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34 viajante que, por acaso, passava por esse Portal. Por isso,
não vou prendê-la nem incomodá-la. Basta que me conte
o que estava fazendo na galeria numa hora dessas.
Nisso, a velha arregalou ainda mais os olhos e fixou-
os no servo. Encarava-o com um olhar penetrante, as
pálpebras vermelhas como as de aves de rapina. E a se-
guir, como se estivesse mastigando, moveu uns lábios que
quase se confundiam com o nariz devido ao número de
rugas. Em seu pescoço descarnado notava-se um pontia-
gudo pomo-de-adão que se agitava. Foi naquele instante
que uma voz grasnada, como a de um corvo, se fez ouvir
num arquejo:
– Estou arrancando estes cabelos, sabe?. . . Estes
cabelos. . . pensando em fazer perucas. . .
O servo ficou desapontado com a resposta, inesperada-
mente banal. E, com o desapontamento, sentiu retornar
ao seu íntimo o ódio anterior, mas dessa vez acrescido de
frio desprezo. A mudança de ânimo foi notada pela velha,
que, ainda segurando os cabelos compridos que arrancara
do cadáver, gaguejou, como se coaxasse baixinho:
– Pois é. . . Arrancar cabelos dos cadáveres pode ser
errado. Mas todos os mortos que estão aqui, sem exceção,
bem o merecem. Essa mulher, por exemplo, de quem
arranquei os cabelos, costumava vender cobra seca por
peixe seco nas guaritas dos vigias do Palácio. Ela cortava
as cobras em pedaços de meio palmo e as secava. Se não
tivesse morrido na epidemia, certamente ainda estaria fa-
zendo a mesma coisa. E note que os guardas achavam os
peixes muitos saborosos e sempre compravam dela. Para
mim, o que ela fazia não era ruim. Não tinha outro jeito,
Setembro de