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CARNAVAL, BLOCOS E REFOGADOS: UM OLHAR SOBRE O BLOCO DO

SANDI.

HENRIQUE MATHIAS FERNANDES

Introdução

Este trabalho é um relato do processo de registro como patrimônio imaterial


do bloco carnavalesco “Refogados do Sandi”, natural de Jundiaí – SP. Este
registro se inicia por uma descrição historiográfica da evolução dos ritos
pagãos da antiguidade clássica que embasaram a festa atual, passando pelos
festivais gregos e romanos até a chegada do Carnaval ao Brasil através dos
portugueses.

Já quanto à história do Carnaval de Rua em Jundiaí e como ocorreu o


resgate do mesmo, foram graças a Erazê Martinho, idealizador e fundador do
Bloco do Sandi, que as ruas de Jundiaí voltam a ganhar o colorido e a
democracia dos blocos carnavalescos de rua, após um ano sem blocos devido
à falta de verbas. Além disso, o “Refogados do Sandi” cresceu e envelheceu a
ponto de tornar-se o bloco mais antigo do município.

O registo de patrimônio imaterial, contudo, chegou somente em 2016,


quando a prefeitura instituiu a lei que permitia a qualquer cidadão requerer a
abertura de um processo que tornasse um fator cultural de importância para a
cidade em patrimônio cultural imaterial, promovendo assim a preservação de
aspectos culturais da cidade de Jundiaí.

Como são poucas as informações referentes ao carnaval de Jundiaí, este


trabalho busca constituir uma pequena coletânea de fotos e materiais sobre o
bloco. Este texto também busca mostrar a população quão importante é o
registro documental e reunir as principais informações em um único material
para a posterioridade. A metodologia empregada na construção deste artigo foi,
essencialmente, a pesquisa bibliográfica e o levantamento documental sobre o
Carnaval em geral e sobre o Carnaval na cidade de Jundiaí, focado
especificamente no Bloco do Sandi.
1. História do Carnaval

É muito incomum encontrar alguma pessoa, brasileira ou não, que ao ouvir


a palavra “carnaval” não pense logo no Brasil. Esta festa de excessos,
fantasias e danças, que possui tantas facetas quantas são os estados do
Brasil, se tornou ícone de nosso país e é frequentemente usada pela
comunidade internacional para demonstrar as maravilhas das terras
tupiniquins. Contudo, o que grande parte da população desconhece é que o
Carnaval possui raízes tão profundas que chegam a se perder na história. É
uma das festas mais antigas da humanidade com origem em celebrações
mitológicas.

1.1. Mitologia Carnavalesca

As primeiras festas relacionadas ao Carnaval como o conhecemos


atualmente datam de quatro mil antes de Cristo. Ritos em homenagem a Ísis,
deusa mãe do Egito, e a Osíris, consorte de Ísis e deus dos mortos e da
fertilidade, aconteciam anualmente no Egito Antigo. Para homenageá-los, os
mortais se reuniam durante o período de plantio para render graças à vida e a
fertilidade dos campos com danças, brincadeiras e festejos a fim de que as
sementes crescessem saudáveis e produzissem muitos frutos para que não
houvesse fome entre a população.

De acordo com Sebe (1986), para o renascimento da natureza, Isis e Osíris


se uniam para desfrutar, temporariamente, dos prazeres da carne. Saciados os
desejos, Isis sacrificava seu amante para findar a inquietação dos dias de
euforia. E a história se repetia ciclicamente segundo o tempo da natureza.
Nota-se que na lenda de Isis existe o tempo de euforia (fecundidade) e
submissão (gestação). Ambas as partes se complementam e se conectam
respeitando o calendário das estações do ano. De acordo com Sebe (1986, p.
10).

É fácil identificar a ideia do ciclo anual da celebração com a


época das plantações, e aliar a concepção de um deus que
morre, depois de prazeres desmedidos, com um longo período
de rotina que deve seguir a fase de germinação das sementes
plantadas.

Os Gregos e Romanos também possuíam seus ritos sazonais cujas


tradições influenciaram o Carnaval nos tempos modernos. Eram elas: as
Dionisíacas (Grécia), as Bacanais e Lupercálias (Roma). Provavelmente
derivadas das tradições egípcias. As Dionisíacas e as Bacanais eram festas
em honra ao deus Dionísio ou Baco, deus do vinho e dos prazeres. As
Lupercálias eram dedicadas a Pã, deus da fertilidade, e ocorriam anualmente
no dia 15 de fevereiro (último mês do calendário romano pagão).

