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Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o

DOIS

No texto
anterior, deixei a interrogação: O Um é
Único e Singular. Sendo assim, e uma
vez que Um é o princípio que tudo
origina, como é que Um se torna
muitos?

Segundo a Filosofia Pitagórica, o UM


transforma-se em DOIS refletindo-se a
si próprio e separando-se, original e
reflexo, através do movimento ilustrado
pela imagem acima. Note-se que, com
esse movimento, o centro do círculo
define uma linha reta. Atente-se na
ligação, que os pitagóricos faziam, da
essência dos números à Geometria.
Através da essência do UM
apreendemos o ponto. Com a essência
do DOIS deparamos com a linha reta.

À figura acima reproduzida, e que, para


os pitagóricos, correspondia à
representação gráfica do DOIS,
chamavam estes a díade e esta
representava o princípio da dualidade
ou da diversidade. Essencial à díade era
a polaridade, que ocorre em toda a
parte e que está na origem da nossa
noção de separação um do outro, da
natureza e da nossa própria divindade.

A díade ilustra a divisão, logo, a


separação da unidade, mas os seus
polos opostos (os centros de cada um
dos círculos) atraem-se um ao outro,
numa tentativa de se fundirem e
regressarem à unidade. A díade
simultaneamente divide e une, repele e
atrai. A díade é o meio de passagem
entre o UM e muitos. Se o UM é o
Princípio Criador estático, o DOIS
ilustra a dinâmica da criação. Se nada
existia, como criar a partir do nada?
Utilizando o único "material"
disponível: o próprio Criador, que se
divide e separa, Dele próprio criando o
Tudo. A Criação é o reflexo do Criador.
O DOIS representa a ação do Criador a
ponte, a ligação entre este e o que foi
criado. O DOIS é assim a representação
da dualidade que em tudo no Universo
existe, a dupla natureza do criado que
provém do Criador, Dele separado, mas
para Ele sempre irremediavelmente
atraído.

O UM é o Princípio Criador e simboliza


o Masculino, a força ativa que gera a
Criação. O DOIS simboliza o Feminino,
a força passiva resultante do ato de
criação e simultaneamente condição
indispensável a esta e à vida. Note-se
que, na imagem gerada pela
sobreposição dos dois círculos, o espaço
comum destes tem a forma de uma
vulva. O DOIS é assim também
associado à fertilidade e ao Feminino
Divino.
O UM é a Força Criadora em potência;
o DOIS é o ato concretizador dessa
potência. O UM é imóvel; o DOIS é
movimento. O UM é absoluto, o DOIS é
relativo. O UM é o Tudo sincrético; o
DOIS é o Tudo analítico, dotado de
diversidade. É através do DOIS que o
UM gera os demais números. Assim,
para os pitagóricos, o UM e o DOIS
eram considerados os pais de todos os
outros números.

A imagem que simboliza o DOIS


pitagórico não é exclusiva destes. Esta
forma de dois círculos que se
sobrepõem aparece desde tempos
imemoriais. É também designada
por vesica piscis(bexiga de peixe, em
latim). Na Índia chamam-
lhe mandorla (amêndoa). Esta imagem
aparece em várias civilizações antigas
da Mesopotâmia, África e Ásia, sempre
associada ao processo da Criação.
A Maçonaria, mais especificamente o
Rito Escocês Antigo e Aceite, ensina,
relativamente ao número DOIS, que a
razão humana divide e confina
artificialmente o que é UM e não tem
limites. Assim, a unidade é repartida
entre dois extremos, aos quais só as
palavras prestam uma certa aparência
de realidade.

O conceito abstrato de DOIS dos


pitagóricos, enquanto manifestação
atual (em ato) do Princípio Criador,
dualidade fecunda que da potência do
UM gera o Tudo, que, assim, se reveste
das características da dualidade e da
polaridade (dia/noite; bem/mal;
masculino/feminino; luz/escuridão;
branco/negro; repouso/movimento)
evolui, na conceção maçónica, no meu
entender, e tal como sucedeu com o UM
para uma corruptela mais concreta: a
perceção humana da Criação; a
separação artificial, imprescindível à
compreensão pelo Homem do
Incompreensível Mistério da Criação,
em contraposição ao ilimitado e total
UM; a dualidade como degradação,
separação, divisão artificial do que é
real, mas incompreensivelmente, único
e uno.

Afigura-se-me, pois, que, tal como


sucedeu em relação ao UM, a
interpretação maçónica do DOIS é uma
corruptela, uma simplificação, uma
visão parcial e limitada, do
ensinamento pitagórico, decorrente das
alterações, perdas, usuras do tempo,
decorridas desde o tempo dos
pitagóricos e o século XVIII. Mas o
princípio de base está lá: os pitagóricos
viam o UM e o DOIS como os pais de
todos os números; os maçons vêem-nos
como geradores do número que se lhes
segue.

Fontes:
Rito Escocês Antigo e Aceite, Ritual de
Aprendiz

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