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CAPOEIRA ENQUANTO LINGUAGEM CULTURAL ARTÍSTICA EM RIO

BRANCO NO ACRE.

Francisco Gomes de Queiroz1

RESUMO: A presente pesquisa visa analisar as práticas artísticas da Capoeira enquanto


um eixo de produção da vida simbólica sob dois pontos de reflexão: a Capoeira
enquanto exercício dos direitos culturais de um povo e a Capoeira e sua contribuição no
processo de participação social. Como a Capoeira enquanto linguagem artística se
apresenta como expressão de novas práticas culturais, constitui o objetivo desta
pesquisa. Cada vez mais as práticas da Capoeira são verificadas nos espaços da vida
social como representações artísticas através da dança e da musica, que expressam o
direito à memória e às tradições na vida contemporânea. Que papel a capoeira
desempenha enquanto linguagem cultural artística por meio da musica e da dança, nos
atuais processos sociais contemporâneos consiste no problema de pesquisa a ser
investigado por meio das noções de cultura e da produção simbólica. A necessidade aos
bens simbólicos de uma sociedade remete para o fato daquilo que destacou Nobert Elias
(2014) de que a cultura remete a um sistema aberto, como ato e drama que se expressa
na palavra e na imagem para a análise e interpretação do cotidiano. Nos processos
contemporâneos o advento da globalização da economia mundial, o recorrente aumento
do desemprego e da precarização das relações de trabalho afetando, sobretudo, as
massas de coletivos, parece evidenciar muitas vezes, que a necessidade por acesso aos
bens coletivo materiais tornam-se mais urgentes, sem perceber que a linguagem artística
também compõe a estrutura da vida social. Nesse cenário a Capoeira enquanto prática
cultural se mantém enquanto uma nova justificação capaz de despertar formas de
sociabilidade que inclusive serve de base para re-enquadrar os novos coletivos. Como
essa prática artística se desenvolveu alicerçada em um simbolismo que remete às
práticas de um povo e da cultura africana encontra seus novos sentidos e significados no
papel que esta desempenha na sociedade de hoje. A Capoeira será analisada nesta
pesquisa como uma prática cultural que sobrevive, sobretudo nas consciências
individuais de grupos que na contemporaneidade reúnem-se para manterem viva essa
tradição a exemplo da roda de rua. A metodologia baseou-se em pesquisa bibliográfica e
entrevista com praticantes da Capoeira. Portanto, os resultados da pesquisa
evidenciaram que a prática da Capoeira se revela, sobretudo, como uma forma de
produção simbólica em busca de maior espaço visando se manter como um traço
cultural no processo contemporâneo amazônico. A Capoeira vai muito além de uma
prática esportiva e integra mesmo o caráter cultural do seu simbolismo e de sua
linguagem artística onde a roda de rua e a vivencia dos grupos de Capoeira em Rio
Branco reflete o processo pelo homem de criar seus símbolos e com isso, por em curso a
produção da vida simbólica nesta parte da Amazônia brasileira.
Palavras chaves: Práticas Culturais, Capoeira, Direitos Culturais, Participação Social.

1
Graduando do Curso de Bacharelado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Acre – UFAC.
Artigo apresentado à Coordenação do Curso de Bacharelado em Ciências Sociais do Centro de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal do Acre - CFCH, como requisito avaliativo para a obtenção
do Grau de Bacharel em Ciências Sociais – Habilitação em Antropologia.
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INTRODUÇÃO

1. CULTURA EM REFÊRENCIA AO SIMBÓLICO

No estudo da vida cultural os processos simbólicos remetem a uma ampla gama


de sentidos e significados produzidos por um grupo ou comunidade, os quais estruturam
a vida social de uma dada sociedade. A manifestação artística entendida também, como
uma linguagem ao que se enquadra a Capoeira que é composta por um misto de dança,
luta e música integra a dimensão do ser enquanto um sentimento que visa exprimir o
sentimento humano de um dado grupo em decorrência de um contexto também
sociocultural. Segundo Guidenns a vida social é permeada por valores os quais são
definidos por idéias abstratas que “definem o que em determinada cultura é
considerado importante, significativo ou desejável. Normas são regras de
comportamento que refletem os valores de uma cultura”. (Guiddens, 2008, p. 62). Desta
forma, a capoeira se define como expressão própria daquilo que é significativo e
desejável dentro da cultura pelo qual emergiu, atravessada pelas relações sociais e
pressupõe suas normas.
Sob essa perspectiva sua presença na cultura brasileira data desde o Brasil
colonial. A chegada dos navios com populações africanas trazidas como carga para o
que a Europa entendia como “Novo Mundo” representou a marca maior de uma postura
etnocêntrica que evidenciaria uma longa trajetória social para os segmentos negros que
foram lançados e esquecidos dentro das senzalas como bem evidenciou a clássica obra
de “Casa Grande Senzala” de Gilberto Freire. Seriam, sobretudo, nas senzalas como
espaço de produção simbólica que suas manifestações artísticas se evidenciaram como
uma linguagem artística que traduzia o sentimento de um povo, que por não poder falar
recorriam às formas de linguagem do corpo e da música ao som dos instrumentos, o
mais conhecido entre eles, o Berimbau. Assim, aos poucos a capoeira foi se constituindo
como uma norma cultural a ser exercida como principal fonte de simbolismo integrando
por fim, uma produção artística cultural no campo da cultura africana, ora como
resistência ora como livre expressão de seu simbolismo artístico.
O simbolismo como o lugar da subjetividade se revela no comportamento social,
o qual Guiddens (2012, p. 188) destaca que “embora o comportamento social, seja
orientado até certo ponto, por forças como papeis, normas e experiências
compartilhadas, os indivíduos percebem a realidade de forma diferente, segundo suas
origens, seus interesses e suas motivações. Como os indivíduos são capazes de atos
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criativos, eles moldam a realidade continuamente por meio de suas decisões e ações”.
Esse, contudo é o caso da Capoeira enquanto linguagem cultural artística por meio da
musica e da dança, a qual na contemporaneidade expressa uma experiência
compartilhada de aprendizagem cultural se inserindo como formas de sociabilidade
artística capaz de promover as interações sociais.
Assim a vida social é permeada de simbolismos aonde vão sendo acrescidos
modo de vestir, os costumes, padrões de trabalho, diferentes formas de linguagens
artísticas que vão caracterizando a cultura como um sistema aberto e com isso
permitindo com que a análise e a interpretação do cotidiano possam se tornar possíveis.
Nesse aspecto destaca Guiddens (2012, p. 189) que os gestos, as posturas corporais são
usados constantemente e mesmo modelados pela cultura, para completar falas, bem
como para transmitir significados quando não se diz nada. A dança na capoeira é um
caso disso, a expressão do corpo no desenrolar do toque do Berimbau transmite um
significado organizado entre o jogar do corpo em movimentos circulares, envolvendo
defesas e ataques, assumindo então seu aspecto de luta.
A Capoeira nesse sentido como linguagem artística e cultural carrega em si
mesma uma identidade social, a qual revela a nossa compreensão de quem somos e de
quem são as outras pessoas inseridas em suas culturas, isso inclui a compreensão delas
sobre si mesmas e também sobre nós, permitindo com isso que as “identidades sociais,
possam ser formadas nos processos contínuos de interação na vida social, deste modo
as identidades são construídas e não dadas” destaca Guiddens (2012, p. 191). Deste
modo a Capoeira integra um conjunto de identidades sócio-artísticas de um povo que foi
sendo construída no processo continuo das interações sociais, mas que servindo a
diferentes papeis. Se em seus primórdios nas senzalas podiam ter um papel de
resistência e sobrevivência simbólica, nas atuais relações da vida democrática esse papel
é, sobretudo, o de promover às interações sócio-culturais na vida contemporânea,
demarcando com isso um simbolismo de permanência às tradições dentro da linguagem
artística que lhe confere.
Sob esse olhar a Capoeira reflete e evidencia sob a vida social contemporânea
tanto o exercício dos direitos culturais de um povo quanto sua contribuição no processo
de participação social. Em relação aos direitos culturais é preciso entender que a
Capoeira corresponde a uma prática cultural em meio a uma diversidade de outras, para
isso, é preciso considerar que: “No contexto atual da diversidade, uma das principais
estratégias para o reconhecimento de grupos tão diversos é garantir direitos e
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oportunidades equitativos para as redes socioculturais” (Ministério da Cultura, 2010, p.


