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u pesquisa e desenvolvimento

DOI − http://dx.doi.org/10.4322/1809-7197.2020.98.0010

Avaliação do ciclo de vida do


concreto dosado em central
com base em dados
da indústria brasileira
FERNANDA BELIZARIO SILVA MARCELA RUSCHI MENDES SAADE GUSTAVO LONGARAY MORAGA
Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo Universidade Estadual de Campinas Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Universidade de São Paulo Universidade de Sherbrooke (Canadá) Universidade de Ghent (Bélgica)

OLGA SATOMI YOSHIDA VANESSA GOMES ANA PASSUELLO


LUCIANA ALVES DE OLIVEIRA Universidade Estadual de Campinas Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo

MARISTELA GOMES DA SILVA VANDERLEY JOHN


Universidade Federal do Espírito Santo Universidade de São Paulo

RESUMO 1. INTRODUÇÃO desempenho ambiental na construção.

A
partir de inventários do O concreto é o segundo produ- Suas vantagens incluem a capacidade
ciclo de vida de seis fa- to mais consumido no mundo, atrás de cobrir todo o ciclo de vida do produ-
bricantes brasileiros de apenas da água. Sua larga escala de to e expressar o desempenho ambiental
cimentos e de 34 centrais dosadoras produção requer uma grande quan- em indicadores quantitativos, abrangen-
de concretos, bem como de dados tidade de recursos e gera impactos do múltiplas categorias de impacto am-
primários da produção de agregados, ambientais relevantes. O cimento, um biental. Para isso, elabora-se o inventá-
escória de alto-forno e argila calcina- dos principais constituintes do con- rio do ciclo de vida (ICV) do produto, que
da, calcularam-se os indicadores de creto, é responsável por 6% das emis- é a quantificação dos fluxos de massa
impactos ambientais de concretos sões globais de gases de efeito estufa e energia em cada etapa do seu ciclo
brasileiros para a Avaliação do Ciclo (SCRIVENER; JOHN; GARTNER, 2016). de vida, os quais são combinados e
de Vida do berço ao portão. Os resul- Por outro lado, a indústria brasileira pos- convertidos em diversos indicadores de
tados do estudo indicam grande varia- sui um dos menores índices de emis- impacto ambiental, tais como: potencial
bilidade entre os fornecedores – o que são de CO2 por tonelada de cimento de aquecimento global, acidificação,
demonstra que a seleção de fornece- no mundo (CEMENT SUSTAINABILITY eutrofização, entre outros (ver item 2.2).
dores é uma estratégia fundamental INITIATIVE, 2017). Reduzir os impactos A ACV é normatizada pela ABNT NBR
para mitigar os impactos ambientais ambientais do concreto exige a ação ISO 14040 (ABNT, 2009a) e ABNT NBR
na construção – e sua disparidade de diversos integrantes da cadeia pro- ISO 14044 (ABNT, 2009b).
em relação aos impactos ambientais dutiva, orientada por ferramentas que Entretanto, a quantidade necessá-
de concreto similar da base de dados permitam medir esses impactos de ria de medições para elaborar um ICV é
ACV ecoinvent – mostrando a impor- forma confiável. grande e requer informações de diversos
tância dos dados brasileiros para o A Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) agentes ao longo da cadeia produtiva.
cálculo da ACV. é o método mais aceito para medir o Esses fatos tornam o custo e o tempo

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Entradas Processos unitários pertencentes ao Saídas
(processos a montante) sistema de primeiro plano (SRI) (processos a jusante)

Clínquer

Escória granulada de
para elaboração do ICV elevados, o que Água alto forno
Emissões
atmosféricas
Argila
explica as limitações de estudos de ACV calcinada
(medidas)

de concreto no Brasil – alguns utilizam Matérias primas depende da composição do


cimento

Transporte
dados secundários internacionais, en- Transporte
(distância BR) Emissões
Resíduos atmosféricas
quanto outros consistem em estudos de (coprocessamento) (calculadas)
Cimento
caso com baixa representatividade esta-
Combustíveis
tística, ou cobrem apenas uma categoria Areia de cava
Efluentes
Transporte
de impacto ambiental (potencial de aque- Areia de rio
Materiais
cimento global). O uso de dados pouco auxiliares
Brita Resíduos
representativos, via de regra, leva a con- Energia elétrica Transporte sólidos para
(BR) tratamento
clusões erradas, que podem até influen- Transporte
(distância BR)

ciar políticas públicas contraproducentes.


