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A Dinâmica Federativa Da Política de Assistência Social 28.04 Reorganizado Final
A Dinâmica Federativa Da Política de Assistência Social 28.04 Reorganizado Final
1
Francy Mary Alves Back
2
Eduardo Araujo Couto
Resumo
Diante da dinâmica imposta pelos sistemas nacionais na criação de incentivos aos estados e
municípios para a assunção de responsabilidades e sua relação com os instrumentos e
estratégias de coordenação federal das políticas sociais, acreditamos, assim como a literatura
recente o vem fazendo (Abrucio e Franseze(2013), Curralero, Licio e Mesquita (2011), Silva
(2015) que aportar teoricamente a questão do federalismo brasileiro a partir das relações
intergovernamentais, reenquadrando o eixo de análise para autonomia-coordenação, nos
permite captar melhor padrões de relação estratégica entre os entes federados, demonstrando a
agência dos estados e municípios perante a indução da padronização dos sistemas nacionais.
Desta forma, pretendemos retomar a trajetória da política de assistência social no
Brasil à luz da dinâmica da coordenação federativa, observando o papel dos três níveis da
federação desde o planejamento até a implementação, relativizando a visão de que o primeiro
é papel da União e o último das instâncias subnacionais.
1
Assistente social, mestra em Sociologia e doutoranda em Ciências Sociais pela Unesp-Araraquara
2
Mestrando em Ciência Política pelo PPGPOL/UFSCar. Bolsista FAPESP, processo nº 15480-7
Introdução
Não é difícil vermos retratos como estes quando o debate se volta à dinâmica
federativa das políticas públicas, sobretudo sociais. A alcunha do Poder Executivo federal
como principal legislador de jure e de fato (Figueiredo e Limongi, 1999) reverbera não só na
dinâmica do processo decisório nacional, mas também na divisão territorial de recursos,
atribuições fiscais e responsabilidades de gestão. Concordamos que a complexidade do
manejo dos sistemas de políticas do “Sistema de Proteção Social Brasileiro” não nos permite
analisá-lo apenas sob o eixo centralização-descentralização, mas a diversidade de arranjos
presentes nas relações intergovernamentais brasileiras vai além da divisão federal dentro do
ciclo de políticas públicas.
Nossa hipótese é que, apesar dos mecanismos de indução da Política Nacional de
Assistência Social a cargo do governo central, há autonomia para além da estrita
institucionalidade do município em decidir a política de Assistência Social. Existem, a nosso
ver, outras arenas de decisão e estratégias ao dispor dos entes subnacionais que contam no
cálculo do processo decisório das políticas sociais implementadas e geridas localmente.
Pretendemos abarcar parte desta diversidade neste trabalho ao analisarmos a política
de Assistência Social, trazendo a partir de seu histórico e estado da arte atual – sobretudo a
partir da NOB-SUAS 2012 – a relevância de adotarmos outro eixo para a sua análise –
autonomia e coordenação –, visando ressaltar determinantes para as diferentes configurações
possíveis à oferta de políticas. Para além da análise do conflito federativo oriundo da disputa
por recursos e atribuições e da coordenação governamental pautada na indução federal como
forma de incentivar a gestão local de políticas, propomos visualizar o papel da dinâmica e
características locais, como a capacidade técnica dos entes subnacionais, manutenção de
políticas prévias, influência dos grupos de interesse (entidades filantrópicas), sem obviamente
desconsiderar a importância do histórico da própria política e das formas e níveis de
pactuação perante o Sistema Único de Assistência Social.
O trabalho se divide em dois momentos. Na primeira parte, a preocupação central é de
resgatar a literatura que trata dos condicionantes da situação federativa do arranjo
institucional brasileiro às políticas sociais, buscando destacar algumas lacunas à luz da
Assistência Social. Em seguida, resgatamos o histórico da Assistência Social e sua
institucionalização como política pública e direito, abordando seu desenvolvimento enquanto
“Sistema Nacional” e seu enquadramento na dinâmica federal, destacando instituições,
arranjos e atores que provêm uma grande diversidade de ofertas; e a efervescência do
território, da localidade na política pública em questão . Trata-se apenas de um estudo
exploratório que pretende revisitar a literatura a partir de relações intergovernamentais mais
complexas e diversas.
