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JAKOBS.
Dentro da teoria do delito, prevalece uma concepção tripartida de crime, que o define
como fato típico, ilícito e culpável. O fato típico se compõe, nos crimes materiais, de conduta,
nexo causal, resultado e tipicidade. Vale recordar que, nesses crimes materiais, o resultado
naturalístico é imprescindível para a consumação, sendo exemplos os delitos clássicos da
história do direito penal, como o homicídio, a lesão corporal e o furto. Por tal razão, também
são denominados de crimes de resultado.
Nexo causal, a grosso modo, é a relação de causa e efeito entre a conduta realizada
pelo agente e o resultado previsto em lei como necessário para a consumação do delito. É o
vínculo etiológico, que permite imputar ao agente o resultado típico e, assim, em se tratando
de um crime material, enseja a sua responsabilização pelo crime na modalidade consumada.
Outra crítica feita à teoria da equivalência é que a eliminação da condição poderia tornar
impunes ações que efetivamente deram causa ao resultado. Clássico exemplo é o do café,
envenenado com doses letais por duas pessoas diferentes, sem vínculo subjetivo entre eles (um
não sabia da ação do outro, o que afasta o concurso de pessoas). Se eliminarmos uma conduta
de envenenamento, ainda assim a vítima teria morrido, o que pela teoria da equivalência nos
permitiria dizer que nenhum deles deu causa ao resultado morte, só sendo possível a punição
pela tentativa.
Também não se imputa um resultado à conduta do agente que, ainda que seja
intencional, não represente um risco juridicamente relevante. Cansada do seu marido, uma
moça lhe incentiva e pular de bungee jump, desejando fortemente sua morte, inclusive fazendo
meditação para que isso ocorresse. Ainda que ele venha a morrer, não se pode imputar a ela tal
morte, considerando que não criou, com sua conduta, um risco juridicamente relevante ao bem
jurídico. O risco inerente aos esportes radicais é permitido em nossa sociedade, desde que o
agente voluntariamente se submeta a eles.
Vale frisar que este critério, do risco juridicamente relevante, é bastante polêmico, seja
porque não caberia falar em observância do dever de cuidado nos delitos dolosos, seja porque
a situação já estaria abarcada na violação do risco permitido[3].
Roxin usa ainda um exemplo de Jeschek para tratar da imputação objetiva. Durante a
noite, dois ciclistas pedalam, um atrás do outro, sem nenhum farol de iluminação, apesar da
obrigatoriedade[5]. Um terceiro ciclista passa e se choca com o primeiro deles, ferindo-se
gravemente. Caso o segundo ciclista, não envolvido no acidente, possuísse farolete, o acidente
não teria ocorrido, já que ele iluminaria o ciclista que ia à frente. Entretanto, o segundo ciclista,
que vinha atrás, não poderia ser responsabilizado. Isto porque não se pode considerar que sua
conduta representou um risco proibido ao bem jurídico, considerando o âmbito de proteção
da norma.
Isto é, o dever legal imposto ao ciclista tem o escopo de evitar acidentes com o tráfego
do próprio ciclista, ou seja, aqueles que envolvam sua própria bicicleta. A imposição de tal
obrigação não busca a evitar acidentes entre terceiros, não é um dever de iluminar a via para
garantir o tráfego seguro para que outras pessoas pedalem sem iluminação alguma. Por estar
fora do âmbito de proteção da norma, a finalidade do dever imposto ao ciclista que não se
envolveu no acidente não permite que se lhe impute o resultado decorrente do choque entre
outros dois ciclistas, ainda que o equipamento de iluminação de sua bicicleta – acaso existente
– teria evitado o acidente.
Günther Jakobs, por sua vez, possui uma compreensão diversa sobre a imputação
objetiva. Para o defensor do funcionalismo sistêmico ou radical, a imputação objetiva deve
possuir uma coerência sistemática, partindo, portanto, de uma crítica ao método de Roxin, que
seria indutivo, ou seja, usaria casos concretos para, a partir deles, elaborar a sua teoria [8].
Vale lembrar que a ideia de sistema, a partir da concepção de Niklas Luhmann, é a base
do funcionalismo de Jacobs. Também é fundamental para compreender o funcionalismo radical
a ideia de que a função da norma penal é garantir a sua validade, sendo a pena uma reafirmação
da validade da norma (o agente, que a violou, negava a sua vigência, sendo a pena uma resposta
à negativa, a qual demonstra que a norma é válida.). A própria pena, para ele, tem o escopo de
manutenção da vigência da norma, em decorrência do contrato social. Assim, enquanto Roxin
orienta o Direito Penal para a proteção dos bens jurídicos, Jakobs tem como ideia nuclear a
manutenção e garantia de validade e vigência das próprias normas penais.