Concreto
O presente artigo apresenta e dis-
cute os resultados de ACV do concreto
dosado em central, baseados em da- Legenda

dos primários de fabricantes brasilei- Entradas e saídas da


Processos / fluxos Entradas sem impactos
Entradas e saídas da tecnoesfera / outros Processos unitários com
parcialmente adaptados ambientais associados
ros de cimento, concreto e agregados. natureza processos unitários
(ecoinvent)
dados brasileiros
(ecoinvent / dados BR) (cut-off)

Esses dados possuem grande repre-


sentatividade no cenário nacional, es-
u Figura 1
pecialmente para o cimento, o que só Fronteira da ACV do concreto dosado em central. Algumas entradas e
foi possível graças à colaboração de saídas são comuns a diversos processos e, para simplificar a representação
diversas empresas que concordaram gráfica, elas foram conectadas ao quadro tracejado referente ao conjunto de
processos inventariados no projeto SRI
em compartilhar suas informações. A
pesquisa contou com apoio do pro-
grama SRI – Sustainable Recycling A fronteira da ACV se estende da da produção dos materiais, os transpor-
Industries1, financiado pelo governo extração dos recursos naturais ao por- tes do cimento, da areia e da brita até
suíço, e os inventários de ciclo de vida tão de saída da central de concreto, a central de concreto foram modelados
dos produtos brasileiros foram incorpo- conforme ilustra a Figura 1. O trans- com base nos modais e distâncias de
rados à versão 3.6 da base de dados de porte do concreto até a obra e demais transporte informados pelos fabricantes.
ACV ecoinvent2, podendo ser acessa- atividades não estão inclusos. Os inventários do clínquer e dos ci-
dos pelo site: mentos contaram com dados de seis
https://ecoquery.ecoinvent.org/. 2.1 Elaboração do inventário fabricantes, que juntos correspondem a
do ciclo de vida 70% da produção nacional. A alta co-
2. MÉTODO bertura de dados para os cimentos torna
O método de pesquisa baseou- A coleta de dados primários de inven- o estudo muito robusto, posto que o ci-
-se nas orientações das normas téc- tário da indústria brasileira contemplou mento é o componente que mais contri-
nicas de ACV (ABNT, 2009a, 2009b) os materiais listados na Tabela 1, que bui para os impactos ambientais do con-
e da diretriz de qualidade de dados da também apresenta a unidade em relação creto. O inventário de concreto dosado
1 of 1
ecoinvent (WEIDEMA et al., 2013), confor- à qual os inventários foram elaborados e em central contou com a participação
me registrado no relatório do projeto SRI a cobertura em termos da produção na- de sete empresas e 34 centrais de dez
(SILVA et al., 2018) e resumido a seguir. cional estimada para cada material. Além estados brasileiros. O nível de cobertura

Projeto financiado pela Secretaria Suíça de Assuntos Econômicos (SECO) e executado por um grupo de especialistas em ACV do Brasil alocados no IPT, UNICAMP, USP,
1

UFRGS e UFES.

Base de dados de origem suíça, com abrangência internacional, que disponibiliza inventários de ciclo de vida de produtos pertencentes a vários setores da economia.
2

Disponível em: www.ecoinvent.org

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u Tabela 1 – Materiais para os quais foram desenvolvidos inventários de ciclo de
vida com base em dados brasileiros no âmbito do projeto SRI

