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Brazilian Journal of Development

Resex marinha do litoral amazonico: territórios e territorialidades pesqueiros

Amazon coast marine resex: territories and fishing territorialities


DOI:10.34117/bjdv5n12-257

Recebimento dos originais: 07/10/2019


Aceitação para publicação: 18/12/2019

Josinaldo Reis do Nascimento


Biólogo, docente do IFPA Campus Bragança. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em
Geografia Humana da Universidade de São Paulo. DINTER USP/UNIFESSPA. Membro dos
Grupos de Pesquisa: Educação, Trabalho, Tecnologia, Humanidades e Organização Social
(ETTHOS) e Estudos Socioambientais Costeiros (ESAC)
IFPA Campus Bragança, Laboratório de Pesca. End. Avenida dos Bragantinos, s/nº, Vila Sinhá,
Bragança-PA, CEP: 68.600-000
E-mail: josinaldo.reis@ifpa.edu.br

RESUMO
O presente estudo foi desenvolvido nos territórios das reservas extrativistas marinhas de: Tracuateua;
Caeté-Taperaçu; Arai-Peroba e Gurupi-Piriá. A implementação destas Unidades de Conservação –
UCs ocorreu a partir de 2005, e desde então representa uma forte estratégia de arranjo institucional
para o manejo participativo dos recursos pesqueiros. Os dados foram coletados entre fev/17 e mai/19,
através de entrevistas em profundidade, semiestruturadas e observação participante. A criação das
RESEX marinhas se deu em meio a uma série de conflitos socioambientais que proporcionaram a
estas populações tradicionais formar uma rede solidária de cooperação e articulação social, que
contribuiu também com os processos permanentes de geração de conhecimentos e tem estabelecido
novos marcos regulatórios para a conservação do ecossistema manguezal desta faixa litorânea. Esse
esforço vem freando a expansão da carcinicultura, e tem mantido um embate constante com a pesca
industrial, sobretudo com aquelas frotas que possuem licença para captura de peixes diversos com
rede de arrasto de fundo na plataforma continental amazônica. Está em curso um processo de
adaptação às novas estruturas de poder e governança tecidas nos territórios tradicionais de pesca,
edificadas em elementos da natureza, que acabam exercendo um papel crucial nas relações sociais e
contribuindo para a compreensão e adaptação à gestão compartilhada por estes pescadores e
pescadoras. Na atualidade, este novo quadro político institucional de ascensão de governos, que
visivelmente diminui os espaços coletivos de discussões, evidencia cada vez mais a necessidade
constante de reorganizações coletivas para que esses grupos sociais possam defender seus territórios
e seus modos de vida, majoritariamente ligados à extração dos recursos pesqueiros.

Palavras-chave: RESEX Marinha, Territórios, territorialidades, Ações sociais

ABCTRACT
The present study was developed in the territories of the extractive marine reserves of: Tracuateua;
Caeté-Taperaçu; Arai-Peroba and Gurupi-Piriá. The implementation of these Conservation Units –
UCs occurred in 2005, and since then represents a strong strategy of institutional arrangement for
participatory management of the fishery resources. Data were collected between Feb/17 and May/19,
through in-depth, semi-structured interviews and participant observation. The creation of marine
RESEX occurred amid a series of socio-environmental conflicts that allowed these traditional
populations to form a solidary network of cooperation and social articulation that also contributed to
the permanent processes of knowledge generation and established new regulatory frameworks for
conservation of the mangrove ecosystem of this coastal area. This effort has slowed the expansion of
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shrimp farming, and has maintained a constant conflict with industrial fishing, especially with those
fleets that are licensed to catch several fishes with bottom trawls on the Amazon continental shelf.
There is an ongoing process of adaptation to the new power and governance structures that was woven
in traditional fishing territories and was built on elements of nature, that is playing a crucial role in
social relations and contributing to understanding and adapting to the shared management of these
fishermen and fisherwomen. At present, this new institutional political framework of Governments'
ascension that visibly diminishes the collective spaces of discussions, increasingly evidences the
constant need for collective reorganizations so that these social groups can defend their territories and
their ways of life, mostly linked to extraction of fishery resources.

Keywords: Marine RESEX, Territories, Territorialities, Social actions

1 INTRODUÇÃO

2.1 Estirão de vento

2.2 “(...) Num estirão de vento


Vindo de Curuçá
Atravessei aventadas baias
Desejando te encontrar

Á onde está você


Minha bela capitoa
Com olhos negros
Que guiavam minha canoa

Nas águas enluaradas


2.3 Da beira do caeté
2.4 Espiei uma morena

1 Banhado se na maré (...)”

3 (Waldemar Vergara L. Filho)

A presente reflexão geográfica foi desenvolvida no litoral nordeste do estado do Pará, em


um recorte da microrregião bragantina, nos territórios das reservas extrativistas marinha de
Tracuateua; Caeté-Taperaçu; Marinha Arai-Peroba e Gurupi-Piriá (Figura 01).
Esta faixa costeira é formada por paisagens dominadas predominantemente pelo ecossistema
manguezal, drenado por diversos rios e furos e que formam reentrâncias nas extensas áreas estuarinas,
apresentando uma grande abundância e diversidade da biota aquática, o que assegura uma alta
produtividade pesqueira (FERNANDES, 2003; ISAAC-NAHUM et al., 2006).

