀𝐺𝐼 , e todos os 𝑛𝑗 , 𝑗𝑖.

5.4. Fugacidade de compostos em mistura


Deve-se notar, entretanto, que o potencial químico residual não pode ser
usado diretamente no cálculo de equilíbrio de fases – ao contrário do que acontecia
para uma substância pura. Isso ocorre porque o estado de referência da função
residual é o composto no estado de gás ideal em mistura na mesma composição do
sistema. Em duas fases em equilíbrio, as composições (como regra) não serão as
mesmas, o que faz com que o estado de referência seja diferente para as duas fases.
Como corrigir isso?
Anteriormente foi introduzido o conceito de fugacidade, uma grandeza
relacionada ao potencial químico que auxiliava no cálculo do equilíbrio de fases. Da
maneira como definida, ela era restrita a componentes puros, mas é possível
estender o conceito para componentes em mistura de uma maneira bastante
simples e direta.
Define-se fugacidade para um composto i em mistura pela expressão:
𝑓̂𝑖 𝜇̂ 𝑖 [𝑇, 𝑃, 𝒙] − 𝜇𝑖𝐺𝐼 [𝑇, 𝑃] 𝜇̂ 𝑖 [𝑇, 𝑉, 𝒙] − 𝜇𝑖𝐺𝐼 [𝑇, 𝑉 𝐺𝐼 ]
ln ( ) = = ( 5-26 )
𝑃 𝑅𝑇 𝑅𝑇
Deve-se atentar para uma sutileza da equação acima: a fugacidade é calculada
a partir da diferença entre o potencial químico do composto na mistura e o potencial
químico do composto puro no estado de gás ideal – o que faz com que a equação se
reduza trivialmente à equação para um composto puro quando a fração do
composto em questão tender à unidade.
Por que essa escolha? Porque é necessário que o estado de referência para o
cálculo da fugacidade seja sempre o mesmo, pois em duas fases em equilíbrio a