Produto Unidade Cobertura


ferentes aos anos de 2016 e 2017, ou
70% da produção nacional (em
Clínquer 1 kg seja, antes da entrada em vigor da nova
massa)
norma brasileira de cimentos, ABNT
CP-II-E
NBR 16697 (ABNT, 2018). Esta norma
CP-II-F
altera os limites de adições nos cimen-
CP-II-Z
70% da produção nacional tos, afetando seu impacto ambiental.
Cimentos CP-III 1 kg
(em massa) Espera-se organizar em breve uma re-
CP-IV
visão deste estudo junto à indústria.
CP-V-ARI
Para cada fluxo unitário de processo
CP-V-RS
(por exemplo, consumo de eletricidade
CP-II-E
25 MPa por quilograma de produto), calcula-
CP-II-F
(C25) ram-se a média ponderada e o desvio
CP-III
padrão ponderado entre fábricas/cen-
CP-II-E
30 MPa trais de produção. Nos casos de dados
CP-II-F
(C30) obtidos de apenas um fabricante, ado-
Concreto CP-III 3% a 10% da
dosado 1 m³ produção nacional tou-se o único valor disponível.
em central CP-II-E (em volume)
35 MPa Para compor o inventário do ciclo de
CP-II-F
(C35) vida do concreto dosado em central, além
CP-III
dos processos descritos anteriormente,
CP-II-E
40 MPa são necessários processos referentes à
CP-II-F
(C40) produção de combustíveis, de eletricida-
CP-III
de, entre outros (vide itens destacados
Concreto com fibras 1 m³ Dados de um fabricante
em cinza na Figura 1). Esses processos
Escória granulada de alto-forno 1 kg Dados de um fabricante
foram modelados utilizando-se inventá-
Argila calcinada 1 kg Dados de um fabricante
rios da base de dados ecoinvent, versão
Areia Cava 1 kg Dados de uma cava
3.4, com o sistema de alocação “cut-off
Areia Rio 1 kg Dados de um porto e de literatura
by classification”, que não atribui cargas
Brita 1 kg Dados de três pedreiras
ambientais a matérias-primas constituí-
das de resíduos de outros processos (por
variou entre 3% e 10% do volume de pro- cação das informações reportadas. Os exemplo, no coprocessamento).
dução nacional, dependendo da resis- dados incluíram:
tência do concreto e do tipo de cimento. u Composição dos produtos; 2.2 Avaliação dos
Os inventários de agregados, escória de u Consumo de matérias-primas; indicadores ambientais
alto forno e argila calcinada se basearam u Consumo de materiais auxiliares
em dados de unidades de produção es- (por exemplo, óleo lubrificante); Para ilustrar os resultados de um es-
pecíficas, devido a limitações de recursos u Consumo de combustíveis; tudo de ACV, apresentam-se os indica-
do projeto; contudo, eles foram elabora- u Consumo de eletricidade; dores de impacto ambiental requeridos
dos porque os processos de fabricação u Consumo de água; para Declarações Ambientais de Produto
existentes na base de dados ecoinvent u Geração de resíduos sólidos; (ou Environmental Product Declarations –
são muito diferentes dos brasileiros, so- u Geração de efluentes; EPDs) conforme a EN 15804 (DIN, 2014)
bretudo para os agregados. u Emissões atmosféricas; (as siglas referem-se às abreviaturas das
Os fabricantes forneceram dados u Produção correspondente ao categorias de impacto em inglês):
relativos a 12 meses de produção, em período avaliado, para possibili- u GWP – Potencial de aquecimen-
formulários padronizados, utilizando tar o cálculo dos fluxos unitários to global: causado pela emissão
um sistema que protege a identidade (ex.: kWh/kg de produto). de gases de efeito estufa, entre os
dos fabricantes, mas permite a verifi- O estudo se baseou em dados re- quais o CO2;

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500 0,25

400 0,20

POCP (kg C2H4 eq./m³)


GWP (kg CO2 eq./m³)
300 0,15

u POCP – Potencial de oxidação fo- 200 0,10

toquímica: formação de ozônio nos 100 0,05

níveis mais baixos da atmosfera 0 0,00


C25 C30 C35 C40 C25 C30 C35 C40

por reações químicas entre poluen- (a) (b)


tes, causando problemas respira- 3,0 0,5

tórios em seres humanos e danos 2,5


0,4

EP (kg fosfato eq./m³)


ao ecossistema;

AP (kg SO2 eq./m³)


2,0
0,3

u AP – Potencial de acidificação: tam- 1,5


0,2
bém conhecido como “chuva ácida”, 1,0

0,1
causado pela emissão de poluentes 0,5

0,0
como o dióxido de enxofre (SO2); C25 C30 C35 C40
0,0
C25 C30 C35 C40

(c) (d)
u EP – Potencial de eutrofização:
2,5E-5 3,0E-5
aumento exagerado de nutrientes
2,5E-5
(nitrogênio e fósforo) em corpos 2,0E-5
ODP (kg CFC-11 eq./m³)