A dinâmica federativa brasileira: do conflito de distribuição de poder decisional à
diversidade das relações intergovernamentais
A partir de 1994, porém, tendo o Plano Real e a estabilização econômica como mote
principal, “houve políticas cujo intuito era melhorar a coordenação federativa” (idem, p. 9).
Consolidaram-se, olhando em retrospecto, ao menos em três grandes áreas desta, Sistemas
Nacionais que balizam a dinâmica federativa: a educação básica a partir de fundos contábeis
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para o seu financiamento (que calharam no FUNDEB ) e a saúde por meio do SUS – estes
dois abrindo o caminho para aprendizagem institucional neste sentido e a possibilidade de
emulação para outras políticas no mesmo “formato” (Bichir, 2014); e a assistência social pelo
SUAS.
Além disso, diante do cenário de descentralização fiscal, o governo pautou o
financiamento destes sistemas com a criação de contribuições sociais, uma válvula de escape
à divisão federal dos tributos. Em suma, segundo Franzese e Abrucio (2013), o Brasil adotou
um modelo misto nestes termos, ao prever a descentralização fiscal (propiciando a
competição) ao mesmo tempo em que atua conjuntamente aos entes federativos, coordenando
ações e induzindo a partir de incentivos de natureza financeira e institucional, a adesão a
políticas de base nacional.
Assim, a estrutura captada pela literatura oriunda do caminho traçado diante do ímpeto
descentralizador e seus obstáculos, seguiu a máxima que Arretche (1996) destaca: o próprio
“sucesso de medidas descentralizadoras supõe o fortalecimento das capacidades institucionais
e administrativas (e portanto do poder decisório) do governo central”, vista a diversidade e o
histórico de manejo da política local pela ditadura militar (idem). Ademais, a escala ou nível
3
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais
da Educação
de governo que planeja e implementa as políticas no território não é suficiente para a
compreensão do funcionamento e da diversidade da oferta de políticas sociais no Brasil, há de
se levar em conta também “a natureza das instituições que, em cada nível de governo, devem
processar as decisões” (idem).
As bases de tal estrutura são montadas sobre um contexto que se complexifica com o
tempo – a partir do aumento da demanda social por serviços e a reposta via provisão destes
pelos governos (Abrucio e Franzese, 2007) – e a partir de um centro balizador e coordenador
da política nacional, como descrito acima. Os entes, por sua vez, possuiriam em tese duas
opções básicas para a oferta das políticas públicas em seus territórios: fazê-las (make) ou
delegá-las (buy) (Batista, 2013), a partir de cálculo balizado pelos “custos e benefícios fiscais
e políticos derivados da decisão de assumir a gestão de uma dada política e, de outro, os
próprios recursos fiscais e administrativos com os quais cada administração conta para
desempenhar tal tarefa” (Arretche, 1999, p. 115).
Os fatores envolvidos no cálculo, mais detidamente, são tratados por Dutra e Filho
(2014, p. 5): “podem ser de natureza financeira, como a garantia de recursos que auxiliem no
custeio da política em questão, ou também em formato institucional, como a oferta de cursos
de capacitação dos servidores públicos locais ou a cessão de equipamentos e instalações”. Os
custos, por sua vez (idem, ibidem), se pautam na “perda de autonomia decisória na
formulação dos programas e ações a serem executados”.
De fato, segundo Dutra e Filho (2014), os “sistemas nacionais” empreendidos pelo
governo federal, tal como o SUAS, utilizam como estratégia a indução dos governos
subnacionais, a partir de uma divisão de funções no que concerne à tomada de decisão
política: a formulação tem se concentrado em nível central, enquanto que a execução em nível
local, como apontado na epígrafe que abre este trabalho.