5. Equilíbrio em misturas 5.5


composição será diferente. Definida a fugacidade conforme a equação acima, o fato
de o potencial químico ser o mesmo em duas fases em equilíbrio implicará que a
fugacidade também o seja, o que permite reescrever a condição de equilíbrio como:
𝑓̂𝑖𝐼 = 𝑓̂𝑖𝐼𝐼 = ⋯ = 𝑓̂𝑖𝜋 , 𝑖 = 1, … , 𝑐 ( 5-27 )
Para calcular o valor da fugacidade, deve-se lembrar que:
𝜇̂ 𝑖 [𝑇, 𝑃, 𝒙] − 𝜇𝑖𝐺𝐼 [𝑇, 𝑃]
( 5-28 )
= 𝜇̂ 𝑖 [𝑇, 𝑃, 𝒙] − 𝜇̂ 𝑖𝑀𝐺𝐼 [𝑇, 𝑃, 𝒙] − (𝜇𝑖𝐺𝐼 [𝑇, 𝑃] − 𝜇̂ 𝑖𝑀𝐺𝐼 [𝑇, 𝑃, 𝒙])
A primeira diferença, 𝜇̂ 𝑖 [𝑇, 𝑃, 𝒙] − 𝜇̂ 𝑖𝑀𝐺𝐼 [𝑇, 𝑃, 𝒙], é simplesmente o potencial
químico residual, e pode ser calculado por meio de informações volumétricas. O
segundo termo, 𝜇𝑖𝐺𝐼 [𝑇, 𝑃] − 𝜇̂ 𝑖𝑀𝐺𝐼 [𝑇, 𝑃, 𝒙], corresponde à diferença entre o potencial
químico do composto puro no estado de gás ideal do composto e o potencial do
composto em mistura de gases ideais, com a mesma composição da mistura original
e nas mesmas condições de pressão e temperatura. Dada a correspondência entre
potencial químico e energia de Gibbs (molar ou parcial), para uma mistura de gases
ideias, foi visto que:
𝑀𝐺𝐼
𝐺𝑖 [𝑇, 𝑃, 𝒙] − 𝐺𝑖𝐺𝐼 [𝑇, 𝑃] = 𝑅𝑇𝑙𝑛𝑥𝑖 ( 5-29 )
da qual vem que:
𝜇𝑖𝐺𝐼 [𝑇, 𝑃] − 𝜇̂ 𝑖𝑀𝐺𝐼 [𝑇, 𝑃, 𝒙] = −𝑅𝑇𝑙𝑛𝑥𝑖 ( 5-30 )
de maneira que a diferença entre os potenciais que definem a fugacidade se torna:
𝜇̂ 𝑖 [𝑇, 𝑃, 𝒙] − 𝜇𝑖𝐺𝐼 [𝑇, 𝑃] = 𝜇̂ 𝑖 [𝑇, 𝑃, 𝒙] − 𝜇̂ 𝑖𝑀𝐺𝐼 [𝑇, 𝑃, 𝒙] + 𝑅𝑇ln𝑥𝑖 ( 5-31 )
A expressão da fugacidade, portanto, pode ser escrita:
𝑓̂𝑖 𝜇̂ 𝑖 [𝑇, 𝑃, 𝒙] − 𝜇̂ 𝑖𝑀𝐺𝐼 [𝑇, 𝑃, 𝒙] + 𝑅𝑇ln𝑥𝑖
ln ( ) = ( 5-32 )
𝑃 𝑅𝑇
ou, simplesmente:
𝑓̂𝑖 𝜇̂ 𝑖 [𝑇, 𝑃, 𝒙] − 𝜇̂ 𝑖𝑀𝐺𝐼 [𝑇, 𝑃, 𝒙]
ln ( ) = ( 5-33 )
𝑥𝑖 𝑃 𝑅𝑇
O segundo membro pode ser calculado a partir do potencial químico residual
– portanto, a partir de uma equação volumétrica de estado adequada para misturas.
O primeiro termo ocorre com frequência em cálculos, e a partir dele se define o
coeficiente de fugacidade de um componente em mistura 𝜑̂𝑖 :

5. Equilíbrio em misturas 5.6


𝑓̂𝑖
𝜑̂𝑖 = ( 5-34 )
𝑥𝑖 𝑃
Pode-se ver que para uma mistura de gases ideais o coeficiente de fugacidade
é igual à unidade, e:
𝑓̂𝑖𝑀𝐺𝐼 = 𝑥𝑖 𝑃 ( 5-35 )
Dessa expressão vem a noção de “pressão parcial.” Pode-se estudar também
o comportamento da fugacidade de um componente em mistura com respeito a
variações na temperatura e na pressão. Nesse caso, tem-se:
𝜕ln𝑓̂𝑖 𝐻̅𝑖 [𝑇, 𝑃, 𝒙] − 𝐻𝑖𝐺𝐼 [𝑇, 𝑃]
( ) = −( ) ( 5-36 )
𝜕𝑇 𝑃,𝑥 𝑅𝑇 2

𝜕ln𝑓̂𝑖 𝑉̅𝑖 [𝑇, 𝑃, 𝒙]


( ) = ( 5-37 )
𝜕𝑃 𝑇,𝑥 𝑅𝑇

Portanto, a fugacidade de um componente em mistura se relaciona com


pressão e temperatura de maneira semelhante à de compostos puros, apenas
considerando-se que as relações se estabelecem entre propriedades parciais.