ADP-e (kg Sb eq./m³)


2,0E-5
d’água, ocasionando o crescimento 1,5E-5
1,5E-5
de algumas algas e a mortandade 1,0E-5
1,0E-5
de organismos aquáticos por falta 5,0E-6
5,0E-6
de oxigênio;
0,0E+0 0,0E+0
C25 C30 C35 C40 C25 C30 C35 C40
u ODP – Potencial de destruição da ca-
(e) (f)
mada de ozônio: causada pela emis-
1500 900
são de compostos halogenados que
1250 750
destroem o ozônio da estratosfera,
ADP-f (MJ eq./m³)

1000 600
como os clorofluorcarbonos (CFCs);
WC (L/m³)

750 450

u ADP-f – Potencial de esgotamen- 500 300

to de recursos abióticos fósseis, 250 150

causado pelo consumo de recur- 0 0


C25 C30 C35 C40 C25 C30 C35 C40
sos fósseis como matéria-prima (g) (h)
ou combustível;
u ADP-e – Potencial de esgotamento u Figura 2
de recursos abióticos não fósseis, que Indicadores de potencial de impacto ambiental e de consumo de água do
concreto, apresentados por classe de resistência do concreto e tipo de
relaciona o consumo de minerais com
cimento: a) GWP — aquecimento global; b) POCP — oxidação fotoquímica;
sua disponibilidade na crosta terrestre. c) AP — acidificação; d) EP — eutrofização; e) ODP — destruição da camada
Para converter os fluxos de de ozônio; f) ADP-e — esgotamento de recursos abióticos não fósseis;
inventário nos indicadores de impacto, g) ADP-f — esgotamento de recursos abióticos fósseis; h) WC — consumo
adotou-se o modelo de caracterização
de água. As faixas de valores correspondem ao intervalo de confiança
de 95% das variações entre fabricantes, exceto para o consumo de água
“CML-IA baseline” (versão 4.2, de abril (apenas valores médios)
de 2013).
Analisou-se, também, a quantidade
de água consumida (WC) na produ- ou direcionada ao sistema de tratamen- software Simapro (versão 8.5). A esti-
ção do cimento, da escória granulada to de esgoto, por serem fluxos que po- mativa de incertezas foi feita por meio
de alto-forno, da areia, da brita e do dem não retornar à mesma bacia hidro- da simulação de Monte Carlo, com
concreto, sem incluir os processos a gráfica, conforme definição da ABNT 1.000 iterações; por não ser possível a
montante. Considerou-se como “água NBR ISO 14046 (ABNT, 2017). propagação de incertezas do indicador
consumida” a água incorporada no A compilação dos inventários de ci- de consumo de água, são apresenta-
produto, evaporada no processo (por clo de vida e o cálculo dos resultados dos apenas seus valores médios. As
exemplo, no resfriamento do clínquer) de impacto foram feitos por meio do faixas de valores apresentadas neste