Para Jakobs, a imputação objetiva, baseada em uma teoria do tipo objetivo e com
utilização de método dedutivo, possui dois níveis[9]. O nível do comportamento se refere à
imputação do comportamento como típico. Por sua vez, o nível do resultado se refere à
imputação do resultado naturalístico ao autor, o que só se torna relevante nos crimes materiais.
Para tais delitos, o resultado produzido se justifica exatamente pelo comportamento (primeiro
nível de imputação), que é objetivamente imputável ao autor.
Jakobs também entende que não implica em imputação objetiva o risco permitido,
inclusive os riscos acarretados pelo contato social[10]. O autor também entende que há riscos
concretos agravados que são permitidos, como dirigir com a pista molhada e escorregadia,
independentemente do destino da viagem[11].
Por outro lado, há imputação objetiva quando o resultado se produziria mesmo sem a
conduta (omissiva ou comissiva) do agente, ou mesmo se o comportamento dele fosse
permitido. Jakobs prossegue explicando que a realização do risco não depende daquilo que
teria acontecido sem esse risco. Pelo contrário, a realização do risco depende do que aconteceu
por causa dele. A consideração de hipóteses levaria ao mesmo erro da conditio sine qua
non[13]. As elaborações hipotéticas, no fim das contas, excluiriam do bem jurídico a sua
garantia normativa.
O autor também destaca que o não-permitido é relativo, isto é, depende do risco que
levamos em consideração. Exemplifica com o dono de hotel que, se não deixa as luzes acesas
para entrada do estabelecimento (ação) ou não as acende quando devia (omissão), produz um
risco não permitido de quedas. Entretanto, a mesma conduta não representa risco proibido em
relação a assaltos que possam ocorrer na escuridão ou mesmo em relação a transeuntes
embriagados que se percam pela falta da iluminação do estabelecimento[14].
Por fim, critica a teoria da elevação do risco, ou seja, a imputação do resultado pelo
aumento do risco efetuado pelo agente. Isto porque entende que a elevação de um risco serve
para definir um comportamento proibido, mas não o nexo de finalidade da norma entre conduta
e resultado. As dúvidas sobre essa relação entre o fim da norma e a imputação do resultado,
para o autor, são processuais e devem ser resolvidas com base no in dubio pro reo.
IV – Críticas e conclusão
Sobre a imputação objetiva também são feitas severas críticas. Cezar Bitencourt diz que
se busca substituir uma análise causal por um critério jurídico, sendo que a causalidade é um
conceito natural, pré-jurídico (não é a norma jurídica que diz se o veneno causou a morte,
por exemplo, mas a medicina). O jurista brasileiro também aponta que os seus conceitos são
imprecisos, levando à insegurança jurídica. Para o autor, a teoria teria importância e espaço
reduzidos, já que nos crimes comissivos não basta a relação de causalidade, nos crimes de
omissão nem sempre é necessária tal relação e, por fim, nos crimes de mera atividade a relação
é absolutamente irrelevante[16].
Vale lembrar que toda simplificação de uma teoria complexa incorre em riscos de
críticas sobre superficialidade ou de não enfrentamento de todas as facetas dela decorrentes.
Friso, então, que aqui são feitas breves considerações para uma simples introdução à
teoria. Espero que essas linhas sobre imputação objetiva ajudem na compreensão do instituto.
[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral: volume 1. 10 ed. São
Paulo: Saraiva, 2006, p. 303.
[2] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral e parte especial. 18 ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 129.
[3] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral e parte especial. 18 ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 142.
[4] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral e parte especial. 18 ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 143.
[5] ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General, Tomo I. Fundamentos. La estrutura de la
teoria del delito. Traducción de la 2ª edición alemana. Madrid: Thomson Reuters, 1997, p. 377 -
379.
[6] PUPPE, Ingeborg. Estudos sobre imputação objetiva e subjetiva no direito penal. 1 ed. São
Paulo: Marcial Pons, 2019, p. 37-38.
[7] PUPPE, Ingeborg. Estudos sobre imputação objetiva e subjetiva no direito penal. 1 ed. São
Paulo: Marcial Pons, 2019, p. 23.
[8] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral e parte especial. 18 ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 146.
[10] JAKOBS, Günther. Tratado de direito penal. Teoria do Injusto Penal e Culpabilidade.
MOREIRA, Luiz (org.). MENDES, Gercélia B de O.; CARVALHO, G. de (trad.). Belo
Horizonte: Del Rey, 2008, p. 295.
[16] BITENCOURT, Cezar. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte
geral: volume 1. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 313.