42). Na esteira da presença do pluralismo da expressão identitária, temos a linguagem
artística da Capoeira como parte destas redes socioculturais no âmbito da Amazônia.

“Proteger e conservar o patrimônio cultural e imaterial dessas


populações amazônicas tem como objetivo, sobretudo, o de “garantir a
continuidade, a viabilidade e a sustentabilidade dos saberes, ofícios,
modos de fazer, celebrações, lugares, formas de expressão e
comunicação que compõem esse universo. Compreende ações de
identificação, documentação, reconhecimento, valorização, promoção,
apoio e fomento às condições sociais, ambientais e materiais que
propiciam a existência e continuidade dessa riqueza.” (MINISTÈRIO
DA CULTURA, 2010, p. 43).

Nesse contexto o espaço social amazônico está permeado da influencia da


oralidade, da memória viva e da transmissão face a face como formas de expressão e
comunicação que fomentam as condições sociais e artísticas que garantem a viabilidade
e a sustentabilidade das culturas locais associadas às tradicionais entre elas a da
linguagem artística da Capoeira. Assim, a vida social amazônica é permeada por valores
os quais são definidos por formas de simbolismos próprios.
Nesse sentido analisar a prática da Capoeira enquanto um eixo de manifestação
da vida simbólica, enquanto exercício dos direitos culturais representa buscar entender
como a Capoeira se evidencia nas formas de interação social promovendo maior
participação social enquanto linguagem artística. A prática da Capoeira integra a
cultura imaterial, pois é uma linguagem artística que envolve a dança e a música como
já destacamos alhures. A prática da Capoeira que encontramos nos espaços sociais em
Rio Branco, o qual ocupa o espaço amazônico compreendido dentro do território do
Acre, e que está marcado por diversidade biológica e diversidade cultural, convive em
meio a outras práticas as quais compreende as dos diversos povos indígenas, com
línguas e tradições diferenciadas e comunidades tradicionais tais como ribeirinhos,
extrativistas demarcando a diversidade cultural local desse espaço amazônico.
Constitui, portanto, um ambiente rico com a presença de povos indígenas e
comunidades tradicionais que há muito tempo vivem nesta região do Brasil, que
apresentam uma extensa história de convivência nos seus territórios a partir de contato
com outras populações construindo e desenvolvendo conhecimentos. Nas palavras de
Garcés (2012, p. 12) “Também tem desenvolvido conhecimentos sobre as próprias
sociedades e sobre outras sociedades com as quais se relacionam, através de seus
mitos, crenças, leis e regras de parentescos bem como de seus saberes artísticos”.
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A prática da Capoeira, portanto, está inserida em um contexto, de


características culturais especificas que as diferenciam de outros lugares onde esse saber
artístico é amplamente verificado. Na Amazônia o espaço social e cultural tem seus
conhecimentos marcadamente transmitidos de forma oral constituindo parte da
identidade destes povos e comunidades, seus valores e significados que lhes dão sentido
e razão de ser como povos amazônicos. Assim, a cultura demarcada suas inter-relações
no espaço amazônico através da linguagem artística da Capoeira, enquanto dança e
musica ao qual se integra à ideia de cultura, entendida a partir de Geertz (1978)
enquanto uma teia de significados, teia essa, aliás, que é pública, e pode ser interpretada
quando se confere a devida importância às ações dos sujeitos, que são sempre
simbólicas. Em suas palavras “A cultura não é algo ao qual podem ser atribuídos
casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os
processos, mas, sim, um contexto, dentro do qual tais comportamentos, fatos, processos
ou instituições podem ser descritos de forma diferenciada”.
Mas no tocante aos direitos culturais observa-se que até agora esse é um ponto
ainda insuficientemente posicionado nas agendas do debate público e menos ainda
exercido. Como destaca Loreta Bravo Fernandes (2011, p. 18) nesse sentido ainda, o
instrumento jurídico e prático da salvaguarda do patrimônio imaterial reflete um modelo
de reconhecimento já não somente do capital cultural material ou imaterial como
também, e principalmente, dos direitos dos seres humanos que participam desse capital,
que são seus herdeiros e que o complementam com sua prática cotidiana. (idem,
ibidem). Desta forma se confirma a linguagem artística com um direito dos seres
humanos, e não apenas enquanto um processo de salvaguarda do patrimônio imaterial,
os quais estão incluídos a dança e a música.
Nesse aspecto é inegável a contribuição simbólica que a prática da
Capoeira fornece para a promoção das interações sociais amazônicas bem como da
participação social nesses grupos em busca de efetivarem seu simbolismo no campo da
arte enquanto prática cultural artística, a qual deve levar em conta, a promoção, apoio e
fomento às condições sociais, lingüísticas, culturais, ambientais e materiais que
propiciam a existência e continuidade dessa riqueza formadora de novas linguagens no
terreno da dança e da música. Nesse sentido a prática social da Capoeira enquanto uma
presença da vida cultural no âmbito da vida coletiva local representa a marca viva de
uma sociedade em seus aspectos culturais e simbólicos de forma mais ampla a demarcar
e estruturar um eixo de manifestação da vida simbólica em nível local.
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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 - DIREITOS CULTURAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL: A CAPOEIRA


COMO PROMOTORA DE RELAÇÕES CULTURAIS E SABERES
ARTÍSTICOS.

O valor da linguagem artística da Capoeira entendida como um direito cultural


no espaço amazônico significa garantir o direito à identidade dos grupos e populações ai
existente, bem como, direito a diversidade cultural, como previsto na Constituição de
1988. Nas palavras de Bernardo Novais da Mata Machado (2011) “Os Artigos 215 e
216, referem-se de forma geral, à proteção da identidade dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, mas o Artigo 215 especifica determinadas
culturas: “O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e
afro-brasileiras”.
Sob esta perspectiva, Machado (2011) destaca a preocupação presente na
Constituição Federal de 1988 em reparar injustiças históricas cometidas contra esses
grupos. Há também segundo Machado uma preocupação “com o risco de extinção de
modos de viver, fazer e criar dessas culturas, o que fica nítido em outros Artigos como
o 231 que reconhece as especificidades de organização social, desses grupos, seus
costumes, língua e tradições” (Machado, 2011, p. 113). Assim sendo, para esses grupos
a Constituição reconhece ser o território uma fonte genuína de identificação cultural.
Nesse sentido, a prática da Capoeira enquanto linguagem cultural artística deve mais do
que nunca ser a “expressão e estar alinhada a identificação cultural onde passa a
demarcar sua existência”. (VALLE, 2008, p. 103 apud, Cunha, 2010, p. 35).