Esta divisão depende, em grande medida, como aponta Bichir (2014) e prevê Arretche
(1996), da capacidade de coordenação da União no que concerne os instrumentos
institucionais com que esta conta para incentivar os níveis subnacionais a seguirem seus
objetivos gerais de políticas, pois devem levar em conta a autonomia política e administrativa
destes. Assim, busca-se “garantir certa uniformidade e parâmetros gerais nos processos de
implementação, bem como para garantir que os objetivos centrais das políticas sejam
mantidas” (Bichir, idem, p.2).
O ponto central é o “equilíbrio entre a habilidade da instância central em desenhar uma
estratégia de indução que seja ao mesmo tempo politicamente atrativa e tecnicamente viável,
e a avaliação da instância subnacional em aderir ou não à posição que lhe é designada no
sistema proposto” (Dutra e Filho, 2014, p. 6).
Apesar do ato de escolha entre aderir ou não a um sistema nacional já ser um ato de
autonomia (Dutra e Filho, 2014) e para além da oferta de recursos institucionais e fiscais,
para o efetivo funcionamento destes sistemas se faz necessária a criação de mecanismos de
incentivos técnicos e de espaços de negociação e relacionamento entre os entes federados,
criando os diversos arranjos federativos. Contrariando a tese hegemônica do protagonismo da
coordenação nacional na dinâmica federativa, Franzese e Abrucio(2013) propõem que os
sistemas nacionais fortalecem o poder dos entes subnacionais, alterando as relações
federativas e, desta forma, dificultando ações unilaterais por parte do governo central que
pretendam alterar o desenho de políticas sociais. Esta conformação, segundo esses autores,
estaria mais afeta ao modelo de federalismo cooperativo.
Olhando o disposto acima sob o ângulo inverso, importante estudo de Santos(2012)
mostra que a autonomia municipal passou por diversas fases após a Constituição de 1988.
Até a metade da década de 1990 a autonomia municipal foi possibilitada pelo aumento das
receitas, especialmente as oriundas das transferências intergovernamentais, o que contribuiu
para fortalecer a autonomia política frente aos estados e à União. Ao longo dos dois governos
Fernando Henrique Cardoso, a ampliação das receitas municipais passaram a depender da
arrecadação própria, limitadas pela crise econômica e pela estratégia das contribuições sociais
por parte da União, ao mesmo tempo em que, com a descentralização das políticas sociais, os
compromissos municipais cresceram.
Avançando aos governos Lula, houve a continuação do fortalecimento institucional
da União, responsável pela formulação das diversas políticas sociais, atendendo porém
parcialmente ao interesse dos municípios ao elevar o valor das transferências
intergovernamentais, por exemplo. Surge então a “coordenação federativa”, onde a União
passou a ter maior controle sobre o desenho institucional das políticas sociais, mas
respeitando a autonomia política de estados e municípios, que não poderiam ser obrigados a
aderir às políticas formuladas pela União, muito embora o fizesse para receber fundos
vinculados àquelas políticas.
Santos(2012) conclui que
A coordenação em redes federativas verticais parece ser mais
simples, uma vez que o governo federal pode oferecer benefícios pecuniários
aos municípios que aceitem fazer parte de um arranjo federativo para
implementar uma política”(SANTOS, 2012, p.23)
A assistência social como política que estende a proteção social não contributiva na
condição de direito configurou uma nova situação para o Brasil e uma grande mudança na
proteção social pública no país em relação ao retrato tirado pelos autores acima. Somente a
partir da Constituição Federal de 1988 foi reconhecida como política pública, pertencente ao
tripé da Seguridade Social brasileira, composta também pela previdência social e saúde.