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Esta faixa costeira se caracteriza, sobretudo, por apresentar grande abundância e diversidade
da biota aquática, o que assegura uma alta produtividade pesqueira (FREDOU & ASSANO, 2006).
Esta alta produtividade pesqueira está diretamente relacionada aos elevados índices de matéria
orgânica proporcionados pela dinâmica das florestas de mangue e dos rios, formando condições
favoráveis para reprodução e desenvolvimento dos estoques pesqueiros (VANNUCCI, 1999).
Neste universo litorâneo, o recorte para nossa reflexão geográfica, os territórios são cercados
de práticas históricas de uso e manejo dos recursos naturais por suas populações tradicionais 1
(BARBOZA & PEZZUTI, 2011; CARDOSO et al., 2018).
Vale ressaltar, que de acordo com o que versa a Lei Nº 9.985 de 18 de julho de 2000, em seu
Art. 2º, compreende manejo como: “todo e qualquer procedimento que vise assegurar a conservação
da diversidade biológica e dos ecossistemas” (BRASIL, 2000, p.2).
Para estas populações tradicionais litorâneas, este conceito carrega consigo práticas
ancestrais, desenvolvidas muito em resposta às adversidades e pressões sobre os recursos naturais
comuns dos quais dependem para reprodução dos seus modos de vida. Estas iniciativas exitosas de
manejo têm sido impulsionadas por um catalizador digno de nota, a igreja católica, através de suas
Pastorais Sociais2, sobretudo a Comissão Pastoral dos Pescadores (CPP), que têm desempenhado um
papel importante na mediação de arranjos institucionais como diferentes esferas e estratégias de
manejo, principalmente frente às pressões do mercado sob os estoques pesqueiros.
De acordo com Isaac-Nahum & Ferrari (2017), nos últimos anos a pesca3, principalmente a
industrial têm aumentado os esforços de captura nas proximidades da costa, e este crescimento tem
afetado negativamente os estoques pesqueiros, a implementação de RESEX marinha a partir de 2005,
apresenta-se como uma forte estratégia de arranjo institucional de regulamentação participativa de
manejo dos recursos pesqueiros.

1
Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social,
que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral
e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (BRASIL, 2007, p. 1).
2
De acordo com a CNBB, as Pastorais Sociais compreendem a solicitude de toda a Igreja Católica para com as questões
sociais, isso dentro de uma dimensão sócio transformadora a partir da evangelização. as Pastorais Sociais são setorizadas
em onze: da terra, operária, da criança, do menor, da saúde, carcerária, do povo da rua, dos pescadores, dos migrantes, da
mulher marginalizada e dos nômades. Estes setores têm como finalidade concretizar ações sociais específicas diante de
situações reais de marginalização, é procurar respostas e apontar caminhos coletivos através de ações e organizações para
resolução e enfrentamentos destas de situações (CNBB, 2001).
3
Para fins desta tese, consideraremos como pesca as definições dadas pela Lei Nº 11.959, de 29 de junho de 2009, que
estabelece a pesca como toda operação, ação ou ato tendente a extrair, colher, apanhar, apreender ou capturar
recursos pesqueiros.

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Desta forma, pretende-se fazer uma breve reflexão acerca das ações sociais4 dos pescadores
e pescadoras artesanais5 que culminaram na reconfiguração dos seus territórios tradicionais de
trabalho e de reprodução de seus modos de vida em Reservas Extrativistas Marinhas (RESEX-Mar).

2 DISCUSSÃO
A articulação pró-RESEX chega ao litoral amazônico na década de 1990 e traz consigo
reivindicações que têm promovido tanto os processos contínuos de recomposição e reconfiguração
dos territórios tradicionais quanto as reafirmações de suas territorialidades6 (TEISSERENC &
TEISSERENC, 2016).
De acordo com Simone Maldonado (1993) que propõe como a expressão da territorialidade
pesqueira ao analisar as estratégias que propiciam a criação de mecanismos políticos de organização
para lidar com as mudanças e oscilações inerentes aos processos evolutivos da atividade pesqueira, o
que tem, de certa maneira, se tornado fundamental para as populações tradicionais reconfigurarem as
formas de apropriação e o uso dos espaços, consolidando e reafirmando sua territorialidade.
É estes novos elementos que levam Glaser & Oliveira (2004) a intitularem as Reservas
Extrativistas Marinhas de RESEX de “segunda geração”, definição em que os contextos políticos,
organizacionais e institucionais aparecem diferenciados das reservas extrativistas criadas em terras
amazônicas no final da década de 1980. O sentido ecológico, neste caso, é extrapolado e nota-se um
sentido social diferente:

O caso das reservas extrativistas marinhas foi um outro momento deste


reconhecimento, pois esses territórios não eram mais apenas constituídos de terras,
mas também de águas - rios, lagos, mares, estuários - e a legislação nacional é frágil
(ainda hoje) frente a estas novas questões de reconhecimento consuetudinário em
territórios aquáticos. Por outro lado, os povos que vivem nestes locais definem,
classificam e se representam nestes lugares com muita legitimidade e conhecimento
sobre os complexos processos de pertencimento e reconhecimento destes territórios,
pelos quais preservam suas (re) produções socioculturais, econômicas, políticas e

4
Um ato ou conjunto de atos que levam em conta as ações e reações dos indivíduos ou “agentes” em sociedade. Os
indivíduos agem considerando o comportamento dos outros, e é assim orientado em seu curso para um ato coletivo como
resultante social (WEBER, 1979).
5
Para fins de compreensão, pescador artesanal é considerado aqui como: aqueles que reproduzem seus modos de vida
basicamente de recursos pesqueiros, capturados com uso de baixo aporte tecnológico e com predominância de relações
de trabalho centrado na família, nos regimes de parceria e/ou compadrio com fortes laços de solidariedade. Além de
intrínsecas relações com fatores ambientais, que norteiam seus saberes e fazeres repassados através da oralidade e
observação ao longo das gerações (DIEGUES, 1983).
6
A explicação dos conceitos, noções e práticas em que se constituem a territorialidade, e o seu segredo na pesca, não
pode prescindir, ao nível analítico, da identificação do desenvolvimento tecnológico dos diversos grupos ou das condições
ecológicas de cada lugar que vão influenciar de maneira determinante a sazonalidade e a localização da pesca. Estes dois
elementos conjugados, por sua vez determinam o acesso que os pescadores têm ao mar, tanto em termos da distância a
que podem chegar e em que podem constituir seus territórios, como nos termos das relações sociais que ordenam o
usufruto dos recursos existentes (MALDONADO, 1993, p. 25).

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ambientais, estabelecendo suas próprias formas de manutenção de natureza e cultura,
ambiente e sociedade (BUCCI, 2009, p.20).

Concretamente, a institucionalização dos territórios tradicionais de pesca do litoral nordeste


do estado do Pará em RESEX Marinhas demostra nitidamente que contribuiu para uma melhor
compreensão dos processos coletivos de luta do pescadores e pescadoras, (re)construindo seus modos
de vida, sistemas de manejo e de conservação dos recursos pesqueiros, em meio a uma rede de
cooperação e articulação social recheada de conflitos socioambientais, o que implicou, na
reconfiguração dos seus territórios tradicionais de pesca, reafirmando, portanto, relações
socioespaciais peculiares, apresentando-se como um instrumento motivador de mudanças sociais,
Wever et al., (2012) é propulsor da (re)afirmação do sentimento de pertencimento pelo território.
Demonstrando ainda como, que efetivamente, tem colaborado para conservar a faixa de manguezal
da região e seus atributos ecológicos, freando o avanço da carcinicultura, cujos efeitos devastadores
a este ecossistema na região nordeste do país já eram conhecidos em todo o Brasil.

3 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
A trajetória metodológica da presente investigação geográfica foi construída por meio de
pesquisas qualitativas, seguindo os preceitos propostos por Poupart et al (2008), compreendendo-a
como “um espaço de práticas relativamente diversificadas e múltiplas”, voltadas para o estudo de
problemas sociais.
Como destacou Moraes (2005), para gerar análises sociológicas, antropológicas e políticas
das questões ambientais demanda toda uma labuta de cunho teórico-metodológico. Por isso, para
atingir os objetivos propostos nesta pesquisa, foi realizada uma grande articulação entre prática e
teoria.
Em termos práticos, a práxis tem sido decisiva, notadamente com a participação em reuniões,
seminários, encontros e congressos de extrativistas, e, paralelamente, com incursão a eventos
científicos, algo ocorridos com maior intensidade nos últimos dois anos (2017-2019). Destaca-se,
neste contexto, o entrelaçamento entre a práxis paulofreiriana7 e a prática pedagógica realizada em

7
Ao conceber os pescadores e pescadoras artesanais sujeitos deste estudo, enquanto seres sociais que transformam seus
espaços e nestes processos se autotransformam, se recriam, ou seja, na luta pela reprodução dos seus modos de vida, os
pescadores e pescadoras transformam suas condições sociais da vida que é, ao mesmo tempo, autocriação e criação
coletiva de si mesmo. Segundo Freire (1987), a prática pedagógica deve ser uma ação de transformação social, a prática
docente deve ser constantemente dialogada com a realidade objetiva e subjetiva da docência. A realização destas relações
conceituais e reflexões sobre as implicações na prática educativa de sujeitos sociais, educadores-estudantes visualiza-se
à educação como emancipação social. “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre
si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE,1987, p.39). Desta forma, o resgate aqui do conceito de práxis, originaria da
tradição marxista, associado ao conceito de prática pedagógica imbricada em Paulo Freire, e, por conseguinte, à educação
na definição de sentido mais amplo e à ação transformadora é oportuna e contemporânea para as indagações aqui postas.