Nesse contexto, de diversidade cultural e biológica que representa o espaço


amazônico, um ambiente rico com a presença de povos indígenas e comunidades
tradicionais que há muito tempo vivem nesta região do Brasil, que apresentam uma
extensa história de convivência nos seus territórios a partir de contato com outras
populações construindo e desenvolvendo conhecimentos, temos nas palavras de Garcés
(2012, p. 12) esse um espaço que “Também tem desenvolvido conhecimentos sobre as
próprias sociedades e sobre outras sociedades com as quais se relacionam, através de
seus mitos, crenças, leis e regras de parentescos bem como de seus saberes artísticos”.

A Capoeira e sua presença nas práticas culturais locais representam um saber


artístico em relação com outros, e que com isso tem promovido maior participação
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social para a vida coletiva local. Essas relações ocorridas em um ambiente de


diversidades culturais contribuem para promover uma vivencia social maior entre
saberes artísticos tendo em vista, o fato de isso demonstrar a capacidade de viver em
diversidade. Dessa forma a coexistência desses saberes artísticos enquanto transmissão
que compõe também

“o patrimônio de conhecimentos, de emoções, de valores, de conflitos


típicos de uma sociedade (ou de uma civilização) supõe um
formidável trabalho de reorganização, de reestruturação, de
reconstrução, de ressignificação, pois novas formas de saber, novas
relações com o saber, modos de pensamento específicos, atitudes e
competências típicas se criam e se recriam permanentemente”
(VALLE, 2008, p. 103 apud, Cunha, 2010, p. 35).

Os saberes artísticos amazônicos em coexistência nesse sentido também são


promotores de socialização e atua mesmo como um processo que leva em conta a
identidade dessa linguagem artística e a relação que ela estabelece com a cultura, com a
experiência nesse cotidiano de relações culturais. Nesse espaço, contudo, a cultura deve
ser entendida como um conjunto de valores , de crenças e ritos, mitologias e demais
aspectos imateriais desses grupos. Sabendo, contudo, que, “o patrimônio imaterial
reflete um modelo de reconhecimento não somente do capital cultural material e
imaterial, mas principalmente, dos direitos dos seres humanos de participarem desse
capital, enquanto seus herdeiros legítimos que o complementam com sua prática
cotidiana”. (Fernandez, 2011, p. 18).
No Acre há registros de estudos sobre a presença da cultura negra em Rio
Branco, sobretudo, em pesquisas envolvendo história e jornalismo que busca investigar
as representações dos negros na imprensa riobranquense. Isso denota a presença da
cultura negra com suas práticas cotidianas na cultura local. Prática cotidiana esta, que
tem seu ambiente sociolingüístico próprio e que reforça os laços sociais no campo da
linguagem artística, na medida em que reintegra a cultura à vida cotidiana dessas
populações que para aqui vieram. Lembrando que os aspectos lingüísticos, o que
envolve também suas músicas, enquanto linguagem artística, dessas populações revelam
também a história social desses grupos, quando considera-se que a escravidão africana e
a questão lingüística, as tentativas de destruição das culturas (e línguas) indígenas e sua
capacidade de resistência, bem como os caminhos da oralidade na língua literária
evidenciam o que Ivana Stolze Lima chama à atenção “as vozes, falas, palavras
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próprias que atravessam a formação da sociedade. Assim, a idéia é mostrar que o


singular – língua do Brasil – foi construído sobre o plural, que teima em persistir –
línguas no Brasil”. (Lima, 2008, p.13).
As línguas no e do Brasil, são as formas mais evidentes da linguagem artística
que esses grupos se valiam para fazer afluir sua particular forma simbólica sobre a vida
social e cultural. As letras presentes nas músicas e instrumentos que buscavam
expressar sentimentos e percepções são retratadas de forma particular nas vozes e falas
que atravessam a formação da sociedade brasileira e amazônica. Essas enquanto
“saberes lingüísticos tiveram nas formas de comunicação não-verbal um momento
significativo”. (Lima, 2008, p.49). As formas não verbais representam também a dança
como linguagem do corpo, o que no caso da capoeira esse é um traço marcante. Ao som
do Berimbau, o corpo vai traçando e desenhando os movimentos num misto de dança e
luta. Desta forma uma cultura ou povo sem suas possibilidades de linguagem artísticas
os danos para essa cultura seriam irreparáveis e inaudíveis.
Nesse sentido, o caráter pluriétnico da sociedade brasileira e amazônica expressa
em seus direitos culturais à maior expressão também da historia sociolingüística e sócio-
artística do Brasil e da amazônica de forma mais especifica, onde a Capoeira integra
essa plurietcidade e reflete os modos de viver, de fazer e de criar dessa cultura no plural.
Assim, sendo os herdeiros legítimos de seu patrimônio imaterial, a prática da capoeira
por aqueles que a praticam e a aprendem representa o patrimônio das emoções e dos
valores ai construídos e resignificados, os quais quando alinhados são promotores de
identificação cultural. Ruth Benedict em sua obra “As Estruturas da Cultura” lembra em
seu capitulo I “Ciência do Costume” que:

A história de vida de um indivíduo é primeiro e antes de tudo uma


acomodação aos padrões tradicionalmente transmitidos em sua
comunidade. Desde o momento do seu nascimento, os costumes em que
ele nasce dão forma à sua experiência e ao seu comportamento. Quando
chega a falar, ele é a pequena criatura de sua cultura, e quando cresce e
pode tomar parte nas atividades dessa mesma cultura, os hábitos desta são
os seus hábitos, suas crenças são as suas crenças, suas impossibilidades
são as suas impossibilidades. Toda criança que nasce em seu grupo
compartilhará com ele esses costumes. (Benedict, 1970, p. 02).

