Você está na página 1de 296

Resultados da Pesquisa

A REFORMA DO DIREITO PROBATÓRIO NO PROCESSO CIVIL


BRASILEIRO - SEGUNDA PARTE

Anteprojeto do Grupo de Pesquisa "Observatório das Reformas Processuais" Faculdade


de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Revista de Processo | vol. 241/2015 | p. 111 - 201 | Mar / 2015
DTR\2015\2123

Márcio Carvalho Faria


Mestre e Doutorando em Direito Processual (UERJ). Professor Assistente (UFJF).
Advogado.
 
Mauricio Vasconcelos Galvão Filho
Mestre em Direito Processual (UERJ). Advogado.
 
Guilherme Kronemberg Hartmann
Mestre e Doutorando em Direito Processual (UERJ). Coordenador do Escritório Modelo
Cível (UERJ). Professor (EMERJ, UNESA, UCAM). Advogado.
 
Clarissa Diniz Guedes
Doutora e Mestre (UERJ) em Direito Processual (USP). Professora Adjunta (UFJF).
 
José Aurélio de Araújo
Mestre e Doutorando em Direito Processual (UERJ). Professor Substituto (UERJ).
Defensor Público.
 
Franklyn Roger Alves Silva
Mestre em Direito Processual (UERJ). Professor Auxiliar (UCAM). Defensor Público.
 
Área do Direito: Processual

Resumo: Relatório final da pesquisa sobre a reforma do direito probatório do grupo de


pesquisa "Observatório das Reformas Processuais", da Faculdade de Direito da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, acompanhado de Anteprojeto de lei e
contribuições externas recebidas durante a discussão pública.

 Palavras-chave:  Anteprojeto - Reforma - Direito probatório - Processo civil brasileiro.

Abstract: Final report about the reform of the evidence law in the Brazilian Civil
Procedure context, derived from the work developed by the research group "Procedure
Reforms Observatory", at the Law Faculty of Rio de Janeiro State University, with a
legislative proposal and external contributions of the public discussion.

 Keywords:  Legislative proposal - Reform - Evidence law - Brazilian civil procedure.

Sumário:  

    Página 1
Resultados da Pesquisa

- TÍTULO I– Disposições gerais


 

Recebido em: 08.09.2014

Aprovado em: 15.10.2014

TÍTULO I – Disposições gerais

Capítulo I – Objeto e finalidade da prova; meios de prova; deveres das partes e


de terceiros

1. Generalidades. O Anteprojeto ora apresentado resulta de uma reflexão coletiva


quanto à necessidade de reforma do Direito Probatório 1 no Processo Civil brasileiro,2
partindo-se da premissa de que qualquer proposta de reforma de institutos de uma
ciência não pode se esquecer da história 3 do instituto processual sob análise no direito
pátrio e comparado.4

No direito brasileiro, as Exposições de Motivos dos Códigos de Processo Civil de 1939 e


de 19735 servem como marcos históricos que esclarecem, em parte, as matizes
doutrinárias e jurisprudenciais das normas jurídicas constantes daqueles Diplomas
Processuais, valendo como pontos de análise sobre a evolução do pensamento
processual pátrio.

O estudo sobre o Direito Probatório neste Anteprojeto tem início pelo tratamento de
algumas questões essenciais, quais sejam: (1) o objeto 6-7-8 da prova;9 (2) a finalidade10-
11
da prova;12 (3) os meios de prova; 13-14 (4) os direitos e deveres das partes quanto à
prova; e, (5) os direitos e deveres de terceiros em relação à prova; todas elas tratadas
nos 8 (oito) artigos iniciais do texto, naquilo que restou definido como “Disposições
Gerais”.

Sucede, todavia, que pouco ou nada adiantaria apresentar um Anteprojeto de Reforma


que se embasasse nas mesmas premissas adotadas pela lei vigente. Não é, obviamente,
o que aqui se pretende.

Isso porque, como é cediço, o Direito Processual passa atualmente por profundas
transformações, estando, como asseveram Carlos Alberto Alvaro de Oliveira 15e Daniel
Francisco Mitidiero,16 em uma “quarta fase metodológica”, na qual o instrumentalismo
avança para o formalismo-valorativo,17 em que há o aprimoramento das relações entre
processo e Constituição, deixando-se, aquele, de atender aos ditames frios das leis para
ceder espaço às exigências do devido processo constitucional, não parece haver lugar
para formalismos vazios, utilização de expedientes burocráticos, prática de chicanas e
artimanhas processuais, emprego de “técnicas” duvidosas voltadas à procrastinação da
lide e do próprio direito que, claramente, outrem possui.

Trata-se, em síntese, da necessidade de se interpretarem as regras processuais com os


óculos da Constituição,18 vez que o processo existe para implementar os direitos

    Página 2
Resultados da Pesquisa

fundamentais e, nesse mister, não pode, obviamente, deixar de atender às garantias


indispensáveis a um processo justo.19

Não se permite, dessa feita, que o processo sirva como instrumento de dificuldade ou
entrave à satisfação do direito material, através do manejo, por um causídico mais bem
preparado,20 de expedientes obscuros e de pouca ou nenhuma valia para a solução do
conflito das partes posto sob análise.

O processo não pode mais ser visto como um jogo, 21 no qual as partes, seus
procuradores, os julgadores e todos os demais sujeitos da relação apresentem
desconfianças mútuas e individualismos injustificados, a pretexto de melhor atender aos
interesses individuais.

Como bem alertou Luigi Paolo Comoglio, 22 ao fazer menção a James Goldschimidt, o
processo não é um instrumento amoral, e deve, certamente, tomar por consideração não
só a atuação de cada um de seus atores mas, e principalmente, o respeito à boa-fé
objetivamente considerada.23

O processo, assim, não pode ser um palco de horrores, no qual tudo seria permitido a
fim de que aquele litigante mais hábil, mais perspicaz ou até mesmo mais ardiloso saísse
vitorioso; não pode, nos dias atuais, ser entendido como coisa das partes, como meio
privado.

As funções fundamentais do processo de (1) dirimir conflitos, de (2) fazer atuar a tutela
jurisdicional e, principalmente, de (3) mecanismo de concretização de direitos, tornam-
no res publica, a qual não pode ser deixada, livremente, ao talante das partes.

Não mais se tolera que as regras desse jogo sejam utilizadas ao bel-prazer dos seus
operadores, sem que se sejam respeitadas as garantias e, principalmente, para o que
nos interessa, o fair play processual:24 só assim se pode falar em processo justo.25

Nessa toada, e como não poderia ser diferente, como assevera José Rogério Cruz e
Tucci,26 o Direito Probatório se insere, sendo imperiosas mudanças legislativas que
pudessem abarcar todas essas premissas.27

Assim, o presente Anteprojeto de lei adotou as seguintes regras-força:

i) ampla liberdade probatória a permitir, verdadeiramente, a descoberta da verdade (art.


2.º), o que implica numa postura tolerante do magistrado e das próprias partes em
todas as fases probatórias (art. 1.º);

ii) redefinição das limitações probatórias legítimas (art. 2.º);

iii) adoção expressa do dever de colaboração entre todos os sujeitos e intervenientes do


processo (arts. 5.º e 6.º, IV);

iv) atuações preventiva e repressiva do juiz no controle da colaboração (art. 53); 28

v) reconhecimento da formação de título executivo judicial para as condenações relativas


às sanções processuais (art. 6.º, § 5.º);

vi) apuração e reconhecimento das sanções processuais e indenizações respectivas em

    Página 3
Resultados da Pesquisa

autos apartados, sem prejuízo do andamento regular do feito (art. 6.º, § 5.º);

vii) requerimento e desistência de quaisquer provas somente com justificativa analítica


(art. 21);

viii) produção antecipada de provas que se afigure extremamente custosa para a parte
contrária somente pode ser deferida se houver justificativa pertinente, sob pena de
violação à boa-fé; (art. 12, § 1.º)

ix) possibilidade de inversão do ônus probatório e adoção da teoria da carga dinâmica da


prova como decorrentes da boa-fé; (art. 12)

x) motivação analítica em todas as fases do procedimento probatório (admissão,


produção e valoração), devendo o juiz declinar as razões pelas quais determinada
questão foi, ou não, utilizada na formação de seu convencimento (art. 18, § 3.º).

Especificamente quanto aos dispositivos, vê-se que, em seu art. 1.º, o Anteprojeto
delineia no caput o núcleo do objeto da prova, qual seja, “a investigação racional dos
fatos29 relevantes para o descobrimento da verdade 30-31-32 necessária ao exame e
decisão da causa, bem como das questões preliminares, prejudiciais e de todos os seus
incidentes”.

Nos parágrafos do art. 1.º, pretende-se dar tratamento às seguintes questões


processuais:

1) delimitação do que sejam fatos33 relevantes (§ 1.º);

2) a possibilidade da qualificação jurídica dos fatos, bem como o conteúdo das normas
jurídicas, serem objeto de prova (§ 2.º);

3) o direito34 municipal, estadual, estrangeiro e consuetudinário como objeto de prova,


bem como normas jurídicas de efeitos concretos (§ 3.º), se deles o juiz revelar não ter
conhecimento;

A análise do objeto35 da prova36 deve ser realizada pela utilização da racionalidade na


investigação, retirando da valoração da prova visões ou juízos subjetivos não pautados
por processos científicos,37 analíticos e objetivos. Nesse sentido, vale recordar as ideias
de Giovanni Verde,38 registradas por Leonardo Greco, para quem toda a reflexão sobre a
prova deve considerar:

a) a necessidade de construir a investigação do órgão jurisdicional como racional; 39

b) a possibilidade-necessidade lógica de distinguir a questão de fato da questão de


direito;

c) a possibilidade-necessidade de indicar um modelo racional 40 que permita ao órgão


jurisdicional a reconstrução dos fatos;41

d) a articulada qualificação jurídica dos fatos;

e) a possibilidade de controle da racionalidade de tais escolhas por parte dos


jurisdicionados, dos tribunais superiores e demais cidadãos.42

    Página 4
Resultados da Pesquisa

A investigação probatória no processo não pode ser direcionada a todo e qualquer fato,
seja pela impossibilidade técnica ou fática, seja pela desnecessidade para a sua
utilização em Juízo para a solução ou prevenção de um litígio, mas deve se restringir aos
fatos relevantes tanto para o exame da causa, quanto para a sua decisão.

Assim sendo, serão abrangidos pela investigação probatória os fatos relevantes para
exame e decisão das questões preliminares, das questões prejudiciais e dos incidentes
processuais.

Os fatos relevantes encontram-se definidos no § 1.º do art. 1.º como sendo “todos
aqueles dos quais as partes possam extrair alguma consequência jurídica em seu favor,
assim como os que sirvam para extrair alguma ilação sobre a sua existência ou sobre as
regras de experiência aplicáveis ao caso.”

Tal definição traduz a expectativa de que a prova processual se dirija à efetiva solução
do conflito existente entre as partes, deslocando-se da visão atualmente consagrada na
jurisprudência e em boa parte da doutrina de que ela se destinaria apenas ao
convencimento do magistrado, para atingir a ideia de que a prova processual é
instrumento para a realização do processo justo, 43 mediante o respeito aos direitos e
garantias, bem como o cumprimento dos deveres materiais e processuais, de modo que
a prova também reflete a participação das partes no – e pelo – processo.

Poderão constituir fatos relevantes como objeto de prova, nos termos propostos pelo §
2.º do art. 1.º, ainda: “a qualificação jurídica dos fatos” ou o “conteúdo das normas,
sempre que o conhecimento da vida real puder influenciar a determinação do campo de
aplicação da norma ou a sua compreensão”.

Caso o juiz revele não ter conhecimento (já que, se tiver, deverá levá-lo ao processo),
será objeto de prova o teor ou conteúdo e a vigência de direito municipal; 44 direito
distrital; direito estrangeiro;45-46 direito consuetudinário;47 norma jurídica que preveja
direito decorrente de fato determinado; e, norma jurídica que preveja dever decorrente
de fato determinado, tudo nos termos da § 3.º do art. 1.º.

Sobre tal dispositivo, cumpre observar que, após observações de Eduardo Cambi, o
grupo debateu duas questões: a uma, se seria ou não importante estabelecer uma
diferenciação, no que se refere ao direito estrangeiro, acerca dos tratados
internacionais; a duas, acerca da expressão “se deles revelar ter conhecimento”, que se
remete ao iura novit curia.

Quanto ao primeiro ponto, a despeito da relevância dos tratados internacionais,


notadamente após a Reforma do Judiciário implementada pela EC 45/2004, o grupo
considerou que não haveria razão para se minudenciar, além das hipóteses já previstas
no dispositivo, uma que especificamente a eles dissesse respeito; isso porque, caso os
tratados tenham sido recepcionados na ordem jurídica nacional, passam a ser
considerados, como se sabe, direito interno, o qual deve ser oficiosamente reconhecido
pelo juiz; se, contudo, o tratado não tiver sido recepcionado no Brasil, mas, por algum
motivo, tenha aplicação no caso concreto, ele dever ser compreendido na expressão
“direito estrangeiro”, já presente no dispositivo. Se, por fim, o tratado versar sobre
Direitos Humanos, ele, ainda que assuma feição constitucional “supralegal” (como

    Página 5
Resultados da Pesquisa

decidiu o Tribunal Pleno do STF, no RE 466.343, notadamente no voto do Min. Gilmar


Mendes, em julgamento realizado em 03.12.2008, e publicação no DJe de 05.06.2009)
ou ainda que tenha sido recepcionado, nos moldes do art. 5.º, § 3.º, da CF/1988, com
força de emenda constitucional, será entendido, em ambos os casos, como direito
interno, de conhecimento obrigatório pelo magistrado.

Quanto ao segundo ponto, a expressão “se deles revelar ter conhecimento” foi
desenvolvida e incorporada ao texto do art. 1.º, § 3.º, em acolhimento à crítica de
Eduardo Cambi, que, com muita propriedade, demonstrou que o texto anterior 48 não
deixava clara a ideia que o Anteprojeto gostaria de passar, ou seja, a de que o
magistrado, tendo ciência de determinada norma de direito municipal, estadual, distrital,
estrangeiro ou consuetudinário, trouxesse aos autos seu conhecimento particular, em
respeito ao dever de esclarecimento integrante do princípio da colaboração acima
mencionado, desde que, obviamente, o fizesse mediante contraditório prévio e efetivo.
Há, nesse ponto, expressa preocupação em evitar, mesmo para matérias de direito, o
aparecimento de decisões-surpresa ou de “terceira via”.49

2. Meios de prova. O art. 2.º versa sobre os meios de prova, 50 absorvendo a noção da
sua maior abrangência, com uma visão expansiva à luz do quadro atual, sendo
respeitadas, como exceções, apenas:

1) a dignidade humana;

2) os direitos fundamentais;

3) o segredo de Estado;

4) as exigências impostas pela ordem jurídica à constituição e à validade dos atos e


negócios jurídicos; e,

5) os registros públicos dos fatos da vida civil.

Na análise pormenorizada do fenômeno processual probatório, o Anteprojeto dá


tratamento aos indícios51dos fatos relevantes no art. 3.º, algo que também se afigura
como inovador, já que o CPC/1973 não os prevê, expressamente, como “meios de
prova”. Apesar disso, o Anteprojeto restringe o conhecimento dos indícios apenas
àqueles decorrentes de fatos relevantes.

Admitiu, ainda, o Anteprojeto, que os indícios dos fatos relevantes possam ser provados
por quaisquer meios, havendo previsão expressa de que “a sua força probante será
livremente apreciada pelo juiz em conjunto com as demais provas”, sendo relevante a
análise do art. 17 do Anteprojeto, diretamente relacionado ao tema.

Quanto à valoração dos indícios, o Anteprojeto determina que o “o juiz aplicará as regras
de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece,
considerando, sempre que possível, o grau de probabilidade 52 ou a margem de erro
definidos em estudos científicos de reconhecida reputação”, nos termos do art. 3.º, §
1.º.

Vale dizer que, a despeito das considerações tecidas por Eduardo Cambi relativas à
carga probatória dos indícios, o Anteprojeto optou por não adotar as premissas do direito

    Página 6
Resultados da Pesquisa

italiano (e que já chegaram, inclusive, a reverberar na jurisprudência brasileira – vide


STF, HC 97781) de que os indícios, diante de sua suposta “subsidiariedade”, deveriam
ser “precisos, graves e concordantes” (art. 192, 2, Codice di Procedura Penale
Italiano),53 até mesmo porque entendemos inexistir hierarquia de provas.

Resta considerar, ainda, que o Anteprojeto houve por rejeitar a existência, per si, de um
novo meio de provas decorrente da conduta processual das partes, diferentemente do
que ocorre, por exemplo, no art. 241 do CPC colombiano, recentemente modificado pela
Ley 1.564/2012, com vigor em 01.01.2014, 54 e que é defendido, dentre outros, por
Eduardo Cambi.55 Essa posição, se adotada, pareceu ao Anteprojeto uma exacerbação do
dever de lealdade, de completude e de coerência, que poderiam transformar o processo
em um jogo de espertezas completamente imprevisível.

No processo, a regra deve ser a liberdade de manifestações, somente sendo cabível


retirar ilações das condutas das partes de modo excepcional e, ainda assim, se o juiz,
antes de verificar a possibilidade da constituição de indícios delas decorrentes, submeter
sua percepção (ou da parte contrária) à manifestação da própria parte que, desta forma,
terá ampla oportunidade de esclarecer se da sua conduta poderá ou não ser extraída a
veracidade de algum fato relevante.

Tem-se, nesse prisma, a verificação de um dos deveres decorrentes da colaboração


processual, notadamente o de esclarecimento, que tem dupla faceta, na medida em que
impõe ao juiz a obrigatoriedade de, antes de proferir sua decisão, buscar junto às partes
esclarecimentos acerca dos pontos importantes no processo e, ainda, obriga o juiz a
esclarecer seus fundamentos quando da tomada de decisão.56

Exatamente por isso é que, amparado nas premissas básicas de um processo justo, o
Anteprojeto estabelece, em seu art. 3.º, § 2.º, que “quaisquer ilações sobre a existência
de fatos relevantes que possam ser extraídas das ações ou omissões das partes serão
submetidas previamente à sua manifestação”, ressalvado apenas o constante do art. 56
do Anteprojeto, a fim de que a parte tenha a oportunidade de vir aos autos para
esclarecer, retificar ou até mesmo ratificar determinada atitude anterior.

Noutro sentido, o Anteprojeto disciplina as presunções 57-58 no art. 4.º, ditando que
deverão ser “avaliadas em conformidade com a sua verossimilhança e em conjunto com
as demais provas”, mas deixando claro, no parágrafo único deste mesmo dispositivo,
que “ainda que as presunções lhe sejam favoráveis, a parte tem o direito de produzir
outras provas para a comprovação efetiva dos direitos alegados”.

Importante esclarecer que a redação final do parágrafo único do art. 4.º do Anteprojeto
se deve, em boa parte, às sugestões e críticas elaboradas por Miguel Teixeira de Sousa e
seus alunos do curso de Doutoramento na Faculdade de Direito de Lisboa que, após
exposição realizada por um dos autores dessas justificativas, ainda em meados de março
de 2014, observaram que o texto anterior não refletia, com exatidão, o que se
pretendia.59

3. Deveres das partes e de terceiros. O art. 5.º, por seu turno, inova em sede probatória
ao propor um alcance subjetivo amplo em relação aos que devem colaborar, entre si e
com o Poder Judiciário, para o descobrimento da verdade, 60 abrangendo “todas as

    Página 7
Resultados da Pesquisa

pessoas, órgãos, instituições e entes despersonalizados, públicos e privados, sejam ou


não partes no processo”, aos quais são estabelecidos deveres processuais probatórios
mínimos.

O Anteprojeto, desse modo, incorpora e busca maximizar o princípio da colaboração


processual. Diferentemente da redação do atual art. 339 do CPC/1973, bastante
genérica e, por isso mesmo, de difícil aplicação prática, o Anteprojeto preocupou-se, em
seu art. 5.º, expressamente em assegurar que não só as partes, como também todos os
sujeitos eventuais ou intervenientes do processo, devem colaborar com a construção da
verdade. Além disso, restou consignada a colaboração mútua, porquanto o processo
deve ser entendido, notadamente sob o aspecto probatório, como uma comunidade de
trabalho61(Arbeitsgemeinschaft ou comunionedel lavoro) na qual as partes, em
permanente diálogo recíproco, com o juiz e com eventuais intervenientes do processo
(v.g., peritos, intérpretes, servidores do juízo etc.), propõem e requerem provas,
produzem-nas e sobre elas se manifestam de modo pleno, livre e democrático.

O Anteprojeto estabelece expressamente no art. 6.º, de forma não taxativa, 10 (dez)


incisos contendo deveres62 processuais das partes no campo probatório, quais sejam:

1.º) comparecer em juízo e responder ao que lhes for interrogado;

2.º) submeter-se à inspeção judicial;

3.º) prestar as informações que lhes forem requisitadas para o esclarecimento da


verdade;

4.º) colaborar63 na produção64 das provas deferidas ou determinadas pelo juiz, 65 e


apresentar, quando solicitadas, todas as que se encontrem em seu poder;

5.º) expor os fatos em juízo conforme a verdade;66

6.º) não praticar atos, comissiva ou omissivamente, que saibam serem contrários à
verdade dos fatos;

7.º) não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou
defesa de direito;

8.º) não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso;

9.º) praticar os atos que lhes forem determinados e permitir, na sua esfera pessoal ou
de domínio, a sua prática;

10.º) permitir, na sua esfera pessoal ou de domínio, a sua prática dos atos que lhes
forem determinados.

A fim de dar efetividade aos deveres processuais probatórios, o Anteprojeto estabelece,


nos §§ 1.º a 11 do art. 6.º, um sistema de controle, coerção e punição processual para
os casos de descumprimento dos deveres estabelecidos.

No art. 6.º, em que são definidos os deveres das partes, foram reunidas algumas
obrigações já previstas no CPC/1973, mas que lá se mostram de forma dispersa,
mantendo-se por vezes a mesma redação (v.g., art. 14, I, II, IV; art. 340, I e III), e, em

    Página 8
Resultados da Pesquisa

outros casos, realizando-se pequenas adaptações, a fim de facilitar a interpretação da


norma (v.g., o inc. II, que se refere ao atual art. 340, II, do CPC/1973, porém retirando-
se “que for julgada necessária”, pois tal observação é despicienda; e o inc. VIII, que se
refere ao art. 879, III, c/c 881, caput, com a exclusão da “proibição de se falar nos
autos até a purgação do atentado”, vedação que não se coaduna com o espírito
democrático do anteprojeto). Além disso, restou absorvida a ideia contida no PL
8.046/201067 (art. 77, VI), a qual classifica como obrigação da parte, à semelhança do
que ocorre com o atual art. 879 do CPC/1973, “a vedação à prática de inovação ilegal no
estado de fato de bem ou direito litigioso”.

Ademais, o anteprojeto, a fim de minudenciar a regra geral de verdade constante do art.


5.º, consagrou a obrigatoriedade de as partes prestarem “as informações que lhes forem
requisitadas para o esclarecimento da verdade” (III) e, também, de colaborarem “na
produção das provas determinadas ou deferidas pelo juiz, apresentando, quando
solicitadas, todas as que se encontrem em seu poder (IV), além de “não praticar atos,
comissiva ou omissivamente, que saibam serem contrários à verdade dos fatos” (VI).

Reconheceu-se, destarte, a proibição da mentira, a qual não se coaduna com a lealdade


processual, restando clara a diferenciação entre o “direito de não produzir provas contra
si mesmo” (garantido pela CF/1988, art. 5.º, LXIII e, mais precisamente, pela
Convenção de Direitos Humanos de 1696, ou Pacto de San José da Costa Rica, em seu
art. 8.º, que declara que toda pessoa tem o ‘direito de não ser obrigada a depor contra
si mesma, nem a confessar-se culpada’) e o direito à mentira.

Assim, não se exige que a parte, deliberadamente, traga aos autos provas que lhe sejam
desfavoráveis, até mesmo porque, tal regra, se adotada, contrariaria as máximas de
experiência e o senso comum, e fariam com que o Anteprojeto se distanciasse da
realidade, tornando-se mera carta de boas intenções; exige-se, por outro lado, que tais
provas sejam apresentadas se houver solicitação, quer ex officio, quer mediante
requerimento da parte contrária regularmente deferido pelo juiz.

Em seu § 1.º, o art. 6.º comina, para a infração do disposto em seus incisos, (salvo se
não houver sanção mais grave prevista em norma específica), multa cujo teto é o do
valor da causa, facultando-se ao interessado a promoção de execução imediata em autos
apartados, a qual permite, a um só tempo, que o improbus litigator se veja efetivamente
pressionado pela sanção que lhe foi atribuída, além de evitar dilações processuais
indevidas, que poderiam, como ocorre atualmente, gerar atrasos à marcha processual.

Cumpre frisar que, por sugestão de Vicente Greco Filho, restou estabelecida,
expressamente, a parte contrária como destinatária dessa multa, vez que, embora esse
tenha sido, desde o início, o intento do anteprojeto, a redação original não o deixava
transparecer, de modo claro.

Além disso, o reconhecimento expresso da possibilidade de cobrança de perdas e danos


decorrente da atividade processual atentatória à lealdade altera a regra atual de que
essa se limitaria a 20% do valor da causa (art. 18 do CPC), a qual, inclusive, deveria ter
sido considerada não recepcionada pela Constituição Federal de 1988, porquanto viola o
art. 5.º, V e X, que estabelece o princípio da reparação integral para os danos sofridos.

    Página 9
Resultados da Pesquisa

Nessa mesma toada, caso necessário, os §§ 1.º e 2.º do art. 6.º permitem a presunção
de veracidade do fato a que prova omitida visava a demonstrar e a utilização dos meios
coercitivos que forem possíveis para a obtenção do resultado almejado.

Vale dizer, inclusive, que, em acolhimento às críticas e sugestões tecidas por Flávio Luiz
Yarshell, nas hipóteses previstas nos incs. I, II, III, parte final, e IX, parte final, as
sanções previstas no art. 1.º (notadamente a pecuniária) poderão ser afastadas se,
exatamente por força dessa presunção de veracidade que a prova omitida visava a
demonstrar e das demais provas produzidas, for possível proferir decisão desfavorável à
parte infratora.

Tal posição deixa clara a posição acessória das sanções previstas no art. 6.º do
anteprojeto, as quais, longe de constituírem um fim em si mesmo, têm a função de
incentivar (e punir a falta de) a colaboração processual.

Aliás, e para demonstrar a transposição entre as figuras do ônus das partes para os seus
deveres, o § 3.º do art. 6.º adota, de modo expresso, o dever de advertência do juiz, a
fim de que, “sempre que possível, o juiz, antes de aplicar as sanções previstas no § 1.º,
advertirá a parte dos riscos de sua conduta, facultando-lhe retificá-la em benefício da
restauração da observância dos deveres constantes deste artigo”.

Sobreleva considerar que a redação originária 68 exacerbava os deveres processuais,


criando exigências de difícil correlação com o princípio dispositivo e a liberdade
probatória característica do processo brasileiro. Assim, e também em acolhimento às
críticas dos professores Flávio Yarshell e Eduardo Cambi, entendemos por razoável
relativizar alguns deveres anteriormente estabelecidos, transformando-os, conforme o
caso, em autênticos ônus processuais.

Ademais, o § 5.º do art. 6.º, ao reconhecer a multa retrocitada como título executivo
judicial, facilita a sua cobrança (porquanto diminui, como decorre dos atuais arts. 475-L
e 475-M, do CPC, a possibilidade de defesa do executado), e denota a importância que o
Anteprojeto atribuiu ao respeito à boa-fé.

Outra inovação trazida pelo § 6.º do art. 6.º diz respeito à solução definitiva acerca da
confusão ainda existente quanto às sanções processuais e as
custas/preparos/emolumentos.

Isso porque, lamentavelmente, não é incomum que a assistência judiciária gratuita e/ou
demais isenções legais69 sirvam como verdadeiro escudo ou salvo-conduto para a prática
de atos contrários à boa-fé processual.70-71

Trata-se do reconhecimento expresso do princípio da operosidade, segundo o qual,


conforme Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, 72 “as pessoas, quaisquer que sejam elas, que
participam direta ou indiretamente da atividade judicial ou extrajudicial, devem atuar da
forma mais produtiva e laboriosa possível para assegurar o efetivo acesso à justiça.
Assim, para atender aos fins (… que garantem, na prática, tal acesso, é indispensável:
(a) atuação ética de todos quantos participem da atividade judicial ou extrajudicial; e (b)
utilização dos instrumentos e dos institutos processuais de forma a obter a melhor
produtividade possível, ou seja, utilização da técnica a serviço dos fins idealizados”.

    Página 10
Resultados da Pesquisa

Desse modo, restou asseverado que a “a execução imediata da multa se aplica


igualmente às partes que tenham isenção de custas ou que sejam beneficiárias da
gratuidade da justiça”.

Como, infelizmente, a práxis forense, alimentada pela jurisprudência, não tem adotado
fielmente a regra de que o valor atribuído à causa deve corresponder ao benefício
econômico pretendido, tem sido muito comum, notadamente em ações indenizatórias, a
fixação de montantes ínfimos às demandas, os quais, se tomados em conta para a
condenação das sanções processuais, poderiam ensejar multas irrisórias e que não
serviriam à prevenção/repressão para as quais essas foram criadas, situação que
também se repetiria no caso de demandas com valores inestimáveis; assim, adotou-se,
nesses casos, a possibilidade de o juiz afastar os parâmetros do valor à causa e adotar
valor pecuniário não excedente a dez salários mínimos (§ 7.º).

O Anteprojeto adota, como uma de suas premissas, a definição excepcional das


limitações probatórias (Capítulos III a V), pelo que, coerentemente, o § 10 do art. 6.º
considerou legítimas a recusa e a omissão da parte cuja conduta pudesse importar na
violação da dignidade, da integridade física ou moral da pessoa; intromissão indevida na
privacidade; ou violação indevida do sigilo profissional ou do segredo de Estado.

Nos incs. do art. 7.º do anteprojeto são previstos os deveres processuais probatórios de
qualquer outro sujeito do processo, a saber:

1.º) informar ao juiz, quando por este solicitado, os fatos e as circunstâncias de que
tenha conhecimento;

2.º) exibir coisa ou documento que esteja em seu poder;

3.º) colaborar na produção das provas deferidas ou determinadas pelo juiz;

4.º) praticar o ato que lhe for determinado e permitir, na sua esfera pessoal ou de
domínio, a sua prática.

Aqui, obviamente, inserem-se os advogados,73 promotores, juízes74 e seus auxiliares


(servidores, secretários, escrivães, peritos, intérpretes etc.), e até mesmo aos
intervenientes eventuais,75 na medida em que todos devem respeitar o princípio da
probidade76 (correttezza processuale), sem o qual qualquer norma acerca do Direito
Probatório se demonstraria lacunosa.

Isso porque, nos tempos de hoje, inviável se afigura uma demanda na qual tudo se
justificaria para a obtenção da vitória ou para o adiamento ad eternum da derrota
inevitável.77

Tanto o é que a violação, por esses outros sujeitos do processo, dos deveres
processuais, importa as mesmas sanções descritas no art. 6.º, salvo, por óbvio, a
presunção de veracidade disciplinada no § 1.º.

No âmbito do Anteprojeto é realizada a clara distinção entre partes e seus


representantes, especialmente os representantes judiciais por mandato ou função
pública, abrangendo os advogados públicos e privados, os membros da Defensoria
Pública e do Ministério Público.

    Página 11
Resultados da Pesquisa

Exceção expressamente consignada, contudo, refere-se à impossibilidade de sanções


pessoais aos advogados públicos ou privados, aos membros da Defensoria Pública e do
Ministério Público, pois, caso contrário, essas poderiam servir como meio intimidatório
nas mãos de algum julgador inescrupuloso. Ressalve-se, todavia, que essa dispensa não
os exonera de eventual responsabilização civil, criminal ou disciplinar, conforme o caso
(art. 7.º, § 2.º).

Especificamente quanto aos juízes,78 dada a sua relevância para a condução do processo,
entendeu o Anteprojeto ser pertinente estabelecer, no art. 9.º, que a falta de
cumprimentos dos deveres de lealdade impostos pela lei “acarretará responsabilidade
disciplinar e avaliação negativa de desempenho para fins de estágio confirmatório,
promoção e remoção, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, assim como
responsabilidade civil do Estado, se dele decorrer prejuízo à apuração da verdade, ao
contraditório, à ampla defesa ou à duração razoável do processo”.

Vale dizer: assim como asseverou, ainda na década de 80, o monografista português
Fernando Luso Soares,79 o anteprojeto trabalha com a noção de que também os juízes
têm deveres processuais, os quais, por si, podem ser subdivididos em “gerais”, que
“impendem sobre toda e qualquer pessoa que intervenha no processo”, e os
“específicos”, que “respeitam somente àquele que está investido na categoria ou função
em atenção ao qual o dever foi estatuído pela lei”.

Nesse diapasão, o autor português enumera, como deveres gerais, o de verdade, o de


lealdade, o de prontidão e o de utilidade. Como dever específico do juiz, resume-o
Fernando Luso Soares no “dever de jurisdição”, ou seja, o de “administrar justiça”.80

Pontes de Miranda,81 por seu turno, já em 1947 asseverava que havia, para o juiz, o
“dever formal de obrar”, o qual seria “tão forte que, de todos os funcionários do Estado,
o juiz, aparentemente mais tranquilo e inerte, é aquele de quem se pode dizer estar
condenado à atividade”. Tanto o é que, continua Pontes de Miranda, a “lei pune-o por
parar, por suspender ou retardar atos e diligências, marca-lhe horas certas, prazos
restritos, poda-lhe convicções individuais, força-o a mover-se, na sua atuação
profissional, por entre linhas que textos miúdos lhe traçam”.

Vê-se, portanto, que de há muito a doutrina consagra deveres processuais também à


figura do juiz, os quais, se descumpridos, poderão gerar sanções das mais diversas.

Nesse desiderato, o anteprojeto não pretendeu, de forma alguma, afastar as disposições


da LC 35/1979, a Loman (notadamente os arts. 40 a 49), mas, por outro lado, optou por
consignar sanções pessoais específicas que, obviamente, deverão ser aplicadas em
respeito ao devido processo legal.82

Vale frisar: o anteprojeto opta por ser mais minucioso, ao dizer que o descumprimento
dos deveres judiciais que acarrete “prejuízo à apuração da verdade, ao contraditório, à
ampla defesa ou à duração razoável do processo” será passível de punição, medida essa
que não se encontra, pelo menos diretamente, contida no art. 49 da Loman, e nem
mesmo no art. 133 do CPC/1973.

Trata-se, na visão do Anteprojeto, de especificação imprescindível da responsabilidade


do magistrado, totalmente condizente com as premissas aqui defendidas (v.g, busca da

    Página 12
Resultados da Pesquisa

verdade, contraditório efetivo, motivação analítica etc.), a maioria já exposta


anteriormente e que nos capítulos posteriores será ratificada.

Há, ainda, no art. 9.º do Anteprojeto, menção específica acerca da possibilidade de


responsabilização civil estatal decorrente de atos omissivos ou comissivos dos juízes, 83
exatamente como ocorre com a prática de atos ilegais por outros servidores públicos.

Por fim, com o objetivo de manter a unidade do sistema processual, o art. 8.º do
Anteprojeto estabelece que são aplicáveis aos meios coercitivos a que se referem os art.
6.º e 7.º as disposições relativas à tutela específica, no que couber de acordo com os
objetivos e finalidades do sistema processual probatório civil.

Capítulo II – Princípios dispositivo e inquisitório, poderes instrutórios do juiz;


livre convicção; ônus da prova

1. Princípios dispositivo e inquisitório; poderes instrutórios do juiz. Na difícil tarefa de


harmonizar os poderes do juiz e os ônus das partes, sob a tensão histórica entre o
interesse público e a autonomia privada do direito substancial, do qual o processo é
instrumento, tomou-se como desiderato buscar um ponto de equilíbrio entre os
princípios dispositivo e inquisitório,84 deixando espaço para que o julgador atue
subsidiariamente em sede probatória – afinal destinatário indireto do art. 339 do
CPC/1973 –, de modo a evitar situações de injustiça.85

Nesse intuito, o art. 10 do Anteprojeto atribui às partes a iniciativa de proposição e


produção de todas as provas, deixando claro que esse é um direito que o juiz não pode
restringir, ainda que repute reduzida a probabilidade de que a prova venha a trazer
resultado útil. A ênfase do dispositivo constitui um freio ao juiz que, no curso do seu
tirocínio como julgador, tende a uma racionalização redutora da investigação dos fatos,
deferindo apenas aquelas provas que, de acordo com a sua experiência em casos
análogos, lhe trouxeram informações relevantes para o seu julgamento. Qualquer prova
que potencialmente possa ter alguma utilidade, deve ser admitida. A experiência do juiz
em casos análogos, nada diz sobre o caso concreto e o direito de defender-se provando
não pode ser cerceado pelo juízo preconceituoso do juiz a respeito do resultado da prova
requerida pela parte. O dispositivo também impede que o juiz cerceie a produção de
provas com fundamento na celeridade e na economia processual. A duração razoável do
processo é, sem dúvida, uma garantia fundamental do processo, mas de caráter
secundário, que cede diante da exigência de apuração consistente dos fatos e do pleno
exercício do direito de defesa. A economia processual pode levar o juiz, que já formou a
sua convicção, a entender que pode dispensar outras provas requeridas pelas partes. O
que se espera do juiz democrático é que, embora já tendo formado a sua convicção,
esteja sempre disposto a revê-la, se alguma outra prova requerida puder potencialmente
trazer algum novo elemento a ser apreciado. Por isso, o indeferimento de qualquer prova
proposta deve ser objeto de decisão fundamentada (§ 2.º).86

A preponderância da iniciativa probatória das partes também impõe ao juiz, no exercício


de um diálogo humano, um dever de advertência (§ 1.º). Há um abismo de comunicação
entre as partes e o juiz, pois aquelas normalmente não têm qualquer possibilidade de

    Página 13
Resultados da Pesquisa

prever o efeito que as provas requeridas ou produzidas possam produzir no


entendimento do julgador. Cabe a este, sem qualquer prejulgamento, informá-las da
conveniência de complementação probatória, para que aquelas avaliem se devem tomar
a iniciativa de requerê-la.

Assim, entendendo que o juiz não deve ser o instrutor principal do feito, 87 o Anteprojeto
define como subsidiária a sua iniciativa probatória, circunscrevendo-a a hipóteses
precisas, para que, a qualquer tempo, as partes e os tribunais superiores possam aferir
se ela é exercida com um fundamento justificável ou se desborda para esfera que deve
ficar reservada à autonomia das partes. Essa iniciativa fica limitada às hipóteses em que
o direito posto em causa seja de natureza indisponível (art. 11, I); 88 quando houver
necessidade coibir a prática de simulação, falsidade ou fraude (art. 11, II); para suprir a
deficiência de iniciativa probatória da parte que não se encontre comprovadamente em
condições favoráveis de propor ou produzir as provas de seu interesse (art. 11, III); e
para submeter ao indispensável contraditório fatos e provas cujo conhecimento o juiz
tenha adquirido fora do processo (art. 11, IV).

Aliás, é preciso dar destaque ao zelo do Anteprojeto no que concerne ao juízo probatório
envolvendo direitos indisponíveis, no qual não incide a presunção de veracidade ligada
aos fatos notórios e fatos incontroversos (art. 15, § 2.º); se impede a distribuição
convencional quanto ao ônus da prova (art. 13); bem como se permite a iniciativa
probatória subsidiária do julgador (art. 11, I); dentre outras regras específicas (arts. 23,
§ 2.º, I; 24, § 1.º, in fine; 53, § 2.º; 66, § 1.º).

Para superar as incertezas em relação aos limites da indisponibilidade dos interesses da


Fazenda Pública, tendo em vista que ela tem reflexos muito relevantes no Direito
Probatório, o Anteprojeto adota dois critérios, um abstrato e outro concreto, para essa
delimitação (§ 1.º). O primeiro se baseia na classificação doutrinária atualmente
bastante difundida do interesse público em primário e secundário. Primário é o interesse
público de toda a sociedade vinculado à promoção dos fins essenciais do Estado: justiça,
segurança e bem estar social. Secundário é o interesse público da pessoa jurídica de
direito público.89 Somente o primeiro é objeto de um direito indisponível.

O segundo critério, necessário porque nem sempre é clara a caracterização se, em


determinada causa, o Estado defende um interesse geral da coletividade ou interesse
dele próprio como sujeito de direitos, é concreto e objetivo. Independentemente da
natureza do interesse, se ele não comporta transação, conciliação ou renúncia
administrativa, evidentemente ele é indisponível.

Também merece destaque a disposição que confere ao juiz uma iniciativa de caráter
assistencial exigida pela paridade de armas em favor da parte que comprovadamente
não se encontrar em condições favoráveis de propor ou produzir provas (art. 11, III).
Essa situação de desvantagem pode decorrer de múltiplos fatores, como a
hipossuficiência econômica, social ou cultural, a ausência de um procurador livremente
escolhido pela parte ou ainda outros que caberá ao juiz avaliar. 90 Para que esse
dispositivo não se torne uma porta aberta à iniciativa judicial totalmente arbitrária, o
texto exige que a situação de desvantagem esteja devidamente comprovada, o que o
juiz deverá evidenciar no ato em que determinar a produção ex officio da prova.

    Página 14
Resultados da Pesquisa

De qualquer modo, antes do exercício da iniciativa oficial, deverá o juiz fazer uso do
dever de consulta ou de advertência (§ 2.º), porque, em benefício da preservação da
sua imparcialidade e do respeito à esfera de liberdade dos litigantes, sempre será
preferível que a prova seja requerida e produzida por iniciativa de um dos interessados.
A menção reiterada ao dever de consulta (arts. 10, § 1.º; 11, § 2.º; 18 § 5.º) reforça a
postura colaborativa imposta ao juiz, 91 pois o debate das questões afetas ao processo,
sem decisões de surpresa, contribuirá, em verdade e adicionalmente, para reforçar a
confiança das partes no julgador, 92 em acréscimo útil e nada supérfluo para o deslinde
da causa.93

Seguramente, a imparcialidade a que está submetido o juiz não o priva do dever de


velar pelo veraz esclarecimento dos fatos. 94 Frise-se que o juiz inerte também acaba
pendendo para o lado daquele se beneficia pela ausência de esclarecimento dos fatos.
Além do mais, não há como se adivinhar o resultado da prova, que naturalmente poderá
dar alento ao propósito de qualquer das partes.95

Como os próprios litigantes, também o juiz tem o dever, no exercício da sua iniciativa,
de precisar os fatos que pretende comprovar com as provas cuja produção determinar (§
5.º).

Há, portanto, um verdadeiro dever de atuação ex officio do julgador, diante dos limites
definidos pela lei e das circunstâncias da causa, 96 igualmente evidenciado pela
possibilidade de determinação de produção de provas a qualquer tempo, ainda que antes
inadmitidas, desde que haja motivo que a justifique (§ 4.º) e sem sujeição à preclusão
(§ 3.º),97 o que é repetido pelo Anteprojeto em vários outros dispositivos (arts. 57, §
2.º, 116, 136, § 3.º, 140 e 142).

2. Ônus da prova. O ônus da prova tem o significado de carga ou fardo de provar


determinada alegação (Beweislast na doutrina alemã, com significado de “peso da
prova”). Sua regulação decorre do princípio processual que dita não ser lícito ao juiz se
eximir de decidir a causa, mesmo em caso de dúvida invencível (proibição do non
liquet), o que faz apresentar o ônus probandi como uma regra de julgamento, da qual se
valerá o juiz ao constatar que chegou ao final do processo sem amadurecer um
convencimento sobre as alegações de fato da causa.

A outra finalidade da regulação do ônus da prova é servir como regra de


comportamento, em advertência aos litigantes do risco de não produzir prova de
determinado fato, com o aumento de risco de um julgamento contrário. Isso porquanto
não lhes é atribuído um dever jurídico, de modo que o ônus probandi constitui um
imperativo do próprio interesse, como uma consequência do ônus de afirmar.

Tal critério, do interesse,98 traduz a pauta do Anteprojeto (art. 12), de modo a prescindir
o dispositivo de maior especificidade. A ressalva é quanto aos litígios que versem sobre a
validade do ato administrativo, incumbindo ao Estado o ônus da prova da sua
causalidade adequada (art. 14). Nestes termos, mantém-se a distribuição fixa do ônus
da prova: incumbirá este à parte que tiver interesse (se beneficie) no reconhecimento do
fato a ser demonstrado.

Em contrapartida, adota-se expressamente a teoria da dinamização do ônus da prova

    Página 15
Resultados da Pesquisa

pelos dois critérios da facilidade de sua produção e da menor onerosidade (art. 12, §
1.º)99 – sem distinção quanto ao beneficiário consumidor (Lei 8.078/1990, art. 6.º, VIII)
–, fazendo ressalva da proibição de que a reversão imponha encargo probatório de
produção impossível, também chamada de probatio diabolica reversa, ou comprometa a
paridade de armas (art. 12, § 2.º, in fine).

A iniciativa judicial de dinamizar o ônus probatório se permeia, também, pela ideia de


subsidiariedade, em composição setorial sistemática dos princípios do dispositivo e do
inquisitório (arts. 10, 11 e 12).100

Em mais um reflexo do contraditório participativo, resguarda-se que a inversão, ou


dinamização, do ônus da prova não poderá ser determinada na decisão final do feito,
sendo certo que tal provimento de desfecho deve ser precedido da abertura de ampla
oportunidade à parte para desempenho adequado do ônus que lhe for atribuído (arts.
12, § 2.º, 20, § 3.º, III), dando-se, preferencialmente, na audiência preliminar (art. 53,
I, in fine).

Ademais, quanto à responsabilidade de custeio antecipado da prova, traz imposição à


parte que a tiver requerido ou que tenha o ônus de produzi-la, novamente pelo critério
do interesse (art. 17); o que abrange, em apêndice, a situação de determinação de
produção probatória ex officio, ou a requerimento do Parquet como fiscal da lei (art. 17,
in fine). Ainda, faz-se ressalva programática para as situações de assistência judiciária
gratuita, e para as causas em que a lei dispensa o litigante da antecipação do custeio de
despesas (art. 17, parágrafo único), como a ação popular (Lei 4.717/1965, art. 10).

Há chancela de validade para a distribuição convencional do ônus da prova, na esteira da


expansão da contratualidade do Direito Processual, 101 observando-se que esta não
poderá recair sobre direito indisponível da parte, ou para tornar excessivamente oneroso
a uma das partes o exercício do direito de defesa (art. 13), ressalvado, em qualquer
caso, que a convenção não poderá interferir nos poderes de iniciativa probatória do juiz
(parágrafo único).

3. Livre convicção motivada. Na avaliação das provas, o anteprojeto adota um sistema


intermediário, o da persuasão racional, que aceita a tese do livre convencimento, mas
impõe certas restrições à legitimidade de formação da convicção judicial.

Em garantia contra o arbítrio e em adequação à realidade do Poder Judiciário


brasileiro,102 são exigidos critérios racionais na fundamentação que justifiquem a verdade
suficiente perante todos os destinatários da prova (arts. 10, § 2.º, in fine, 12, § 2.º, e
18, § 3.º), inclusive para facilitar a compreensão dos sujeitos parciais (art. 18, § 4.º),
além de prévio contraditório (art. 18, § 2.º), em verdadeira humanização do processo. 103
Está o Anteprojeto, portanto, afinado aos ditames constitucionais (arts. 5.º, LV, e 93, IX,
da CF/1988).

Nesta visão democrática de exercício do poder,104 o Anteprojeto segue a principiologia da


completude de motivação, descrevendo a indispensabilidade de exteriorização da base
fundamental do decisum e dos elementos probatórios que permitiram a inferição
judicante. Especificamente, foram adotadas criteriosas exigências de legitimação da
prova técnica pericial, com significativo intento de controlar a sua confiabilidade,

    Página 16
Resultados da Pesquisa

reduzindo os riscos da “falsa ciência” (art. 121, § 6.º, e 139, parágrafo único).

Por outro lado, reafirma-se de forma sistemática a autonomia de cognição do julgador ao


se fazerem previstas a vedação de que as partes limitem a iniciativa probatória oficial
(art. 13, parágrafo único); a possibilidade de indeferimento de diligências
manifestamente inúteis ou protelatórias (art. 10, § 2.º); a chancela de livre apreciação
da prova indiciária (art. 3.º), das provas resultantes do procedimento extrajudicial (art.
44), da confissão extrajudicial (art. 65), dos fatos desfavoráveis reconhecidos pela parte
que não constituam confissão eficaz (art. 68), como também do juízo pessoal ou técnico
do documento público expedido ou elaborado por servidor (art. 70, § 2.º), e da força
probante dos documentos particulares (art. 70, § 5.º), além do valor da eventual
segunda perícia perante a primeira realizada (art. 141, parágrafo único); bem como a
viabilidade de o julgador se valer da ponderação dos interesses envolvidos para
excepcional admissão da prova ilícita (art. 23, § 3.º); ou mesmo de determinar a
continuidade da instrução até que a prova produzida se demonstre suficiente (art. 56);
dentre outras.

Em adendo, passa a ser regra expressa a viabilidade de que a cognição do julgador se


apoie em prova emprestada, seja proveniente de outro processo jurisdicional, ainda que
produzida perante juiz incompetente, ou em procedimento administrativo, sem arrepio
da ampla defesa (art. 18, §§ 5.º e 6.º).

O Anteprojeto resguarda o seu texto originário, não adotando a sugestão do Prof.


Eduardo Cambi, em discussão pública realizada no dia 07.05.2014, no sentido do risco
de déficit de contraditório no processo de origem, notadamente quando a prova tenha
sido produzida alhures sem a participação daquele que será prejudicado pela prova
transportada. Escora-se o diploma projetado na exegese de que a força probante da
prova emprestada será objeto de juízo de valor no segundo feito, dando-lhe o juiz a
credibilidade que merecer, motivadamente, sempre de forma antecedida e permeada
pelo efetivo contraditório entre as partes (art. 18, § 2.º).

Finalmente, em deferência ao tino manifestado por Eduardo Cambi, faz-se incluso no


texto uma primeira abordagem legislativa sobre o standard probatório, em adoção de
um modelo de constatação que possa contribuir para afiançar maior segurança ao
discurso judicial quando estiver em jogo interesse indisponível. Com a ressalva de que a
proposição não visa resolver o problema, mas apenas encaminhar uma solução, à vista
de seu caráter confessadamente incipiente, materializou-se no Anteprojeto um critério
flexível de convencimento do julgador, não só pela falibilidade dos meios de prova, mas,
mormente, pelo reconhecimento de que determinadas relações jurídicas de direito
material são mais valiosas do que outras no ponto de vista humano e social, sendo
merecedoras, por conseguinte, de justificação judicial diversa e racionalmente mais
convincente (art. 18, § 1.º).105

Capítulo III – Limitações probatórias: provas suspeitas

No processo civil, a concepção da prova como direito está intrinsecamente relacionada à


liberdade dos meios probatórios. É amplamente difundida a noção de que, quanto maior

    Página 17
Resultados da Pesquisa

a amplitude das provas admissíveis, maior será a observância deste direito


fundamental.106 Parte-se da premissa de que, à falta de clareza ou segurança sobre a
necessidade probatória, a prova deve ser admitida, para que não ocorra cerceamento
deste direito.107

Analisando o processo civil à luz da jurisprudência da Corte Constitucional italiana, Nicolò


Trocker108 assinala que a prevalência do direito das partes de submeterem ao juiz
determinados elementos de prova não pode ser negado ou precluso de maneira
absoluta, sendo necessário o controle das limitações ou restrições irrazoáveis ou
injustificadas, independentemente do fato de advirem tais limitações de regras explícitas
ou de entendimentos jurisprudenciais. Isso se dá porque, se um fato não pode ser
provado, tal equivale à impossibilidade de se tutelar o direito sobre o qual se funda, de
tal forma que “as partes têm um direito constitucionalmente garantido de ver produzidas
no processo as provas indicadas e propostas que apresentem uma efetiva relevância ou
utilidade para a resolução da controvérsia; a este direito corresponde a obrigação do juiz
de permitir o ingresso de tais meios de prova”.109 Nesse contexto, desenvolve-se a ideia
de que a dúvida sobre a relevância da prova favorece sua admissão já que “o valor, a
credibilidade ou (dentro de certos limites), a relevância de um meio de prova não podem
ser valorados antes que esta prova tenha sido produzida no processo”.110

Em suma, sob a ótica da utilidade da prova, a perspectiva garantista exige, no processo


civil, a admissão e produção de todos os meios de prova que não se revelem
manifestamente irrelevantes e protelatórios.