5.5. A regra de fases de Gibbs


Para caracterizar um determinado sistema formado por um único
componente presente em somente uma fase é necessário conhecer duas
propriedades intensivas independentes, por exemplo, P e T, V e T, S e V ou S e P: isso
quer dizer que o sistema possui dois graus de liberdade. Para caracterizar uma
mistura monofásica, é necessário conhecer além de duas propriedades, a
composição: o número de graus de liberdade é 2 + 𝑛 − 1 – por exemplo, pode-se
fixar pressão, temperatura e 𝑛 − 1 frações. Para sistemas formados por misturas
distribuídas em muitas fases, a análise torna-se mais delicada, devido à quantidade
de relações que se estabelecem.
Consideremos, inicialmente, um líquido em equilíbrio com seu vapor
(condição de saturação). Seria necessário conhecer duas propriedades para
caracterizar cada fase (por exemplo, P e T), o que elevaria o número de graus de
liberdade para 4. Entretanto, existem três equações restritivas (igualdade de
pressão, temperatura e potencial químico nas duas fases), o que faz com que só haja
realmente um grau de liberdade. Essa é a razão por que a pressão de saturação tem

5. Equilíbrio em misturas 5.7


um valor único a cada temperatura.
De modo geral, um sistema formado por c componentes, distribuídos por 𝜋
fases, pode ser caracterizado pelas seguintes variáveis:
𝜋 valores de pressão em cada fase
𝜋 valores de temperatura em cada fase
𝜋(𝑐 − 1) valores de composição em cada fase
Ou seja, temos um total de 𝜋(𝑐 + 1) variáveis. O número de equações
restritivas será:
𝜋−1 relações de igualdade de pressão nas fases (𝑃𝐼 = 𝑃𝐼𝐼 =. . . = 𝑃𝜋 )
𝜋−1 relações de igualdade de temperatura (𝑇 𝐼 = 𝑇 𝐼𝐼 =. . . = 𝑇 𝜋 )
𝑐(𝜋 − 1) relações de igualdade de potencial químico (𝜇̂ 𝑖𝐼 = 𝜇̂ 𝑖𝐼𝐼 =. . . = 𝜇̂ 𝑖𝜋 ).
Isso resulta em (𝑐 + 2)(𝜋 − 1) equações restritivas. O número total de graus
de liberdade L será a diferença entre o número de variáveis e o número de relações:
𝐿 =𝑐−𝜋+2 ( 5-38 )
Essa equação é conhecida por regra de fases de Gibbs, relação muito
importante, mas sobre a qual devem ser tomadas algumas precauções. Inicialmente,
embora ela seja uma expressão bastante geral, não existe total liberdade de escolher
quaisquer variáveis em quaisquer valores. Há restrições aplicáveis tanto em virtude
de limitações físicas quanto por questões de consistência (as variáveis escolhidas
devem ser monotonicamente crescentes ou decrescentes, por exemplo). Além disso,
há a suposição (implícita em sua dedução) de que todos os componentes estejam
distribuídos em todas as fases. Casos em que haja alguma restrição a essa
distribuição completa, devida a uma barreira física (por exemplo, uma membrana)
ou às próprias características dos componentes do sistema, devem ser tratados
separadamente.

5.6. Exercícios resolvidos


Exemplo 5-1. Para uma mistura binária de gases que siga a equação virial truncada
no segundo, termo:
𝑅𝑇 𝐵𝑚 𝑅𝑇 ( 5-39
𝑃= +
𝑉 𝑉2 )
o segundo coeficiente virial da mistura 𝐵𝑚 escreve-se:

5. Equilíbrio em misturas 5.8


𝐵𝑚 = 𝑥12 𝐵11 + 2𝑥1 𝑥2 𝐵12 + 𝑥22 𝐵22 ( 5-40 )
Obtenha uma expressão para a fugacidade dos compostos (1) e (2) na
mistura.
Resolução. O cálculo é feito a partir da energia de Helmholtz residual para misturas:
𝑉
𝑅𝑇 𝑉 𝑀𝐺𝐼
𝐴[𝑇, 𝑉, 𝒙] − 𝐴𝑀𝐺𝐼 [𝑇, 𝑉 𝑀𝐺𝐼 , 𝒙] = − ∫ (𝑃 − ) 𝑑𝑉 + 𝑅𝑇ln ( )
𝑉 𝑉
∞ ( 5-41 )
𝑀𝐺𝐼
𝐵𝑚 𝑅𝑇 𝑉
= + 𝑅𝑇ln ( )
𝑉 𝑉
Escrevendo a versão extensiva dessa equação:

𝑀𝐺𝐼 𝑀𝐺𝐼
𝐵𝑚 𝑅𝑇 𝑉 𝑀𝐺𝐼
𝐴[𝑇, 𝑉, 𝒏] − 𝐴 [𝑇, 𝑉 , 𝒏] = 𝑛 ( + 𝑅𝑇ln ( ))
𝑉 𝑉
( 5-42 )
𝑛2 𝐵𝑚 𝑅𝑇 𝑉 𝑀𝐺𝐼
= + 𝑛𝑅𝑇ln ( )
𝑉 𝑉
Note-se que há duas operações feitas para a obtenção dessa expressão: a
energia de Helmholtz residual é multiplicada por n, e o valor do volume molar V é
desdobrado na razão entre o volume extensivo (𝑉) e o número de mols n.
Para a obtenção do potencial químico residual, deriva-se a expressão anterior
com respeito à quantidade de cada um dos compostos:
𝜇̂ 𝑖 [𝑇, 𝑉, 𝑥] − 𝜇̂ 𝑖𝑀𝐺𝐼 [𝑇, 𝑉 𝑀𝐺𝐼 , 𝒙]
𝜕𝐴 𝜕𝐴𝑀𝐺𝐼 ( 5-43 )
=( ) −( )
𝜕𝑛𝑖 𝑇,𝑉,𝑛 𝜕𝑛𝑖 𝑇,𝑉 𝑀𝐺𝐼 ,𝑛
𝑗≠𝑖 𝑗≠𝑖

Deve-se notar que o produto 𝑛2 𝐵𝑚 é função das quantidades de cada um dos


compostos:
𝑛2 𝐵𝑚 = 𝑛12 𝐵11 + 2𝑛1 𝑛2 𝐵12 + 𝑛22 𝐵22 ( 5-44 )
Assim:
𝜕𝐴 𝜕𝐴𝑀𝐺𝐼
𝜇̂ 1 [𝑇, 𝑉, 𝑥] − 𝜇̂ 1𝑀𝐺𝐼 [𝑇, 𝑉 𝑀𝐺𝐼 , 𝒙] =( ) −( )
𝜕𝑛1 𝑇,𝑉,𝑛2 𝜕𝑛1 𝑇,𝑉 𝑀𝐺𝐼,𝑛
2
( 5-45 )
2 𝑀𝐺𝐼
𝑅𝑇 𝜕(𝑛 𝐵𝑚 ) 𝑉
= ( ) + 𝑅𝑇ln ( )
𝑉 𝜕𝑛1 𝑛
𝑉
2

Como:

5. Equilíbrio em misturas 5.9


𝜕(𝑛2 𝐵𝑚 )
( ) = 2𝑛1 𝐵11 + 2𝑛2 𝐵12 ( 5-46 )
𝜕𝑛1 𝑛 2

De modo que:
(2𝑛1 𝐵11 + 2𝑛2 𝐵12 )𝑅𝑇 𝑉 𝑀𝐺𝐼
𝜇̂ 1 [𝑇, 𝑉, 𝑥] − 𝜇̂ 1𝑀𝐺𝐼 [𝑇, 𝑉 𝑀𝐺𝐼 , 𝒙] = + 𝑅𝑇ln ( ) ( 5-47 )
𝑉 𝑉
Como o potencial químico é uma grandeza intensiva, devemos ser capazes de
escrevê-lo somente em função de outras grandezas intensivas. Efetivamente,
reconhecendo (agora de modo inverso) que o volume total é o produto do volume
molar pelo número de mols:
(2𝑥1 𝐵11 + 2𝑥2 𝐵12 )𝑅𝑇 𝑉 𝑀𝐺𝐼
𝜇̂ 1 [𝑇, 𝑉, 𝑥] − 𝜇̂ 1𝑀𝐺𝐼 [𝑇, 𝑉 𝑀𝐺𝐼 , 𝒙] = + 𝑅𝑇ln ( ) ( 5-48 )
𝑉 𝑉
Que resulta, para a fugacidade:
𝑓̂1 (2𝑥1 𝐵11 + 2𝑥2 𝐵12 ) 𝑉 𝑀𝐺𝐼
ln ( )= + ln ( ) ( 5-49 )
𝑥1 𝑃 𝑉 𝑉
Para o composto 2, raciocínio análogo leva a:
𝑓̂2 (2𝑥2 𝐵22 + 2𝑥1 𝐵12 ) 𝑉 𝑀𝐺𝐼
ln ( )= + ln ( ) ( 5-50 )
𝑥2 𝑃 𝑉 𝑉