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artigo se referem aos limites do interva- Há também uma tendência de au- isso, é necessário que inventários
lo de confiança de 95%. mento do impacto com o aumento do de ciclo de vida, com abrangência
teor de clínquer do cimento, para a nacional, declarem sua variabilidade
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO maioria das categorias de impacto (em com base em amostras representa-
A Figura 2 apresenta as faixas de média, o CP-III contém 40% de clín- tivas de fabricantes. Também é im-
valores referentes aos potenciais im- quer, o CP-II-E 66% e o CP-II-F 89%). portante que cada fabricante declare
pactos ambientais do concreto dosado Entretanto, se for considerada a varia- seu impacto ambiental, para possi-
em central, por classe de resistência do bilidade dos resultados, as faixas de bilitar a seleção de fornecedores de
concreto e por tipo de cimento, bem impacto ambiental se sobrepõem, o materiais de construção com base
como os valores médios de consumo que mostra que o uso de cimentos com em critérios ambientais.
de água do concreto. maior teor de adições não é suficiente A Figura 4 apresenta a contribuição
Observa-se uma tendência de au- para mitigar os impactos ambientais relativa dos diferentes processos para
mento do impacto ambiental, por m , 3
do concreto, apesar dessa estratégia os resultados de impacto do concreto
com o aumento da classe de resistên- ser indicada em guias de construção de 30 MPa com cimento CP-II-E, para
cia do concreto. Entretanto, concretos sustentável, como a certificação LEED possibilitar uma melhor compreensão
de maior resistência à compressão pos- (Leadership in Energy and Environ- dos resultados de ACV. Os demais con-
sibilitam reduzir a área de seção trans- mental Design) (USGBC, 2014). Por cretos apresentam resultados de con-
versal do elemento estrutural para uma exemplo, é possível que um concre- tribuição relativa similares.
mesma capacidade resistente, permi- to com CP-II-F (máximo 10% de adi- A produção do cimento contribui
tindo redução do volume de concreto. ções) tenha menor impacto do que um com a maior parte dos potenciais
A divisão do impacto pela resistência concreto com CP-II-E (mínimo 6% de de aquecimento global, oxidação fo-
aos 28 dias do concreto demonstra adições) e que este, por sua vez, apre- toquímica e de acidificação do con-
que aumentar a resistência do concreto sente impacto menor do que um con- creto, bem como para seu potencial
pode resultar em uma melhor eficiência creto dosado com CP-III (mínimo 35% de eutrofização. A principal causa
ambiental, como mostra a Figura 3. En- de adições). desses impactos são as emissões at-
tretanto, essa redução depende do tipo Há, portanto, outras variáveis a mosféricas da produção de cimento,
de esforço e não é foco deste trabalho, serem consideradas, como as dife- sobretudo CO2, NOx, SO2 e CO, sen-
que apresenta índices por m³. renças de dosagem entre centrais do que a emissão de CO2 é de duas
de concreto e de composição e a três ordens de grandeza superior às
produção dos cimentos entre fa- demais, o que explica a importância
14,0
bricantes. Essas diferenças fazem do potencial de aquecimento glo-
12,0
com que, por exemplo, o potencial bal para produtos cimentícios. Para
Intensidade de carbono eq.
[kg CO2 eq./(m³*MPa)]

10,0
de aquecimento global de um con- a oxidação fotoquímica, há também
8,0
creto de 30 MPa possa variar entre a contribuição das emissões de CO
6,0
128 e 348  kg  CO2  eq./m³, ou seja, provenientes da pirólise da madei-
4,0
uma variação de 220 kg CO2 eq./m³, ra para produção do carvão vegetal,
2,0

0,0
que corresponde a 1,76  t  CO2  eq. usado como combustível em algumas
C25 C30 C35 C40
em um caminhão betoneira com 8 fábricas de cimento. Como a indústria
m³ de concreto. Outras categorias do cimento monitora esses poluen-
u Figura 3
de impacto apresentam variabilidade tes continuamente, foi possível cal-
Indicador de intensidade de carbono
equivalente em função da resistência ainda maior. Esses resultados mos- cular esses indicadores de impacto
do concreto, apresentados por classe tram a importância de considerar as com alto nível de representatividade
de resistência do concreto e tipo variações de impacto ambiental en- de dados primários; entretanto, essa
de cimento. As faixas de valores
tre fabricantes na tomada de decisão não é a realidade de outros setores
correspondem ao intervalo de confiança
de 95% da variação entre fabricantes (apesar de muitos estudos de ACV só industriais, para os quais a avaliação
considerarem valores médios). Para das categorias de impacto exigidas

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100%

90%

80%

70%
por EPDs pode representar um custo
60%
adicional.
50%
A produção de brita contribui para
40%
os potenciais de acidificação e de eu-
30%
trofização do concreto, devido a emis- 20%
sões decorrentes do uso de explosivos 10%
no desmonte de rocha, enquanto a 0%
GWP POCP AP EP ODP ADP-e ADP-f WC
produção de areia apresenta contri-
Produção do cimento (emissões diretas) Produção do cimento (demais impactos)
buições relativas baixas. O potencial Produção da brita Produção da areia

de esgotamento de recursos abióticos Produção do aditivo Transporte das matérias-primas