Porém, ao mesmo passo em que se admitem todos os meios de prova, inclusive atípicos,
desde que lícitos, para o esclarecimento dos fatos, o Código de Processo Civil de 1973,
por vezes, proíbe expressamente as provas cuja credibilidade seja duvidosa. 111 Há um
profundo paradoxo nesta constatação, na medida em que o direito à prova e o livre
convencimento112 não podem ser invocados para restringir a busca da verdade com
fundamento na ausência presumida de credibilidade das provas.

As limitações impostas sob este argumento são justificadas por uma visão
preconceituosa de determinadas fontes de prova, 113 o que, sem dúvida, revela um juízo
prévio e abstrato de valoração dos elementos probatórios que delas se possam extrair.
Noutras palavras, a lei parte da premissa de que algumas fontes não merecem sequer
ser conhecidas, dada a “ausência de credibilidade” das informações que delas provirão.
Nesta perspectiva, há inegável confusão entre os princípios que permeiam o plano da
admissibilidade (liberdade dos meios de prova) e o plano da valoração das provas (livre
convencimento).

É certo que, muitas vezes, as restrições impostas pela lei são fundadas em máximas da
experiência e prestam-se, em grande medida, a suprir as deficiências humanas na
apreciação dos fatos, permitindo que as decisões respeitem os valores e concepções
dominantes na sociedade.114

Porém, a imposição de tais restrições pode constituir uma ingerência exagerada da lei
sobre a formação do convencimento do juiz; isso ocorrerá quando não se puder
vislumbrar razoabilidade na restrição do material probatório fundada no juízo abstrato de
ausência de credibilidade. Nestes casos, as restrições impostas em lei devem ser

    Página 18
Resultados da Pesquisa

interpretadas como meras diretrizes na valoração da prova, “alertas ao juiz para ir em


busca, sempre que possível, da prova melhor”, sem impedi-lo “de investigar a verdade,
com os meios de que dispõe, quando se afigurar necessária uma dessas provas como
instrumento de sua apuração”.115

O Capítulo III do Título I do Anteprojeto busca, sob esta ótica, extirpar as regras que
estabelecem a inadmissibilidade das provas suspeitas, sejam elas fundadas na
marginalização de determinados meios de prova (a exemplo de provas orais e
presunções), ou num juízo legal amparado em generalizações (como a suspeição ou
impedimento de testemunhas em razão de parentesco ou amizade). Defende-se a
utilização destas generalizações legais como diretrizes para a apreciação destas provas,
que deve ser livremente procedida pelo juiz, de acordo com parâmetros racionais, o que
é reforçado no § 2.º do art. 19.

Ao estabelecer, no caput do art. 19, a vedação de limitações à admissibilidade das


provas com fundamento na suspeita da sua falta de credibilidade, o Anteprojeto desloca
as suspeições do plano da admissão para o da valoração. Assim, a norma proposta
consagra infraconstitucionalmente o direito à prova, com a orientaçãode que o juiz não
se valha do juízo de admissibilidade para prevalorar os meios de prova ainda não
produzidos.

No § 1.º, I, do referido dispositivo especificou-se a aplicabilidade da regra geral do caput


às incompatibilidades, incapacidades e a qualquer fato que possa afetar a credibilidade
dos depoimentos das partes e das testemunhas. Pretendeu-se, com isso, evitar que a
prévia concepção sobre a credibilidade de determinada fonte de prova esteja amparada
em generalizações dissociadas do caso a ser julgado, algumas delas incertas ou
ofensivas à moral e ao direito.116 Com isso, consagra-se a tendência ampliativa à
admissibilidade do depoimento das testemunhas, pois, na linha do que defende Luigi
Paolo Comoglio, as causas comprometedoras da imparcialidade e da credibilidade das
testemunhas devem ser interpretadas como critérios de valoração, por não constituírem
razões para excluir previamente a prova.117

O texto deste inc. I do § 1.º busca advertir contra limitações ao depoimento pessoal
que, embora não tenham previsão legal expressa, resultam de práticas derivadas de
uma interpretação equivocada da legislação vigente. Restrições como a proibição à parte
de requerimento do próprio depoimento pessoal, a vedação às reperguntas pelo
advogado do depoente e a ineficácia do depoimento da parte para produzir prova em seu
favor enquadram-se nesta situação. A interpretação literal das normas sobre o
depoimento pessoal presentes no Código de Processo Civil 118 vigente e, também, a
suposta finalidade de confissão deste depoimento são verificadas na jurisprudência mais
ortodoxa, de acordo com a qual “não cabe à parte requerer seu próprio depoimento
pessoal” uma vez que, “segundo determinação do art. 343 do CPC, compete a cada
parte requerer o depoimento pessoal da outra”.119-120

Esta regra tem caráter eminentemente pedagógico e visa chamar a atenção para o fato
de que o critério do interesse na causa é útil para valorar a credibilidade para o
depoente, mas não é o único, e não deve sequer servir como limitação à admissibilidade
e à forma de produção da prova. Ao conferir aos elementos probatórios extraídos do
depoimento pessoal valor inferior àquele atribuído ao depoimento de terceiros

    Página 19
Resultados da Pesquisa

(testemunhas), o magistrado nem sempre atende à busca da verdade nas circunstâncias


do caso específico. A credibilidade do depoimento pode não estar vinculada
exclusivamente ao interesse econômico ou psicológico do sujeito do qual provém a
declaração. Ao contrário, algumas vezes, a ligação do depoente com os fatos da causa
propicia uma precisa e minuciosa narração dos fatos, e as capacidades perceptivas do
depoente podem imprimir maior clareza e coerência à narrativa.

Os incs. II e IV do § 1.º buscaram abolir as limitações concernentes à inadmissibilidade


da prova testemunhal e à prova indiciária, atualmente estabelecidas no Código de
Processo Civil e no Código Civil de 2002 121-122 em função do valor do contrato, em razão
de o fato já estar provado por documento ou confissão ou de exigir a lei para a sua
comprovação documento ou exame pericial. As vedações neste sentido, constantes da
legislação vigente, não se coadunam com a concepção de livre convencimento que
vigora no processo civil da atualidade, na medida em que não pode o legislador
prescrever uma ordem de prioridade valorativa para cada meio ou elemento de
prova.123-124

Estes incs. II e IV se coadunam com o entendimento de que a subordinação inflexível da


admissibilidade da prova testemunhal ou indiciária ao valor do contrato impede o
julgador de atentar para as circunstâncias do negócio jurídico, tais como a qualidade das
partes, a natureza do contrato125 e os costumes regionais de contratar verbalmente. Se a
prova escrita não for da substância do ato, as regras legais que marginalizam as provas
testemunhal e indiciária não podem constituir óbice à sua admissão. Este tem sido o
entendimento da jurisprudência acerca dos contratos de parceria rural, pecuária,
agroindustrial e extrativa, qualquer que seja seu valor e forma, 126 bem como nos
contratos de prestação de serviços em geral, inclusive os celebrados por telefone 127 ou
pela Internet – especialmente quanto aos serviços de táxi, lembrados por Cândido
Dinamarco, em relação aos quais quase nunca se lavra contrato escrito –, além dos atos
praticados pelas sociedades de fato (inclusive os respectivos contratos sociais, por
motivos óbvios).128 Trata-se, portanto, de alteração que vai ao encontro da orientação
doutrinária-jurisprudencial mais adequada, em consonância com os princípios da
liberdade dos meios probatórios e da livre persuasão racional: ao mesmo passo em que
se garante a admissão e produção do material probatório, permite-se ao juiz fundar seu
convencimento acerca dos elementos resultantes destes meio de prova em critérios
lógico-racionais específicos, verificados no caso concreto, sem vinculá-lo a regras de
prova legal.

Seguindo a mesma linha, estes dispositivos atentam para o fato de que a suposta
suficiência da prova documental, bem como a existência de confissão ou de prova
pericial sobre determinado fato, não podem inibir a produção de prova em sentido
contrário, sob pena de cerceamento de defesa.129

Assim, mesmo que o fato esteja documentalmente demonstrado, v.g., pelo autor, não
poderá o juiz deixar de deferir a prova testemunhal ou indiciária tendente a corroborar a
tese fática oposta, fornecida pelo réu.130 Com maior razão, estes meios de prova não
poderão ser indeferidos por já existirem documentos comprobatórios nos autos,
mormente quando tais documentos não bastem à demonstração do fato probante.131

A ruptura do dogma de que os fatos confessados não precisam ser provados revelou-se

    Página 20
Resultados da Pesquisa

necessária, permitindo que a confissão seja valorada racionalmente no conjunto


probatório, sem que se autorize a exclusão automática de outros elementos. À luz deste
raciocínio, afigura-se que a confissão somente estabelecerá a dispensa de prova
testemunhal – ou de qualquer outra prova – quando, além de se referir a fatos
subjacentes a direitos disponíveis, não for incompatível com o conjunto das alegações e
provas dos autos, ou mesmo com fatos notórios e máximas da experiência comum.

Analogamente, o afastamento da inadmissibilidade da prova testemunhal devido à


comprovação do fato por prova pericial consagra a liberdade do juiz de racionalmente
valorar estes meios de prova, sem que haja necessidade de cercear sua admissibilidade.
Como é sabido, o que determina a utilidade de prova pericial não é a exigência de maior
ou menor grau de confirmação de uma hipótese fática, mas a natureza científica ou
técnica do conhecimento demandado para esclarecer os fatos. Os demais meios de prova
– como é o caso da testemunhal – podem, entretanto, auxiliar na análise das premissas
fáticas adotadas pelo perito, bem como, eventualmente, da adequação do material
examinado e do método utilizado no caso específico, além de outras formas de controle
da prova científica.132 Todos estes aspectos dependerão da análise concreta do juiz, não
havendo espaço para previsões legais restritivas do direito à prova.

O inc. III do § 1.º do art. 19 segue a mesma linha de raciocínio das regras mencionadas,
autorizando o juiz a valorar livremente os elementos obtidos por meios de prova
diversos daqueles estipulados contratualmente. O objetivo da regra é reforçar a
impossibilidade de se estabelecerem limitações legais ou convencionais à admissão da
prova.

O inc. V do aludido dispositivo busca superar a ideia de que a confissão extrajudicial tem
eficácia equivalente à da confissão judicial. Neste particular, reforça-se a regra prevista
no inc. II, que relativiza a eficácia, antes tida como absoluta, da confissão e, ao mesmo
tempo, permite-se ao juiz analisar as especificidades da confissão obtida fora do
processo. Isso deve ocorrer especialmente quando haja controvérsia no processo acerca
do fato confessado, ou seja, quando a parte não mais sustente admissão do fato
confessado como verdadeiro. Como assevera Leonardo Greco, a máxima da experiência
comum em que se fundou esta regra, de que “quem confessa por escrito ao próprio
beneficiário, quer colocá-lo em posição de vantagem em qualquer futura demanda
judicial”, não mais subsiste.133 Contemporaneamente, prossegue o autor, existem na
sociedade muitas relações de dominação e, com isso, “pessoas que se encontram em
posição de vantagem impõem facilmente a sua vontade”; “aqueles que com elas
negociam se sentem induzidos a confessar fatos desfavoráveis para com elas manter
negócios” e “o mais fraco é induzido a uma confissão extrajudicial, porque dela depende
um benefício imediato (….”134 Sobressai, neste ponto, a importância da persuasão livre e
racional do juiz na valoração da confissão.

Os incs. VI e VII do § 1.º do dispositivo se prestam a corroborar a ideia central do art.


19, qual seja, a de que as generalizações e os critérios legais, ainda que racionais, não
podem constituir óbices inflexíveis à admissão e à produção da prova. Nesta linha,
mesmo as regras procedimentais sobre a produção da prova (inc. VI) devem ser
afastadas, conquanto não se observe um prejuízo desproporcional ao contraditório ou ao
esclarecimento dos fatos. No inc. VII, a norma extensiva buscou enfatizar a intenção do

    Página 21
Resultados da Pesquisa

dispositivo, de vedar restrições fundadas exclusivamente na falta de credibilidade da


prova.

A ressalva do § 3.º quanto à possibilidade de limitações fundadas na ausência de


conhecimentos técnicos ou científicos dos peritos se justifica na medida em que tais
restrições não estão fundadas exclusivamente na falta de credibilidade da prova, mas na
inaptidão das fontes para esclarecer os fatos. Ainda assim, seguindo a regra geral do
dispositivo, a norma estabelece que, na hipótese de produzida a prova sem a
observância de tais limitações, os elementos de prova dela resultantes serão valorados
com base na persuasão racional, mediante fundamentação específica e expressa, com
base nas regras de experiência e nos demais elementos probatórios.

Capítulo IV – Limitações probatórias: celeridade, procedimento, prazos e


preclusões

O capítulo IV do Anteprojeto se refere às limitações probatórias quanto aos prazos e


preclusões. Aqui foram traçadas algumas regras a respeito da boa marcha processual, a
fim de que seja respeitado o princípio fixado na norma do art. 10 de que a busca da
verdade, premissa fundamental do Anteprojeto, não pode ser subjugada pela celeridade
ou por um sistema preclusivo.135

O sistema proposto parte, portanto, da prevalência da garantia do direito à prova e à


verdade136 sobre a brevidade e a celeridade processual, reduzindo-se a preclusão e a
peremptoriedade dos prazos. O § 1.º do art. 20 já diz, de pronto, que é admissível a
produção da prova tardiamente requerida.

É certo que o direito a um processo sem dilações indevidas integra o próprio direito ao
“processo justo”, sendo considerado, como relembra Leonardo Greco, a partir da lição de
Luigi Paolo Comoglio, como uma de suas “garantias estruturais”. 137 Um processo, para
ser devido, deve ser, cumulativamente, público, paritário, adequado, leal, efetivo e
tempestivo.138 De nada ou pouco vale “dar a cada um o que é seu” com anos e anos de
atraso, pelo que, como se sabe, justiça atrasada é manifesta injustiça.

A despeito disso, como já salientamos, 139 há que se analisar que o processo, como meio
de efetivação de direitos e garantias, não pode ser “fulminante”. Celeridade é
indispensável, mas ela deve encontrar limite no garantismo. Afinal, como bem observou
Fredie Didier Júnior,140 o direito à demora é uma conquista de dois mil anos e não pode
ser afastado. Pelo mesmo caminho envereda Leonardo Greco, 141 que ressalta que o
processo deve ter o tempo suficiente para permitir, às partes, e à própria sociedade, a
efetivação do direito de defesa, dos recursos, da produção de provas, da colaboração e
alegações em juízo. Os processos da Inquisição, totalmente distintos do padrão
democrático atual, eram breves, alguns brevíssimos, e ninguém ousaria dizer que eram
devidos. Do mesmo modo, e até mesmo pela infeliz organização que hoje detêm
algumas forças criminosas, os “processos” de julgamento dos inimigos são céleres e
eficazes, porém diametralmente oposto daquilo que pode ser considerado devido.

Não se pode, como José Carlos Barbosa Moreira ressalta, acreditar no “mito da
celeridade” como panaceia para todos os problemas do processo. A rapidez não é o valor

    Página 22
Resultados da Pesquisa

por excelência, e deve ser considerada em conjunto com todas as garantias


fundamentais processuais. Para ele, “se a justiça lenta demais é decerto má, daí não se
segue que uma muito rápida seja necessariamente boa”, e, continua, “o que todos
queremos é que a prestação jurisdicional venha a ser melhor do que é. Se para torná-la
melhor é preciso acelerá-la, muito bem; não, contudo, a qualquer preço”. 142

Assim, admitiu o Anteprojeto, desta feita, que embora se prestigie o art. 5.º, LXXVIII, da
CF/1988, não são os momentos destinados à descoberta da verdade os responsáveis
pela morosidade processual, mas os chamados “tempos mortos”, 143 os quais devem,
efetivamente, ser combatidos.

Tanto é verdade que, como se observa no art. 20, IV, do Anteprojeto, há possibilidade
expressa de reabertura do requerimento probatório, quando, após a produção das
provas regularmente requeridas e produzidas (art. 56), ainda pairar controvérsia ou
indefinição acerca de determinado fato. Consagra-se, ainda, a produção de prova
tardiamente requerida, mesmo que não se respeite o calendário processual (art. 53, IV),
se demonstrado o motivo legítimo à sua produção.

Tem-se, também, a ideia bastante clara de que as preclusões, tão importantes ao


andamento do processo, não podem servir, per si, como obstáculos à demonstração dos
fatos porquanto não são elas, certamente, as culpadas por eventual demora na
prestação jurisdicional.

Deste modo, resta evidenciado que o Anteprojeto se preocupou, sobremaneira, com a


revelação da verdade, e não com um julgamento capenga que, infelizmente, a rigidez do
procedimento atual acaba por consagrar,144 a pretexto de respeito à celeridade e à
duração razoável do processo.

Quanto às provas novas, adotou o Anteprojeto a lição de José Carlos Barbosa Moreira, 145
que entende que podem ser assim consideradas não só aquelas relativas aos fatos
supervenientes, mas também as que tiveram conhecimento, acessibilidade ou
disponibilidade posterior, observada, necessariamente, nesses casos, a boa-fé (art. 6.º
do Anteprojeto).

Outra importante alteração trazida se refere à chamada teoria da aquisição ou da


comunhão da prova,146 expressamente prevista no art. 21, a qual preceitua que, uma
vez admitida a produção de determinada prova, é defesa a desistência, excepcionando-
se as impossibilidades fáticas e, no caso dos direitos disponíveis, a anuência da parte
contrária. Nesse sentido, por exemplo, se determinada parte requerer a oitiva de
determinada testemunha, sendo tal pedido admitido, dele não poderá mais desistir, na
medida em que o Anteprojeto entende que tal desistência poderia ser considerada como
uma estratégia ilegítima ao bom andamento do feito e, principalmente, à descoberta da
verdade.

Neste prisma, a lei exige a anuência da parte contrária para que tal desistência seja
deferida, partindo-se, mais uma vez, da premissa de que, uma vez requerida, a prova
adere ao processo, pertencendo não mais às partes, mas a todos os seus destinatários,
em especial aos sujeitos diretamente interessados no seu resultado.

    Página 23
Resultados da Pesquisa

Capítulo V – Limitações probatórias: privacidade, não autoincriminação,


interesse público e ilicitude da prova

1. Generalidades. No capítulo destinado às limitações probatórias decorrentes do direito


à privacidade, não autoincriminação, interesse público e ilicitude da prova pretendeu-se
um regramento que fosse capaz de conciliá-las, o mais possível, com a busca da
verdade.

Até então, o atual Código de Processo Civil e até mesmo as legislações referentes ao
procedimento administrativo não regularam, com a devida adequação, as questões
atinentes ao segredo de Estado e as escusas baseadas na privacidade e não
autoincriminação.

Se por um lado temos uma enriquecida doutrina acerca da proteção à garantia da não
autoincriminação no Direito Processual Penal, conferindo-se contornos quase absolutos,
o mesmo desvelo não é encontrado nos demais ramos do Direito Processual. Não se
verifica a reflexão de até que ponto a garantia do silêncio como meio de não
autoincriminação pode ser utilizada nas causas privadas.

Em relação ao campo da privacidade, vislumbramos fenômeno oposto, uma vez que a


complexidade das novas relações jurídicas, advindas da evolução dos meios de
comunicação e das políticas de segurança, tem posto em intenso debate 147 os limites da
privacidade dos cidadãos e até que ponto as informações podem ser acessadas, seja
com ou sem autorização de seus respectivos titulares.

No que pertine ao interesse público, podemos notar uma tendência à abertura de


informações titularizadas pelo Estado, principalmente pelo histórico dos regimes políticos
que regeram o país e a atual cobrança da sociedade por acesso a informação.

Falar em limitação probatória não quer dizer limitação quanto à produção probatória.
Aqui, estamos lidando com regras processuais que impedem o acesso a determinados
documentos, às declarações dos interessados, por questões íntimas de seus titulares.
Não se trata, portanto, de discutir a aptidão das partes para a produção probatória, uma
vez que o referido tema é objeto do capítulo atinente ao ônus da prova.

A premissa estabelecida no Capítulo V do Título I do Anteprojeto consistiu na fixação de


parâmetros para a produção probatória, quando a marcha processual direcionada à
descoberta da verdade colidisse com escusas fundadas na privacidade, na segurança
nacional e no sigilo profissional ou religioso.

A descoberta da verdade parte como premissa chave do presente Anteprojeto, uma vez
que o acesso ao direito sem que o ordenamento jurídico proporcione meios para tal
mister, simplesmente tornaria obsoleto o sistema judicial.148

É claro que apesar de o Anteprojeto marchar no sentido de potencializar todos os meios


de prova, através da cláusula constante do art. 22, permite-se ao juiz a possibilidade de
restrição à descoberta da verdade, sempre que em jogo direitos fundamentais ou a
segurança da sociedade e do Estado, os quais merecerão a integral proteção do órgão
jurisdicional, desde que a sua proteção seja considerada preponderante em relação ao

    Página 24
Resultados da Pesquisa

direito à busca da verdade.

Assim, o dispositivo estabelece cinco hipóteses em que será admissível essa limitação, a
saber: I – na proibição de produção de provas ilícitas; II – na exigência do registro ou do
instrumento público como prova legal de determinados fatos, como os relativos à vida
civil, para preservação da segurança jurídica; III – nas escusas de depor, de exibir e de
informar fundadas na privacidade; IV – na proibição de acesso a documentos e
informações acobertados pelo segredo de Estado; e V – na preservação do sigilo
religioso ou profissional.

A dogmática estabelecida no Anteprojeto deixa clara a integral proteção aos direitos


fundamentais, tendo em vista a cominação de ilicitude da prova, sempre que esta for
produzida em desrespeito a estes, ao segredo de Estado, ao sigilo profissional ou à
liberdade de consciência e crença, nos termos do art. 23 do Anteprojeto.

Opta-se por estabelecer um conceito bem amplo de prova ilícita, não apenas para
aquelas produzidas em desacordo com direitos fundamentais, mas também alcançando
qualquer violação aos postulados estabelecidos no próprio anteprojeto, a exemplo do
segredo de Estado, o qual goza de proteção no Anteprojeto, bem como no sigilo
profissional ou liberdade de consciência e crença, temas também regulados pelo
Anteprojeto, fugindo-se da classificação adotada pelo art. 157 do CPP.

O Anteprojeto, ao tratar das provas ilegais, abrange as espécies de (1) prova ilícita
stricto sensu (prova vedada pela ordem jurídica vigente) e (2) prova obtida por meio
ilícito (prova obtida por meio em desacordo com a ordem jurídica vigente, também
classificada como prova ilegítima), deixando claro que tal matéria possui natureza de
questão processual de ordem pública e que, por isso, pode e deve ser conhecida a
qualquer tempo e grau de jurisdição, embora muitas vezes deva ser admitida (v. art. 23
do Anteprojeto).

Neste contexto, devemos seguir a linha de raciocínio que permita concluir que a ilicitude
possa ser conhecida ex officio,149 inclusive, pelos Tribunais Superiores em sede de
recursos especial e/ou extraordinário, independente de prequestionamento, por ser
matéria de ordem pública, decorrente da garantia constitucional da inadmissibilidade das
provas obtidas por meios ilícitos (art. 5.º, LVI, da CF/1988).

Tal se justifica, pois, se o texto constitucional 150 garante que não podem ser utilizadas
provas obtidas por meios ilícitos151 (ilicitude quanto ao meio de produção da prova), com
muito mais razão há de se garantir o direito de não serem utilizadas as provas ilícitas,
mesmo que produzidas licitamente, porquanto é incontroverso que tanto a ilicitude
quanto ao meio de prova, quanto a ilicitude da própria prova são combatidas pelo
ordenamento jurídico brasileiro.

Não há como negar que os olhos dos juristas se voltam para o tema da ilicitude da prova
sob a vertente processual penal. Isto se dá pelo fato de o processo penal apresentar
contornos diversos ao processo civil, principalmente no que toca aos interesses das
partes em litígio.

A tutela penal tem a característica peculiar de que o interesse do autor da ação penal,
rectius – Estado, é o da apuração do fato criminoso, pouco importando que o resultado

    Página 25
Resultados da Pesquisa

final seja a condenação ou absolvição. Falta ao Ministério Público o componente


psicológico de tutela de um interesse individual. Por esta razão que a referida instituição
pode ao longo do processo manifestar posições antagônicas quanto ao resultado do
processo, diante das provas produzidas sob o crivo do contraditório.

No entanto, o Estado é o primeiro que não pode fugir das amarras das normas
constitucionais e processuais, daí o porquê de se reforçar a invalidade das provas
produzidas por meios ilícitos. Não sendo possível ao autor da ação penal comprovar os
elementos da conduta criminosa, outro caminho não resta senão a absolvição, podendo
o próprio Ministério Público opinar neste sentido.

O processo civil contém um componente peculiar, em razão dos interesses individuais


das partes em litígio, o que os tornaria suscetíveis de produzir provas sob meios de
duvidosa legalidade, na tentativa de comprovar as suas alegações.

É por esta razão que o Anteprojeto, de forma inédita, busca incorporar ao Código de
Processo Civil, a normatividade da proibição das provas ilícitas, criando exceções
próprias, consentâneas às suas características, não obstante ser possível reconhecer que
este ramo do direito processual tutele direitos tão importantes quanto o direito à
liberdade tutelado pelo processo penal.

O Anteprojeto buscou prestigiar a teoria da ilicitude por derivação, sempre que outras
provas venham ser produzidas a partir daquela produzida em desrespeito aos direitos
fundamentais, na forma do § 1.º do art. 23.

Aqui, nenhuma novidade há, uma vez que o estudo do processo penal já analisa há
décadas a teoria da ilicitude por derivação, baseada na teoria norte-americana dos fruits
of the poisonous tree, de modo a justificar a invalidade de todas as provas que se
derivem de uma origem ilícita.152

Cabe, no entanto, o registro de que apesar de haver a inadmissibilidade da prova obtida


quando derivada de uma prova ilícita, convém destacar que a própria doutrina e o
Código de Processo Penal (art. 157) contemplam duas hipóteses em que provas ilícitas
serão admitidas, nas hipóteses de fonte independente 153 – quando os fatos trazidos ao
conhecimento do juiz possam ser provados mediante uma outra fonte independente
daquela contaminada, produzida de forma lícita – e da descoberta inevitável – nos casos
em que o fato provado por meio da violação das normas constitucionais necessitaria de
uma avaliação hipotética, a fim de se verificar se poderia este mesmo fato ser
descoberto por outros meios de prova produzidos licitamente. O Anteprojeto não
agasalha essas exceções por considerá-las estimuladoras da investigação da verdade por
meios ilícitos.

A despeito disso, o Anteprojeto inova ao admitir que a vedação de prova ilícita ou obtida
por meio ilícito154 não mais pode ser considerada absoluta, podendo, em casos
excepcionais, ser objeto de juízos de ponderação (pela utilização dos juízos de
proporcionalidade ou razoabilidade) com base nos interesses envolvidos na causa.

Ademais, o § 2.º do art. 23 contempla regra que permite a admissão de prova ilícita na
hipótese de concordância expressa do titular do direito violado, desde que: 1 – a prova
não se destine a demonstrar fato que decorra o sacrifício de um direito indisponível (inc.

    Página 26
Resultados da Pesquisa

I); 2 – não seja utilizada como instrumento de simulação, falsidade ou fraude (inc. II); 3
– não contrarie o disposto no art. 24 do Anteprojeto (inc. III).

Ressalta-se, porém, que a eventual admissão desta prova ilícita não modificará a sua
natureza, nem a natureza da sua forma de produção ou aquisição, pois “não exclui a sua
ilicitude para todos os demais efeitos” (art. 23, § 3.º, parte final).

Noutros termos: o Anteprojeto busca solucionar questão relativa à possibilidade de


excepcional admissão de prova obtida por meio que viole direito fundamental, com base
na ponderação de interesses envolvidos em determinado caso concreto, no § 3.º do art.
23.

Pretende-se, desse modo, permitir a excepcional admissão da prova diante da


prevalência ou relevância de interesse envolvido em determinada hipótese, mas sem
modificar a natureza ilícita do meio ou da prova para todos os demais efeitos, de modo a
se assegurar que um direito fundamental preponderante ou relevante seja afetado
quando exista prova (mesmo que ilícita) que demonstre a necessidade de sua
preservação ou proteção.

Para este caso o Anteprojeto propõe um sistema probatório especial para admissão,
utilização e inutilização da prova ilícita ou obtida por meio ilícito, nos termos dos §§ 2.º e
ss. do art. 23, a saber:

1.º – a prova só poderá ser admitida para determinado caso, diante de ponderação de
interesses ou direitos fundamentais;

2.º – sendo admitida, a prova deverá ser desentranhada e inutilizada, de imediato, após
o trânsito em julgado da decisão final da causa, permanecendo nos autos somente o
registro documental constante da decisão final (§ 4.º do art. 23);

3.º – não sendo admitida a prova ilícita (§ 5.º do art. 23): deverá ser inutilizada de
imediato após a preclusão da decisão que indeferir a admissão, exceto se alguém
demonstrar que tem direito de conservá-la, caso em que a prova deverá ser
desentranhada e entregue a esta pessoa, com o devido registro da entrega nos autos.

No que tange as escusas fundadas no exercício profissional ou ministério da religião, os


arts. 26 e 27 estabelecem balizamentos a estas limitações ao preverem que os limites do
sigilo profissional serão estabelecidos pelo regulamento de cada profissão.

Assim, cada entidade responsável pela respectiva profissão fica encarregada de


regulamentar a matéria a respeito do sigilo profissional, a exemplo da advocacia, cuja
norma encontra-se prevista no art. 25 do Código de Ética da OAB. Por seu turno, o sigilo
religioso restringir-se-á à preservação da inviolabilidade da liberdade de consciência de
crença, como assevera a parte final do art. 27.

Neste ponto, a proteção referente à liberdade de crença ou religião e alvo de disposição


específica no Anteprojeto, que busca proteger a descoberta da verdade, nos termos do
parágrafo único do art. 27 que determina a aplicação da cláusula do art. 29, de modo
que tais elementos não poderão, de modo indiscriminado, ser invocados como
obstáculos a exposição da verdade.

    Página 27
Resultados da Pesquisa

Mais uma vez, nota-se a preocupação em se manter a coerência e objetividade do


Anteprojeto, evitando-se que um possível silêncio normativo a respeito da extensão do
sigilo profissional e religioso pudesse ser invocado como escusa.

Encara-se o sigilo profissional como integrante do primeiro grau de privacidade, 155 de


sorte que em nenhuma hipótese poderá haver a ruptura desta proteção, salvo se houver
o consentimento de seu titular e a legislação profissional assim autorizar, como ocorre a
exemplo do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, em seu art. 7.º, XIX, da Lei
8.906/1994, que veda ao advogado prestar informações sobre fatos relacionados a seus
clientes, ainda que por eles autorizados.

Trata-se de uma proteção absoluta, integrante do direito à privacidade que visa


preservar a relação entre o profissional e o cliente, evitando que as informações
compartilhadas em razão do vínculo estabelecido entre os envolvidos possa ser utilizada
em processo judicial.

2. Não autoincriminação. Houve enfrentamento do árido156 e controvertido tema


relacionado à escusa de produção probatória baseada na não autoincriminação. O
Anteprojeto adotou uma linha diversa do direito processual penal, não abraçando, em
caráter absoluto, o princípio nemo tenetur se detegere que permite aos acusados a
garantia de não produzir provas contra si mesmo no processo criminal, podendo até
mesmo falsearem a verdade em suas declarações, sem que isso lhe ocasione nenhuma
consequência negativa.

Enquanto o direito processual penal admite a mentira 157 como recurso válido ao exercício
de defesa, o mesmo não pode ser encarado no processo civil em razão da imposição do
dever de boa-fé e lealdade das partes.158

Em uma análise do direito comparado verificamos que a proteção a não autoincriminação


possui tratamento diferenciado, em especial no campo do direito processual penal. A
exemplo, o Direito norte-americano confere esta garantia, expressamente prevista na
Quinta Emenda à Constituição, sempre que em processo judicial ou administrativo, cível
ou criminal, o interessado seja compelido a prestar declarações que possam ser usadas
em investigação ou processo criminal.159

Por outro lado, se das declarações prestadas não advir qualquer responsabilidade penal,
o direito norte-americano não tem contemplado o exercício da garantia constitucional. É
verdade que o princípio da não autoincriminação se revela por meio de várias vertentes,
seja pela realização atos de cooperação (prestar depoimentos, fornecer materiais para
exame etc.) e de tolerância (submeter-se à identificação e inspeção etc.). 160

O que não se vê com frequência e, aqui, o campo prático tem por hábito confundir
conceitos, consiste na extensão da garantia a campos diversos do processo penal. 161
Apesar de haver suporte a aplicação do referido princípio em áreas diversas, como o
Direito Tributário, ao que se vê da doutrina estrangeira, o mesmo não pode ser dito em
relação ao ordenamento jurídico brasileiro.162

A impossibilidade de produção de provas que levem a não autoincriminação possui


campo certo e determinado, qual seja, a investigação e o processo criminal, não
podendo ser utilizada em outros ramos do direito processual, como manto para

    Página 28
Resultados da Pesquisa

acobertar a verdade e obstaculizar o direito de seus titulares, pois é nítida a


incompatibilidade entre a não autoincriminação e a boa-fé processual. Ao reduzir o seu
alcance no processo civil o Anteprojeto teve em mente que a privacidade de um não
pode servir de escudo para impedir o acesso ao direito de outro. O que impende
resguardar nesses casos não é o acesso à prova, mas a sua divulgação para fora do
processo ou a sua utilização para qualquer outro fim que não a apuração da verdade no
processo.

É claro que há situações em que a recusa em produzir provas é fundada, tal como prevê
o art. 24 do Anteprojeto, ao vedar a realização de exames ou diligências, sempre que
houver risco à vida, à integridade física, psíquica ou à saúde, bem como quando impuser
sofrimento intenso, de acordo com a ciência médica.

Assim, a busca da verdade não alcançará ares absolutos, pois também encontrará um
freio na disposição do art. 24, § 1.º, através da restrição dirigida a todos os exames ou
diligências que afetem a dignidade ou pudor da pessoa examinada, sendo admissíveis
apenas com a sua expressa concordância, manifestada de forma livre, independente de
qualquer constrangimento.

Estabelece-se na parte final do respectivo dispositivo que “a recusa à realização de


perícia médica, cuja produção vise a comprovar fato de que resulte direito indisponível
de outrem, pode suprir a prova que se pretendia obter com o exame” tal como já ocorre
na jurisprudência em relação ao exame de código genético (DNA) reconhecido no
Enunciado 301 da Súmula do STJ.

A doutrina referente às provas invasivas e não invasivas é demasiadamente farta,


tratando da distinção entre atos de cooperação ativa e passiva. Assim, verifica-se que
mesmo no processo penal é possível submeter a parte a um exame, ou exigir desta a
tolerância ao fornecimento de material para exame genético, sem a possibilidade de
invocar escusas, tal como se dá no Direito argentino.163

Apesar de a jurisprudência brasileira ser extremamente protetiva no que tange às


intervenções corporais, verifica-se o avanço impulsionado pela Lei 12.645, de
28.05.2012, que passou a permitir a coleta de material genético determinando aos
condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra
pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos na Lei de Crimes Hediondos, a submissão
obrigatória a identificação do perfil genético, mediante extração de DNA, por técnica
adequada e indolor.

Outra inovação quanto aos meios de prova está prevista no art. 24, § 2.º, que prevê a
vedação, mesmo com o consentimento da pessoa interessada, do emprego de “meios
que afetem a sua liberdade de autodeterminação ou a sua capacidade de rememoração
e de avaliação dos fatos”, ou seja, fica proibida a utilização de substâncias químicas que
retirem a livre autodeterminação, a utilização de substâncias que ocasionem dúvidas
quanto à recordação dos fatos objeto de prova, bem como a utilização de técnicas de
indução a estados diferenciados de consciência, como é o caso, por exemplo, da
hipnose.

Neste sentido, o anteprojeto traça um paralelo com as disposições do Código Civil, em

    Página 29
Resultados da Pesquisa

especial o art. 15 que garante a impossibilidade de se constranger um indivíduo a


submeter-se a tratamento médico ou intervenção cirúrgica, quando houver risco para a
vida.

A preocupação do Anteprojeto é a preservação do núcleo mais intenso da intimidade do


ser humano, impondo direito à descoberta da verdade uma barreira intransponível na
dignidade humana e na sua integridade psicofísica.

O mesmo já não pode ser dito em relação ao dever de colaborar por meio de
depoimentos ou exibição de documentos ou informações. Aqui, a redação do art. 31
reforça este dever das partes, estabelecendo a impossibilidade de recusa fundada na não
autoincriminação, mitigando, assim, a aplicação do princípio no direito processual civil,
como já era pretendido pelas normas anteriores.

A obrigação de contribuir para a apuração dos fatos é consagrada pelo Anteprojeto,


ainda que dessa investigação resulte a atribuição à parte, a terceiro ou a qualquer outra
pessoa da relação familiar ou de afeto desses, de ato criminoso ou torpe.

Note-se que o dever de prestar depoimentos e exibir documentos ou informações,


diversamente das hipóteses previstas no art. 31, não ocasiona danos à integridade
psicofísica, de modo que a escusa fundada na não autoincriminação, nesses casos, não
encontra suporte razoável.164

Em verdade, o Anteprojeto entendeu que a colisão entre a não autoincriminação e a


busca da verdade não justificaria a ocultação dos fatos e o consequente descompromisso
da parte ou do terceiro para com a marcha processual, sem que esta exposição não
causasse algum prejuízo à sua dignidade e integridade.

A proteção da privacidade, nesses casos, se exterioriza pela imposição do segredo de


justiça, pelo dever de sigilo imposto a todos os sujeitos processuais e pela proibição de
utilização destas informações para qualquer outro fim (art. 31).

Ou seja, a parte ou o terceiro não podem escudar-se no direito à não autoincriminação,


mas da sua colaboração não resultará para ela ou para aquele a que se refira a
informação incriminadora qualquer prejuízo, a não ser a avaliação dessa prova no
processo em que foi produzida.

Segue-se, portanto, caminho diverso de outros sistemas jurídicos que permitem o


silêncio do depoente, sempre que de suas declarações resultar imputação de fato
criminoso. A adoção de um sistema de inquirição fechada, cujo depoimento que
incrimine o declarante seja utilizado apenas para a descoberta da verdade naquele
processo, sem acarretar qualquer prejuízo ou incriminação apresentou-se como um bom
avanço, capaz de compatibilizar o acesso ao direito e a proteção individual daquele que
se vê obrigado a produzir a prova.

De qualquer modo, para coibir a malícia da parte que eventualmente venha a requerer a
produção dessas provas com nítido propósito de constrangimento, faculta o Anteprojeto
que o juiz avalie a sua pertinência, possibilitando-lhe a sua dispensa, se evidenciada a
sua inutilidade ou irrelevância.

    Página 30
Resultados da Pesquisa

Assim, o Anteprojeto quer deixar clara a regra de que a ruptura do princípio da não
autoincriminação tem o único e exclusivo propósito de permitir a efetiva descoberta da
verdade no processo em que a prova é produzida, evitando qualquer outra consequência
extraprocessual advinda do acesso à privacidade da parte ou do terceiro.

3. Privacidade. Note-se que além da questão atinente a não autoincriminação, o


Anteprojeto também compatibiliza o acesso às provas com o direito à privacidade
daquele que a detém, na forma do regramento contido no art. 28 do Anteprojeto.

Parte-se da premissa de que todas as informações atinentes às relações particulares


entre cada sujeito de direito e terceiros, assim como as acobertadas pelos sigilos fiscal,
comercial, industrial e financeiro, integram a esfera de privacidade protegida pela lei.

Assim, em sendo necessária a produção da prova para o acesso ao direito de outrem,


esta será realizada em Juízo desde que haja uma prévia ponderação entre o direito
deduzido na pretensão e a relação a qual a prova demonstra, devendo sempre haver a
preponderância daquela, de modo a se permitir a sua produção.

Neste contexto, não se pode olvidar a construção alemã referente às três esferas de
privacidade,165 de modo a justificar os graus da técnica de ponderação, prevista no art.
28, § 1.º, do Anteprojeto.

Nas disposições do art. 28 temos nítidos exemplos da privacidade em segundo e terceiro


grau, de modo que o acesso a tais informações seria plenamente admissível no curso do
processo.

A preocupação com a privacidade é muito bem analisada no direito norte-americano,


dado o fato de apesar de a Constituição norte-americana não explicitar a proteção a
privacidade, ser possível extrair da Quarta Emenda a proteção da esfera privada contra
atos do Estado.166

Retoma-se, neste ponto, a premissa inicial estabelecida, no sentido de que o estudo da


privacidade e a evolução das relações jurídicas demandam uma maior reflexão e
regulamentação dos meios de acesso à informação.

Seguindo a linha de preservação das informações evidenciadas a partir do material


probatório produzido em Juízo, o § 2.º do art. 28 contempla a necessária instalação do
segredo de justiça no processo, bem como a imposição do dever de sigilo a todos os
sujeitos processuais que tenham acesso à informação.

O Anteprojeto contempla grande avanço à medida que positiva em seu § 3.º a


possibilidade de quebra do sigilo de telecomunicações, mediante dois requisitos
cumulativos: a prévia decisão judicial e a subsidiariedade da produção desta prova, ou
seja, o acesso às informações desta natureza está condicionada à impossibilidade de
produção probatória por outros meios.

Cabe o destaque de que a norma aqui examinada não possui a mesma extensão do
permissivo concedido pela Constituição Federal no art. 5.º, XII, regulado pela Lei
9.296/1996. O que se pretende por meio do presente artigo é tão somente o acesso a
informação de banco de dados ou a utilização de interceptações telefônicas já produzidas

    Página 31
Resultados da Pesquisa

em anterior investigação ou instrução criminal.

Interessante destacar que durante a fase de discussões públicas travadas para análise
do Anteprojeto, Flávio Luiz Yarshell ofereceu expressivas contribuições, ressaltando que
o Anteprojeto poderia se debruçar sobre a questão da prova ilícita, em especial sobre a
impossibilidade de se utilizar a gravação ambiental de um dos interlocutores sem o
consentimento do outro, diante da decisão do STF167 que, em sentido oposto à tese aqui
exposta, admitiu esta modalidade de prova.

Na ótica do respeitável processualista, o STF não agiu com acerto ao admitir a utilização
de uma gravação realizada sem o consentimento do interlocutor, em razão da
deslealdade praticada pelo interlocutor que grava a conversa sem o consentimento do
outro, interferindo na privacidade.

Com efeito, não obstante a pertinência do tema suscitado, entendemos que a


interpretação de situações como esta e muitas outras envolvendo a utilização da prova
ilícita estariam afetas à regulamentação da matéria referente ao direito à privacidade e,
por tal razão, não seriam objeto de nosso estudo, dada a sua especificidade.

Não há como negar que a tônica do direito processual civil não poderia ser a mesma
daquela utilizada pelo STF para admitir a gravação clandestina no processo penal, uma
vez que o tema atinente à privacidade pode ser oponível a ambas as partes do processo
civil, o que já não ocorre no processo penal.

No entanto, o propósito do Anteprojeto é o de regulamentação de um novo regime


processual referente às provas no processo civil e a vertente adotada foi a de se evitar a
regulamentação de temas acessórios, sob risco de se ampliar demais a proposta do
estudo desenvolvido.

É verdade que premissas gerais sobre a privacidade acabaram sendo reguladas, a


exemplo do art. 29 que estabelece a total impossibilidade de produção probatória
sempre que necessária a preservação da sua inviolabilidade psíquica, do acesso
exclusivo do sujeito a registros para si mesmo, à produção intelectual individual a que o
ser humano não tenha dado publicidade e ao conhecimento do próprio corpo, 168 o que
enquadraria tal restrição ao primeiro grau de privacidade, uma vez que referente à
própria dignidade do indivíduo como pessoa humana.

Aqui a proteção à privacidade do indivíduo é absoluta, não havendo espaço para a


ponderação, de modo que a produção de prova só será admitida, nos termos do § 1.º do
art. 29, quando o próprio titular consentir com a sua produção ou, se o fato objeto de
prova já tenha sido voluntariamente revelado pelo interessado a terceiros; se
regularmente registrado em base de dados de terceiros ou com terceiros
compartilhadas, observando-se, em todas estas hipóteses a cláusula disposta no art. 24.

Em quaisquer das hipóteses antecedentes, o § 2.º comina as cautelas previstas nos §§


1.º e 2.º do art. 28, relativas à sua produção e à imposição do segredo de justiça.

De modo a encerrar o regramento do acesso às provas que colidem com a privacidade, o


art. 30 comina a inadmissibilidade da prova em desacordo com as premissas
estabelecidas neste Anteprojeto, determinando o consequente desentranhamento ou

    Página 32
Resultados da Pesquisa

inutilização (art. 23, §§ 4.º e 5.º) e submetendo o infrator às sanções previstas nos arts.
6.º e 7.º.

A análise do tema referente à privacidade permite a identificação de duas situações


muito bem delineadas no Anteprojeto. De um lado, a produção de determinadas provas,
a exemplo da hipótese prevista no art. 23, § 2.º, e 24, § 1.º, exige a expressa
autorização daquele que sofre a violação em seu direito, desde que, é claro, haja
margem de disponibilidade para tanto. A ausência de consentimento é elemento
impeditivo da produção probatória, em razão do bem jurídico tutelado.

Por outro lado, haverá hipóteses em que mesmo diante da recusa da parte, a sua
produção será possível, desde que haja, no entanto, uma prevalência no juízo de
proporcionalidade, com fundamento no art. 29 e observados os limites estabelecidos no
art. 24.

4. Interesse Público e Segredo de Estado. No art. 32 do Anteprojeto, igual dever de


segredo de justiça também é estabelecido aos sujeitos processuais quando, durante o
curso do processo, tenha sido permitido o acesso a informações que envolvam o
interesse público precisamente determinado, não qualificado como preponderante, do
ponto de vista do segredo de Estado, no momento da ponderação a que alude o art.
25.169

Busca-se ainda, encerrar a omissão advinda do silêncio legislativo relacionado às


questões envolvendo o segredo de Estado. O Anteprojeto opta por traçar parâmetros
objetivos acerca da natureza jurídica da hipótese de limitação probatória, como se
observa da redação do art. 25 do Anteprojeto. Não obstante caber à Lei de Acesso à
Informação (Lei 12.527/2011) estabelecer graus de restrição ao segredo de Estado, por
meio do decurso temporal necessário à sua liberação, o Anteprojeto avançou no trato da
matéria.

A limitação temporal da Lei de Acesso à Informação não poderia, por si só, justificar a
impossibilidade de produção probatória. O Anteprojeto, então, no art. 25 traz a definição
do que seria o segredo de Estado, sob a ótica das informações imprescindíveis à
segurança da sociedade ou do Estado sempre que: I – aquelas cuja revelação possa
causar grave risco à defesa da integridade do território ou à soberania nacionais; II – as
que ponham em risco as relações internacionais do país e as que tenham sido fornecidas
ao Governo brasileiro em caráter sigiloso por outros Estados soberanos e organismos
internacionais; III – as que possam prejudicar ou causar grave risco a operações
estratégicas das Forças Armadas em tempo de guerra.

O segredo de Estado,170 sem sombra de dúvida, merece integral proteção da legislação


processual, haja vista o notório interesse em se ver assegurada a integridade da nação.

Todavia, não se pode fechar os olhos para o fato de que a Fazenda Pública ocupa o
primeiro lugar no ranking de entidades que figuram em demandas perante o Poder
Judiciário. Não obstante, ela também é a entidade que mais oculta informações, seja por
uma mentalidade arcaica, seja pela sua própria desorganização em catalogar seus
dados.

Assim, seria necessário que uma terceira figura, diversa do demandante e da Fazenda

    Página 33
Resultados da Pesquisa

Pública fosse capaz de filtrar as informações, analisando quais provas seriam ou não
passíveis de utilização no processo.

É por esta razão que o Anteprojeto, da mesma forma que preconiza pela proteção ao
segredo de Estado, também o faz em relação ao titular de um direito lesado, instituindo
a possibilidade de criação de um órgão jurisdicional, seja em primeiro ou segundo grau
de jurisdição, capaz de avaliar a possibilidade de produção probatória em poder de
terceiros, concernente aos direitos fundamentais ou ao segredo de Estado, ainda que
esta última seja classificada como inacessível de acordo com outras disposições
normativas, na forma do art. 33.

Dois pontos merecem destaque no tocante a esta disposição legal. O primeiro se situa no
fato de que o intuito de criar um órgão jurisdicional com competência funcional para o
exame de admissão da prova é o de evitar a contaminação do Juiz Natural afeto ao
julgamento da causa, através do enfrentamento da matéria relativa à produção
probatória.

Assim, o órgão jurisdicional monocrático ou colegiado avaliaria a necessidade ou não da


produção probatória, retirando do Juízo Natural a competência para avaliação deste
tema.

O segundo ponto consiste no fato de que a instituição de um órgão jurisdicional com


competência funcional para decisão desta questão permite uma maior segurança ao
jurisdicionado, a partir da premissa de que o Poder Judiciário seria o único capaz de
analisar a conveniência da produção probatória independentemente de questões políticas
ou metajurídicas, ou quaisquer outros fatores que não influam no julgamento da causa.

Pondere-se que o propósito do Anteprojeto não é o de avançar em matéria de


organização judiciária, incorrendo em vício de inconstitucionalidade formal, mas apenas
traçar uma diretriz para que as legislações locais e regimentos internos dos tribunais
possam instituir os referidos órgãos jurisdicionais, estabelecendo uma simples
autorização.

Apesar de se tratar de novidade no direito brasileiro, nota-se que o direito espanhol, por
meio do art. 332 da Ley de Enjuiciamento Civil já contempla igual mecanismo,171
determinando aos tribunais a avaliação quanto à possibilidade de utilização de uma
prova que figure em poder do Estado.

O mesmo também já ocorre no direito francês, onde se estabelece a figura de uma


autoridade independente para avaliação da requisição judicial de determinada
informação, levando em consideração a possibilidade ou não de seu cumprimento. 172

Nota-se que o Anteprojeto leva em consideração as provas atinentes ao segredo de


Estado não apenas quando a Fazenda Pública é parte da relação processual, mas
também quando é terceira, uma vez que a obtenção de tal informação, cuja avaliação
ficará a cargo do órgão colegiado, pode ser necessária à obtenção do direito de uma das
partes.

Capítulo VI – Procedimento probatório extrajudicial

    Página 34
Resultados da Pesquisa

1. Introdução. Trabalhos de pesquisa e análise da legislação nacional e estrangeira


impuseram a necessidade de se repensar, em alguma medida, o procedimento
probatório. Com efeito, é inconteste o quanto a ineficiência do rito pode ser prejudicial à
função epistêmica do processo173 que pretende prestar jurisdição de qualidade a partir da
busca da verdade.

Para os que vivem, como nós, entre as desventuras do magro e pueril procedimento dos
juizados especiais e o fragmentário e preclusivo procedimento comum, esta necessidade
é premente. O procedimento fragmentado transforma o processo em jogo, 174 no qual as
partes, em vez de atuarem com boa-fé, em cooperação na busca da verdade, veem-se,
ao contrário, a maquinar estratégias, a praticar atos simulados, a esconder provas e a
dizer meias palavras. Indispensável, portanto, que o procedimento probatório permita às
partes, o quanto antes, o conhecimento das alegações e das provas recíprocas, método
que o direito processual inglês consagrou com a expressão: cardson the table
approach.175

O Anteprojeto, construído a partir dos princípios da busca da verdade e do direito à


obtenção da prova, não poderia prescindir da indicação dos instrumentos considerados
hábeis à consecução desses princípios. Não tem, à evidência, ambição de propor a
alteração de todo procedimento comum ordinário, o que redundaria em inevitável desvio
de sua finalidade. Mas, diante do obsoleto rito comum que atualmente governa a
atividade probatória, impõe-se, prima facie, a necessidade de se fazerem escolhas
importantes que respondam aos princípios da boa-fé processual, da oralidade e,
principalmente, da cooperação entre as partes e o juiz.

