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OS CAMINHOS E OS DESAFIOS DA COLABORAÇÃO INTERSETORIAL1

Monica Bose, Tatiana Dutra, Luana Schoenmaker

INTRODUÇÃO

O Relatório do Desenvolvimento Humano 2003 (PNUD, 2003) revela que o Brasil obteve
avanços sociais durante os anos 90, mas ainda enfrenta muitos desafios para atingir, até
2015, as metas de desenvolvimento apresentadas pela ONU na Declaração do MilênioI.
Com um índice de 0,777, o Brasil subiu quatro posições no ranking do IDH (Índice de
Desenvolvimento Humano) de 2000 para 2001, chegando à 65ª posição entre 175 países.
Os progressos mais significativos ocorreram na área de educação e igualdade entre os
sexos. A pobreza também foi reduzida: o IPH (Índice de Pobreza Humana) brasileiro
decaiu de 15,8% da população, em 1997, para 11,4%, em 2001. No entanto este país
continua sendo uma das nações mais desiguais do planeta, com um índice de GiniII de
0,61. De acordo com o relatório citado, os 10% mais ricos têm um rendimento 70 vezes
superior ao dos 10% mais pobres. Além disso, 9,9% dos brasileiros possuem renda
inferior a US$ 1 por dia.

Estes dados indicam que o quadro de iniqüidades sociais no Brasil, embora tenha
apresentado melhoras, é ainda alarmante e necessita de atenção e ações efetivas para
sua superação, isto é, ainda enfrentamos o desafio de buscar caminhos que promovam o
desenvolvimento efetivo do país. É neste contexto que ações de responsabilidade social
corporativa e parcerias intersetoriais ganham relevância.

Embora as raízes dos problemas sociais brasileiros coincidam com a própria colonização
do país, apenas nas últimas décadas do século XX começa a haver uma efetiva
articulação entre Estado, Mercado e Terceiro Setor para agir no sentido do
desenvolvimento social.

Nas décadas de 1960 e 1970 acreditava-se que o desenvolvimento viria com o aumento
da produção industrial; era sinônimo de crescimento urbano-industrial focado em metas
macro-econômicas. Por não estarem, na maioria das vezes, vinculadas às necessidades
sociais e ambientais de cada localidade e de sua população, essa visão resultou em
urbanização acelerada, migrações desestruturantes, exploração irracional de recursos
naturais e em baixos padrões de vida de amplas camadas da população, mostrando-se

1 Artigo apresentado na IV Conferencia Regional de América y del Caribe de ISTR. Costa Rica, Outubro/2003.
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insuficiente para criar equilíbrio econômico e justiça social (Fischer, 2003).

As então existentes e significativas desigualdades sociais do país agravaram-se ainda


mais com a recessão da economia internacional nos anos 80. Desta forma, a partir do
final dos anos 80 e início dos 90 passou-se a pensar no desenvolvimento como
sustentável, cujas perspectivas deveriam ser orientadas para, “prioritariamente, assegurar
a qualidade de vida das pessoas, a preservação do meio ambiente para as gerações
futuras, a justiça social na distribuição e na fruição dos bens criados pela humanidade”
(Fischer, 2003:8). Deixando de basear-se exclusivamente no crescimento de alguns
setores modernos da economia, a proposta de aperfeiçoamento contínuo dos múltiplos
fatores que influenciam o bem estar social humano passou a contemplar o
desenvolvimento econômico efetivo e equilibrado, que demandaria um desenvolvimento
social paralelo e também eqüitativo (Fischer, 2003).

Na década de 90, a globalização entrou definitivamente na agenda brasileira, com a


adoção de uma política neoliberal que privilegiou as privatizações, a liberalização do
movimento de capitais, o incentivo às exportações e uma política econômica baseada na
estabilidade da moeda, em detrimento do desenvolvimento social e ambiental. Este novo
cenário, marcado pelo enfraquecimento do Estado enquanto provedor de bem-estar
social, deixou uma lacuna na elaboração, fiscalização e aplicação de políticas públicas.
Mas também abriu um espaço para a atuação social de empresas e organizações da
sociedade civil.

No que concerne ao Terceiro Setor, vale ressaltar o crescimento expressivo que as


organizações da sociedade civil tiveram nestas últimas décadas do século XX, bem como
o seu fortalecimento institucional e político. Existem hoje no país cerca de 250 mil destas
organizações que empregam, aproximadamente, 1,5 milhões de pessoas (RITS, 2002).
De acordo com estudo do BNDES (BNDES, 2000:7), “abriu-se espaço para uma atuação
mais efetiva das organizações não governamentais, cujo número elevou-se rapidamente
em face do crescimento das dificuldades socioeconômicas experimentadas pelo Brasil.
Tanto a origem quanto os objetivos e as trajetórias destas organizações passaram a ser
mais diversificados, seguindo a fragmentação e a pluralidade características dos
movimentos sociais contemporâneos”.

A criação do Conselho da Comunidade Solidária pelo Governo Federal brasileiro, no


contexto das discussões da Reforma do Estado, impactou positivamente as organizações
do Terceiro Setor: impulsionou seu crescimento na segunda metade da década de 1990,
favoreceu e incentivou o diálogo e a realização de parcerias entre estas e o Estado, e
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realizou a Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor, que influenciou na legitimação das
organizações do Terceiro Setor, principalmente através da instituição de novas leis.

Paralelamente, no âmbito empresarial, a crescente incorporação de preocupações sócio-


ambientais entre as estratégias das empresas, deveu-se a diferentes fatores:
desaceleração econômica, recessão e desemprego no Brasil e no mundo, bem como as
cobranças, por parte da sociedade civil, de atitudes empresariais que proporcionassem
melhoras para o seu entorno social e ambiental. O empresariado começou a perceber o
impacto dos altos índices de exclusão social sobre o mercado consumidor e a
necessidade de incrementar suas estratégias, desenvolvendo diferenciais que
permitissem a sobrevivência das empresas em mercados competitivos. Entre eles, a
Responsabilidade Social Corporativa.

Se de início o planejamento estratégico das empresas contemplava apenas clientes,


funcionários e fornecedores, aos poucos, a comunidade do entorno e a sociedade como
um todo passaram a ser tratados como fatores estratégicos, figurando ao lado de fatores
específicos de negócios.

As mudanças no Estado, Mercado e Terceiro Setor longe de terem terminado ainda


constituem em tendência para os próximos anos e vem estimulando, contínua e
crescentemente, o aumento das iniciativas de atuação social através de alianças
intersetoriais.

Estas novas formas de colaboração para o enfrentamento da pobreza e da exclusão


social são reconhecidas pelo PNUD como uma tendência global: “as Metas do Milênio
estão sendo discutidas, elaboradas e expandidas globalmente e dentro de muitos países.
Entidades governamentais, empresariais e da sociedade civil estão procurando formas de
inserir a busca por essas Metas em suas próprias estratégias. O esforço no sentido de
incluir várias dessas Metas do Milênio em agendas internacionais, nacionais e locais de
Direitos Humanos, por exemplo, é uma forma criativa e inovadora de valorizar e levar
adiante a iniciativa.”(PNUD, 2003a:1)

METODOLOGIA DA PESQUISA

Este artigo apresenta alguns dos principais resultados obtidos na pesquisa “Alianças
Estratégicas Intersetoriais para Atuação Social”, desenvolvida pelo CEATS, com apoio da
Ford Foundation, entre 2001 e 2002. A partir destes resultados busca-se aprofundar a
compreensão sobre como são estabelecidas e gerenciadas as alianças estratégicas
intersetoriais para atuação social no Brasil, seus principais aspectos e peculiaridades, e
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os desafios que se colocam nessa forma colaborativa de atuação social.

