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RESUMO
O presente estudo foi desenvolvido nos territórios das reservas extrativistas marinhas de: Tracuateua;
Caeté-Taperaçu; Arai-Peroba e Gurupi-Piriá. A implementação destas Unidades de Conservação –
UCs ocorreu a partir de 2005, e desde então representa uma forte estratégia de arranjo institucional
para o manejo participativo dos recursos pesqueiros. Os dados foram coletados entre fev/17 e mai/19,
através de entrevistas em profundidade, semiestruturadas e observação participante. A criação das
RESEX marinhas se deu em meio a uma série de conflitos socioambientais que proporcionaram a
estas populações tradicionais formar uma rede solidária de cooperação e articulação social, que
contribuiu também com os processos permanentes de geração de conhecimentos e tem estabelecido
novos marcos regulatórios para a conservação do ecossistema manguezal desta faixa litorânea. Esse
esforço vem freando a expansão da carcinicultura, e tem mantido um embate constante com a pesca
industrial, sobretudo com aquelas frotas que possuem licença para captura de peixes diversos com
rede de arrasto de fundo na plataforma continental amazônica. Está em curso um processo de
adaptação às novas estruturas de poder e governança tecidas nos territórios tradicionais de pesca,
edificadas em elementos da natureza, que acabam exercendo um papel crucial nas relações sociais e
contribuindo para a compreensão e adaptação à gestão compartilhada por estes pescadores e
pescadoras. Na atualidade, este novo quadro político institucional de ascensão de governos, que
visivelmente diminui os espaços coletivos de discussões, evidencia cada vez mais a necessidade
constante de reorganizações coletivas para que esses grupos sociais possam defender seus territórios
e seus modos de vida, majoritariamente ligados à extração dos recursos pesqueiros.
ABCTRACT
The present study was developed in the territories of the extractive marine reserves of: Tracuateua;
Caeté-Taperaçu; Arai-Peroba and Gurupi-Piriá. The implementation of these Conservation Units –
UCs occurred in 2005, and since then represents a strong strategy of institutional arrangement for
participatory management of the fishery resources. Data were collected between Feb/17 and May/19,
through in-depth, semi-structured interviews and participant observation. The creation of marine
RESEX occurred amid a series of socio-environmental conflicts that allowed these traditional
populations to form a solidary network of cooperation and social articulation that also contributed to
the permanent processes of knowledge generation and established new regulatory frameworks for
conservation of the mangrove ecosystem of this coastal area. This effort has slowed the expansion of
Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 12, p. 31686-31701, dec. 2019. ISSN 2525-8761
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Brazilian Journal of Development
shrimp farming, and has maintained a constant conflict with industrial fishing, especially with those
fleets that are licensed to catch several fishes with bottom trawls on the Amazon continental shelf.
There is an ongoing process of adaptation to the new power and governance structures that was woven
in traditional fishing territories and was built on elements of nature, that is playing a crucial role in
social relations and contributing to understanding and adapting to the shared management of these
fishermen and fisherwomen. At present, this new institutional political framework of Governments'
ascension that visibly diminishes the collective spaces of discussions, increasingly evidences the
constant need for collective reorganizations so that these social groups can defend their territories and
their ways of life, mostly linked to extraction of fishery resources.
1 INTRODUÇÃO
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Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social,
que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral
e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (BRASIL, 2007, p. 1).
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De acordo com a CNBB, as Pastorais Sociais compreendem a solicitude de toda a Igreja Católica para com as questões
sociais, isso dentro de uma dimensão sócio transformadora a partir da evangelização. as Pastorais Sociais são setorizadas
em onze: da terra, operária, da criança, do menor, da saúde, carcerária, do povo da rua, dos pescadores, dos migrantes, da
mulher marginalizada e dos nômades. Estes setores têm como finalidade concretizar ações sociais específicas diante de
situações reais de marginalização, é procurar respostas e apontar caminhos coletivos através de ações e organizações para
resolução e enfrentamentos destas de situações (CNBB, 2001).
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Para fins desta tese, consideraremos como pesca as definições dadas pela Lei Nº 11.959, de 29 de junho de 2009, que
estabelece a pesca como toda operação, ação ou ato tendente a extrair, colher, apanhar, apreender ou capturar
recursos pesqueiros.