Nas dionisíacas, segundo a mitologia, os deuses Apolo e Dionísio se


enfrentavam. Apolo, com propostas harmonizadoras para a sociedade e
Dionísio no papel de desarticulador. “Conhecido como força verde, Dionísio era
responsável pela origem da vida, da alegria e, neste sentido, o perturbador da
ordem estabelecida” (SEBE, 1986, p.12). As Lupercálias também possuíam o
mesmo simbolismo do confronto entre ordem e caos na imagem de dois
sacerdotes, chamados flâmines ou lupercos, sendo que o luperco do caos era
“sacrificado” ao fim dos festejos. Já as saturnais constituem um relevante
período para a composição dos carnavais atuais. Na antiguidade, em Roma,
passava pelas ruas um cortejo festivo que teria de acompanhar um carro que
distribuía bebidas aos foliões. Esta se tornou uma festividade muito popular,
visto que os soldados romanos expandiram a tradição por onde passaram.

Estes festivais tinham como objetivo comum celebrar a fertilidade da


terra e dos homens. Segundo Sebe (1986, p.11): “suas celebrações implicavam
a existência de rituais libertadores das atitudes reprimidas e abrigavam a
extroversão, a permissividade, prevalecendo o tempo dos vícios”. E muitos dos
simbolismos vinculados ao Carnaval atual, como o culto ao corpo, a exposição
sensual e a mudança dos hábitos cotidianos, encontram referências nas festas
pagãs de nossos ancestrais.

Em suma, o Carnaval possui raízes em festejos que prestavam tributo a


fertilidade da natureza, com músicas, danças, fartura e a morte de um rei ou
deus. E nelas

Se um homem morresse depois de gozar de todas as delicias


pretendidas, seu “sucessor” reinaria em paz por outro ciclo.
Abençoada a terra, purificados os espíritos pelo sacrifício, no
inconsciente dos grupos estariam representados os elementos
fundamentais da vida, renovados de acordo com o clico da natureza.
(SEBE, 1986, p. 21).

O carnaval atual, com data marcada para acontecer, foi imposto pela
Igreja Católica com a intensão de refrear os excessos das festas pagãs. A
solução encontrada foi introduzir um período pré-quaresma ou “Carnevale”, que
significa “adeus à carne” e seriam os últimos dias de prazeres mundanos
antecedentes a quarta-feira de cinzas, um período de 3 a 5 dias, que culminava
na chamada Terça-Feira Gorda. Portanto, o Carnaval é uma festa móvel, já
que seu indicador é o domingo de Páscoa, uma data também móvel.

Para definir o período de quaresma e o domingo de Páscoa, a Igreja


determina em primeiro lugar o equinócio de Primavera no hemisfério norte. A
Páscoa cai no primeiro domingo após a primeira lua cheia posterior ao
equinócio. Portanto, o período de Carnaval cai sempre no sétimo domingo
anterior a Páscoa. E De acordo com Vianna, (2007, p.9) “o carnaval cria esse
ambiente favorável e adequado para a propagação de boas novidades, [...]
como se a festa fosse uma sucessão ininterrupta de intensas revoluções
artísticas”.

Provavelmente é por esta razão que durante a Idade Média, os jogos de


disfarces ganham força, sendo os bailes de máscaras introduzidos como
tradição da festividade pelo papa Paulo II, em medos do século XV. No século
seguinte, e através da influência teatral da Commedia dell’Arte, surgem os mais
famosos bailes de máscaras, que acontecem até os dias de hoje, em Veneza e
Florença. Os bailes nos salões de Veneza tinham forte caráter elitista, de
acordo com Sebe (1986. p.34). “A forma popular teria se definido em Roma e a
forma segundo os padrões da elite, em Veneza [...] Desde sempre o Carnaval
manteve a ideia de espaço fundamental: os salões para a elite; a rua para o
grande público, pobre”.

Foi também no carnaval veneziano que surgiram os três personagens


mais famosos dos bailes carnavalescos: o Pierrô, a Colombina e o Arlequim.
Sebe (1986) explica que, o mais provável é que de Veneza o carnaval tenha se
espalhado por outras regiões europeias, como Bélgica, França e Portugal onde
originou o entrudo, que diferente do carnaval veneziano tinha forte caráter
popular, e que mais tarde originaria o carnaval brasileiro.