Produção dos materiais auxiliares Produção do concreto na central
fósseis é influenciado pelo consumo Água do traço do concreto

de derivados de petróleo, que também


contribui para o potencial de destruição u Figura 4
da camada de ozônio, devido ao uso Contribuição relativa de diferentes processos para os resultados de potencial
de compostos halogenados em subs- de impacto e de consumo de água para o concreto de 30 MPa com cimento
tâncias extintoras usadas em platafor- CP-II-E. Legenda: GWP: aquecimento global; POCP: oxidação fotoquímica;
AP: acidificação; EP: eutrofização; ODP: destruição da camada de ozônio;
mas de petróleo (segundo a ecoinvent). ADP-e: esgotamento de recursos abióticos não fósseis; ADP-f: esgotamento
O aditivo apresenta uma contribuição de recursos abióticos fósseis; WC: consumo de água
notável para o esgotamento de recur-
sos abióticos fósseis, considerando da cadeia de produção do concreto. dados de ACV brasileira para melhorar
sua baixa proporção em massa no Os resultados demonstram a im- a qualidade dos dados.
concreto. O esgotamento de recursos portância dos primários tanto para o
abióticos não fósseis é fortemente in- concreto quanto para os seus insumos, 4. CONCLUSÕES
fluenciado pelo consumo de metais, pois grande parte dos impactos se ori- Este estudo apresenta indicadores
como em peças de reposição de ma- gina na produção das matérias-primas. ambientais para concretos dosados em
quinário industrial. Observa-se que, A comparação entre os resultados de central, com base em um volume ex-
apesar dos minerais consumidos na impacto do concreto baseado em da- pressivo de dados primários brasileiros,
produção do concreto (calcário, areia, dos brasileiros e um concreto similar fornecendo, assim, informações confiá-
granito, basalto) serem globalmente existente na base de dados ecoinvent, veis para orientar a tomada de decisão
abundantes, há escassez local, que com dados originalmente suíços (Figu- e a elaboração de políticas públicas. Tal
não é considerada por esse indicador ra 5), corrobora essa afirmação, posto resultado é fruto da colaboração entre
de consumo de recursos. que há grandes diferenças entre os re- institutos de pesquisa, universidades e
O consumo médio de água para sultados de impacto, sobretudo para indústrias. Os resultados demonstram
produção de concreto varia entre 559 as categorias de impacto influenciadas não apenas a importância, mas também
e 682 l/m³ dependendo do tipo de por poluentes atmosféricos, que são a viabilidade de ampliar a disponibilidade
concreto, sendo que apenas cerca de alvo de diferentes limites de emissão de dados de ACV de produtos de cons-
30% da água faz parte do traço. A la- em diferentes países. trução no Brasil, com base em informa-
vagem dos caminhões betoneira e a Os resultados obtidos são consis- ções que, em grande parte, já são mo-
limpeza da central contribuem com tentes com os poucos dados existentes nitoradas pelos fabricantes. Contudo,
28% do consumo de água, enquanto na literatura sobre ACV de concretos poucos setores industriais monitoram
a produção de cimento consome 23% brasileiros. Observa-se que o uso da tantos poluentes quanto o setor de ci-
da água total. Observa-se que esse é base de dados ecoinvent para os pro- mento, o que pode levar à necessidade
um aspecto ambiental importante, fre- cessos à montante introduz algumas de medições adicionais para fabricantes
quentemente não analisado em estu- inconsistências nos resultados, pois de outros produtos, ou à adoção de
dos convencionais de ACV, e que há são inventários internacionais, sendo abordagens mais simplificadas da ACV
oportunidades para mitigá-lo ao longo necessário desenvolver uma base de para que isso não seja um entrave.

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80% 73%

60% 52%

ecoinvent)/ecoinvent (%)
(Impacto BR - Impacto bilidade do processo produtivo e vida
40%
útil vão determinar o impacto ambien-
20% 17% tal da construção. Os resultados aqui
apresentados são parte dos dados ne-
0% cessários para a realização da ACV das
-5% estruturas e construções. Entre outros
-9% -10%
-20%
aspectos, ainda fazem falta inventários
-28% nacionais dos demais insumos, como
-40%
GWP POCP AP EP ODP ADP-e ADP-f aço, formas, além da normalização da
avaliação do ciclo de vida das constru-

u Figura 5 ções no Brasil.