2 DISCUSSÃO
A articulação pró-RESEX chega ao litoral amazônico na década de 1990 e traz consigo
reivindicações que têm promovido tanto os processos contínuos de recomposição e reconfiguração
dos territórios tradicionais quanto as reafirmações de suas territorialidades6 (TEISSERENC &
TEISSERENC, 2016).
De acordo com Simone Maldonado (1993) que propõe como a expressão da territorialidade
pesqueira ao analisar as estratégias que propiciam a criação de mecanismos políticos de organização
para lidar com as mudanças e oscilações inerentes aos processos evolutivos da atividade pesqueira, o
que tem, de certa maneira, se tornado fundamental para as populações tradicionais reconfigurarem as
formas de apropriação e o uso dos espaços, consolidando e reafirmando sua territorialidade.
É estes novos elementos que levam Glaser & Oliveira (2004) a intitularem as Reservas
Extrativistas Marinhas de RESEX de “segunda geração”, definição em que os contextos políticos,
organizacionais e institucionais aparecem diferenciados das reservas extrativistas criadas em terras
amazônicas no final da década de 1980. O sentido ecológico, neste caso, é extrapolado e nota-se um
sentido social diferente:
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Um ato ou conjunto de atos que levam em conta as ações e reações dos indivíduos ou “agentes” em sociedade. Os
indivíduos agem considerando o comportamento dos outros, e é assim orientado em seu curso para um ato coletivo como
resultante social (WEBER, 1979).
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Para fins de compreensão, pescador artesanal é considerado aqui como: aqueles que reproduzem seus modos de vida
basicamente de recursos pesqueiros, capturados com uso de baixo aporte tecnológico e com predominância de relações
de trabalho centrado na família, nos regimes de parceria e/ou compadrio com fortes laços de solidariedade. Além de
intrínsecas relações com fatores ambientais, que norteiam seus saberes e fazeres repassados através da oralidade e
observação ao longo das gerações (DIEGUES, 1983).
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A explicação dos conceitos, noções e práticas em que se constituem a territorialidade, e o seu segredo na pesca, não
pode prescindir, ao nível analítico, da identificação do desenvolvimento tecnológico dos diversos grupos ou das condições
ecológicas de cada lugar que vão influenciar de maneira determinante a sazonalidade e a localização da pesca. Estes dois
elementos conjugados, por sua vez determinam o acesso que os pescadores têm ao mar, tanto em termos da distância a
que podem chegar e em que podem constituir seus territórios, como nos termos das relações sociais que ordenam o
usufruto dos recursos existentes (MALDONADO, 1993, p. 25).
3 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
A trajetória metodológica da presente investigação geográfica foi construída por meio de
pesquisas qualitativas, seguindo os preceitos propostos por Poupart et al (2008), compreendendo-a
como “um espaço de práticas relativamente diversificadas e múltiplas”, voltadas para o estudo de
problemas sociais.
Como destacou Moraes (2005), para gerar análises sociológicas, antropológicas e políticas
das questões ambientais demanda toda uma labuta de cunho teórico-metodológico. Por isso, para
atingir os objetivos propostos nesta pesquisa, foi realizada uma grande articulação entre prática e
teoria.
Em termos práticos, a práxis tem sido decisiva, notadamente com a participação em reuniões,
seminários, encontros e congressos de extrativistas, e, paralelamente, com incursão a eventos
científicos, algo ocorridos com maior intensidade nos últimos dois anos (2017-2019). Destaca-se,
neste contexto, o entrelaçamento entre a práxis paulofreiriana7 e a prática pedagógica realizada em
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Ao conceber os pescadores e pescadoras artesanais sujeitos deste estudo, enquanto seres sociais que transformam seus
espaços e nestes processos se autotransformam, se recriam, ou seja, na luta pela reprodução dos seus modos de vida, os
pescadores e pescadoras transformam suas condições sociais da vida que é, ao mesmo tempo, autocriação e criação
coletiva de si mesmo. Segundo Freire (1987), a prática pedagógica deve ser uma ação de transformação social, a prática
docente deve ser constantemente dialogada com a realidade objetiva e subjetiva da docência. A realização destas relações
conceituais e reflexões sobre as implicações na prática educativa de sujeitos sociais, educadores-estudantes visualiza-se
à educação como emancipação social. “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre
si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE,1987, p.39). Desta forma, o resgate aqui do conceito de práxis, originaria da
tradição marxista, associado ao conceito de prática pedagógica imbricada em Paulo Freire, e, por conseguinte, à educação
na definição de sentido mais amplo e à ação transformadora é oportuna e contemporânea para as indagações aqui postas.