Exemplo 5-2. Recorde-se que que para a água em fase vapor, 300 𝐾 ≤ 𝑇 ≤ 625 𝐾,
tem-se:
(1) (2)
𝐵 𝐵
𝐵11 [𝑇] =
(0)
𝐵11 + 112 + 114 ( 5-51 )
𝑇 𝑇
em que
(0)
𝐵11 = −1,1821 × 10−4 𝑚3 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1
(1)
𝐵11 = 3,4578 × 101 𝑚3 ∙ 𝐾 2 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1
(2)
𝐵11 = −1,1426 × 107 𝑚3 ∙ 𝐾 4 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1
Para o metano, vale equação semelhante (250 𝐾 ≤ 𝑇 ≤ 770 𝐾), mas os
parâmetros, obviamente, são diferentes:
(0)
𝐵22 = 2,9300 × 10−5 𝑚3 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1
(1)
𝐵22 = −8,1968 𝑚3 ∙ 𝐾 2 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1
(2)
𝐵22 = 1,6409 × 105 𝑚3 ∙ 𝐾 4 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1

5. Equilíbrio em misturas 5.10


Para o parâmetro cruzado, a mesma dependência da temperatura é válida
(290 𝐾 ≤ 𝑇 ≤ 625 𝐾), com os seguintes parâmetros:
(0)
𝐵12 = 1,9029 × 10−5 𝑚3 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1
(1)
𝐵12 = −7,2840 𝑚3 ∙ 𝐾 2 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1
(2)
𝐵12 = 1,2721 × 105 𝑚3 ∙ 𝐾 4 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1
Calcule a fugacidade da água e do metano, bem como os respectivos
coeficientes de fugacidade, nas seguintes condições:
a) 𝑇 = 400 𝐾, 𝑃 = 1,0 𝑏𝑎𝑟 / 5,0 𝑏𝑎𝑟, 𝑥1 = 0,0 / 0,25 / 0,50 / 0,75 / 1,0 .
b) 𝑇 = 500 𝐾, 𝑃 = 10,0 𝑏𝑎𝑟 / 20,0 𝑏𝑎𝑟, 𝑥1 = 0,0 / 0,25 / 0,50 / 0,75 / 1,0 .
c) 𝑇 = 600 𝐾, 𝑃 = 30,0 𝑏𝑎𝑟 , 𝑥1 = 0,0 / 0,25 / 0,50 / 0,75 / 1,0 .

Resolução. Usamos as expressões obtidas anteriormente. Nesse caso, temos para


os segundos coeficientes viriais:

Tabela 5-1. Segundo coeficiente virial como função da temperatura para água (1) e
metano (2).
𝑇/𝐾 𝐵11 / 𝑚3 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1 𝐵22 / 𝑚3 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1 𝐵12 / 𝑚3 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1
400 –3,4843 𝗑 10-4 –1,5520 𝗑 10-5 –2,1527 𝗑 10-5
500 –1,6271 𝗑 10-4 –8,6176 𝗑 10-7 –8,0716 𝗑 10-6
600 –1,1032 𝗑 10-4 7,7972 𝗑 10-6 –2,2277 𝗑 10-7

Para a mistura, o coeficiente virial é função também da composição, conforme


a Tabela seguinte.