A Capoeira nesse sentido, é produzida em meio esses laços culturais dos


costumes, foi nesse processo constituindo-se em um padrão a ser transmitido,
constituindo-se em uma atividade simbólica parte de um processo cultural mais amplo,
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tanto que para as novas gerações a Capoeira tem papel de hábitos e crenças transmitidos
na comunidade pelos costumes de sua cultura, aqui entendida como afro-brasileira. Pois
nas palavras de Ruth Benedict “A herança cultural humana, aconteça o que acontecer,
não é biologicamente transmissível” onde “No papel do processo cultural da
transmissão da tradição do homem nenhum item de sua organização social tribal, de
sua língua, de sua religião local é trazido em sua célula reprodutora”. (Benedict,
1970).
Contudo, é importante destacar que a valorização da cultura nacional e popular
na percepção e condução da política cultural é pouco estimulada e valorizada por não
levar muito em conta, a tradição e mesmo os costumes, entendidos aqui como um
direito cultural, o direito a sua cultura, que de outro modo, seria também o direito às
suas tradições e costumes. Nesse sentido a Capoeira enquanto linguagem artística por
meio da musica e da dança em interação com um ambiente sociolingüístico deve ser
vista também como promotora de participação social, não sendo vista fora dessas vozes
e falas que atravessam a sociedade de forma mais ampla. Assim sendo, a prática da
Capoeira integra, também de forma mais ampla, os reflexos culturais, enquanto hábitos
e costumes que referem-se aos “direitos e às responsabilidades dos diversos agentes de
usufruto criativo dos múltiplos códigos e sistemas de pensamento, ideologias, religiões,
modos de fazer e viver”, os quais se constituem de aspectos, tão importantes quanto o
direito à prática da liberdade, igualdade perante a lei e à seguridade social. (Silva, 2007,
p. 162).
Com base nisso a prática da Capoeira vai muito além de uma prática esportiva e
integra mesmo o caráter cultural do seu simbolismo e de sua linguagem artística
alicerçada na tradição de sua cultura. Deste modo a Capoeira segue como fluxos de
oralidades e tradição possíveis manifestas através da dança e da música. Nesse sentido o
valor representativo da Capoeira segue em certo sentido o valor do mito o qual tem “um
valor de passagem, explicação de interação e de apropriação, não deve ser entendido
apenas como ficções decorativas” (Turner, 1990, p. 11). Assim, muitas vezes sem
percebermos, a prática da Capoeira pode nos enredar em um compósito de signos, ou
qual explica Charles Peirce (1989) “Cada um de nós é um compósito de signos que
adquirem significado em contextos também sígnicos” e segue dizendo: “é um nó de
intenções, um dialogo conosco mesmos, propiciado pelo dialogo dos outros e com os
outros. É somente pela voz do outro que podemos falar a nós mesmos” (Peirce, apud
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Rodrigues, 1989, p. 191). A Capoeira encerra uma linguagem do corpo porque é dança é
movimento, e ao mesmo tempo, da música pelo som dos instrumentos e de suas letras.
Deste modo essa prática cumpre uma função tanto de ampliação das relações
culturais, quanto de integração aos saberes artísticos, uma vez que permite a capacidade
de simbolização em um nó de intenções que adquirem significado em contextos também
sígnicos. Portanto se é sígnico, é também revestido de uma ação de simbolização. Sob
essa perspectiva a prática da Capoeira se insere ainda em territórios que também podem
ser entendidos como territórios étnicos e de alteridades múltiplas. Pois é preciso levar
em conta que “O Brasil conta com um imenso patrimônio de expressões e
manifestações da cultura populares, historicamente marginalizadas”. (Ministério da
Cultura 2010, p. 47).

Bordieur (1989, p.10) destaca que os símbolos são “instrumentos por excelência
da integração social, enquanto instrumento de conhecimento e comunicação, eles
tornam possível o consenso acerca do sentido do mundo social”. A Capoeira tem como
seu principal símbolo o Berimbau e o traje de roupas brancas, os quais, em suas práticas
integram um contexto sígnico, ao mesmo tempo em que, também incorpora um
elemento lúdico, nesse sentido destaca: Huizinga (2000) que:

Não foi difícil mostrar a presença extremamente ativa de um certo


fator lúdico em todos os processos culturais, como criador de muitas
das formas fundamentais da vida social. O espírito de competição
lúdica, enquanto impulso social, é mais antigo que a cultura, e a
própria vida está toda penetrada por ele, como por um verdadeiro
fermento. O ritual teve origem no jogo sagrado, a poesia nasceu do
jogo e dele se nutriu, a música e a dança eram puro jogo. O saber e a
filosofia encontraram expressão em palavras e formas derivadas das
competições religiosas. As regras da guerra e as convenções da vida
aristocrática eram baseadas em modelos lúdicos. Daí se conclui
necessariamente que em suas fases primitivas a cultura é um jogo.
Não quer isto dizer que ela nasça do jogo, como um recém-nascido se
separa do corpo da mãe. Ela surge no jogo, e enquanto jogo, para
nunca mais perder esse caráter.

O objeto de nosso estudo é a prática da Capoeira como forma específica de


linguagem artística, como função social de um direito cultural, tomando-a em suas
múltiplas formas concretas, enquanto estrutura propriamente cultural. Procuraremos
com isso, considerá-la também como um jogo. Se verificarmos que o jogo se baseia na
manipulação de certas imagens, numa certa "imaginação" da realidade (ou seja, a
transformação desta em imagens), nossa preocupação fundamental será, então, captar
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o valor e o significado dessas imagens e dessa "imaginação" Huizinga (2000). As


grandes atividades arquetípicas da sociedade humana são, desde início, inteiramente
marcadas pelo jogo como bem lembra Huizinga (2000). Como por exemplo, no caso da
linguagem, esse primeiro e supremo instrumento que o homem forjou a fim de poder
comunicar, ensinar e comandar. É a linguagem que lhe permite distinguir as coisas,
defini-las e constatá-las, em resumo, designá-las e com essa designação elevá-las ao
domínio do espírito. (Ibidem).
Na criação da fala e da linguagem, brincando com essa maravilhosa faculdade de
designar, é como se o espírito estivesse constantemente saltando entre a matéria e as
coisas pensadas. Por detrás de toda expressão abstrata se oculta uma metáfora, e toda
metáfora é jogo de palavras. Assim, “ao dar expressão à vida, o homem cria um outro
mundo, um mundo poético, ao lado do da natureza”. (Idem). A prática da Capoeira
integra esse mundo poético, que se apresenta também como jogo e como tal destaca
Huzinga (2000) que a primeira das características fundamentais do jogo é o fato de ser
livre, de ser ele próprio liberdade. Uma segunda característica, “intimamente ligada à
primeira, é que o jogo não é vida "corrente" nem vida "real". Pelo contrário, trata-se
de uma evasão da vida "real" para uma esfera temporária de atividade com orientação
própria”. A Capoeira em seus primórdios também representou uma evasão da vida real,
ao considerarmos que sua prática não foi nem aceita nem reconhecida pela tradição e
costumes reinantes da cultura dominante a época de sua emergência. Contudo isso é o
que passaremos a apresentar no próximo ponto dessa pesquisa.

3. CAPOEIRA: HISTÓRIA E ORIGENS

Segundo Capoeira (1992), até os dias de hoje existem dúvidas em relação às


origens do termo capoeira. Os primeiros registros sobre o vocábulo datam de 1712,
“Vocabulário Português e Latino” e 1813, “Dicionário da Língua Portuguesa”
(SANTOS, 1990). Posteriormente, algumas propostas relacionaram o termo capoeira
com línguas indígenas: do Tupi caa-apuam-era, ilha de mato já cortado; do Tupi co-
puera, roça velha; do Guarani caá-puera, mato miúdo que nasceu no lugar de mato
virgem que foi cortado. No entanto, a capoeira ainda não se relacionava à luta criada
pelos escravos. Segundo Capoeira (1992), o ponto de interseção também tem
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diferentes origens. A mais bem aceita se remete ao negro escravo que fugia das
senzalas e se escondia nas matas. Nesse momento ele “abria clareiras” denominadas
de capoeira onde surpreendia os capitães-do-mato que tentavam recapturá-los.

Suas origem devido aos poucos registros históricos, há muitas discussões e


controvérsias. Seria ela brasileira ou africana? Rocha (2000) concorda com a hipótese
de que a capoeira foi criada no Brasil, por volta de 1600, pelos escravos Bantus,
originários de Angola. Alguns acreditam que a capoeira nasceu aqui a partir de uma
mistura de lutas, danças e rituais de diversas partes da África. Outros acreditam que ela
é uma mistura da cultura africana com a cultura indígena, uma vez que os índios
brasileiros, por volta de 1630, tinham um ritual onde misturavam música, dança e luta.
De acordo com Rocha (2000), o jesuíta padre Manoel da Nóbrega descreve em suas
cartas ao seu superior na Espanha falando dos costumes indígenas descrevendo a
agilidade dos índios potiguaras com os pés, mãos e cabeçadas, transformando-se em
arma perigosa.