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Mesmo obtendo autorização prévia dos entrevistados, os nomes foram omitidos para preservar suas identidades.
4 RESULTADOS
A institucionalização dos territórios tradicionais de pesca em RESEX marinha se deu em
meio a uma série de acontecimentos que vão desde ideias de território de uso comum; a
redemocratização do país; perpassando pelos desdobramentos da Conferência das Nações Unidas
sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92) e por último, porém não menos importante, a
necessidade de estabelecer marcos regulatórios para conservação mais efetiva dos manguezais da
região, algo que pudesse “conter” a expansão desordenada da pesca industrial e da carcinicultura em
áreas estuarinas, ambas que vinham, especialmente do nordeste brasileiro sob a égide da forma de
reprodução capitalista hegemônica.
As ideias de os territórios de uso comum se difundiram na região, inicialmente através de
uma articulação entre o Movimento dos Pescadores do Estado do Pará (MOPEPA)9 e Centro Nacional
de Populações Tradicionais (CNPT/IBAMMA) e posteriormente com a Universidade Federal do Pará
(UFPA), Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (EMATER/PA), os
Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) e Comissão Pastoral do Pescadores
(CPP).
Estas instituições foram fundamentais para o entendimento, adaptações e difusão do conceito
desta modalidade de unidade de conservação, principalmente entre as lideranças comunitárias: “a
gente tinha uma parceria muito grande com o CNPT, era o órgão ligado ao MMA, Ministério do Meio
Ambiente. Através da nossa parceria eu conheci o projeto da reserva”. Relações estas que
contribuíram para ocasionar processos permanentes de geração de conhecimentos, com bem elucidou
Freire, (1987), de forma simultânea de “ação e reflexão e ação”.
Obviamente, que estes processos e concepções conservacionistas ganharam potência entre
os técnicos do CNPT/IBAMA, após as discussões ocorridas durante a Rio-92 e seus reflexos
verberaram nos anos seguintes, como até hoje muito do que foi discutido na conferência permanece
atual. Certamente, não sou o primeiro a observar tais conexões, que contribuiu para a intensificar as
discussões acerca de alternativas que pudessem viabilizar a conservação dos ecossistemas dos
ecossistemas tropicais, dentre eles o manguezal, sobretudo, através de modelos que vislumbrasse a
participação das populações humanas que utilizam historicamente seus recursos para reprodução dos
seus modos de vida.
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O Movimento dos Pescadores do Estado do Pará (MOPEPA) é a representação paraense do Movimento Nacional dos
Pescadores (MONAPE) (POTIGUAR-JÚNIOR, 2007).
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Macrozoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Pará (MacroZEE) aprovado pela Assembleia Legislativa do
Estado do Pará (ALEPA) em 2005, vinha a compor o Programa de Zoneamento Ecológico-Econômico (MacroZEE), que
fora criado via Decreto Federal nº 99.193/90, entretanto, somente a partir de 2000 é que o PZEE passou de fato a integrar
a o planejamento central. No estado do Pará, com a premissa de incentivar o desenvolvimento das atividades econômicas
de bases manejáveis, a redução dos conflitos fundiários, bem como contribuir com a diminuição do desmatamento ilegal,
o MacroZEE passou a ser o principal instrumento da política de ordenamento territorial do Estado (FARIAS et al., 2016).
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Este conceito de unidades de mobilização refere-se à aglutinação de interesses específicos de grupos sociais não
necessariamente homogêneos, que são aproximados circunstancialmente pelo poder nivelador da intervenção do Estado
– por meio de políticas desenvolvimentistas, ambientais e agrárias – ou das ações por ele incentivadas ou empreendidas,
tais como as chamadas obras de infra-estrutura (ALMEIDA, 2004, p.10).
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As colônias de pescadores do Brasil, têm sua gênese a partir de 1919 por iniciativa da Marinha de Guerra. Nesta época,
o país, apesar de possuir um vasto litoral e uma grande diversidade de águas interiores, importava parte considerável dos
peixes que eram consumido, e alicerçado no discurso de fomentar a produtividade pesqueira, aliado ao de defesa da
soberania nacional, já que ninguém melhor que os pescadores, que empiricamente detêm os “segredos” do mar.