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atividades de facilitação de oficinas de capacitação junto aos núcleos de representações e formação
de lideranças dos pescadores e pescadoras nas RESEX marinhas do litoral paraense.
Em termos teóricos, esforços foram dispensados na tentativa de fazer um bom apanhado sobre
os principais trabalhos científicos já realizados sobre o tema, além de outros documentos oficiais e
extraoficiais que tratem dos processos de criação e gestão das RESEX no território. Em linhas gerais,
uma pesquisa bibliográfica, em busca de subsídios reflexivos relevantes para melhor interpretar os
dados colhidos.
A coleta de dados ocorreu durante o período que se estendeu de fevereiro de 2017 a maio de
2019, usando método de pesquisa qualitativa, por meio de entrevistas em profundidade,
semiestruturadas e observação participante (BONI & QUARESMA, 2005).
Ao longo deste período, em situações diversas, foram realizadas 20 entrevistas em
profundidade e registrada a história de vida (HV) das principais lideranças envolvidas nos processos
de criação e de cogestão das RESEX Marinha em questão8. Foram coletadas informações importantes
para inquirir sobre os processos que motivaram a atuação e o envolvimento dos pescadores e
pescadoras, principalmente das lideranças, nas ações sociais que convergiram para criação e
consolidação das RESEX Marinhas em seus territórios tradicionais de pesca.

8
Mesmo obtendo autorização prévia dos entrevistados, os nomes foram omitidos para preservar suas identidades.

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Figura 01 – Localização das Reservas Extrativistas Marinhas da microrregião bragantina, lócus especifico da análise.
Fonte: (PASSOS et al., 2016).

4 RESULTADOS
A institucionalização dos territórios tradicionais de pesca em RESEX marinha se deu em
meio a uma série de acontecimentos que vão desde ideias de território de uso comum; a
redemocratização do país; perpassando pelos desdobramentos da Conferência das Nações Unidas
sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92) e por último, porém não menos importante, a
necessidade de estabelecer marcos regulatórios para conservação mais efetiva dos manguezais da
região, algo que pudesse “conter” a expansão desordenada da pesca industrial e da carcinicultura em
áreas estuarinas, ambas que vinham, especialmente do nordeste brasileiro sob a égide da forma de
reprodução capitalista hegemônica.
As ideias de os territórios de uso comum se difundiram na região, inicialmente através de
uma articulação entre o Movimento dos Pescadores do Estado do Pará (MOPEPA)9 e Centro Nacional
de Populações Tradicionais (CNPT/IBAMMA) e posteriormente com a Universidade Federal do Pará
(UFPA), Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (EMATER/PA), os
Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) e Comissão Pastoral do Pescadores
(CPP).
Estas instituições foram fundamentais para o entendimento, adaptações e difusão do conceito
desta modalidade de unidade de conservação, principalmente entre as lideranças comunitárias: “a
gente tinha uma parceria muito grande com o CNPT, era o órgão ligado ao MMA, Ministério do Meio
Ambiente. Através da nossa parceria eu conheci o projeto da reserva”. Relações estas que
contribuíram para ocasionar processos permanentes de geração de conhecimentos, com bem elucidou
Freire, (1987), de forma simultânea de “ação e reflexão e ação”.
Obviamente, que estes processos e concepções conservacionistas ganharam potência entre
os técnicos do CNPT/IBAMA, após as discussões ocorridas durante a Rio-92 e seus reflexos
verberaram nos anos seguintes, como até hoje muito do que foi discutido na conferência permanece
atual. Certamente, não sou o primeiro a observar tais conexões, que contribuiu para a intensificar as
discussões acerca de alternativas que pudessem viabilizar a conservação dos ecossistemas dos
ecossistemas tropicais, dentre eles o manguezal, sobretudo, através de modelos que vislumbrasse a
participação das populações humanas que utilizam historicamente seus recursos para reprodução dos
seus modos de vida.

9
O Movimento dos Pescadores do Estado do Pará (MOPEPA) é a representação paraense do Movimento Nacional dos
Pescadores (MONAPE) (POTIGUAR-JÚNIOR, 2007).