No entanto, há aqueles que afirmam que a capoeira é africana, pois na África


existem danças semelhantes à capoeira, como o N’golo ou dança das zebras. Entretanto,
não é suficiente para comprovar as origens africanas da capoeira, pois não há em outros
países que receberam escravos africanos, manifestação semelhante à capoeira
(CARVALHO, 1999). Existe ainda outra vertente que acredita que a capoeira tem
origem indígena, nascida no lazer dos tupis-guaranis (SANTOS, 1990).

Para Santos (1990), os escravos africanos no Brasil, não possuindo armas


para se defenderem dos senhores de engenhos e seus capitães-do-mato e movidos
pelo instinto natural de sobrevivência, descobriram a arte de bater com o corpo,
tomando como base as brigas dos animais: coices, saltos e botes. Santos (1990)
ressalta que, além dessa necessidade de adaptação, os negros aproveitaram ainda suas
manifestações culturais trazidas da África para criarem e praticarem a capoeira.
Santos (1990) ainda acrescenta que a capoeira é produto da criatividade dos negros
africanos trazidos para o Brasil, tendo surgido nas senzalas do Estado da Bahia,
como uma forma de jogo que misturava dança, ritmo e cânticos, transformando-se
mais tarde numa maneira de assegurar a sobrevivência daqueles que a praticavam.

A capoeira está verdadeiramente lastrada nas raízes culturais brasileiras


mais remotas. Os negros escravos, além de todas as circunstâncias adversas e do
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regime de trabalho altamente desumano, tinham de lançar mão da capoeira para a sua
defesa pessoal. Os senhores de engenho não permitiam que os negros escravos
conduzissem armas e, assim, só a capoeira os socorreria nos momentos que tinham
de se defender. Marinho (1945), conta que Zumbi considerado o rei do Quilombo dos
Palmares depois de assumir a liderança do quilombo situado na Serra da Barriga em
Recife, teria ensinado capoeira aos jovens negros nascidos no Brasil. Em suma a
capoeira surgiu no Brasil por um processo de aculturação em prol da liberdade da
raça negra, escravizada durante o período do Brasil colonial.

Essas inúmeras controvérsias que existem sobre a capoeira, devem-se ao


fato de que em 1890 o então Ministro das Finanças, Ruy Barbosa, mandou incinerar
documentos referentes ao período da escravidão, alegando que esse passado trágico
deveria ser apagado da memória do Brasil. Independente de suas origens, a capoeira
era uma forma de resistência dos escravos africanos, um instrumento de libertação do
negro contra um sistema dominante e opressor; a busca da liberdade de uma raça
escravizada e mal tratada pelo colonizador branco (CARVALHO, 1999).

Quanto ao histórico Bruhns (2000) aponta três momentos históricos que


atualizaram as representações sociais sobre a capoeira. A criminalização, no final do
século XIX, sua legalização, na década de 1930 e sua institucionalização como esporte
oficial, na década de 1970. Onde o primeiro momento foi o da criminalização e nesse
processo, vamos encontrar inicialmente escravos negros capoeiras, cujo processo de
perseguição inicia-se por volta de 1809, com a criação da intendência de polícia, no Rio
de Janeiro (BRUHNS, 2000). Embora ainda não considerada crime, a capoeira era uma
contravenção e seus participantes recebiam punições severas.

A partir de 1824, a punição de escravos presos como capoeiras tornou-se mais


brutal: além de receberem chicotadas, eram enviados em cativeiro para ilhas isoladas,
onde eventualmente permaneciam três meses, submetidos a trabalhos forçados. A
punição para os reincidentes era o trabalho forçado na estrada da Tijuca, na periferia da
cidade do Rio de Janeiro. Os castigos estavam relacionados com a posição ocupada
pelos senhores na sociedade: um escravo de um senhor rico ou comerciante podia
esperar ser tratado diferentemente pelos agentes de repressão, do que um escravo que
pertencesse a um artesão humilde ou de uma pobre viúva (BRUHNS, 2000).
14

Após a proclamação da república, a perseguição à capoeiragem se


intensificou, chegando a fazer parte do Código Penal Brasileiro, que em seu capítulo
XIII tratava dos vadios e capoeiras, sendo os artigos nº 402 e 404 os mais
importantes (MARINHO, 1945):

“Art. 402 – fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade


e destreza corporais, conhecidos pela denominação de capoeiragem; andar
em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão
corporal, provocando tumultos ou desordens, ameaçando pessoa certa ou
incerta, ou incutindo tomar de algum mal. Pena: prisão celular de dois a seis
meses.

Parágrafo único: é considerada circunstância agravante pertencer o


capoeira a algum bando ou malta. Aos chefes ou cabeças se imporá a pena
em dobro.

Art. 404 – se nesses exercícios de capoeiragem, perpetrar


homicídio, praticar lesão corporal, ultrajar o pudor público ou particular, e
perturbar a ordem, a tranqüilidade e a segurança pública ou for encontrado
com armas, incorrerá cumulativamente nas penas cominadas para tais
crimes.”

O capoeira2, desde o seu aparecimento, foi considerado um marginal, um


delinqüente, cuja sociedade deveria vigiá-lo e as leis penais, enquadrá-lo e puni-lo
(SANTOS, 1990). O capoeira não se tornou um marginal, mas a sociedade o tornou,
o discriminou e o perseguiu, de modo que não lhe restou alternativa de sobrevivência
a não ser através de ilicitudes. Segundo Santos (1990), após a abolição da
escravatura, em 13 de maio de 1988, e com a mudança do sistema econômico
circunstancial, os negros foram expulsos das fazendas, direcionando-se em grandes
grupos para as cidades onde, por vezes, já viviam muitos negros sem oportunidade de
emprego e sem condições de sobrevivência.

Dessa forma, o índice de negros desempregados na zona urbana aumentou e


o único meio de sobrevivência foi usar a capoeira como instrumento para ganhar
dinheiro e seu corpo como força de trabalho. Nesse período a capoeira chegou a ser
caracterizada como símbolo do Brasil Colonial, sendo praticada principalmente nas

2
Denominação dada ao praticante de capoeiragem na época.
15

fazendas, povoados e cidades. Mas a tentativa de extinção da capoeira continuou


principalmente devido à mensagem que os negros transmitiam contra seus opressores
em forma de ritual. Além disso, os negros através dela aliavam valentia, agilidade e
técnica, levando vantagem nas lutas corporais (SANTOS, 1990).

Quando Marechal Deodoro da Fonseca assume a Presidência da República,


convida Sampaio Ferraz para Chefe da Segurança Pública, dando-lhe totais poderes
para perseguir a capoeira. Esta atitude originou vários combates entre capoeiristas e
os homens de Sampaio Ferraz. Desta forma ele conseguiu que a capoeira fosse
removida das ruas e praças e passasse a ser praticada nos terreiros e morros, onde
viveu camufladamente por muito tempo (SANTOS, 1990).

Já o Segundo Momento foi o da Legalização, onde palco desse momento


será Salvador, não mais o Rio de Janeiro, devido ao fato de as cidades nordestinas
(Recife e Salvador) não terem sofrido um processo de perseguição desde o início do
século passado. Bruhns (2000) mostrou de que modo esses centros urbanos se
tornaram santuários da capoeiragem antiga, mantendo uma hegemonia no século
presente. Por volta de 1920, alguns intelectuais começaram a tentativa de representar
a capoeira como jogo, como esporte, pois seria uma maneira de valorizá-la e fazer
com que fosse aceita socialmente. Em 1928, Aníbal Burlamaqui publicou o livro
“Ginástica nacional, metodizada e regrada”. Pretendera o autor desta obra que a
capoeira fosse considerada um método nacional de ginástica brasileira, estabelecendo
regras e demonstrando seus principais golpes (SANTOS, 1990).