Na etapa descritiva da pesquisa foi realizado um survey com uma amostra intencional
composta por 2085 empresas para as quais foi enviado um questionário. A amostra
abrangeu empresas que, a partir de listas e pesquisas, indicaram já possuir práticas de
atuação social. Da amostra inicial foram recebidos 385 questionários válidos.

Como a amostra de empresas foi definida de forma intencional, não é representativa do


universo das empresas brasileiras. Ainda como implicação do processo de determinação
das empresas estudadas, verifica-se a ocorrência da maior participação de empresas de
capital nacional privado, de grande porte e do setor industrial. Eventualmente, empresas
com outras características podem possuir diferentes abordagens e formas de gestão da
atuação social através de alianças intersetoriais.

Numa segunda etapa, foi realizada uma pesquisa qualitativa que abrangeu 60 empresas
selecionadas a partir do universo de participantes da primeira fase do estudo. O critério
utilizado para a seleção destas empresas foi a existência de alianças intersetoriais para
atuação social há mais de 3 anos, dando-se preferência a alianças que se caracterizavam
pela intersetorialidade e, portanto, correspondiam ao escopo da pesquisa. Do contato com
estas empresas foi selecionada uma amostra adicional de 41 organizações parceiras em
seus projetos de atuação social, citadas pelas empresas, composta por órgãos
governamentais, de terceiro setor e mesmo outras empresas.

As entrevistas da fase qualitativa foram feitas preferencialmente junto ao responsável pela


atuação social na empresa. Nas organizações parceiras, as entrevistas foram realizadas
junto ao responsável pelo projeto realizado em parceria com a empresa que originou a
indicação.

Para todas as entrevistas realizadas foi utilizado um roteiro semi-estruturado e os dados


coletados foram submetidos a um processo de análise de conteúdo. Como resultado
destas análises, não se pretendeu avaliar os projetos segundo uma medida única,
escolher o melhor ou propor um modelo para projetos sociais. Procurou-se,
principalmente, mostrar a diversidade de fórmulas que têm sido aplicadas pelas empresas
e organizações para enfrentar os desafios sociais.

AS ALIANÇAS INTERSETORIAIS NO BRASIL

O estabelecimento de alianças estratégicas intersetoriais tem sido observado como uma


decorrência, ou um aperfeiçoamento, das práticas isoladas e pontuais de atuação social,
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que caracterizaram o movimento inicial das empresas frente à questão social. Este
movimento pôde ser observado no estudo realizado, a partir de duas análises
complementares: Entre as empresas participantes da pesquisa, 20% encontram-se em
um estágio caracterizado por ações sociais esporádicas, realizadas na maior partes dos
casos (61%) com pouco ou nenhum estabelecimento de parcerias. Por outro lado, 48%
das participantes realizam projetos de atuação social continuadamente há mais de cinco
anos e, entre estas, 67% possuem alianças intersetoriais para a realização destes
projetos.

A opção por formas mais colaborativas de atuação social, entretanto, é caracterizada por
uma diversidade de combinações, como pode ser observado no gráfico abaixo. Enquanto
um pequeno percentual das empresas pesquisadas (15%) ainda atua apenas
isoladamente em uma ponta, um percentual igual de empresas atua unicamente através
de alianças na outra ponta. Os 70% restantes já começam a adotar alianças, sendo 37%
de maneira mais intensiva que os demais.

Gráfico 1 - Formas de Atuação Social

Somente com Somente pela


alianças empresa
15% 15%

Preponderantemente
sem alianças
33%
Preponderantemente
com alianças
37%

A diversidade também é a tônica das alianças quando se observa os setores – Estado,


Mercado e Terceiro Setor – com os quais as empresas pesquisadas estabelecem
parcerias para atuação social, como representado na figura abaixo:
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Figura 1 - Distribuição das parcerias por setor

Estado
(55.5%)
5,7%

17,4% 4,2%

28.2%
5,3%

Terceiro Setor 25% Empresas


9,6%
(80,2%) (47.3%)

A figura anterior representa os 85% das empresas participantes da pesquisa que


disseram utilizar alianças como meio de viabilizar suas práticas de atuação social. Cada
círculo representa um setor, com os números internos representando o percentual de
parcerias existentes entre as empresas respondentes e as organizações de cada setor, e
os números nas intersecções representando o percentual de parcerias das empresas com
mais de um setor. A primeira constatação é de que a maioria das empresas tem alianças
com entidades do Terceiro setor, configurando na amostra a freqüência de 80,2%,
enquanto 55,5% delas possuem parcerias com órgãos do Estado e 47,3% com outras
empresas do mercado.

Porém, como os próprios percentuais indicam, na maioria das vezes estas alianças não
são estabelecidas, exclusivamente, com organizações de apenas um setor, pois:

• 17,4% das empresas estabelecem alianças com organizações do Terceiro setor e do


Estado simultaneamente

• 4,2% estabelecem alianças com organizações do Estado e com outras empresas do


mercado

• 9,6% estabelecem alianças com organizações do Terceiro setor e com outras


empresas do Mercado

• 28,2% das empresas estabelecem alianças com organizações dos três setores,
configurando o espaço nuclear da figura, no qual se dão as relações de alianças mais
complexas, mas que são também, aquelas com maior potencialidade de efetivar seus
objetivos.
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POR QUE AS ORGANIZAÇÕES ESTABELECEM ALIANÇAS INTERSETORIAIS

O estabelecimento de alianças intersetoriais tem se consolidado como uma nova forma de


atuar em projetos sociais, nas quais os envolvidos se unem para atingir benefícios sociais
agindo cooperativamente. Segundo Mcintosh et. al. (2001), as empresas estão se
conscientizando da existência de um mundo mais transparente, no qual as empresas
podem se unir às organizações não governamentais, ao invés de ter com elas um
relacionamento antagônico. Esta estruturação mais transparente, pluralista e aberta da
economia mundial está inserida em um contexto de mudanças econômicas e sociais, que
elevam as expectativas da sociedade em torno do papel social das empresas. Diante
deste quadro, as organizações da sociedade civil estão percebendo que, apesar de
possuírem finalidade e lógica de trabalho diferentes, as empresas podem e devem
assumir um papel nesta nova realidade e que é necessário que organizações de terceiro
setor, empresas e a sociedade como um todo pressionem o Estado para que ele redefina
e cumpra o seu papel.

De acordo com Austin (2001), tais mudanças já estão ocorrendo, e o dinâmico panorama
das alianças é rico em variedade, com organizações com e sem fins lucrativos
descobrindo novas formas de trabalhar em conjunto no sentido de atingir seus objetivos e
contribuir para a sociedade. Essas alianças não exigem planos estratégicos grandiosos;
paciência e perseverança costumam bastar para transformar pequenos começos em
alianças estratégicas importantes.

Quando não se pode prosseguir sozinho e ter sucesso, a cooperação torna-se um pré-
requisito para a eficácia. Além disso, também surge a necessidade de uma visão mais
ampla e estratégica da combinação de recursos, tanto das organizações do terceiro setor,
quanto das empresas. Assim, as alianças intersetoriais tendem a se confirmar como uma
maneira mais eficaz de implementar projetos sociais do que a prática individual de
organizações isoladas.

Neste sentido, as alianças podem trazer uma série de benefícios, tanto para os aliados,
quanto para a comunidade atingida diretamente pelos programas e ações sociais
desenvolvidas por estas formas de colaboração intersetorial.