Entre estas escolhas, destacam-se duas de natureza estrutural. Primeiramente, é


proposta à criação de procedimento probatório extrajudicial, pré-processual, dirigido
pelas partes e por seus advogados, iniciado independentemente da exigência de
periculum in mora. Como se vê do art. 34 do Anteprojeto, este procedimento probatório
tem por objetivos: (1) a solução dos conflitos pelas partes fora da esfera do Judiciário,
(2) o conhecimento mais célere das alegações e provas detidas por cada uma das
partes, o que as possibilitará avaliar de forma mais rápida as chances de sucesso ou de
fracasso; e (3) a melhor preparação do processo, caso venha a ser instaurado.

Inspirado na discovery pré-processual norte-americana – instituto que vem influenciando


reformas em diversos outros sistemas processuais, como o francês, o alemão e o
italiano176 –, o procedimento extrajudicial tem por objetivo propiciar a modificação da
cultura judiciária brasileira de judicialização compulsiva dos litígios, sem que as partes
tenham feito a avaliação séria de suas reais condições de sucesso ou de fracasso,
aumentando a participação e a responsabilidade dos advogados e das instituições na
solução dos conflitos antes do processo.

Poder-se-ia, é verdade, argumentar ser despicienda a normatização de procedimento


que se baseia no exercício de vontade eminentemente privada, que pode ser iniciado e
conduzido pelas partes sobre as bases legislativas atuais. 177 Todavia, a finalidade do
Anteprojeto – de induzir à solução conciliada e de melhor preparar o futuro processo –
agrega-lhe interesse público na melhor administração da justiça, o que, por si só,

    Página 35
Resultados da Pesquisa

justifica sua criação. O procedimento projetado qualifica e facilita a cognição do futuro


processo, caso este se torne inevitável.178

Outra escolha importante foi definir para o procedimento judicial o modelo bifásico, mais
adequado e eficiente,179 pois possui fase preparatória 180 clara e definida, direcionada à
identificação compartilhada entre o juiz e as partes do thema decidendum e, com maior
precisão, do thema probandum– a ser desenvolvido na fase seguinte de produção da
prova –, além de propiciar a adoção do calendário processual.

A experiência do direito comparado tem mostrado que o processo organizado em duas


fases181 possibilita a melhor compreensão dos contornos do litígio e facilita a definição do
que se quer ver provado, maximizando a atividade na fase instrutória e afastando-se do
ir e vir que a atual fragmentação possibilita.

Na realidade, o objetivo do Anteprojeto nestes capítulos não se limita tão somente a


propor aprimoramento legislativo, mas propiciar, por meio da lei, mudança cultural, 182
qual seja: maior atuação dos indivíduos e das instituições na solução dos seus próprios
conflitos, o que, seguramente, ajudará a pôr fim ou minimizar substancialmente a
inércia burocrática de advogados, promotores, defensores e procuradores que, a
qualquer problema, lançam mão automaticamente da petição inicial…e o Judiciário que
resolva!!!

2. Procedimento probatório extrajudicial. Trata-se de procedimento probatório


instaurado fora do Judiciário, independente do requisito da urgência (§ 1.º do art. 34), a
partir do momento em que surgirem meras desavenças ou efetivos conflitos entre partes
de uma relação jurídica, com o objetivo de propiciar célere troca de alegações e de
provas entre elas, possibilitando a compreensão dos fatos, da sua extensão e da forma
para solucionar o conflito o mais breve possível.

O procedimento instaura-se independentemente de processo judicial, mas poderá servir


à delimitação do conflito para futuro processo se esse sobrevier, ou ser instaurado entre
as partes de um processo em andamento, paralelamente a esse, permitindo que as
partes tenham a oportunidade de trocar informações e provas fora da esfera do
Judiciário e alcançar, principalmente, a solução conciliada do conflito.

O interesse da administração da justiça no procedimento probatório extrajudicial está


em viabilizar o diálogo e a cooperação na solução do conflito, sem a necessidade de
comprovação de outros requisitos: basta a pretensão de ver esclarecidos um ou mais
fatos.

Para tanto, o caput do art. 34 não deixa dúvidas quanto ao conteúdo do procedimento:
“a definição precisa dos fatos, a identificação e a revelação do conteúdo das provas que
a eles correspondam”.

O sistema, baseado no dever de cooperação e na boa fé (arts. 5.º, 6.º e 7.º do


Anteprojeto), procura permitir que os envolvidos obtenham o quanto antes, mediante a
troca direta de informações e provas, a real e global noção da extensão do conflito e de
suas chances de vitória ou de capitulação.

O art. 34, então, enumera os objetivos a serem perseguidos com o procedimento

    Página 36
Resultados da Pesquisa

probatório pré-processual:183 (1) a troca de informações e esclarecimentos dos fatos o


quanto antes entre as partes; (2) a rápida solução negociada; e (3) a preparação mais
consistente da demanda judicial, caso se inicie o processo.

Ciente da limitação de suas pretensões – ou mesmo da ausência de pretensão ou de


interesse –, aquele litigante recalcitrante e precipitado poderá, com o novo
procedimento, sopesar, de maneira mais ágil, os prejuízos que poderá sofrer com a
instauração, o andamento e o julgamento de futuro processo judicial, ou mesmo de
processo em curso, sentindo-se motivado a propor ou aceitar, conscientemente, a
solução negociada.184 Para dar maior efetividade a este objetivo, foi incorporada no inc.
V do art. 38, § 2.º, VI, do Anteprojeto, sugestão de Flávio Luiz Yarshell, para facultar às
partes a formulação, na inicial ou na resposta, de “proposta de mediação ou de adoção
de outro meio de solução autocompositiva do conflito”.

O terceiro objetivo – contribuir para a eficiente gestão do processo quando ele não puder
ser evitado – reside na evidência de que a troca antecipada de informações e de provas
entre as partes facilitará a administração do futuro processo ao produzir melhor
compreensão acerca da posição das partes no conflito, da delimitação do objeto litigioso,
das provas que ainda precisarão ser produzidas, da possibilidade ou da impossibilidade
de acordo, o que gera, em síntese, uma cognição judicial mais adequada. Este objetivo
vincula-se ao cumprimento do dever de cooperação das partes com a administração da
justiça.

Salienta-se, que o procedimento não substituirá os atos processuais a serem produzidos


perante o juiz, mas poderá evitar os desnecessários e acelerar a prática dos necessários,
alcançando os fins pretendidos pelo princípio da duração razoável do processo e da
economia dos custos da administração da justiça, facilitando a função epistêmica do
futuro processo.

3. O descumprimento do dever de colaborar no procedimento extrajudicial e suas


consequências no processo judicial subsequente. Apesar de possuir natureza não judicial
e de ser produto da vontade das partes, o procedimento proposto responde ao interesse
público na maior eficiência e efetividade da prestação jurisdicional. Portanto, é de
interesse da administração da justiça que as partes procurem adotar o procedimento
extrajudicial, evitando-se demandas imaturas, sob pena de extinção do processo sem
resolução do mérito no caso do autor, ou, para o réu, de perda do direito de produzir a
prova no futuro processo (art. 34, § 4.º, c/c 53, §§ 1.º e 2.º).

Em cumprimento ao dever de cooperação e ao princípio da duração razoável do


processo, agrega-se ao interesse processual as necessidades de os envolvidos tomarem
extrajudicialmente conhecimento do conflito, dos fatos e das provas que os cercam, bem
como, de buscarem solução negociada, exercitando de forma responsável o seu direito
de acesso à justiça.

A extinção do processo judicial ou o não deferimento de provas requeridas pelo réu, que
a ausência do procedimento prévio pode causar (art. 53, §§ 1.º e 2.º), justifica-se na
necessidade do ingresso em Juízo se revestir do preciso delineamento dos fatos e da
proposição consistente de provas, o que tem sido dispensado frequentemente pelo
Judiciário, não obstante as exigências da lei (arts. 282, 283 e 286 do CPC).

    Página 37
Resultados da Pesquisa

O procedimento preparatório que facilite essas definições vem sendo adotado em alguns
sistemas estrangeiros, inclusive da civil law, como, por exemplo, com a previsão da
mediação prévia, adotada na Diretiva 2008/52/CE da União Europeia, na Lei francesa
2011-525, de 17.05.2011 e no Decreto-legislativo italiano chamado “Decreto del Fare”.
A solução projetada é mais completa, pois, além de evitar o futuro processo quando
redundar em transação, como busca a mediação, qualifica-o se a judicialização se
mostrar inevitável.

A parte contumaz no rito extrajudicial também sofrerá a inversão dos ônus


sucumbenciais, mesmo no caso de ser reconhecida como vencedora ao final do processo
– como ocorre no sistema inglês na hipótese de descumprimento das practice directions
–,185 pois a imprecisão na descrição fática e na delimitação das provas naturalmente
exige maiores custos e tempo da administração da justiça, devendo ser imputados esses
custos desnecessários àquele que não cooperou (art. 38, § 5.º). A inclusão desta norma
atende à reflexão que Flávio Luiz Yarshell propôs entre nós acerca da gravidade da
norma do inc. V do art. 33 da versão preliminar do Anteprojeto, que dispunha “que a
falta de resposta ou de colaboração poderá ser interpretada em prejuízo do requerido
numa futura demanda judicial, sujeitando-o à multa prevista nos §§ 1.º e 3.º a 5.º do
art. 6.º”.

O sistema, portanto, passa a funcionar da seguinte maneira: se as partes ou uma delas


se recusa imotivadamente a participar ou a instaurar o procedimento probatório
extrajudicial, descumpre o dever de colaboração com a outra parte e com a
administração da justiça de tentar evitar a judicialização e mostrar as provas que possui
acerca do conflito. Se desta omissão a parte não for capaz de se desincumbir, nos
articulados iniciais, do ônus de “definição precisa dos fatos relevantes ou de identificação
e revelação do conteúdo das provas que a eles correspondam” (art. 34, § 4.º), o juiz, na
audiência preliminar, vai adverti-la da falta (art. 10, § 1.º) e, se não for possível o
esclarecimento ou a complementação de fatos e provas (art. 53, II e III), vai extinguir o
processo sem resolução do mérito, se o recalcitrante for o autor, ou não poderá deferir a
prova requerida pelo réu (art. 53, §§ 1.º e 2.º).

Seguindo o processo, ao final, o juiz deverá proceder à redistribuição dos ônus


sucumbenciais (art. 38, § 5.º) de acordo com o descumprimento do dever de
colaboração.

São consequências graves – que certamente sofrerão críticas da doutrina, como nos
alertou Flávio Luiz Yarshell – mas proporcionais ao desafio de retirar as partes da
posição passiva e burocrática na qual culturalmente se encontram, forçando a maior
integração dos protagonistas na solução dos seus próprios conflitos e reduzindo
processos. Eduardo Cambi, em sua palestra, sugeriu que se poderia avançar sobre a
facultatividade do procedimento, tornando-o obrigatório, como forma de potencializar
seu efeito redutor da judicialização. Optamos por manter a fórmula intermediária –
manter a facultatividade, mas aplicar efeitos adversos no futuro processo, se o objetivo
de facilitar a administração da justiça não tiver sido obtido –, sem prejuízo, no entanto,
de as convenções coletivas criarem outras exigências.

Não adotamos na integralidade a proposta de Eduardo Cambi, mas não discordamos


dela, muito pelo contrário. Admitimos que a legislação e as convenções coletivas

    Página 38
Resultados da Pesquisa

estabeleçam a obrigatoriedade de instauração prévia do procedimento extrajudicial,


especialmente para certas relações jurídicas, como aquelas havidas entre o Estado e os
cidadãos, entre consumidores e fornecedores ou trabalhadores e empregadores. 186 O
anteprojeto dá apenas um passo nesta direção, em razão da ambiguidade com a qual a
doutrina187 e a jurisprudência188 brasileiras tratam a matéria: ora demonstram aversão a
maiores exigências para o acesso à justiça, por reputá-las violadora do princípio da
inafastabilidade da jurisdição, ora admitem meios autocompositivos que postergam o
acesso.

A proposta de procedimento extrajudicial avança, ademais, sobre espaço in albis da falta


de regulamentação dos procedimentos administrativos preparatórios de ações coletivas
(§ 3.º), jogando a luz do contraditório e da ampla defesa sobre ritos tradicionalmente
unilaterais, sigilosos e autoritários, como os inquéritos civis públicos e seus congêneres.

Também seguirão o procedimento probatório extrajudicial como regra geral, os conflitos


que digam respeito ao Poder Público, favorecendo o direito constitucional à informação.
Mais uma vez o Anteprojeto desafia a cultura antidemocrática, ainda arraigada em
muitas das nossas instituições.

Quanto aos meios de prova, foi dado amplo alcance e aplicação ao procedimento,
facultando a sua ampla utilização. A perícia prévia, por exemplo, foi amplamente
estimulada em época recente pelo direito italiano, com a Novella de 2005, que inseriu no
Código de Processo Civil o art. 696-bis, normatizando a consulenza tecnica preventiva189
sem o requisito da urgência. Seria medida importante, por exemplo, para a solução dos
conflitos entre condôminos e condomínio em caso de vazamentos ou outros danos
causados de uma unidade para outra, ou da área comum para uma unidade, a fim de
identificar initio litis a responsabilidade e a extensão dos danos ou até mesmo a
legitimidade passiva ad causam.

Em termos ritualísticos cabe destacar que a regra geral para a comunicação do início da
fase pré-processual será a carta registrada (art. 39), caso outro meio não tenha sido
acordado pelas partes no contrato que originariamente regula sua relação jurídica.

Dispensável, por fim, a assistência por advogado apesar de o procedimento constituir-se


novo e amplo campo para a sua atuação através da substituição da jurisdição.

4. Relação entre o procedimento probatório extrajudicial e o judicial. Para que o novo


mecanismo possa ter êxito, com a sincera colaboração das partes no esclarecimento
prévio das suas divergências, é preciso desfazer quaisquer temores de que as suas
declarações nessa fase possam vir a ser utilizadas em seu prejuízo num futuro processo
judicial (art. 43). As partes devem agir de forma livre para o restabelecimento e o
aprimoramento da relação existente entre ambas. Relações negociais complexas entre
empresas e relações familiares delicadas são exemplos de conflitos que podem ser
melhor esclarecidos através da troca de informações diretamente entre as partes do que
na publicidade do processo judicial.

O princípio, portanto, que rege a relação entre ambas as instâncias, a extrajudicial e a


judicial, é o da autonomia. Antes de objetivar a preparação do futuro processo, o
procedimento extrajudicial pretende que não haja processo, que seja um espaço de

    Página 39
Resultados da Pesquisa

liberdade, talvez negocial, de valorização de relações continuadas, de esclarecimento, de


identificação de interesses comuns ou adversos, de troca de informações e documentos
e de solução de controvérsia.

As declarações das partes no procedimento extrajudicial não se constituem pedido,


causa de pedir, exceção ou defesa no processo subsequente, notadamente porque
podem ter sido feitas sem a assistência de seus advogados. Mas, se de alguma forma, a
declaração vier aos autos (art. 49, § 2.º) “será livremente apreciada pelo juiz”, nos
termos do regramento da confissão extrajudicial (art. 65), não se constituindo “prova
plena”.

Ressalte-se que o Anteprojeto não extrai, do comportamento e das declarações das


partes, natureza de prova indiciária, 190 notadamente daquelas manifestadas
extrajudicialmente. Só se admite a relevância do comportamento ou da declaração da
parte manifestada extrajudicialmente se constituir fato relevante da causa de pedir do
futuro processo, como a manifestação de vontade contratual. Mas não se chega a retirar
do comportamento no processo e menos ainda no procedimento extrajudicial –
contradições, omissões, falta do dever de colaboração – ilação acerca do mérito.

Se a parte declara algo em um articulado que contradiz uma afirmativa feita no


procedimento extrajudicial, esta contradição não infere que o fato relevante para o
processo seja verdadeiro ou falso. A contradição nas declarações se mantém na esfera
abstrata das declarações, dependente, ainda, de confirmação probatória. 191

A opção filosófica do Anteprojeto é pela verdade e pelo processo como sistema


epistemológico.192 Assim, as declarações das partes no processo, enquanto thema
decidendum, são levadas em consideração como proposições objeto de justificação
mediante prova. Ou seja, não há aproximação ao narrativismo ou à concepção retórica
da prova, que valoram as declarações e o comportamento das partes como elementos
argumentativos do discurso193 dirigido a obter a adesão do auditório.

Prova não é mero elemento da argumentação (argumentum), mas é o meio de se


atestar se a proposição (p) é verdadeira (p é verdadeira se p é provada),194 abraçando-
se, portanto, a ideia de atribuir à prova função demonstrativa e não meramente
persuasiva.195As declarações não servem di per se sem a prova correspondente, como
elemento de conhecimento ou convicção para julgamento.

As declarações e o comportamento das partes serão avaliados pelo juiz para verificar o
cumprimento de ônus ou o descumprimento de dever processual e como objeto de prova
(p) se constituírem parte do thema decidendum, mas não como prova indiciária para
julgamento do mérito, como pretendem Cambi e Hoffmann.196

Note-se que na realidade brasileira de hipossuficiência econômica e jurídica das partes e


de seus patronos, a contradição e a debilidade argumentativa podem ser fruto da
simples carência de informação ou de conhecimento técnico.

Permitir que o juiz retire ilações preconceituosas ou subjetivas da declaração ou do


comportamento da parte no processo que não digam respeito ao mérito, incentiva o
arbítrio e vai de encontro à função epistêmica do processo e ao estado democrático de
direito, notadamente, quando estas declarações foram feitas em um ambiente

    Página 40
Resultados da Pesquisa

extrajudicial.

Isto não significa que estejamos absolutamente de acordo com Taruffo, quando dá
relativo valor à participação das partes na busca da verdade, sob o argumento de que o
seu interesse dirige-se, unicamente, à vitória.197 O contraditório, além de sua
necessidade e imperatividade como garantia fundamental do processo, é um eficiente
método epistemológico. De acordo com os estudos históricos de Nicola Picardi, o
contraditório, na concepção originária da ordo iudiciarius compreendido como ordo
quaestionum, “era o eixo do processo comum europeu, considerado como metodologia
de procura da verdade”.198

As declarações das partes servem como elemento da função epistemológica do


contraditório, enquanto:

1) são fontes de enunciados descritivos e de provas;199

2) possibilitam o controle da atividade jurisdicional, evitando decisões subjetivas e fora


do conjunto probatório;

3) cada parte, através da dialética, põe à prova, submete à antítese, a proposição e as


provas produzidas pelo adversários, qualificando a justificação final;

4) permitem a influência das partes durante todo o processo probatório, atuando na


admissibilidade da prova – na audiência preliminar –, durante a produção probatória, até
a avaliação do conjunto probatório e a adequação deste aos enunciados descritivos.

O anteprojeto compatibiliza a busca da verdade com o contraditório como meio


epistêmico eficiente, sem reconhecer a “função argumentativa da prova”. 200

Da mesma forma, quanto às provas produzidas nesta fase extrajudicial, as partes devem
ser motivadas a agir livremente, aproveitando-as no processo subsequente ou em curso,
de acordo com sua própria vontade, preservando a sua liberdade de processualizar
aquilo que considerarem relevante e adequado (arts. 44 e 49, § 2.º), que será
livremente apreciado pelo juiz (arts. 18 e 44).

Deve-se, no entanto, observar que enquanto a autonomia entre as fases judicial e


extrajudicial é plena no que pertine às declarações das partes, quanto à prova o sistema
prevê o ônus de “definição precisa dos fatos relevantes ou de identificação e revelação
do conteúdo das provas que a eles correspondam”, nos articulados iniciais do processo
judicial futuro (art. 34, § 4.º). Então, a parte somente poderá deixar de juntar nos seus
articulados iniciais uma prova produzida no procedimento extrajudicial, se esta não
prejudicar a definição dos fatos relevantes e não for correspondente ao fato relevante,
sob pena de o juiz, na audiência preliminar, após adverti-la da falta (art. 10, § 1.º),
extinguir o processo sem resolução do mérito, se o recalcitrante for o autor, ou não
poderá deferir a prova por ele requerida, se for o réu (art. 53, §§ 1.º e 2.º).

Esta correlação é de vital importância para o sistema, pois cria vínculo entre as fases
extrajudicial e a processual, incentivando a opção pelo novo procedimento e fortalecendo
o dever de cooperar, a boa-fé na relação pré-processual e o contraditório.

Aquele que recebe a inicial deste procedimento pode abster-se de apresentar resposta,

    Página 41
Resultados da Pesquisa

mas esta omissão poderá determinar a intervenção do juiz para assegurar os


esclarecimentos solicitados (art. 42) e será avaliada pelo juiz no eventual futuro
processo como violação do dever de cooperação (art. 6.º c/c art. 38, § 5.º), pois a
abstenção infundada retira a possibilidade de consecução dos objetivos do procedimento
– troca de informações, conciliação e preparação do futuro processo –, prejudica a
celeridade da prestação jurisdicional e a qualidade da cognição no processo
subsequente.

5. Hipóteses de intervenção judicial. O procedimento probatório extrajudicial inicia-se


por vontade das partes e na extensão cognitiva que estas determinarem (art. 46), mas
poderá contar com a intervenção pontual do juiz para a proteção do direito à prova nas
seguintes hipóteses: (1) pedido judicial do requerido para limitar a apresentação das
provas requeridas (art. 41); (2) pedido de “busca e apreensão de documentos ou coisas
de que prove a existência” (art. 42) nos casos de ausência de resposta, prova de
insinceridade da resposta ou prova da sua falta de consistência; (3) pedido de produção
de provas contra terceiros (art. 45, parágrafo único); (4) para obtenção do benefício da
gratuidade (art. 47, § 2.º); e (5) para o arbitramento judicial das despesas (art. 47, §
4.º).

A primeira hipótese de intervenção judicial está prevista no art. 41, para a tutela do
direito da parte requerida de abster-se de fornecer documentos quando o pedido for
desnecessário, custoso ou afligir as limitações probatórias fundadas nos direitos
fundamentais ou na segurança do Estado e da sociedade. A limitação pode ser imposta,
ainda, quando as provas já tiverem sido deduzidas em processo judicial anterior.

A norma do art. 42 é outra exceção à independência da instância privada, autorizando


que o juiz zele pela cooperação entre as partes. Assim, se uma das prováveis partes se
recusa a colaborar, respondendo de maneira insincera ou inconsistente, o ex adversus
poderá requerer judicialmente a busca e apreensão de documentos ou coisas. Por outro
lado, ao exigir que o requerente indique o documento ou coisa, provando a sua
existência, e os fatos que pretende demonstrar, a norma proteje o requerido do risco de
sofrer a fishing expedition,201 ou seja, a prospecção investigatória e invasiva em seu
patrimônio ou aos seus registros.

Como o procedimento extrajudicial autoriza a obtenção de provas que estejam


porventura na posse de terceiros, poderão as partes solicitá-los diretamente ou utilizar-
se da medida judicial de exibição prevista na disciplina da prova documental (art. 45,
parágrafo único).

A possibilidade de utilização do procedimento pelos beneficiários da gratuidade de justiça


também pode gerar a intervenção judicial (art. 47, § 2.º), caso haja a necessidade de
custeio de prova por aquele que não detém as condições financeiras para fazê-lo.

Por fim, também a divergência entre as partes acerca do dever de custear as despesas
do procedimento ou da produção de provas pode ser arbitrada pelo Judiciário.

O procedimento projetado não exclui ou condiciona, como não poderia deixar de ser, as
medidas cautelares probatórias, o que constituiria evidente limitação à inafastabilidade
de jurisdição (art. 48).

    Página 42
Resultados da Pesquisa

6. Convenções coletivas. As experiências internacionais dos pre-actions protocols202


ingleses e dos protocolli203 italianos e a vivência nacional das convenções coletivas
trabalhistas e de consumo têm demonstrado que a celebração de acordos entre
entidades que detêm representatividade efetiva de grupos sociais ou categorias,
participantes de relações de direito material que geram relevante litigiosidade ou
litigiosidade de massa – destinadas a regular procedimentos ante causam para a solução
de conflitos ou mesmo de condições para a propositura das ações –, produzem efeitos
positivos à administração da justiça.

A celebração destes protocolos valoriza a participação democrática das instituições na


formulação de regras e procedimentos extrajudiciais e mesmo processuais, para a
solução consensual dos conflitos ou para a propositura das futuras ações, onde seja
possível homogeneizar condutas, práticas e requisitos, incentivando, enfim, a
participação social na administração dos seus próprios conflitos e, portanto, na própria
administração da justiça.

As convenções coletivas têm a finalidade de definir condições e cláusulas que possam


evitar a judicialização ou facilitar o andamento processual, se inevitável a demanda.
Assim é possível, por exemplo, definir prévia e convencionalmente, em certos tipos de
litígios, as questões de fato e de direito mais importantes e as provas mais relevantes,
os limites de indenizações e os respectivos critérios de cálculo, os documentos e
informações que deveriam as partes fornecer uma à outra e até o procedimento
extrajudicial mais adequado para equacioná-los.

As instituições públicas, como, por exemplo, os tribunais, a Ordem dos Advogados, o


Ministério Público, a Defensoria Pública e as agências reguladoras – aqui incluídas por
sugestão de Flávio Luiz Yarshell – são exortados a se transformarem em catalizadores da
celebração dessas convenções, contribuindo para a criação de uma rede de
compromissos entranhada nos diversos grupos que compõem a sociedade civil, para que
as eventuais divergências entre os seus integrantes sejam resolvidas por mecanismos
consensuais, o que contribuirá positivamente para a harmonização dos interesses em
conflito e a consequente paz social.

Há exemplos atuais bastante fecundos dessa integração solidária dos grupos sociais que
normalmente protagonizam as causas judiciais, junto aos próprios órgãos jurisdicionais,
na definição de regras de convivência que não eliminam a litigiosidade, mas aperfeiçoam
o seu equacionamento em benefício da preservação de interesses comuns mais
relevantes.

Como se pode observar da leitura do dispositivo do art. 37, as convenções poderão


tratar tanto de matéria meramente procedimental ou organizacional, pré-processual –
como a instauração de mediação ou de outro meio de solução autocompositiva do
conflito, conforme sugestão de Flávio Luiz Yarshell –, quanto de matéria processual –
como condições da ação e documentos obrigatórios à sua propositura – em geral
reservada à competência legal, delegadas, então, nesta norma, ao espaço convencional.

A norma proposta suscita, portanto, questões acerca da natureza da praxis forense como
fonte do direito processual – de modo a compreendermos que espaço pode ser regulado
pelas convenções –, e do grau de coercibilidade destas normas diante do princípio da

    Página 43
Resultados da Pesquisa

legalidade.

A Itália tem dado um exemplo fecundo na construção deste novo caminho com as
instâncias de diálogo instauradas junto aos tribunais judiciais, por meio dos chamados
Observatórios da Justiça Civil.204 Os Protocolli, celebrados no âmbito desses
Observatórios, regulam matéria que se encontra no espaço deixado sem normatização
pela lei: spazi bianchi. São normas heterônomas205 de eficácia persuasiva, incentivadoras
de práticas forenses virtuosas, procedimentais ou meramente organizacionais, criadas
em conjunto pelos grupos envolvidos – regole condivise206– para facilitar o andamento
processual.

Os encontros de magistrados, advogados, chefes de secretarias e professores


universitários nos vários Observatórios de cada localidade, produzem a codificação das
práticas virtuosas, respeitando a lei processual e dando à prática valor de fonte do
direito processual.207

A partir da flexibilização, procedimental este espaço tem se expandido deveras no direito


processual italiano, notadamente após a inserção do art. 702-bis do CPC que criou, em
2009, o procedimento sumário, cuja característica primordial é a instrução
desformalizada.208

O acordo sobre as boas práticas e sua codificação fazem o caminho em direção à


legalidade ao legitimarem, com a participação dos envolvidos, a lei que integram em
respeito imediato ao princípio da democracia.

Inspirado nesse modelo, que poderá delinear-se no futuro, contenta-se o Anteprojeto em


prever e incentivar a adoção de instrumentos convencionais para o procedimento
extrajudicial. É um primeiro passo, porque este procedimento tem por um dos objetivos
a preparação de possível demanda futura. Assim, a convencionalidade proposta de
qualquer modo terá em vista sempre a possibilidade, que não é remota, de uma
subsequente causa judicial. Quanto à eficácia das normas coletivas, o sistema projetado,
apesar de também adequar-se às considerações anteriores, se aproxima mais do modelo
inglês vinculativo e impositivo do que do modelo persuasivo italiano.

As practice directions, apesar de não constituírem condições para a proposição ou


prosseguimento da ação, podem gerar, caso descumpridas, sanções a serem aplicadas
pelo juiz no case management (Rules 3.1 (4) e (5) e 3.9 (1) (e) das Civil Procedural
Rules) ou quando da distribuição das despesas (Rule 44.3 (5) (a)).209

A fase extrajudicial é, portanto, um ônus a ser cumprido pelas partes para reduzir a
quantidade de processos, mediante a solução conciliada dos conflitos, ou para melhorar
a qualidade destes, através do incremento qualitativo da cognição.

Observe-se, no entanto, que se excetuam da liberdade convencional a possibilidade de


derrogação do conteúdo do procedimento extrajudicial previsto no art. 34 (“definição
precisa dos fatos, a identificação e a revelação do conteúdo das provas que a eles
correspondam”), da regra atinente a não extensão para a esfera judicial posterior das
escusas ao direito de produzir prova (art. 41, parágrafo único), e das possíveis hipóteses
de intervenção judicial, previstas nos arts. 42 a 45 e 47.

    Página 44
Resultados da Pesquisa

7. Regra de custeio e reflexo para a parte sucumbente do futuro processo.O art. 47 fixa
regra geral de custeio, imputando o ônus à parte requerente da prova na fase pré-
processual e, posteriormente, ao sucumbente no processo judicial, criando-se um dos
vínculos funcionais entre as duas fases. É justo, evidentemente, que a parte que deu
causa à violação do direito assuma os custos dispendidos pelo vencedor tanto no
procedimento extrajudicial quanto no processo, para que o vencedor tenha o seu direito
recomposto com a maior amplitude possível.

É de se notar também que, se o objetivo do rito extrajudicial é evitar a litigiosidade e


favorecer o acesso à ordem jurídica justa, não poderia deixar de levar em conta os
beneficiários da justiça gratuita. A Defensoria Pública deverá aparelhar-se, como
instituição promotora do acesso à justiça aos hipossuficientes, para permitir o uso eficaz
deste novo instrumento de solução extrajudicial dos conflitos, notadamente, para os
casos que necessitem da prova pericial. À histórica vocação para a solução consensual
dos conflitos devem somar-se condições materiais necessárias à consecução de seus
fins, pois constituiria iníqua exceção ao direito de acesso à justiça que os
economicamente frágeis fossem alijados da possibilidade de acesso ao procedimento
probatório extrajudicial.

Assim, a Defensoria Pública deverá, na forma dos arts. 37 e 47 do Anteprojeto,


promover a criação de convenções coletivas e de fundos de custeio para atuar nesse
novo ambiente de solução de conflitos de interesse, no patrocínio dos beneficiários da
gratuidade de justiça (art. 47, § 3.º).

Se esta medida, no entanto, não se mostrar eficaz, o § 2.º deste art. 47, para
salvaguardar os hipossuficientes, cria um procedimento de judicialização da gratuidade,
viabilizando a produção da prova pericial, através do acesso a recursos dos fundos de
custeio criados junto aos tribunais, destinados a tal fim. Já é tempo de aperfeiçoar a
assistência aos pobres pela assunção pelos tribunais da responsabilidade por despesas
que não podem ser imputadas ao adversário, nem podem ficar sem cobertura, sob pena
de graves distorções que resultarão ou na impossibilidade de prática de atos relevantes
ou na sua prática em condições bastante desvantajosas.

Capítulo VII – Procedimento probatório judicial

1. O procedimento bifásico. O anteprojeto optou pelo processo judicial de estrutura


bifásica, o que significa, em síntese, a previsão de duas fases procedimentais distintas:
primeiro a preparatória que objetiva a fixação em contraditório do thema probandum e
do thema decidendum e a organização da instrução, e outra fase subsequente de
produção de provas, apresentação de alegações finais e decisão.

A fase preparatória é dividida por sua vez entre a apresentação inicial dos articulados e a
realização de uma audiência preliminar na qual as partes e o juiz formulam o calendário
processual de acordo com a maior ou menor complexidade do objeto cognitivo. Assim, o
procedimento tem como pilar, além do dever de cooperação (arts. 5.º e 6.º do
Anteprojeto), a adaptabilidade procedimental.210

A melhoria na função epistêmica que o Anteprojeto pretende implementar –

    Página 45
Resultados da Pesquisa

notadamente pela valorização da oralidade e do contraditório participativo – exigiu a


alteração e revogação de alguns artigos do Código de Processo Civil que regulam o
procedimento comum, além dos artigos que regulam a matéria acerca das provas.211

2. Articulados e propositura de provas. A fase preparatória foi estruturada de forma a


evitar que uma parte surpreenda a outra em um jogo de sombras, táticas e ocultações,
respondendo ao princípio the cards on the table approach. Para tanto as partes devem
apresentar o quanto antes, nos seus articulados prévios, as “armas” que possuem e
pretendem utilizar: enunciados descritivos, provas documentais e a indicação das outras
que pretendem produzir.

Permite-se, ainda, a vista recíproca e antecipada dos articulados prévios – inicial,


contestação e respectivas réplicas – para a adequada preparação e participação de todos
na audiência preliminar. É uma estrutura processual que exige a correttezza212 das
partes e a atividade colaborativa de todos no contraditório participativo: depende,
portanto, mais dos homens que da lei.

Como expressão do princípio da concentração, o Anteprojeto suprime as várias formas


de oferecimento das diversas defesas, facultando ao réu trazê-las em uma única peça,
na contestação, salvo as exceções de impedimento e suspeição do juiz que, por
constituir pressuposto de validade de apreciação de todas as outras e por estar o seu
julgamento afeto a órgão jurisdicional diverso – o tribunal pelo Juízo ad quem –, exigem
peça autônoma.

Conhecedores das proposições discursivas e probatórias dos seus adversários, as partes


chegarão à audiência preliminar em posição de igualdade quanto ao conhecimento da
extensão da controvérsia e em condições ideais para avaliar suas posições no litígio e a
possibilidade de acordo.213

O modelo é muito aproximado daquele da notificazione, costituzione e citazione como


atti introduttivi do processo comum ordinário italiano (dos arts. 163 ao 167 do CPC
italiano),214 e do rito ordinário alemão onde há previsão da realização o quanto antes da
audiência preliminar (ZPO § 272, 3.º parágrafo) e da necessidade de as partes terem
conhecimento “tempestivamente” (ZPO § 278, 1.º parágrafo) dos meios de ataque e de
defesa da outra parte, antes da audiência, para que possam, assim, posicionar-se. 215
Também o novo Direito português repete, com suas próprias nuances, a mesma
fórmula.216

O modelo proposto evita o letal fracionamento da fase inicial, ao vedar a remessa dos
autos ao juiz antes da audiência preliminar para apreciação de requerimentos
extemporâneos formulados pelas partes (art. 51, § 5.º). Em cumprimento à
concentração, à oralidade e, portanto, ao contraditório, todos os pedidos serão
apreciados pelo juiz junto com as partes na audiência preliminar, salvo evidentemente o
pedido de antecipação de tutela e a intervenção de terceiro (art. 52) em razão da
urgência e da necessidade do juízo de admissibilidade da intervenção.

As provas são propostas tanto nos articulados iniciais – exordial e contestação, como de
lege lata – quanto nos articulados posteriores (art. 49), assim definidos como os
apresentados após a audiência preliminar, quando a prova se mostrar necessária e

    Página 46
Resultados da Pesquisa

justificável de acordo com a regra do art. 19.

Faculta-se, portanto, a proposição posterior de provas – além da audiência preliminar e


até mesmo na fase recursal (art. 20, § 1.º) – considerando que a busca da verdade
mitiga o caráter preclusivo da propositura, admissibilidade e produção probatória, só
podendo ser negado o pedido de provas manifestamente inútil ou protelatório (art. 10, §
2.º).

Os articulados prévios veiculam também os documentos, os depoimentos por escrito,


previstos no art. 114 do Anteprojeto, como também, facultativamente, os atos
probatórios produzidos em procedimento probatório extrajudicial (art. 49, § 2.º). A
faculdade concedida às partes, de juntar o que desejarem do produto oriundo do
procedimento extrajudicial, fortalece a liberdade de escolha das provas que
considerarem pertinentes para o processo, cabendo lembrar que uma das finalidades
daquele procedimento foi justamente a de possibilitar a “definição precisa dos fatos
relevantes” e a “identificação e revelação do conteúdo das provas que a eles
correspondam”, sob risco de extinção do processo sem julgamento do mérito ou de
impossibilidade de deferimento de provas (art. 34, § 4.º, c/c o art. 53, §§ 1.º e 2.º).

3. A técnica de formulários. Como os articulados veiculam não só os enunciados


descritivos, mas também as provas documentais e, além disso, indicam com precisão as
outras provas que as partes pretendem produzir, o § 5.º do art. 49, passa a exigir como
requisito da petição inicial formulários a serem padronizados pelo Conselho Nacional de
Justiça – CNJ (art. 153), que contenham a indicação concisa dos fatos e do conteúdo
previsto das provas correspondentes e a enumeração de toda a prova documental
anexada.

A adoção dessa técnica pretende facilitar a definição entre as partes e o juiz do thema
decidendum e do thema probandum, descrevendo-se objetivamente os fatos e as provas
a estes relacionadas. O objetivo é impedir o pedido genérico e irresponsável de provas,
sem justificativa e correspondência com os enunciados fáticos que a parte pretende
demonstrar, o que subtrai do juiz a capacidade de avaliar a pertinência do requerimento
feito pela parte e, mais grave, de poder administrar e organizar o futuro
desenvolvimento processual através do calendário. A regra se aplica não só aos
articulados mas também a quaisquer outros requerimentos de produção de provas (art.
49, § 6.º), ressalvados aqueles que envolverem o risco de perecimento de direito.

Apesar de incomuns em nosso Direito, os formulários são parte de uma técnica muito
utilizada no Direito comparado para padronizar atos processuais, como iniciais,
testemunhos escritos e até mesmo decisões judiciais, conferindo-lhes objetividade,
maximizando a eficiência processual e reduzindo a duração do processo. Semelhante
regra é encontrada no art. 244 do Código italiano que determina a dedução por artigos
dos fatos sobre os quais a testemunha vai depor.217

As partes devem apresentar seus formulários nos articulados, estando dispensadas de


fazê-lo somente nos casos de urgência ou de risco de perecimento do direito (art. 49, §
6.º), para resguardar o tempestivo acesso à justiça.

Em não concorrendo a hipótese excepcional de dispensa de apresentação dos

    Página 47
Resultados da Pesquisa

formulários, as partes que não tiverem feito a juntada nos articulados, deverão fazê-lo
até a audiência preliminar (art. 53, II), sob pena de, após a devida advertência (art. 10,
§ 1.º), o juiz extinguir o processo para o autor e indeferir a prova requerida pelo réu, de
acordo com os §§ 1.º e 2.º do art. 53 – em fórmula semelhante à explicitada no item 3.
do Capítulo VI supra.

4. A audiência preliminar. A audiência preliminar (art. 53), momento culminante da fase


preparatória, é regida pela oralidade e pelo contraditório participativo, para melhor
compreensão e fixação da real extensão do litígio, de forma a propiciar de modo
consistente a conciliação, o julgamento conforme o estado do processo ou desencadear o
início da segunda fase, objetivamente planejada para ensejar, sem desnecessários
desvios ou retrocessos, a mais adequada prestação jurisdicional.

Para tanto, o Anteprojeto robustece a audiência preliminar, determinando que o juiz, se


frustrada a conciliação, em diálogo com as partes, desenvolva uma série de atividades,
como: (1) ouvi-las sobre suas alegações, pedidos de provas e sobre as provas
produzidas na fase extrajudicial, permitindo-lhes esclarecê-las, complementá-las ou
emendá-las; (2) sanear o processo; (3) definir as questões de fato e de direito
controvertidas que serão objeto da instrução e do futuro julgamento; (4) deferir as
provas a serem produzidas; (5) distribuir o ônus probatório; e (6) fixar o calendário.

Em respeito à imediatidade, consectário da oralidade, e à exigência de que todas as


decisões da audiência preliminar sejam tomadas com a estreita colaboração das partes,
veda-se que o juiz relegue a despacho escrito a prolação de decisão sobre qualquer das
questões pendentes, impondo-se a continuidade da audiência oral em dia próximo,
quando não for possível num só dia praticar todos os atos a que ela se destina (art. 53,
§ 12).

Trata-se de momento decisivo para o prosseguimento do processo sobre bases firmes, o


que somente será atingido caso os seus diversos atores tenham se preparado
adequadamente para a sua realização.

Não se pode admitir que os advogados e o juiz compareçam à audiência sem terem
conhecimento pleno de tudo o que se passou na fase preliminar. O procedimento
preconizado visa a permitir que todos se preparem para essa audiência e, desse modo,
estejam aptos a contribuir para que nela se pratiquem todos os atos para os quais se
destina, o que reduzirá o seu tempo de duração, evitará o seu desdobramento, com
novos custos e impedirá que o processo fique à deriva, como frequentemente tem
ocorrido.

Para que efetivamente ocorra o esperado diálogo e o juiz tenha condições de tomar
todas as decisões de forma segura, dando efetividade à audiência preliminar, terá ele
vista dos autos com a anterioridade necessária (art. 51, § 4.º) para examinar o processo
e estudar as questões pendentes, propiciando-lhe conduzir o diálogo com as partes e os
advogados na sessão oral com o maior proveito possível.218

A audiência preliminar do processo bifásico não poderá repetir – sob pena de fracasso –
a modorra e burocrática audiência preliminar da qual participamos todos os dias no foro,
praticamente reduzida à pergunta sobre a possibilidade de acordo, não contando, na

    Página 48
Resultados da Pesquisa

maioria das vezes, sequer com a presença do magistrado.

A experiência presente na qual as questões pretéritas não são seriamente enfrentadas


no momento oportuno – pedidos e deferimentos genéricos de prova, saneamentos
abstratos, tentativas de acordos insinceros, etc. –, deixando-se a sua solução para a
sentença, produz um processo burocrático onde, anos depois, o juiz não vê outra
escolha senão optar por uma sentença de improcedência por falta de provas ou ver-se
obrigado a retornar às fases anteriores para produzir novas provas ou buscar outros
esclarecimentos das partes.

Não sendo obtida a conciliação e caso a matéria controvertida não exija dilação
probatória, o juiz deverá julgar diretamente o mérito na própria audiência preliminar,
após o contraditório final. Esta hipótese descartaria a priori a necessidade de fixação do
calendário mas, caso a complexidade da matéria de direito necessite e as partes
concordarem, poderá ser fixado calendário unicamente para a entrega de memoriais e
publicação da sentença (art. 53, §§ 3.º e 4.º).

A indispensável correlação entre enunciados e provas é necessária não só para o


requerimento ou para o deferimento de provas, mas também nos memoriais das partes.
Terão os litigantes que apontar, em suas considerações finais, a correspondência do
produto da dilação probatória com as suas alegações conclusivas (art. 53, § 5.º), como
ocorre, por exemplo, na § 285 (1) da ZPO.219

Havendo necessidade de instrução, o procedimento vai caminhar a posteriori de acordo


com a sequência de atos definida pelas partes e pelo juiz no calendário a partir dos
critérios da urgência, da maior ou menor complexidade do objeto litigioso e da instrução
probatória necessária, ou seja, do objeto da cognição.

5. A clarificação e a mutatio libelli. Para que a fase preparatória e a subsequente fase


instrutória e decisória sejam bem sucedidas, o Anteprojeto permite que na audiência
preliminar as partes ajustem as suas postulações e defesa, assim como a proposição de
provas e os correspondentes formulários. Dos próprios articulados, dos documentos
produzidos, das provas requeridas, do ingresso de eventual terceiro ou do diálogo em
audiência pode ter-se revelada a conveniência desta correção de rumos. Abandona,
assim, o Anteprojeto, a rigidez da estabilização da demanda com a citação, adotando
regra mais flexível, na linha do direito alemão (§§ 263 e 264 do CPC) e de autorizada
doutrina.220

Assim, o inc. II do art. 53 preceitua que o juiz deverá dialogar com as partes para
alcançar maiores esclarecimentos acerca do litígio e das provas trazidas naquela altura
ou produzidas na fase pré-processual, propiciando até mesmo a mutatio libelli e a
complementação do pedido de provas. Trata-se do poder/dever de clarificação das
questões de fato e de direito, propiciando a correção de eventuais erros ou imprecisões
na formulação dos petitórios iniciais e favorecendo a que a futura decisão final resolva o
litígio tal como ele existe no mundo real, com o preciso delineamento de todas as
questões a serem resolvidas, evitando que eventuais desajustes iniciais frustrem as
partes quanto ao alcance da decisão por eles buscada ou as obriguem à propositura de
outras demandas, com o indefinido prolongamento da litigiosidade.

    Página 49
Resultados da Pesquisa

6. Do calendário. Destacada expressão do contract de procédure – fruto da prática que


emergiu nos anos 80 de alguns tribunais e Cortes de apelo, principalmente nos
procedimentos desformalizados do référé e agora normatizado no art. 764 do Code de
procédure civile francês221 –, o calendário processual é intrumento de garantia da
previsibilidade, da duração razoável do processo e principalmente do contraditório
participativo, pois nasce do diálogo entre juiz e litigantes na sua elaboração, de acordo
com os parâmentros de complexidade do objeto cognoscível.222

No sistema processual francês, quando for definida a utilização do circuit long223 o juiz da
mise en état (art. 796) fixa, ouvidas as partes, os termos de desenvolvimento da causa,
ou seja, o prazo para troca de articulados, a data do fim da instrução, a data de
discussão da causa e a data da pronúncia da decisão, levando em consideração a
natureza, a urgência, a sua complexidade e a opinião das partes, para garantir um
tempo razoável do processo e o pleno exercício do direito de ação e defesa.224

Se, por um lado, o processo não é mais chose des parties, por outro lado, também não
pode mais ser visto, exclusivamente, como norma de direito público indisponível. As
partes, mediante a contratualização processual, participam da adaptabilidade da forma,
para melhorar e tornar efetiva a prestação jurisdicional a partir da definição in concreto
da fase instrutória e decisória, não mais deixada à abstrata previsão legal.

O juiz passa de administrador de cartório para administrador de processos, do


andamento de cada processo em si, planejando toda a sequência previsível da série de
atos que serão praticados, todos direcionados para alcançar o seu fim, que é a sentença.

O calendário (art. 53, IV), como ocorre no sistema francês e no italiano, é vinculante
tanto para as partes quanto para o juiz (art. 53, § 8.º). De acordo com o Código de
Processo Civil francês, para o respeito aos prazos o juiz pode determinar a preclusão
como sanção de descumprimento, com decisão de clôture,225 ou seja, de fechamento da
fase instrutória.

O Anteprojeto se assemelha mais ao sistema italiano, que não impõe preclusões à busca
da verdade, mas aplica as sanções do art. 6.º e a responsabilidade por perdas e danos
às partes e penalidade funcional aos juízes (art. 53, §§ 8.º e 9.º).

Há necessidade de que o cumprimento do calendário seja controlado de forma efetiva,


prevendo o Anteprojeto a criação de agendas eletrônicas para lançamento das datas dos
atos processuais programados, como forma de os tribunais fiscalizarem o seu
cumprimento (art. 53, § 10).

7. Documentação das audiências. No art. 55 do Anteprojeto, é disciplinada a


documentação das audiências. Acolhendo sugestão de Eduardo Cambi na fase de
discussões públicas, reforçou-se a obrigatoriedade de gravação ou de qualquer outra
forma de registro de sons ou de sons e imagens, fundamental para que as instâncias
superiores tenham contato com todas as circunstâncias ocorridas na audiência, como a
entonação dos depoimentos, a expressão corporal e a conduta das partes, de uma forma
geral. Abriu-se exceção apenas em relação à tentativa de conciliação, que não deverá
ser registrada, a fim de que as partes não fiquem inibidas na exposição de suas posições
e discussão de eventuais propostas de acordo.

    Página 50
Resultados da Pesquisa

Apesar da obrigatoriedade de gravação ou de qualquer outra forma de registro de sons


ou de sons e imagens, reforçada pela possibilidade de gravação da audiência por
qualquer das partes independentemente de autorização do juiz (art. 55, § 2.º), optou-se
por não abolir a tradicional forma de documentação escrita, que deverá continuar a ser
realizada, mediante redução do depoimento a termo, sem prejuízo da gravação
determinada pelo art. 55, caput.

Na prática, a documentação escrita é muitas vezes suficiente para dirimir as questões


objeto de uma audiência, além de ser mais célere que a reprodução integral de todos os
depoimentos gravados, que pode se estender por tempo significativo, consumindo tempo
e recursos das partes, advogados e Poder Judiciário. Considerou-se, assim, que a melhor
solução seria a utilização cumulativa das duas formas de documentação da audiência,
para que as questões mais simples possam ser resolvidas pela análise da documentação
escrita, resguardando-se, em qualquer caso, a análise de toda a audiência gravada, caso
as circunstâncias do caso assim recomendem.
   
1. “Se a prova é um instrumento que o processo tomou emprestado da realidade da
vida, porque dela todos fazem uso cotidiano como meio de caracterizar a existência de
fatos relevantes, o seu grau de exigência deve acompanhar as imposições dessa mesma
realidade. Assim, quando esses fatos podem ameaçar a existência ou eficácia de direitos
subjetivos de tal relevância que o direito substancial considera indisponíveis pelo próprio
titular, a sua prova deve estar acima de qualquer suspeita. Não se trata de diferenciar
espécies ou graus de probabilidade, de verdade ou de certeza, mas de conferir elevada
segurança e credibilidade à decisão judicial para que ela não cause um dano a um direito
em decorrência da inércia ou da incapacidade do seu titular ou da desatenção do juiz,
quanto está em jogo um daqueles direitos de que o próprio titular não pode
voluntariamente dispor.” (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil: processo de
conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2010. vol. II, p. 128-129).
 
2. No direito pátrio, apenas para dar início a uma reflexão sobre o tema, citam-se,
dentre outros, os seguintes estudos: (1) SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no
cível e comercial. 5. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1983; (2) CAMBI, Eduardo Augusto
Salomão. Direito constitucional à prova no processo civil. São Paulo: Ed. RT, 2001; (3)
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. 2. ed. rev. e atual. São
Paulo: Ed. RT, 2011; (4) FERREIRA, Willian Santos. Princípios fundamentais da prova
cível. São Paulo: Ed. RT, 2013; (5) NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Provas –
Aspectos atuais do direito probatório. São Paulo: Método, 2009; (6) YARSHELL, Flávio
Luiz. Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova. São
Paulo: Malheiros, 2009; (7) ZANETI, Paulo Rogério. Flexibilização das regras sobre o
ônus da prova. São Paulo: Malheiros, 2011; (8) PACÍFICO, Luiz Eduardo Boaventura. O
ônus da prova. São Paulo: Ed. RT, 2011; (9) SANTOS, Gildo. A prova no processo civil.
3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2009; (10) LOPES, João Batista. A prova no direito processual
civil. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2006; (11) CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. A prova
civil. São Paulo: Ed. RT, 2006; (12) AVOLIO, Luiz Francisco T. Provas ilícitas. 5. ed. São
Paulo: Ed. RT, 2012; (13) OYA, Marcio Koji. Conceito e natureza jurídica da prova.
Revista de Processo. vol. 162. p. 09. São Paulo: Ed. RT, 2008; (14) NOGUEIRA, Daniel
Moura. A prova sob o ponto de vista filosófico. Revista de Processo. vol. 134. p. 262. São

    Página 51
Resultados da Pesquisa

Paulo: Ed. RT, 2006.