Apesar das primeiras tentativas de regulamentação da capoeira partir do Rio


de Janeiro, foi da Bahia que surgiu o mestre que a tirou do Código Penal e a elevou a
esporte nacional: Manoel dos Reis Machado, o Mestre Bimba (1899 – 1974). Mestre
Bimba conseguiu tal feito devido à situação que o país enfrentava na época. O
governo republicano foi derrubado, assumindo o poder Getúlio Vargas, que sentiu a
necessidade de promover algumas alterações, como a liberação de manifestações
populares, para conseguir apoio da população. Caso contrário não conseguiria
governar o país. Entretanto, para não desagradar as elites, a liberação da prática da
capoeira se deu em recintos fechados e com alvará de funcionamento expedido pela
polícia.

Na década de 1930, mestre Bimba resolveu também metodizar e aperfeiçoar


a capoeira. Mestre Bimba criou a capoeira regional, que na época recebeu o nome de
16

luta regional baiana. Conseguiu, em 9 de Julho de 1937, o registro oficial de sua


academia na Secretaria de Educação, Saúde e Assistência Pública qualificando a
capoeira como ensino de Educação Física (SANTOS, 1990). De acordo com
Carvalho (1999) foi a partir dessa época é que a capoeira entrou nos quartéis,
escolas, universidades, e começou a crescer cada vez mais e conquistar adeptos no
mundo inteiro.

Já Terceiro Momento foi o da institucionalização, onde a capoeira foi mais


uma vez valorizada pela sociedade com estas medidas tomadas pelo Mestre Bimba,
motivo que muito contribuiu para que a Confederação Brasileira de Pugilismo, em
1972, por intermédio do seu Departamento Especial de Capoeira publicasse um
regulamento técnico que oficializou a capoeira como desporto, estabelecendo as
normas a serem cumpridas para a sua prática (SANTOS 1990). Ainda em 1972 a
capoeira é reconhecida oficialmente como esporte, conforme portaria expedida pelo
Ministério de Educação e Cultura – MEC (BRUNHS, 2000).

No início dessa mesma década (1970), em São Paulo, nasce a proposta da


fundação da primeira federação de capoeira do país: a Federação Paulista de
Capoeira. Por discordar dos rumos tomados pela Federação, que pretendia aproximar
a capoeira das lutas orientais, transformando-a em “arte marcial brasileira”, dois
grupos se formaram na cidade: os Capitães d’Areia (início da década de 1970) e o
Cativeiro (início da década de 1980). Os primeiros, com uma proposta de capoeira
pautada no conceito de classes representaram-na como “arma do oprimido”. O
segundo grupo fez prevalecer a questão étnica, representando a capoeira como
“forma de expressão de uma raça”, ambos utilizando o estilo Regional. Nenhum dos
grupos eliminou a graduação e, como explica Bruhns (2000), graduar, atribuir
cordões, correntes ou cordas, semestral ou anualmente, que tornem visível a
evolução do aprendizado da capoeira são procedimentos que se relacionam ao
modelo pedagógico hegemônico.
17

4. A PRÁTICA DA CAPOEIRA EM RIO BRANCO NO ACRE: A RODA DE


RUA E A VIVÊNCIA DOS GRUPOS DE CAPOEIRA.

Atualmente na cidade de Rio Branco, a prática da Capoeira é ensinada em aulas


nos mais diversos locais. Compreender a forma com que essa linguagem artística chega
até nossos dias sendo percebida como um direito cultural e ampliando a participação
social para os mais diversos grupos sociais inscreve-se no que propôs Claude Lévi-
Strauss que “O cientista não é o homem que fornece as verdadeiras respostas; é quem
faz as melhores perguntas” ou ainda como destaca Minayo, acerca de que a pesquisa
qualitativa (...) trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças,
valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos
processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de
variáveis. (MINAYO, 2002, p. 21-22).

Nesse sentido, a prática cultural da Capoeira, podemos dizer, sobreviveu a todo


um contextos sígnico nessa parte da Amazônia brasileira e resistiu em meio a outras
práticas, constituindo com isso, seus padrões tradicionais transmitidos como lembra
Ruth Benedict. Na atualidade esses padrões são transmitidos sobre tudo para os mais
jovens de diversas classes sociais, permitindo com que esse hábito não seja perdido
pelas novas formas de sociabilidade urbana. A prática cultural da Capoeira
simbolicamente tem afirmado a existência da comunidade por meio da reafirmação de
suas práticas seja nas aulas de educação física nas escolas nas academias ou mesmo na
vivencia dos grupos de Capoeira em que esta é co-herdeira desse costume e dessa
tradição a exemplo da roda de rua onde crianças e jovens tem contato muito cedo com a
Capoeira. Nesse sentido, é, no entanto, na roda de rua que a Capoeira encontra seu
simbolismo maior, e fornece contribuições significativas na ampliação do processo de
participação social entre os grupos na cidade.

A roda de rua, não é apenas uma roda de capoeira realizada fora do ambiente da
academia, é um momento que os capoeiristas chamam de encontro de camaradas, é
um ambiente mais amplo que não se limita somente aos componentes de um mesmo
grupo de capoeira, ao contrário todos os capoeiristas e não capoeiristas estão
convidados pela força dos costumes. Um capoeirista não pode ser impedido de jogar
numa roda de rua pelo mestre do grupo que está organizando a roda ou qualquer
outro, o que seria plenamente aceitável em uma roda de academia. É um momento
pra se rever os amigos antigos, de fazer novas amizades, de compartilhar vivências e
de interagir socialmente com os demais. A roda de rua funciona como uma espécie
de imã que atrai os capoeiristas e não capoeiristas sob o toque cadenciado do
18

berimbau. Todos os principais rituais só jogo são mantidos, quem comanda a roda é
o berimbau, mas pra jogar capoeira nesse ambiente cheio de axé não precisa de um
rito formal de academia, a pessoa é sempre bem vinda do jeito que quiser jogar, o
clima de descontração é que rege todo o desenrolar do jogo. Em Rio Branco, existe
uma roda de rua que acontece todos os primeiros Domingos de cada mês, no
mercado dos colonos, organizada pelo professor   "chiclete" do centro cultural
senzala de capoeira. É uma roda aberta a todos praticantes ou não de capoeira,
iniciantes ou graduados, todos são convidados a experimentar toda energia emanada
de uma roda de capoeira, com respeito e alegria! Iêeeeee. (Entrevista fornecida por
um Capoeirista participante da Roda de Rua em Rio Branco).

Nesses espaços a presença de crianças e jovens é sempre marcante, pois a


Capoeira representa um espaço de integração entre vários grupos etários. Nesse sentido,
como lembrou Ruth Benedict são os costumes em que uma criança nasce que dão
forma à sua experiência e seu comportamento. No caso da Capoeira se destaca um
grupo de crianças e jovens inseridos nessas atividades em Rio Branco nos mais diversos
ambientes sociais que compartilham desse costume a exemplo da roda de rua. Processo
pelo qual permitiu que a Capoeira não se perdesse no esquecimento no conjunto das
atividades da cultura afro-brasileira, e acreana sobrevivendo como um padrão a ser
mantido. A herança cultural da qual advém essa linguagem artística, esse costume ou
mesmo essas tradição encontrou no ambiente cultural acreano um lugar de transmissão
e manutenção desta tradição muito divulgada e praticada entre os coletivos infanto-
juvenis na cidade de Rio Branco. Nesse sentido, a Capoeira está presente na vivencia de
muitos jovens ainda na infância em Rio Branco como evidencia os relatos de um
praticante de Capoeira.