Com base em pesquisas realizadas nos Estados Unidos, Austin (2001:26) identificou que
“os executivos de empresas percebem as cooperações intersetoriais como algo que gera
importantes benefícios em quatro áreas: enriquecimento estratégico, gerenciamento de
recursos humanos, construção de cultura e geração de novos negócios.”
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Além destes potenciais benefícios para empresas que optam pela atuação social através
de alianças intersetoriais, as organizações aliadas também reconhecem uma série de
vantagens oriundas da aliança para a realização de suas atividades. Para as
organizações de terceiro setor, o relacionamento com empresas assume grande
importância quando fortalece seu papel institucional e lhe oferece recursos diversos para
executar, ampliar e aperfeiçoar as ações que justificam sua existência. Algumas destas
organizações já aprenderam a buscar parcerias junto às empresas e aos órgãos de
governo, outras ainda estão desenvolvendo estas competências, mas todas já
perceberam a importância das alianças para a obtenção de recursos e para a legitimação
e o fortalecimento de suas atividades. Austin (2001:24) afirma que “dentre os benefícios
da formação de parcerias que podem ser colhidos pelas organizações do terceiro setor
estão a economia de custos, as economias de escala e de escopo, as sinergias e o
aumento de receita.”

Já os benefícios das alianças intersetoriais para as comunidades e a sociedade são


decorrentes da potencialização da qualidade das ações desenvolvidas, permitindo que os
problemas e necessidades sociais que são alvo de sua atuação sejam atendidos de
maneira mais efetiva. Destaque-se também o poder de influência destas alianças na
formulação de políticas públicas, uma vez que elas integram recursos diversos e
competências organizacionais de diferentes origens setoriais, os quais podem ser úteis
para orientar e influenciar os formuladores das políticas sociais e os órgãos públicos
encarregados de sua implementação.

Para que isto efetivamente ocorra, tanto empresas quanto organizações do terceiro setor
precisam assumir novas posturas e gerar novas respostas na solução dos problemas
sociais, como destaca Salamon (1998:11). Segundo este autor, as organizações do
terceiro setor conquistaram seu espaço no cenário mundial e têm sido extremamente
bem-sucedidas em suas atividades junto aos grupos ou comunidades locais. No entanto
estas entidades ainda necessitam fortalecer sua capacidade institucional, condição básica
para que possam contribuir efetivamente na solução dos macro-problemas sociais. A
“replicabilidade limitada dos projetos, a falta de capacidade técnica e o isolamento de
considerações políticas mais amplas” são fatores que precisam ser pensados e
reformulados por estas organizações, o que se vincula diretamente à questão do
treinamento e capacitação técnica, potenciais benefícios das alianças intersetoriais. Para
tanto, “aqueles que contribuem com estas organizações terão de ir além da ‘filantropia
apenas para sentir-se bem consigo mesmo’ e do financiamento de projetos de curto
prazo, para o ‘suporte institucional’ de longo prazo”.
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No gráfico 2, abaixo, é possível identificar as principais razões, apontadas pelas


empresas participantes da pesquisa descritiva, para realizar projetos sociais através de
alianças intersetoriais. Como pode ser observado, a potencialização da qualidade das
ações sociais é o principal motivo apontado para a utilização de alianças: 73,8%
acreditam que esta forma de atuação traz ganhos em eficiência. Aliado a este fator, o
reconhecimento de que as organizações parceiras possuem melhor know-how sobre o
problema social, aparece como segundo motivo, representando 64% dos casos.

Gráfico 2 - Razões para atuar socialmente por meio de alianças

Eficiência 73,8%

Know-how da parceira 64,0%

Menores custos 39,4%

Visibilidade 21,2%

Facilidade em obter recursos 19,4%

Não pretende desenvolver competências internas 15,4%

Outra razão 9,5%

A pesquisa qualitativa confirmou estas tendências. As empresas pesquisadas nesta fase


afirmaram que os resultados de uma atuação social em parceria podem ser
potencializados, atingindo um número de beneficiários maior do que se a empresa
desenvolvesse seu próprio projeto. Atuando em parceria elas podem ser mais efetivas, já
que não precisam desenvolver um know-how que a empresa não possui e que não faz
parte, na maioria das vezes, das competências necessárias para o sucesso de seu
negócio. Com a participação de um parceiro que conhece a área de atuação escolhida
pela empresa, a troca de experiências se torna mais fácil, pois a empresa pode entrar
com as competências que possui – gestão, qualidade, controle, entre outras – e expandir
a atuação de uma organização de terceiro setor existente.

Os principais benefícios percebidos pelas organizações parceiras, mencionados pelas


participantes da pesquisa qualitativa, se relacionam à captação de recursos financeiros,
materiais e humanos, ao aperfeiçoamento de sua gestão e à melhoria da capacitação de
seus profissionais, os quais refletem em economias de custo e de escala. Percebe-se
também benefícios em termos do escopo dos projetos em parcerias, ou seja, ampliação
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do público atendido e da esfera de impacto do projeto, além de melhorias na qualidade.


A existência e a divulgação dos projetos em parceria também abriu caminho para que
outras empresas se interessassem pelas organizações da sociedade civil, criando uma
sinergia de colaboração.

Outros benefícios percebidos pelas organizações parceiras pesquisadas dizem respeito a


resultados intangíveis, como o sentimento de valorização de sua função e das atividades
desenvolvidas, melhoria na satisfação de seus funcionários, e até ganhos em termos de
imagem, decorrentes da divulgação do trabalho na mídia. Tudo isso contribui para o
fortalecimento da organização, sendo fundamental para uma mudança de postura. O que
era visto como uma atividade pequena e de pouca abrangência frente a complexidade
das questões sociais brasileiras, passa a ser percebido com parte de um movimento de
mudança, de ampliação dos benefícios para toda a sociedade, como relata uma das
organizações participantes. Muitas organizações declararam ter expectativas de que a
empresa parceira tenha bons resultados para poder ampliar os projetos em curso, e
adquirir know how para multiplicar os projetos através de novas parcerias e formar redes
de atuação. A expectativa de ampliação das atividades através da aliança é evidente na
maioria das organizações pesquisadas; seus planos incluem a construção de novas
instalações e o desenvolvimento de novas parcerias e redes.

A escolha dos parceiros

A forma como é feita a escolha dos parceiros reforça as razões que levam as empresas a
realizarem projetos de atuação social através de alianças intersetoriais. Ao definir uma
área foco para o desenvolvimento dos projetos, as empresas passam a buscar
organizações que sejam reconhecidas e tenham experiência dentro desta área, refletindo
a busca de eficiência e know-how que as motiva a buscar alianças.

A pesquisa qualitativa revelou que a escolha dos parceiros tem sido freqüentemente
pautada na decisão da empresa em desenvolver projetos sociais em determinada área,
com um público específico ou a partir do envolvimento pessoal de funcionários com
alguma entidade. A maior parte das organizações parceiras entrevistadas afirmou que foi
selecionada pelas empresas, citando como principal fator da decisão empresarial a
credibilidade da instituição e o reconhecimento pelo trabalho desenvolvido.

Esta observação indica que, embora as organizações da sociedade civil tenham


necessidade de captar recursos, são as empresas que lideram o processo de busca de
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um parceiro potencial. Pode-se questionar aqui se as organizações da sociedade civil


não deveriam ser mais pró-ativas em busca de novos parceiros; ou se as empresas
tendem a ser pouco receptivas às organizações que as procuram e preferem estabelecer
parcerias com aquelas que elegem conforme seus próprios critérios.

