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L DE TU Caderno Virtual de Turismo

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RNO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 2, N° 2 (2002)

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A Subversão pelo Riso: Estudos Sobre o Carnaval


Carioca da Belle Epoque ao Tempo de Vargas
Rachel Soihet. Editora: Fundação Getulio Vargas

Book Review:” A Subversão pelo Riso: Estudos Sobre o Carnaval Carioca da Belle Epoque ao Tempo de Vargas” de Rachel Soihet
pela Turª Maria Anita vida deixam de ser vistos como
Buthod fragmentos do folclore e passam
O que é hoje um a ser contextualizados. É preciso
megashow, já foi um pequeno ultrapassar a forma e observar
desfile de trinta pessoas. Hoje as relações sociais que nela se
passa na TV. Na década de trinta expressam.
- do século passado, nem havia O tema da festa constitui
TV. Hoje há um Sambódromo de o palco onde a dialética
concreto. Antes, era na base da dominação/resistência marca
cordinha. A partir das próximas linhas, tem- presença, possibilitando à historiadora,
se meio século em " desfile ", com décadas e munida de métodos e técnicas, atentar para
mais décadas de conflitos e tensões sociais os aspectos que forneçam as vias de acesso
e, portanto, de transformações: o Carnaval a uma realidade quase inatingível.
carioca.
Explorado com enorme competência
Historiadora da cultura, Rachel Soihet por Soihet, o tema ganha vida uma vez que
é também uma das raras acadêmicas o fio condutor do livro é a idéia de que as
brasileiras a se interessar pelas festas religiosas manifestações de origem negra seriam
ou festas profanas, mais especialmente pelo produto de trocas culturais entre os diferentes
Carnaval carioca, cuja pesquisa lhe inspirou segmentos da sociedade brasileira, e fruto
www.ivt -rj.net um livro notável. da resistência desenvolvida pelos populares
Ao colocar em foco a participação dos e de mudanças na posição dos dominantes,
LTDS segmentos subalternos no Carnaval do Rio num dado contexto histórico.
de Janeiro , desde os primórdios da O livro divide-se em seis capítulos. Nos
Laboratório de Tecnologia e República ao ocaso da ditadura getulista,
Desenvolvimento Social primeiros capítulos, Soihet explora questões
assim como a sua presença em festas teóricas fundamentais. Cotidiano, tal como
religiosas e carnavalesca - Festa da Penha, cultura, circularidade cultural, são conceitos
Soihet realiza uma incursão pelo terreno trabalhados numa perspectiva de
pela Turª Maria Anita Buthod

etnográfico, proporcionando um significativo recuperação e reconstituição de aspectos


aumento de conhecimento histórico à expressivos do universo cultural dominante,
diversas áreas das Ciências Humanas e imbricados em elementos próprios da cultura
Sociais. popular, com suas tradições, seus símbolos e
Sob esse novo olhar, normas, valores e suas práticas.
rituais com relação a inúmeros aspectos da
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Comprova a eficiência de seus jogo de entrudo, passando pelo "novo"
DE

CA conceitos, mostrando que, na Festa da Carnaval de máscaras, vindas de Paris e


Penha, configurava-se uma situação na qual Veneza, e ricas fantasias, segundo "os usos e
se intercambiam idéias e valores, através de costumes" da Europa, e vai até o tempo de
estruturas sociais de comunicação informal, Vargas. Mas, também desfilam cordões -
ainda num determinado contexto histórico, apresentando " sentimento de hierarquia e
qual seja, de definição do novo zoneamento de ordem " ; grupos, clubes e blocos -
desenhado pelos projetistas do controle social caracterizados pelo deboche, paródia e
e da disciplina (chefes de polícia, juristas, etc), irreverência; e ranchos - apresentando
que acompanhava as modificações organização e disciplina. Essas agremiações,
introduzidas pelas reformas urbanísticas, de que não se detinham em denominações