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Nesta perspectiva, alguns debates começam ocorrer na região bragantina com maior
intensidade a partir de setembro de 1998, quando a cidade de Bragança sediou o V Encontro Nacional
de Educação Ambiental em Áreas de Manguezal (V-ENEAM). Vale ressaltar que o V-ENEAM, além
de trazer em seu cerne debates acerca da conservação, produção e impactos socioambientais em áreas
de manguezal, carregava sobretudo, novas ideias, estabeleceu novas redes entre os pescadores e
pescadoras (marisqueiras e tiradores de caranguejo) das comunidades de Bragança entre si, e com os
dos municípios vizinhos que participaram do encontro, para alguns que foram ouvidos nesta pesquisa,
tiveram talvez, o primeiro contato com tais conceitos, com pesquisadores e estudantes, debatendo
seus modos de vida, mas vistos sob outro ângulo, aquilo que para eles já se tornará pautas corriqueiras,
agora eram vistos por eles como o centro das discussões com/pelos os pesquisadores e acadêmicos.
É sob tais pressupostos, inéditos para região, o encontro provavelmente contribuiu para que
alguns pescadores e pescadoras saíssem inquietos e fortalecidos: “a gente começou a visualizar que
a gente poderia fazer uma reserva de pesca, um território nosso”, afirmou um dos pescadores que
estava no evento e que colaborou com a pesquisa ao expor sua impressão do evento.
Tudo isso nos leva a associar a contribuição de intelectuais neste processo, tanto os “de
dentro” quanto os “de fora”, com destacou Porto-Gonçalves (1999) ao refletir sobre a territorialidade
seringueira. Aqui também, cada um aparece lançando mão do prestígio que acreditam possuir no
campo político-simbólico das ações sociais, justamente porque se é “de fora”, sobretudo quando se é
da universidade, há um imaginário que estes sujeitos carregam consigo elementos novos para
contribuir com a luta.
Vale ressaltar, que naquele momento a correlação de forças políticas e simbólicas que estava
em curso, era entre os pescadores artesanais versus Estado e os empresários do setor pesqueiro, uma
luta desigual pelo reconhecimento dos seus territórios tradicionais de pesca, e a articulação e o apoio
dos sujeitos ditos “de fora”, foi um elemento de coesão crucial para oficialização destes territórios
em favor dos pescadores artesanais. O que é compreensivo, haja visto, que a conquista de um
território “significa articulação social, conflitos, cooperação, concorrências e coesões” (SAQUET,
2009, p. 88).
Neste sentido, quero destacar que parte dos pesquisadores do projeto Mangrove Dynamics
and Management-MADAM, visivelmente contribuíram para ampliar esta compreensão, já que a
experiência dos pesquisadores da área socioeconômica do projeto ao perceberem que a ideia de
RESEX marinha vinha se tornando o principal instrumento canalizador dos anseios por
regulamentação dos seus territórios, rapidamente encontraram um “canal” por onde pudesse fluir
estas pretensões, e aliaram-se aos interesses das organizações coletivas destes pescadores,

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contribuindo entre outras coisas para qualificar o debate entre as lideranças e ampliar a capilaridade
das ideias entre as comunidades pesqueiras, sobretudo as de Bragança (GLASER et al., 2005).
É importante registrar que se fazia necessário conseguir a adesão dos municípios envolvidos,
e politicamente a ideia não avançava, muito em função do “governo do Estado, através da SECTAM,
por exemplo, não era favorável, pois considerava a criação dessas unidades uma intervenção da
união” (SILVA-JUNIOR, 2013, p. 46). Dentre as prefeituras dos municípios envolvidos, o executivo
da cidade de Bragança exerceu papel crucial na mobilização social e burocrática, sobretudo através
da Secretaria Municipal de Economia e Pesca (SEMEP), que agilizou o processo de solicitação para
criação das RESEX, que se encontrava parada nas entranhas burocráticas dos órgãos estatais por
cerca de dez anos: “ai foi todo um processo que durou 10 anos, o primeiro momento ficou engavetado
lá em Brasília. Só no governo Lula, no dia 20 de maio de 2005 foi que ele sancionou as 4 reservas
aqui da região”.
Sem entrar aqui no mérito do grau de ruptura política entre as instituições federais e
estaduais, sobretudo aquelas diretamente ligadas ao meio ambiente, vale registrar que na visão dos
nossos interlocutores, as instituições estaduais, com exceção da EMATER, pareciam orientadas a
desarticular a movimentação dos pescadores, como me relatou uma liderança: “a SEMA do Estado
nunca contribuiu pra nada..., só fazia atrapalhar. A gente marcava uma reunião ela ia desmarcava, a
gente chegava na comunidade estava desmarcada”.
Por isso, é importante destacar, os mecanismos alternativos que foram criados em meio a
esta adversidade política para fomentar os debates sobre RESEX nas comunidades pesqueiras e nas
organizações coletivas dos pescadores, como foi relatado por alguns técnicos do CNPT/IBAMA
ouvidos durante a pesquisa: “Mas ninguém do Estado queria saber de conversar com pescador, de
dialogar.... aí a gente teve que tipo camuflar os nossos objetivos de ajudar a criar RESEX”. Isso revela
os traços centrais da articulação do movimento Pró-RESEX marinha na região bragantina.
Em última análise, o que instigava este pensamento contrário era o modelo de
desenvolvimento que estava em curso no Estado do Pará naquele momento, que tinha como norteador
principal o projeto do Macrozoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Pará (MacroZEE)10.
Sob tais premissas de obrigatoriedade impostas pelo arcabouço legal, o executivo estadual
buscava ordenar o desenvolvimento econômico do Pará, focando no discurso do desenvolvimento
sustentável, focado em um economicismo visivelmente pautado na reprodução capitalista