Por seu lado, algumas organizações de terceiro setor, que participaram da pesquisa
qualitativa, afirmaram possuir critérios de escolha com relação às empresas para
estabelecer parceiras. Estes critérios são, na verdade, restrições sobre quais empresas
desejam ter como parceira e quais não aceitam. Em alguns casos relatados, o grande
receio da organização não é a empresa em si, mas a postura assumida por ela em
relação aos propósitos que devem fazer parte do acordo.

Este quadro captado pela pesquisa qualitativa é indicativo de que as alianças são
instituídas mais em função do movimento exercido pela empresa, do que da atividade de
busca das organizações da sociedade civil, caracterizando um certo desequilíbrio inicial.
O equilíbrio do relacionamento parece estabelecer-se quando os projetos compartilhados
se consolidam e o intercâmbio entre as diferentes organizações aliadas propicia um
aprendizado mútuo sobre a gestão das ações sociais.

OS PAPÉIS DOS PARCEIROS

Toda relação envolve uma troca de valor entre os participantes. Portanto, quando se
pensa em parceria, uma questão de extrema relevância é o valor desta cooperação para
cada um dos parceiros envolvidos. A geração e a manutenção do valor em uma parceria
são fatores determinantes para a continuidade desta relação. Ou seja, para que uma
aliança intersetorial se sustente é necessário que ocorra uma contínua geração de valor.
É necessário que exista uma boa administração da interação pelos parceiros, pois uma
aliança não é um negócio comercial, é um relacionamento que precisa de cuidados com
relação à organização, confiança, comunicação, responsabilidade e aprendizado.

Neste sentido, é importante que os parceiros sejam claros com relação aos seus objetivos
mútuos no tocante à cooperação. Eles devem identificar os múltiplos benefícios que cada
parte poderá obter. É importante também avaliar os benefícios para a sociedade como um
todo e para a comunidade-alvo. O valor gerado pela cooperação variará bastante em
função do propósito social e será de particular interesse o valor social, incremental ou
diferenciado, criado pela cooperação em comparação com o valor criado pelos parceiros
individualmente.
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Um ponto bastante enfatizado por Austin (2001) para o sucesso da aliança reside no
estabelecimento prévio, pelos parceiros, dos objetivos almejados pela cooperação, as
estratégias para seu alcance e como as ações nesta direção influenciarão o projeto e o
público atendido. No entanto, apesar desta percepção ter sido comprovada nas pesquisas
do autor norte-americano, não foram sempre verificadas nas entrevistas realizadas na
pesquisa qualitativa. Na realidade brasileira, de acordo com as declarações das
organizações da sociedade civil e empresas entrevistadas, as alianças se integram ao
longo do processo colaborativo, ou seja, o planejamento e análise detalhada da
viabilidade da colaboração não ocorrem antes do estabelecimento da parceria. Muitas
vezes, nem mesmo as expectativas, capacidades e atribuições de cada participante ficam
claramente estabelecidas. Isto não significa que os parceiros desconheçam seus objetivos
e a finalidade da parceria, ao contrário, é isto que os move. A dificuldade reside na
definição prévia e clara de papéis e responsabilidades.

Esta dinâmica resulta em alianças cujos papéis desempenhados muitas vezes são
definidos de acordo com as necessidades do momento, fortemente pautados nos valores
e crenças de cada parceiro. Neste contexto, não é raro se verificar que as empresas
privadas realizam papéis de provimento de recursos e as organizações parceiras, de
execução de atividades.

Esta divisão de atividades é oriunda da tradição da filantropia empresarial, que se


relacionava quase que exclusivamente com as doações de recursos financeiros.
Entretanto, a partir da última década do século XX, a participação da empresa através de
outras formas vem se intensificando: os recursos passaram a não ser somente materiais,
mas também humanos, através do trabalho voluntário, que levou, além do apoio paliativo,
os conhecimentos em gestão, contribuindo para a profissionalização das organizações, ao
facilitar a compreensão por parte das parceiras da importância da prestação de contas da
utilização dos recursos e da mensuração dos resultados. Atualmente as empresas já
conseguem perceber que, apesar dos pedidos de doações ainda serem freqüentes, elas
podem contribuir com outros recursos também escassos nas organizações parceiras e
que fazem parte da expertise da empresa. Por outro lado, a doação continua sendo uma
forma importante de atuação social, podendo se encaixar em um plano de ação
transformadora.

A constatação de que grande parte das empresas e organizações do terceiro setor ainda
atribuem às primeiras o papel de provisão de recursos, pode servir para alimentar o
questionamento sobre a falta de amadurecimento de ambas em relação ao trabalho em
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parceria. Neste sentido, é possível observar que a forma como os papéis são
estabelecidos e desempenhados não são fruto de reflexões prévias ou de padrões de
relacionamento consolidados. Provavelmente esta predominância deste tipo de relação
seja decorrente, em muitos casos, da forma como a parceria é buscada e estabelecida.
Se por um lado, algumas empresas não possuem uma idéia muito clara sobre as
possibilidades de sua atuação social, além do repasse de recursos que viabilizam projetos
de outras organizações, por outro lado, estas organizações acabam se colocando numa
posição de receptoras daquilo que pode ser dado, não tomando a frente de uma
discussão sobre as suas reais expectativas quanto ao parceiro.

Entre as parcerias que fogem do binômio doador/donatário verifica-se uma enorme


variedade de responsabilidades distribuídas entre os parceiros, geralmente determinadas
casuisticamente. As organizações de terceiro setor definem sua função na parceria como
sendo desde “saber pedir e agradecer”, passando por prestar contas, cumprir metas e
implementar ações, até o de participar da elaboração da política de atuação social do
parceiro. Já as empresas caracterizam-se por uma diversidade ainda maior de
responsabilidades na realização dos projetos em parceria, de acordo com a visão das
organizações do terceiro setor: definir, opinar, participar, elaborar, desenvolver, implantar,
executar, acompanhar e avaliar projetos, são algumas das ações percebidas, em
diferentes combinações, nas parcerias pesquisadas.

No entanto, as organizações do terceiro setor percebem a necessidade de uma revisão


nestes papéis, reforçando sua preferência pelos relacionamentos em que o parceiro tem
uma atuação mais efetiva e está presente durante todas as fases do projeto, o que
também é um desejo manifestado por algumas empresas. Frente a estes fatos, um
caminho óbvio, mas que parece não estar sendo utilizado, é a abertura de canais de
comunicação para a reflexão e definição de expectativas para consensar as formas de
implementação das alianças.

Estas constatações também foram observadas nos resultados obtidos na fase descritiva
da pesquisa. Como pode ser observado no gráfico 4, as doações de “recursos
financeiros” (63,1%) e “não-financeiros” (75,4%) ainda permanecem em primeiro lugar, o
que representa, como discutido acima, um reflexo da principal forma de exercer a atuação
social empresarial que predominou até poucos anos, isto é, através da simples relação
entre doador e donatário.
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Gráfico 4 - Papel das empresas nas alianças

Doa recursos não financeiros 75,4%

Incentiva funcionários 63,4%

Doa recursos financeiros 63,1%

Monitora e avalia resultados 54,5%

Discute e define diretrizes 50,8%

Executa atividades 48,3%

Estimula clientes e fornecedores 41,8%

Disponibiliza recursos 34,8%

Vincula parcela de receita 10,2%

Outros 2,2%

É importante observar que o “incentivo a funcionários” (63,4%), um papel de execução, se


destaca entre as tradicionais provisões de recursos, demonstrando que as empresas têm
buscado formas inovadoras de atuação social. No entanto, este aspecto deve ser
analisado com cuidado pois, embora muitas empresas realmente busquem desenvolver a
cidadania de seus funcionários através do incentivo de sua participação em projetos
sociais, em alguns casos as iniciativas voluntárias de funcionários são utilizadas para
promover a empresa, sendo divulgadas como programas corporativos.