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1902-1906, inscritas no contexto do ideário conceituais, defendiam suas bandeira não
republicano recém-inaugurado de ordem e raramente no braço.
progresso, que possibilitava o Ao desvendar as origens e a trajetória
aburguesamento da cidade do Rio de dos sambas e marchas do carnaval carioca,
Janeiro. destaca o fato de que as escolas surgiram
Sua sugestão é a de que tal em fins dos anos 20 - do século passado,
interpretação não é sinônimo de total sintetizando elementos de blocos, ranchos e
pacificidade, já que a Festa da Penha foi sociedades, e influenciando a música
palco de fortes lutas; nela, os populares popular, especialmente o samba, e a música
trouxeram à tona suas tensões e insatisfações erudita. Caberia às composições de origem
contra o preconceito legitimado pela negra, até então desprestigiadas, o papel
repressão policial e a intolerância difundida expressivo na veiculação de um novo estilo
nos mais variados setores com relação à Festa de vida, devido às transformações estruturais
da Penha; além de sua indesejável presença da sociedade.
física no local. Atribui a ascensão das escolas e do
Debruçando-se sobre a rejeição às samba a partir do momento em que Vargas
formas populares de expressão, aludidas por começou a valer-se da música popular e
intelectuais, cronistas, viajantes, Soieht das agremiações carnavalescas como
desvela as formas de atuação e resistência veículo para a integração dos populares ao
dos subalternos, enfatizando a iniciativa e o seu projeto de construção da
esforço dos mesmos em imprimir naquela nacionalidade. Ao mesmo tempo, tomaria
manifestação - Festa da Penha - de início vulto o esforço de líderes populares para
preponderantemente portuguesa, a marca firmar sua participação no sistema vigente,
da cultura negra. Deste modo, os populares garantindo, assim, a presença reconhecida
garantiram não só a sobrevivência mas a de suas manifestações nas ruas da cidade.
difusão de suas manifestações culturais, Dessa coincidência de interesses, o Carnaval
fundamentais, segundo a autora, para o popular é o que se fixou nas escolas, tornado-
acordo que possibilitou seu reconhecimento se o samba sua música característica, isto é,
posterior como símbolo da identidade símbolo da sociedade brasileira.
pela Turª Maria Anita Buthod

nacional. Também, aqui, Soihet sugere que, neste


Dos capítulos centrais formigam relatos período, caracterizado pela consolidação
deliciosos, convidando o leitor a viajar no do capitalismo, marcado por um regime
tempo que tem início no alvorecer da repressivo, a resistência se fez sentir pelos
República, com a festa popular, nomeada populares, num processo de luta contínua,

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com perdas e ganhos, ao tentar inibir as manifestos ", não o concebem com " um
DE

CA pretensões do Estado de impor uma ação instrumento de ação eventualmente


homogeneizada e disciplinadora. Também modificadora, no sentido de uma mudança
revela a resistência das mulheres à camisa- social e de um progresso possível na
de-força que se lhes pretendiam impor para sociedade em seu conjunto ".
inibir a expressão de seus desejos, em sua Recusando abordagens simplistas,
variada significação, ao se utilizarem Soihet nos convida a pensar as práticas
igualmente da festa de Carnaval para entrar culturais, ou seja, a nos pensar. Convite, no
no reino do prazer. caso desse livro, irrecusável.
Lembra que, devido à mudança de

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perspectivas dos grupos no poder com
relação a cultura popular, o Carnaval
tornou-se atração turística, sendo criados
departamentos de turismo.

Esgrimindo com a socióloga, Maria


Isaura Pereira de Queiroz, e o antropólogo,
Roberto Da Matta, a autora não se furta às
merecidas estocadas nos comentários
conflitantes com sua pesquisa. Rompe com
a narrativa tradicional e constrói seu trabalho
com abundante informações pertencentes
ao campo da memória.

Notável é o domínio de fontes


integradas a uma visão articulada do
processo histórico, e de um conjunto de
princípios e métodos que, em tudo,
enquadram-se como método indiciário;
fundado num "rigor flexível", nele, as regras
não se prestam exclusivamente a ser
formalizadas e ditas.

O que é absolutamente pioneiro nessa


obra é a desmontagem realizada por Soihet
da idéia, primeira, de que aqueles que
identificam o lazer popular como uma
válvula de escape, ou seja, " que o povo se
divirta livremente, que ao menos por
algumas horas esqueça as agruras da vida
e a opressão dos potentados ", possuem uma
perspectiva simplista, que implica a
pela Turª Maria Anita Buthod

ocultação dos significados sociais de diversos


grupos sociais. A outra, é a de que aqueles
que percebem o Carnaval como " um
recurso utilizado pelo poder para manipular
e reforçar a ordem vigente, capitalizando
em proveito próprio os excessos nele

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