10
Macrozoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Pará (MacroZEE) aprovado pela Assembleia Legislativa do
Estado do Pará (ALEPA) em 2005, vinha a compor o Programa de Zoneamento Ecológico-Econômico (MacroZEE), que
fora criado via Decreto Federal nº 99.193/90, entretanto, somente a partir de 2000 é que o PZEE passou de fato a integrar
a o planejamento central. No estado do Pará, com a premissa de incentivar o desenvolvimento das atividades econômicas
de bases manejáveis, a redução dos conflitos fundiários, bem como contribuir com a diminuição do desmatamento ilegal,
o MacroZEE passou a ser o principal instrumento da política de ordenamento territorial do Estado (FARIAS et al., 2016).

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hegemônica, estimulando fortemente o desenvolvimento vertical de cadeias produtivas diretamente
ligadas a exploração dos recursos naturais, sobretudo as cadeias produtivas minerais e agroflorestais.
Além disto, para fortalecer os setores agroindustriais, o Estado buscava estabelecer parcerias,
principalmente com os agentes privados, com intuito de “horizontalizar” os processos de inovações
tecnológicas, seguindo as premissas estabelecidas no Art. 3° do Decreto Federal nº 4.297, de 10 de
julho de 2002.
Formando um novo padrão de expansão sociogeográfico, como exemplificado por Porto-
Gonçalves (2018), que pretendia aqui expandir as áreas de carcinicultura para o litoral amazônico,
contudo para isso, também teria que, de alguma maneira, interferir no arcabouço jurídico-institucional
que regulamentava a questão ambiental no país, o que nos leva a associar a afirmação: “a RESEX era
contra o desenvolvimento do Estado”.
Estas discussões faziam referências a legislação ambiental brasileira que regula
empreendimentos com potencial impacto ambiental e prevê uma rede institucional de controle e
fiscalização de seu cumprimento, em áreas de reserva extrativista (RESEX), de acordo com o SNUC,
estas prerrogativas inviabilizam estes tipos de empreendimentos particulares pretendidos em seu
entorno, como expressa no Art. 18.
Neste embate, em alguns dos municípios estudados aqui, a articulação social e coesões
criadas pelos pescadores como os sindicatos de trabalhadores rurais se configuraram como ancoras
fundamentais nestas unidades de mobilização11, sobretudo, funcionando como difusor e mobilizador
importante das ideias conservacionistas que o modelo de RESEX carregava: “aqui nós tinha o
Carlinho do sindicato que era parceiro nosso, do sindicato rural. Nós tivemos esta parceria na
mobilização”.
Um traço que me permite concluir que esta participação mais efetiva dos sindicatos de
trabalhadores rurais na luta dos pescadores, está ligada os embates pelo controle das colônias de
pescadores12 que emergiu ainda na década de 1980, onde os pescadores artesanais não se sentiam

11
Este conceito de unidades de mobilização refere-se à aglutinação de interesses específicos de grupos sociais não
necessariamente homogêneos, que são aproximados circunstancialmente pelo poder nivelador da intervenção do Estado
– por meio de políticas desenvolvimentistas, ambientais e agrárias – ou das ações por ele incentivadas ou empreendidas,
tais como as chamadas obras de infra-estrutura (ALMEIDA, 2004, p.10).
12
As colônias de pescadores do Brasil, têm sua gênese a partir de 1919 por iniciativa da Marinha de Guerra. Nesta época,
o país, apesar de possuir um vasto litoral e uma grande diversidade de águas interiores, importava parte considerável dos
peixes que eram consumido, e alicerçado no discurso de fomentar a produtividade pesqueira, aliado ao de defesa da
soberania nacional, já que ninguém melhor que os pescadores, que empiricamente detêm os “segredos” do mar.
Sentimento que cresceu após a primeira guerra mundial, aumentou o interesse do Estado em defender a costa brasileira.
Desde então as colônias de pescadores estiveram sob a tutela do Estado, estando os pescadores artesanais sob o controle
e dominação política de órgãos governamentais, primeiro da Marinha e depois Ministério da Agricultura. As colônias
eram definidas como agrupamento de pescadores ou agregados associativos. Para poder exercer oficialmente a atividade
pesqueira, os pescadores eram obrigados a se matricular nas colônias. Até então, as relações instituídas entre pescadores
e Estado se caracterizavam pelo paternalismo e pelo assistencialismo. A partir da promulgação da Constituição Federal
de 1988, os pescadores artesanais conquistaram avanços no que tange aos direitos sociais e políticos, quando as colônias