Diferença relativa entre os resultados médios de impacto do concreto de 30
MPa e CP-II-E e do concreto “concrete production, for building construction, 5. AGRADECIMENTOS
with cement CEM II/B, Rest of the World” da base de dados ecoinvent. Ao Programa Sustainable Recycling
Legenda: GWP: aquecimento global; POCP: oxidação fotoquímica;
AP: acidificação; EP: eutrofização; ODP: destruição da camada de ozônio; Industries, ao ecoinvent Centre, à Se-
ADP-e: esgotamento de recursos abióticos não fósseis; ADP-f: esgotamento cretaria Suíça de Assuntos Econômi-
de recursos abióticos fósseis cos e à Fundação de Apoio ao IPT
(Fipt), pelo financiamento da coleta de
A grande variação de impacto am- benchmarks setoriais de desempenho dados. Aos fabricantes de materiais
biental entre fabricantes de um mesmo ambiental aos quais os fabricantes pos- e à Associação Brasileira de Cimento
tipo de concreto demonstra que a sele- sam se comparar para melhorar seus Portland (ABCP), pela disponibiliza-
ção de fornecedores é uma estratégia processos. Entretanto, tais medições ção dos dados primários brasileiros.
fundamental para mitigar os impactos só serão realizadas se houver uma mo- À USP, Unicamp, UFES e UFRGS, por
ambientais na construção, sendo inclu- bilização da cadeia da construção para possibilitar a participação dos pes-
sive mais efetiva do que algumas regras inserir o desempenho ambiental como quisadores no projeto SRI. Ao CNPq
de construção sustentável, como a critério de decisão, incluindo projetis- (306045/2018-4, Ana Passuello;
definição do tipo de cimento. Isso, tas, incorporadores, construtores e for- 465593/2014-3, Vanderley John).
por sua vez, requer que cada fabri- muladores de políticas públicas. À FAPESP (2014/50948-3, Vanderley
cante meça e reporte o desempenho Em termos práticos, decisões de John). Ao INCT CEMTec Tecnologias Ci-
ambiental do seu produto, e que haja projeto, qualidade de execução, varia- mentícias Ecoeficientes Avançadas.

u REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR ISO 14040: Gestão ambiental - Avaliação do ciclo de vida - Princípios e estrutura. Rio de Janeiro:
ABNT, 2009a.
[2] ____. ABNT NBR ISO 14044: Gestão ambiental - Avaliação do ciclo de vida - Requisitos e orientações.Rio de Janeiro: ABNT, 2009b.
[3] ____. ABNT NBR ISO 14046: Gestão ambiental - Pegada hídrica - Princípios, requisitos e diretrizes. Rio de Janeiro: ABNT, 2017.
[4] ____.ABNT NBR 16697: Cimento Portland - Requisitos. Rio de Janeiro: ABNT, 2018.
[5] CEMENT SUSTAINABILITY INITIATIVE. Getting the Numbers Right (GNR) Project - Reporting CO2. 2017. Disponível em: https://gccassociation.org/gnr/. Acesso em:
28 jan. 2020.
[6] DEUTSCHES INSTITUT FÜR NORMUNG. EN 15804:2012+A1:2013: Sustainability of construction works - Environmental product declarations - Core rules for the
product category of construction products. Berlim: DIN, 2014.
[7] SCRIVENER, K..; JOHN, V. M.; GARTNER, E. M. Eco efficient cements: potential, economically viable solutions for a low-CO2, cement-based materials industry. Paris:
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[8] SILVA, F. B.et al. Life Cycle Inventories of Cement, Concrete and Related Industries - Brazil. Zurich: Ecoinvent Association, 2018. Disponível em: https://www.
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[9] UNITED STATES GREEN BUILDING COUNCIL. LEED v4 para projeto e construção de edifícios. Atualizado em 1º de outubro de 2014. Disponível em: https://www.
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[10] WEIDEMA, B. P.et al. Overview and methodology: Data quality guideline for the ecoinvent database version 3.St. Gallen: Swiss Center For Life Cycle Inventories, 2013.

CONCRETO & Construções | Ed. 98 | Abr – Jun • 2020 | 97

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