Mais da metade das empresas pesquisadas desempenham os papéis de gestão


sugeridos: “monitoramento e avaliação de resultados” com 54,5% e “discutir e definir
diretrizes” com 50,8%. A presença destes itens caracteriza uma evolução na concepção
dos papéis que a empresa deve assumir, além de representar uma forte tendência para
que as alianças se tornem cada vez mais administradas de forma a contemplar objetivos,
resultados obtidos, oportunidades de melhoria, em oposição às atuações menos focadas
e mais descomprometidas.

FACILITADORES E DIFICULTADORES DAS ALIANÇAS INTERSETORIAIS

Todos os relacionamentos entre duas ou mais partes possuem aspectos facilitadores e


dificultadores, que ao serem identificados podem ser trabalhados fortalecendo o elo entre
as partes. Com este objetivo buscou-se identificar através das entrevistas desenvolvidas
na fase qualitativa da pesquisa os aspectos que facilitam ou dificultam o relacionamento
das organizações envolvidas em alianças intersetoriais para atuação social,
principalmente porque, além de serem organizações diferentes, possuem naturezas,
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propósitos e missões que são diversas e, ás vezes, até opostas entre si. Muitas vezes
os problemas sociais, suas causas e possíveis soluções são concebidos a partir de
pressupostos diferentes, ainda que possam compartilhar propostas de ação. A
identificação desses aspectos são de grande valia para aprimorar o relacionamento entre
os componentes de alianças já existentes e para o desenvolvimento de novas alianças.

Isto também vem de encontro ao que foi constatado por Austin (2001) em suas pesquisas.
De acordo com o autor, na medida em que os parceiros forem capazes de fundir suas
capacidades de forma sinérgica para gerar atividades e desdobramentos diferenciados, a
síntese de valor da cooperação, provindo unicamente da aliança e não sendo atingível
separadamente ou por meio de outras parcerias, terá passado para um nível mais alto.

A citação de aspectos como: tomar decisões e realizar ações conjuntas, estabelecer o


compromisso entre as partes, otimizar competências, comunicação, transparência e
confiabilidade, surgiu tanto das empresas como das organizações parceiras. Isto
demonstra que ambas as organizações prezam estes fatores e conseguem visualizar a
sua importância para o sucesso do relacionamento. No entanto, é importante enfatizar
que estes aspectos foram apontados como facilitadores, mas não necessariamente eram
considerados presentes nas alianças estudadas.

Ainda existem dificuldades a serem vencidas no relacionamento entre as organizações


com e sem fins lucrativos. Para as empresas as principais dificuldades se referem à falta
de competência gerencial das organizações parceiras, à dificuldade de comunicação e a
alguns conflitos culturais entre as partes.

Muitas vezes estas dificuldades expressadas pelas empresas extrapolam a falta de


profissionalização ou de conhecimentos sobre gestão das organizações parceiras,
especialmente as do terceiro setor. O abismo existente entre as primeiras, detentoras do
conhecimento sobre gestão de negócios, e as segundas, experts em reagir a demandas
imediatas e imprevistas, merece um certo cuidado para ser transposto. Não se trata de
impor as ferramentas que as primeiras possuem para gerenciar os projetos que as
segundas desenvolvem, como gostariam e tentam fazer algumas empresas ao proporem
uma atuação social conjunta. A resistência para a adoção destas novas formas de
trabalho muitas vezes é explicada pelo simples fato de que elas são inadequadas.

As organizações do terceiro setor pesquisadas mostram-se abertas a aprender mais


sobre gestão e a desenvolver projetos formais, reconhecem a importância do
acompanhamento e avaliação dos resultados, mas também percebem que alguns
contratos e cronogramas engessam sua ação, que algumas vezes um bom projeto não é
16

desenvolvido porque o seu planejamento nunca acaba, que a burocracia vai contra a
sua necessidade de responder rapidamente ao seu publico beneficiário.

Neste contexto, as resistências afloram de ambos os lados e a falta de compartilhamento


de idéias e dificuldades pode minar excelentes oportunidades, para que ambos os
parceiros aprendam a desenvolver em conjunto uma forma de gestão que compatibilize
as necessidades dos dois lados. Não se pode administrar a atuação social como um
negócio, pois, por essência, ela não o é. E também não é viável que as empresas abram
mão de formas de gestão mais estruturadas porque suas parceiras não estão preparadas
para isto. Deve haver um meio termo, que só poderá ser obtido com o real
comprometimento e envolvimento dos dois lados. Isto também deve ser considerado
frente às dificuldades de comunicação e diferenças culturais: encontrar uma linguagem
comum e construir uma nova cultura que una os valores e filosofias em comum é tarefa
que exige tempo, e só pode se realizar a partir do respeito, do compromisso e do
envolvimento mútuo.

Entre os dificultadores apontados pelas organizações parceiras, estão as percepções que


possuem sobre os interesses e papéis da empresa na aliança. Acham difícil trabalhar com
empresas que têm muita preocupação com a visibilidade que o projeto trará, em
detrimento dos resultados sociais a serem alcançados. Falta de clareza de propósito e até
falta de interesse real por parte das empresas também são apontados por estas
organizações, que colocam extrema importância no compartilhamento de metas e
objetivos comuns. Nesta linha, subordinação e unilateralidade também são aspectos
negativos de algumas parcerias, citados na pesquisa. Porém, como no caso anterior, os
principais problemas surgem das diferenças culturais e de lógica de trabalho existente
entre elas e as empresas. Isto se reflete em dificuldades operacionais e de comunicação.

Em alguns casos, tais diferenças, aliadas à falta de compreensão entre as diferentes


culturas dos dois tipos de organizações, fazem com que a parceria não se efetive ou que
seja rompida. Esta situação foi verificada em algumas parcerias entre empresas e órgãos
governamentais. Muitas vezes é difícil para as empresas entenderem o ritmo de ação e
decisão e a burocracia dos procedimentos dos parceiros governamentais e por isso
acabam generalizando experiências ruins que tiveram junto ao setor. As principais críticas
são com relação à complexidade burocrática, à lentidão e aos entraves político-partidários
que minam os relacionamentos. No entanto há exemplos de empresas que conseguiram
vencer as dificuldades do relacionamento com órgãos governamentais, demonstrando
que, quando a sinergia é alcançada, obtém-se a potencialização dos resultados, porque
17

amplia-se o atendimento do projeto e é possível, inclusive, transformar as políticas


públicas.

Outra categoria de aliança que surgiu algumas vezes durante as entrevistas é a parceria
que se estabelece entre empresas para atuação social conjunta. Este relacionamento não
caracteriza propriamente uma aliança intersetorial, mas demonstra uma forma inovadora
de atuar socialmente. Um caso comum de parcerias entre empresas observado na
pesquisa inclui também organizações governamentais e/ou não-governamentais, as quais
contribuem com suas competências específicas na área de atuação social escolhida pelas
empresas parceiras.

Porém, nesta forma de colaboração, muitas empresas reclamam da falta de interesse de


seus pares em se envolver nas alianças. Cada uma quer ter o seu próprio projeto e
muitas vezes não se interessa em multiplicar ações que vêm tendo sucesso na
experiência de outras; algumas não se interessam, nem mesmo, por aprender com as
experiências e dificuldades já vividas por outra empresa.