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representados pela instituição, e se formou um levante nacional pelo controle político das colônias de
pescadores, este movimento culminou entre outras coisas, o que posteriormente foi denominado de
“Movimento Constituinte da Pesca” (MORAES, 2001).
Na tentativa, então, de explicar a contribuição direta dos sindicatos de trabalhadores rurais
nos processos de reconfiguração dos territórios tradicionais de pesca do litoral do Estado do Pará em
RESEX Marinha, elucidou ao seu modo um dos pescadores ouvidos durante a pesquisa: “as colônias
de pescadores, na verdade não ‘nus’ representava, as pessoas eram nomeadas pelo ministério para
ocupar o cargo de presidente. Ai... logicamente isso daí não ‘nus’ representava”.
Além dos sindicatos de trabalhadores rurais, a universidade e os movimentos sociais ligados
a pesca, agora a igreja católica através da Comissão Pastoral dos Pescadores (CPP), contribuiu para
ampliar as redes solidárias de apoio contra o modelo desenvolvimentista em curso naquele momento,
compondo as ditas unidades de mobilização na luta pelo reconhecimento oficial dos territórios
tradicionais de pesca.
Estes processos sociais participativos constroem/moldam os territórios e suas
territorialidades, como destacou Teisserenc & Teisserenc (2014) ao analisar outros contextos na
Amazônia, no qual evidenciaram (re)organização dos territórios, alicerçados numa perspectiva
participativa.

5 GUISA DE CONCLUSÃO
A partir da análise da história de vida (HV) das 20 principais lideranças pesqueiras envolvidas
diretamente na gênesis destas ações sociais, que culminaram na institucionalização dos territórios
tradicionais de trabalho e de reprodução do modo de vida dos pescadores e pescadoras artesanais do
litoral nordeste do estado do Pará em RESEX Marinhas, aqui estudados, nos revelou os traços centrais
de seus percursos de formação política, e que a maioria, nitidamente encontram apoio e ressonância
nas organizações religiosas, especialmente na igreja católica e nos movimentos sociais ligados à pesca
artesanal e ao meio ambiente.
A institucionalização destes territórios em RESEX Marinhas, de fato estabelecer novos
marcos regulatórios para conservação do ecossistema manguezais desta faixa litorânea, o que
visivelmente contribuiu para frear a expansão da carcinicultura para o litoral norte do Brasil e tem
mantido um embate constante com a pesca industrial, sobretudo aquelas frotas que possuem licença

de pescadores, através do artigo 8º foram equiparadas aos sindicatos de trabalhadores rurais, recebendo a configuração
sindical (MORAES, 2001).

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para a captura de “peixes diversos13” com rede de arrasto de fundo14 na plataforma continental
amazônica15.
Vale ressaltar que os peixes chamados “diversos” pela IN n° 2/2010 são de fato as principais
espécies-alvo da pesca artesanal, e mantêm importância fundamental para a segurança alimentar e
econômica das comunidades de pescadores artesanais desta faixa litorânea.
Há em curso um processo de adaptação às novas estruturas de poder e governança tecidas nos
territórios tradicionais de pesca do litoral amazônico, é estas formas, para os pescadores e pescadoras
artesanais, são ainda, edificadas de maneira personificada em elementos da natureza, que acabam
exercendo um papel crucial nas relações sociais e contribuindo para compreensão do território e o
estabelecimento de normas de manejo por estes pescadores e pescadoras.
As territorialidades presentes nas RESEX marinhas aqui analisadas, se referem as formas
tradicionais do uso dos recursos pesqueiros e de reprodução social, contudo, coexiste no território
formas de reprodução capitalista, como pesca industrial como a qual alerta Silva et al (2014), que
visivelmente destoam das compreensões sociocultural edificadas em elementos da natureza:

Pela proximidade de atuação da frota industrial permissionada para peixes diversos,


com áreas de atuação da pesca artesanal costeira, o estudo sugere uma avaliação dos
impactos sociais, econômicos e biológico em atividades tradicionais de pesca (curral
de pesca, pesca de emalhe, pesca de espinhel e pesca de linha e etc.) realizadas por
muitas comunidades ao longo de várias cidades e vilarejos da microrregião do
Salgado paraense ( SILVA et al., 2014, p. 51).

Apesar da inconsonância, vale destacar que essas atividades impactam o meio ambiente,
guardando suas devidas proporções e percepções do espaço onde e como suas técnicas de capturas
são realizadas. Neste caso, em especial, como se trata de territorialidades que atuam simultaneamente
no espaço e no tempo, uma prejudica de maneira direta a permanência da outra, o que pode explicar
as reivindicações em torno de um território “exclusivo” para a pesca artesanal.