 
3. “Já houve quem dissesse que a história da prova reflete toda a história da civilização e
não menor autoridade que afirmasse não ser isso contestável. Das épocas mais remotas
à era contemporânea, a prova vem acompanhando, no espaço, os avanços e recuos dos
povos, a evolução da civilização” (SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária…cit., p. 15).
 
4. No direito italiano, cabe referência ao tratado sobre o tema escrito pelo Prof. Luigi
Paolo Comoglio: COMOGLIO, Luigi Paolo. Le prove civili. 3. ed. Torino: Utet Giuridica,
2010. Ainda: CARPI, Federico; TARUFFO, Michele. Commentario breve al Codice di
Procedura Civile. 7. ed. Padova: Cedam, 2012. No direito inglês, vide ANDREWS, Neil.
English Civil Procedure. Fundamentals of the New Civil Justice System. Oxford: Oxford
University Press, 2003, reprinted 2010. Ainda: ANDREWS, Neil. The Three Paths of
Justice.Court proceedings, Arbitration, and Mediation in England. New York: Springer,
2012. Quanto a estudos disponíveis em periódicos pátrios, citam-se dentre outros: (1)
PISANI, Andrea Proto. Chiose sul diritto ala prova nella giurisprudenza della Corte
Costituzionale. Revista de Processo. vol. 176. p. 93. São Paulo: Ed. RT, 2009; (2)
ANSANELLI, Vincenzo. Le prove a futura memoria nel Diritto Italiano. Revista de
Processo. vol. 227. p. 47. São Paulo: Ed. RT, 2014; (3) MICHELE, Gian Antonio;
TARUFFO, Michele. A prova. Revista de Processo. vol. 16. p. 155. São Paulo: Ed. RT,
1979.
 
5. No Código de Processo Civil de 1973 a matéria sobre provas encontra-se referida em
algumas normas esparsas ao longo de todo o texto, mas possui tratamento sistemático
no Livro I, Título VIII (“Do Procedimento Ordinário”) , Capítulo VI – DAS PROVAS,
abrangendo os arts. 332 a 341.
 
6. “Em rápida síntese, já se disse que o objeto da prova são os fatos sobre os quais
versa a ação e devem ser verificados. Aliás, provar nada mais é do que fornecer a
demonstração da existência, ou inexistência, de um fato, bem como que haja, ou não,
existido de um determinado modo e não de outro. Às vezes, porém, surge a necessidade
de prova, não de um fato, mas do direito. Tal acontece quando a parte invoca direito
estrangeiro, singular, estadual, municipal ou consuetudinário. Mas, nesses casos, a
prova visa apenas a auxiliar o juiz, que poderá ignorar o direito invocado. Tanto é assim
que, independentemente de prova, poderá o juiz aplicar o direito singular, se conhecê-lo
e, por isso, não exigi-la, ou dispensá-la. De ponderar-se que entre a prova dos fatos e a
prova do direito há certa diferença no que concerne à sua direção: dirige-se aquela –
observa Lessona – principalmente à percepção do juiz, enquanto que esta se dirige,
principalmente, à sua inteligência” (SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária…cit., p.
241).
 
7. A doutrina costuma afirmar que o objeto da prova são os fatos relevantes e
controvertidos. Contudo, a compreensão do tema demanda uma análise mais profunda.
A primeira noção que se deve ter em mente é a de que são os fatos – e não o direito – o
objeto da prova, entendidos aqueles como acontecimentos históricos do mundo ou da
vida que têm realidade objetivamente aferível dentro das principais categorias que o
delimitam, a saber, o espaço e o tempo. Logo, fatos é que se provam, porque deles o

    Página 52
Resultados da Pesquisa

direito resulta (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil …cit., p. 119).


 
8. Vide, dentre outros: (1) XAVIER, Tricia Navarro. O “ativismo” do juiz em tema de
prova. Revista de Processo. vol. 159. p. 172. São Paulo: Ed. RT, 2008; (2) LOPES, João
Batista. Iniciativas probatórias do juiz e os arts. 130 e 333 do CPC. Revista dos
Tribunais. vol. 716. p. 41. São Paulo: Ed. RT, 1995.
 
9. “1. O vocábulo prova vem do latim probatio – prova, ensaio, verificação, inspeção,
exame, argumento, razão, aprovação, confirmação, e se deriva do verbo probare
(probo, as, are) – provar, ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência,
aprovar, estar satisfeito com alguma coisa, persuadir alguém de alguma coisa,
demonstrar” (SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária…cit., 1983)
 
10. “A propósito do problema da obtenção da verdade no processo (ainda que adjetivada
como verdade processual, já que a verdade no processo sempre se resolve num juízo de
verossimilhança), impende observar desde logo que a colocação dessa como um dos
objetivos ideais da prova judiciária oferece-se como uma condição insuprimível para que
o processo cumpra a contento o seu desiderato maior de lograr a justiça do caso
decidindo. Dois assuntos aqui interessam de perto para a composição dos modelos
processuais civis: a possibilidade ou não de investigação oficial das alegações
processuais e a valoração do material probatório pelo magistrado” (MITIDIERO, Daniel.
Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. Coleção Temas
Atuais de Direito Processual Civil – vol. 14. São Paulo: Ed. RT, 2009, p. 97; destaques
acrescentados).
 
11. Ao buscar disciplinar a finalidade da prova, é necessário refletir sobre o princípio
dispositivo, o princípio do contraditório, a participação processual, os interesses públicos
(primário, secundário e preponderante), os direitos disponíveis e indisponíveis, a
ponderação entre interesses e direitos, dentre outros fatores que determinam o
desiderato da prova em determinado momento histórico processual. Além disto, deve-se
pensar se a finalidade da prova possui o mesmo conteúdo no âmbito das diversas
espécies de Direito Processual (Civil, Penal, Trabalhista, Administrativo, Militar etc.).
 
12. “O fundamental é que as normas jurídicas relativas à produção das provas não
podem constituir obstáculos que dificultem a reconstrução objetiva dos fatos. Para que a
celeridade não constitua um obstáculo, certamente o processo deverá ser aperfeiçoado,
através de técnicas mais apropriadas de antecipação da atividade probatória” (GRECO,
Leonardo. Instituições de processo civil…cit., p. 118-119).
 
13. “Já se disse, no estudo da natureza das leis relativas à prova, que a determinação
dos meios desta é matéria da esfera do direito substantivo. Mas, como é precisamente
no processo que, para afirmação dos fatos controvertidos constantes das alegações das
partes, se torna necessária a apresentação, ou exibição, das provas, decorre que o
direito processual não invade o âmbito do direito substantivo com incluir um capítulo
destinado à verificação de quais sejam os meios de prova admitidos pela lei. Somente
depois de conhecê-los, distinguindo-os, está o direito processual em condições de
estabelecer o modo pelo qual as provas deverão ser oferecidas no processo, bem como

    Página 53
Resultados da Pesquisa

as condições que precisam preencher para constituir elemento gerador de convicção ao


passarem pelo cadinho da avaliação. Cumprindo ao direito processual regular o modo de
oferecimento das provas, o momento de sua produção, as linhas mestras de sua
apreciação, cercando os atos respectivos das medidas de segurança indispensáveis ao
surgimento da verdade, não pode deixar de, acompanhando o direito substantivo, tomar
para si, para a própria efetivação deste, a obrigação de verificar quais os meios de prova
que a lei indica como admissíveis para a afirmação da existência, ou inexistência, dos
fatos alegados em juízo” (SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária…cit., p. 69).
 
14. “Os meios de prova previstos na lei processual são: a confissão (arts. 342-354), a
prova documental (arts. 355-399), a prova testemunhal (arts. 400-419), a prova pericial
(arts. 420-439), as presunções e indícios e a inspeção judicial (arts. 440-443). Cumpre
destacar que, apesar da enumeração acima, as presunções e indícios não foram tratados
na lei processual como um meio de prova autônomo, embora mencionados em diversos
dispositivos, como os arts. 335, 319, 302, entre outros. Como meios atípicos de prova,
podem ser apontados os meios modernos de comunicação que, em geral, são tratados
na prova documental ou na prova testemunhal, como as comunicações telefônica e
eletrônica e a videoconferência, ou quaisquer outros veículos de transmissão de
informações que o desenvolvimento tecnológico venha a descobrir, desde que o
conteúdo dos elementos de convicção por eles comunicados seja objetivamente
observável pelo juiz e pelas partes, e desde que também haja razoável probabilidade de
que os dados fornecidos revelem com segurança os fatos probandos tal como eles
ocorreram ou tal como eles são. O art. 332 do CPC brasileiro vigente integra ao sistema
probatório todos os meios de prova, mesmo não previstos em lei ou por ela não
regulados, desde que “moralmente legítimos”, ou seja, desde que não sejam ofensivos à
dignidade humana e aos direitos fundamentais. (… Respeitado o núcleo duro e
intransponível do respeito à dignidade humana e aos direitos fundamentais, todas as
provas são admissíveis, numa concepção naturalista de prova, ou seja, de que tudo
aquilo que serve para demonstrar a verdade dos fatos em qualquer outra área do
conhecimento humano também serve para o Direito” (GRECO, Leonardo. Instituições de
direito processual. Rio de Janeiro: Forense, 2010, vol. II, p. 123-124).
 
15. “(… Tudo conflui, pois, à compreensão do processo civil a partir de uma nova fase
metodológica – o formalismo-valorativo. Além de equacionar de maneira adequada as
relações entre direito e processo, entre processo e Constituição e colocar o processo no
centro da teoria do processo, o formalismo-valorativo mostra que o formalismo do
processo é formado a partir de valores – justiça, igualdade, participação, efetividade,
segurança – base axiológica a partir da qual ressaem princípios, regras e postulados
para sua elaboração dogmática, organização, interpretação e aplicação. Nessa
perspectiva, o processo é visto, para além da técnica, como fenômeno cultural, produto
do homem e não da natureza. Nele os valores constitucionais, principalmente o da
efetividade e da segurança, dão lugar a direitos fundamentais, com características de
normas principais. A técnica passa a segundo plano, consistindo em mero meio para
atingir o valor. O fim último do processo já não é mais apenas a realização do direito
material, mas a concretização da justiça material, segundo as peculiaridades do caso.
(…” (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010. p. 22-23).

    Página 54
Resultados da Pesquisa

 
16. MITIDIERO, Daniel Francisco. Colaboração no processo civil…cit., p. 29. Para ele, as
fases metodológicas do processo seriam: (1.ª) praxismo ou pré-história do direito
processual; (2.ª) processualismo ou fase da autonomia; (3.ª) instrumentalismo e; (4.ª)
formalismo-valorativo.
 
17. “O formalismo processual cooperativo vai indelevelmente marcado pelo diálogo entre
as pessoas do juízo. A necessidade de participação das partes no processo assinalada
pelo direito fundamental ao contraditório, entendido como direito a influenciar a
formação da decisão jurisdicional, outorga sustentação teórica a essa ideia” (Idem, p.
134).
 
18. Tal expressão é encontrada em vários textos, de diferentes autores, não tendo sido
possível identificar, nessa pesquisa, seu criador. Veja-se, apenas ad exemplum:
MANDELI, Alexandre Grandi. O princípio da não surpresa na perspectiva do formalismo-
valorativo. Disponível em: [www.tex.pro.br/tex/listagem-de-artigos/331-artigos-mai-
2011b/8251-o-principio-da-nao-surpresa-na-perspectiva-do-formalismo-valorativo].
Acesso em: 09.02.2013.
 
19. Sobre o processo justo e as garantias fundamentais processuais, consulte texto já
clássico: GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais do processo: o processo justo.
Disponível em: [www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=429]. Acesso
em: 09.03.2013.
 
20. “(… la abogacía es un arte en el cual el conocimiento escolástico de las leyes sirve
muy poco, si no va acompañado de la intuición psicológica necesaria para conocer a los
hombres, y los múltiples expedientes y maniobras mediante los cuales tratan ellos de
plegar las leyes a sus finalidades prácticas. En vano se espera que los códigos de
procedimiento, aun los mejores estudiados teóricamente, sirvan verdaderamente a la
justicia si no son sostenidos en su aplicación práctica por la lealtad y la corrección del
juego por el fairplay, cuyas reglas no escritas están principalmente encomendadas a la
conciencia y a la sensibilidad de los órdenes forenses (…” (SOLIMINE, Omar Luis Días. La
buena fe en la estructura procesal. In: CÓRDOBA, Marcos M. (dir.). Tratado de la buena
fe en el Derecho. Buenos Aires: La Ley, 2004. t. I, p. 862).
 
21. CALAMANDREI, Piero. Il processo come gioco. In Opere Giuridiche.vol. I. Nápoli:
Morano, 1983, p. 536-562.
 
22. “No processo, como na guerra e na política, a moral não entra” (COMOGLIO, Luigi
Paolo. Etica e tecnica del “giusto processo”. Torino: G. Giappichelli Editore, 2004. p. 3,
Trad. por GRECO, Leonardo. Instituições de direito processual cit., p. 139).
 
23. CABRAL, Antonio do Passo. O contraditório como dever e a boa-fé processual
objetiva. Revista de Processo. vol. 126. p. 68. São Paulo: Ed. RT, 2005: “(… O juiz não
pode ser aquele do paradigma liberal, concebido como mero espectador da luta entre as
partes. Principalmente no campo processual, onde se está diante de um conflito de
interesses, pode ocorrer que ‘as partes sejam tentadas a usar de todos os meios, dignos

    Página 55
Resultados da Pesquisa

ou não, para conseguirem seu objetivo final’. É certo que cabe ao Estado-juiz zelar pela
ética no processo, mas embora todos os sujeitos processuais sejam destinatários dos
preceitos da moral processual, é em relação às partes e seus procuradores que o âmbito
de incidências das regras legais referentes à moralidade revela-se mais amplo, visando a
impedir a figura do improbus litigator. (…”.
 
24. “(é) antiga a preocupação com a conduta dos sujeitos da demanda. Desde que se
deixou de conceber o processo como um duelo privado, no qual o juiz era somente o
árbitro, e as partes podiam usar de toda argúcia, malícia e armas contra o adversário
para confundi-lo, e se proclamou a finalidade pública do processo civil, passou-se a
exigir dos litigantes uma conduta adequada a esse fim e a atribuir ao julgador maiores
faculdades para impor o fair play. Existe toda uma gama de deveres morais que
acabaram traduzidos em normas jurídicas e uma correspondente série de sanções para o
seu descumprimento no campo processual. Tudo como necessária consequência de se
ter o processo como um instrumento para a defesa dos direitos e não para ser usado
ilegitimamente para prejudicar ou para ocultar a verdade e dificultar a reta aplicação do
direito, na medida em que este deve atuar em conformidade com as regras da ética.
Deveres que alcançam primeiramente às partes, também o fazendo, logo em seguida,
aos procuradores dos litigantes e aos julgadores e seus auxiliares” (MILMAN, Fabio.
Improbidade processual e comportamento das partes: comportamento das partes e de
seus procuradores no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 32-33).
 
25. Nesse sentido, e fazendo referência, também, à obra de Comoglio, Humberto
Theodoro Júnior asseverou: “(… Das garantias mínimas de um processo justo, idealizado
pela ciência processual de nossos tempos, Comoglio extrai as seguintes consequências,
tendo em consideração a valorização do papel ativo confiado ao juiz:(a) la “moralización”
del proceso, en sus diversos componentes éticos y deontológicos, constituye, hoy más
que nunca, el eje esencial del fair trial o, si se prefere, del ‘proceso equo e giusto’; (b) El
control, bajo el perfil ético y deontológico, de los comportamientos de los sujetos
procesales en el ejercicio de sus poderes, ingresa en el área de inderogabilidad del
llamado ‘orden público procesal’, legitimando en tal modo la subsistencia de atribuciones
y de intervenciones ex officio del juez; (c) El rol activo de este último encuentra una
justificación suplementaria, de carácter político y constitucional, en los sistemas judicia
les en los que no vengan debilitados, sino más bien se vengan consolidando, el sentido
de la confianza y las garantías de credibilidad del aparato jurisdiccional público”
(THEODORO JR., Humberto. Boa-fé e processo – Princípios éticos na repressão à
litigância de má-fé – papel do juiz. Disponível em:
[www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Humberto%20Theodoro%20J
%C3%BAnior(3)formatado.pdf]. Acesso em: 17.07.2013.

 
26. Nesse sentido, CRUZ E TUCCI, José Rogério. Brevíssimas considerações acerca da
valoração de gravações. In: JOBIM, Geraldo Cordeiro et all (org). Tempestividade e
efetividade processual: novos rumos do processo civil brasileiro. Caxias do Sul: Plenum,
2010. p. 189-194, especialmente p. 190: “(… a prova tem raízes no componente ético
que inspira o processo, como instrumento posto a serviço do Estado, para consecução de
objetivos seus, que não se limitam aos perseguidos pelas partes, nem se restringem à

    Página 56
Resultados da Pesquisa

atuação da vontade concreta do direito objetivo. Nessa medida, os deveres de


veracidade e de colaboração estão ligados a um princípio de lealdade, que deve inspirar
todos os sujeitos da relação jurídica processual. E, sendo assim, a pré-constituição da
prova certamente envolve um dever – que aqui pode ser qualificado dessa forma, cujo
conteúdo é uma abstenção: jurídica e eticamente, os interessados devem se abster de
pré-constituir prova ilícita (…”.
 
27. No mesmo sentido, Leonardo Greco: “(… a efetividade do processo está a exigir um
conceito de prova mais rigoroso, com a revisão de todo o sistema normativo probatório,
hoje impotente para coibir o arbítrio” (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil
cit., p. 102).
 
28. Segundo Helena Najjar Abdo, com apoio nas lições de Michele Taruffo, “a própria
previsão de sanções no ordenamento já é, em si mesma, uma forma de prevenção”
(ABDO, Helena Najjar. O abuso do processo. São Paulo: Ed. RT, 2007. p. 228).
 
29. SANTOS, Moacyr Amaral. Prova dos fatos notórios. Revista dos Tribunais. vol. 776.
p. 743. São Paulo: Ed. RT, 2000.
 
30. “3. Provar, porém, é bem ‘o meio pelo qual a inteligência chega à descoberta da
verdade’. É um meio utilizado para persuadir o espírito de uma verdade. A verdade não
existe no espírito sem a sua percepção. Os recursos de que se utiliza a inteligência, para
a percepção da verdade, constituem a prova. Se o que se busca é sempre a verdade,
cumpre, desde logo, precisar no que ela consiste, sem o que não pode ser feita a escolha
dos meios para encontrá-la. (… ‘A verdade é a conformidade da noção ideológica com a
realidade’. Conceito da verdade relativa, não da verdade absoluta, sempre procurada,
nunca alcançada. Se a verdade somente pode ser procurada e se apresentar por meio
dos sentidos e da inteligência, compreende-se logo, precários como são aqueles,
insuficiente como é esta, a relatividade que deve presidir à conformidade da noção
ideológica com a realidade. Exatamente por isso, a verdade varia no tempo e no espaço.
A verdade ‘terra plana, de ontem’ transformou-se na verdade ‘terra redonda, de hoje’; a
verdade ‘a pena é uma vingança” se traduz na verdade ‘a pena é um método de
regeneração, para os povos civilizados’. Relação de conformidade entre o nosso
pensamento e a realidade palpável e inteligível, a verdade, ‘por mais que busque
aproximar-se do fenômeno, há de ater-se sempre ao fenômeno, sempre à aparência real
das coisas, diante dos sentidos aperfeiçoados, aparelhados e completados, na sua
inópia, pela inteligência’. Por isso mesmo, a verdade que se busca quase sempre não se
apresenta, ou nunca se apresenta com a brancura da verdade absoluta, mas apenas com
as cores da realidade sensível e inteligível. Contudo é a verdade” (SANTOS, Moacyr
Amaral. Prova judiciária…cit. [s.p.]).
 
31. Vide: GILLES, Peter; VINSON, Julia. Truth and Efficiency in Civil Proceedings.On
construction of the truth-postulate by the mainstream german doctrine of civil
procedure. Revista de Processo. vol. 206. p. 135. São Paulo: Ed. RT, 2012.
 
32. Vide: PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Verdade e finalidade da prova. Revista de
Processo. vol. 213. p. 161. São Paulo: Ed. RT, 2012.

    Página 57
Resultados da Pesquisa

 
33. “A primeira noção que se deve ter em mente é a de que são os fatos – e não o
direito – o objeto da prova, entendidos aqueles como os acontecimentos históricos do
mundo ou da vida que têm realidade objetivamente aferível dentro das principais
categorias que o delimitam, a saber, o espaço e o tempo. Logo, fatos é que se provam,
porque deles o direito resulta” (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil…cit., p.
119). E ainda: “Entretanto, em alguns casos, o direito também precisa ser provado.
Nessas hipóteses excepcionais, portanto, não é um acontecimento do mundo ou da vida
que vai ser objeto da prova, mas sê-lo-á a norma que rege a realidade da vida e que o
próprio juiz pode não conhecer, demandando que sejam trazidos dados, elementos que
demonstrem que a referida norma existe e que está em vigor” (Idem, p. 120).
 
34. “(… a civil law suit depends upon resolution of questions of fact and questions of law.
When a question of fact is in dispute, the issue is determined through the consideration
of conflicting evidence. When a matter of law is in dispute, the issue is determined
through the consideration of alternative interpretations of law” (HAZARD JR., Geoffrey
C.; TARUFFO, Michele. American Civil Procedure: an introduction. New Haven: Yale
University Press, 1993. p. 71).“Viewed mechanically, factual issues are resolved by proof
and legal issues are resolved by examining the law. The American system
characteristically performs these functions using judge and jury in combination, while
other legal systems perform them only through a judge. Formally, an American judge
and a judge in a European legal system could trade places in a nonjury case and, with a
little practice, perform with equal effect in either system” (HAZARD JR., Geoffrey C.;
TARUFFO, Michele. American Civil Procedure…cit., p. 72).

 
35. “Afirmou-se que são objeto de prova os fatos relevantes, quais sejam, aqueles
geradores de direitos, os fatos jurídicos, dos quais as partes podem extrair
consequências jurídicas a elas favoráveis. Este, portanto, o objeto da prova: os fatos
relevantes” (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil…cit., p. 121).
 
36. Vide: RAMOS, Vitor de Paula. Direito fundamental à prova. Revista de Processo. vol.
224. p. 41. São Paulo: Ed. RT, 2013.
 
37. “O próprio conhecimento científico precisa ser controlado, isto é, o discurso
justificativo que o invoca não pode aceitar as suas conclusões por simples argumento de
autoridade, mas precisa descer à observação e análise da correção e consistência
científicas” (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil…cit., p.119).
 
38. Idem, p. 107.
 
39. HAZARD JR., Geoffrey C.; TARUFFO, Michele. American Civil Procedure… cit., p. 76:
“Legal rules are applied through a mental process that adresses the relationship between
legal concepts and the circunstances of a specific case, whereby a conclusion may be
reached in favor of one party or the other. This process is called reasoning”.
 
40. Idem, p. 77: “The legal system presumes that there is a direct and logical

    Página 58
Resultados da Pesquisa

relationship between the court’s thought process and its conclusion, and recognizes that
having to make a decision is a mental discipline its own. As a pratical matter a legal
system can demand no more”.
 
41. Idem, p. 79: “When factual issues arise in litigation, they are resolved by
consideration of evidence. Evidence consists of testimony of witnesses, documents such
as contracts and deeds, and occasionally physical objects. In assessing the evidence in a
given case, the key problem may be determining what events actually occurred”.
 
42. VERDE, Giovanni. Prova in generale: Teoria generale e diritto processuale civile.
Enciclopedia del diritto. Milano: Giuffré, 1988. vol. XXXVII, p. 580 apud GRECO,
Leonardo. Instituições de processo civil…cit., p. 107.
 
43. “O que é preciso assentar é a necessidade garantística da apuração dos fatos, a
necessidade de buscar a verdade dos fatos como pressuposto da tutela jurisdicional
efetiva dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico. De nada adianta a lei atribuir
ao cidadão inúmeros direitos, se não lhe confere a possibilidade concreta de demonstrar
ser titular desses direitos, ou seja, se lhe impõe uma investigação fática capenga,
incompleta, impedindo-o de obter a tutela dos direitos pela impossibilidade de
demonstrar a ocorrência dos fatos dos quais eles se originaram” (GRECO, Leonardo.
Instituições de processo civil…cit., p. 116).
 
44. “A lei municipal e a lei estadual se presumem conhecidas no Município e no Estado
para os quais foram feitas. Em consequência, quando o CPC, no art. 337, diz que quem
as invocar deve prová-las, não se refere às leis do Município ou às do Estado em que o
juiz exerça a jurisdição. (… Sempre, no entanto, que a lei invocada seja de Estado ou
Município onde o juiz não tenha domicílio, é natural, a lei deverá ser provada, como se
provam os fatos, a menos que o juiz dela tenha conhecimento” (SANTOS, Moacyr
Amaral. Prova judiciária…cit., p. 205-206).
 
45. “É geral o reconhecimento da necessidade de prova da lei estrangeira. Mas essa
necessidade encontra uma condicional; se o juiz desconhecê-la. Como se disse. Códigos
modernos, como o alemão e o austríaco, adotam o princípio segundo o qual a prova da
lei estrangeira é desnecessária, quando seja conhecida do juiz. A doutrina, igualmente,
se encaminha nessa direção. Mortara, entre outros, se manifesta decididamente. Para o
eminente processualista, afirmar de modo invariável a necessidade da prova da lei
estrangeira é fazer-se “injustiça à cultura do magistrado em particular e à classe dos
juristas em geral”. ‘Em outros tempos – continua o emérito processualista – e com as
barreiras intelectuais, era lícito, talvez, acolher como princípio de direito a necessária
ignorância da lei estrangeira. Mas, hoje, isto parece exagero, e conforta-me ver nas
legislações mais recentes (Código germânico. Regulamento austríaco) afirmado o
princípio pelo qual não ocorre a necessidade de prova da lei estrangeira quando seja ela
conhecida do juiz’. A matéria liga-se, estreitamente, ao direito internacional privado, em
cujo setor a controvérsia ainda permanece” (SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária…
cit., p. 206-207).
 
46. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Prova do direito estrangeiro. Doutrinas Essenciais

    Página 59
Resultados da Pesquisa

de Direito Internacional. São Paulo: Ed. RT, 2012. vol. 4, p. 869).


 
47. “Tratando da prova do direito costumeiro, o Código de Processo Civil de 1939, no
que não foi seguido pelo Código vigente, reunia vários artigos (arts. 259 a 262) em um
capítulo a que dera o título “Dos Usos e Costumes”. Em cada um dos três primeiros
dispositivos (arts. 259 a 261) empregava a expressão “usos E costumes”; no último (art.
262) referia-se a “uso OU costume”. Parecia que a lei processual de 1939 distinguia o
“uso” do “costume”, renovando velha questão doutrinária a respeito. Dizia-se que o
“uso” consistia na repetição, na reiteração do ato, ou do fato, enquanto que o “costume”
correspondia à norma jurídica resultante desse ato, ou fato” (SANTOS, Moacyr Amaral.
Prova judiciária…cit., p. 219).
 
48. Essa era a redação originária: Art. 1.º (…. § 3.º Os direitos municipal, estadual,
estrangeiro e consuetudinário serão objeto de prova quanto ao seu teor e à sua vigência,
se assim o determinar o juiz. A norma jurídica que preveja direito ou dever decorrente
de fato determinado também poderá ser objeto de prova, nas mesmas condições.
 
49. Sobre o assunto, um dos autores dessas justificativas desse capítulo já escreveu:
“(… Não se tolera, quiçá deve se permitir, a ocorrência de decisões-surpresa (decisione
dellaterza via, no direito italiano, ou Überraschungsentcheidungen, no direito alemão),
assim consideradas aquelas que se firmam em fundamentos de fato e/ou de direito que
não foram alvo de debate prévio e efetivo das partes. O juiz não pode, como um mágico,
extrair da sua ca(chol) rtola, fundamentos sobre os quais as partes não manifestaram
previamente, ainda que se trate de matérias cognoscíveis (e não resolúveis, frise-se!) ex
officio. Nesse prisma, os adágios iuri novit curiae da mihi factum dabo tibi ius devem
sofrer uma releitura para se adequar à exigência constitucional do contraditório, já que o
direito conhecido pelo magistrado, e só revelado quando do julgamento, sem prévio
controle e debate das partes, é ilegítimo e não condizente com o Estado Democrático de
Direito (…” (FARIA, Márcio Carvalho. O princípio do contraditório, as matérias
cognoscíveis de ofício e as decisões judiciais de fixação de honorários de sucumbência.
FUX, Luiz (coord). Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 729-770,
especialmente p. 744-745).
 
50. “Não enumerava o Código de Processo Civil de 1939 os meios de prova admissíveis
no sistema brasileiro. Seguindo, nesse ponto, o melhor critério, limitou a reportar-se aos
meios reconhecidos nas leis substantivas, dispondo no art. 208: “São admissíveis em
juízo todas as espécies de prova reconhecidas nas leis civis e comerciais”. Assim
procedendo, acompanhou a técnica de vários códigos de processo estaduais, nos quais
havia dispositivo idêntico ao do art. 208. Seguiu a mesma orientação o Código de
Processo Civil vigente, art. 332, dizendo: “Todos os meios legais, bem como os
moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar
a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”. São meios de prova não só
os previstos em lei, mas também os que, nela não previstos, sejam moralmente
legítimos. Se, por um lado, a enumeração dos meios de prova, como se disse, pertence
à órbita do direito substancial, se cada um dos ramos desse direito prescreve quais os
meios de prova admissíveis e, se, por outro lado, além dos meios legais permitem-se
como tais os moralmente legítimos “ainda que não especificados no Código, não havia

    Página 60
Resultados da Pesquisa

razão, nem mesmo conveniência, este os relacionasse, como sabiamente o fez”


(SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária…cit., p. 72).
 
51. Vide, dentre outros: MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Indícios e presunções
como meio de prova. Revista de Processo. vol. 37. p. 52. São Paulo: Ed. RT, 1985.
 
52. “Quando, porém, o espírito, tomando conhecimento dos motivos afirmativos e
negativos, julga-os todos legítimos e dignos, mas de valores diversos, existe a
probabilidade. Conquanto opostos, os motivos são igualmente idôneos, no sentido de
merecerem ser balanceados, levados em conta. Aqueles são mais fortes que estes,
porém; mas não tão fortes que estes possam ser rejeitados. Eis a probabilidade, que
“consiste na percepção dos motivos convergentes e divergentes, julgados todos dignos,
na proporção do seu diverso valor, de serem levados em conta”. “A probabilidade atende
aos motivos convergentes e divergentes, e julga-os todos dignos de serem tomados em
conta, se bem que mais os primeiros, e menos os segundos” (SANTOS, Moacyr Amaral.
Prova judiciária…cit., [s.p.]).
 
53. C.P.P. ITA, Art. 192. “Valutazione della prova. (… 2. L’esistenza di un fatto non può
essere desunta da indizi a meno che questi siano gravi, precisi e concordanti”.
 
54. C.P.C. COL, Artículo 241. “La conducta de las partes como indicio. El juez podrá
deducir indicios de la conducta procesal de las partes”.
 
55. CAMBI, Eduardo; HOFFMANN, Eduardo. Caráter probatório da conduta (processual)
das partes. Revista de Processo. vol. 201. p. 59. São Paulo: Ed. RT, 2011.
 
56. Nesse sentido, assevera Miguel Teixeira de Sousa: “(… a) Existe um dever de
cooperação das partes com o tribunal, mas também há um idêntico dever de
colaboração deste órgão com aquelas. Este dever (trata-se, na realidade, de um poder-
dever ou dever funcional) desdobra-se, para esse órgão, em quatro deveres essenciais:
– um é o dever de esclarecimento, isto é, o dever de o tribunal se esclarecer junto das
partes quanto às dúvidas que tenha sobre as suas alegações, pedidos ou posições em
juízo (cf. art. 266.º, n. 2), de molde a evitar que a sua decisão tenha por base a falta de
informação e não a verdade apurada; – um outro é o dever de prevenção, ou seja, o
dever de o tribunal prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências das
suas alegações ou pedidos (cf. arts. 508.º, n. 1, al. b), (508.º-A, n. 1, al. c), (690.º, n.
4, e 701.º, n. 1); – o tribunal tem também o dever de consultar as partes, sempre que
pretenda conhecer de matéria de facto ou de direito sobre a qual aquelas não tenham
tido a possibilidade de se pronunciarem (cf. art. 3.º, n. 3), porque, por exemplo, o
tribunal enquadra juridicamente a situação de forma diferente daquela que é a
perspectiva das partes ou porque esse órgão pretende conhecer oficiosamente certo
facto relevante para a decisão da causa; – finalmente, o tribunal tem o dever de auxiliar
as partes na remoção das dificuldades ao exercício dos seus direitos ou faculdades ou no
cumprimento de ónus ou deveres processuais (cfr. art. 266.º, n. 4).b) O dever de
esclarecimento implica um dever recíproco do tribunal perante as partes e destas
perante aquele órgão: o tribunal tem o dever de se esclarecer junto das partes e estas
têm o dever de o esclarecer (cf. art. 266.º-A). Encontra-se consagrado, quanto ao

    Página 61
Resultados da Pesquisa

primeiro aspecto, no art. 266.º, n. 2: o juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir
qualquer das partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a
fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem
pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência. O
segundo dos referidos aspectos (dever de esclarecimento do tribunal pelas partes) está
previsto no art. 266.º, n. 3: as pessoas às quais o juiz solicita o esclarecimento são
obrigadas a comparecer e a prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos, salvo se
tiverem uma causa legítima para recusar a colaboração requerida (…” (TEIXEIRA DE
SOUSA, Miguel. Aspectos do novo processo civil português. Revista de Processo. vol. 86.
p. 174. São Paulo: Ed. RT, 1997).

 
57. Italia. Codice di Procedura Civile, Capo IV – Delle presunzioni. Art. 2727. Nozione. Le
presunzioni sono le conseguenze che la legge o il giudice trae da un fatto noto per
risalire a un fatto ignorato.
 
58. MALUF, Carlos Alberto Dabus. As presunções na teoria da prova. Revista de
Processo. vol. 24. p. 62. São Paulo: Ed. RT, 1981.
 
59. O texto anterior dizia: “Art. 4.º (… Parágrafo único. As presunções não eximem as
partes do ônus de produzir, sempre que possível, as provas necessárias à comprovação
dos fatos alegados”.
 
60. “The most difficult problem that the administration of justice confronts is the
inevitable risk of committing injustice by relying on evidence that is fact untrue. Various
mechanisms can be devised to reduce this risk. One is torequire especially reliable
evidence to sustain a claim. For example, written documentation may be required in
order to prove certain types of transactions, such as transferring of ownership of real
estate. Another mechanism is to impose an extra burden of proof concerning certain
issues, such as ‘clear and convincing evidence’ rather than merely ‘a preponderance of
the evidence’. Another device for dealing with uncertain evidence is simply to deny a
legal remedy for certain types of wrongs, even though they are morally obnoxious,
because the usual sources of proof of that type of wrong are regarded as unreliable. (….
All developed legal systems use these devices in various combinations. However, their
effect is inevitably to deny justice in certain cases” (HAZARD JR., Geoffrey C.; TARUFFO,
Michele. American Civil Procedure…cit., p. 82; destaques acrescentados).“(… The legal
system has no way of avoiding this dilemma, for no legal procedure can always discern
the truth. Hence, any device designed to affect the weight of evidence reflects a balance
between the aim of doing justice according to the actual facts os specific transactions
and the aim of protecting the system of justice from abusive claims and defenses. Some
misassessments of facts will occur whatever the rule, resulting in corresponding
injustice. The problem is how to balance the risks” – (HAZARD JR., Geoffrey C.;
TARUFFO, Michele. Idem, p. 83).

 
61. Termo cunhado por José Lebre de Freitas e contido em : DIDIER JÚNIOR, Fredie.
Fundamentos do princípio da cooperação no direito processual civil português. Coimbra:

    Página 62
Resultados da Pesquisa

Coimbra Ed., 2010. p. 14.


 
62. No âmbito do Direito Probatório podem ser reconhecidos os seguintes deveres às
partes: (1) dever de esclarecimento; (2) dever de consulta; (3) dever de prevenção; (4)
dever de auxílio; (5) dever de diálogo processual; (6) dever de clarificação; (7) dever de
buscar a verdade; (8) dever de colaboração ou cooperação para obtenção da verdade
(“comunidade cultural”); (9) dever de boa-fé (art. 16 do Nouveau Code de
ProcédureCivile, art. 266-B do Código de Processo Civil português, art. 247 da Ley de
Enjuiciamiento Civil espanhola, conforme exposto por Daniel Mitidiero em Colaboração
no processo civil…cit., , p. 96-97).
 
63. CPC/1973, art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer
forma participam do processo: (… II – proceder com lealdade e boa-fé;
 
64. “Não se encerra o ciclo probatório com a produção das provas. Com a produção se
completa a parte propriamente procedimental da instrução. Até então, tudo, ou quase
tudo, no processo probatório, é movimento; é contato do juiz e das partes com a
matéria perceptível, com pessoas, coisas ou documentos, que afirmam ou atestam fatos.
A prova ainda é “o modo de apreciação da fonte objetiva, que é a verdade” Com a
produção das provas se aparelha o processo daquilo que permite ao espírito persuadir-se
da verdade com referência à relação jurídica controvertida: está formada a prova no
sentido de elemento de prova” (SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária…cit., p. 389).
 
65. Italia. Codice di Procedura Civile. TITOLO V – Dei poteri del giudice(… Art. 115.
(Disponibilità delle prove)“Salvi i casi previsti dalla legge, il giudice deve porre a
fondamento della decisione le prove proposte dalle parti o dal pubblico ministero nonché
i fatti non specificatamente contestati dalla parte costituita. Il giudice può tuttavia, senza
bisogno di prova, porre a fondamento della decisione le nozioni di fatto che rientrano
nella comune esperienza”.

 
66. “Ao longo da história do direito processual civil, a preocupação com a ética fora uma
constante, manifestando-se de maneira mais aguda precisamente em duas frentes: no
problema da articulação da boa-fé nas relações entre aqueles que participam do juízo e
no problema da obtenção da verdade no processo” (MITIDIERO, Daniel. Colaboração no
processo civil…cit., p. 95).
 
67. Texto disponibilizado pela Câmara dos Deputados e disponível em:
[www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-
temporarias/especiais/54a-legislatura/8046-10-codigo-de-processo-
civil/proposicao/pareceres-e-relatorios]. Acesso em: 03.07.2013, às 16h02.
 
68. Essa era a redação originária:“Art. 6.º São deveres das partes:

I – comparecer em juízo e responder ao que lhes for interrogado;

II – submeter-se à inspeção judicial;

    Página 63
Resultados da Pesquisa

III – prestar as informações que lhes forem requisitadas para o esclarecimento da


verdade;

IV – colaborar na produção das provas deferidas ou determinadas pelo juiz, e


apresentar, quando solicitadas, todas as que se encontrem em seu poder;

V – expor os fatos em juízo conforme a verdade;

VI – não praticar atos, comissiva ou omissivamente, que saibam serem contrários à


verdade dos fatos;

VII – não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou
defesa de direito;

VIII – não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso;

IX – praticar os atos que lhes forem determinados e permitir, na sua esfera pessoal ou
de domínio, a sua prática.

§ 1.º A infração ao disposto neste artigo sujeitará a parte à multa punitiva em valor não
superior ao da causa, salvo se prevista sanção mais grave por norma específica, sem
prejuízo da responsabilidade por perdas e danos, e da utilização dos meios coercitivos
que forem possíveis para a obtenção do resultado almejado, independentemente da
presunção de veracidade do fato que a prova eventualmente omitida visava a
demonstrar, que será apreciada pelo juiz em conjunto com as demais provas.

§ 2.º A multa imposta para compelir à prática de ato será exigível tão logo decorrido o
prazo para o cumprimento da obrigação. Se imposta para a abstenção de ato, será
exigível desde a sua prática.(…”.

 
69. Nesse sentido, entendeu recentemente o STJ, em sede de embargos de divergência,
que “(… a orientação mais recente dessa Corte Superior de uniformização jurisprudencial
é no mesmo sentido (… da prescindibilidade do depósito prévio da multa do art. 557, §
2.º, do CPC, em se tratando de pessoas jurídicas de direito público, federais, estaduais,
distritais e municipais, a teor do disposto no art. 1.º-A da Lei 9.494/1997. Isso porque,
de acordo com referida orientação, a multa do art. 557, § 2.º, do CPC, tem a mesma
natureza da multa prevista no art. 488 do CPC, da qual está isento o Poder Público,
sendo, portanto, a norma inserta no art. 1.º-A da Lei 9.494/1997 perfeitamente
aplicável à multa de que trata o art. 557, § 2.º, do CPC (Trecho do voto-vista do Min.
Massami Uyeda nos EDiv 1.068.207/ PR, Corte Especial, j. 02.05.2012, rel. Min. Arnaldo
Esteves Lima, DJe 16.08.2012).
 
70. No sentido do Projeto, já decidiu o STF: “Não se discute que a multa prevista no art.
18 do CPC também incide sobre o beneficiário da gratuidade, como, aliás, já reconhecido
pelo STF (AgRg EDcl EI AgIn 342.393, 2.ª T., j. 06.04.2010, rel. Min. Celso de Mello,
DJE 23.04.2010).
 
71. De mesmo modo, o STJ: “(… 3. Decidiu-se, com efeito, que, na esteira da

    Página 64
Resultados da Pesquisa

jurisprudência deste Superior Tribunal, ao recorrente que goza do benefício da justiça


gratuita é indispensável o recolhimento da multa prevista no art. 557, § 2.º, do CPC,
pois a assistência judiciária gratuita não tem o condão de tornar o assistido imune às
penalidades processuais legais por atos de procrastinação ou litigância de má-fé por ele
praticados no curso da demanda.(… (EDcl no AgRg no Ag em REsp 12.990/RJ, 1.ª T., j.
21.02.2013, rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 26.02.2013).
 
72. CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: Juizados Especiais Cíveis e ação
civil pública, uma nova sistematização da teoria geral do processo. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2000. p. 63-64.
 
73. “(… Os advogados, uma vez em funções, ficam ao serviço de interesses que os
transcendem. Se não tiverem uma elevada consciência profissional e uma apertada
bitola deontológica, tudo lhes passa a ser permitido (…” (CORDEIRO, António Menezes.
Litigância de má-fé, abuso do direito de ação e culpa ‘in agenda’. 2. ed. Coimbra:
Almedina, 2011. p. 26-27).
 
74. “(… Perante os abusos de toda a ordem perpetrados nos processos (…, a coberto de
garantismo, cabe ao tribunal intervir. Com demasiada frequência, isso não sucede. O juiz
deixa arrastar a causa, levando as partes à progressiva exaustão, em vez de, como
muitas vezes se impunha, usar o seu poder legítimo para decidir, com justiça, o que lhe
seja colocado (…. (Idem, p. 25).
 
75. GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil…cit., p. 170:“(… A probidade ou
boa-fé protege a busca da verdade, mas se trata de dever a que estão sujeitos não
apenas os litigantes, mas todos os sujeitos processuais, desde o juiz até qualquer
participante eventual, como aqueles que fazem lances em hasta pública. (…”
 
76. Para Moacyr Amaral Santos, citado por Fabio Milman, probidade “é a integridade de
caráter, soma de virtudes que formam a dignidade pessoal, com a qual se impõem
pautem seus atos as pessoas que participam de uma relação, qual a processual,
destinada à consagração do ideal de justiça, condição precípua da existência social”
(SANTOS, Moacyr Amaral. Limites às atividades das partes no processo civil, apud
MILMAN, Fabio. Op. cit., p. 33).
 
77. A despeito de críticas severas, conforme as feitas por Montero Aroca e Lozano-
Higuero, para quem, segundo Joan Picó i Junoy, esse princípio se trataria de um mito,
com raízes em códigos advindos de regimes totalitários (JUNOY, Joan Picó i. El principio
de la buena fe procesal. Barcelona: J. M. Bosch Editor, 2003. p. 29-30).
 
78. Reconhecendo expressamente a necessidade de observância da lealdade processual
pelos juízes, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira: “(… Além do mais, o formalismo-
valorativo, informado nesse passo pela lealdade e boa-fé, deve ser apanágio de todos os
sujeitos do processo, não só das partes, impõe, como visto anteriormente, a cooperação
do órgão judicial com as partes e destas com aquele. Esse aspecto é por demais
relevante no Estado democrático de direito, que é tributário do bom uso pelo juiz de
seus poderes, cada vez mais incrementados pelo fenômeno da incerteza e da

    Página 65
Resultados da Pesquisa

complexidade da sociedade atual e da inflação legislativa, com aumento das regras de


equidade e aplicação dos princípios. Exatamente a lealdade no emprego dessa liberdade
nova atribuída ao órgão judicial é que pode justificar a confiança atribuída ao juiz na
aplicação do direito justo. Ora, tanto a boa-fé quanto a lealdade do órgão jurisdicional
seriam flagrantemente desrespeitadas sem um esforço efetivo para salvar o instrumento
dos vícios ou excessos formais.” (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo… cit.,
p. 278-280; destaques acrescentados).
 
79. SOARES, Fernando Luso. A responsabilidade processual civil. Coimbra: Almedina,
1987. p. 165-166: “(… Sabemos o que é dever processual: a necessidade imposta pelo
processo, de as pessoas observarem a sua tramitação de acordo com os fins para que
esta foi criada. O cumprimento desses deveres é a garantia directa da própria relação
jurídica procesual. A sua inobservância implica, naturalmente, sanções, e uma delas, a
que nos importa aqui particularmente, traduz-se no funcionamento do instituto da
responsabilidade processual subjectiva. Quanto às espécies de deveres processuais,
afigura-se-me correcta a sua distinção em duas grandes classes:a) deveres gerais;

b) deveres específicos.

Os primeiros impendem sobre toda e qualquer pessoa que intervenha no processo; os


segundos respeitam somente àquele que está investido na categoria ou função em
atenção ao qual o dever foi estatuído pela lei. Os deveres gerais são por seu turno
recondutíveis a estas quatro espécies:

a) dever de verdade;

b) dever de lealdade;

c) dever de prontidão;

d) dever de utilidade.

Como disse, eles respeitam a todos os que intervêm na instância, sejam juízes,
litigantes, partes acessórias, mandatários forenses, funcionários judiciais ou auxiliares do
processo. É certo que os autores falam, ainda, muito reiteradamente, no dever de
probidade. Só que este, para mim, não é mais de que o complexo ou somatório de todos
os restantes, e como tal, não passa de constituir uma designação defeituosa do princípio
da boa-fé. Quem falta à verdade não é litigantes probo; aquele que litiga deslealmente
não o é também; quem procrastina no processo age improbamente; e o que comete
inutilidades desorientantes, disfarçantes, etc., do mesmo passo actua de forma que não
se dirá proba – o que tudo, afinal, significa que não há propriamente um dever de
probidade. Quanto aos deveres específicos a sua classificação resulta, como disse, da
função desempenhada no processo pelo sujeito-vinculado a cada dever. São pois os
seguintes:

a) deveres dos juiz;

b) deveres das partes;

c) deveres dos mandatários;

    Página 66
Resultados da Pesquisa

d) deveres dos auxiliares judiciais;

e) deveres dos auxiliares do processo.”

 
80. Idem, p. 174-176: “(… A figura do juiz distingue-se, em particular, porque ele foi
criado para exercer poderes – ou, numa palavra, para exercer o poder jurisdicional,
aquele que lhe é fundamentalmente próprio. Mas notarmos isto logo nos permite
entender quais hão-de ser os seus deveres específicos. É que o juiz tem deveres e
deveres. (…Podíamos rebuscar múltiplos deveres do juiz ao sabor deste mesmo diploma
(por exemplo, art. 158.º, dever de fundamentar a decisão; art. 266.º, dever de remoção
de impertinências). E podemos acrescentar que o poder-dever de jurisdicção se
desmultiplica nos deveres de decisão, de execução, de coerção e de documentação. E
sustentar que o dever de imparcialidade do julgador significa a equidistância das partes.
E ainda até lembrar aquele a que Redenti chamou, curiosamente, o dever de “ignorância
oficial”. Tudo o que acrescentasse, porém, não nos levava mais longe: o dever específico
do juiz, o dever que interessa às nossas achegas para uma teoria da responsabilidade
processual subjetiva é, na verdade, o dever de jurisdição – aquele que o n. 1 do art. art.
156.º do Código de Processo tão completa e suficientemente chamou de dever de
administrar justiça”.

 
81. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo
Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1947. vol. I, arts. 1-152.
 
82. Sobre o tema, consulte: LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil
do juiz. São Paulo: Ed. RT, 2000; NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 8. ed.
São Paulo: Ed. RT, 2011.
 
83. DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função
jurisdicional. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
 
84. “O correto não parece ser a adesão pura e simples a um ou a outro desses
extremos, mas encontrar a justa medida entre ambos. Isto é, o ponto de equilíbrio (não
necessariamente equidistante) que, ao mesmo tempo, permita, no plano empírico, não
transferir para o órgão judicial toda a tarefa de apurar os fatos relevantes ao
julgamento, mas também não o mantenha com aquela velha postura de mero
expectador do embate entre as partes” (WAMBIER, Luiz Rodrigues e SANTOS, Evaristo
Aragão. Sobre o ponto de equilíbrio entre a atividade instrutória do juiz e o ônus da
parte de provar. In: MEDINA, José Miguel Garcia et al (coord.). Os poderes do juiz e o
controle das decisões judiciais. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 153).
 
85. Num plano maior sobre os princípios dispositivo e inquisitório, já se afirmou de forma
categórica que, “modernamente, nenhum dos dois princípios merece mais a consagração
dos Códigos, em sua pureza clássica. Hoje as legislações processuais são mistas e
apresentam preceitos tanto de ordem inquisitiva como dispositiva” (THEODORO JR.,
Humberto. Curso de direito processual civil. 53. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. vol. I,

    Página 67
Resultados da Pesquisa

p. 35). O direito estadunidense, por exemplo, aflui em tal direção: “The ideal of the
adversary system has come under increasing pressure in modern times. Many judges
have assumed more active roles in guiding the litigation before them. This is seen in the
participation of judges in the settlement process, during the pretrial-conference stage,
and in the various management techniques by which courts are responding to complex
modern litigation” (FRIEDENTHAL, Jack H.; KANE, Mary Kay; MILLER, Arthur R. Civil
procedure. 4. ed. St. Paul, MN : West group, 2005, p. 3).
 
86. “Em síntese, o juiz não é o único destinatário da prova. Ainda que o fosse, ele colhe
provas que não se destinam à sua exclusiva apreciação, mas também à apreciação dos
tribunais superiores que exercerão a jurisdição no mesmo processo em instâncias
diversas. Mas, de fato e de direito, também são destinatários das provas as partes que
com elas pretendem demonstrar a veracidade dos fatos por elas alegados, que têm o
direito de que sejam produzidas no processo todas as provas necessárias a demonstrá-
los e de discutir as provas produzidas em contraditório com o adversário e com o juiz”
(GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil…cit., 2011, p. 91).
 
87. “(… relativamente à indicação das provas, em geral, a iniciativa cabe às partes; a
iniciativa judicial é ainda supletiva. O princípio de disposição das partes, nesse particular,
é apenas refreado (… pelo poder de iniciativa do juiz nos casos em que houver
necessidade de se esclarecer a verdade, sem o que não seria possível, de consciência
tranquila, proferir sentença” (SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária…cit., p. 126-
127).
 
88. Perfilha-se a exegese de que nos direitos de caráter indisponível, o juiz, “sem ir em
busca de uma utópica e inatingível verdade real, deve determinar a produção de tantas
provas quantas sejam necessárias para evitar que uma das partes ou ambas venham a
abrir mão de direito do qual não possam dispor” (GRECO, Leonardo. A prova no processo
civil: do código de 1973 ao novo Código Civil. Estudos de direito processual. Campos dos
Goytacazes: Ed. Campos dos Goytacazes, 2005. p. 367).
 