Esta dificuldade de envolvimento de diferentes empresas em um mesmo projeto social


pode resultar na limitação do alcance da iniciativa e na reprodução de ações similares, as
quais poderiam ser amplificadas se implementadas conjuntamente. Além disso, a falta de
integração entre as empresas dificulta a troca de experiências entre organizações e,
conforme apontado em algumas entrevistas, pode tornar as organizações da sociedade
civil parceiras dependentes de apenas um financiador, enfraquecendo sua relação.

O envolvimento das organizações de terceiro setor com mais de uma empresa possui
muitos aspectos positivos, como apontado pelos entrevistados. Quase um terço das
empresas considera que, quando a organização parceira já possui experiência em outras
parcerias, o processo do estabelecimento e manutenção da aliança se torna mais fácil,
pois as empresas acreditam que as organizações já estão mais abertas e preparadas
para lidar com as diferenças existentes entre as organizações com e sem fins lucrativos.
Algumas empresas também vislumbram a possibilidade do estabelecimento de redes com
os outros parceiros da organização, além de pensar na sustentabilidade do projeto, caso
a empresa tenha que sair da parceria.

Como enfatizado anteriormente, a visão mais comum que as empresas têm sobre seus
parceiros está relacionada à falta de preparação para o gerenciamento, citada por grande
parte das empresas entrevistadas. Porém, esta fraqueza, quando ambas estão dispostas
a ampliar a parceria, pode tornar-se um fator de aproximação entre as partes, pois a
empresa pode levar para a organização os conhecimentos de gestão e organização.
18

Isto exige uma atitude pró-ativa de ambas as partes. Entre as organizações


entrevistadas, foram identificados muitos casos em que a empresa estava disposta a
contribuir com seus conhecimentos sobre gestão, mas a organização parceira não estava
aberta a receber esta orientação. Outras vezes, a empresa não se mostrou interessada
em contribuir com recursos além dos financeiros, embora a organização parceira
manifestasse seu interesse em aperfeiçoar sua administração.

Estas situações são características de um cenário ainda em transformação, onde algumas


empresas consideram que as organizações governamentais e não-governamentais estão
interessadas somente nos seus recursos financeiros e as organizações do terceiro setor,
por sua vez, alimentam uma imagem de que as empresas são meras financiadoras dos
seus projetos. Além disso, quando há pró-atividade de algum dos lados e falta de retorno
positivo do outro, surge um ressentimento que muitas vezes leva ao rompimento da
cooperação.

Como é possível perceber, trabalhar em parceria não é simples, exige uma grande
disposição para aprender, ensinar e trocar experiências entre os participantes. As
diferenças de linguagem e de lógica de trabalho podem dificultar o processo, mas as
decisões e ações conjuntas e a otimização de competências podem facilitá-lo. Para que
se consiga um balanço positivo é preciso colocar o foco nos resultados e impactos
esperados com a aliança. Dessa forma, será possível encarar os desafios da parceria
como etapas de crescimento em direção à sinergia e vislumbrar os benefícios concretos
para a sociedade.

OS DESAFIOS PARA OS PARCEIROS

Trabalhar em parceria não é uma tarefa simples, e é quase inevitável o surgimento de


desafios de várias naturezas. Segundo Nelson & Zadeck (2002:18-19), os principais
desafios se concentram em dilemas estratégicos e obstáculos operacionais: “As novas
parcerias sociais possuem o potencial para fazer uma contribuição significativa no
encaminhamento de alguns dos problemas sociais mais críticos. Este potencial existe,
entretanto, frente a uma grande variedade de obstáculos operacionais. Além disso, as
parcerias geram dilemas estratégicos em termos de governança, relevância e
“accountability”. Estes problemas operacionais e dilemas estratégicos são uma parte
integrante da evolução das novas parcerias sociais”.

De acordo com estes autores, os desafios de governança das alianças são caracterizados
19

por questões relacionadas à participação e à definição de responsabilidades entre os


parceiros. O desafio da relevância enfatiza a avaliação do grau de importância da parceria
para a sociedade. E o desafio da accountability está voltado para a transparência e a
prestação de contas dos resultados da atuação social realizada em parceria e dos
processos empregados pela aliança entre as organizações.

Vencer estes desafios é uma tarefa que exige um alto grau de cooperação entre as
organizações que atuam através de alianças, mas que é capaz de fazer com que todas as
ações dos parceiros gerem resultados benéficos para a aliança como um todo, não
restritos a cada um dos participantes isoladamente. Ainda segundo os autores, este tipo
de resultado é atingido quando se consegue construir a diversidade, atrair e sustentar o
envolvimento do participante, construir novas competências e lidar com o poder.

Austin (2001) se refere a cinco elementos envolvidos na criação e desenvolvimento de


alianças, que trazem em sua essência alguns desafios inerentes a este novo tipo de
relacionamento para a atuação social. Estes elementos são: entender a cooperação
estratégica, fazer a conexão, assegurar a compatibilidade estratégica, gerar valor e
administrar o relacionamento.

Diante disso, a pesquisa brasileira procurou também observar quais os principais desafios
enfrentados pelas empresas no estabelecimento e na manutenção de suas alianças no
contexto brasileiro. O gráfico abaixo ilustra as principais características das parcerias
existentes nas empresas respondentes, quanto à gestão, operacionalização e
relacionamento.

Gráfico 5 - Características das alianças


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Um dos principais desafios que as organizações enfrentam ao trabalhar através de


alianças é a manutenção de um relacionamento duradouro. Este desafio na verdade
nunca é vencido, pois implica em uma constante superação de obstáculos diários,
20

relacionados à administração do relacionamento, como exemplificado por Austin


(2001): organização, comunicação, construção de uma base de confiança, atribuição de
responsabilidades e aprendizado. No gráfico acima se pode observar que 82% das
empresas pesquisadas na fase descritiva afirmam manter relacionamentos duradouros
com suas parceiras, o que se destaca como a principal característica desta amostra. Isto
caracteriza um alto grau de maturidade existente nestas alianças, sinalizando que as
dificuldades do dia a dia, de alguma forma, têm sido contornadas e transformadas em
aprendizado.

De acordo com Austin (2001), quanto mais personalizado se torna o relacionamento, mais
coesa torna-se a aliança, e essa coesão é fundamental para o processo de
institucionalização. Os parceiros devem ter expectativas similares, confiar que cada um
fará sua parte e que serão capazes de mensurar e reportar os resultados. Alianças fortes
são construídas sobre uma base de altas expectativas mútuas. Neste sentido, o
compartilhamento de propósitos, objetivos e metas é fundamental para o sucesso das
alianças. Quando isto ocorre, a avaliação positiva do relacionamento é facilmente obtida,
o que foi verificado em grande parte das empresas entrevistadas na pesquisa qualitativa.

Esta visão também está presente nas organizações da sociedade civil: a maior parte das
entrevistadas consideram o relacionamento com a parceira bom. Os principais fatores que
contribuem para este relacionamento são a troca, o comprometimento do parceiro e a
valorização do trabalho desenvolvido.

