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Porto
2019/2020
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De acordo com o escritor, esta associação relaciona-se com a forma como ele
descreve os problemas cotidianos da sua terra natal e ainda com a criatividade poética
que este tem na criação de novas palavras, como faz referência Fernanda Cavacas,
especialista em Linguística, ao referir que Mia Couto recria a língua com um profundo
conhecimento da língua portuguesa e com uma aplicação cuidadosa e criteriosa das
normas da língua, associando a criatividade com a capacidade de usar a língua portuguesa
e outras línguas moçambicanas.
No livro “Brincriação” o autor recria algumas palavras indo buscar, a forma, a
palavras portuguesas, nomeadamente verbos, para criar novas palavras a partir de outras
raízes, como exemplo “nenecar”.
A história por mim escolhida, “O Beijo da Palavrinha”, destina-se ao público
infantojuvenil, sendo visível a ligação entre a tradição moçambicana e a tradição literária
ocidental. De acordo com Guerreiro, C., in La lengua Portuguesa “alguns autores
intitulam Mia Couto de “escritor da terra” precisamente porque na sua expressão única
e original, descreve as próprias raízes do mundo, explorando a natureza humana e a sua
relação umbilical com a terra.” (p. 636).
O início da narrativa é marcado pelo despertar de sentimentos de tristeza, pela
pobreza em que a personagem principal, bem como os seus familiares viviam, ligação
pretendida por Mia Couto, já que este tencionava mostrar aos leitores atentos a fragilidade
com que se vivia no seu país natal, que muitos dos seus habitantes, dada a condição
geográfica e extensão territorial, nunca viram o mar. No entanto, o autor também pretende
passar a mensagem de Amor que existe ao longo da obra, de forma a que as crianças
percebam que o Amor é um sentimento de uma grandeza inigualável, dado que, Maria
Poeirinha não tinha mais nada, a não ser o Amor daqueles que a rodeavam e que com
Amor a personagem principal da historia ganha proteção, liberdade e é o Amor que a
conduz na viagem até ao segundo plano, a morte.
Assim, salienta-se que é o verdadeiro Amor, que a faz sair do espacinho em que
vivia “miserável”, sem recursos, quer materiais quer monetários, para fazer uma viagem
evocada pelos seus familiares de forma a que o mar venha até ela e, lhe traga a paz tão
ansiada.
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no seu país esta é considerada como um sábio, pela experiência vivida, respeitado por
todos. Contudo Mia Couto pretende que este seja visto como o ancião, aquele que faz o
elo de ligação entre os vivos e os mortos.
Já a mãe de Maria Poeirinha é caracterizada por um personagem tipo, pois de
acordo com Idem, (p.411), “ (…) pode ser entendido como personagem-síntese entre o
individual e o colectivo, entre o concreto e o abstracto, tendo em vista o intuito de ilustrar
de uma forma representativa certas dominantes (profissionais, psicológicas, culturais,
económicas) do universo diegético em que se desenrola a acção (…).”. Esta personagem
é tão plana que chega a ser tipo, é descrita como uma presença constante no apoio à
menina, que está sempre preocupada como mãe. O pai de Maria Poeirinha é uma
personagem figurante que ao longo da narrativa só é referida como enquadramento e
apenas uma vez na seguinte transcrição: “Os pais chamaram o moço à razão (…)” (pág.
9).
Relativamente à caracterização existente na narrativa, importa referir a existência
de caracterização direta, que segundo Reis, C. Lopes, A.C.M. (2011, p. 52), são “atributos
da personagem, consumada num fragmento discursivo expressamente consagrado a tal
finalidade; a sua execução pode caber quer à própria personagem (autocaracterização),
quer a outra entidade, seja ela o narrador ou outra personagem (heterocaracterização)
(…)” e tendo em conta a importância da caracterização o Mia Couto, caracteriza física e
diretamente Maria Poeirinha “Certa vez, a menina adoeceu gravemente.” (pág.6); ou
simplesmente quando refere ao leitor a fragilidade e debilidade da menina “(…) a menina
estava tão fraca (…)” (pág.7). No entanto, refiro que o autor retrata ainda através da
imagem “negra” análoga à ilustração da figura (p.7). Tendo em conta a caracterização
indireta, o autor fê-la ao irmão de personagem principal Zeca Zonzo, irmão mais novo
dela, quando refere ao leitor “Poeirinha só ganhara um irmão (…)” (pág. 3).