89. BARROSO, Luís Roberto. O Estado contemporâneo, os direitos fundamentais e a
redefinição da supremacia do interesse público. In: SARMENTO, Daniel (org.), Interesses
públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio da supremacia do
interesse público. 2. tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. xiii.
 
90. Há situações, mormente quando verificadas in casu dessemelhanças sociais e
econômicas, em que a intervenção do magistrado é fundamental para promover o
equilíbrio processual das partes, ao compensar eventual disparidade jurídica, ou, em
outras palavras, evitar que “a atuação absolutamente desastrada, sem uma base técnica
razoável, de uma das partes possa levar à frustração dos fins que informam a atividade
jurisdicional” (CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Op. cit., 2007, p. 76).
 
91. Ganha realce extrair a essencialidade do dever de cooperação, que, segundo a
classificação de prestigiado doutrinador envolve a necessidade de esclarecimento,
prevenção, auxílio e consulta, cuja moldura atinge não só as partes, mas também o
julgador (SOUSA, Miguel Teixeira de. Estudos sobre o novo processo civil. 2. ed. Lisboa:

    Página 68
Resultados da Pesquisa

Lex, 1997).
 
92. Esclarece a doutrina, acertadamente, que “a problemática não diz respeito apenas ao
interesse das partes, mas conecta-se intimamente com o próprio interesse público, na
medida em que qualquer surpresa, qualquer acontecimento inesperado, só faz diminuir a
fé do cidadão na administração da justiça” (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Poderes
do juiz e visão cooperativa do processo. Publicado em: 03.09. 2005. Disponível em:
[www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=215]. Acesso em:
20.08.2012).
 
93. “E questa soluzione viene condivisa anche da gran parte della dottrina, la quale è
andata ormai da tempo convincendosi che le allegazioni o deduzioni giuridiche degli
interessati non sono un’aggiunta inutile o superflua, ma un’esplicazione della garanzia di
azione e di difesa, e che l’individuazione e l’interpretazione delle norme da applicare non
costituiscono una prerogativa intangibile ed esclusiva del magistrato” (TROCKER, Nicoló.
Processo civile e costituzione: problemi di diritto tedesco e italiano. Milano: Giuffrè,
1974. p. 674).
 
94. MASCIOTRA, Mario. La conducta procesal de las partes. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2009.
p. 15.
 
95. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O neoprivatismo no processo civil. In: Leituras
complementares de processo civil. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2008.
 
96. “Guardemo-nos de supor que toda e qualquer intervenção de agentes públicos seja
incompatível com a preservação de liberdade. Ao contrário: ela é frequentemente
indispensável para assegurar o livre desenvolvimento da pessoa humana” (MOREIRA,
José Carlos Barbosa. O processo, as partes e a sociedade. Temas de direito processual.
8.ª Série. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 40).
 
97. O processo, sob tal direção, demonstra-se caracterizado “por um work in progress,
uma obra aberta, não existindo preclusões ao exercício dos poderes instrutórios pelo
juiz” (TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo: uma análise empírica das
repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Saraiva,
1997. p. 37).
 
98. “O princípio do interesse é que leva a lei a distribuir o ônus da prova pelo modo que
está no art. 333 do CPC, porque o reconhecimento dos fatos constitutivos aproveitará ao
autor e o dos demais, ao réu (…. A consciência desse critério fundamental, não escrito
mas nitidamente subjacente aos dois incs. do art. 333, é indispensável para a solução de
questões mais complexas, não previstas pelo Código nem disciplinadas por qualquer
norma explícita – como é a do ônus de provar fatos capazes de neutralizar, alterar ou
extinguir a eficácia impeditiva ou extintiva de outros” (DINAMARCO, Cândido Rangel.
Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. vol. III, p.73).
 
99. Nesse norte: “Artículo 217. Carga de la prueba. (..) 7. Para la aplicación de lo
dispuesto en los apartados anteriores de este artículo el tribunal deberá tener presente

    Página 69
Resultados da Pesquisa

la disponibilidad y facilidad probatoria que corresponde a cada una de las partes del
litígio” (Ley 1/2000, de 7 de enero, de Enjuiciamento Civil/Espanha).
 
100. “A definição da distribuição do ônus da prova pelo juiz de forma diferenciada em
relação à disposição geral do art. 333 do CPC é, porém, excepcional, isto é, deve se dar
apenas nos casos em que a atuação das partes não foi capaz de levar a um conjunto
probatório seguro, bem como há indícios de que outras provas se fazem necessárias à
resolução da controvérsia” (RODRIGUES, Marco Antonio dos Santos. A efetividade do
processo e a distribuição do ônus da prova. Revista eletrônica de direito processual. ano
7. vol. XII. p. 545-561. jun.-dez. 2013. Rio de Janeiro. Disponível em:
[www.redp.com.br]. Acesso em: 10.08.2014.
 
101. CADIET, Loïc. Les conventions relatives au procès em droit français. Sur la
contractualisation du règlement des litiges. Revista de Processo. vol. 161. p. 61-82. São
Paulo: Ed. RT, 2008.
 
102. “(… a inclinação do legislador por um ou outro sistema está mais ou menos
vinculada à maior ou menor confiança que a sociedade tenha em seus juízes, assim
como na credibilidade da instituição do Poder Judiciário, no preparo cultural dos
magistrados, e no maior ou menor rigor de sua formação profissional. O sistema da
persuasão racional, por certo o que mais condiz com os princípios da cultura ocidental
moderna, exige magistrados altamente competentes e moralmente qualificados,
enquanto o velho princípio da dosimetria legal das provas pode funcionar razoavelmente
ainda que seus juízes se ressintam de melhor preparação cultural, embora se saiba que
a formação de nossos juízes é ainda deficiente” (SILVA, Ovídio Araújo da; GOMES, Fábio.
Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2002. p. 306).
 
103. “Consiste a humanização do processo na valorização do homem que nele
comparece e supõe a atuação de valores éticos no sistema processual, ordenados à
finalidade” (SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Poderes éticos do juiz: a igualdade das
partes e a repressão ao abuso no processo. Porto Alegre: Fabris, 1987. p. 28).
 
104. TARUFFO, Michele. La motivación de la sentencia civil. Trad. Lorenzo Córdova
Vianello. Madrid: Trotta, 2011. p. 361.
 
105. “Se a prova é um instrumento que o processo tomou emprestado da realidade da
vida, porque dela todos fazem uso cotidiano como meio de caracterizar a existência de
fatos relevantes, o seu grau de exigência deve acompanhar as imposições dessa mesma
realidade” (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil… cit., 2011, p. 105).
 
106. No sentido da atipicidade dos meios de prova, Cândido Rangel Dinamarco
(DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. vol. III, p. 46-47), para quem o art. 332 do CPC brasileiro (“todos os
meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste
Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos em que se funda a ação ou a
defesa”) é a expressão infraconstitucional do direito à prova. De acordo com Moacyr
Amaral Santos, a enumeração contida no art. 136 do revogado Código Civil (1916) não

    Página 70
Resultados da Pesquisa

era taxativa, assim como não era a legislação anterior a ele; o Código de Processo Civil
de 1939, também revogado, seguia a mesma linha reportando-se às leis materiais (art.
208); finalmente, o art. 332 do CPC vigente, de 1973, explicitou a não taxatividade dos
meios de prova do art. 332 (SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária…cit., p. 70-71).
Mesmo após as disposições concernentes aos meios de prova no Código Civil de 2002,
tem-se entendido que o rol previsto no art. 212 deste diploma não revogou o princípio
da liberdade dos meios de prova previsto no precitado art. 332 do CPC (cf.,
exemplificativamente: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Anotações sobre o título ‘Da
Prova’ no novo Código Civil. Temas de direito processual: nona série. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 141-146; MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Teoria geral do
processo. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 207; DUARTE, Nestor. In: PELUSO, Cezar
(coord.). Código Civil comentado. Doutrina e jurisprudência. 5. ed. Barueri: Manole,
2011. p. 170-171; NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo
Civil comentado e legislação extravagante. 12. ed. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 723;
TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloiza Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código
Civil interpretado conforme a Constituição da República. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2007. vol. I, p. 435. Estes últimos autores invocam, além da norma geral contida no
Código de Processo Civil, o disposto no art. 225 do próprio Código Civil, que,
confirmando a liberdade dos meios de prova, prevê modalidades diversas das arroladas
no art. 212)
 
107. Como sustenta, em obra clássica, Santiago Sentis Melendo, um fato que pareça, à
primeira vista, impertinente, e uma prova que pareça, em princípio, irrelevante, podem
se demonstrar mais adiante pertinentes e relevantes. Assim, na dúvida, o juiz deve
proceder com amplitude, porque esta – a amplitude – é mais fácil de ser remediada que
a restrição (MELENDO, Santiago Sentis. La prueba. Buenos Aires: Ediciones Juridicas
Europa-America, 1978. p. 183).
 
108. TROCKER, Nicolò. Processo civile e costituzione… cit., p. 515 e ss.
 
109. Idem, p. 517 (tradução livre).
 
110. Idem, p. 521 (tradução livre). No mesmo sentido, entre nós, Luiz Guilherme
Marinoni e Daniel Mitidiero: “(… Constitui equívoco, infelizmente majoritário na
jurisprudência brasileira, imaginar que o juízo pode indeferir a produção de prova por já
ter valorado de forma antecipada a prova. Admissibilidade e valoração da prova são
conceitos que não se confundem. A Constituição outorga direito fundamental à produção
da prova admissível. Não a condiciona à prévia valoração judicial de seu hipotético
resultado” (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O Projeto do CPC: críticas e
propostas. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 99).
 
111. Neste sentido, os exemplos fornecidos por Leonardo Greco na Apresentação desta
pesquisa, presentes no CPC vigente: proibição de depoimento pessoal de pessoas
incapazes, a limitação do depoimento pessoal à forma oral (CPC, art. 344), a forma
escrita da confissão extrajudicial (CPC, art. 353), a subordinação da força probante do
documento particular à assinatura, as incapacidades, os impedimentos e motivos de
suspeição das testemunhas (CPC, art. 405; CC/2002, art. 228), a não admissão da

    Página 71
Resultados da Pesquisa

prova exclusivamente testemunhal nos contratos de valor superior a 10 salários mínimos


(CPC, art. 401; CC/2002, art. 227) e a não admissão da prova testemunhal sobre fato já
provado por documento ou confissão ou que só por documento ou exame pericial possa
ser provado.
 
112. Neste ponto, é oportuno advertir que o princípio da liberdade dos meios de prova
não se confunde com o do livre convencimento, porquanto o primeiro incide na fase de
admissibilidade da prova e o segundo, na valoração do material probatório já produzido
nos autos. Cf. o argumento análogo de Ferrer Beltrán (Prova e veritàneldiritto. Bologna:
Società editrice Il Mulino, 2004, Capítulo primeiro, item 4.1, p. 50), ao distinguir prova
legal de legalidade – ou tipicidade – da prova: a legalidade é referente à definição legal
do meio de prova enquanto tal; já o sistema de prova legal diz respeito à
predeterminação legal do resultado probatório de um ou de vários meios de prova.
Trata-se, pois, de princípios que operam em planos distintos. A diferenciação é bem
delineada por Giovanni Dean, que alerta para os riscos da deturpação do princípio do
livre convencimento (Tema di ‘libertà’ e ‘tassatività’ delle forme nell’ acquisizione
probatoria a proposito delle ‘ricognizione fotografica’. Rivista italiana di diritto e
procedura penale. Milano: Giuffrè, 1989. p. 834).
 
113. TROCKER, Nicolò. Processo civile e costituzione…cit., p. 524.
 
114. GRECO, Leonardo. Instituições de direito processual civil… cit., 2011, p. 132. No
mesmo sentido: LESSONA, Carlos. Teoría general de la prueba en derecho civil o
exposición comparada de los principios de la prueba y sus diversas aplicaciones en Italia,
Francia, Alemania etc. Trad. Enrique Aguilera de Paz. Madrid: Instituto Editorial Réus,
1957. p. 10-11.
 
115. GRECO, Leonardo. Instituições de direito processual civil… cit., 2011, p. 141.
 
116. Aliás, como já reconheceu o STJ em julgado emblemático (REsp 154857-DF, 6.ª T.,
j. 26.05.1998, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU 26.10.1998, disponível em:
[www.stj.jus.br], acesso em: 02.10.2012), algumas destas regras são historicamente
fundadas na discriminação de algumas pessoas, a exemplo do que ocorre com o art.
405, § 3.º, I e II, do CPC. A Constituição e os tratados que asseguram direitos humanos
determinam a extirpação do ordenamento das limitações assinaladas, porque ensejam
suspeitas inconsistentes – desprovidas de qualquer respaldo lógico ou científico – ou
moralmente inaceitáveis.
 
117. COMOGLIO, Luigi Paolo. Incapacità e divieti di testimonianza nella prospettiva
costituzionale. Rivista di Diritto Processuale. XXXI. p. 56. Padova: Cedam, 1976. No
particular, parte da jurisprudência pátria tem decidido, de forma exemplar, flexibilizar
esta sorte de limitação, orientação que constitui um avanço no tocante ao direito à
prova. Assim, exemplificativamente:“(… Testemunha contraditada. Suspeição
reconhecida. Pretensão de revogação da liminar. Irrazoabilidade. Suspeição que não
retira o valor probante, ainda que relativo, da prova considerada em seu conjunto. (… A
suspeição, aliada à indispensabilidade da prova no momento da concessão da medida,
embora conduza à atribuição de valor relativo, não lhe retira por completo o seu poder

    Página 72
Resultados da Pesquisa

de convencimento, de modo que não induz à perda total de seu valor probante,
especialmente considerando o conjunto probatório que inclui também provas
documentais. (…” (TJSP, AgIn 9002048-61.2009.8.26.0000, 14.ª Câm. de Direito
Privado, j. 18.11.2009, rel. Des. Ligia Araújo Bisogni, disponível em: [www.tjsp.jus.br],
acesso em: 12.01.2012).
 
118. O art. 343 do CPC dispõe que, se o juiz não determinar de ofício o interrogatório
referido no art. 342, “compete a cada parte requerer o depoimento pessoal da outra”.
Na sequência, o § 1.º do aludido art. 343 e o art. 345 tratam da chamada confissão
ficta, consistente na presunção de veracidade dos fatos a serem provados pelo
depoimento pessoal incidente sobre a parte que deixar de comparecer, de depor, ou de
responder direta e objetivamente às perguntas. Tal sistemática gerou o entendimento de
que o depoimento da parte tem como único objetivo a confissão; diversamente, o
interrogatório livre – determinado de ofício pelo juiz – visa ao esclarecimento dos fatos.
Logo, o depoimento pessoal não poderia jamais ser requerido pela própria parte, nem
poderia ela ser inquirida em audiência por seu advogado. Na mesma linha, o Projeto de
Novo Código de Processo Civil contém disposições análogas no art. 392, caput e § 1.º, e
no art. 393.
 
119. TJSP, Ap 0001631-43.2011.8.26.0244, 4.ª Câm. de Direito Privado, j. 13.09.2012,
rel. Des. Milton Carvalho, onde se lê, ainda: “O depoimento pessoal faz prova à parte
contrária, que efetivamente o requereu e que, caso deferido o depoimento, procederá
com o interrogatório.” No mesmo sentido: “Não houve cerceamento de defesa no
presente caso, vez que, por primeiro, ‘não cabe à parte requerer o próprio depoimento
pessoal’ (RT 722/238, RJTJESP 118/247) (…” (TJSP, Ap 9222175-07.2007.8.26.0000,
9.ª Câm. de Direito Privado, j. 14.02.2012, rel. Des. Piva Rodrigues, disponível em:
[www.tjsp.jus.br], acesso em: 17.11.2012).
 
120. À orientação que limita o depoimento da parte devem ser opostas duas objeções.
Primeiramente, conquanto infeliz, a redação do art. 343 do CPC vigente não veda o
requerimento da prova pela própria parte, a formulação de perguntas pelo procurador do
depoente nem a utilização do depoimento em benefício da parte que depôs. Portanto,
não se poderia restringir o direito à prova e o princípio da liberdade dos meios de prova
com base na incompletude da regra; ao contrário, devem ser ampliadas as
possibilidades de proposição e os esquemas de produção da prova, bem como as
perspectivas para sua valoração. A segunda observação dirige-se especificamente à
eficácia probatória do depoimento da parte. Desta temática tratou Mauro Cappelletti,
ocasião em que refutou os argumentos de que: (a) o depoimento da parte não poderia
servir para beneficiá-la; (b) os elementos extraídos deste meio de prova, quando
favoráveis ao depoente, somente poderiam funcionar como argumentos ou indícios
corroboradores da conclusão alcançada pelo conjunto probatório (CAPPELLETTI, Mauro.
El testimonio de la parte en el sistema de la oralidad. Contribución a la teoría de la
utilización probatoria del saber de las partes en el proceso civil. Parte I. Trad. Tomás A.
Banzhaf. La Plata: Libreria Editora Platense, 2002. p. 236-238).
 
121. Arts. 400 e 401 do CPC vigente e arts. 227 e 230 do CC/2002.
 

    Página 73
Resultados da Pesquisa

122. Quanto à regra contida no art. 230 do CC/2002, afigura-se acertado o


posicionamento de Leonardo Greco, que, na linha do que defende quanto às demais
limitações desta natureza, diz que a limitação à prova indiciária “vale apenas como
recomendação ao juiz” e “não pode constituir obstáculo à apuração da verdade, servindo
apenas de advertência para o juiz da sua normal precariedade, a ser considerada na
formação da livre convicção” (GRECO, Leonardo. A prova no processo civil: do Código de
1973 ao novo Código Civil cit., p. 380).
 
123. Em sede doutrinária, Leonardo Greco enfrentou diretamente a questão,
ponderando, sobre as provas legais persistentes na legislação processual, que a
compatibilidade de tais regras deve ficar restrita aos direitos cujo exercício, dentro ou
fora do processo, dependa de registro público do seu fato gerador (Idem, p. 373). O
autor se refere, neste ponto, às provas legais determinadas pelo direito material (art.
366 do CPC), que não são provas legais propriamente ditas, mas requisitos à formação
dos atos jurídicos. Para estes casos, a previsão da forma de comprovação é decorrência
dos próprios requisitos do ato jurídico, fundada na segurança jurídica. Quanto aos
demais casos, referentes à prova legal propriamente dita, conclui o autor “Admitir que,
além deste limite, pudesse o juiz estar vinculado à força probante de determinadas
provas, violaria o direito das partes a um julgamento conforme à verdade e a própria
dignidade humana do juiz, obrigado, contra sua consciência, a reputar verdadeiros fatos
de cuja existência não se convenceu” (Idem, ibidem).
 
124. Em sede jurisprudencial, podem-se destacar algumas decisões que prestigiam o
livre convencimento do juiz e o direito à prova das partes em detrimento de tais
limitações. Quanto ao art. 400, I, do CPC vigente, o TJSC, já no início da vigência do
Código de Processo Civil, decidiu que “Em tese, não cabe prova testemunhal para fato já
comprovado por documento”, mas que “O exame de cada caso concreto (… determinará
a aplicação da regra” (TJSC, AgIn 686, 3.ª Câm. Civ., j. 26.08.1974, rel. Des. Aristeu
Schiefler, RT 473/184 apud MIRANDA, Darcy de Arruda e outros. Código de Processo
Civil nos tribunais. Arts. 286 a 485. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 1997). Em
sentido análogo, o STJ tem interpretado a exigência de cláusula contratual expressa de
forma a abarcar ajustes verbais, comprovados via prova testemunhal. É este o
entendimento assentado para as cláusulas de exclusividade em contrato de
representação: “Possibilidade da demonstração da existência de cláusula de
exclusividade mesmo em contratos de representação firmados verbalmente, admitindo-
se a respectiva prova por todos os meios em direito admitidos. Aplicação do art. 212 do
CC/2002 c/c os arts. 400 e ss. do CPC. Doutrina e jurisprudência desta Corte acerca do
tema. (… Estabelecida, no caso concreto, pelo acórdão recorrido a premissa de que o
ajuste de representação comercial vigorava com cláusula de exclusividade, confirmada
por prova testemunhal, inarredável a conclusão de que houve rescisão imotivada do
contrato, pela contratação de novo representante para atuar na mesma zona
anteriormente conduzida pela recorrida” (STJ, REsp 846.543/RS, 3.ª T., j. 05.04.2011,
rel. Min. Paulo de Tarso Sansverino, DJe 11.04.2011, disponível em: [www.stj.jus.br],
acesso em: 02.12.2012).
 
125. Na linha do que permite o art. 2.721 do Codice Civile italiano (cf., sobre tema:
CONTE, Mario. Commentario al Codice Civile. Art. 2697-2739. Prove. A cura di Paolo

    Página 74
Resultados da Pesquisa

Cendon. Milano: Giuffrè, 2008. p. 208-209).


 
126. NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., p. 765.
 
127. Exemplo de contrato por telefone que pode envolver elevado valor financeiro é
citado por Leonardo Greco: “Normalmente, quando as partes resolvem celebrar um
contrato superior a dez salários-mínimos, ou seja, um contrato de elevado valor
econômico, procuram documentá-lo, por razões de segurança jurídica. Essa é uma
máxima de experiência que, entretanto, pode ser desmentida, na medida em que há
contratos que, mesmo de alto valor, não se documentam. É o que ocorre com a ordem
do investidor ao seu corretor na bolsa de valores, para comprar ou vender títulos
mobiliários. Essa compra e venda pode ser de alto valor, contudo, não se documenta. É
feita por telefone ou home broker. A relação de confiança que existe entre o investidor e
seu corretor gera a presunção de que este realmente recebeu daquele uma ordem para
celebrar o negócio” (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil… cit., 2011, p. 214-
215).
 
128. DINAMARCO, Cândido. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. vol. III, p. 630.
 
129. Sobre o direito à prova contrária, confiram-se as ponderações de Giulio Ubertis,
aplicáveis tanto ao processo penal quanto ao civil (La ricerca dela veritàgiudiziale. In:
UBERTIS, Giulio (a cura di). La conoscenza del fattonel processo penale. Milano: Giuffrè,
1992. p. 1-38).
 
130. O STJ já aplicou este posicionamento em favor do autor: “(… 1. Em casos de
atropelamentos por composição férrea, com vítima fatal, a jurisprudência desta Corte
entende que a aferição quanto ao cenário do local do acidente é ponto nodal para se
determinar a quem deve ser imputada a culpa, porquanto cabe à empresa prestadora do
serviço impedir que pedestres invadam a área destinada ao trânsito férreo. Isso se dá,
por exemplo, com a vigilância e cerceamento de áreas propícias a tais infortúnios,
notadamente as de grande concentração urbana, como é o caso. 2. Na esteira dessa
jurisprudência, ganha relevância a argumentação da autora, no sentido de que o
desenho fático do acidente que ceifou a vida do seu esposo não seria exatamente aquele
descrito nas fotografias produzidas unilateralmente pela ré, sendo imprescindível a
produção de prova testemunhal, requerida a tempo oportuno e desprezada pelo
julgador. 3. É prejudicial aos autores a conclusão a que chegou o Juízo sentenciante,
posteriormente confirmada pelo Tribunal de Justiça local, julgando improcedente o
pedido inicial, ao argumento de que a autora não teria demonstrado a culpa da empresa
ré, e, a um só tempo, indeferiu a prova testemunhal requerida, a qual poderia
comprovar a culpa da concessionária, ou ao menos afastar a culpa exclusiva da vítima.
(…” (STJ, REsp 979.129/RJ, 4.ª T., j. 02.04.2009, rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJe
13.04.2009, disponível em: [www.stj.jus.br], acesso em: 02.12.2012).
 
131. Com base nesta orientação, o STJ já reverteu julgado que havia considerado
“ilícita” a prova testemunhal, tendo em vista a existência de prova documental relativa
ao fato probando. O mesmo acórdão reformado havia, contraditoriamente, considerado

    Página 75
Resultados da Pesquisa

que a dita prova documental não era bastante à demonstração do fato. A interpretação
atribuída pelo Ministro relator ao art. 400, I, do CPC, foi a de que este dispositivo regula
as hipóteses em que a prova testemunhal é desnecessária, não cuidando, porém, de
caso de impossibilidade de comprovação por esta via. Confira-se: “O Tribunal a quo não
pode, por um lado, indeferir a prova testemunhal requerida pelo autor por considerar
que os mesmos fatos também foram comprovados documentalmente e,
contraditoriamente, julgar improcedente o pedido por ausência de comprovação. O art.
400 do CPC, só autoriza que seja dispensada a prova testemunhal nas hipóteses em que
os fatos estejam, efetivamente, comprovados por documentos (inc. I) ou nas hipóteses
em que tal modalidade de prova seja inadequada, técnica ou juridicamente, porque o
direito a ser comprovado demanda conhecimentos especializados, ou recai sobre negócio
jurídico cuja forma escrita seja requisito essencial (inc. II)” (STJ, REsp 798.079/MS, 3.ª
T., j. 07.10.2008, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 23.10.2008, disponível em:
[www.stj.jus.br], acesso em: 02.12.2012). No mesmo sentido: SANTOS, Moacyr Amaral.
Comentários ao Código de Processo Civil (Arts. 332 a 475). 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1989. vol. IV, p. 244; CINTRA, Antonio Carlos de Araujo. Comentários ao
Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. Vol. IV, p. 158
(ponderando que o que se pretende evitar com o disposto no art. 400, I, é a produção
de provas inúteis); REICHELT, Luis Alberto. A prova no direito processual civil. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 246.
 
132. Citem-se, exemplificativamente, os critérios de controle mencionado por Vittorio
Denti, para cuja análise podem contribuir as testemunhas e outras fontes de prova: (a)
a apreciação da autoridade científica do expert; (b) a incorporação ao patrimônio
científico comumente aceito dos métodos de investigação por ele seguidos; (c) a
coerência lógica da argumentação (DENTI, Vittorio. Cientificidad de la prueba e libre
valoración del juez. Estudios de derecho probatório. Trad. Santiago Sentís Melendo e
Tomás A. Banzhaf. Buenos Aires: EdicionesJuridicas Europa-America, 1974. p. 301-302).
 
133. No particular, refutou-se a insustentável proposição do art. 214 do CC, de que a
confissão é irrevogável. A confissão não é um negócio jurídico que se revogue ou a
respeito do qual a lei possa vedar a revogação. É, simplesmente, elemento de prova.
Portanto, não há que se cogitar da revogação ou não do que foi dito sobre determinado
fato. Apenas são suscetíveis de revogação (e de irrevogabilidade) atos que contenham
alguma disposição sobre direitos. Cite-se, novamente, o posicionamento de Leonardo
Greco acerca deste art. 214 do Código Civil: “Trata-se de evidente confusão com a
renúncia ou o reconhecimento do direito, pois, ‘não se confessa a dívida, a relação
jurídica; confessam-se fatos’ (PONTES DE MIRANDA, Comentários ao CPC. 3. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1996. t. IV, p. 315), que continuam objeto de prova, embora a
confissão gere uma presunção de veracidade dos fatos confessados” (GRECO, Leonado.
A prova no processo civil: do Código de 1973 ao novo Código Civil cit., p. 384). Idêntico
raciocínio é aplicável ao disposto no art. 352 e incisos, do CPC vigente, que dispõe sobre
as hipóteses em que a confissão pode ser revogada, confundindo-a, novamente, com um
negócio jurídico.
 
134. GRECO, Leonardo. A prova no processo civil: do Código de 1973 ao novo Código
Civil cit., p. 384.

    Página 76
Resultados da Pesquisa

 
135. Leonardo Greco, com arrimo em Giampiero Balena, assevera que as preclusões
“colidem com os mais elevados fins publicísticos do processo, distanciando-o da busca de
uma sentença justa” (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil cit., 2011, p. 128-
129).
 
136. GRECO, Leonardo. A verdade no Estado Democrático de Direito. In: MENDES,
Gilmar Ferreira; STOCO, Rui (org.). Doutrinas essenciais – Direito Civil – Parte Geral.
São Paulo: Ed. RT, 2011. vol. I, p. 495-502.
 
137. GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais… cit.
 
138. Nesse sentido: DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. 12. ed.
Salvador: Juspodivm, 2010. vol. I, p. 45.
 
139. FARIA, Márcio Carvalho. A duração razoável dos feitos: uma breve tentativa de
sistematização. Revista Eletrônica de Direito Processual. ano 4. vol. VI. jul.-dez. 2010.
Disponível em [www.redp.com.br/arquivos/redp_6a_edicao.pdf]. Acesso em:
28.12.2013.
 
140. DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil cit., p.59-60.
 
141. GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais…cit.
 
142. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O futuro da justiça: alguns mitos. Temas de
Direito Processual: Oitava Série. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 1-14, especialmente
p. 5.
 
143. THEODORO JR., Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional.
Insuficiência da reforma das leis processuais. Disponível em:
[www.abdpc.org.br/artigos/artigo51.htm], acesso em: 28.12.2013.
 
144. “O importante é que o procedimento seja adequado à necessidade concreta de
tutela jurisdicional efetiva. Se não o for, o juiz deve dispor de meios para ajustá-lo a
essa necessidade, desde que preserve o equilíbrio entre as partes e não crie situações
absolutamente imprevisíveis para as partes” (GRECO, Leonardo. Garantias
fundamentais…cit.)
 
145. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao CPC. 15. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2009. vol. V, p. 453-458.
 
146. Nesse sentido, com diversos exemplos, comentários e decorrências expressas da
adoção: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. O princípio da comunhão das provas.
Disponível em:
[www.professordanielneves.com.br/artigos/201011151758060.comunhaodasprovas.pdf].
Acesso em: 30.12.2013.
 

    Página 77
Resultados da Pesquisa

147. “Privacy is an isssue of profound importance around the world. In nearly every
nation, numerous statutes, constitutional rights, and judicial decisions seek to protect
privacy” (SOLOVE, Daniel J. Understanding Privacy. Cambridge: Harvard University
Press, 2008. p. 2).
 
148. “O que é preciso assentar é a necessidade garantística da apuração dos fatos, a
necessidade de buscar a verdade dos fatos como pressuposto da tutela jurisdicional
efetiva dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico. De nada adianta a lei atribuir
ao cidadão inúmeros direitos, se não lhe confere a possibilidade concreta de demonstrar
ser titular desses direitos, ou seja, se lhe impõe uma investigação fática capenga,
incompleta, impedindo-o de obter a tutela dos direitos pela impossibilidade de
demonstrar a ocorrência dos fatos dos quais eles se originam” (GRECO, Leonardo.
Instituições de processo civil cit., 2011, p. 95).
 
149. Sob tal ponto, o Projeto inova ao exigir expressamente o contraditório, de modo a
assegurar a participação das partes no processo, mediante a necessidade de sua prévia
oitiva antes do reconhecimento da ilicitude. Trata-se do reconhecimento da tradicional
diferença entre conhecer ex officio(o que lhe é permitido) e decidir ex officio(o que lhe é
vedado pelo contraditório). Nesse sentido: “(… Para tanto, todavia, em um ambiente
processual pautado pela cooperação, tem o órgão jurisdicional de possibilitar às partes
oportunidade para que argumentem a propósito de eventual deslinde da causa sem
resolução de mérito por esse ou aquele motivo, inclusive indicando o Estado-juiz a sua
possível visão jurídica do material do processo. Caso não tenham ainda se pronunciado
em suas manifestações escritas sobre o tema, têm as partes de ser instadas a fazê-lo de
maneira prévia à decisão a fim de que se mantenha um paritário desenvolvimento do
diálogo no processo. Trata-se, novamente, de o órgão jurisdicional obedecer ao dever de
consulta que o grava inexoravelmente em um processo civil organizado a partir da ideia
de colaboração” (MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil…cit., p. 122).
 
150. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A Constituição e as provas ilicitamente obtidas.
Revista de Processo. vol. 84. p. 144. São Paulo: Ed. RT, 1996.
 
151. XAVIER DE ANDRADE, Alberto Guedes. A aplicabilidade do princípio da
inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito no processo civil. Revista de
Processo. vol. 126. p. 219. São Paulo: Ed. RT, 2005.
 
152. “O princípio da contaminação tem sua origem no caso Silverthorne Lumber & Co. v.
United States, em 1920, tendo a expressão fruit of the poisonous tree sido cunhada pelo
Juiz Frankfurter, da Corte Suprema, no caso Nardone v. United States, em 1937. Na
decisão, afirmou-se que “proibir o uso direto de certos métodos, mas não pôr limites a
seu pleno uso indireto apenas provocaria o uso daqueles mesmo meios considerados
incongruentes com padrões éticos e destrutivos da liberdade pessoal” (LOPES JR., Aury.
Direito processual penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 600).
 
153. É certo que o STF já reconheceu a possibilidade de se admitir a fonte independente
como hipótese de admissão da prova ilícita por derivação (STF, HC 74.599/SP, rel. Min.
Ilmar Galvão, DJ 07.02.1997, p. 01340, Ement. vol. 01856-02, p. 00380) bem como a

    Página 78
Resultados da Pesquisa

descoberta inevitável (STF, RHC 90.376/RJ, 2.ª T., j. 03.04.2007, rel. Min. Celso de
Mello).
 
154. ROQUE, Andre Vasconcelos. O estado de necessidade processual e a
admissibilidade das provas (aparentemente) ilícitas. Revista de Processo. vol. 153. p.
311. São Paulo: Ed. RT, 2007.
 
155. GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil cit., 2011, p. 134.
 
156. “Thus has the privilege remained controversial. It continues to produce hotly
contested cases in the courts, a disputatious literature in the law reviews, and strong
reactions – indignant, laudatory, and puzzled – among informed observers” (HELMHOLZ,
R. H. et al. The privilege against self-incrimination. Chicago: Teh University of Chicago
Press, 1997. p. 4).
 
157. “O réu não é obrigado a depor contra si próprio e tem o direito de responder
mentirosamente ao juiz que o interroga” (MARQUES, José Frederico. Elementos de
direito processual penal. São Paulo: Bookseller, 1998. vol. II, p. 298).
 
158. “A mentira em juízo é ilícito processual civil (litigância de má-fé, art. 17, II, do
CPC)” (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2009.
vol. II, p. 110).
 
159. “An individual can properly assert his Fifth Amendment privilege against self-
incrimination whenever he reasonably believes that the testimonial evidence tendered
could be used against him in a domestic criminal prosecution” (COOK, Julian A.
Investigative criminal procedure. New York: Wolters Kluwer, 2012. p. 217).
 
160. A extensão do princípio é a mesma do Direito Italiano: “La formula è ampia: Il teste
ha diritto di non respondere non soltanto alla singoladomanda, ma a tutte le domande
che concernono quei ‘fatti’ dai quai emerga una sua responsabilità per un reato
commesso in passato” (TONINI, Paolo. Manuale di Procedura Penale. Milano: Giuffrè,
2009. p. 272).
 
161. “Incriminating information may thus be compelled even under the Fifth Amendment
if therare no criminal consequences – even IF the disclosure would cause a person great
disrepute. In Ullmnn v. United States, for example, a witness granted immunity to testify
about his activities in the Communist Party contended that he would suffer disgrace and
severe social sanctions by testifying. He claimed that He might lose his job and friends,
as well as be blacklisted from future employment. The Court rejected the witness’s
argument because no criminal sancitons would be imposed as a result of his testifying”
(SOLOVE, Daniel J. Op. cit., p. 116).
 
162. “Lo que defendemos aquí es la aplicacíon ‘equilibrada’ del derecho a no auto
inculparseen matéria tributaria, considerando además la negativa repercusión econômica
sobre el erário público que conllevaría una inadecuada observância de dicha garantia”
(PUCCIARELLO. Mariana. Derecho a no autoincriminarse y deber de colaborar em el

    Página 79
Resultados da Pesquisa

ámbito tributário. Buenos Aires: Ad-hoc, 2011. p. 147).


 
163. “Art. 218. Cuando lo juzgue necesario, el juez podrá proceder a la inspección
corporal y mental del imputado, cuidando que en lo posible se respete su pudor.Podrá
disponer igual medida respecto de otra persona, con la misma limitación, en los casos de
grave y fundada sospecha o de absoluta necesidad.

En caso necesario, la inspección podrá practicarse con el auxilio de peritos. Al acto sólo
podrá asistir el defensor o una persona de confianza del examinado, quien será advertido
previamente de tal derecho.

Art. 218 bis. Obtención de ácido desoxirribonucleico (ADN). El juez podrá ordenar la
obtención de ácido desoxirribonucleico (ADN), del imputado o de otra persona, cuando
ello fuere necesario para su identificación o para la constatación de circunstancias de
importancia para la investigación. La medida deberá ser dictada por auto fundado donde
se expresen, bajo pena de nulidad, los motivos que justifiquen su necesidad,
razonabilidad y proporcionalidad en el caso concreto.

Para tales fines, serán admisibles mínimas extracciones de sangre, saliva, piel, cabello u
otras muestras biológicas, a efectuarse según las reglas del saber médico, cuando no
fuere de temer perjuicio alguno para la integridad física de la persona sobre la que deba
efectuarse la medida, según la experiencia común y la opinión del experto a cargo de la
intervención.

La misma será practicada del modo menos lesivo para la persona y sin afectar su pudor,
teniendo especialmente en consideración su género y otras circunstancias particulares.
El uso de las facultades coercitivas sobre el afectado por la medida en ningún caso podrá
exceder el estrictamente necesario para su realización.

Si el juez lo estimare conveniente, y siempre que sea posible alcanzar igual certeza con
el resultado de la medida, podrá ordenar la obtención de ácido desoxirribonucleico (ADN)
por medios distintos a la inspección corporal, como el secuestro de objetos que
contengan células ya desprendidas del cuerpo, para lo cual podrán ordenarse medidas
como el registro domiciliario o la requisa personal.

Asimismo, cuando en un delito de acción pública se deba obtener ácido


desoxirribonucleico (ADN) de la presunta víctima del delito, la medida ordenada se
practicará teniendo en cuenta tal condición, a fin de evitar su revictimización y
resguardar los derechos específicos que tiene. A tal efecto, si la víctima se opusiera a la
realización de las medidas indicadas en el segundo párrafo, el juez procederá del modo
indicado en el cuarto párrafo. En ningún caso regirán las prohibiciones del artículo 242 y
la facultad de abstención del artículo 243.

(Artículo incorporado por art. 1.º de la Ley 26.549 B.O. 27.11.2009).”

 
164. Como bem destaca Leonardo Greco: “Creio que esse dever de colaboração recai
com mais intensidade, se o depoente ou o informante é uma das partes, porque violaria
a paridade de armas se uma delas, a pretexto de proteção da sua privacidade,

    Página 80
Resultados da Pesquisa

subtraísse da outra possibilidade concreta de provar os fatos dos quais pode resultar o
seu direito. Nesse caso, a escusa de depor ou de exibir somente poderia ser admitida se
fundada em motivo do 1.º grau de privacidade. Se o depoente ou o informante não for
parte, é preciso não esquecer que todo terceiro tem o dever de colaborar com a Justiça
no descobrimento da verdade e, assim, também a prestação de depoimento ou a
entrega de documento decorrem desse dever, não podendo o ordenamento jurídico criar
escusa com fundamento no suposto direito de não se autoincriminar, sob pena de grave
limitação à busca da verdade” (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil cit.,
2011, p. 124).
 
165. “O primeiro grau, intangível, indisponível, insuscetível de ponderação, porque sem
ele não há respeito à dignidade humana; o segundo grau correspondente a relações e
vínculos de identificação pessoal do seu titular com outros sujeitos da comunidade, está
sujeito à ponderação, podendo ser sacrificado em benefício de valores ou interesses
superiores e o terceiro grau, decorrente de relações do sujeito com outras pessoas da
comunidade que, embora não sejam públicas, não lhe atribuem uma identidade
particular, mas correspondem às relações comuns entre pessoas de um determinado
grupo social, em que o conteúdo objetivo da comunicação sempre prevalece sobre
qualquer interesse individual” (Idem, p. 122).
 
166. “It is a good starting point because although the word ‘privacy’ is not specifically
mentioned in the Constitution, our right to be free from unreasonable searches ans
seizures is. The Fourth Amedment has been interpreted as protecting our privacy at least
against government officials, and as such it is the most direct constitutional safeguard
for privacy” (ALDERMANM, Ellen; KENNEDY, Caroline. The right to privacy. New York:
Vintage, 1997. p. XV).
 
167. “Constitucional. Penal. Gravação de conversa feita por um dos interlocutores:
licitude. Prequestionamento. Súmula 282 do STF. Prova: reexame em recurso
extraordinário: impossibilidade. Súmula 279 do STF. I. – gravação de conversa entre
dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de
documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente
quando constitui exercício de defesa. II. – Existência, nos autos, de provas outras não
obtidas mediante gravação de conversa ou quebra de sigilo bancário. III. – A questão
relativa às provas ilícitas por derivação “the fruits of the poisonous tree” não foi objeto
de debate e decisão, assim não prequestionada. Incidência da Súmula 282 do STF. IV. –
A apreciação do recurso extraordinário, no caso, não prescindiria do reexame do
conjunto fático-probatório, o que não é possível em recurso extraordinário. Súmula 279
do STF. V. – Agravo não provido” (AgIn 50.367/PR, 2.ª T., j. 01.02.2005, rel. Min.
Carlos Velloso, DJ 04.03.2005).
 
168. Em análise do direito processual penal Eugênio Pacelli destaca: “O que deve ser
protegido, em qualquer situação, é a integridade, física e mental do acusado, a sua
capacidade de autodeterminação, daí porque são inadmissíveis exames como o do soro
da verdade ou de ingestão de qualquer substância química para tal finalidade. E mais:
deve ser também protegida a dignidade da pessoa humana, a vedar qualquer
tratamento vexaminoso ou ofensivo à honra do acusado, e o reconhecimento do

    Página 81
Resultados da Pesquisa

princípio da inocência” (PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo:
Atlas, 2012. p. 384).
 
169. Neste ponto, como bem observa o Leonardo Greco:“Se o Estado Democrático de
Direito assenta na prevalência da dignidade humana e dos direitos fundamentais e, se
para que essa prevalência se efetive em benefício de todos ou de um grupo de cidadãos
é necessário limitar o acesso à prova judiciária de determinados fatos, que favoreceria
outro cidadão, impõe-se ponderar o interesse público que protege a coletividade ou
determinada atividade do Estado com o interesse perseguido pelo particular que àquele
se contrapõe, identificando com precisão qual é tal interesse público e quais são os
direitos fundamentais de outros cidadãos, que correm o risco iminente de sacrifício, caso
o interesse público invocado não venha a prevalecer” (GRECO, Leonardo. Instituições de
processo civil cit., 2011, p. 137).
 
170. “Fundamentado frequentemente invocado para a recusa de fornecimento de
informações ou de documentos pela Administração é o chamado segredo de Estado que,
em face do inc. XXXII do art. 5.º da Lei Maior, pode hoje ser conceituado entre nós
como o sigilo de atos e documentos constantes dos arquivos de órgãos públicos que
contenham informações, cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do
Estado” (Idem, p. 137).
 
171. “Una vez más, sin embargo, se producen lagunas en torno al desarrollo
procedimental. Lo que obliga a remitirnos a lasotras modalidades de exhibición
documental para llegar a La consideración de que estas entidades oficiales pueden
negarse a La exhibición, expresando lós motivos que crean convenientes (la no
disposición del documento, el carácter reservado del mismo, etc.), siendo el tribunal
quien decida si se trata de um motivos justificados o no. Se estabelecen eventuales
causas de oposición como la reserva o secreto, dirigiendo la entidad pública al tribunal
exposición razonada sobre dicho carácter. Resulta adecuada esta formulación puesto que
así el juez dispondrá de razones suficientes para requerir o no la exhibición” (PUIGVERT,
Sílvia Pereira. La exhibición de documentos y soportes informáticos enelproceso civil.
Navarra: Editorial Arazandi, 2013. p. 142).
 
172. Neste sentido, conferir: GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil cit., 2011,
p. 138.
 
173. TARUFFO, Michele. La semplice verità – Il giudice e la costruzione dei fatti. Bari:
Editori Laterza, 2009. p. 135-193.
 
174. CALAMANDREI, Piero. Op. cit., p. 536-562.
 
175. ZUCKERMAN, Adrian. Learning the facts – discovery. In: CHASE, Oscar G.;
HERSHKOFF, Helen (coord.). Civil litigation in comparative context. St. Paul:
Thomson/West, 2007. p. 208.
 
176. TROCKER, Nicolò. La Formazione del Diritto Processuale Europeo. Torino: G.
Giappichelli, 2012. p. 329-333.

    Página 82
Resultados da Pesquisa

 
177. YARSHELL, Flávio Luiz. Op. cit.
 
178. “Um lançar de olhos para o sistema da common law pode-nos esclarecer que essa
limitação cognitiva, se relevante, poderia ser remediada por vários meios, entre os quais
um procedimento investigatório preliminar, como a discovery ou disclosure,
respectivamente do direito americano e do direito inglês” (GRECO, Leonardo.
Instituições de processo civil cit., 2010, p. 114-115).
 
179. “A primeira providência seria a instauração de um procedimento ordinário
verdadeiramente bifásico, tal como adotado recentemente na Espanha e na Finlândia,
caracterizado pela criação de dois momentos decisórios culminantes, a audiência
preliminar e a audiência final de instrução e julgamento, e a eliminação mais extensa
possível da fragmentação do procedimento em uma série infindável de decisões
intermediárias. A preparação da primeira seria antecedida dos articulados de ambas as
partes, a complementação do contraditório em relação às defesas indiretas arguidas pelo
réu e a proposição em concreto pelas partes das provas que pretendem produzir,
apontando os fatos cuja demonstração com elas pretendem obter, de tal modo que o
juiz na primeira audiência, com a colaboração das partes, caso frustrada a conciliação,
fixe as questões de fato e de direito que devam ser objeto da decisão final, esclarecendo
com elas eventuais dúvidas, e determinando então as provas a serem produzidas e a
sequência dos atos a ser adotada” (GRECO, Leonardo. Novas Perspectivas da Efetividade
e do Garantismo Processual. Processo Civil – Estudos em homenagem ao Professor
Doutor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. São Paulo : Atlas, 2012. p. 273-308).
 
180. De acordo com Beatrice Ficcarelli “Il punto delicato dell’organizzazione di qual si
vogliamo dello processuale consiste nella disciplina della sua ‘fase preparatoria’. È ben
noto, infatti, cheil processo, in tanto può svolgersi in modo rápido e dordinato, in quanto
la trattazione iniziale inducale parti ed il giudice a fissare, in modo tendenzialmente
definitivo, i fatti e le questioni controverse, eliminando tutto ciò che non costituisce
oggetto di reale conflitto” (FICCARELLI, Beatrice. Fase preparatoria del processo civile e
case management giudiziale. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2011. p. 11).
 
181. “La tendenza evolutiva dei sistemi processuali contemporanei va verso l’adozione di
uno schema procedimentale a due fasi, l’una destinata alla preparazione (ed eventuale
risoluzione anticipata della causa), l’altra destinata all’assunzione delle prove e alla
decisione” (TROCKER, Nicolò. La Formazione del Diritto… cit., p. 321).
 
182. CHASE, Oscar. Law, culture and ritual. New York: New York University Press, 2005.
 
183. Conforme consta das Practice Directions – Pre-action Conduct inglesas: “Section I –
Introduction. 1. Aims. The aims of this Practice Directions are to – (1) enable parties to
settle the issue between them without the need to start proceedings (that is, a court
claim); and (2) support the efficient management by the court and the parties of
proceedings that cannot be avoided. 1.2 These aims are to be achieved by encouraging
the parties to – (1) exchange information about the issue, and (2) consider using a form
of Alternative Dispute Resolution (‘ADR’)”. Disponível em:

    Página 83
Resultados da Pesquisa

[www.justice.gov.uk;courts;procedure-rules;civil;rules;pd_pre-
action_conduct#IDAZZ2S], acesso em: 30.01.2012. No mesmo sentido: ANDREWS, Neil.
The Three Paths of Justice…it., p. 64 e FICCARELLI, Beatrice. Op. cit., p. 97.
 
184. Acerca do fenômeno no processo moderno europeu, Nicolò Trocker: “Dice vodella
tendenza degli ordinamenti processuali moderni a prefigurare forme di preliminare
discovery e di facilitare scambio di ‘informazione’ trale parti in fase pre-processualeanche
per promuoverelacomposizionestragiudizialedelleliti” (TROCKER, Nicolò. La Formazione
del Diritto…cit., p. 333).
 
185. Apesar de o cumprimento dos preactions protocols não ser exigido como condição
de procedibilidade para a demanda, o juiz, no exercício do case management, quando
ocorrer violação de regra processual, de practice direction ou de decisão, pode
determinar algumas sanções à parte que os descumpriu como, por exemplo, repartição
despesas, indeferimento de indicação de assistente técnico na fase processual quando a
parte deixou de fazê-lo antes do processo (Rule 35.7 da Civil Procedure Rules), ou ainda,
e principalmente, striking out, ou seja, o poder da corte de declarar sem efeito os atos
processuais, como a inicial, quando esta não apresentar fundamentos razoáveis, ou
constituir abuso do processo, ou impedir a justa trattazione da causa (FICCARELLI,
Beatrice. Op. cit., p. 102-103).
 
186. Foram resumidos da seguinte forma, no Informativo 546 do STF, o julgamento
proferido nas MC na ADIn 2.160 e MC na ADIn 2.139, em que foi relator o Min. Marco
Aurélio Mello, DJe 23.10.2009, acerca do art. 625-D da Lei 9.958, de 12.01.2000, que
trata da submissão antecipada às Comissões de Conciliação Prévia da Justiça do
Trabalho: “Por reputar caracterizada, em princípio, a ofensa ao princípio do livre acesso
ao Judiciário (CF, art. 5.º, XXXV), o Tribunal, por maioria, deferiu parcialmente medidas
cautelares em duas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores no Comércio – CNTC e pelo Partido Comunista do Brasil – PC
do B, pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB, pelo Partido dos Trabalhadores – PT e pelo
Partido Democrático Trabalhista – PDT – para dar interpretação conforme a Constituição
Federal relativamente ao art. 625-D, introduzido pelo art. 1.º da Lei 9.958/2000 – que
determina a submissão das demandas trabalhistas à Comissão de Conciliação Prévia– a
fim de afastar o sentido da obrigatoriedade dessa submissão”.
 
187. “Também não há exigência de esgotamento de outras instâncias, administrativas
ou não, para que se busque a guarida jurisdicional. Quando assim o deseja, a própria
Constituição impõe este requisito, como ocorre em relação às questões esportivas, que
devem ser resolvidas inicialmente perante a justiça desportiva para que, após o
esgotamento das possibilidades, possam ser remetidas ao exame do Poder Judiciário.É a
única exceção constitucional. Única” (DIDIER JR., Fredie. Notas sobre a garantia
constitucional do acesso à justiça: o princípio do direito de ação ou da inafastabilidade
do poder judiciário. Revista de Processo. vol. 108. p. 23. São Paulo: Ed. RT, 2002).Em
sentido contrário: “Uma vez posto, no direito objetivo, a exigência do prévio
esgotamento da via administrativa, temos que, se e enquanto não ocorrer esse fato, não
haverá, técnica e propriamente uma lide, a ser submetida ao Judiciário. Poderá haver
um simples interesse ou expectativa; não, propriamente, um direito subjetivo

    Página 84
Resultados da Pesquisa

contrariado. Tanto assim que, a propósito do Estatuto dos Funcionários Públicos da


União, na parte que condicionava o acesso ao Judiciário ao prévio esgotamento dos
recursos administrativos, o STF ‘consolidou sua jurisprudência, no sentido de negar a
pretensa inconstitucionalidade’. Agora, saber se esse sistema é justo, ou socialmente
legítimo, etc., já desborda do enfoque técnico-jurídico propriamente dito, adentrando as
searas da sociologia, da deontologia, da axiologia. A nível de direito vivo, importa a lei
posta, vigente, não a que poderia ou deveria ser” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A
inafastabilidade do controle jurisdicional e suas exceções – Estudo quanto à aplicação do
tema à justiça desportiva no âmbito do futebol. Revista de Processo. vol. 31. p. 37. São
Paulo: Ed. RT, 1983).
 