1.2. O Carnaval no Brasil

Pode-se afirmar que o carnaval no Brasil passou por três grandes fases:
a primeira, e mais antiga, é o entrudo. Introduzido pelos colonizadores
europeus, entrudo era a forma popular comum em Portugal de se festejar o
período de Carnaval e era marcado pelo fato de os foliões sujarem uns aos
outros com polvilho, pó de sapato ou farinha de trigo. Porem, estes atos foram
sendo alterados, devido a uma constante repressão política e o entrudo foi se
acabando. Hoje restam apenas resquícios de sua pratica, como o uso de
bexiga d’agua e spray de espuma. O primeiro relato sobre entrudos ocorrendo
no Brasil datam de 1553, sendo realizados em Pernambuco.

A segunda fase veio com o carnaval burguês, caracterizada pelos bailes


de salões e desfiles de ranchos e corsos. Não há maneira de falar sobre o
Carnaval no Brasil sem falar do primeiro Baile de Máscaras. Ocorrido em 22 de
Janeiro de 1840 no Hotel Itália, Largo do Rocio no Rio de Janeiro, o baile foi
organizado para agradar a elite carioca. A ideia logo ficou famosa e acabou
virando um habito entre a classe emergente, pois era uma forma de ficar longe
do “povão” que se alegrava nas ruas. Foram dos bailes de salão que surgiram
às tradições de fantasias e música.

Apesar de ser uma forma efetiva de se comemorar o Carnaval, esse tipo


de baile acabou marcando a diferença das classes sociais e, por mais famosos
que fossem os bailes de salão, foi o povo das ruas que fez com que o Carnaval
adquirisse uma forma mais brasileira de festejar. Além disso, a repressão ao
entrudo impulsionou as pessoas a se organizarem e a pedirem uma licença da
polícia para sair desfilando as ruas, Esta permissão fez surgir, em meados da
segunda metade do século XIX, os “cordões”. Muito parecidos com os blocos
de rua atuais, os cordões eram identificados por estandartes.

Outra forma antiga de festejo que deixou um legado, hoje representado


nas escolas de samba, foram os “ranchos”. Estes eram como cordões, porem
mais organizados. Neles, os foliões desfilavam no dia de Reis em sua maioria
vestidos de pastores e pastoras, andando em procissão para relembrar o
caminho dos Reis Magos a Belém. Segundo Diniz, (1970, p.21):

Para serem considerados ranchos carnavalescos, era necessário que


na abertura do carnaval os grupos passassem pelas residências das
tias baianas – negras importantíssimas para a cultura dos migrantes
nordestinos - e fossem referendados por elas, só depois de cumprir o
ritual o rancho estava habilitado a desfilar.
Também existia o “corso”, uma forma de desfile em carros organizados
pela elite brasileira que não queria se juntar aos foliões pobres e escravos nos
cordões carnavalescos. O corso foi criado após as filhas de Afonso Pena terem
desfilado em um carro aberto na inauguração da atual Avenida Rio Branco no
Rio de Janeiro. Nesta mesma época, 1907, surgiram os primeiros bailes
infantis e familiares. Em 1909, ocorreu o primeiro concurso de Carnaval, de
acordo com Cardoso (2000), “somente os homens tinham direito a voto e os
prêmios eram valiosas joias. Premiava-se a melhor fantasia, a mais bela
mulher, e a mais criativa dança”.

Já mais recente, a terceira fase do carnaval brasileiro vem trazendo a


grandiosidade e a junção dos vários modos de festejo anteriores. Hoje, as
formas mais comuns são: os blocos de rua e os desfiles de escolas de samba.
Contudo, cada estado/cidade tem seu modo de comemorar os dias de
Carnaval, sendo possível observar diferentes formas de se pular o Carnaval
por todo o território nacional. Em Olinda, por exemplo, se vê o frevo sendo
dançado nos desfiles. Já em São Paulo e no Rio de Janeiro, a festa é
comandada por marchinhas carnavalescas e pelos blocos de rua, além dos
típicos desfiles das escolas de samba nos sambódromos.

Referencias

CARDOSO, Monique. História do Carnaval. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 2000.
CULTURA, Secretária de. Processo 30.416-8/2015-1. Jundiaí: Prefeitura
Municipal. 2015.
DINIZ, André. Almanaque do Carnaval, Rio de Janeiro : Zahar. 2008.
PINTO, Tales Dos Santos. História do carnaval e suas origens; Brasil Escola.
Disponível em: < https://brasilescola.uol.com.br/carnaval/historia-do-
carnaval.htm>. Acesso em: 20 out. 2021.
SEBE, José Carlos. Carnaval, Carnavais. São Paulo : Ática S.A. 1986.

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