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154 Anos da Publicação do Primeiro Volume de “O Capital” de Karl

Marx: Contribuição para a Crítica das Ilusões Fetichistas.

No ano de 1867, vem à luz a obra magna de Karl Marx: “O Capital”.


Essa não é uma obra de agitação ou propaganda, é uma obra científica que
oferece, para as vanguardas dos trabalhadores, as armas da crítica que são
um complemento necessário para a crítica feita com as armas.

Poucas vezes um livro foi gerado em condições tão adversas para seu
autor. Além da miséria material, Marx também fora acometido por uma série
de doenças, entre elas terríveis furúnculos, que o levaram certa vez a afirmar:
“em qualquer caso, espero que a burguesia se lembre de meus furúnculos até
que chegue a hora dela. Maldita seja!”

Do ponto de vista teórico- metodológico, “O Capital” é como o próprio


Marx afirmou, “um todo artístico”, isto é, uma totalidade concreta que reproduz,
por meio do pensamento, as tendências objetivas do modo de produção
capitalista. Para Marx, os economistas que o antecederam conseguiam no
máximo uma representação caótica do todo, pois sempre partiram do todo vivo:
da população, do estado, da nação, por exemplo, e por meio da decomposição
desta totalidade chegavam ao conjunto de categorias simples como divisão do
trabalho, valor, dinheiro etc. Após este trabalho, os economistas fixavam essas
categorias, chegando assim aos modernos sistemas e tratados econômicos.
Dessa forma, o todo apareceria, para estes, como uma junção de partes.

O método cientificamente exato de exposição para Marx, pressupõe


partir destas categorias simples, pouco determinadas, até as categorias
complexas (determinadas), um caminho que vai do abstrato até o concreto, do
imediato ao mediato, do simples ao complexo, da aparência à essência. Esse é
o modo de reproduzir, pelo pensamento, o todo como uma rica totalidade de
relações diversas.

É em “O Capital” que Marx desvela a anatomia da sociedade burguesa


e, por conseguinte revela, de forma cientifica, que as relações de produção
assumem necessariamente a forma de uma relação entre coisas. Ou seja, as

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relações entre pessoas só podem se expressar através de coisas. Em “O
Capital” acompanhamos a trama fantasmagórica da Mercadoria, do Dinheiro e
do Capital.

Marx chamou de fetichistas as características que os produtos do


trabalho assumem nas relações de produção capitalista, pois estes são ao
mesmo tempo objetos sensíveis e suprassensível, concretos e abstratos. Nos
dizeres de Marx, a mercadoria é algo cheio de sutilezas metafísicas e manhas
teológicas. Esse caráter fetichista dos produtos do trabalho, que faz com que
as relações de produção entre as pessoas tenham que necessariamente se
expressar em coisas, põe o mundo de ponta cabeça, pois aquilo que é
essencial ao homem só se realiza pela mediação do mercado.

Dessa maneira, no modo de produção capitalista dominado pela forma-


mercadoria, a realidade está duplicada entre a mercadoria com sua forma
natural (valor de uso) que serve para satisfazer as necessidades humanas, e a
realidade abstrata e suprassensível do valor. O valor de uso é o conteúdo
essencial da riqueza para os homens, embora nesta sociedade ele só possa se
realizar mediante o consumo e nesta sociedade este tem que passar
necessariamente pela troca. Toda mercadoria é um não valor de uso para seu
proprietário e a troca pressupõe justamente a negação dos aspectos concretos,
úteis, da mercadoria, em favor de sua determinação abstrata, suprassensível
do valor, valor esse que só adquire expressão através do valor de troca e, ao
se expressar no valor de troca, esse último aparece como sendo o próprio
valor. Esse quiproquó fica ainda mais místico com a conversão 1 da mercadoria
em dinheiro.

O dinheiro tem sua gênese como equivalente particular nas relações de


troca, para logo depois se tornar a forma de manifestação geral do ser abstrato,
genérico e suprassensível, que só pode se manifestar nas trocas de
mercadorias. Essa substância abstrata é o valor cristalizado no corpo das
mercadorias que se manifesta no corpo da mercadoria- dinheiro.