188. RE 233582/RJ, Tribunal Pleno, j. 16.08.2007, rel. Min. Marco Aurélio e rel. p/
acórdão Min. Joaquim Barbosa.Ementa: Constitucional. Processual tributário. Recurso
administrativo destinado à discussão da validade de dívida ativa da Fazenda Pública.
Prejudicialidade em razão do ajuizamento de ação que também tenha por objetivo
discutir a validade do mesmo crédito. Art. 38, parágrafo único, da Lei 6.830/1980.

O direito constitucional de petição e o princípio da legalidade não implicam a necessidade


de esgotamento da via administrativa para discussão judicial da validade de crédito
inscrito em Dívida Ativa da Fazenda Pública. É constitucional o art. 38, parágrafo único,
da Lei 6.830/1980 (Lei da Execução Fiscal – LEF), que dispõe que “a propositura, pelo
contribuinte, da ação prevista neste artigo [ações destinadas à discussão judicial da
validade de crédito inscrito em dívida ativa] importa em renúncia ao poder de recorrer
na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto”. Recurso
extraordinário conhecido, mas ao qual se nega provimento.

 
189. FICCARELLI, Beatrice. Op. cit., p. 96.
 
190. Em sentido contrário: CAMBI, Eduardo; HOFFMANN, Eduardo. Op. cit., p. 59.
 
191. “No sistema processual brasileiro, há de se aceitar que a conduta processual única
possa gerar o convencimento necessário, pois, tal valoração decorre da regra aberta
prevista no art. 332 do CPC” (Idem, ibidem).
 
192. “Nel contesto del processo è appropriato parlare di verità relativa e oggetiva. La
verità dell’accertamento dei fatti è relativa – nel senso che è relativa la conoscenza di
essa – perchè si fonda sulle prove che giustificano il convincimento del giudice e
rappresentano la base conoscitiva sulla quale trova giustificazione il convincimento cheun
certo enunciato corrisponda al la realtà dei fatti della causa. La stessa verità è oggetiva
in quanto non è il frutto delle preferenzes oggetive e individuali del giudice, o di altri
soggetti, ma si fonda suragioni oggettive che giustificano il convincimento del giudice e
derivano dai dati conoscitiviche risultano dalle prove” (TARUFFO, Michele. La semplice
verità… cit., p. 83).
 
193. Em sentido contrário, admitindo as declarações e o comportamento das partes
como elemento de prova, vide CAMBI, Eduardo; HOFFMANN, Eduardo. Op. cit., p. 59.

    Página 85
Resultados da Pesquisa

PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova


retórica. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes,
2005.
 
194. “Se la finalità precipua del processo penale è l’accertamento della verità circail
verificar si di determinati fatti, per poter applicare ad essi (come conseguenza giuridica)
specifiche soluzioni normative, la prova deve essere considerata come il mezzo
attraverso il quale il diritto pretende di individuare la verità delle propozioni storiche
nell’ambito dell’atività di giudizio: ‘p è vero’ come sinonimodi ‘p è provato’“ (CALLARI,
Francesco. Verità processo prova certezza: il circuito euristico della giustizia penale.
Rivista di Diritto Processuale. ano LXVIII (Seconda Serie). n. 6. p. 1350. Milão: Cedam,
2013.
 
195. “Nel dominio dell’argomentazione ai fatti sono irriducibili ai fatti empirici: essi
appartengono al passato, alla storia, alla contingenza delle valutazioni. La dimensione
cairotica della temporalità si oppone ai nostri sforzi di separare il fatto dal valore, la
‘quaestio facti’ dalla ‘quaestio iuris’, la prova dei fatti dall’interpretazione della legge. La
prova dei fatti rinvia pertantoalla funzione assiologica della ragione, che è assicurata
dall’intelletto inteso del senso di intuizione, senso comune, sensusrecti et iniusti.”
GIULIANI, Alessandro. Ordine isonomico e dordine assimetrico. In: GIULIANI,
Alessandro; PICARDI, Nicola (coord.). Giustizia ed Ordine Economico. Milão: Giuffrè.
1997. p. 235. CAVALLONE, Bruno. Alessandro Giuliani processualista (Ordine isonômico,
ordine asimmetrico, principio dispositivo, principio inquisitorio). Rivista di Diritto
Processuale. ano LXVII (Seconda Serie). n. 1. p. 107-120. Milão: Cedam, 2012.
 
196. CAMBI, Eduardo; HOFFMANN, Eduardo. Op. cit., p. 59.
 
197. “Nel processo le parti svolgono – ovviamente – una funzione importantíssima che si
manifesta in varie forme edattività. Si può tuttavia escludere che si tratti di una funzione
epistemica, per la fondamentale ragione che le iniziative e le attiività delle parti non sono
orientate verso la ricerca e la scoperta della verità” (TARUFFO, Michele. La semplice
verità…cit., p. 168).
 
198. PICARDI, Nicola. Jurisdição e processo. Trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Rio
de Janeiro: Forense, 2008. p. 60-61. A concepção de contraditório, nesta altura,
representava a solução entre duas hipóteses argumentativas dialéticas apresentadas
pelas partes, dentro de uma perspectiva de “ordem isonômica”, que admitia a prova na
sua função argumentativa necessária para alcançar uma verdade provável, não objetiva.
A citação é feita por reconhecer na dialética do contraditório uma função epistêmica,
mas as limitações naturais de estrutura do presente texto impossibilitam que seja feita a
ponderação adequada entre os conceitos de “ordem isonômica” e “ordem assimétrica” e
a função epistêmica do processo.
 
199. “Il soggetto meglio informato della fattispecie dedotta in giudizio è, normalmente,
la parte…Apppare evidente l’insufficienza di un ordinamento, nel quale tutti quei fatti,
che siano noti soltanto alla parte o che per ragioni a questa non imputabili non si
possano provare convenientemente con prove diverse dalla di chiarazione

    Página 86
Resultados da Pesquisa

rappresentativa della parte, dovessero ineluttabilmente esser considerati in giudizio


come insussistenti. Di qui la inderogabile necessità, sentita da tutti gliordinamenticivili,
diutilizzarele parti come fontidi prova” (CAPPELLETTI, Mauro. La testimonianza della
parte nel sistema dell’oralità. Milano: Giuffrè, 1974. p. 3).
 
200. Acerca da função epistêmica do contraditório: TUZET, Giovanni. Filosofia della
prova giuridica. Torino: Giappichelli, 2013. p. 240-248.
 
201. ZUCKERMAN, Adrian. Op. cit., p. 224, 238 e 260.
 
202. Assim, na Inglaterra: “The CPR (1998) system introduced a set of ‘pre-action
protocols’ which prescribe ‘obligations’ which the prospective parties and their legal
representatives must satisfy before commencing formal proceedings. (… Pre-action
protocols are intended to promote efficient exchange of information between the
prospective parties, including pre-action disclosure of ‘essential’ documents held by each
side” (ANDREWS, Neil. The Three Paths of Justice…cit., p. 64). Na visão de Ficarrelli
“Come abbiamo avuto modo di illustrare, una delle novità più interessanti della Woolf
Reform è stata l’introduzione dei ‘Pre-action Protocols’ e con essi la predisposizione di
una disciplina specifica per la fase pre-processuale destinata alle trattative o alle
negoziazioni ante causam. L’Inglaterra è il primo Stato moderno ad aver adottato questa
scelta in modo coerente e sistematico (… L’esperienza maturata in questo campo è stata
largamente positiva. I dati che risultano da specifiche indagini empiriche confermano che
il preliminare esperimento della procedura disciplinata dai ‘Pre-action protocols’ –
assistita e, se necessario, rafforzata dalla c.d. ‘preaction disclosure’ – è stato un
sucesso” (FICCARELLI, Beatrice. Op. cit., p. 132).
 
203. Na Itália os Protocolos foram criados pelos vários Observatórios da Justiça a partir
da experiência positiva da “Prassi Comune” de Bolonha entre os advogados e os
magistrados, expandido-a para diversas províncias e comunas, como Salerno, Reggio
Calabria, Milão, Roma, Rovereto, Florença, Genova, Verona e Napoli. (BREGGIA, Luciana.
Gli Osservatori sulla Giustizia Civile e i protocolli: l’autoriforma possibile. In: VELI,
Giovanni Berti Arnoaldi (coord.). Gli Osservatori sulla giustizia civile e i protocolli
d’udienza. Bolonha: Società editrice il Mulino, 2011. p. 50).
 
204. CAPONI, Remo. L’Attività degli Osservatori sulla Giustizia Civile nel Sistema delle
Fonti Del Diritto. In: VELI, Giovanni Berti Arnoaldi (coord.). Gli Osservatori sulla giustizia
civile e i protocolli d’udienza. Bologna: Società editrice il Mulino, 2011. p. 57-64.
 
205. BREGGIA, Luciana. Op. cit., p. 51.
 
206. O maior exemplo é o Protocolo do Observatório de Bolonha de 23.12.2009, que
regula o melhor funcionamento das audiências dos arts. 180, 183 e 184 do CPC italiano,
não satisfatoriamente detalhado pela lei. O Protocolo regula, por exemplo, a organização
da agenda do juízo – horários e a realização de audiências sobre a mesma matéria no
mesmo dia –, a obrigação de juízes e advogados de comparecerem às audiências
conhecendo o processo, o incentivo ao comparecimento pontual para evitar atrasos, a
promoção do contato telefônico com o advogado faltante à audiência para informar se

    Página 87
Resultados da Pesquisa

comparecerá, etc. (Idem, p. 51).


 
207. CAPONI, Remo. Op. cit., p. 62-64
 
208. ARAUJO, José Aurélio de; BODART, Bruno Vinícius da Rós. Alguns apontamentos
sobre a reforma processual civil italiana – Sugestões de direito comparado para o
anteprojeto do novo CPC brasileiro. In: FUX, Luiz et al. (org.). O novo processo civil
brasileiro – Direito em perspectiva. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 25-70.
 
209. São considerados como inadimplemento aos pre-action protocols quando a parte do
futuro processo não tenha fornecido informações suficientes à outra ou não tenha
cumprido disposições do Protocolo (FICCARELLI, Beatrice. Op. cit., p. 102).
 
210. A adaptabilidade judicial do processo com a participação das partes só pode ser
considerada legítima se atender às advertências da doutrina: “Já tive a oportunidade de
sustentar que um procedimento legal, previsível e flexível constitui uma garantia
fundamental do processo contemporâneo. O case management system propugna o
planejamento do processo pelo juiz, com a colaboração das partes e dos advogados,
definindo as suas etapas para predeterminar o seu fim, mas não exclui a legalidade do
procedimento, propondo apenas regras legais menos detalhadas, que abram espaço à
flexibilização, a fim de que o juiz possa disciplinar a marcha do processo do modo mais
adequado a atingir a meta da solução do litígio com justiça, eficiência e celeridade. O
desvirtuamento do espírito do case management system se dissemina no Judiciário,
criando a coqueluche da eficiência, que atrai o interesse dos especialistas em gestão
pública e empresarial, e passa a influenciar a definição de supostos parâmetros de
qualidade a serem uniformemente adotados, criados a partir da visão dos próprios
juízes, sem a consulta e a colaboração dos jurisdicionados e dos advogados. Os
certificados ISO 9.000 são ostentados em certos cartórios do Rio de Janeiro como
atestados de qualidade da prestação jurisdicional, mas ninguém perguntou aos
jurisdicionados o que eles acham da justiça que lhes é prestada. As supostas metas de
qualidade são também impostas pelo Conselho Nacional de Justiça com resultados
desastrosos, como o cerceamento do direito de defesa ou a interdição de produção de
provas já deferidas. Esvaziam-se as prateleiras e são atingidas metas exclusivamente
quantitativas, apontadas como sintomáticas da melhoria da qualidade da administração
da Justiça. Já comentamos esse desvirtuamento em linhas acima” (GRECO, Leonardo.
Novas perspectivas da efetividade e do garantismo processual…cit., p. 273-308).
 
211. V. os artigos do título III do anteprojeto sobre disposições finais e transitórias.
 
212. A doutrina italiana trata como princípios gerais de direito a correção e a boa fé que
podem estar relacionados ao direito material – como nos arts. 1.175 e 1.365 do Código
Civil italiano, que indicam a obrigatoriedade de conduzir-se com boa-fé nas relações
creditícias, por exemplo – ou no direito processual, como vedação ao abuso na prática
de atos processuais. É, assim, traduzido para o nosso processo como princípio geral de
boa fé. Sobre o tema: COMOGLIO, Luigi Paolo. Abuso del processo e garanzie
costituzional. Rivista di Diritto Processuale. p. 319-354. Padova: Cedam, 2008.
 

    Página 88
Resultados da Pesquisa

213. “É da essência do processo bifásico que nenhuma das partes seja surpreendida na
audiência final com uma prova cujo conteúdo não tenha podido prever, o que
comumente ocorre com o arrolamento de testemunhas na véspera da audiência e a
omissão pela parte que a arrola de qualquer informação sobre o fato que a testemunha
assistiu e sobre o qual virá depor em juízo. Poder-se-ia prever que as partes, nos
articulados, trouxessem desde logo, declarações escritas das testemunhas a serem
ouvidas, o que permitiria avaliar com mais precisão a relevância e utilidade do seu
depoimento e facultaria ao adversário preparar-se para a sua inquirição” (GRECO,
Leonardo. Novas perspectivas da efetividade e do garantismo processual…cit., p. 273-
308).
 
214. COMOGLIO, Luigi; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Lezioni Sul Processo Civile,
Il processo ordinario di cognizione. 4. ed. Bologna: Il Mulino, 2006. vol. I, p. 368-370.
 
215. “Oggi la disciplina del rito ordinario predisposta dalla ZPO tedesca consacra la non
disponibilità degli aspetti di progressione del rito con disposizioni come il § 272, comma
3.º, per cui ‘l’udienza deve avere luogo il più presto possibile’; oppure il § 278, comma
1o secondo cui la parte deve far valere ‘tempestivamente’ i suoi mezzi di attacco e di
difesa, nonché comunicare ‘tempestivamente’ alla controparte, prima dell’udienza, i
mezzi di difesa sui quali è prevedibile che quest’ultima non possa prendere posizione
senza previa informazione (§ 278, comma 2.º, ZPO)” (TROCKER, Nicolò. La concezione
del processo di Franz Klein e l’attuale evoluzione del diritto processuale civile europeo. Il
Giusto Processo Civile. ano VII. n. 1/2012. p. 45. Milano: Scientifiche Italiane, 2012,).
 
216. O processo comum português é distribuído em quatro fases distintas: dos
articulados, da contestação, da instrução e da discussão e julgamento. A primeira
corresponde a este momento do procedimento bifásico proposto pelo projeto, para a
alegação das matérias de fato e de direito e o requerimento dos meios de prova; entre
petição inicial, contestação e réplica (arts. 147-I, 552, 203 e 572 e 584 do CPC
português). A segunda, equivalente à audiência preliminar projetada, objetiva a
identificação do objeto litigioso e a enumeração dos temas da prova, saneamento do
processo e preparar as diligências probatórias (arts. 590, 220-1, 591, 595 e 596-1 do
CPC português). A terceira é direcionada à instrução propriamente dita e a quarta, por
fim, para debates e julgamento (FREITAS, José Lebre de. A ação declaratória comum à
luz do Código de Processo Civil de 2013. 3. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 2013. p. 29-32).
 
217. “244. Modo di deduzione. La prova per testimoni deve essere dedotta mediante
indicazione specifica delle persone da interrogare e dei fatti, formulati in articoli separati,
sui qualiciascuna di esse deve essere interrogati” (CONSOLO, Cláudio. Codice di
Procedura Civile commentato, Artt. 1 – 286. 4. ed. Milão: IPSOA, 2010. t. I., p. 2504).
 
218. Reconhecendo a necessidade de preparação do juiz para a Case Manegement
Conference, audiência preparatória do processo inglês, como forma de redução dos
custos, o Review of Civil Litigation Costs – final report de Lord Rupert Jackson prescreve:
“3.15 The only effective way to control expert costs is by good case management. The
suggestion made by the Bar Council and by a set of chambers set out in paragraph 3.3
above is a sensible one, but is only appropriate for cases where the sums at stake and

    Página 89
Resultados da Pesquisa

the potential costs make the exercise worthwhile. If (a) the parties are prepared to
spend money on a CMC, a large part of which will be devoted to determining the scope
of expert evidence, (b) trial counsel attend that CMC well prepared and (c) the judge
reads into the case properly first, then such an exercise will yield huge dividends. The
judge will be able to make a focused order stating what expert evidence each party can
call and upon what issues. The judge can also identify with precision any topics which
require a single joint expert. If the judge makes a focused order of this nature, it will be
much easier to resolve the conundrum identified by the PNBA in its submissions. It will
be clear to the experts how far they must go and what ground they must cover”. Citando
esta passagem, Beatrice Ficcarelli ratifica a necessidade dos advogados e do juiz se
prepararem para a audiência preparatória como forma de redução dos custos
processuais: “A tal proposito, è stato rilevato che per ridurre in modo consistente le
spese di lite è importante che gli avvocati si presentino all’incontro adeguatamente
preparati e che il giudice abbia letto precedentemente gli atti ed i documenti della causa”
(FICCARELLI, Beatrice. Op. cit., p. 69).
 
219. “§ 285 Trattazione in seguito all’assunzione delle prove. (1) Il risultato
dell’assunzione delle prove deve essere oggetto di trattazione fra le parti che devono
illustrare il rapporto controverso” (PATTI, Salvatore. Codice di Procedura Civile Tedesco,
Zivil prozess ordnung. Trad. Milano: Giuffrè, 2010. p. 192-193).
 
220. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Os elementos objetivos da demanda à luz do
contraditório. In: TUCCI, José Rogério Cruz; BEDAQUE, José Roberto dos Santos
(coord.). Causa de pedir e pedido no processo civil: questões polêmicas. São Paulo: Ed.
RT, 2002. p. 35; OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo… cit., p. 181; GRECO,
Leonardo. Instituições de processo civil cit., 2010, p. 34-38; RODRIGUES, Marco Antonio
dos Santos. A modificação do pedido e da causa de pedir no processo civil. Rio de
Janeiro: GZ Editora, 2014.
 
221. O calendário foi formalmente introduzido no sistema francês, somente para o
circuit long, através do art. 23 do Dec. 1.678 de 28.12.2005, que introduziu os
parágrafos terceiro, quarto e quinto no art. 764 do Código daquele país (FICCARELLI,
Beatrice. Op. cit., p. 69).
 
222. CADIET, Loïc. Les conventions relatives au procès en droit français. In: CIPRIANI,
Franco (coord.). Accordi di parte e processo. Milano: Giuffrè, 2008. p. 7-36.
 
223. O legislador prevê procedimentos diversificados em circuits: breve, semibreve e de
trattazione ordinária, o circuit long, definidos de acordo com a maior ou menor
complexidade do objeto da cognição. A fixação do circuit adequado ocorre na audiência
chamada Conférence du Président (art. 759, comma 2) na qual o juiz presidente,
ouvidas as partes, entre outras coisas: (1) tenta a conciliação, (2) observa a presença
de demanda incidental, (3) a necessidade de um diferimento para a produção de uma
prova documental e, principalmente, (4) se é o caso de remeter o processo ao juge de la
mise en état, ou se reenvia a causa diretamente a audiência de discussão (audience des
plaidoiries) (FICCARELLI, Beatrice. Op. cit., p. 72).
 

    Página 90
Resultados da Pesquisa

224. Idem, p. 67-69.


 
225. Idem, p. 71.

    Página 91
TUTELAS SUMÁRIAS, TUTELAS DE URGÊNCIA E O PENSAMENTO DE
ALCIDES MUNHOZ DA CUNHA

Revista de Processo | vol. 241/2015 | p. 205 - 217 | Mar / 2015


DTR\2015\2124

Sérgio Cruz Arenhart


Pós-Doutor em Direito pela Università degli Studi di Firenze. Doutor e Mestre em Direito
pela UFPR. Professor da UFPR. Procurador Regional da República
 
Área do Direito: Processual

Resumo: O presente artigo pretende uma síntese das ideias do Prof. Alcides Munhoz da
Cunha a respeito das tutelas cautelares (em sentido lato). Além de expor os principais
conceitos com que trabalha o autor, relaciona-se estas conclusões às diretrizes traçadas
pelo novo Código de Processo Civil, apontando como tais visões são semelhantes e
sugerindo algumas soluções para possíveis problemas que o novo texto legal pode
suscitar.

 Palavras-chave:  Tutela de urgência - Tutela sumária - Processo cautelar - Fumus boni


iuris - Periculum in mora - Periculum damnum irreparabile - Antecipação de tutela -
Fungibilidade.

Abstract: This article seeks a synthesis of Prof. Alcides Munhoz da Cunha's ideas on
protective measures and injunctive relief (lato sensu). Besides of exposing the main
concepts used by the author, it relates these findings to the guidelines set by the new
Civil Procedure Code, pointing out how such views are similar and suggesting some
solutions to possible problems that the new legal text may raise.

 Keywords:  Injunctive relief - Summary relief - Protective measures - Fumus boni iuris
- Periculum in mora - Periculum damnum irreparabile - Injunction - Fungibility.

Sumário:  
- 1.Observações preliminares - 2.Esboço do pensamento geral de Alcides Munhoz da
Cunha sobre a “tutela cautelar” - 3.As tutelas de urgência na ótica de Alcides Munhoz da
Cunha - 4.As tutelas sumárias no pensamento de Alcides Munhoz da Cunha - 5.Últimas
considerações
 

Recebido em: 23.12.2014

Aprovado em: 11.02.2015

1. Observações preliminares
O tema das tutelas de urgência, sobretudo depois das reformas processuais de 1994, é
alvo de importantes debates e de ampla análise pela doutrina brasileira.

Sem dúvida, um dos autores que mais se debruçaram sobre o tema na atualidade foi
Alcides Munhoz da Cunha, professor associado da Universidade Federal do Paraná,
Mestre e Doutor em Direito, falecido prematuramente em junho deste ano. Sua
contribuição para o tema é de relevância ímpar, ainda que seus escritos sejam pouco
examinados e pouco discutidos pelos autores modernos.

Este texto é uma singela homenagem ao pensamento deste autor, cujas reflexões
podem rivalizar com o pensamento mais evoluído e mais contemporâneo que se conhece
sobre a matéria, como se verá adiante.

Em verdade, para qualquer pessoa que conheceu o Prof. Alcides Munhoz da Cunha, não
é de espantar essa centelha de genialidade em seus escritos. Nos vários tópicos a que
ele se dedicou, suas reflexões sempre estiveram dentre aquilo que de melhor se
produziu no Direito brasileiro. Desde o campo da proteção coletiva, até a questão da
tutela de urgência, seu pensamento merece maior atenção, mesmo porque muitas de
suas conclusões foram, posteriormente, chanceladas pela doutrina, pela jurisprudência
ou mesmo pelas leis posteriores, a demonstrar o acerto de suas ideias e de suas
observações.

Tal, precisamente, é o que se vê hoje, em tema de tutela de urgência. Muitas de suas


visões refletem-se agora no projeto de Código de Processo Civil; outras, sem dúvida,
cristalizam a orientação jurisprudencial firmada sobre vários pontos. É o que se pretende
demonstrar adiante.

Enfim, aqui se pretende, com um texto simples e insuficiente, homenagear um grande


jurista, um grande processualista e um grande professor, que orgulhou sobremodo a
academia paranaense de processo e a tradição de juristas de sua família. Quer-se, por
outro lado, estimular o debate sobre as ideias tão originais e relevantes desenvolvidas
por este professor, que talvez pudessem deitar luzes sobre vários dos problemas com
que a doutrina se debate com vigor, e que poderiam talvez receber solução muito mais
simples sob as bases do pensamento de Alcides Munhoz da Cunha.

2. Esboço do pensamento geral de Alcides Munhoz da Cunha sobre a “tutela


cautelar”

Para compreender adequadamente a opinião de Alcides Munhoz da Cunha a propósito


das tutelas de urgência, em sentido lato, é preciso compreender as premissas com que
ele trabalha.

Talvez o fundamento mais importante de seu pensamento é sua adesão à visão material
da atividade cautelar.

Como se sabe, o Código de Processo Civil atual adotou a chamada visão processual do
processo cautelar, seguindo a orientação italiana predominante. Isso implica dizer que,
na ótica do Código, a função cautelar é atividade acessória, sempre ligada a outra
finalidade principal (de conhecimento ou de execução). Neste sentido, afirma o art. 796
do CPC, que “o procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do
processo principal, e deste é sempre dependente”. Ou seja, segundo esta orientação, a
função cautelar não é autônoma, mas sim dependente de outra atividade (cognitiva ou
executiva) principal. Por isso, na ótica do Código, a função cautelar, embora goze de
autonomia estrutural – ou seja, constitui objeto de um processo próprio –, gera um
procedimento “acessório” em relação a outro (arts. 108, 109 e 800 do CPC) e possui
dependência funcional às outras atividades jurisdicionais (arts. 806 e 808 do CPC).

Assim ocorre porque, segundo essa visão, a característica fundamental da tutela cautelar
é sua “instrumentalidade hipotética” em relação à atividade de conhecimento ou de
execução. Esta instrumentalidade hipotética (ou instrumentalidade ao quadrado)
significa dizer que o processo cautelar é instrumento de outro instrumento (outro
processo), voltando-se à proteção da seriedade da prestação jurisdicional. Sua
finalidade, portanto, é a proteção do resultado útil de outro processo, não estando
atrelada necessária ou diretamente ao direito material.

Já para Alcides Munhoz da Cunha, influenciado pelo pensamento de Pontes de Miranda 1 e


de Ovídio Baptista da Silva,2 a tutela cautelar tem compromisso direto com a proteção
do direito material, pouco importando eventual outro processo que também se relacione
a este interesse concreto.3 Para estes autores, há uma pretensão autônoma à segurança
de direitos (e interesses em geral), que exige resposta jurisdicional própria e específica.
Assim, pouco importa a existência de outras pretensões que as situações materiais
possam gerar (pretensão à satisfação, pretensão ao reconhecimento etc.), 4 o objeto da
atividade cautelar é a satisfação da pretensão à segurança, que existe no plano material
de forma independente. Para esta concepção, portanto, não haveria entre a tutela
cautelar e outra tutela jurisdicional (de conhecimento ou de execução) qualquer relação
de instrumentalidade ou de dependência. Seriam atividades autônomas, que almejam
objetivos distintos e que têm pressupostos também diversos.

Esta pretensão à segurança permitiria a proteção – autônoma – da aparência do direito


(fumus boni iuris), em casos em que presente alguma situação específica de risco de
dano irreparável (periculum damnum irreparabile). Ademais, haveria aqui uma tutela
jurisdicional residual, a impor técnica específica de cognição e avaliação discricionária da
presença dos seus pressupostos. Esta tutela, ainda, seria caracterizada por sua
temporariedade,5 por sua fungibilidade, pela limitação das medidas a serem empregadas
à estrita necessidade da situação de risco, pela variabilidade de conteúdo das medidas
possíveis, pela instabilidade do provimento, pelas especiais eficácias dos provimentos,
pela sua satisfatividade (em relação à pretensão à segurança) e por possíveis
condicionamentos outros impostos pelo direito positivo.6

A tutela cautelar, sob esta ótica, seria uma forma de proteção imprescindível, tanto para
o jurisdicionado – que teme o perecimento de seu interesse – como para o Estado – que
não pode deixar de oferecer proteção a situações que podem ampliar o litígio,
especialmente em casos de valores relevantes.7

Fundamentalmente, o que caracterizaria a função cautelar, para esta visão, é a presença


do perigo de dano irreparável, a impor, de forma obrigatória, ao Estado um mecanismo
próprio de proteção, adaptado às necessidades das circunstâncias materiais.
Porém, observa Alcides Munhoz da Cunha, pode haver situações em que o Estado opta
por oferecer proteção autônoma a situações de aparência, independentemente de sua
conjugação com a presença de um risco de dano irreparável. Essas situações são
denominadas por Alcides Munhoz da Cunha, baseado na obra de Chiovenda, de
antecipações fundadas em cognição sumária.8 Ao contrário do que ocorre com a função
cautelar, aqui, por razões de política legislativa, autoriza-se o magistrado a julgar com
base em mera aparência, subvertendo ou invertendo, de certo modo, o contraditório.

É o caso, por exemplo, das técnicas dos títulos executivos ou do provimento monitório.

Em tais casos, como é fácil ver, há várias circunstâncias – de ordem processual ou


material, fundadas em questões econômicas, sociais ou mesmo culturais – que
recomendam, embora não imponham, uma proteção favorecida pelo Estado-jurisdição.
São, porém, questões bem diversas daquelas que orientam a concepção da tutela de
urgência (cautelar, no pensamento de Alcides Munhoz da Cunha). Enquanto aqui há
verdadeira imposição ao sistema, não se concebendo como adequado e efetivo um
ordenamento que não preveja a proteção cautelar, nas tutelas sumárias há, por assim
dizer, opção discricionária do legislador em eleger situações que merecerão proteção
diferenciada.

Desde já, então, é possível notar o grande eixo de distinção eleito por Alcides Munhoz da
Cunha para seu sistema: a presença ou não do perigo de dano irreparável, atrelado a
situações de aparência. Existindo este perigo, conjugado ao fumus boni iuris, tem-se
situações que exigirão proteção cautelar; não havendo este risco, embora presente a
aparência do direito, pode ou não o Estado indicar mecanismos de proteção sumária
para dados interesses.

Isso faz com que Alcides Munhoz da Cunha se refira à existência de duas formas de
antecipação de tutela: a antecipação urgente e a antecipação emergencial. Esta última
estaria atrelada à função cautelar, enquanto a outra seria forma de proteção fundada em
cognição sumária.9

3. As tutelas de urgência na ótica de Alcides Munhoz da Cunha

Em primeiro lugar, examine-se o pensamento de Alcides Munhoz da Cunha a respeito


das tutelas de urgência. Para ele, como já dito, tais tutelas podem ser denominadas, de
modo amplo, e por critérios estritamente históricos, de medidas cautelares.

E aí já se vê uma grande diferença entre o pensamento do autor e aquele hoje


dominante no ordenamento nacional: para ele, tanto as medidas satisfativas urgentes
(também chamadas de tutelas antecipatórias ou antecipações de tutela), baseadas no
art. 273, I, do CPC, 10 como as medidas meramente assecuratórias, podem ser
genericamente denominadas de cautelares. Assim, na contramão da maioria da doutrina
brasileira hoje consolidada, o autor considera como cautelares tanto as medidas
antecipatórias (satisfativas) fundadas em periculum, como os provimentos cautelares
(assecuratórios). E isso ocorre porque ambas as medidas, substancialmente, realizam
(satisfazem) a pretensão cautelar existente e estão baseadas na aparência do direito e
na presença de um risco de dano irreparável.
De fato, coerentemente com as suas premissas, se tanto as medidas assecuratórias,
como as providências fundadas no art. 273, I, do CPC, baseiam-se em cognição sumária
e buscam evitar a ocorrência de dano irreparável a certo interesse, então não haveria
razão para separar em duas categorias estas medidas, que historicamente vêm sendo
colocadas em um só grupo. O fundamental, aqui, será sempre a conjugação entre
situações de aparência e hipótese de perigo de dano irreparável.

Curiosamente, ainda que muitos “torçam o nariz” para esta visão unificada, fato é que o
projeto de Código de Processo Civil, em vias de ser aprovado, retoma a unificação destas
duas classes, tratando as antecipações de tutela fundadas em periculum damnum
irreparabile e as medidas assecuratórias (também fundadas em risco de dano
irreparável) em uma só categoria e com um só regime jurídico: o das tutelas provisórias
fundadas em urgência (arts. 298 e ss., do projeto de CPC). 11 De fato, como prevê o art.
298, do projeto, “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que
evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do
processo”. Ainda que o texto do projeto eventualmente faça referência a tutelas de
urgência “de natureza cautelar” ou “de natureza satisfativa”, ou eventualmente aluda
ainda a “tutelas antecipadas” e “tutelas cautelares”, fato é que a tendência do projeto é
clara no sentido de voltar a um modelo uniforme de procedimento, semelhante ao que
se tinha na redação original do CPC/1973.

Deste modo, é digno de nota que a concepção há muito defendida por Alcides Munhoz da
Cunha – ainda que contestada pela maioria da doutrina nacional – é hoje abertamente
acolhida no texto daquele que virá em breve a ser a nova lei processual civil nacional.

Quanto aos pressupostos para a concessão da medida cautelar (satisfativa ou


assecuratória), Alcides Munhoz da Cunha também apresenta visão original, que merece
referência.

De início, ao contrário do que comumente se diz em doutrina, considera ele que o


pressuposto para a outorga da providência cautelar não é um periculum in mora, mas
sim um perigo de demora qualificado pela existência de um risco de dano irreparável. 12
De fato, como parece óbvio, não se pode confundir os dois conceitos, que até mesmo
para quem é leigo em latim, implicam ideias diversas. Uma coisa é o perigo de demora
(perigo de tardività, como afirma Andrea Proto Pisani), 13 que envolve apenas uma noção
de tempo necessário para a emissão de certo provimento judicial. Outra coisa bem
diversa é pensar no risco de um dano irreparável (perigo de infrutuosità, também na
expressão do autor italiano), que abrange circunstâncias alheias ao simples fluir do
tempo, e que podem importar em perigo de inutilidade para o interesse a ser protegido.

Como afirma Alcides Munhoz da Cunha, o periculum in mora é conceito mais amplo, que
pode gerar nos vários ordenamentos soluções diversas. Contra o risco de demora, deve
um ordenamento conceber técnicas capazes de minimizar o risco de ordinarização do
processo. Este perigo, assim, está ligado às tutelas sumárias de forma geral (a exemplo
da técnica monitória), e não necessariamente à tutela cautelar. Nas palavras do autor,
“o que se quer enfatizar, porém, é que a característica inconfundível do periculum que
legitima a tutela cautelar não é apenas o periculum in mora, mas o periculum in mora
qualificado pela iminência de dano irreparável ao interesse da parte que, não
encontrando ambiente nas tutelas ordinárias ou mesmo sumárias para o
reconhecimento, proteção ou realização definitiva com o possível status de direito
subjetivo ou primário, socorre-se então da tutela subsidiária, cautelar, temporária, de
mera verossimilhança, porque confere proteção ou realização a interesses na perspectiva
da plausibilidade, sem aptidão para a definitividade, pois o que atua é o direito de
cautela, o direito à tutela do fumus, enquanto fumus, em situação de perigo qualificado,
que exige tutela de urgência urgentíssima”.14

Desta constatação – de um perigo qualificado pelo risco de dano – aliado à premissa


essencial de sua visão, de que aqui se protege “o fumus, enquanto fumus”, extrai o
autor a autonomia da proteção cautelar.

Ao contrário também do que afirma o CPC/1973, para a visão de Alcides Munhoz da


Cunha, a tutela cautelar não deve ser dependente de outra espécie de tutela jurisdicional
possível. É autônoma, atendendo a objetivos próprios e exigindo requisitos específicos
para sua outorga. Logicamente, essa autonomia não significa total desconsideração com
o sucesso da chamada “ação principal”. A lei, tomando por critério não ser aconselhável
manter indefinidamente uma proteção a situação de mera aparência, ou mesmo a
desnecessidade de proteção a situações de urgência, em face do reconhecimento da
inexistência da situação que supostamente merecia tutela, pode impor, e em regra o faz,
limites à duração da medida cautelar.

Isso, porém, não retira da proteção cautelar sua autonomia e sua sujeição a regime
próprio, que não se confunde com aquele reservado às tutelas sumárias em geral.

Outra característica relevante para a teoria de Alcides Munhoz da Cunha é o caráter


residual da proteção cautelar. Predomina, aqui, a discricionariedade judicial na avaliação
dos pressupostos fáticos presentes, e na eleição da melhor forma de proteção para estas
circunstâncias.15 Assim, ainda que se admita a presença de medidas cautelares típicas,
não pode haver entre essas e as “medidas cautelares inominadas” qualquer espécie de
distinção relevante. Ambas sujeitam-se ao mesmo regime e inserem-se na mesma ratio.
A única diferença entre ambas está no fato da descrição mais ou menos esmiuçada da
situação cautelanda. Por outras palavras, pode-se dizer que, na orientação do autor,
uma medida cautelar deve ser chamada de inominada se estiver subordinada, apenas,
às cláusulas gerais de fumus e periculum, autorizando o magistrado a exercer de forma
ampla a avaliação discricionária da presença ou não destes elementos e a eleição da
proteção mais adequada para o caso. Já, no caso de medidas típicas, o legislador
antecipa-se, descrevendo de modo mais preciso situações que considera, a priori, como
casos de periculum e de fumus, reduzindo o âmbito de discricionariedade judicial;
também indica, de modo prévio, formas de proteção que, em princípio, serão adequadas
para tais casos.

Ainda assim, porque a regra no campo cautelar (satisfativo ou assecuratório) é seu


caráter residual, nenhuma situação – mesmo quando ausentes os casos de fumus e
periculum expressamente regrados para as cautelares típicas – poderá ipso facto ser
excluída da proteção necessária, desde que verificada pelo juiz a ocorrência de casos
“genéricos” de aparência do direito e de risco de dano.

A leitura de Alcides Munhoz da Cunha, ainda defende, mesmo antes da edição do art.
273, § 7.º, do CPC, a fungibilidade entre as várias tutelas cautelares viáveis. Por isso,
ainda que solicitada proteção assecuratória, nada impediria ao juiz deferir medida
satisfativa e vice versa.16 Segundo ele, esta solução decorre da própria natureza da
proteção cautelar, e sequer exigiria estar regrada.

Esta solução – que decorre, como é natural, da concepção unitária dos provimentos
satisfativos antecipatórios e assecuratórios defendidos pelo autor – não apenas tornaria,
de fato, dispensável a alteração legislativa que resultou no atual art. 273, § 7.º, do CPC,
como também resolve outro grande problema ainda presente. Como se sabe, o art. 273,
§ 7.º, do CPC, por conta de sua redação, solucionou apenas parte do problema, ao
prever que, quando solicitada providência antecipatória, é possível a outorga de tutela
cautelar, se presentes os requisitos dessa; porém, não resolveu a situação inversa, ou
seja, a questão de saber se é possível ao juiz conceder medida antecipatória, quando
requerida (equivocadamente ou não) providência cautelar. Embora a doutrina brasileira
ainda divirja sobre o assunto, a questão teria pouca dificuldade de solução na doutrina
de Alcides Munhoz da Cunha. Para ele, porque ambas as providência fazem parte da
ideia de cautelaridade em sentido amplo, não haveria qualquer dificuldade na admissão
desta fungibilidade.

Enfim, como se vê, sua teoria, embora possa ser considerada como pouco ortodoxa para
sua época, oferece vantagens inegáveis na solução de problemas cotidianos. Mais do que
isso, é dotada de tamanha atualidade, que vem expressamente albergada no projeto de
novo Código de Processo Civil.

4. As tutelas sumárias no pensamento de Alcides Munhoz da Cunha

Se as vantagens da doutrina do autor já são várias no âmbito das tutelas voltadas contra
situações de perigo, é possível dizer que suas ideias são ainda mais interessantes
quando se trata de investigar as chamadas “tutelas sumárias”.

Já se disse acima que as tutelas sumárias, na perspectiva deste professor, retratam


hipóteses em que o legislador escolhe por oferecer proteção a simples situações de
aparência, independentemente da ocorrência de qualquer risco de perecimento ou de
dano ao interesse tutelado. Ingressariam nesta categoria as medidas monitórias e a
antecipação de tutela fundada no art. 273, II, do CPC (abuso do direito de defesa ou
manifesto propósito protelatório do réu).

Para Alcides Munhoz da Cunha, este tipo de proteção se reveste de requisitos próprios,
diversos daqueles que informam a tutela cautelar em sentido amplo, que abrange a
proteção satisfativa e assecuratória urgente, em casos de perigo de dano. 17

Segundo ele, ainda que ambos se baseiem em cognição sumária, os casos de cognição
sumária, aqui, são espécie “variante da cognição exauriente para a tutela de direitos,
precipitando a definição e satisfação dos direitos presumidos em situações de direito
estrito”.18 Já a cognição sumária que informa a tutela cautelar, tem inimagináveis
situações, que não podem ser contidas em moldura legal, porque tratam de proteção
residual do sistema.

Essa forma de proteção, ainda, ao contrário do que sucede com a tutela cautelar – que é
uma inerência do sistema e decorre da garantia constitucional da efetividade da
prestação jurisdicional – tem por base critérios de política processual. Trata-se de opção
do legislador e, por isso, estas hipóteses são regidas pelo princípio da tipicidade,
sujeitando-se a pressupostos regrados. Não é dado ao juiz, então, eleger situações que
mereceriam esta forma de proteção, nem escolher quando e como ela deve ser
prestada. É a lei que, precisamente, indica os casos em que tais medidas podem ser
deferidas, normalmente empregando critérios muito mais precisos do que aqueles
utilizados para o deferimento de “medidas cautelares” (satisfativas ou assecuratórias).

Por outro lado, já que aqui não se tem a presença de uma pretensão autônoma à
segurança, estas medidas atuam sobre a mesma lide de que trata a demanda de
cognição exauriente. Em virtude disso, são medidas efetivamente ligadas ao processo de
cognição exauriente, normalmente ocasionando a presunção de certeza do direito objeto
da proteção.19 Desta presunção decorre, ainda, a estabilidade normal dos provimentos
de cognição sumária, de modo que tais decisões nascem tendentes a manter sua
estabilidade até a confirmação da presunção no final do processo, ou eventualmente até
sua modificação final. Embora esta presunção de certeza e esta estabilidade possam
variar conforme a medida em exame, fato é que em regra tais providências tendem a
manter-se ao final e, por isso, são normalmente prestigiadas até a solução final da
causa.20

Em síntese, embora esta categoria abarque um conjunto de medidas diferentes,


concebidas em atenção a fins também diversos, é possível concluir que sua essência
está em oferecer respostas lastreadas em cognição sumária para situações pinçadas pelo
legislador como aptas a receber resposta “antecipada”.

Trazendo este conceito para as antecipações de tutela de que trata o art. 273, II, ou
aquela disciplinada pelo art. 273, § 6.º, do CPC, ou ainda para os casos tratados como
“tutela da evidência” pelo projeto de novo Código de Processo Civil, 21 é possível notar,
em primeiro lugar, a impossibilidade de tratar identicamente essas figuras e a “tutela
cautelar”, de que trata o art. 273, I, do CPC, ou a que se refere o Livro III do CPC/1973.

De fato, são providências inconfundíveis, e que mereceriam tratamento totalmente


apartado. Não se sujeitam ao mesmo tipo de requisitos, nem ao mesmo regime, tendo
por único elemento comum a cognição sumária com que são expedidos.

O elemento mais relevante desta classificação, porém, parecer ser a possibilidade de


disseminação da técnica da tutela sumária no direito brasileiro. Como faz notar Alcides
Munhoz da Cunha, esta técnica é uma forma de acelerar a proteção de certos interesses,
diante da maior ou menor chance que tenham de receber resistência fundada ou
infundada, relativizando a incidência do contraditório na construção de procedimentos
adequados à tutela de direitos.

Ou seja, o estudo de Alcides Munhoz da Cunha parece ser fundamental para eliminar o
verdadeiro fetiche que se criou em torno do princípio do contraditório, permitindo notar
que, não obstante a importância deste cânone, ele não pode ser visto de forma isolada
dentro do sistema.22 Ao contrário, exige uma leitura contextualizada, cedendo
eventualmente a outros interesses também relevantes, e que devem ser atendidos pelo
direito processual.
E isso significa a possibilidade de tutelas diferenciadas, com maior ou menor incidência
de contraditório antes da emanação da decisão judicial, tomando por premissa as
situações normais cotidianas e a maior ou menor chance de que eventuais defesas do
réu sejam acolhidas pelo Judiciário. As tutelas sumárias, enfim, são realmente uma
excelente resposta à tendência à ordinarização do processo, que contamina muitas das
leituras atuais dos processualistas brasileiros.

5. Últimas considerações

Ao concluir este resumo do pensamento de Alcides Munhoz da Cunha, é possível ver a


posição de vanguarda por ele sempre assumida. Sua teoria a respeito das tutelas de
urgência em sentido amplo, certamente oferece amplo arsenal para lidar com vários dos
problemas práticos ainda presentes na prática cotidiana nacional.

Mais do que isso, ainda que se trate de uma teoria não muito conhecida – ou menos
ainda seguida – pela ampla maioria dos processualistas atuais, são evidentes as
vantagens que podem oferecer para a prática dos provimentos de urgência.

Do mesmo modo, suas ideias a respeito das tutelas fundadas em cognição sumária –
inspiradas no direito italiano e, em particular, nos estudos desenvolvidos por Chiovenda
– seriam de grande utilidade para a construção de técnicas mais amoldadas à realidade
de alguns tipos específicos de interesses e para a oferta de instrumentos de proteção
mais adequados.

Em todos estes aspectos, o que se vê é a inspiração de um processualista efetivamente


comprometido com a tutela dos direitos e com a oferta de Justiça. Em todas estas
conclusões, nota-se a tônica em não se perder em discussões estéreis ou em
conceitualismo inútil, buscando sempre o apoio da realidade para a construção de um
processo civil mais comprometido com uma tutela justa, efetiva, tempestiva e adequada
aos interesses.

É, de fato, uma lástima que as ideias do Prof. Alcides Munhoz da Cunha não tenham
recebido a devida atenção e o necessário debate na doutrina nacional, ainda que sejam
hoje chanceladas pelo projeto de Código de Processo Civil em trâmite. É, porém, motivo
de tristeza ainda maior o fato de ter o direito processual civil brasileiro perdido figura tão
ímpar como ele, ainda com tanta contribuição a oferecer ao Direito e à construção de
uma sociedade melhor.

A todos aqueles que conheceram o Prof. Alcides Munhoz da Cunha, não é de espantar
que suas teorias sejam simples, como ele mesmo era, porém, contundentes, precisas,
originais e úteis, como era típico de seu pensamento e de seu agir. Oxalá tais
concepções possam ser reexaminadas neste momento de alteração processual, e
recebam a necessária posição no debate jurídico nacional.
   
1. Sobre as ideias de Pontes de Miranda, v., especialmente, PONTES DE MIRANDA,
Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense,
1976, passim; Id. Tratado das ações. Campinas: Bookseller, 1999. vol. 6, t. XII, p. 335
e ss.
 
2. A respeito das ideias de Ovídio Baptista da Silva sobre a tutela cautelar, v., em
especial, SILVA, Ovídio Baptista da. A ação cautelar inominada no direito brasileiro. Rio
de Janeiro: Forense, 1979, passim; Id. Do processo cautelar. Rio de Janeiro: Forense,
1996, passim.
 
3. Muito recentemente, e aderindo também a esta orientação, v., TESSER, André Luiz
Bauml. Tutela cautelar e antecipação de tutela – perigo de dano e perigo de demora.
São Paulo: Ed. RT, 2014, passim.
 
4. Por um debate amplo e atual sobre estas pretensões, v., AA. vv. Polêmica sobre a
ação. Coord. Fábio C. Machado e Guilherme Rizzo Amaral. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006, passim.
 
5. E não pela provisoriedade, que é normalmente atrelada pela doutrina à função
cautelar. Recorde-se que a diferença fundamental entre a provisoriedade e a
temporariedade está em que a primeira implica a duração limitada no tempo, até sua
substituição por outra providência (a definitiva). A medida temporária, ao contrário, tem
também sua duração limitada no tempo, porém, sem qualquer referibilidade a outra
medida (definitiva) que venha a substitui-la.
 
6. “Trata-se de um direito substancial, subsidiário, que autoriza a atuação autônoma do
fumus em situação de urgência qualificada pelo periculum damnum irreparabile, para
preservar ou resgatar a idealidade de interesses relevantes correlativos finalisticamente
ao fumus ou instrumentalmente dependentes da atuação do fumus para obter proteção.
Trata-se de um direito atípico, que é o substrato da pretensão material cautelar, que
legitima a pretensão à ação processual cautelar, mediante tutela jurisdicional residual,
que exige cognição especial e discricionária dos pressupostos, para produzir medidas
caracterizadas: (a) pela temporariedade estrutural e funcional; (b) pela fungibilidade na
adequação de medidas conservativas ou antecipatórias; (c) pela limitação dos efeitos
naturais à medida da suficiência ou da estrita necessidade para afastar a situação de
perigo; (d) pela variabilidade do conteúdo e efeitos consoante a variabilidade das
circunstâncias quanto ao fumus e periculum; (e) pela instabilidade do provimento sujeito
à cessação de eficácias enquanto perdura a situação cautelanda; (f) pelas eficácias da
declaração do status de fumus in periculum e principalmente pela mera
mandamentalidade ou mera executividade dos provimentos; (g) pela satisfatividade dos
provimentos em relação à pretensão cautelar, prevenindo ou assegurando a idealidade
da situação cautelanda enquanto perduram as situações de fumus e periculum; (h) pelo
condicionamento a outros e eventuais temperamentos complementares do direito
positivo” (CUNHA, Alcides Munhoz da. Comentários ao Código de Processo Civil. São
Paulo: Ed. RT, 2001. vol. 11, p. 235-236).
 
7. Idem, p. 388.
 
8. Alcides Munhoz da Cunha, baseado na obra de Kazuo Watanabe (Da cognição no
processo civil) faz uma distinção entre a antecipação fundada em cognição parcial
horizontal e aquela baseada em cognição sumária vertical. A primeira, segundo ele, não
pode confundir-se com a tutela cautelar. Afirma ele que “comparando-se a técnica da
sumarização parcial ao fenômeno cautelar, poder-se-ia ser levado a pensar em um
primeiro momento que a pretensão cautelar, tendo conteúdo reduzido em relação à
pretensão ideal ou principal (quando houver inter-relação de lides), submeter-se-ia a
essa técnica, correspondendo a uma lide parcial. Todavia, não é isso o que ocorre. Na
tutela cautelar há outra lide, com fundamento em direito subsidiário de cautela, cuja
pretensão se funda nas concretas razões de fumus e de periculum damnum. Não se
trata, pois, a pretensão cautelar de uma pretensão sumarizada, mas de pretensão
autônoma. Os seus procedimentos, que comportam uma sumarização ritual, são
adequados ou suficientes para cognição especial e peculiar à tutela cautelar, ressalvada
a possibilidade de fungibilidade de técnicas, em face das inovações ocorridas com o inc. I
do art. 273, e § 3.º do art. 461 do CPC” (Idem, p. 396). O mesmo se dá em relação à
segunda figura, porém, por razões diversas. Esta segunda categoria é a que interessa
para este estudo, porque possui reflexos muito interessantes e importantes na
classificação adotada pelo autor, e que serão analisadas no texto.
 
9. CUNHA, Alcides Munhoz da. Antecipatória urgente e antecipatória de emergência:
diversidade de regime jurídico. In: ARMELIN, Donaldo. (Coord.). Tutelas de urgência e
cautelares – estudos em homenagem a Ovídio A. Baptista da Silva. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 26.
 
10. Logicamente, a antecipação de que aqui se trata é apenas aquela fundada em perigo
de dano irreparável (art. 273, I, do CPC). As outras (art. 273, II ou art. 273, § 6.º, todos
do CPC), pela falta da presença do risco de dano irreparável, ficariam fora da categoria
das medidas cautelares.
 
11. A referência aos dispositivos diz respeito à última edição disponível do texto, que se
refere ao relatório do Senador Vital do Rêgo, apresentado no final de 2014, à Comissão
Temporária do Código de Processo Civil, disponível em:
[www.senado.leg.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=157375&tp=1].
 
12. CUNHA, Alcides Munhoz da. Comentários… cit., p. 272.
 
13. “Problemi della c.d. tutela giurisdizionale differenziata”. Appunti sulla giustizia civile.
Bari: Carcucci, 1982, p. 249-250.
 