13
A Instrução Normativa nº 2 de 15 de janeiro de 2010 que em seu artigo 1º define peixes diversos da seguinte maneira:
I - Espécies a capturar: pescada-gó Macrodon ancylodon; pescada-curuca Micropogonias furnieri; cambéua Notarius
grandicassis; corvina Cynoscion sp.; peixe-espada Trichiurus lepturus; paru Chaetodipterus faber; uritinga Sciades
proops; sardinha Anchoviella sp.; bandeirado Bagre bagre; peixe-galo Selene setapinnis e Selene vomer; cangatá Arius
quadriscutis; e peixe-pedra Genyatremus luteus; (BRASIL, 2010).
14
A Instrução Normativa nº 2 de 15 de janeiro de 2010 que em seu artigo 1º define arrasto de fundo como: II - Método
de pesca: arrasto de fundo com portas, sem correntes na tralha inferior, com malhas de tamanho mínimo de 100 mm
no corpo da rede e 70 mm no túnel de saco, medidas tomadas entre nós opostos da malha esticada; (BRASIL, 2010).
15
Instrução Normativa nº 2 de 15 de janeiro de 2010 que em seu artigo 1º resolve: Permitir a concessão de Autorização
Provisória de Pesca para embarcações devidamente autorizadas para a pesca de arrasto de camarão-rosa,
excepcionalmente no período do defeso 2009/2010, na área compreendida entre a fronteira do Guiana Francesa com o
Brasil (linha loxodrômica que tem o azimute verdadeiro de 41º30', partindo do ponto definido pelas coordenadas de
latitude 4º30'30''N e longitude de 51º38'12''W) e a divisa dos estados do Piauí e Ceará (Meridiano de 41º12'W) (BRASIL,
2010).

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Esta sobreposição de territorialidades e coexistências de conflitos, como destaca Heidrich
(2009), tem sido pauta recorrente nos debates. Mesmo com a institucionalização dos territórios
tradicionais de pesca no litoral amazônico, definida a normatização para usufruto “exclusivo” da
pesca artesanal, no caso as RESEX Marinha. Para compreendermos melhor esta situação, de modo
geral, esta pesca de arrasto vem sendo exercida nos limites e/ou na área do entorno destas unidades
de conservação.
Desta forma, destaco que estes debates merecem maior atenção por parte dos tomadores de
decisão, haja vista que a coexistência clara destes conflitos socioambientais comprova a necessidade
de articulações para além dos territórios institucionalizados, a fim de assegurar a efetiva exclusividade
e usufruto, manejo e gestão dos estoques pesqueiros por estas populações tradicionais.
Vê-se, desse modo, que para conservação mais efetiva dos recursos naturais, cada vez mais
se exige um ordenamento territorial que seja capaz de enfrentar estas sobreposições de
territorialidades.
Pode-se observar também que as relações que criam as territorialidades nem sempre
necessitam de demarcação, de fronteira propriamente dita (como normalmente visto nas UC’s em
questão, das quais os pescadores não sabem ao certo onde são os limites da unidade, apenas que
garantem a eles o direto do usufruto deste espaço). Contudo, as relações cotidianas de ocupação e uso
do espaço e dos recursos naturais de suas percepções e representações culturais, em suma, as relações
sociais com o espaço vivido e concebido, estas sim estão bem definidas, como destacou Sack (1986),
o que também foi evidenciado na percepção de muito dos nossos interlocutores.
Vale destacar, que a análise do território, “deve ser trabalhado sempre a partir de sua
perspectiva temporal, já que envolve profundas transformações ao longo da história” (HAESBAERT
& LIMONAD, 2007, p. 50). É imprescindível considerar neste estudo, no momento histórico em
questão, que a reprodução social dessas comunidades e populações tradicionais pesqueiras do litoral
amazônico, encontra-se em risco, inclusive como outras para além do litoral amazônico. Tomemos
um exemplo concreto: as quebradeiras de coco babaçu (Maranhão, Tocantins, Pará e Piauí), os
quilombolas e indígenas do país, estas populações encontram-se historicamente ligadas pelas
dificuldades de reconhecimento de direitos, cidadania, identidade e cultura, agora mais que nunca,
com ascensão de um governo central de extrema direita (a partir das eleições de 2018), esta
perspectiva do tempo na análise das territorialidades para populações tradicionais tornam-se cada vez
mais relevante.
Este novo quadro político institucional agravam os problemas e evidenciam a necessidade de
reorganizações coletivas para que esses grupos sociais possam defender seus modos de vida,
majoritariamente ligada a extração de recursos pesqueiros, por isso suas organizações tornam-se cada

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vez mais fundamentais para garantir a conservação destes territórios de uso comum institucionalizado
a partir deste acúmulo de lutas sociais registrados aqui: “pra mim, essa política de reserva... veio
principalmente para garantir a nossa área de pesca. Pra nós pescador essa é a maior garantia de futuro.
Agora as pessoas respeitam mais nós aqui da maré”.

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