“O meu envolvimento com a Capoeira se iniciou quando eu ainda era criança mais ou
menos com seis anos de idade através de um projeto social que tinha lá no bairro 15 no
segundo distrito de Rio Branco, e tinha um projeto social para meninos e meninas e pra
quem optasse tinha outras modalidades e eu me interessei pela capoeira mais pela parte do
entretenimento né.. que ela une três artes numa modalidade só que é a dança a arte marcial
e a música e quando ainda criança quando eu ouvia aqueles homens tocando aqueles
instrumentos fora do comum fora do padrão foi o meu interesse em me envolver. Então foi
a partir desse projeto social que eu me interessei, entrou eu alguns familiares, colegas e
isso reuniu muita gente, crianças e adolescentes da Escola Abada da Capoeira e agente
sempre se reunia também no barracão do 15, mas hoje infelizmente é um espaço
abandonado e agente se reunia também no clube do Rio Branco ali no centro ao lado da
loja do formigão, que também se tornou um lugar abandonado, isso foi por volta de 1999-
98 né... por volta desses anos aí, eu tinha 6-7 anos nessa faixa etária. Esse projeto foi
realizado através de educadores, da Casa Rosa Mulher né que era um projeto que existia
na época pelo Estado voltado para diversas atividades como bijuterias, voleibol, futebol,
capoeira e muitas mulheres optavam por fazer cursos profissionalizantes e tinha a capoeira
que era oferecida como um entretenimento esportivo. Nessa época ali no 15 o índice de
marginalização era muito grande né, tráfico de drogas, e aí houve uma necessidade em que
os assistentes sociais viam uma necessidade na época de criar um projeto social pra fazer
19

um entretenimento com a criançada da época já que tinha muitos adolescentes e crianças


envolvidas no tráfico de drogas, e ai o tempo foi passando foi na época em que eu fiz meu
primeiro batizado, eu iniciei com a corda crua, que é a corda para iniciante, a corda crua é
a primeira corda que o aluno que está começando pega, então quando ele já entra dentro da
escola, ele já pega a corda crua e a corda é para aluno iniciante. Eu passei por volta de um
ano com essa corda é... fazendo os treinos incessantemente, não faltando, então o professor
ver essa dedicação do aluno então foi quando eu participei do meu primeiro batizado aí eu
fui gostando... Quando você começa a fazer uma modalidade esportiva o interesse ele vai
aumentando, quando eu cheguei na escola de Capoeira os professores me apresentaram a
Capoeira como uma cultura, uma cultura propriamente brasileira, nascida no Brasil e você
poderia fazer três modalidades dentro de uma só então a Capoeira para muitos olhares é só
uma dança e você dá um salto mortal, soltar a perna. Mas a Capoeira é muito mais que
isso, ela é uma dança... a Capoeira te dá amizades verdadeiras, cumplicidade é...te dá
companheirismo apoio físico e também pela questão psicológica, na verdade é um
treinamento, a capoeira treina guerreiros então o guerreiro da Capoeira, ele é treinado para
vencer qualquer tipo de adversidade, tanto a questão física, quanto a questão do dia-a-dia,
a questão de você se capacitar interiormente também e isso nós aprendemos logo de inicio.
Então a Capoeira é uma forma de defesa dos escravos contra os capitães do mato, os
senhores das fazendas. Então a capoeira era uma forma de defesa. Nós temos os nossos
mestres que dão treinamentos para segurança de governadores, autoridades brasileiras.
Então o treinamento da Abada Capoeira, também é um treinamento voltado para o
treinamento pessoal, o que faz com que a Capoeira seja também uma arte na forma de
defesa, de você se defender da periculosidade que existe no nosso país, e... agente foi
treinado, aí eu recebi meu primeiro batizado e hoje eu tô na corda amarela é o ouro, são 14
cordas, iniciando pela crua, que são as cores do iniciante na modalidade aluno e aí já
começa o graduado que são o azul, azul-verde, verde e verde-roxa, aí começa a
modalidade professor que é roxa, roxa-marrom e marrom e aí vem o vermelho que é o
mestrando e aí vem o mestre que é o vermelho e branco depois vem o grã-mestre que é o
branco totalmente branco... incrível que todas essas cordas tem uma simbologia da
natureza brasileira. A corda verde representa as nossas florestas, o azul o nosso oceano
brasileiro, as águas marítimas brasileiras, o amarelo o ouro do Brasil, o marrom que
significa a cor do cameleão que é um animal tipicamente brasileiro. Então todas essas
cores tem um significado que é ensinado em nossa escola. A Capoeira tem um significado
muito importante para mim, eu tive alguns problemas me afastei da Capoeira por um
tempo mais depois voltei e tive alguns problemas de saúde e fui recomendado à prática de
um esporte, e aí voltei novamente para a prática da Capoeira e hoje eu estou na corda
amarela que significa o ouro a valorização do ensino da capoeira, eu me capacitei
aprendendo também os instrumentos musicais da Capoeira, o agogô o atabaque o pandeiro,
os três berimbaus, o gunga o médio e o viola e... a importância está que a Capoeira me
ajudou muito a me encontrar, a prática foi importante por conta disso, elos que você pode
levar pro resto da sua vida, formar novas amizades então a importância da Capoeira na
minha vida foi isso, de formar elos, você quando vai pra um treinamento da capoeira você
não encontra pessoas estranhas, você encontra amigos, você encontra guerreiros, se um ta
cabisbaixo por alguma coisa, o outro vai dá uma força positiva, o professor ta ali vamos lá
guerreiro, vamos lá... vamos treinar, vamos gingar, vamos tirar essa energia ruim que ta
dentro do seu corpo, e ali agente faz o treinamento, tira todo o negativo de dentro de nós, e
quando termina o treino agente ta livre e leve. Então a importância da Capoeira é que ela
une laços, e dentro da nossa escola agente tem pessoas de todo mundo, a Capoeira, ela ta
presente em mais de 120 países, em projetos sociais, transformando vidas, transformando
pessoas que estavam na miséria, hoje a Capoeira tem esse lado social de transformar vidas
de tirar pessoas das drogas de tirar pessoas da promiscuidade de tirar até a pessoa até da
linha da pobreza, ela tem essa função também, então eu vejo hoje, mestres e mestrandos
que eram pessoas que tinham uma vida totalmente sem perspectivas e que tinham tudo pra
dá errado na vida deles e hoje eles são homens e mulheres né que são bem sucedidos, que
dão palestras, aulas em diversos lugares do mundo, então a Capoeira tem essa função
20

social de estabelecer as pessoas de dá o crescimento social pras pessoas também.