14. CUNHA, Alcides Munhoz da. Comentários… cit., p. 275.
 
15. Idem, p. 311.
 
16. “Para bem caracterizar esse gênero cautelar, parece conveniente frisar que em face
da pretensão cautelar anunciada pelo autor, cabe ao juiz decretar as medidas
temporárias adequadas, as quais, em vista da análise e ponderação das concretas
razões que informam a causa de pedir, tanto poderão ser de natureza estritamente
conservativa como antecipatória dos efeitos, ainda que parciais, da pretensão cautelar.
Aliás, isso vem expresso no art. 798 do CPC. Ocorre que a urgência que normalmente
inspira ou impulsiona a função cautelar, mais a característica da fungibilidade das
medidas e da temporariedade dos seus efeitos, autoriza o convencimento de que não é
tanto o pedido, mas a causa de pedir que define e fixa no âmbito da cautelaridade o
possível conteúdo e efeitos do provimento judicial adequado, que tanto pode ser
meramente conservativo como antecipatório dos interesses que são objeto da pretensão
cautelar (fumus) para atingir o ideal de efetividade da jurisdição” (Idem, p. 337). Antes
disso, o mesmo autor já defendia esta perspectiva em A lide cautelar no processo civil.
Curitiba: Juruá, 1992. p. 161.
 
17. Idem, p. 443-446.
 
18. CUNHA, Alcides Munhoz da. Antecipatória urgente e antecipatória de emergência:…
cit., p. 28-29.
 
19. Como afirmava Chiovenda, as medidas de cognição sumária são vocacionadas a
tornarem-se definitivas. Antecipa-se sua executividade em razão da ideia de
normalidade (quod plerumque accidit), ainda que a cognição não esteja completa
(CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. J. Guimarães
Menegale. São Paulo: Saraiva, 1942. vol. 1, p. 333 e ss.).
 
20. “Com efeito, não há precariedade nas medidas antecipatórias de cognição sumária,
que decorrem de pressupostos regrados, indicativos de suficiência de dados para a
antecipação. Estes pressupostos autorizam desde logo a definição e a satisfação
antecipada do direito presumido como certo. A presunção gera estabilidade, e o juiz
somente poderá rever a decisão em cognição exauriente, sob pena de instalar o tumulto
processual” (CUNHA, Alcides Munhoz da. Antecipatória urgente e antecipatória de
emergência:… cit., p. 33).
 
21. Segundo prevê o art. 309, do projeto de CPC, “A tutela da evidência será concedida,
independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do
processo, quando: I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto
propósito protelatório da parte; II – as alegações de fato puderem ser comprovadas
apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou
em súmula vinculante; III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova
documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de
entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; IV – a petição inicial for
instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a
que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”.
 
22. Também por uma crítica a essa visão descontextualizada do princípio do
contraditório, v., SILVA, Ovídio Baptista da. A plenitude de defesa no processo civil. In:
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. (Coord.). As garantias do cidadão na justiça. São Paulo:
Saraiva, 1993, passim.
RECURSO ESPECIAL - NECESSIDADE DE RENOVAÇÃO DE PEDIDO
DE CONCESSÃO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA -
COMENTÁRIOS A ACÓRDÃO DO STJ - AGRG NOS EDIV EM AG EM
RESP 321.732/RS

Revista de Processo | vol. 241/2015 | p. 221 - 230 | Mar / 2015


DTR\2015\2125

Eduardo Arruda Alvim


Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professor dos cursos de
Doutorado, Mestrado, Especialização e Bacharelado da PUC-SP e da FADISP. Acadêmico
titular da Cadeira n. 20 da Academia Paulista de Direito. Membro do Instituto Brasileiro
de Direito Processual. Membro do Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal.
Membro da Comissão de Juristas do Senado Federal, incumbida da elaboração de
Anteprojeto de Nova Lei de Arbitragem e Mediação. Presidente da Comissão Permanente
de Estudos de Processo Constitucional do IASP. Diretor da Revista Forense. Advogado.
 
Daniel Willian Granado
Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Especialista em Direito Processual Civil
pela PUC-SP. Doutorando em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professor de Direito
Civil e Direito Processual Civil da FMU. Membro do Instituto Brasileiro de Direito
Processual - IBDP. Membro do Conselho Editorial da Revista Forense. Membro da
Comissão Permanente de Estudos de Processo Constitucional do IASP. Coordenador
Editorial e Membro Fundador da Academia de Pesquisas e Estudos Jurídicos - APEJUR.
Advogado.
 
Área do Direito: Constitucional; Processual

Resumo: O presente trabalho busca analisar a orientação do STJ a respeito da


necessidade de renovação do pedido de concessão de assistência judiciária gratuita
quando da interposição de recurso. Após referida análise, cuida-se de apontar os
principais motivos existentes na Constituição Federal e na legislação federal, pelos quais
dita orientação deve ser modificada.

 Palavras-chave:  Recurso - Custas - Assistência judiciária.

Abstract: This study aims to analyze the orientation of "STJ" about the need for renewal
of the application consisting for free legal aid in the appeal. After that review, we take
care to point out the main existing reasons in the Federal Constitution and Federal Law,
by which orientation should be modified.

 Keywords:  Appeal - Rate - Free legal aid.

Sumário:  
- 1.O acórdão comentado - 2.Os comentários ao acórdão - 3.Bibliografia
 

Recebido em: 11.12.2014

Aprovado em: 12.02.2015

1. O acórdão comentado

O presente estudo consiste na investigação a respeito de recente orientação do E. STJ,


na linha de exigir, no ato de interposição de recursos dirigidos àquela Corte Superior, a
comprovação da concessão de assistência judiciária gratuita ou, ainda, a renovação de
aludido requerimento.

Dita orientação restou firmada pela Corte Especial do E. STJ por ocasião do julgamento
do AgRg nos EDiv em Ag em REsp 321.732/RS, NE relatado pela eminente Min. Maria
Thereza de Assis Moura, promovido aos 16.10.2013, e publicado no DJe do dia
23.10.2013, assim ementado:

“Agravo regimental nos embargos de divergência. Ausência de comprovação do


recolhimento das custas no ato de interposição do recurso. Beneficiário da justiça
gratuita. Ausência de pedido na petição de recurso. Deserção. Incidência do art. 511 do
CPC. Recurso a que se nega provimento.

1. O preparo deve ser feito no momento da interposição do recurso, sob pena de


deserção, sendo certo, outrossim, que na hipótese de o recorrente ser beneficiário da
justiça gratuita, deve haver a renovação do pedido quando do manejo do recurso, uma
vez que o deferimento anterior da benesse não alcança automaticamente as
interposições posteriores. Precedente desta Corte.

2. Agravo regimental a que se nega provimento”.

(STJ, AgRg nos EDiv em Ag no REsp 321.732/RS, Corte Especial, j. 16.10.2013, rel. Min.
Maria Thereza de Assis Moura, DJe 23.10.2013).

O recurso julgado, cuja ementa transcrevemos acima discutia, fundamentalmente, a


necessidade de renovação do pedido de assistência judiciária gratuita, no âmbito do STJ.
Deveras, segundo se dessume do inteiro teor do acórdão, o recorrente havia interposto
embargos de divergência contra acórdão prolatado em agravo em recurso especial,
julgado pelo STJ.

Mesmo sendo beneficiário da assistência judiciária gratuita, concedida pelo Tribunal de


Origem, seu recurso de embargos de divergência não veio a ser conhecido por falta de
recolhimento das custas no ato de interposição do recurso, tendo sido aplicada em seu
desfavor a pena de deserção. Contra essa última decisão, interpôs o recorrente agravo
regimental, que restou improvido, à unanimidade, pela C. Corte Especial do STJ.

O fundamento para a manutenção da decisão agravada foi assim sintetizado:

“(….
Cumpre ressaltar que essa compreensão não afronta o disposto no art. 9.º da Lei
1.060/1950, porquanto é bem verdade que o benefício compreende todos os atos do
processo, assim como também é certo que a gratuidade de justiça é um benefício
momentâneo dependente de uma situação provisória, podendo ser requerido a qualquer
tempo e enquanto perdurar o processo, ou, se o caso, decair quando a parte não mais
detenha a condição de hipossuficiência. Daí a necessidade de renovação do pedido
quando do manejo recursal (….”

Após o julgamento do recurso acima, essa orientação vem sendo seguida pelo STJ, o que
pode ser confirmado, por exemplo, a partir dos resultados dos julgamentos dos
seguintes feitos: (a) AgRg no Ag no REsp 261.520/SC, 2.ª T., j. 25.11.2014, rel. Min.
Assusete Magalhães, DJe 03.12.2014; (b) AgRg no Ag no REsp 587.595/RS, 2.ª T., j.
25.11.2014, rel. Min. Humberto Martins, DJe 05.12.2014; (c) AgRg nos EREsp
1182705/RS, Corte Especial, j. 19.11.2014, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe
11.12.2014; (d) AgRg nos EREsp 1405752/DF, 1.ª Seção, j. 12.11.2014, rel. Min.
Benedito Gonçalves, DJe 18.11.2014.

Para facilitar a compreensão pormenorizada do caso submetido ao STJ, permitimo-nos


transcrever o inteiro teor do julgado:

“RELATÓRIO – Min. Maria Thereza de Assis Moura: Trata-se de agravo regimental


interposto por Rodrigo Silveira Farina desafiando decisão resumida nos seguintes
termos:

‘Embargos de divergência. Ausência de comprovação do recolhimento das custas no ato


de interposição do recurso. Deserção. Incidência do art. 511 do CPC. Embargos não
conhecidos.’

Alega o agravante ser beneficiário da gratuidade da justiça conforme declaração de f. e


decisão de f.

Aduz, ainda, que provimento desta Corte estabelecendo a necessidade de renovação do


pedido de assistência judiciária em grau recursal consubstancia precedente perigoso na
medida em que o art. 9.º da Lei 1.060/1950 assim não exige, ao contrário, firma que o
benefício é extensivo até o final do processo.

Requer, pois, seja afastada a deserção.

É o relatório.

VOTO – Min. Maria Thereza de Assis Moura (Relatora): O inconformismo não merece
acolhimento.

Consoante acentuado no decisum agravado, a Seção de Protocolo de Petições deste STJ


certificou, à f., que este recurso foi interposto desacompanhado do respectivo
comprovante de pagamento de custas processuais, circunstância que implica na sua
deserção, a teor do contido no art. 511 do CPC, verbis:

‘Art. 511. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido


pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno,
sob pena de deserção.’
Asseverou-se, também, que na hipótese de o recorrente ser beneficiário da justiça
gratuita, deve haver a renovação do pedido quando da interposição do recurso, uma vez
que o deferimento anterior da benesse não alcança automaticamente as interposições
posteriores.

Na espécie, o recorrente não pleiteou a concessão da assistência judiciária gratuita,


sendo certo que, às f., constam apenas o pedido e concessão do benefício deferido pelo
Tribunal de origem.

Nesse contexto, não se conheceu dos embargos de divergência, uma vez que a Corte
Especial deste Sodalício, entende que o pedido de justiça gratuita ou a comprovação de
seu gozo deve ser concretizado no momento da interposição do respectivo recurso.

Sobre o tema, veja-se:

‘Processual civil. Agravo regimental. Embargos de divergência. Interposição. Custas


judiciais. Ausência de recolhimento. Art. 511 do CPC. Deserção.

1. O pedido ou a comprovação do direito a gratuidade de justiça deve ser feito no ato da


interposição dos embargos de divergência, e não posteriormente.

2. Precedentes: EDcl nos EREsp 1175699/RS, Corte Especial, rel. Min. Humberto Martins,
DJe 06.02.2012; RCDEsp nos EAg 1.014.514/RS, Corte Especial, rel. Min. Eliana Calmon,
DJe 04.05.2009; AgRg nos EAg 1.302.100/RS, Corte Especial, rel. Min. Gilson Dipp, DJe
11.11.2010; EDcl nos EREsp 1.136.867/SC, 1.ª Seção, rel. Min. Humberto Martins, DJe
10.03.2011; AgRg nos EREsp 235.268/SC, 3.ª Seção, rel. p/ acórdão Des. Adilson Vieira
Macabu, DJe 30.03.2011; RCDEsp nos EREsp 1.088.620/SP, 1.ª Seção, rel. Min.
Benedito Gonçalves, DJe 19.11.2009.

Agravo regimental improvido’.

(AgRg nos EREsp 1140406/RS, Corte Especial, rel. Min. Humberto Martins, DJe de
18.05.2012).

Cumpre ressaltar que essa compreensão não afronta o disposto no art. 9.º da Lei
1.060/1950, porquanto é bem verdade que o benefício compreende todos os atos do
processo, assim como também é certo que a gratuidade de justiça é um benefício
momentâneo dependente de uma situação provisória, podendo ser requerido a qualquer
tempo e enquanto perdurar o processo, ou, se o caso, decair quando a parte não mais
detenha a condição de hipossuficiência. Daí a necessidade de renovação do pedido
quando do manejo recursal.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É como voto.”

O que se dessume, a partir do acórdão acima transcrito, é que, muito embora a


Constituição Federal, bem como a legislação federal disponham que a Assistência
Judiciária Gratuita seja um direito do jurisdicionado e que deve estar presente até o final
do litígio, uma vez concedida e mantida a mesma situação econômica, o STJ vem
exigindo, por ocasião da interposição de recurso àquela Corte Superior, que o
beneficiário de dita Assistência renove o pedido, ainda que já tenha sido concedido nas
instâncias locais.

2. Os comentários ao acórdão

A partir da análise feita a respeito do acórdão ora comentado do STJ, temos que se trata
de orientação que não se coaduna, seja com a Legislação Federal, seja com a
Constituição Federal.

O preparo, como se sabe, constitui requisito extrínseco de admissibilidade dos recursos.


Trata-se do pagamento prévio das custas relativas ao seu processamento.

Por se tratar de requisito extrínseco de admissibilidade, o preparo diz respeito à matéria


de processo, devendo, obrigatoriamente respeitar a Lei Federal, nos termos do art. 22, I,
da CF/1988, que estatui competir à União legislar sobre direito processual.

Ao lado disso, tem-se que o preparo, assim como as demais despesas processuais, pode
ser considerado espécie do gênero tributo, amoldando-se bem à ideia do art. 3.º do
CTN.

Nesse contexto, autorizada doutrina, bem como o E. STJ, costumam inserir o preparo
como modalidade de taxa, tributo devido em decorrência de atuação estatal:

“Processual Civil. Apelação. Preparo. Desistência em razão de acordo entre as partes.


Recurso pendente de julgamento. Devolução das custas. Impossibilidade.

1. O preparo para a interposição de recurso inclui-se no conceito de custas judiciais que


se revestem da natureza de taxa. Precedentes do STJ e do STF.

2. Consoante dispõe o art. 511 do CPC, ‘no ato de interposição do recurso, o recorrente
comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive
porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção’, levando à conclusão de que a
hipótese de incidência dessa taxa é a protocolização do recurso.

3. Portanto, não é a manifestação do juízo a quo quanto aos efeitos em que recebe a
insurgência, tampouco o deslocamento dos autos ao Tribunal de Justiça ou o julgamento
do recurso que torna exigível o recolhimento do preparo, mas, antes de tudo, a sua
interposição que materializa a hipótese de incidência dessa taxa.

4. Saliente-se, outrossim, que a desistência do recurso não implica reconhecer a


ausência de atividade jurisdicional. Isso porque, embora seja um ato que independe da
concordância da parte contrária, está submetido ao controle pelo Judiciário, sendo
necessária sua homologação para que produza a totalidade de seus efeitos. Nesse
contexto, o art. 26 do CPC expressamente consigna a necessidade de pagamento das
despesas processuais, mesmo que o processo seja extinto em razão da desistência.

5. Recurso especial não provido”.

(REsp 1216685/SP, 2.ª T, j. 12.04.2011, rel. Min. Castro Meira, DJe 27.04.2011).
O art. 511, § 1.º, do CPC, disciplina hipóteses de isenção quanto ao pagamento de
preparo, ou seja, isenção quanto ao pagamento de taxa. De outro lado, o art. 150, §
6.º, da CF/1988, ao disciplinar o princípio da estrita legalidade em matéria tributária,
estatui que “Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de
crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só
poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule
exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou
contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g”.

A respeito desse importante princípio em matéria tributária, diz Paulo de Barros Carvalho
que: “O princípio da legalidade é limite objetivo que se presta, ao mesmo tempo, para
oferecer segurança jurídica aos cidadãos, na certeza de que não serão compelidos a
praticar ações diversas daquelas prescritas por representantes legislativos, e para
assegurar a observância ao princípio constitucional da tripartição dos poderes. O
princípio da legalidade compele o intérprete, como é o caso dos julgadores, a procurar
frases prescritivas, única e exclusivamente, entre as introduzidas no ordenamento
positivo por via de lei ou de diploma que tenha o mesmo status. Se do consequente da
regra advier obrigação de dar, fazer ou não fazer alguma coisa, sua construção
reivindicará a seleção de enunciados colhidos apenas e tão-somente no plano legal”. 2

Por sua vez, o Código Tributário Nacional dispõe que “A isenção, ainda quando prevista
em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos
exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua
duração” (art. 176 do CTN). Ao lado disso, esse mesmo diploma legal prescreve que a
legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção deve ser interpretada
restritivamente (art. 111, II, do CTN).

Em outros termos, uma vez concedida a isenção tributária quanto ao pagamento do


preparo, nos termos do art. 511, § 1.º, do CPC e demais regras que serão abordadas no
curso do presente Parecer, não é dado ampliá-las, tampouco criar embaraços a sua
concessão. Vale dizer, a norma em apreço veda tanto a interpretação da norma isentiva
quanto a adoção de requisito não previsto na lei, conforme eloquente decisão do STJ:

“Recurso Especial. Tributário. Isenção. Art. 96 da Lei 8.383/1991 (diferença entre o valor
de mercado aferido em 31.12.1991 e o constante de declarações de bens de exercícios
anteriores a 1992). Apresentação da declaração de ajuste anual após o exercício
financeiro de 1992. (….

6. A imposição da interpretação literal da legislação tributária que disponha sobre


outorga de isenção (art. 111, II, do CTN) prescreve tanto a adoção de exegese
ampliativa ou analógica, como também a restrição além da mens legis ou a exigência de
requisito ou condição não prevista na norma isentiva.

7. Raciocínio inverso implicaria em instituir isenção ‘condicional’ sem observância do


princípio constitucional da estrita legalidade tributária, que veda a instituição ou
aumento de tributo sem lei que o estabeleça (art. 150, I), bem como determina que
‘qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito
presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá
ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal’ (art. 150, § 6.º).
8. Outrossim, o Codex Tributário determina que a isenção (ainda quando prevista em
contrato) é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos
para a sua concessão (art. 176).

9. Consequentemente, inexistindo norma expressa que condicione a fruição da isenção à


entrega tempestiva da declaração de ajuste anual, não se revela possível a exclusão do
contribuinte que retardou o cumprimento do aludido dever instrumental. (….

11. Recurso especial desprovido” (REsp 1098981/PR, 1.ª T., j. 02.12.2010, rel. Min. Luiz
Fux, DJe 14.12.2010).

Em suma, ao se considerar o preparo como taxa, tem-se que não é dado se exigir
requisitos não prescritos na lei para a concessão de sua isenção, sob pena de violação da
estrita legalidade em matéria tributária, aplicável também às normas de cunho isentivo.

O beneficiário da assistência judiciária (Lei 1.060/1950) é dispensado do recolhimento


do preparo. Nos termos do art. 3.º, VII, da Lei 1.060/1950, acrescentado pela LC
132/2009, a assistência judiciária compreende a isenção “dos depósitos previstos em lei
para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes
ao exercício da ampla defesa e do contraditório”.

De seu turno, o art. 9.º, também da Lei 1.060/1950 é expressa no sentido de que “Os
benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do processo até decisão
final do litígio, em todas as instâncias” (Art. 9.º da Lei 1.060/1950).

Trata-se, sem dúvida alguma, de dispositivo que disciplina o tempo de duração do


benefício da assistência judiciária gratuita, não impondo, de outro lado, qualquer
requisito quanto à renovação de seu pedido.

Exigir a renovação desse pedido implica em impor ao beneficiário que comprove por
mais de uma vez fazer jus a ele, o que vai novamente contra a letra da lei. Deveras, em
caso de inexistência ou desaparecimento dos requisitos essenciais à concessão do
benefício, pode a parte contrária pleitear a sua revogação (art. 7.º da Lei 1.060/1950), o
que pode também ser determinado de ofício (art. 8.º da Lei 1.060/1950). Contudo,
mesmo nesse último caso, deve-se implementar o contraditório devendo-se ouvir a parte
contrária (parte final do art. 8.º da Lei 1.060/1950).

O que não se deve tolerar é que haja a presunção de que houve a revogação de tal
benefício por ocasião da interposição do recurso. Em outros termos, não se deve impor
ao seu beneficiário que renove dito pedido demonstrando, uma vez mais, a existência
dos requisitos para tanto.

Mas não é só. A desnecessidade de renovação do pedido pode ainda ser vislumbrada a
partir de outros dispositivos legais e regimentais.

No âmbito legal, há o art. 13, da Lei 11.636/2007, que cuida de disciplinar as custas
judiciais no âmbito do STJ. Segundo aludido dispositivo legal, “prevalecerá no STJ a
assistência judiciária já concedida em outra instância”.

Ao lado disso, o art. 511, § 1.º, do CPC prescreve que “são dispensados de preparo os
recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios e
respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal”.

Já no âmbito regimental, o RISTJ, possui semelhante redação no art. 115, § 2.º, onde se
lê também que “prevalecerá no Tribunal a assistência judiciária já concedida em outra
instância”.

Deve-se ainda ressaltar que dita exigência de renovação do pedido, ainda que já tenha
sido concedido pelos tribunais locais, é medida que afronta a própria Constituição
Federal, a exemplo do que dispõe o art. 5.º, em seus incs. II (legalidade); XXXV
(princípio da inafastabilidade do Judiciário e acesso à justiça); LIV (princípio do devido
processo legal); LV (princípio do contraditório e ampla defesa) e LXXIV (que assegura a
Assistência Judiciária Gratuita e integral aos necessitados).

Com efeito, a legalidade é amparada pela máxima segundo a qual ninguém é obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei. Nesse contexto, não há
qualquer legislação que imponha a renovação do pedido que já tenha sido concedido
pelas instâncias locais. Diferentemente, o que há é expressa (expressas, em verdade)
disposição legal na linha de que o benefício, uma vez concedido, deverá perdurar até o
final do processo.

Já o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional está intimamente ligado àquele


que assegura a assistência jurídica gratuita e integral aos necessitados (art. 5.º, LXXIV,
da CF/1988). Com efeito, sem que se enseje esse tipo de assistência, não se irá dar
efetividade ao comando que garante o amplo acesso ao Judiciário, pois grande parte da
população, em que pese a garantia insculpida no inc. XXXV do art. 5.º, estaria alijada do
efetivo acesso ao Judiciário. Tal benefício, é importante que se diga, pode ser concedido
inclusive para pessoas jurídicas, desde que comprove a impossibilidade de arcar com os
encargos processuais, de acordo com a orientação cristalizada na Súmula 481 do STJ:
“Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que
demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais”.

Dito de outro modo, a exigência da renovação pode vir retirar do jurisdicionado que já
obteve o benefício a ter de experimentar o dissabor de ver o seu recurso não conhecido,
ainda que não haja lei para tanto.

Em função de toda legislação que cuida da matéria, temos que tal exigência afronta a
Constituição Federal, a legislação federal e, ainda, o próprio RISTJ, devendo ser revista
tal orientação.

Oportuno consignar, inclusive, que ainda que tal orientação seja mantida, devem ser
ressalvados os recursos já interpostos, sob pena de colocar em risco inúmeros princípios
constitucionais, sobretudo a segurança jurídica.

Com efeito, a aplicação dessa orientação do STJ quanto à renovação do pedido de


concessão de Assistência Judiciária Gratuita, se vier a prevalecer (ainda que não haja
respaldo legal e a fortiori, constitucional), deverá ser aplicada somente para os recursos
interpostos após sua consolidação, ou seja, prospectivamente.

Deveras, sabe-se que as normas de direito processual têm aplicação imediata. Ao lado
disso, em matéria recursal, a norma aplicável deve ser aquela que existia na data da
decisão a ser impugnada, eis que é daí que exsurge o direito de recorrer. A esse
respeito, dizia Galeno Lacerda que “em direito intertemporal, a regra básica no assunto é
que a lei do recurso é a lei do dia da sentença (… proferida a decisão, a partir desse
momento nasce o direito subjetivo à impugnação, ou seja, o direito ao recurso
autorizado pela lei vigente nesse momento. Estamos, assim, em presença de verdadeiro
direito adquirido processual, que não pode ser ferido por lei nova, sob pena de ofensa à
proteção que a Constituição assegura a todo e qualquer direito adquirido”.3

Em outras palavras, não deve o jurisdicionado que já interpôs seu recurso na vigência da
orientação anterior, ou seja, em que não era necessário renovar o pedido de concessão
de assistência judiciária gratuita, ser surpreendido pela nova orientação cristalizada no
STJ. Dando respaldo ao que estamos afirmando, o novo Código de Processo Civil,
recentemente aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção presidencial veio
a trazer eloquente e interessante dispositivo, permitindo aos tribunais modular os efeitos
da decisão em função de alteração de jurisprudência dominante. É o que dispõe o art.
925, § 3.º, do novo CPC, in verbis: “Na hipótese de alteração de jurisprudência
dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda
de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no
interesse social e no da segurança jurídica”.

3. Bibliografia

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 2. ed. São Paulo:
Noeses, 2008.

LACERDA, Galeno. O novo direito processual civil e os feitos pendentes. Rio de Janeiro:
Forense, 1974.
   
NE Nota do Editorial. A íntegra dessa decisão (AgRg nos EDiv em Ag em REsp
321.732/RS) está disponível, para assinantes, no RT Online
[www.revistadostribunais.com.br] e em Proview, bem como no site do Tribunal
[www.stj.jus.br].
 
2. Cf. Paulo de Barros Carvalho, Direito Tributário: Linguagem e Método, 2. ed., São
Paulo: Noeses, 2008. p. 282-283.
 
3. Cf. Galeno Lacerda, O novo direito processual civil e os feitos pendentes, Rio de
Janeiro: Forense, 1974. p. 68.
APELAÇÃO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA NÃO AGRAVÁVEL:
A APELAÇÃO DO VENCIDO E A APELAÇÃO SUBORDINADA DO
VENCEDOR

Duas novidades do CPC/2015


Revista de Processo | vol. 241/2015 | p. 231 - 242 | Mar / 2015
DTR\2015\2126

Leonardo Carneiro da Cunha


Pós-doutorado pela Universidade de Lisboa. Doutor em Direito pela PUC-SP. Mestre em
Direito pela UFPE. Membro do Instituto Iberoamericano de Direito Processual, do
Instituto Brasileiro de Direito Processual e da Associação Norte e Nordeste de
Professores de Processo. Professor Adjunto da Faculdade de Direito do Recife (UFPE),
nos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado. Advogado.
 
Fredie Didier Jr.
Pós-doutorado pela Universidade de Lisboa. Doutor em Direito pela PUC-SP. Mestre em
Direito pela UFBA. Livre-docente pela USP. Membro da Associação Internacional de
Direito Processual, do Instituto Iberoamericano de Direito Processual, do Instituto
Brasileiro de Direito Processual e da Associação Norte e Nordeste de Professores de
Processo. Professor associado da Universidade Federal da Bahia, nos cursos de
Graduação, Mestrado e Doutorado. Advogado.
 
Área do Direito: Processual

Resumo: O ensaio examina o regime de impugnação das decisões interlocutórias não


agraváveis no sistema do novo Código de Processo Civil brasileiro.

 Palavras-chave:  Novo Código de Processo Civil - Decisão interlocutória - Agravo de


instrumento - Apelação - Recurso subordinado.

Riassunto: Il documento esamina la impugnazione della sentenza interlocutoria (non


definitiva) nel nuovo sistema di codice brasiliano di procedura civile.

 Parole chiave:  Nuovo Codice brasiliano di Procedura Civile - Sentenza interlocutoria


(non definitiva) - Impugnazione - Ricorso subordinato.

Sumário:  
- 1.Generalidades sobre a recorribilidade das decisões interlocutórias no CPC/2015 -
2.Premissa geral para a compreensão do art. 1.009, § 1.º, do CPC: a apelação contra
decisão interlocutória não agravável - 3.Impugnação das decisões interlocutórias não
agraváveis pela parte vencida - 4.Impugnação das decisões interlocutórias não
agraváveis pela parte vencedora
 
Recebido em: 05.12.2014

Aprovado em: 19.02.2015

1. Generalidades sobre a recorribilidade das decisões interlocutórias no


CPC/2015

O Código de Processo Civil de 1973 previa que toda e qualquer decisão interlocutória
seria recorrível. Contra as decisões interlocutórias cabia agravo, que podia ser retido ou
de instrumento. À parte interessada conferia-se, então, a opção de escolha entre uma ou
outra modalidade de agravo. Em razão das modificações levadas a efeito pela Lei
11.187/2005, deixou de haver tal opção. A decisão interlocutória deveria ser atacada por
agravo retido, salvo quando houvesse risco de lesão grave ou de difícil reparação,
quando se tratasse de decisão que inadmitisse a apelação, da decisão relativa aos
efeitos em que recebida a apelação ou em casos em que o agravo retido fosse
incompatível com a situação.

O agravo retido, uma vez interposto independentemente de preparo, impedia a


preclusão, ficando mantido nos autos, somente sendo processado e julgado pelo tribunal
se não houvesse retratação imediata do juízo de primeiro grau e desde que a parte o
reiterasse para que o tribunal, quando do julgamento da apelação, dele conhecesse.

O Código de Processo Civil de 2015 eliminou a figura do agravo retido e estabeleceu um


rol de decisões sujeitas a agravo de instrumento. Somente são agraváveis as decisões
nos casos expressamente previstos em lei. As decisões não agraváveis devem ser
atacadas na apelação.

O sistema recursal é outro.

Muitas dúvidas surgirão.1

É preciso, desde logo, fazer algumas observações.

a) Tal sistemática restringe-se à fase de conhecimento, não se aplicando às fases de


liquidação e de cumprimento da sentença, nem ao processo de execução de título
extrajudicial. Nestes casos, toda e qualquer decisão interlocutória é passível de agravo
de instrumento. Também cabe agravo de instrumento contra qualquer decisão
interlocutória proferida em processo de inventário (art. 1.015, parágrafo único, do CPC,
para todas estas ressalvas).

b) Na fase de conhecimento, as decisões agraváveis são sujeitas à preclusão, caso não


se interponha o recurso. Aquelas não agraváveis, por sua vez, não se sujeitam à
imediata preclusão. Não é, porém, correto dizer que elas não precluem. Elas são
impugnadas na apelação (ou nas contrarrazões de apelação, como se verá), sob pena de
preclusão.

Quando o § 1.º do art. 1.009 diz que estas decisões não precluem, o que se está a
afirmar é que não cabe agravo de instrumento contra elas. Sua impugnação há de ser
feita na apelação (ou nas contrarrazões); se não for feita neste momento, haverá,
evidentemente, preclusão.

O tema será examinado sob dupla perspectiva: a impugnação feita pelo vencido, na
apelação, e a impugnação feita pelo vencedor, nas contrarrazões de apelação.

2. Premissa geral para a compreensão do art. 1.009, § 1.º, do CPC: a apelação


contra decisão interlocutória não agravável

Eis o texto do § 1.º do art. 1.009 do CPC: “As questões resolvidas na fase de
conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não
ficam cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação,
eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões. Sendo suscitadas
em contrarrazões, o recorrente será intimado para, em quinze dias, manifestar-se a
respeito delas”.

Primeiramente, é preciso definir o que se entende por “suscitadas”. “Suscitadas”, neste


caso, significa “impugnadas”. A parte que pretenda recorrer da decisão interlocutória não
agravável terá de fazê-lo na apelação contra a sentença ou nas contrarrazões.

A observação é importante.

No regime do agravo retido, a parte praticava dois atos: (a) recorria (agravava), logo
após a decisão interlocutória (oralmente, quando a decisão havia sido proferida em
audiência de instrução e julgamento, ou por escrito, nos demais casos); (b) ratificava o
agravo retido, na apelação ou nas contrarrazões.

Como no sistema do Código de Processo Civil de 2015 não cabe o agravo retido, não há
razão para a prática de dois atos; a parte simplesmente recorre. Este recurso será
veiculado pela apelação ou pelas contrarrazões de apelação.

É disso que cuida o § 1.º do art. 1.009 do CPC: apelação contra decisão interlocutória
não agravável.

Não se pode examinar este dispositivo como se estivéssemos no sistema do Código de


Processo Civil de 1973, em que existia o agravo retido, que tinha de ser ratificado na
apelação ou nas contrarrazões de apelação. O sistema é outro. Agora, a apelação
também serve para impugnar decisões interlocutórias; não todas, apenas as não
agraváveis.

Sucede que esta apelação pode ser interposta pelo vencido, como sói ocorrer, mas
também pelo vencedor, o que é um pouco estranho, mas não por isso improvável.

3. Impugnação das decisões interlocutórias não agraváveis pela parte vencida

A parte vencida na sentença pode apelar, como se sabe.

A apelação servirá para impugnar a sentença e as decisões interlocutórias não


agraváveis2 desfavoráveis ao apelante. A apelação visará a duas espécies de decisão: a
sentença e a interlocutória não agravável. É possível que haja várias decisões
interlocutórias não agraváveis aptas a ser impugnadas pelo vencido na apelação. O
mérito da apelação poderá conter tantas pretensões recursais quantas sejam as decisões
impugnadas; como as decisões impugnadas podem ter, cada uma, mais de um capítulo,
a apelação poderá veicular mais pretensões recursais do que o número de decisões
impugnadas. Haverá aí uma cumulação de pedidos recursais. À cumulação de pedidos
recursais aplica-se o regramento geral da cumulação de pedidos (art. 327 do CPC).

Há dois pedidos: um formulado contra a decisão interlocutória e outro contra a sentença.


Esta cumulação de pedidos recursais é imprópria: acolhido o pedido formulado contra a
decisão interlocutória não agravável, a sentença e vários atos que lhe precederam serão
desfeitos, tornando inócuo o pedido recursal formulado contra ela.

É possível que o pedido contra a decisão interlocutória diga respeito a um defeito


processual; como todo defeito processual, pode ser sanado em segunda instância (art.
937, § 1.º); se for corrigido, o pedido recursal relativo à decisão interlocutória perderá o
objeto e, por isso, não será acolhido. Neste caso, passar-se-á ao exame do pedido
relativo à sentença.

Segundo o texto do § 1.º do art. 1.009 do novo CPC, as interlocutórias não agraváveis
devem ser impugnadas em preliminar da apelação. Há uma dubiedade. Preliminar, aqui,
não se refere a uma questão de admissibilidade; preliminar, no contexto do § 1.º do art.
1.009, significa apenas que a impugnação será feita antes, o que é natural, tendo em
vista a cronologia das decisões: a decisão interlocutória é anterior à sentença. O
combate a uma interlocutória não agravável integra o mérito da apelação. Trata-se de
um pedido recursal que se cumulará, ainda que impropriamente, com o pedido recursal
dirigido à sentença.

A parte vencida poderá optar, entretanto, por recorrer apenas contra a sentença. Se isso
acontecer, haverá preclusão da decisão interlocutória não agravável,
independentemente do respectivo conteúdo – mesmo se se tratar de decisão sobre a
admissibilidade do processo.

É possível, ainda, que o vencido interponha apelação apenas para atacar alguma
interlocutória não agravável, deixando de recorrer da sentença. Não é incomum haver
decisão interlocutória que tenha decidido uma questão preliminar ou prejudicial a outra
questão resolvida ou decidida na sentença – a decisão sobre algum pressuposto de
admissibilidade do processo, por exemplo. Impugnada a decisão interlocutória, a
sentença, mesmo irrecorrida, ficará sob condição suspensiva: o desprovimento ou não
conhecimento da apelação contra a decisão interlocutória; se provida a apelação contra
a decisão interlocutória, a sentença resolve-se; para que a sentença possa transitar em
julgado, será preciso aguardar a solução a ser dada ao recurso contra a decisão
interlocutória não agravável, enfim.

A situação é semelhante a outra que existia mesmo ao tempo do Código de Processo


Civil de 1973: a sobrevivência do agravo de instrumento diante da superveniência de
sentença não apelada, quando o objeto do agravo pudesse comprometer a eficácia da
sentença (agravo de instrumento sobre competência, por exemplo).3
A apelação do vencido apenas contra a decisão interlocutória não agravável suspende os
efeitos da sentença, ressalvada a existência de alguma das hipóteses previstas no § 1.º
do art. 1.012 do CPC.

O texto do § 1.º do art. 1.009 do novo CPC foi redigido para o Código de Processo Civil
de 2015, mas com a cabeça ainda no Código de Processo Civil de 1973. Alterou-se toda
a estrutura de impugnação das decisões interlocutórias, passando a existir as
interlocutórias agraváveis e as não agraváveis. Parece que não se atentou que, pelo
sistema do Código de Processo Civil de 2015, haverá decisões interlocutórias não
agraváveis, mas ainda assim recorríveis, só que em outro momento.

A singeleza do texto normativo, que simplesmente fala em “suscitar” na apelação ou nas


“contrarrazões”, valendo-se do jargão utilizado pela prática forense para referir-se à
conduta que a parte tinha de tomar para ratificar o agravo retido que interpusera sob o
regime do Código de Processo Civil de 1973, revela que a redação do dispositivo foi
elaborada sem a devida reflexão.4

O texto deveria ter sido mais claro e mais minucioso. As regras sobre a apelação que
impugna decisões interlocutórias não agraváveis devem ser construídas e aplicadas
levando-se em conta esta premissa.

4. Impugnação das decisões interlocutórias não agraváveis pela parte


vencedora

4.1 Generalidades: a apelação do vencedor prevista no § 1.º do art. 1.009 e a


preclusão das decisões interlocutórias não agraváveis a ele desfavoráveis

A decisão interlocutória não agravável também pode ser impugnada pela parte
vencedora, caso lhe seja desfavorável.

O § 1.º do art. 1.009, como já se viu, assim prescreve: “§ 1.º As questões resolvidas na
fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de
instrumento, não ficam cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de
apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões”.

O traslado puro e simples para o Código de Processo Civil de 2015, sem maiores
reflexões, do antigo do modelo do agravo retido previsto no Código de Processo Civil de
1973, torna, também aqui, bem difícil a análise do tema.

Conforme já se viu, “suscitar”, aqui, significa “impugnar”, “recorrer”.

A parte eventualmente prejudicada por uma decisão interlocutória não agravável poderá,
tendo em vista a interposição de apelação pela outra parte, recorrer contra esta decisão
interlocutória, nas contrarrazões que apresentar à apelação da parte adversária. Em
outras palavras, as contrarrazões veiculam um recurso do apelado. Elas consistem num
instrumento por meio do qual o apelado poderá recorrer contra uma interlocutória não
agravável.
Essa é a primeira premissa para a compreensão correta deste dispositivo: a “suscitação”,
pela parte vencedora, nas contrarrazões, das decisões interlocutórias não agraváveis, é
um recurso.

Não se trata de ratificação de recurso interposto, como no revogado modelo do agravo


retido, exatamente porque não há o que ser ratificado: a parte não havia recorrido; a
parte recorre neste exato momento.

Assim, as contrarrazões, nesse caso, tornam-se instrumento de dois atos jurídicos


processuais: (a) a resposta à apelação da parte adversária; (b) o recurso contra as
decisões interlocutórias não agraváveis proferidas ao longo do procedimento.

Este recurso é uma apelação do vencedor. Não se deve estranhar: como visto em item
precedente, no sistema do Código de Processo Civil de 2015, a apelação é um recurso
que também serve à impugnação de decisões interlocutórias – aquelas não impugnáveis
por agravo de instrumento.

É inevitável a comparação com a contestação, instrumento de defesa, mas que, pelo


sistema do Código de Processo Civil de 2015, também pode veicular a reconvenção (art.
343 do CPC); a contestação veicula a reconvenção do réu, da mesma forma que as
contrarrazões veiculam um recurso do apelado.

A circunstância de este recurso ser apresentado na peça de contrarrazões não o


desnatura, assim como a reconvenção não perde a natureza de demanda por vir
acompanhada da contestação, em uma mesma peça.

Exatamente porque é recurso, a parte final do § 1.º do art. 1.009 impõe a intimação do
apelante (parte vencida), para que se manifeste sobre esta “suscitação” feita pela parte
vencedora nas contrarrazões.

Justamente por ser um recurso, se a parte vencedora dele não se valer, haverá
preclusão em relação à decisão interlocutória não agravável. Pouco importa o conteúdo
desta decisão interlocutória não agravável, mesmo se versar sobre a admissibilidade do
processo: não será permitido ao tribunal reexaminá-la, por ocasião do julgamento da
apelação do vencido.

A apelação do vencido não devolve ao tribunal o exame das decisões interlocutórias não
agraváveis desfavoráveis ao vencedor. Somente a apelação do vencedor, interposta nos
termos do § 1.º do art. 1.009 do CPC, tem aptidão para devolver o exame das decisões
interlocutórias não agraváveis contra ele proferidas. Caso não interponha esta apelação,
haverá preclusão quanto à possibilidade de reexame dessas decisões.

Este recurso tem, porém, duas peculiaridades.

Os próximos itens são dedicados a elas.

4.2 A apelação do vencedor como espécie de recurso subordinado

O recurso do vencedor, manifestado nas suas contrarrazões à apelação, contém, como


visto, duas peculiaridades. Destaca-se aqui a primeira.

A apelação do vencedor, neste caso, é um recurso subordinado. Ela seguirá o destino da


apelação do vencido. Caso o vencido desista da apelação interposta ou essa não seja
admissível, a apelação do vencedor perde o sentido: por ter sido o vencedor, o interesse
recursal somente subsiste se a apelação do vencido for para frente.

O sistema passa a ter duas espécies de recurso subordinado. Ao lado do tradicional


recurso adesivo, regulado pelos §§ do art. 997, passa a existir a apelação subordinada
interposta pelo vencedor.

Estas espécies de recurso subordinado distinguem-se, basicamente, em dois aspectos:

a) o recurso adesivo é cabível não apenas na apelação, mas também no recurso


extraordinário e no recurso especial (art. 997, § 2.º, II, do CPC) – o recurso subordinado
previsto no § 1.º do art. 1.009 é apenas na apelação;

b) o recurso adesivo pressupõe que tenha havido a sucumbência recíproca, o que não
acontece na hipótese do § 1.º do art. 1.009.

No sistema do Código de Processo Civil de 1973, recurso subordinado e recurso adesivo


eram designações sinônimas; no sistema do Código de Processo Civil de 2015, recurso
subordinado passa a ser gênero, de que é espécie o recurso adesivo.

Por serem espécies de um mesmo gênero, é possível buscar, no regramento do recurso


adesivo, muito mais completo, regra que sirva para a solução de problemas dogmáticos
relacionados à apelação subordinada do § 1.º do art. 1.009.

Assim, aplica-se à apelação subordinada interposta pelo vencedor, como, aliás, já se viu,
o disposto no inc. III do § 2.º do art. 997: ela não será examinada se houver desistência
da apelação interposta pelo vencido ou se ela for considerada inadmissível. Também dela
se exigem os mesmos requisitos de admissibilidade exigidos de uma apelação (conforme
dispõe o § 2.º do art. 997).

Pode acontecer, porém, uma situação inusitada.

Imagine que tenha havido sucumbência recíproca. Apenas uma das partes recorre de
forma independente. A outra opta pela interposição de recurso adesivo. Sucede que, em
relação ao capítulo da sentença de que foi a vencedora, havia sido proferida uma decisão
interlocutória não agravável contrária a seu interesse – um indeferimento de uma prova,
por exemplo. Como o prazo para o recurso adesivo é o prazo para as contrarrazões ao
recurso independente, poderá a parte, então, cumular, em um mesmo recurso de
apelação, a apelação adesiva, dirigida ao capítulo da sentença em que restou vencida, e
a apelação subordinada do vencedor contra a decisão interlocutória não agravável
relacionada ao capítulo da sentença em que restou vencedora. Duas apelações, em um
mesmo instrumento, dirigidas a decisões distintas, em que o apelante se revela a um só
tempo um vencido (no recurso adesivo) e um vencedor (na apelação subordinada do §
1.º do art. 1.009). Isso poderia ser feito em duas peças – a peça do adesivo e as
contrarrazões; mas não há qualquer problema em unir os recursos em uma peça e as
contrarrazões, em outra; é até melhor do ponto de vista da organização do futuro
julgamento. Esta situação exigirá um cuidadoso exame do interesse recursal, que variará
conforme a pretensão recursal. Esta situação, aliás, revela o quão diversas podem ser as
posições processuais que um mesmo sujeito exerce em um mesmo processo; 5 às vezes,
esta diversidade se revela na prática de um mesmo ato processual, como é o caso.

4.3 A apelação do vencedor como espécie de recurso condicionado

Cumpre destacar a segunda peculiaridade.

Além de subordinada, a apelação do vencedor prevista no § 1.º do art. 1.009 do CPC é


condicionada. Isso significa que somente será examinada se a apelação do vencido for
acolhida, afinal, repise-se, quem se vale dela é o vencedor, que somente perderá esta
qualidade se a apelação do vencido originário for provida.

Não se deve estranhar a prática de atos processuais sob condição, 6 muito menos a
existência de recurso sob condição.

A denunciação da lide proposta pelo autor é, por exemplo, uma demanda sob condição
de ele, autor, perder a causa para o réu originário.

A existência de recurso sob condição é defendida há muitos anos pela doutrina


brasileira,7 para o caso do recurso especial ou extraordinário adesivo a um recurso
extraordinário ou especial. É o que se chama de recurso adesivo cruzado.

Imagine o caso. A parte fundamenta o seu pedido em questão constitucional e questão


federal. O tribunal acolhe o pedido, mas rejeita o fundamento constitucional (ou federal).
A parte vencida poderá interpor recurso especial (para discutir a questão federal, que foi
acolhida). Nesta situação, a parte vencedora não tem interesse na interposição do
recurso extraordinário para o STF (para discutir a questão constitucional, que foi
rejeitada), na medida em que, vitoriosa na questão principal, não pode recorrer para
discutir simples fundamento. Sucede que há um problema para a parte vencedora: sem
poder recorrer extraordinariamente, ela pode sofrer um grave prejuízo se o recurso
especial da outra parte for provido: é que, em tal circunstância, não poderá rediscutir a
questão constitucional, que ficara preclusa. Para evitar este risco, a doutrina considera
possível a interposição de recurso extraordinário ou especial adesivo cruzado (porque é
recurso extraordinário adesivo a recurso especial, ou vice-versa), sob condição de
somente ser processado se o recurso independente for acolhido. O tema é explicado por
Barbosa Moreira:

“Daí a conveniência, que surge para ele [recorrente adesivo], de inverter-se a ordem do
julgamento, só se passando ao exame da matéria veiculada no recurso adesivo na
hipótese de verificar-se que a outra parte tem razão no que tange à matéria do recurso
principal; do contrário, simplesmente se negará provimento a este, ‘confirmando-se’ a
decisão de improcedência do pedido, sem tocar no recurso adesivo. Com base nesse
raciocínio é que em mais de um país, ainda que não sem resistência, se tem admitido
um recurso adesivo condicionado, isto é, interposto ad cautelam, para ser julgado
unicamente no caso de convencer-se o órgão ad quem da procedência do recurso
principal”.8
O recurso adesivo sempre se submeteu à condição legal de conhecimento do recurso
independente. Neste caso, além da condição legal, inerente a todo recurso adesivo, há a
condição voluntária imposta pelo recorrente: além de conhecido, o recurso independente
tem de ser provido.

A apelação do vencedor, prevista no § 1.º do art. 1.009, segue a mesma lógica: ela
somente se justifica se a apelação do vencido for provida. Bem pensadas as coisas,
também pode ser considerada uma apelação cruzada: enquanto a apelação do vencido
impugna a sentença, a apelação do vencedor impugna uma decisão interlocutória.

É preciso, então, definir o procedimento de votação destes dois recursos.

Inicialmente, o tribunal examinará a apelação do vencido. Esta apelação pode ser para
reformar ou invalidar a sentença.

Se der provimento à apelação do vencido para reformar a sentença, o tribunal


prosseguirá para examinar a apelação do vencedor. Provida a apelação do vencedor, a
decisão sobre a apelação do vencido se resolve: (a) a decisão interlocutória impugnada
pelo vencedor será invalidada ou reformada pelo tribunal; (b) o processo retornará ao
momento em que ela havia sido proferida; (c) a sentença não será substituída pela
decisão que julgou a apelação do vencido, afinal o processo retrocederá a momento
anterior a ela.

A decisão sobre a apelação do vencido é, nesta hipótese, uma decisão sob condição legal
resolutiva: dependerá da decisão que julgar a apelação do vencedor.

Se der provimento à apelação do vencido para invalidar a sentença, o tribunal


prosseguirá para examinar a apelação do vencedor. Provida a apelação do vencedor: (a)
a decisão interlocutória impugnada pelo vencedor será invalidada ou reformada pelo
tribunal; (b) o processo retornará ao momento em que ela havia sido proferida; (c) a
sentença não será substituída pela decisão que julgou a apelação do vencido, efeito que
não decorre da decisão de invalidação. Neste caso, ambas as decisões convivem, mas
prevalece, do ponto de vista prático, a decisão sobre a apelação do vencedor, pois se
refere à decisão proferida em momento anterior, impondo a retomada do processo desde
então.

Pode acontecer de ser provida a apelação do vencido para invalidar a sentença, mas o
tribunal pode, com base no § 3.º do art. 1.011 do CPC, avançar para julgar o mérito da
causa, em vez de determinar o retorno dos autos à primeira instância; a partir daí,
aplica-se o procedimento para o caso de provimento da apelação para reformar: a
decisão sobre o mérito ficará sob condição legal resolutiva, à espera da decisão sobre a
apelação do vencedor.

4.4 Interposição de apelação autônoma pelo vencedor: aplicação da


instrumentalidade das formas

Já se viu que o vencedor interpõe sua apelação pelas contrarrazões, ou seja, as


contrarrazões veiculam uma apelação do vencedor. É possível imaginar que esse, numa
atitude mais açodada, interponha apelação desde logo, não aguardando o momento das
contrarrazões.

Rigorosamente, o vencedor não tem interesse de recorrer da sentença, mas pode, como
visto, apelar de interlocutórias não agraváveis. O momento para o recurso contra as
interlocutórias não agraváveis é o das contrarrazões, mas é possível, embora não
recomendável, que o vencedor se antecipe e já interponha sua apelação, sem aguardar a
oportunidade das contrarrazões.

Se o vencedor recorreu de apenas uma interlocutória não agravável, não poderá depois,
nas contrarrazões à apelação do vencido, recorrer de outras interlocutórias não
agraváveis; terá havido preclusão consumativa. A apelação já foi interposta, devendo
ser, inclusive, exigido preparo. O problema aqui é só de rótulo. A apelação do vencedor
deveria ser veiculada nas contrarrazões, mas ele antecipou-se ao momento, valendo-se
de uma apelação autônoma. Já foi interposto o recurso, não sendo necessária sua
ratificação posterior.

Ocorre, porém, que esse recurso do vencedor é, como já se viu, subordinado e


dependente. É preciso que haja a apelação da parte vencida. Se o vencedor antecipar-se
e já recorrer contra alguma interlocutória não agravável, e não sobrevier a apelação da
parte vencida, faltará interesse recursal ao vencedor, devendo ser inadmitido o seu
recurso.

Diversamente, sobrevindo o recurso do vencido, a ele se subordina o recurso do


vencedor, que passa a desfrutar da admissibilidade que não tinha. Aplica-se, no
particular, o disposto no art. 493 do CPC, segundo o qual cabe ao órgão julgador levar
em consideração os fatos supervenientes que constituam, modifiquem ou extingam
direitos.9
   
1. Além das questões discutidas neste ensaio, ao menos outras duas, importantíssimas,
deverão ser enfrentadas: (a) o rol das hipóteses de agravo de instrumento, embora
taxativo, pode ser considerado como rol de tipos de decisão agravável, a admitir a
interpretação extensiva? Parece-nos que sim, mas isso será tema de outro artigo; (b)
como compatibilizar a recorribilidade das decisões interlocutórias não agraváveis, com a
hipótese prevista no art. 278 do CPC, que impõe que a parte suscite a nulidade do ato
(que pode ser a decisão interlocutória) na primeira oportunidade em que couber a ela
falar nos autos, sob pena de preclusão? Estaria a lei, ao menos nos casos de decisão
interlocutória nula, exigindo o protesto, como pressuposto para a apelação contra
decisão interlocutória prevista no §1.º do art. 1.009 do CPC? Parece-nos que sim, mas
isso será objeto de outro artigo.
 