Sentimento que cresceu após a primeira guerra mundial, aumentou o interesse do Estado em defender a costa brasileira.
Desde então as colônias de pescadores estiveram sob a tutela do Estado, estando os pescadores artesanais sob o controle
e dominação política de órgãos governamentais, primeiro da Marinha e depois Ministério da Agricultura. As colônias
eram definidas como agrupamento de pescadores ou agregados associativos. Para poder exercer oficialmente a atividade
pesqueira, os pescadores eram obrigados a se matricular nas colônias. Até então, as relações instituídas entre pescadores
e Estado se caracterizavam pelo paternalismo e pelo assistencialismo. A partir da promulgação da Constituição Federal
de 1988, os pescadores artesanais conquistaram avanços no que tange aos direitos sociais e políticos, quando as colônias
5 GUISA DE CONCLUSÃO
A partir da análise da história de vida (HV) das 20 principais lideranças pesqueiras envolvidas
diretamente na gênesis destas ações sociais, que culminaram na institucionalização dos territórios
tradicionais de trabalho e de reprodução do modo de vida dos pescadores e pescadoras artesanais do
litoral nordeste do estado do Pará em RESEX Marinhas, aqui estudados, nos revelou os traços centrais
de seus percursos de formação política, e que a maioria, nitidamente encontram apoio e ressonância
nas organizações religiosas, especialmente na igreja católica e nos movimentos sociais ligados à pesca
artesanal e ao meio ambiente.
A institucionalização destes territórios em RESEX Marinhas, de fato estabelecer novos
marcos regulatórios para conservação do ecossistema manguezais desta faixa litorânea, o que
visivelmente contribuiu para frear a expansão da carcinicultura para o litoral norte do Brasil e tem
mantido um embate constante com a pesca industrial, sobretudo aquelas frotas que possuem licença
de pescadores, através do artigo 8º foram equiparadas aos sindicatos de trabalhadores rurais, recebendo a configuração
sindical (MORAES, 2001).
Apesar da inconsonância, vale destacar que essas atividades impactam o meio ambiente,
guardando suas devidas proporções e percepções do espaço onde e como suas técnicas de capturas
são realizadas. Neste caso, em especial, como se trata de territorialidades que atuam simultaneamente
no espaço e no tempo, uma prejudica de maneira direta a permanência da outra, o que pode explicar
as reivindicações em torno de um território “exclusivo” para a pesca artesanal.
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A Instrução Normativa nº 2 de 15 de janeiro de 2010 que em seu artigo 1º define peixes diversos da seguinte maneira:
I - Espécies a capturar: pescada-gó Macrodon ancylodon; pescada-curuca Micropogonias furnieri; cambéua Notarius
grandicassis; corvina Cynoscion sp.; peixe-espada Trichiurus lepturus; paru Chaetodipterus faber; uritinga Sciades
proops; sardinha Anchoviella sp.; bandeirado Bagre bagre; peixe-galo Selene setapinnis e Selene vomer; cangatá Arius
quadriscutis; e peixe-pedra Genyatremus luteus; (BRASIL, 2010).
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A Instrução Normativa nº 2 de 15 de janeiro de 2010 que em seu artigo 1º define arrasto de fundo como: II - Método
de pesca: arrasto de fundo com portas, sem correntes na tralha inferior, com malhas de tamanho mínimo de 100 mm
no corpo da rede e 70 mm no túnel de saco, medidas tomadas entre nós opostos da malha esticada; (BRASIL, 2010).
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Instrução Normativa nº 2 de 15 de janeiro de 2010 que em seu artigo 1º resolve: Permitir a concessão de Autorização
Provisória de Pesca para embarcações devidamente autorizadas para a pesca de arrasto de camarão-rosa,
excepcionalmente no período do defeso 2009/2010, na área compreendida entre a fronteira do Guiana Francesa com o
Brasil (linha loxodrômica que tem o azimute verdadeiro de 41º30', partindo do ponto definido pelas coordenadas de
latitude 4º30'30''N e longitude de 51º38'12''W) e a divisa dos estados do Piauí e Ceará (Meridiano de 41º12'W) (BRASIL,
2010).
REFERÊNCIAS