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ARQUEOLOGIA PARA PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA

MÓDULO 4.3

ZOOARQUEOLOGIA

MUSEU DE ARQUEOLOGIAE ETNOLOGIA / UFSC


zooarqueologia
A zooarqueologia é uma disciplina científica que
tem como objeto de estudo a relação entre os seres
humanos e os animais no passado. Por isto ela se
diferencia da paleontologia que tem como objeto
de estudo a própria evolução dos animais. Assim,
a zooarqueologia existe somente quando tem pre-
sença dos Homens, ao contrário da paleontologia.

As relações
Esta relação seres humanos-animal não é “sin-
gular”, ela é “plural”, ou seja, há e houve muitos
tipos de relações diferentes entre os Homens e os
animais. A mais evidente é uma relação que pode
ser classificada como Exploração material: os Ho-
mens vão usar todos os produtos que um animal
pode fornecer como a carne para comer ou a pele
para se vestir, etc. Uma segunda relação pode ser
chamada de Exploração energética: os Homens
vão usar a própria energia do animal para realizar
um trabalho, como por exemplo, empurrar um
carrinho, carregar peso, entre outros. Uma tercei-
ra relação, talvez a mais rica, que pode ser cha-
mada de Exploração intelectual, é aquela na qual
os seres humanos vão usar o animal como base de
construção das relações sociais. Por exemplo, os
dentes de um animal podem ser furados a fim de
realizar um colar que só o chefe pode carregar, ou
só uma mulher, ou só o xamã. Outro tipo de ex-
ploração intelectual é o uso da imagem do animal
na arte e nas religiões.

A zooarqueologia vai então tentar entender e re-


construir estas diferentes relações através dos tes-
temunhos deixados pelas civilizações humanas.

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Ponta de projétil em
osso de mamífero
terrestre. (acima)

Dente de tubarão
duplamente perfurado
utilizado como adorno.
(abaixo)

Fotos: Hans Denis e Karem Kilim / Acervo: MArquE/UFSC

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oS TESTEMUNHOS
Existe uma grande diversidade de testemunhos de
origem animal cuja presença ou ausência é rela-
cionada com o grau de conservação do próprio sítio
arqueológico. De fato, dependendo do tipo químico
de chão no qual foi achado um sítio arqueológico
as diferentes partes de animais têm mais ou menos
chances de se preservar ao longo dos anos até sua
descoberta pelos arqueólogos. A história do osso,
desde seu abandono pelos Homens, até sua desco-
berta pelos arqueólogos é chamada de tafonomia. O
conhecimento de tal processo é fundamental a fim
de interpretar corretamente o sítio. Por exemplo,
permite compreender que a presença de dentes
de animais sem outros tipos de restos faunísticos
(ossos, peles, plumas) em um sítio doméstico não
significa que apenas os dentes eram levados pelos
homens para sua moradia, mas pode ser explicada
pelo fato de estes serem os elementos mais sólidos
do corpo, enquanto plumas, peles e até mesmo os-
sos são mais frágeis, dependendo do tipo de solo
para sua conservação.

Em função da tafonomia, vários tipos de restos


animais podem ser encontrados em coleção de
testemunhos arqueológicos. Os mais óbvios são os
ossos, mas há também os dentes, a pele, o pelo, a
casquinha de ovo, as plumas, a carapaça de insetos
e, em caso muito excepcional, até os ovos dos pa-
rasitas intestinais e os próprios órgãos do animal.

Devido a esta diversidade de restos e a grande his-


tória da humanidade, há várias especializações na
própria disciplina da zooarqueologia. No entanto,
todas elas estão baseadas nos mesmos princípios.

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A identificação
Um destes princípios, compartilhado entre as di-
ferentes especializações, é a identificação dos res-
tos graças à anatomia comparada. É considerado
que um animal do passado e um animal atual são
quase iguais, sendo então possível identificar um
animal antigo através da comparação de seus res-
tos com os restos de um animal atual. Por exem-
plo, um porco do mato atual e um porco do mato de
2000 anos atrás têm um esqueleto igual, assim é
possível identificar o resto de um usando o resto do
outro. Imagem 3: presa de porco do mato encon-
trada em sambaqui. Os zooarqueológos vão então
montar uma coleção de referência a fim de conse-
guir identificar os restos arqueológicos. Quando a
pesquisa envolve épocas muito antigas, uma cole-
ção de referência é, ao mesmo tempo, uma coleção
paleontológica.

Exemplar de presa
de porco do mato.