A comunicação, tanto interna quanto externa, é outro fator que se coloca como um
desafio para as alianças intersetoriais. O envolvimento dos funcionários e,
consequentemente, a real integração da atuação social à filosofia da empresa, é
fundamental para que a aliança se constitua em um componente da responsabilidade
social corporativa, tornando-se um elemento de motivação e orgulho para os funcionários,
especialmente quando estes podem participar dos projetos desenvolvidos. Saber
comunicar adequadamente sobre a parceria, evitando vieses e interpretações errôneas, é
o primeiro passo neste sentido. As empresas pesquisadas na fase descritiva demonstram
ter esta preocupação: 80% afirmam que seus funcionários estão informados sobre as
alianças existentes. No entanto a comunicação a clientes e fornecedores ocorre em
apenas 50% dos casos, o que representa uma baixa utilização de uma prática que pode
vir a trazer benefícios para a imagem institucional da empresa, bem como para o
fortalecimento da própria aliança. Mesmo que estes ganhos não ocorram, a divulgação da
parceria contém em si um potencial de multiplicação de valores voltados para a
21

preocupação e para a ação, frente aos problemas sociais, que é um dos desafios
colocados para a atuação social através de alianças: potencializar e replicar as
experiências bem sucedidas.

A consideração da aliança na definição de estratégias das empresas, um outro grande


desafio, parece ser mais difícil de ser superado. Ela ocorre em apenas 33% das empresas
pesquisadas, o que lhe confere um caráter ainda secundário frente ao negócio. Este fato
pode ser decorrente da baixa percepção sobre os benefícios para a própria empresa, o
que acontece em apenas 40% dos casos. Estes dois desafios se inter-relacionam na
medida em que a preocupação com a avaliação dos benefícios da aliança só faz sentido
quando ela se torna um fator estratégico para todas as organizações aliadas. Se isto não
ocorre, na maior parte das vezes esta avaliação é utilizada exclusivamente para a
obtenção de recursos e orçamentos exclusivos para o projeto em parceria, o que lhe
garante uma continuidade temporária, mas não uma perenidade de fato. Por outro lado,
ela só pode ser considerada estratégica se realmente houver uma profunda análise das
vantagens que traz para a organização, para o parceiro e para a sociedade, ou pelo
menos, o público atendido.

Neste sentido, conforme afirma Austin (2001), as alianças são veículos para a realização
da missão de cada participante, de modo que a parceria deve ser considerada parte
integrante da estratégia de qualquer organização com ou sem fins lucrativos. Ou seja,
quanto mais fundamental for o propósito da parceria para as missões, estratégias e
valores dos parceiros, mais importante tenderá a ser a relação.

Para as empresas, antes de avaliar a importância estratégica das parcerias para projetos
sociais, é necessário entender qual a relevância, em termos estratégicos, da execução de
políticas sociais, já que tais organizações, ao contrário das entidades do terceiro setor,
não possuem a atuação social como parte de sua natureza enquanto organização.

A relação entre a atuação social e o planejamento estratégico foi citada por grande parte
das empresas entrevistadas na pesquisa qualitativa, porém é preciso analisar as
diferentes formas que esta relação assume.

Em metade destas empresas, a atuação social está presente nas discussões de


planejamento estratégico. Esta presença pode se caracterizar tanto pela simples
apresentação do projeto nas reuniões de planejamento, somente para informação dos
participantes sobre seu andamento, quanto pela discussão de metas e objetivos da
atuação social vinculados às diretrizes organizacionais. De acordo com os dados da
pesquisa descritiva, 56% dos respondentes concordaram com a seguinte afirmação,
22

confirmando a percepção obtida nas entrevistas da fase qualitativa: “O processo de


Planejamento Estratégico da empresa contempla expressamente questões ligadas aos
projetos sociais.” Além disso, 63% concordaram que: “Existem metas de longo prazo
formalmente definidas para a atuação social.”

Há também aquelas empresas que não incluem a atuação social em suas discussões
estratégicas, às vezes por não a considerarem vinculada ao assunto, outras por deixar
esta discussão a cargo do planejamento do Instituto ou Fundação vinculado à empresa.

A gestão da aliança, um dos principais desafios que se coloca, parece estar em


aprimoramento entre as empresas pesquisadas na fase descritiva: 78% mantém contatos
freqüentes durante o desenvolvimento dos projetos, 74% contam com o acompanhamento
da alta direção e 63% possuem procedimentos específicos para a gestão da aliança.

A realização de contatos freqüentes por si só pode não parecer um desafio. No entanto,


muitas vezes sob os pretextos próprios dos mundos dos negócios, como falta de tempo e
de oportunidade, a distância que se coloca entre a empresa e sua parceira pode ocultar
um baixo grau de comprometimento. Isto traz impactos altamente negativos para as
alianças, pois impede que o compartilhamento de problemas e soluções ocorra de forma
natural, restringindo-se a reuniões eventuais ou periódicas de acompanhamento. Além
disso, ocasiona um distanciamento de objetivos e visões entre os parceiros, fruto do
desconhecimento sobre as atividades realizadas e sobre os recursos necessários ou
alternativos para sua realização.

O acompanhamento da alta direção é fundamental para que a atuação social se consolide


na cultura da empresa. Este envolvimento possui alto poder de concentrar esforços e
formar raízes sólidas para que estas iniciativas sejam bem sucedidas. Principalmente
quando a própria direção não só é envolvida no programa, mas também é responsável
por sua iniciativa. Neste sentido, o desafio consiste em atrair e manter este
comprometimento da alta direção quando a responsabilidade social não é um valor
pessoal destes dirigentes.

Austin (2001) também ressalta a importância deste fator nas pesquisas em que realizou.
Segundo este autor, todas as alianças estratégicas de sucesso tiveram apoio significativo
e envolvimento direto dos líderes e dirigentes das organizações parceiras. A ausência
desse envolvimento da liderança é prova de que o relacionamento não alcançou o nível
de importância estratégica e, portanto, tem grande chance de não se desenvolver ou
fracassar. Por outro lado, quando há o envolvimento dos líderes, é mais fácil para os
outros níveis organizacionais aderirem ao projeto, porque está sinalizada para toda a
23

organização a legitimidade da estratégia e da aliança. Como salienta o educador


brasileiro Antônio Carlos Gomes da Costa (depoimento espontâneo, 2003), “a
responsabilidade social não pode ser uma prótese onde não circula o sangue da
organização.”

A utilização de procedimentos e ferramentas para acompanhamento e avaliação da


aliança é um desafio que, embora aparente estar sendo superado pelas empresas
pesquisadas, não é de fácil solução. Na verdade ainda inexistem ferramentas adequadas
para este novo tipo de gestão, que se difere daquelas próprias de um negócio comercial.
Muitas vezes existem relatórios e indicadores de resultados que permitem um
acompanhamento parcial dos projetos, no entanto não contemplam a intangibilidade dos
resultados obtidos junto à sociedade, por exemplo. Além disso, as organizações da
sociedade civil possuem dificuldades, quando não resistências, para a utilização de
ferramentas mais elaboradas, o que pode comprometer a qualidade das informações
prestadas. Por outro lado, em alguns casos as próprias empresas não utilizam estes
procedimentos em benefício da aliança, como na antecipação de problemas e
identificação de oportunidades, limitando sua análise a uma “auditoria” sobre receitas e
despesas financeiras.

Um desdobramento relacionado a esta questão está na definição de indicadores para


mensuração e monitoramento dos processos, resultados e impactos dos projetos sociais,
que constituem uma das maiores fragilidades das alianças. Este obstáculo, por vezes
inerente às pesquisas em ciências humanas, é intensificado, por um lado, pela falta de
experiência das organizações de terceiro setor em trabalhar com indicadores de processo
e de resultados e, por outro, pelo desconhecimento por parte das empresas das
dificuldades em se trabalhar com realidades sociais complexas como crianças em
situação de risco, moradores de favelas ou portadores de câncer, por exemplo.