Infelizmente a Capoeira no estado do Acre ela decaiu muito é... por conta de que a pessoa
que opta por fazer Capoeira, muitas vezes elas são crianças que tem um baixo rendimento
financeiro e infelizmente, a criança que opta em fazer capoeira precisa de um pequeno
investimento , precisa comprar a farda né.. que gira em torno de 120 e muitas vezes o pai e
a mãe não tem a condição de comprar, muitas vezes o pai e a mãe tem só o beneficio de
um auxilio social e infelizmente ele tem que optar por comprar comida, comprar outras
coisas né... questões de necessidade mesmo, e infelizmente a Capoeira decaiu muito com o
passar dos anos é ... não há incentivo cultural, não há incentivo próprio do governo mesmo
é... hoje pra você ser um capoerista profissional, muitas vezes, você precisa ir pra fora
buscar conhecimento, buscar novas técnicas, tanto questão técnica de luta quanto questão
técnica de música, pois a Capoeira não é só luta é música também, é dança, então
infelizmente a Capoeira decaiu muito, hoje quase não há escolas permanentes aqui em Rio
Branco, há 4 ou 5 escolas que tentam sobreviver, que tentam mostrar pra sociedade que a
Capoeira ta viva, e são escolas independentes do Estado, elas são ligadas a nenhuma
instituição governamental. Algumas escolas funcionam em comunidades, em bairros
periféricos e outras em algumas escolas, a exemplo da Abada Capoeira, ela tem alguns
núcleos no horto florestal, na escola militar né... nós temos uma parceria com a escola
militar, nós temos em academias. A Capoeira não merece ser discriminada, porque ela vem
da cultura negra, dos escravos e ela tem o fundamento e a importância de ensinar a nossa
cultura brasileira, que muitas vezes não é nem valorizada pelo próprio brasileiro. A
Capoeira decaiu muito por aqui devido não haver investimentos por parte de nossas
autoridades é.... por conta de que tem sim haver hoje o envolvimento do dinheiro pra poder
sustentar os projetos sociais, porque tem muitos professores aqui, que tem a Capoeira
como uma sobrevivência, ou seu modo de viver e como um capoerista um professor de
Capoeira vai viver sendo que ele é um pai de família é uma mãe de família, porque nós
temos também professoras de capoeira, como que ele, ela vai tentar sobreviver é...dando
aulas nas comunidades sem não ter nenhum investimento, nenhum incentivo, então não
houve nenhum investimento durante esse decorrer dos tempos. (Capoerista– acadêmico
de música da Ufac – Entrevista concedida em 17 de Junho de 2019 no Campus -
Ufac).
Esses grupos mantém viva a Capoeira enquanto um traço cultural nas relações
cotidianas em nível local fazendo com que a transmissão cultural desta prática
sobreviva até nossos dias não apenas como prática esportiva, mas sobretudo, como
hábitos que vão garantindo a tradição e o costume da Capoeira cumprindo, desse modo,
na Amazônia e no Acre seu papel no processo de herança cultural e transmissão de suas
tradições, e isso como explicou Ruth Benedict(1970) “não é trazido em uma célula
reprodutora”. A Capoeira, nesses termos, é parte da forma de organização social de
grupos que em contato, deu origem a uma vertente afro-brasileira de novos hábitos e
costumes como um processo cultural mais amplo que ao longo do tempo vem deixando
suas experiências como parte da vivencia com culturas diferentes nessa parte da
Amazônia brasileira.

Mas o sentido e o significado da Capoeira como uma herança cultural e de


transmissão de costumes e hábitos, não pode ser entendida apenas como uma prática
desportiva, seu legado maior reside, contudo, em um sentido cultural mais amplo,
21

embora esteja sendo resignificada contemporaneamente como atividade física que pode
contribuir para melhorar a qualidade de vida de seus habitantes.

Enfim, a prática cultural da Capoeira se mantém viva apesar do simbolismo de


uma sociedade sócio-técnica que em muitos casos, se nutre da crença na uniformidade do
comportamento humano. Nas palavras de Ruth Benedict:

A civilização ocidental, por causa de circunstâncias históricas


fortuitas, tem se espalhado mais amplamente do que qualquer outro
grupo local por enquanto conhecido. Ela tem se padronizado na maior
parte do globo e temos sido levados, portanto, a aceitar uma crença na
uniformidade do comportamento humano, crença essa que em outras
circunstâncias não teria surgido. Mesmo os povos muito primitivos
são algumas vezes muito mais conscientes do que nós do papel dos
traços culturais, e com boa razão. Eles tiveram uma experiência
íntima de culturas diferentes. Viram sua religião, seu sistema
econômico, suas leis matrimoniais, sucumbir diante da religião, do
sistema econômico e das leis matrimoniais do homem branco.
Sacrificaram uma e aceitaram a outra, muitas vezes de modo bem
incompreensível, mas eles bem sabem que existem modalidades
variantes da vida humana. (Benedict, 1970, p. 3-4).

Essa crença na uniformidade do comportamento humano alimentada, sobretudo,


pela cultura civilizacional ocidental contribui para reforçar essa “experiência intima
com culturas diferentes” denominada por Ruth Benedict (1970). Nesse sentido como
bem evidenciou Ruth Benedict (1970), existem modalidades variantes da vida humana,
e, sob esse principio a prática da Capoeira permanece e vem se modificando.

A Capoeira em seu simbolismo originário torna-se uma atividade mantida pelas


tradições e os costumes onde essa prática expressa contemporaneamente o simbolismo
de uma cultura que permanece dentro do jogo do poder simbólico. A esse respeito
destacou Bourdieu que é necessário saber descobrir o estado do campo, onde ele se
deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado, portanto reconhecido, já que
o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível, o qual só pode ser exercido, com a
cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos, ou mesmo que o
exercem. (Bourdieu, 1989, p. 7-8).

Bourdieu dirá ainda que, o campo de produção simbólica é um microcosmo da


luta simbólica ente as classes (Bourdieu, 1989, p. 12), resta saber para o caso da
existência da Capoeira enquanto traço cultural nesse espaço amazônico, a qual se
inscreve também, enquanto um campo de produção simbólica, como poderá através de
22

uma política cultural que se faça mais presente, continuar garantindo o direito ao
usufruto criativo dos múltiplos códigos culturais que essa prática permite.

CONCLUSÃO

Podemos concluir nesta pesquisa que a prática da Capoeira enquanto um traço


de cultura se evidência sob duas situações diferenciadas na contemporaneidade da vida
cultural amazônica. Primeiro a que reconhece a existência dessa prática enquanto um
direito cultural a ser mais evidenciado pelas políticas de promoção de cultura local e a
segunda como uma atividade que vem provendo a ampliação da participação social de
crianças e jovens nessa prática. Em outro nível de analise temos também o fato de que, a
prática da Capoeira permanece viva e tem se modificado, sendo transmitidas através da
roda de rua, que representa seu verdadeiro sentido simbólico de origem enquanto
expressão de modalidades diferentes da vida humana, e segundo, o de sua prática
cultural sobreviver em meio ao jogo do poder simbólico da cultura dominante, onde seu
papel vem sendo o de existir enquanto um microcosmo da luta simbólica, para se
transformar em uma prática que reafirma o fato, de existir modalidades de culturas que
resistem dentro desse campo que continua sígnico.
Nessa interconexão, mas que também se revela, ao mesmo tempo, uma forma de
resistência é que podemos evidenciar a prática cultural da Capoeira sendo praticada
principalmente entre as novas gerações em Rio Branco e no Acre contemporâneo. Nesse
sentido como lembra Huizinga (2000) o jogo ainda não perdeu esse caráter que lhe é
intrínseco, principalmente nesses tempos reinantes de poder simbólico em franco
desfecho na vida cultural amazônica, onde a capoeira segue como um traço presente
desse jogo, mantendo-se como elemento cultural a fundamentar a forma da vida social
na Rio Branco contemporânea.
23

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