Foto: Hans Denis e Karem Kilim / Acervo: MArquE/UFSC

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O contexto
Outro princípio compartilhado é a importância do
contexto arqueológico. De fato, a arqueologia vai
oferecer ao estudo zooarqueológico todas as infor-
mações necessárias para entender o contexto da
coleção de restos animais que serve como base ao
estudo da relação Homem-animal. Por exemplo, a
arqueologia vai fornecer o quadro cronológico, es-
timando quantos anos tem o achado, fornecendo o
quadro espacial deste e sua relação com os demais
achados dentro do próprio sítio.

Epífise de
vértebra de baleia
encontrada em
Sambaqui.

Foto: Hans Denis e Karem Kilim / Acervo: MArquE/UFSC

A interpretação
A maneira de recriar as relações Homens-animal
é igualmente compartilhada entre as diferentes
especializações. Assim, o pesquisador irá utilizar
as informações biológicas disponíveis sobre um
animal (costume de vida) e, sempre que possível,
complementará estes dados empregando outras
fontes disponíveis como imagens, textos históri-
cos, comparações antropológicas, etc.

Em relação ao enfoque de pesquisa, a interpreta-


ção buscará gerar informações sobre variados e di-
ferentes tópicos, como o costume de vida dos ho-
mens no passado - técnicas de pesca, vestimentas,
funções dos sítios (moradia, acampamento de caça
etc.), dentre outros. Por exemplo, uma parte de
animal depositada junto a um morto (acompanha-
mento funerário) fornece indícios para a recriação
do mundo das crenças. Zooarqueologia 7
Exemplares de anzol em
osso de fauna (acima)

Esporão de nadadeira de
peixe (abaixo)

Fotos: Hans Denis e Karem Kilim / Acervo: MArquE/UFSC

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O paleoambiente
A zooarqueologia tem também um papel de auxiliar na reconstru-
ção das características do ambiente no passado, como a tempera-
tura, o tipo de vegetação, etc. Esta reconstrução é chamada de pa-
leoambiente. Dois tipos de restos podem ser usados na busca desta
reconstrução: 1. os remanescentes de animais intencionalmente
trazidos ao sítio pelos Homens, como aqueles que foram caçados;
e 2. os restos de animais transportados para o sítio por um evento
natural, como os restos de pequenos roedores que ocupavam na-
turalmente o mesmo ambiente que os Homens. Ou, ainda, ossos de
pequenos roedores encontrados em abrigos sob rocha e que foram
ali depositados como consequência de rejeito de corujas.

Em um objetivo de reconstituir o ambiente ao redor de um sítio, a


categoria dos restos intencionalmente trazidos ao sítio pelos Ho-
mens sofre dois problemas. Em primeiro lugar, eles são o resulta-
do de uma escolha humana dentro de uma variedade de opções de
diferentes animais, e, em segundo lugar, o Homem pode percorrer
grandes distâncias na busca de outros alimentos. Então, esses dois
elementos demonstram que os restos culturalmente selecionados
podem não refletir o ambiente ao redor do sítio. Assim, a segunda
categoria, que inclui os pequenos animais naturalmente presentes
no registro arqueológico, é muito mais relevante para este tipo de
reconstrução, pois estes animais possuem um baixo grau de des-
locamento e de adaptabilidade, representando bem o ambiente
onde o sítio está localizado.

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Para saber mais
- sobre noções básicas da arqueozoologia/zooarqueologia:

O ponto 2.2 da tese seguinte (paginas 49-51 e 53-57):

GONZALEZ, M. M. B. Tubarões e Raias na Pré-História do Litoral de São Paulo.


tese de doutorado—São Paulo: Museu de Arqueologia e Etnologia (USP), 2005.

-sobre a história da arqueozoologia/zooarqueologia:

O ponto 2.1.1 Breve história da zooarqueologia (paginas 35-39) da dissertação:

SOUSA, V. L. DE. Estudo zooarqueológico: a diversidade ictiológica no sambaqui


Porto do Rio Vermelho II (SC-PRV-02), Ilha de Santa Catarina -Brasil. disserta-
ção de mestrado—Tomar, Portugal: Instituto Politécnico de Tomar – Universi-
dade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2011.

- um exemplo de caso:

CASTILHO, P. V. DE; SIMÕES-LOPES, P. C. Zooarqueologia dos mamíferos aquá-


ticos e semi-aquáticos da Ilha de Santa Catarina, sul do Brasil. Revista brasileira
de Zoologia, v. 18, n. 3, p. 719–727, 2001.

Texto elaborado Por Simon-Pierre Gilson

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