Avaliar projetos sociais, medir seus resultados e impactos não são tarefas simples e
exigem o desenvolvimento de competências que, na maioria das vezes nem a empresa,
nem a organização parceira possuem, mas que devem ser definidas e desenvolvidas.

Outro fator que dificulta a avaliação de resultados, principalmente quando os indicadores


não estão claramente definidos, é que estes envolvem juízo de valor. A presença de um
avaliador em um local exerce uma espécie de coerção, ou seja, no momento da avaliação
o modelo mental que melhor se encaixa é o da organização avaliadora, mesmo que isto
não aconteça durante o ciclo de vida do projeto ou ação social. Porém, o processo de
avaliação e monitoramento é relevante para manter a relação de transparência com todos
24

os envolvidos no projeto, além de ser essencial para o acompanhamento e melhoria


dos processos e resultados e da efetividade das ações.

É possível perceber, a partir das entrevistas realizadas na pesquisa qualitativa, as


dificuldades que os membros das alianças estão enfrentando com relação aos aspectos
de avaliação e monitoramento. Embora muitas vezes a atuação social esteja contemplada
no planejamento estratégico da empresa, e algumas vezes a apresentação de resultados
seja condicionante para a obtenção de recursos, a coleta e a mensuração destes
resultados são feitas de forma bastante subjetiva e pouco estruturada. Os relatórios
utilizados muitas vezes tratam de demonstrações financeiras ou são o próprio balanço
social, que contempla número de pessoas atendidas, a quantidade de ações, a satisfação
dos beneficiários.

Os problemas surgem ainda na definição dos indicadores a serem utilizados, pois na


maior parte das vezes, os participantes da parceria não conseguem identificar as
diferenças entre indicadores de processo, de resultados e de impacto e acabam
trabalhando com medidas subjetivas e pouco fundamentadas. A maior parte dos projetos
estudados na pesquisa realizada utiliza indicadores de resultados surgidos no decorrer do
projeto, sem muita preocupação com o método de coleta e análise dos dados, e o
monitoramento é restrito ao acompanhamento informal dos participantes e executores das
atividades. Embora em alguns casos sejam utilizadas entidades externas para a definição
de indicadores e acompanhamento de resultados, sua efetividade ainda é questionada.
Esta carência decorre da ausência de um planejamento prévio dos projetos em parceria,
sem a definição explícita das etapas e dos resultados esperados em cada uma delas,
para então definir indicadores que dêem uma boa percepção sobre o desempenho e que
torne o projeto comparável a outras iniciativas.

Os indicadores citados pelos parceiros entrevistados, na maioria das vezes, são


baseados em visões subjetivas, como “a percepção de voluntários através da
observação” ou “resultados de reuniões mensais”, que acabam por caracterizar opiniões,
sentimentos e percepções, mesmo que, para os participantes das parcerias, estejam
sendo considerados como resultados.

CONCLUSÕES

Com base nas informações da pesquisa Alianças Estratégias Intersetoriais para Atuação
Social, é possível perceber que, no processo dinâmico de desenvolvimento de parcerias,
25

as empresas que atuam socialmente no Brasil estão começando uma longa caminhada
que poderá levá-las a alianças mais efetivas e duradouras, tanto para os parceiros quanto
para a sociedade.

Entre os principais resultados discutidos neste trabalho, destaca-se que as alianças


intersetoriais tem sido estabelecidas pela maior parte das empresas pesquisadas para
viabilizar suas práticas de atuação social, geralmente com organizações do terceiro setor.

Muitas alianças têm sido bem sucedidas, caracterizadas por relacionamentos duradouros
e por benefícios reconhecidos por todos os participantes, sejam organizações privadas,
da sociedade civil ou governamentais. A otimização de competências complementares, a
potencialização dos resultados sociais dos projetos desenvolvidos e a melhoria da
imagem institucional são os principais resultados reconhecidos por estas organizações.
No entanto, o monitoramento e a avaliação de projetos e resultados ainda são pouco
desenvolvidos, o que dificulta a mensuração dos reais impactos destas ações, o que se
coloca como um grande desafio a ser enfrentado pelas alianças ao longo de sua
consolidação.

As empresas, privadas ou públicas, ainda são os principais atores nas alianças. São elas
que têm a iniciativa de buscar e escolher as entidades do terceiro setor que serão suas
parceiras e, em geral, são as financiadoras dos projetos, enquanto seus parceiros são
responsáveis pelas atividades de execução e implementação. Este contexto abre espaço
para a adoção de uma postura mais pró-ativa por parte das organizações da sociedade
civil, que permita o estabelecimento de relacionamentos mais equilibrados, tanto na
distribuição de papéis e responsabilidades, quanto no compartilhamento de filosofias,
interesses e objetivos, rompendo com relação doador/donatário que ainda permeia estas
iniciativas.

A revisão dos pressupostos que norteiam as ações sociais das organizações envolvidas
em uma aliança é um ponto crítico para superar estes desafios. É necessário aprender a
trabalhar de formas diferentes e a desenvolver a capacidade de compreender e integrar
diferentes lógicas e culturas. Enquanto muitas empresas alegam que a falta de
competência gerencial é um dos principais dificultadores para o estabelecimento de
parcerias, as organizações do terceiro setor referem-se às diferenças de formas de
trabalho como um dos obstáculos que se coloca neste tipo de relacionamento. Se vistos
como oportunidade de aperfeiçoamento, tais fatores podem, e devem, ser tratados como
situações de aprendizagem em que as primeiras podem contribuir com seus
conhecimentos no campo da gestão, e as segundas podem ampliar a visão empresarial
26

sobre as peculiaridades inerentes às ações voltadas para a sociedade.

Embora estas características e desafios sejam comuns às alianças pesquisadas, é


possível afirmar que a diversidade de iniciativas e estágios evolutivos apareceu como a
grande marca destas parcerias, que foram estabelecidas das mais variadas formas,
implicando em diferentes níveis e tipos de integração e relacionamento entre os parceiros.
Na realidade, não é possível determinar um modelo único para o estabelecimento de uma
aliança intersetorial para atuação social, pois cada parceria deve ser estruturada a partir
da consideração de inúmeras dimensões, tais como o contexto em que se insere, a
finalidade buscada, as possibilidades, as necessidades e as filosofias que direcionam
estas iniciativas.

Os exemplos deste estudo indicam que as organizações têm buscado diversos caminhos
para contemplar estas dimensões e, principalmente, que estão buscando com empenho
uma soma de esforços e competências que traga resultados efetivos para o
desenvolvimento social, através da ampliação das possibilidades do trabalho em parceria
e superação de seus desafios.

NOTAS

I “As Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDM) surgem da Declaração do Milênio das Nações
Unidas, adotada pelos 189 estados membros no dia 8 de setembro de 2000. Criada em um esforço
para sintetizar acordos internacionais alcançados em várias cúpulas mundiais ao longo dos anos
90, a Declaração traz uma série de compromissos concretos que, se cumpridos nos prazos
fixados, segundo os indicadores quantitativos que os acompanham, deverão melhorar o destino da
humanidade neste século.” Fonte: PNUD, 2003a:1
II
O índice de Gini é uma medida da desigualdade de renda na qual o valor "0" corresponde à
igualdade perfeita e o valor "1" à desigualdade absoluta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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Paulo, Programa Voluntários do Conselho da Comunidade Solidária,1999.
27

______________ O Desafio da Colaboração. São Paulo, Ed. Gente, 2002.


______________ A Responsabilidade pelo Desenvolvimento, São Paulo, 2003. Texto de
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