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recursos, logo o autor pretende talvez mostrar que as aldeias no nosso país, não são assim
tão distantes dos espaços urbanos e que estão melhor posicionadas geograficamente,
tendo em conta a distância entre os espaços mais citadinos. Contudo, é normal que seja
mais difícil para uma criança cujo contexto lhe seja desconhecido, já que o pensamento
concreto ao qual está preso, limita-lhe a compreensão de significados abstratos, como por
exemplo “(…) numa aldeia tão interior que acreditavam que o rio que ali passava não
tinha fim nem foz.” (Couto. M., 2008. p.6), logo o papel do professor é fundamental na
ajuda da compreensão do significado daquilo que lhe é abstrato.
Tendo em conta as dificuldades sentidas pela compreensão de situações abstratas,
o ilustrador, ajuda através das imagens a dar-lhe significados. Neste caso Danuta
Wojciechowska através das imagens de dependência por redundância, imagem da aldeia
(p.9) e da pobreza (p.10), ajuda o leitor inexperiente a compreender um pouco melhor as
características que não estão diretamente ligadas ao seu contexto social e ou núcleo
familiar. Também é possível observarmos algumas imagens de estranheza, já que estas
contêm mais informação do que as palavras contidas no texto, pois retrata a passagem de
Maria Poeirinha para mudança de vida, a passagem para o novo ciclo, a morte (p.26 e
27). Claramente que leva algum tempo até que a criança se aproprie e compreenda o relato
das imagens.
Por outro lado, ao longo do texto, a criança pode recorrer à memória textual para
perceber melhor a história, por exemplo “(...), pois seus pés descalços escaldavam na
areia quente.”(Couto, M., 2008, p.8), com esta passagem o autor permite à criança
associar a praia à imaginação presente na sua memória, dos verões quentes, quando
caminha na areia. Sem a criança se aperceber o autor está mais uma vez a levar a criança,
através de inferências a conhecer um pouco do seu país, cujo clima é bastante tropical,
pois quase não chove e por isso a terra é seca e fissurada.
Tendo em conta a dimensão estética, o texto no seu todo é constituído por uma
linguagem simbólica representativa do contexto social, da vulnerabilidade de um povo
cujos recursos linguísticos tornam-no mais belo, como pode ser comprovado através do
uso de comparações, enumerações, personificações, metáforas e adjetivações
promovendo à criança a capacidade de criar imagens visuais do conto, articulando a
imaginação e figuração.
Ao nível do vocabulário a narrativa apresenta palavras simples e de fácil
compreensão e do conhecimento das crianças, exceto algumas que poderão suscitar
alguma incompreensão, tais como os nomes próprios das personagens: Maria Poeirinha,
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cujo significado está a relativizar a pobreza em que a menina vivia; Zeca Zonzo permite
a um leitor mais experiente perceber que o autor está fazer uso de brincadeiras com as
palavras, ao caracterizar Zonzo como um adjetivo ou atribuindo-lhe como nome próprio,
Litorânio e Maresia.
No que concerne à importância da participação e construção é importante que as
crianças ao longo do texto sintam-no, para tal é necessário que estejam no estádio Pré-
Convencional, pois como refere Piaget (2009) esta fase despoleta nas crianças os
sentimentos que as personagens podem provocar nelas, como por exemplo a tristeza, pela
pobreza que a menina vivia, bem como a sua família; a solidariedade; a esperança, pelo
facto de Maria Poeirinha não deixar de sonhar; o carinho, camaradagem e surpresa que
leva o leitor a perceber que o irmão de Maria Poeirinha não era assim tão “tonto” e a
amizade e alegria, na apresentação de soluções, que na fase da moralidade representa
fazer algo certo.
Assim, esta obra destaca uma articulação intertextual com outras áreas do saber,
já que existe uma ligação direta com o Estudo do Meio, ligando a geografia à história e à
Cidadania, uma vez que ao longo do texto o autor pretende passar a importância dos
valores e do património imaterial e claramente à Área das Expressões recorrendo ao uso
das formas e das cores.
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