Ademais, o dinheiro é a negação da riqueza real, sensível, concreta


(valores de uso) em prol da realidade suprassensível e abstrata do valor. O

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Conversão aqui tem claramente uma conotação religiosa.

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dinheiro é a negação do trabalho concreto, em favor do trabalho abstrato, o
dinheiro é a negação do trabalho útil, em favor do trabalho genérico. O dinheiro
é o sensível-suprassensível da riqueza e mesmo que imprestável do ponto de
vista da satisfação das necessidades humanas, ele é objeto de culto e
adoração, ele é o verdadeiro Cristo encarnado.

Desse modo, o dinheiro aparece como o regente deste processo, como


o Deus do mundo das trocas, mesmo sendo por ele determinado. Nos
Grundrisse, Marx nos dá uma dimensão dessa mercadoria celeste: “de sua
figura de servo, na qual se manifesta como simples meio de circulação,
converte-se repentinamente em senhor e deus, no mundo das mercadorias.
Representa a existência celeste das mercadorias, enquanto as mercadorias
representam sua existência mundana” (MARX, 2011, p.165).

Entretanto, na sociedade capitalista, o dinheiro não tem só as funções


de equivalente geral das trocas. O dinheiro também tem que circular ou se
converter em capital, expresso por Marx na fórmula D-M-D. E desse modo:

As formas independentes, as formas-dinheiro, que o valor das


mercadorias assume na circulação simples, servem apenas de
mediação para a troca de mercadorias e desaparecem no
resultado do movimento. Na circulação D-M-D, ao contrário,
mercadoria e dinheiro funcionam apenas como modos diversos
de existência do próprio valor: o dinheiro como seu modo de
existência universal e a mercadoria como seu modo de
existência particular, por assim dizer, disfarçado. O valor passa
constantemente de uma forma a outra, sem se perder nesse
movimento e, com isso, transforma-se no sujeito automático do
processo (MARX, 2013, p. 229-230).
Como reafirma Marx: “o valor se torna aqui o sujeito automático do
processo” (MARX, 2013, p. 229-230). Mesmo que o capitalista possuidor de
dinheiro seja o dono do processo de produção, não é ele que o controla, pois o
capital, na medida em que é valor que se autovaloriza, é que determina todo o
processo. Ele é o Espírito Absoluto do processo de valorização. Assim, fica
nítido o caráter fetichista do capital:

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[…] aqui ele se apresenta, de repente, como uma substância
em processo, que move a si mesma e para a qual mercadorias
e dinheiro não são mais do que meras formas. E mais ainda:
em vez de representar relações de mercadorias, ele agora
entra, por assim dizer, numa relação privada consigo mesmo.
Como valor original, ele se diferencia de si mesmo como mais-
valor, […]. O valor se torna, assim, valor em processo, dinheiro
em processo e, como tal, capital. (MARX, 2013, p. 230-231).

Desse modo, o movimento do capital se autonomiza da vontade dos


indivíduos. Ele segue suas próprias leis independente dos produtores, pois a
sua finalidade é ser valor que se autovaloriza. Portanto, o livro “O Capital” de
Marx nos permite desvelar as formas fetichistas da mercadoria, do dinheiro e
do capital.

O capital nasceu jorrando sangue e fezes de seus poros. Entre os


pressupostos históricos que permitiram a gênese desta insana forma social,
temos: a expropriação violenta dos produtores diretos, separando estes dos
seus meios de produção, tornando-os homens livres para serem esfolados pelo
capital. Essa trama fantasmagórica só foi possível porque foi erguida sobre a
violência sistemática e, hoje ela só se reproduz sugando vampirescamente os
trabalhadores. Mas, chegará o dia em que os expropriados expropriarão seus
expropriadores.

Referências

MARX, Karl. Grundrisse. Tradução: Mário Duayer; Nélio Schneider. São Paulo:
Boitempo; Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2011.

______________. “O Capital”: crítica da Economia Política. Livro 1: O processo


de produção do capital. Tradução: Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo,
2013.

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