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Perla Klautau*
Monah Winograd**
Abstract: Traumatic dreams usually have the same content and are recurrent, thus bringing back
events that are dissociated in the psyche. On an isolated basis, the content not integrated with the
ego gain access to the conscience through dreaming production. The objective of this article is to
support the idea that the analyst’s function is to create with the patient a transference and counter-
-transference field in which analytic dreaming can be produced. In order to support this idea, con-
cepts such as psychological tact (Ferenczi, 1928), constructions in analysis (Freud, 1937),
counter-transference (Heimann, 1960), regression (Winnicott, 1954), analytic-third
(Ogden, 1996) and potential space (Winnicott, 1967) will be examined.
Keywords: Traumatic dreams, constructions in analysis, counter-transference, regression, analytic-
-third.
do sonho” (FERENCZI, 1934, p. 128). Sob esta ótica, os restos diurnos são
equiparados a restos de vida e considerados sintomas de repetição de traumas.
A finalidade do retorno dos resíduos de vida no material onírico é de conduzir
o trabalho de ligação a uma resolução que não foi efetuada durante o atraves-
samento do acontecimento traumático originário. Portanto, nesta visada, todo
e qualquer sonho pode ser entendido como uma tentativa de elaboração de
acontecimentos traumáticos.
De acordo com Ferenczi (1929), a dimensão traumática está diretamente
relacionada ao desamparo experimentado pela criança que, desde muito cedo,
registra os sinais da falta de resposta do ambiente frente a situações que ultra-
passam sua capacidade de atribuir significado ao que foi vivido. A permanên-
cia destes sinais não representados no psiquismo são considerados como
propiciadores de traumatismos. O ponto de partida desta concepção é a rela-
ção traumática vivida entre adultos e crianças. Em seu artigo, Confusão de lín-
gua entre os adultos e a criança, Ferenczi (1933) enfatiza uma diferença
observada: a criança se organiza a partir da linguagem da ternura, marcada
pelo faz-de-conta; já, o adulto é dominado pela linguagem da paixão cujo traço
principal é o recalque e a ambivalência. Para fundamentar esta ideia, o meca-
nismo de sedução da criança pelo adulto é descrito como o paradigma da situ-
ação de desamparo pelo ambiente. Neste sentido, a sedução deve ser entendida
como uma violação psíquica:
dições do sono e do sonho do que em estado vígil e exploram para seus fins a capaci-
dade de realização de desejo no sonho (FERENCZI, 1934, p. 129).
Para Ferenczi, a tendência à repetição do trauma é mais propícia durante
o sono. Sem a ação da censura e do recalque, o conteúdo traumático encontra
uma via que possibilita o acesso à consciência. Neste sentido, os sonhos atua-
lizam os acontecimentos traumáticos ocorridos na primeira infância. Em cir-
cunstâncias favoráveis, como na regressão, esses conteúdos emergem e
reivindicam solução. Essa regressão pode ser entendida como o estado de
sono, mas também pode ser vivida durante o processo analítico.
e conter. Sendo assim, a expressão em questão deve ser entendida como uma
sustentação proveniente do ambiente que possui a peculiaridade de adaptar-se
às necessidades que vão se modificando ao longo do tempo. Quando pensado
em relação ao manejo da transferência, a temática do holding é de crucial im-
portância para a busca de alternativas à prática interpretativa clássica e traz
atrelada a si o conceito de regressão. Diferentemente de Freud, Winnicott não
usa esse termo para traduzir uma ideia de recuo aos pontos de fixação da libi-
do. Para Freud, a regressão seria o resultado de uma interrupção no processo
de desenvolvimento: diante de uma situação traumática, o progresso é inter-
rompido e o desenvolvimento recua em direção aos pontos de fixação da libi-
do. Dessa forma, o sujeito traumatizado passa a lançar mão de mecanismos de
defesa não compatíveis com o estado de desenvolvimento libidinal em que se
encontra. Winnicott, por sua vez, vê na regressão a possibilidade de o paciente
reviver, através da situação de dependência, as falhas de adaptação sofridas nos
primeiros momentos de vida.
O uso clínico da regressão na prática winnicottiana faz parte do processo
de cura de pacientes que não possuem o eu integrado, nesse sentido, é feito a
partir do estabelecimento de um ambiente de holding no setting analítico. Des-
ta forma, é imprescindível incluir no manejo clínico, não só o ambiente, mas,
sobretudo, o modo como este se comporta. Sendo assim, ambiente, setting e a
pessoa do analista devem ser considerados equivalentes. De acordo com essa
lógica, o setting deve ser encarado como parte integrante da personalidade do
analista: este passa a desempenhar um papel efetivo no processo de integração
das experiências que, embora não discursivamente organizadas, são articula-
das, ordenadas e carregadas de sentido. Ao adaptar-se empaticamente às ne-
cessidades do paciente, o analista identifica-se com o sofrimento em questão,
reproduzindo uma situação precoce, na qual o ambiente adapta-se às necessi-
dades do sujeito, apresentando-se como condição de seus processos de inte-
gração. Ao reconhecer e nomear o sofrimento do paciente, o analista empresta
sua sensibilidade, colocando seu funcionamento mental à disposição do pa-
ciente. Deste modo, a função do analista consiste em construir, junto com o
paciente, um campo transferencial-contratransferencial capaz de propiciar o
que podemos chamar, parafraseando Ferenczi, de sonhar com. Para avançar-
mos no entendimento desta ideia, torna-se oportuno investigar as noções de
tato psicológico (FERENCZI, 1928), de construções em análise (FREUD, 1937) e de
contratransferência (FREUD, 1910; HEIMANN, 1960).
Em 1928, na conferência Elasticidade da técnica psicanalítica, Ferenczi
postula a noção de tato psicológico como sendo norteadora da ação do analis-
ligações capazes de indicar uma via de acesso ao inconsciente. Por outro lado, quando
o paciente entra em contato com as interpretações oferecidas pelo analista encontra-
-se também diante de um trabalho de ligação. Seguindo este raciocínio, uma sessão
de análise pode ser concebida como um sonho, ou, como a ação de sonhar. Isto atesta
o lugar de pedra angular ocupado pelos sonhos e, consequentemente, pelo sonhar no
funcionamento psíquico e na técnica psicanalítica.
Perla Klautau
pklautau@uol.com.br
Monah Winograd
winograd@uol.com.br
Tramitação:
Recebido em 08/09/2013
Aprovado em 26/09/2013
Referências
BERTRAND, M. Construire um passe, inventer um possible. Revue Française de
Psychanalyse, 5, p. 1359-1417, 2008.
COELHO JUNIOR, N. Tempo do sonho, tempo da rêverie e o terceiro analítico.
Cadernos de Psicanálise – CPRJ, Rio de Janeiro: CPRJ, v. 35, n. 28, p. 49-60, 2013.
FERENCZI, S. (1928). Elasticidade da técnica psicanalítica. In:______. Sándor
Ferenczi: Obras completas, Psicanálise IV. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
______. (1929). A criança mal acolhida e sua pulsão de morte. In:______.______.
São Paulo: Martins Fontes, 1992.
______. (1931). Análise de crianças com adultos. In:______.______. São Paulo:
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______. (1933). Confusão de línguas entre os adultos e as crianças.
In:______.______. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
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FREUD, S. (1900). A interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 1995. (ESB, 4 e 5).