Tabela 5-2. Segundo coeficiente virial como função da temperatura e composição


para a mistura de água (1) e metano (2).
𝑇/𝐾 𝐵𝑚 / 𝑚3 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1
𝑥1 = 0,0 𝑥1 = 0,25 𝑥1 = 0,50 𝑥1 = 0,75 𝑥1 = 1,0
400 –1,5520 𝗑 10-5 –3,8579 𝗑 10-5 –1,0175 𝗑 10-4 –2,0503 𝗑 10-4 –3,4843 𝗑 10-4

500 –8,6176 𝗑 10-7 –1,3681 𝗑 10-5 –4,4930 𝗑 10-5 –9,4607 𝗑 10-5 –1,6271 𝗑 10-4

600 7,7972 𝗑 10-6 –2,5928 𝗑 10-6 –2,5743 𝗑 10-5 –6,1653 𝗑 10-5 –1,1032 𝗑 10-4

5. Equilíbrio em misturas 5.11


Na Tabela seguinte são apresentados os resultados para a fugacidade e para
o coeficiente de fugacidade.

Tabela 5-3. Fugacidade e coeficiente de fugacidade de água (1) e metano (2) em fase
vapor como função de temperatura, pressão e composição.
𝑇/𝐾 𝑃 / 𝑏𝑎𝑟 𝑥1 𝜑̂1 𝜑̂2 𝑓̂1 / 𝑏𝑎𝑟 𝑓̂2 / 𝑏𝑎𝑟
0,0 0,9992 0,9995 0,000 1,000
0,25 0,9950 1,0001 0,249 0,750
400 1,0 0,50 0,9919 1,0020 0,496 0,501
0,75 0,9901 1,0050 0,743 0,251
1,0 0,9895 1,0094 0,990 0,000
0,0 0,9959 0,9977 0,000 4,988
0,25 0,9749 1,0007 1,219 3,753
400 5,0 0,50 0,9600 1,0101 2,400 2,525
0,75 0,9508 1,0265 3,565 1,283
1,0 0,9476 1,0515 4,738 0,000
0,0 0,9963 0,9998 0,000 9,998
0,25 0,9809 1,0020 2,452 7,515
500 10,0 0,50 0,9699 1,0089 4,850 5,044
0,75 0,9632 1,0207 7,224 2,552
1,0 0,9608 1,0383 9,608 0,000
0,0 0,9927 0,9996 0,000 19,992
0,25 0,9621 1,0041 4,811 15,061
500 20,0 0,50 0,9402 1,0181 9,402 10,181
0,75 0,9265 1,0436 13,897 5,218
1,0 0,9215 1,0844 18,430 0,000
0,0 0,9951 1,0047 0,000 30,141
0,25 0,9686 1,0086 7,265 22,693
600 30,0 0,50 0,9496 1,0207 14,244 15,310
0,75 0,9378 1,0424 21,100 7,818
1,0 0,9335 1,0766 28,006 0,000

É possível observar algumas características importantes pela análise dos

5. Equilíbrio em misturas 5.12


dados anteriores. Inicialmente, observa-se que os desvios da idealidade não são
exagerados (embora em muitos casos não sejam desprezíveis tampouco). Em uma
mesma temperatura, quanto maiores as pressões, maiores os desvios da idealidade,
o que se espera. De modo geral, em temperaturas maiores os desvios tendem a ser
proporcionalmente menores. Finalmente, enquanto para a água o coeficiente de
fugacidade tende a ser menor que 1,0, para o metano, inversamente, ele é maior do
que 1,0. A razão para isso é o fato de que a temperatura crítica do metano é muito
pequena, e a temperatura reduzida do metano, nessas condições, é alta. Existe uma
temperatura (chamada de temperatura de Boyle) na qual o segundo coeficiente
virial anula-se; pode-se observar que, para o metano, isso ocorre em temperaturas
um pouco superiores a 500 K.

5. Equilíbrio em misturas 5.13

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