Contudo, apesar dos avanços trazidos pelo diploma legal, a ausência num primeiro
momento de uma proposta nacional capaz de catalisar, de forma estratégica, todas essas
mudanças, levou a múltiplas experiências estaduais, municipais e federais, nem sempre
convergentes em seus propósitos. As causas para tal inexistência são exploradas por Almeida
(1995):
a importância do aparato federal de assistência como instrumento de
patronagem e negociação política entre a Presidência da República, suas
bases no Congresso e seus apoios nos estados [...] [e] características
estruturais da área - de seu aparato institucional e de sua clientela - não
facilitaram o desabrochar de iniciativas consistentes de mudança.
Além destas, contribuíram para frear o impulso descentralizador e racionalizador de
uma institucionalização de programas aos moldes da coordenação federativa as próprias
entidades que historicamente ofertaram políticas assistencialistas:
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FMAS - Fundo Municipal de Assistência Social
Diante da heterogeneidade local e da ainda forte atuação da ação individual na oferta
de políticas de assistência social, é necessário problematizar a institucionalidade e
padronização do SUAS como um todo e também revisitar a tese de que a constituição de
sistemas nacionais fortaleceria institucionalmente os governos subnacionais em suas
capacidades técnicas (Silva, 2015), já que a capacidade administrativa não significa
autonomia decisória, importando entre as duas variáveis a trajetória dos entes locais e suas
dinâmicas.
-Consolidação do Sistema Nacional, fatores estruturais, institucionais e fiscais até a NOB
2005
5
Ministério da Assistência Social e Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome,
respectivamente,
federativos e quanto à gestão e consequente transferência de recursos. Os municípios
enquadrados nas gestões iniciais e básica, recebiam recursos relacionados aos serviços de
proteção social especial, mas não possuíam a responsabilidade de estruturar a rede para
ofertá-los, sendo necessária a criação de mecanismos que possibilitem avaliar os estados de
organização do SUAS em estados e municípios (Brasil, 2012).
-A NOB/2012, formas de pactuação e a dinâmica do poder local
Podemos destacar uma série de inovações trazidas pelo atual Norma Operacional que
impactaram as relações intergovernamentais, devida a forte estratégias de indução do governo
central:
b) Planejamento e monitoramento
Planos de Assistência Social devem observar metas nacionais pactuadas, que expressam o
compromisso para o aprimoramento do SUAS para a União, os Estados e Municípios,
devendo haver uma integração entre os diferentes instrumentos de planejamento da Política de
Assistência Social.
c) Vigilância Socioassistêncial
Outra questão que precisa ser melhor compreendida é como se dá o jogo de forças nestas
entidades representativas dos Secretários Estaduais e Municipais de Assistência Social
(FONGEAS, COGEMAS, COEGEMAS)
Os pisos são importantes, pois balizam os valores transferidos, o tipo de serviço a ser
executado e o público atendido.
f) Controle Social
Fixa claras responsabilidades dos entes federativos com o controle social devendo financiar e
garantir a infraestrutura para o funcionamento do conselho e a realização das Conferências de
Assistência Social
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
_______. Efeitos recíprocos entre federalismo e políticas públicas no Brasil: os casos dos
sistemas de saúde, de assistência social e de educação. Federalismo e políticas públicas no
Brasil. 2013. 361-386.
BATISTA, Mariana. "O poder no Executivo: uma análise do papel da Presidência e dos
Ministérios no presidencialismo de coalizão brasileiro (1995-2010)." Opinião Pública 19.2
(2013): 449-473.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de
Assistência Social. POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – PNAS.
Aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social por intermédio da Resolução no 145,
de 15 de outubro de 2004. Brasília, 28 out. 2004. Disponível em:
<http://www.ceas.pr.gov.br/arquivos/File/CEAS/pnas20071.pdf>.
SILVA, A.L.N. Os estados no SUAS: uma análise da capacidade institucional dos governos
estaduais. Rio de Janeiro, Revista Administração Pública, n.49, setembro/outubro, 2015.