2. As decisões interlocutórias agraváveis não poderão ser impugnadas na apelação: ou
já o foram por agravo de instrumento ou não foram impugnadas, tendo havido
preclusão.
 
3. Sobre o tema, NERY JR., Nelson. Liminar impugnada e sentença irrecorrida: a sorte
do agravo de instrumento. In: NERY JR., Nelson; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa
(coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de
impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Ed. RT, 2003. p. 528; DIDIER JR., Fredie;
CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de direito processual civil. 12. ed. Salvador:
JusPodivm, 2014. vol. 3, p. 170-171. Em sentido diverso, entendendo que o agravo de
instrumento perderia o objeto, caso a sentença não fosse apelada, ARRUDA ALVIM
WAMBIER, Teresa. O destino do agravo após a sentença. In: NERY JR., Nelson; ARRUDA
ALVIM WAMBIER, Teresa (coord.). Op. cit., p. 697.
 
4. O dispositivo foi reincluído, na versão final do Código de Processo Civil, na última fase
do processo legislativo, por sugestão da Comissão de Juristas que assessorava o Senado
Federal. Na Câmara dos Deputados, o dispositivo havia sido eliminado e, em seu lugar,
se exigia que a parte apresentasse um protesto antipreclusivo contra as decisões
interlocutórias não agraváveis. Este protesto teria de ser ratificado na apelação ou nas
contrarrazões. Com a eliminação do agravo retido e com a retirada da previsão do
protesto, feita pela Câmara dos Deputados, o sistema foi totalmente remodelado. A
interpretação deverá ser feita à luz desse novo modelo, e não do modelo anterior ou do
modelo que a Câmara dos Deputados concebera.
 
5. Sobre o tema, CABRAL, Antonio do Passo. Despolarização do processo e “zonas de
interesse: sobre a migração entre polos da demanda. In: DIDIER JR., Fredie (org.).
Reconstruindo a teoria geral do processo. Salvador: JusPodivm, 2012; DIDIER JR.,
Fredie. Curso de direito processual civil. 16. ed. Salvador: JusPodivm, 2014. vol. 1, p.
238-241.
 
6. Sobre o tema, DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos
fatos jurídicos processuais. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 148-152.
 
7. OLIVEIRA, Pedro Miranda. Recurso excepcional cruzado. In: NERY JR., Nelson;
ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa (coord.). Op. cit., p. 609 e ss.; NEVES, Daniel Amorim
Assumpção. Interesse recursal eventual e o recurso adesivo condicionado ao julgamento
do recurso principal. Revista Dialética de Direito Processual. n. 32, p. 41-45. São Paulo:
Dialética, 2005; DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit, p. 92-93.
Não admitindo essa o recurso adesivo condicionado, ROSSI, Júlio César. O recurso
adesivo, os recursos excepcionais (especial e extraordinário) e o art. 500 do CPC.
Revista Dialética de Direito Processual. n. 32. p. 69-75. São Paulo: Dialética, 2005.
 
8. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 12. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2006. vol. 5, p. 329 (o texto em itálico é do original; o texto entre
colchetes é nosso). Do mesmo autor, Recurso especial. Exame de questão de
inconstitucionalidade de lei pelo Superior Tribunal de Justiça. Recurso extraordinário
interposto sob condição. Direito aplicado II. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
 
9. A possibilidade de o juiz conhecer dos fatos supervenientes, a serem considerados
pelo órgão julgador, aplica-se a qualquer instância jurisdicional; os fatos supervenientes
podem dizer respeito ao juízo de admissibilidade ou ao próprio mérito (CUNHA, Leonardo
Carneiro da. A atendibilidade dos fatos supervenientes no processo civil: análise
comparativa entre o sistema português e o brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012,
passim).
ALCANCE E LIMITAÇÕES DA SÚMULA 456 DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL

Revista de Processo | vol. 241/2015 | p. 243 - 274 | Mar / 2015


DTR\2015\2127

Mariana de Souza Cabezas


Advogada.
 
Área do Direito: Processual

Resumo: Artigo a respeito da interpretação doutrinária e jurisprudencial do sumulado


pelo STF no enunciado 456 de sua jurisprudência dominante, que autoriza à Corte, uma
vez ultrapassada a etapa de conhecimento do recurso, que julgue a causa, aplicando o
direito à espécie.

 Palavras-chave:  Interpretação - Doutrina - Jurisprudência - Súmula 456 do STF.

Abstract: Article concerning the doctrinal and jurisprudential interpretation of the


Statement 456 of the Supreme Court's jurisprudence summary, which authorizes the
Court, once surpassed the stage of knowledge of the appeal, it rules the case, applying
the law to the species.

 Keywords:  Interpretation - Doctrine - Jurisprudence - Statement 456 of the Federal


Supreme Court.

Sumário:  
- 1.Nota introdutória - 2.Origens da Súmula 456 do STF - 3.Condições para o julgamento
da causa - 4.Do entendimento a respeito do alcance da Súmula 456 do STF -
5.Conclusão - 6.Referências bibliográficas
 

Recebido em: 30.06.2014

Aprovado em: 28.08.2014

1. Nota introdutória

O presente artigo teve por escopo a análise do enunciado da Súmula da jurisprudência


dominante do STF 456, que estabelece que essa Corte, “conhecendo do recurso
extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie.”

Tratam-se o recurso extraordinário e o recurso especial, de recursos ditos excepcionais,


de fundamentação vinculada, cuja tipicidade do erro, prevista de modo específico pela
Constituição Federal e pela lei, é pressuposto de cabimento e de admissibilidade do
recurso. Se o erro não for típico, o órgão ad quem dele não conhecerá e, se não
verificada a existência real do erro, será improcedente o recurso.

Assim, o recurso extraordinário e o especial só poderiam ter por fundamento as questões


de direito que a Constituição especifica e desde que a transgressão aos dispositivos
invocados tenha ocorrido no tribunal de origem, onde as questões houvessem sido
ventiladas, ou seja, prequestionadas.

A questão que então se coloca é como conciliar essas limitações, com a determinação de
que cabe ao Tribunal julgar a causa, o que implicaria revolver as provas e os fatos da
causa, análise a respeito da qual, em tese, as Cortes superiores não gozariam de ampla
liberdade, bem como com o entendimento assente na doutrina e jurisprudência no
sentido de que o magistrado, ao aplicar o direito à espécie, não se vincula aos
fundamentos trazidos pelas partes ou acolhidos pelas instâncias que o precederam.

2. Origens da Súmula 456 do STF

Sob a égide da Constituição de 1934, surgiu o entendimento, a partir da interpretação


da redação do seu art. 76, (2), III, (a), 1 segundo o qual, cabia ao STF julgar, não apenas
as questões constitucionais e legais suscitadas no recurso que lhe havia sido submetido,
mas também a própria causa.

Esse entendimento do STF estabelecia-se à margem do disposto em seu Regimento


Interno em vigor à época, cujo art. 193, parte final, restringia o âmbito do julgamento
pela Corte, uma vez conhecido o recurso, “à questão federal controvertida”:

“Art. 193. No julgamento do recurso o Tribunal verificará preliminarmente se ocorre


algum dos casos em que o mesmo é facultado. Decidida a preliminar pela negativa, não
se tomará conhecimento do recurso; se pela afirmativa, julgará o feito, mas sua decisão,
quer confirme, quer reforme a sentença recorrida, será restrita à questão federal
controvertida”.

Miguel Francisco Urbano Nagib2 invoca, a propósito, o levantamento realizado por


Augusto Cordeiro de Mello sobre a disceptação então existente entre os ministros que
compunham o STF a respeito da interpretação do aludido art. 193 do RISTF à luz da
Constituição de 1946, em cujo art. 101, III, 3 repetiu o disposto no art. 76 da Carta
pretérita.

“O Min. Orosimbo Nonato entendia que acima do dispositivo regimental está a disposição
constitucional que manda que o STF decida a causa conhecido o recurso. E, ao seu ver,
‘só decidirá a causa, examinando os fatos, de que deriva o direito alegado’.

E argumenta: ‘Êste destaque impõe-se na preliminar do conhecimento. Quando, segundo


os fatos apurados soberanamente, a lei não foi ofendida, não se conhece do recurso, a
federal question fica inexaminada. Se, porém, o Tribunal conhece do recurso, passa a
‘decidir’ a causa. Esta ‘decisão’ embora circunscrita aos termos da decisão local há de
versar sobre o fato e o direito’” (RE 7.836, DJ 24.03.1950, p. 993).
Ainda o Min. Orosimbo Nonato no RE 14.458, julgado em 01.06.1950, assim se
pronunciou: “Constitucionalistas nossos, do mais elevado tomo, como Castro Nunes e
Francisco Campos, entendem que, no recurso extraordinário, o Supremo Tribunal julga a
causa, mas julga-a no plano inalterável de fato estabelecido pela justiça local.
Desabraço-me, entretanto, dessa douta opinião para entender que, conhecido o recurso,
o Supremo Tribunal julga a causa, como está na lei maior. Êsse julgamento abrange o
fato e o direito. Nem a aplicação do direito é possível sem a apreciação do fato, que o
origina: o facto jus oritur. (…”.

Nesse julgamento o Min. Hahnemann Guimarães considerou que “admitido ao


conhecimento da Turma o recurso extraordinário, transforma-se este Tribunal na
instância do mérito, em terceira instância de mérito, julgando inteiramente o caso.

A Constituição [1946] afirma-o expressamente, quando diz no art. 101, III: ‘Julgar em
recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância dos outros
tribunais ou juízes’. Conseguintemente, admitido ao conhecimento o recurso
extraordinário, a causa tem de ser julgada no mérito e elemento do mérito, condição da
ação, requisito da tutela jurídica, é a legitimidade para a causa. (…

Assim, parece-me que ao Supremo Tribunal é lícito, em grau de recurso extraordinário,


apreciar a legitimidade das partes ad causam, a legitimidade ativa ou passiva” (DJ
16.04.1952, p. 1968).

Decidiu o Tribunal Pleno, por acórdão de 12.10.1956 no RE 22.179 (embargos), relator o


Min. Edgard Costa, que “superada a preliminar do conhecimento do recurso
extraordinário, cabe ao Tribunal reexaminar a controvérsia, com ampla atribuição de
examinar os próprios fatos da causa, se entrosados com a questão federal”.

Também no RE 14.710 julgado em 21.12.1949, o Min. Edgard Costa já assim se


pronunciara: “Transposta a preliminar do conhecimento do recurso por qualquer dos
fundamentos especificados no dispositivo constitucional que o autoriza, a Turma julgará
a causa pelo seu merecimento, apreciando tôda a matéria debatida, provas e alegações
consideradas na instância local” (DJ 27.12.1951, p. 5047).

A partir do entendimento dos ministros do Pretório Excelso acima declinado, no sentido


de que caberia a essa Corte, ultrapassada a etapa de conhecimento, julgar a causa,
editou-se a Súmula 456 do STF, aprovada na Sessão Plenária de 01.10.1964, com a
seguinte redação:

“O STF, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à


espécie.”

Nos recursos referenciados como tendo dado origem à aludida Súmula, admitiu-se que o
STF, ao julgar a causa, poderia:

(i) determinar a aplicação do direito à espécie, julgando por fundamentos não invocados:
RE 46.988/SP;4

(ii) analisar material probatório quando indispendável para julgar a questão federal
envolvida: AG 23.496/MG;5
(iii) julgar por outro fundamento: RE 35.833/RS;6

(iv) determinar a aplicação de lei nova não prequestionada: RE 56.323/MG. 7

Nota-se, pois, o largo espectro que compreendia o conceito “julgar a causa” por ocasião
da edição dessa Súmula 456.

3. Condições para o julgamento da causa

Como se depreende da redação da Súmula 456/STF, haverá a Corte de ultrapassar a


etapa de conhecimento do recurso, para que a causa possa ser julgada.

“Conhecer” implicaria no reconhecimento prévio da ocorrência de qualquer das hipóteses


previstas nos arts. 102, III, e 105, III da CF, que autorizam o trânsito dos recursos
extraordinário e especial, respectivamente.

Teori Zavascki8 ressalta “que o verbo conhecer foi empregado na súmula, com um
sentido peculiar, que não pode ser confundido com o comumente adotado em relação
aos recursos ordinários”.

Esclarece esse ministro do STF que “conhecer” não significaria, ali, apenas superar
positivamente os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade. O verbo seria
empregado com significado mais abrangente, para agregar também uma importante
parcela de exame do próprio mérito recursal: a que diz respeito à existência ou não de
violação à norma constitucional ou à norma federal.

O julgamento dos recursos excepcionais se dividiria em três etapas sucessivas, cada


uma delas subordinada à superação positiva da antecedente:

(a) a do juízo de admissibilidade, semelhante ao dos recursos ordinários, no qual se


analisa a presença dos requisitos extrínsecos (tempestividade, preparo, regularidade
formal, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer) e intrínsecos
(cabimento, interesse em recorrer e legitimação para recorrer);

(b) a do juízo sobre o enquadramento nas hipóteses dos arts. 102, II e 105, III, e
respectivas alíneas (que na terminologia da Súmula 456 do STF compunha, o juízo de
conhecimento); e, finalmente, se for o caso,

(c) a do novo julgamento da causa.

Assim, se entenderem o STF e o STJ que os recursos extraordinário e especial são


cabíveis, respectivamente, conhecerão dos mesmos. Se entenderem que não são
cabíveis, deles não conhecerão, ainda que para chegar a tal conclusão, na hipótese de
recurso interposto com fundamento na letra a do permissivo constitucional, tenham tido
de examinar a alegação de ofensa a dispositivo da Carta ou da lei.9

Conhecendo do recurso, as Cortes Superiores procedem ao julgamento da causa. Nessa


fase, de acordo com a redação da Súmula 456 do STF, o Tribunal não se limitará às
questões veiculadas no recurso, podendo apreciar os demais aspectos necessários à
solução da demanda, provendo ou improvendo o recurso.
Assim se dá porque em nosso sistema, como esclarece Teori Zavascki, os recursos ditos
excepcionais não são recursos de pura cassação, assim considerados os que, quando
providos, devolvem o julgamento da causa à instância de origem. Cuidam-se de recursos
de revisão, o que significa que o próprio órgão competente para o seu julgamento
promoverá, quando for o caso, o novo julgamento da causa.

Tal se depreende do próprio texto constitucional que dispõe, explicitamente, que


“compete ao STJ (… III – julgar, em recurso especial, as causas decididas (…” (art. 105,
CF), dicção que é reproduzida em relação ao recurso extraordinário (art. 102, III, CF).

No mesmo sentido, Barbosa Moreira10 assenta que o STF e o STJ, conhecendo do


recurso, não se limitam a censurar a decisão recorrida à luz da solução que dê à
quaestio iuris, restituindo os autos ao órgão a quo, para novo julgamento. Fixada a tese
jurídica a seu ver correta, o tribunal aplica-a a espécie, isto é, julga a causa (rectius: a
matéria objeto da impugnação). Só quando o fundamento do recurso consista em error
in procedendo é que o STF e o STJ, ao dar-lhes provimento, anulam a decisão da
instância inferior e, se for o caso, fazem baixar os autos, para que outra ali se profira.
Salvo nessa hipótese, o acórdão do tribunal ad quem substitui, na medida em que
conheça da impugnação, a decisão contra a qual se recorreu.

A Súmula 456 do STF nada mais seria do que uma repetição de normas de idêntico
conteúdo então constantes nos regimentos internos do STF e do STJ, conforme segue:

Art. 324 do RISTF:11 “No julgamento do recurso extraordinário, verificar-se-á,


preliminarmente, se o recurso é cabível. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma ou
o Plenário não conhecerá do mesmo; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o
direito à espécie”.

Art. 257 do RISTJ: “No julgamento do recurso especial, verificar-se-á, preliminarmente,


se o recurso é cabível. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma não conhecerá do
recurso; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o direito à espécie”.

4. Do entendimento a respeito do alcance da Súmula 456 do STF

4.1 Possibilidade de conhecimento de matéria de fato nos recursos


excepcionais

Como mencionado, admitia-se nos julgados que deram origem à Súmula 456/ STF, o
reexame da matéria fática subjacente à demanda, uma vez ultrapassada a etapa do
conhecimento, para fins de rejulgar a causa em sua integralidade.

Como esclarece Miguel Urbano Nagib,12 cingia-se tal entendimento na ideia de que a
Constituição Federal, ao estabelecer a competência recursal extraordinária do STF e do
STJ – julgar as causas decididas em única ou última instância –, não podia tê-los privado
dos meios para desempenhar essa função. Assim, tanto ao STF como ao STJ teria sido
atribuído o poder de rejulgar as causas decididas pelas instâncias inferiores, isto é, as
próprias causas, e não só os fundamentos em que se escoraram as respectivas decisões.
De tal modo, a jurisdição recursal extraordinária não poderia ser cerceada pelas
limitações do instrumento que justamente proporcionaria o seu exercício. Afirma que a
circunstância de a parte não poder alegar matéria de fato ou de direito infra-
constitucional (federal ou local) para fundamentar o cabimento do recurso extraordinário
não poderia significar que as Cortes Superiores estariam impedidas de examinar tais
aspectos, se isto fosse necessário para o julgamento da causa.

Era essa a orientação dominante no Pretório Excelso até o julgamento do RE 67.284,


quando se decidiu conferir ao enunciado da Súmula 456 do STF, sentido diverso da
orientação adotada nos precedentes que lhe serviram de referência. 13

Cuidava-se, então, de recurso extraordinário interposto contra acórdão que julgara


improcedente ação revogatória de doação por descumprimento de encargo, sob o
fundamento de não haver sido o donatário constituído em mora por meio de
interpelação, notificação ou protesto.

O STF conheceu do recurso em razão da divergência e contrariedade ao art. 961 do CC,


afirmando a desnecessidade da interpelação. Contudo, ao invés de julgar desde logo a
causa – o que teria exigido a apreciação das provas relativas ao alegado
descumprimento do encargo, matéria não examinada pelo tribunal estadual –,
determinou o retorno dos autos à instância de origem a fim de que ali se prosseguisse
no julgamento da apelação.

A discussão que então se estabeleceu foi no sentido de ser possível separar-se do


julgamento de mérito da causa o reexame das provas dos autos. Prevaleceu o
entendimento no sentido de que só se aceita a apreciação das questões que mereceram
análise na Instância a quo, consignando-se que o STF no recurso extraordinário, não
deve examinar os fatos.14

Assim sendo, consignou-se que “não cabe, em princípio, ao STF, mesmo conhecendo do
RE, reexaminar os fatos assentados pela instância ordinária”.

Tal corrente encontra eco em expressiva parcela da doutrina e jurisprudência.

Efetivamente, argumenta-se que a finalidade dos ditos recursos excepcionais é de


assegurar a inteireza positiva, a validade, a autoridade e a uniformidade de
interpretação da Constituição e das leis federais. Assim, o espectro de sua cognição não
seria amplo, ilimitado, como nos recursos comuns, mas restrito aos lindes da matéria
jurídica invocável. De tal modo, não se prestariam ao reexame de matéria de fato,
presumindo-se ter sido esta dirimida pelas instâncias ordinárias, quando procederam a
subsunção do fato à norma de regência.

Sob essa perspectiva, grassam nas Cortes Superiores os seguintes enunciados:

Súmula 7 do STJ – “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso


especial”.

Súmula 279 do STF – “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.

Rodolfo de Camargo Mancuso15 pondera a respeito que, se ainda fossem cabíveis os


recursos especial e extraordinário para revisão de matéria fática, “teríamos o STF e o
STJ convertidos em novas instâncias ordinárias, e teríamos despojado aqueles recursos
de sua característica de excepcionalidade, vocacionados que são à preservação do
império do direito federal, constitucional ou comum”.

Assinala o mestre que a matéria de fato que, contudo, fica excluída do âmbito dos
recursos excepcionais é aquela cujo conhecimento pelas Cortes Superiores levaria a
mero reexame de prova, ou seja, aqueles casos em que não se prescruta o interesse no
contraste entre o decisum recorrido e um texto constitucional ou legal – “onde, na
verdade, o interesse do recorrente é, pura e simplesmente, infringir o julgado, objetivo
esse adequado aos recursos de tipo comum, que já foram ou poderiam ter sido
manejados oportuno tempore”.

Roberto Rosas16 corrobora esse entendimento, esclarecendo que “objetiva-se, assim,


impedir que as Cortes superiores entrem em limites destinados a outros graus. Em
verdade, as postulações são apreciadas amplamente em primeiro grau e vão,
paulatinamente, sendo restringidas para evitar a abertura em outros graus”. 17-18

Nelson Nery Junior,19 diferentemente, entende ser possível o reexame da prova dos
autos uma vez ultrapassado o conhecimento do recurso. Distingue, contudo, o juízo de
cassação do juízo de revisão. Afirma que o reexame de provas não é possível no juízo de
cassação, daí porque as partes não podem veicular no recurso especial ou extraordinário
a erronia no reexame da prova – “apenas o que estiver no corpo do acórdão é que será
possível de impugnação”.

Entretanto, no sentir do mestre, no juízo de revisão, por ser necessário que o Tribunal
julgue a lide em sua inteireza, seria possível o exame de todas as questões suscitadas,
ficando então livre para rever a causa:

“Aplicar o direito à espécie é exatamente julgar a causa, examinando amplamente todas


as questões suscitadas e discutidas nos autos, inclusive as de ordem pública que não
tiverem sido examinadas pelas instâncias ordinárias. É que removido o óbice
constitucional da causa decidida (CF, art. 102, III e 105, III) que só se exige para o juízo
de cassação, o STJ e o STF ficam livres para rever a causa.

O reexame de provas não é viável no juízo de cassação, mas é absolutamente normal e


corriqueiro no juízo de revisão.

Como o texto constitucional fala serem cabíveis os recursos extraordinário e


constitucional das causas decididas, apenas o que estiver no corpo do acórdão é que
pode ser objeto de impugnação pelas vias excepcionais dos recursos constitucionais.
Esses recursos não são meios ordinários de impugnação, e, portanto, não se configuram
como terceiro ou quarto grau de jurisdição.

Desta afirmação decorrem duas importantes consequências: A) é correta a exigência do


prequestionamento da questão constitucional ou federal (STF 282 e 356) porque se a
matéria não estiver no corpo do acórdão não terá sido decidida pelo tribunal local,
requisito mencionado pelo texto constitucional para o cabimento dos recursos
excepcionais. B) não incidem o CPC 267, § 3.º, e 301 § 4.º, de sorte que somente se a
questão de ordem pública tiver sido prequestionada é que poderá ser reexaminada no
recurso constitucional, não ocorrendo igualmente o efeito translativo de que falamos”.20
Partilha do mesmo entendimento Miguel Urbano Nagib, 21 para quem o estatuído na
Súmula 279 do STF não poderia se revestir em óbice ao julgamento da causa a partir da
análise dos fatos, sob pena de impedir a Corte de cumprir a sua missão
constitucionalmente assegurada, infringindo o disposto no art. 102, III:

“Mas, se a instância ordinária não houver assentado a premissa fática decisiva para o
julgamento da causa (…, o Tribunal deverá examinar a prova existente nos autos, sem
que daí advenha supressão de instância, cerceamento de defesa, quebra do contraditório
ou violação ao devido processo legal.

Será isto possível? Entendemos que sim. Nem a súmula 279, nem a Constituição
proíbem o STF de reexaminar os fatos da causa, desde que isto seja indispensável para
o seu julgamento – bem entendido: o julgamento da causa, e não o da questão
constitucional veiculada no recurso extraordinário. O que a súmula 279 estabelece é que
‘para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário’, e isto não se discute.

Uma coisa, porém, é dizer que o recurso é incabível para simples reexame de prova;
outra é dizer que o STF, depois de reconhecer que o recurso é cabível, não possa formar
um juízo originário sobre a prova, quando isto seja necessário ao julgamento da causa.
Em algumas situações – e a série de casos mencionada bem demonstra essa
possibilidade –, proibi-lo de formar esse juízo será o mesmo que impedi-lo de julgar a
causa, o que infringiria o art. 102, III, da Constituição.

Quem dá os fins dá também os meios. Se a Constituição deu ao Supremo competência


para julgar as causas decididas em única ou última instância, deu-lhe também,
forçosamente, o poder necessário para fazer esse julgamento”.

Afirma esse autor que as objeções de natureza processual-constitucional que se


poderiam levantar ao imediato julgamento da causa pelo STF seriam facilmente
respondíveis:

(a) não seria caso de supressão de instância, pois se supõe que a causa já tenha sido
julgada pela instância de origem;

(b) não haveria cerceamento de defesa, pois a oportunidade para produzir provas já
passou;

(c) não haveria quebra do contraditório, já que se cuidaria, unicamente, da aplicação do


direito aos fatos provados nos autos; e

(d) não haveria, por fim, violação ao devido processo legal, pois na aplicação do direito
aos fatos da causa consiste a própria essência da atividade jurisdicional.

4.1.1 Do exame dos fatos, tais como descritos no acórdão recorrido

Consoante acima exposto, a orientação prevalecente é a de que os tribunais superiores,


ao aplicarem o direito à espécie, não podem revolver os fatos e as provas produzidas
para verificar se ocorreram ou não do modo declinado pelo juízo a quo. É facultado
apenas extrair as consequências jurídicas dos referidos fatos, examinados tais quais
descritos na decisão recorrida.

Foi esse o entendimento manifestado pelo Min. Eduardo Ribeiro, inclusive com arrimo no
aludido precedente do STF no RE 67.284:

“Considero porém que a norma constitucional, a determinar o julgamento da causa pelo


STJ, deva ser interpretada dentro do sistema e em atenção às funções desta Corte. A
base empírica do julgamento será a oferecida pelas instâncias ordinárias. Salvo violência
à norma de direito probatório, os fatos a considerar serão os acertados no tribunal que
proferiu a decisão recorrida. Não se coaduna com o papel constitucional deste tribunal
sopesar provas. Tenho pois como adequados os parâmetros estabelecidos no julgamento
do RE 67.284. Se o julgamento da causa condicionar-se ao exame de provas para
verificar quais fatos serão considerados, deve a matéria ser devolvida à apreciação do
tribunal de origem”.22

Mais recente o seguinte precedente do Min. Humberto Martins, do qual se colhe a


ementa, em que se determinou a anulação do acórdão para que outro fosse proferido,
esclarecendo-se ponto relevante para o deslinde da controvérsia, à míngua do que, não
poderia o STJ analisar a causa, em razão da vedação de revolver matéria fática:

“Processual civil – Embargos declaratórios – Agravo regimental – Recurso especial –


Ação popular – Sucumbência – Causalidade – Art. 535, CPC – Omissão no acórdão na
origem – Verificação – Nulidade.

1. O acórdão embargado aplicou a teoria da causalidade para reconhecer, em ação


popular, o ônus dos réus ao pagamento de honorários advocatícios ante a revogação do
procedimento licitatório.

2. O embargante, desde as instâncias ordinárias, insistiu na tese de que se deveria


pronunciar sobre a distinção entre ato de revogação e ato de anulação do certame
licitatório. O Tribunal de Apelação, apesar de reconhecer o ato revogatório e, portanto,
fundado em conveniência e oportunidade da Administração, considerou a ação popular
como elemento causador da extinção da licitação. Assiste razão ao embargante, quando
impugnou ofensa ao art. 535, CPC; porquanto o acórdão na origem foi omisso quanto à
adequada caracterização do ato revogatório e as consequências reais da ação sobre a
atitude do Poder Público.

3. Excepcionalmente, concede-se eficácia infringente à espécie, ordenando-se o retorno


dos autos à origem, a fim de que esclareça esse ponto, que implica manifestação
específica sobre fatos e documentos, sobre os quais não pode o STJ emitir juízo.
Necessidade de que a lide venha ao STJ devidamente esgotada quanto aos elementos
probatórios, sob pena de se violar direito fundamental da parte.

Embargos declaratórios acolhidos, com efeitos infringentes, para determinar a nulidade


do acórdão e o retorno dos autos à origem para exame da questão impugnada”.23

Afirma José Miguel Garcia Medina 24 que, “por isso, podem as partes exigir do órgão a
quo, que se manifeste com precisão acerca dos fatos, já que sobre esses fatos, tal como
especificados na decisão recorrida, recairá o juízo de mérito dos recursos extraordinário
e especial”.
Teresa Arruda Alvim Wambier,25 destacando igualmente que o prequestionamento
presta-se a fazer com que conste da decisão a questão federal ou a questão
constitucional, anota que, para que os tribunais superiores possam fazer o reexame da
subsunção, ou seja, a reavaliar o processo subsuntivo em sentido lato, feito pelo tribunal
a quo, muitas vezes haveria a necessidade de se pedir para que integrem
expressamente a decisão aspectos do quadro fático em que se estribou a decisão
impugnada.

Isso porque, anota a mestre a respeito da Súmula 456 do STF, que o rejulgamento a
que alude, quando consistente no refazimento da subsunção, somente não ocorrerá se a
decisão recorrida não contiver os elementos necessários à compreensão das questões a
serem resolvidas, como por exemplo, a decisão proferida pelo juízo a quo que rejeita a
alegação do recorrente com fundamento apenas na não incidência de determinada
norma, sem retratar no acórdão, com exatidão, a “base empírica”, sobre a qual a mesma
incidiria.

De tal modo, se o juiz só incluiu, expressamente, na decisão de segundo grau, os fatos


em que efetivamente se baseou a solução normativa encontrada e não aqueles que
foram por ele desprezados, porque considerados, por exemplo, irrelevantes, ficaria
difícil, senão impossível, para a parte demonstrar, para fins de admissibilidade do
recurso excepcional, que a decisão deveria ser outra, porque outros fatos deveriam ser
levados em conta pela parte para decidir.

Argumenta ainda que se se tem considerado que a inadequação do decisum aos fatos
constantes dos autos é questão de direito e pode dar ensejo à interposição e ao
provimento dos recursos excepcionais, é necessário que a parte tenha o correlato direito
de ver incluídos na decisão os fatos que considera relevantes para que possa demonstrar
que outra conclusão seria a que deveria ter chegado o Tribunal a quo.

Para essa autora seria esse o sentido e o alcance da Súmula 456 do STF, relativamente
ao quadro fático:

“(… o rejulgamento da causa, a que se faz referência nessa súmula, deve ocorrer uma
vez flagrada a ilegalidade, mas com limitações relativas à impossibilidade de se reverem
fatos e de se reexaminarem provas. Em princípio os recursos especial e extraordinário
devem poder ser decididos sem que haja necessidade de que os autos sejam
reexaminados. Como regra geral os elementos para o rejulgamento da causa devem
constar da própria decisão recorrida”.

4.1.2 Ausência de completa descrição dos fatos na decisão recorrida

Ainda a propósito da descrição dos fatos, José Miguel Garcia Medina 26 aponta que pode
ocorrer que a questão de direito se relacione com uma questão de fato prejudicial ou
subordinada.

No seu entender, quando a questão de fato é prejudicial – isto – é, a compreensão da


questão de direito dependeria da correta fixação dos fatos – e há dúvidas sobre como
teriam ocorrido os fatos, o Tribunal Superior, em princípio, não julgará o mérito do
recurso, mas determinará a remessa dos autos ao juízo recorrido, para que se dê o
correto delineamento dos fatos, sobre os quais incidirá norma jurídica.

Nesse sentido a ementa do seguinte acórdão de lavra do Min. Luiz Fux, quando ainda
compunha o STJ:

“Processual civil e administrativo. Ação civil pública. Improbidade administrativa.


Indisponibilidade de bens. Momento em que foram adquiridos, caracterização como bem
de família e sequestro de indenização trabalhista. Aspectos fáticos não enfrentados pelo
tribunal a quo. Omissão. Violação ao art. 535, I e II do CPC – ocorrência – retorno dos
autos à instância de origem.

1. Ofende o art. 535, II, do CPC o acórdão proferido em sede de embargos de declaração
que não enfrenta questão ventilada nas razões do Agravo de Instrumento – interposto
contra decisão liminar proferida nos autos de Ação Civil Pública – e que não foi objeto de
discussão na formação do aresto recorrido.

2. Decretação de indisponibilidade e sequestro de bens por prática de ato de


improbidade administrativa praticado por diretor de instituição financeira.

3. A ausência de manifestação pela instância a quo quanto às indagações da parte que


implique análise de matéria fático-probatória, insindicável pelo STJ em sede de Recurso
Especial (Súmula 07/STJ), subtraindo da parte a última oportunidade de atacar essa
prova, com violação ao due process of law, impõe a nulidade do acórdão recorrido.

4. Necessária verificação dos fatos para a definição do momento em que foram


adquiridos os bens cuja indisponibilidade foi decretada; se caracterizam-se como bem de
família; e, se o sequestro incidiu sobre indenização trabalhista.

5. Recurso especial parcialmente provido, tão-somente, para determinar o retorno dos


autos ao Tribunal de origem para que se profira novo julgamento à luz das impugnações
do recorrente, prejudicada a análise das demais questões suscitadas”.27

Para José Miguel Garcia Medina,28 quando, por outro lado, a questão de fato é
subordinada, o Tribunal Superior fixará a inteligência da norma jurídica tida por
negligenciada e remeterá os autos ao juízo recorrido, para que este dê prosseguimento
ao julgamento da causa.

Justamente nessas hipóteses em que a solução da questão constitucional ou legal


veiculada no recurso é insuficiente para a solução da demanda, exigindo o julgamento
da causa a apreciação de premissa fática não estabelecida pela instância ordinária, é que
Miguel Urbano Nagib29 invoca a solução dada pela Suprema Corte nos casos dos recursos
extraordinários em que se discutia sobre a constitucionalidade do art. 35 da Lei
7.713/1988, que trata do imposto de renda devido pelo sócio cotista, acionista ou titular
de empresa individual.

Ao enfrentar a matéria, o STF acabou por fazer uma distinção que os Tribunais Regionais
Federais não vinham fazendo. Decidiu que o imposto (i) era devido, no caso das
sociedades por cotas de responsabilidade limitada, se o contrato social estabelecesse a
disponibilidade econômica ou jurídica imediata, pelos sócios, do lucro líquido apurado, na
data do encerramento do período-base; (ii) e não era devido se o contrato não
estabelecesse tal disponibilidade.

Como os Tribunais Regionais Federais não realizavam tal distinção, a premissa fática,
concernente à existência no contrato de cláusula relativa à disponibilidade do lucro, não
se encontrava delineada em grande número de processos: a questão só se tornara
juridicamente relevante a partir do aludido entendimento do STF sobre a
constitucionalidade do art. 35 da Lei 7.713/1988.

O Pretório Excelso, no julgamento do leading case,30 conheceu do recurso extraordinário,


e ao realizar a distinção mencionada, determinou que o tribunal de origem concluísse o
julgamento da causa, considerando, de um lado, a orientação fixada pela Corte, e, de
outro, a prova documental existente nos autos – isto é, a eventual existência, no
contrato social da empresa recorrida, organizada sob a forma de sociedade por cotas de
responsabilidade, de cláusula estabelecendo a disponibilidade imediata do lucro líquido
apurado.

Veja-se, o STF conheceu do recurso extraordinário, mas absteve-se de julgar a causa –


o que exigiria o exame da prova documental –, determinando que o Tribunal a quo o
fizesse nos termos da orientação por ele firmada. Para assim decidir, o Plenário se
baseou nos seguintes fundamentos, constantes do voto condutor do julgado:

“Por tudo, provejo parcialmente o recurso extraordinário. Havendo o Juízo e o TRF


declarado a inconstitucionalidade linear do art. 35 [da Lei 7.713/1988], não tendo
apreciado a causa considerado o contrato social da Recorrida, deixo de observar o
verbete 456 que integra a súmula da jurisprudência predominante desta Corte, segundo
o qual ‘o STF conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito
à espécie’. Faço-o em consideração ao devido processo legal, à defesa das partes,
porquanto, até aqui, não dirimida a lide à luz do citado contrato. Baixem os autos à
origem para o julgamento cabível”.

De fato, esclareceu o relator Min. Marco Aurélio que deixava de aplicar o disposto na
Súmula 456 do STF, posto que “o verbete pressupõe o julgamento da lide, consideradas
as peculiaridades exsurgidas nas instâncias anteriores, o que não ocorre no caso dos
autos. (… Por isso, entendo que a solução mais adequada para a hipótese concreta é a
baixa dos autos para julgamento da lide, assentados os contornos quanto à
inconstitucionalidade”.31

De tal modo, conhecendo o Pretório Excelso do recurso, só deve julgar a causa, como
determina a Súmula 456 do STF, se puder fazê-lo à luz das “peculiaridades exsurgidas
nas instâncias anteriores”. Na hipótese de o julgamento depender, contudo, de
premissas fáticas não estabelecidas pelo acórdão recorrido, deverá fixar a tese e
determinar que o tribunal inferior a aplique ao caso concreto.

No âmbito do STJ, colhe-se o seguinte precedente, de relatoria do E. Min. Castro Filho,


no qual S. Exa., anotando o entendimento da Corte no sentido da assistência judiciária
gratuita poder ser estendida às pessoas jurídicas – e, portanto, fixando a tese a ser
seguida –, igualmente determinou a remessa dos autos às instâncias originárias para a
análise “da plausibilidade do direito vindicado” ou seja, da prova da hipossuficiência:
“Processual civil. Embargos de declaração. Esclarecimentos. Assistência judiciária.
Deferimento a pessoa jurídica. Possibilidade. Necessidade de prova da insuficiência de
recursos. Questão afeta às instâncias ordinárias.

I – Consoante jurisprudência assente nesta Corte, o benefício da assistência judiciária


gratuita pode ser estendido às pessoas jurídicas, sejam elas empresariais ou sem fins
lucrativos, desde que comprovada, de forma inequívoca, sua impossibilidade de suportar
as despesas decorrentes do processo.

II – Em face à necessidade de ser provada a impossibilidade de a recorrente arcar com


os custos do processo sem prejuízo da própria manutenção, deverão os autos retornar
ao tribunal de origem, para que seja verificada a plausibilidade do direito vindicado.

Embargos acolhidos, apenas para aclaramento.

(…

Consoante jurisprudência assente nesta Corte, o benefício da assistência judiciária


gratuita pode ser estendido às pessoas jurídicas, sejam elas empresariais ou sem fins
lucrativos, desde que comprovada de forma inequívoca, sua impossibilidade de suportar
as despesas decorrentes do processo.

Assim delineada a questão, tenho que a solução alvitrada foi a que melhor se adequa à
situação dos autos, dada e necessidade de o ora embargante provar sua impossibilidade
de arcar com os custos do processo sem prejudicar a própria manutenção, razão pela
qual, na hipótese, a verificação da plausibilidade do direito vindicado está afeta às
instâncias ordinárias, já que, em sede de especial, é vedada a incursão nas
circunstâncias fáticas da causa (Súmula 7/STJ).

Pelo exposto, acolho os presentes declaratórios, apenas para prestar tais


esclarecimentos”.32

4.2 Da possibilidade de conhecimento de matérias de ordem pública

Parte da doutrina e da jurisprudência divisou no verbete 456 da jurisprudência


dominante do STF a ideia de que os Tribunais Superiores poderiam, vencido o juízo de
admissibilidade, conhecer das matérias de ordem pública, ainda que não decididas pela
decisão recorrida.

Nesse sentido, Nelson Luiz Pinto 33 consigna que, “uma vez admitido o recurso, não
importando por qual dos fundamentos constitucionais, o STF ou o STJ rejulgará a causa
ou a questão decidida no acórdão recorrido, na sua plenitude, substituindo-o”.

Afirma esse autor que, consoante a disposição legal do art. 267, § 3.º, do CPC, deve ser
dispensado o prequestionamento das questões de ordem pública – no seu entender
essencialmente os vícios ligados à falta das condições da ação e os pressupostos
processuais positivos de existência e de validade do processo, bem como os
pressupostos processuais negativos –, impondo-se ao STJ, até mesmo de ofício,
conhecer dessas questões, evitando-se assim o trânsito em julgado de uma decisão
viciada, e a decorrente propositura da ação rescisória (art. 485, V, do CPC).

Anota ainda que as condições da ação e os pressupostos processuais devem, necessária


e obrigatoriamente, serem objeto de exame ex officio por qualquer juiz ou Tribunal,
antes de se adentrar o julgamento do mérito, independentemente de ter havido ou não o
requerimento das partes. Desse modo, no seu entender, “pode-se dizer que essas
matérias de ordem pública por força de lei, implicitamente prequestionadas em toda e
qualquer decisão de mérito”.34

Egas Dirceu Moniz de Aragão,35 por seu turno, ressalta que:

“Há, porém, limite a essa possibilidade, que resulta da natureza do recurso: somente os
que são considerados ordinários contendo devolução integral, poderão ensejá-la. O
recurso extraordinário e o recurso especial, que subordinam a atuação do STF e do STJ
aos pressupostos constitucionais de sua admissibilidade, nem sempre ensejarão essa
apreciação, sendo necessário fazer distinção entre a fase de conhecimento e a do
julgamento, propriamente dito, sem o que não se poderia chegar a bom resultado.”

Isso porque justamente, no entender do Mestre, vencida, no julgamento do recurso


extraordinário ou do recurso especial, a fase do conhecimento durante o qual os poderes
do tribunal ficam restritos à investigação da ocorrência de alguns dos motivos que a
Constituição indica como capazes de justificar o recurso, o STF e o STJ, ao passarem a
decidir o recurso, julgam a causa aplicando o direito à espécie, nos termos das
disposições regimentais de ambas as Cortes (RISTF, art. 330, RISTJ, art. 257).

Nessa etapa, afirma o Moniz de Aragão, com arrimo em precedentes do STF 36 e do STJ,37
“ficará livre ao Tribunal apreciar a presença dos pressupostos processuais e das
condições da ação, sem o que lhe seria impossível aplicar o direito à espécie, conforme
dispõem as regras regimentais”.38

Colhe-se ainda a posição do ministro aposentado do STJ Ruy Rosado de Aguiar em que
afirma que a questão de ordem pública, só por isso, não dispensa o requisito do
prequestionamento. Isso significaria alterar substancialmente o sistema recursal
desenhado na Constituição, transformando o STJ em tribunal de revisão ordinária dos
julgados dos tribunais locais, desfigurando a sua posição, aumentando ao infinito o
número dos recursos e permitindo o uso abusivo das nulidades guardadas, a serem
suscitadas depois de vencida a instância ordinária.

No entanto, no entender do ministro, a sua apreciação acontecerá sem


prequestionamento, quando necessária para aplicação do direito à espécie, no recurso
conhecido por outro fundamento. A esse respeito ressalva:

“Reconheço lisamente a existência da controvérsia e a evidente colisão de princípios (daí


a razoabilidade de qualquer das posições adotadas), mas parece preferível a solução
aceita pela corrente por último exposta acima”.39

Rogério Licastro Torres de Mello partilha desse entendimento e acrescenta que “em
tempos de processo civil orientado à eficácia e à maximização de resultados, esta nos
parece a orientação correta, especialmente porque pode prevenir, inclusive, a
propositura de ações autônomas de impugnação da coisa julgada por conta de vícios de
ordem pública”.40

Releva ainda citar o entendimento de Paulo Henrique dos Santos Lucon 41 no sentido de
que, “para o juiz, a preclusão não pode ser causa de perpetuação de injustiças. Em
determinadas situações excepcionais, e dentro dos poderes que lhe são conferidos,
torna-se imperativo afastar a preclusão”.

Reconhecendo a relevância da matéria, preconiza o professor que o requisito do


prequestionamento deve comportar temperamentos no caso em análise e, para tanto,
sugere que:

(a) a parte não pode ser penalizada pela decisão que deixou de enfrentar a questão
federal ou constitucional, embora tendo sido o tribunal a quo regularmente provocado
por todos os meios que a lei lhe outorga, inclusive com a oposição dos embargos de
declaração, porque “entendimento contrário é tornar o processo fonte autônoma de
direitos, o que somente é possível em relação à sucumbência”. Assim poderia o STJ
conhecer do recurso especial em face da violação ao art. 535 do CPC, tal como se a
matéria tivesse sido prequestionada, pois, com o advento do art. 515, § 3.º, do CPC,
torna-se desnecessária a anulação do acórdão recorrido para que outro seja proferido,
com o devido prequestionamento da matéria;

(b) a aplicação do entendimento contido na súmula do STF 456 (o STF, conhecendo do


recurso extraordinário, julgará a causa aplicando o direito à espécie), o que ensejará a
apreciação de ofício das matérias não disponíveis e de ordem pública no recurso
extraordinário e a aplicação da Súmula 528 (se a decisão contiver partes autônomas, a
admissão parcial, pelo Presidente do Tribunal a quo, de recurso extraordinário que sobre
qualquer delas se manifestar, não limitará a apreciação de todas pelo STF,
independentemente de interposição de recurso extraordinário), eis que, comprovado o
“enfrentamento explícito de um dos dispositivos legais violados, nada impede que o STJ
e o STF, os órgãos responsáveis pela preservação da ordem legal e constitucional,
apreciem as demais violações”; e

(c) evite-se a total inutilidade da decisão proferida pelo órgão jurisdicional, ou a nulidade
absoluta ou a inexistência do processo, porque apreciar o mérito antes do exame dessas
matérias “constitui equívoco inadmissível”.42

Para Teresa Arruda Alvim Wambier,43 o tribunal haveria de ficar adstrito a redecidir com
os dados constantes da decisão. Assim, como regra geral, se o recurso tiver
ultrapassado o juízo de admissibilidade, nem por isso as portas estarão abertas para o
tribunal examinar matéria devolvida em sua profundidade.

Afirma a mestre:

“A nosso ver, todavia, a situação não seria substancialmente diferente do que ocorre
com a apelação. O vício da falta de condições de ação na apelação também pode ser
conhecido no tribunal, depois de exercido, com resultado positivo, o juízo de
admissibilidade”.

No seu sentir, “os recursos especial e extraordinário não geram assim, efeito translativo
ou não tem o efeito devolutivo que deles decorre a dimensão vertical”.
No âmbito do STJ encontram-se arestos nos quais vêm se entendendo, justamente com
arrimo no enunciado 456 do STF, ser possível ao tribunal, conhecer de ofício da matéria
de ordem pública, aplicando o direito à espécie, uma vez superada a fase de
conhecimento.

Nesse sentido merece destaque acórdão de lavra da Min. Eliana Calmon, 44 no qual
colacionou tanto precedentes daquela Corte a respeito da possibilidade de conhecimento
da matéria de ordem pública quando vencida a etapa do conhecimento, 45 como
precedentes em que, inobstante não se tenha analisado tal possibilidade, tenha
justamente aplicado de ofício o direito à espécie. 46 Ressalvou a Min. Eliana Calmon, que
“não se afasta o prequestionamento, porque se assim fosse deixaríamos de ter no
especial um recurso técnico para transformá-lo em um recurso de revisão,
descaracterizando, por completo, a finalidade constitucional do próprio STJ”.

Contudo:

“(… aberta a via especial pelo conhecimento, cabe ao relator examinar as questões de
ordem pública, para evitar perplexidades.

O entendimento é exato na medida em que se pretende fazer do processo instrumento


de resultado para a adequada aplicação do direito, mesmo com o compromisso de
seguir-se a técnica de um recurso que, como diz o próprio nome, é especialíssimo”.

O Min. Castro Meira, no voto que proferiu no REsp 485.969, afirmou entender que “a
dicção constitucional – decisão recorrida – exige apenas que o recurso tenha sido
conhecido, permitindo que o julgador possa examinar a causa com liberdade, aplicando o
direito à espécie”.47 Em arrimo à sua tese, destacou precedente da Primeira Seção em
que a Corte consagrou tese não contemplada pela divergência por ocasião do julgamento
do EREsp 423.994/MG:

“A 1.ª Seção desta Corte, por ocasião do julgamento do EREsp 423.994/MG


(08.10.2003), decidiu de modo a consagrar tese não contemplada nos Embargos de
Divergência. Cuidava-se, na hipótese, de discussão relativa à contagem do prazo
prescricional, em que se colocavam em confronto, de um lado, a prescrição decenal e,
de outro, a prescrição quinquenal contada a partir do trânsito em julgado da decisão do
STF que declara a inconstitucionalidade do tributo em que se funda a ação.

Naquele julgamento, ante a possibilidade de conferir-se efeito expansivo ao recurso em


situações excepcionais, firmou-se orientação no sentido de que a contagem do prazo
prescricional tem início na data em que publicada a Resolução do Senado que suspende
a eficácia da exação, contemplando, portanto, tese não discutida nos Embargos de
Divergência. À semelhança, na hipótese dos autos, conhecido o apelo extremo por outro
fundamento, fica o órgão julgador livre para apreciar questões de ordem pública, cujo
conhecimento independe de provocação das partes, abrindo espaço para que o recurso
produza seu efeito expansivo”.

Colhe-se, mais recentemente, precedente da Corte Especial do STJ, 48 em que se


consignou não ser possível examinar questões de ordem pública, caso não haja o
indispensável prequestionamento. Afirmou-se que, ainda que tenha o recurso sido
admitido por outro fundamento, não seria possível examinar uma questão de ordem
pública ou um fato superveniente, se não houver prequestionamento a seu respeito.

Entretanto, posteriormente a esse precedente, verifica-se julgado unânime da Primeira


Turma, no qual se reiterou a possibilidade de conhecimento de conhecimento de ofício
de questões de ordem pública, com arrimo no estatuído pela aludida Súmula 456 do
STF.49

4.3 Iuria novit curia. Possibilidade de conhecimento de outros fundamentos

Segundo essa corrente, ultrapassado o exame de admissibilidade, deve o tribunal, ao


realizar o exame de mérito do recurso, examinar outros fundamentos jurídicos, ainda
que não suscitados expressamente pelo recorrente e recorrido, e, até mesmo, não
examinados expressamente pela decisão impugnada.

José Miguel Garcia Medina50 ressalva que se aplica tal orientação apenas em relação aos
fundamentos jurídicos, já que os tribunais julgam a causa “aplicando o direito à espécie”,
atentando à descrição dos fatos, tal como estabelecidos na decisão recorrida.

Athos Gusmão Carneiro51 levanta a seguinte problemática: o pedido da parte finca-se em


três fundamentos suficientes e, diante do acolhimento de apenas um deles, sem
manifestação seja do Magistrado seja das partes sobre os demais, poderiam as Cortes
Superiores deles conhecer?:

“Suponhamos, assim, que o pedido formulado pelo autor repouse em três fundamentos:
‘A’, ‘B’ e ‘C’, cada um deles afirmado suficiente. O juiz afirma a demanda procedente
pelo fundamento ‘A’, e se abstém (aliás, a sentença não é obra de doutrina) de examinar
os fundamentos ‘B’ e ‘C’. Ao autor, já vitorioso na demanda, por certo não assistirá
interesse jurídico em apelar para que sejam examinados o segundo e o terceiro
fundamentos. Interesse assiste ao réu sucumbente, e este apela impugnando aquele
fundamento que serviu de arrimo à sentença, ou seja, o fundamento ‘A’.

Em tal hipótese, poderá o tribunal de segundo grau (provocado, ou não, pelo autor em
suas contrarrazões) examinar também os fundamentos ‘B’ e ‘C’? Sim, nos termos do art.
515, § 2.º, do CPC. Mas suponhamos que o colegiado venha a reformar a sentença,
considerando improcedente o fundamento ‘A’, sem todavia efetuar o exame dos
fundamentos ‘B’ e ‘C’; estes, assim, não estarão prequestionados.

O autor, então, interpõe recurso especial, invocando divergência jurisprudencial no


alusivo ao fundamento ‘A’. O STJ conhece do recurso, pelo alegado dissídio, mas ao
mesmo nega provimento, por considerar correta a tese sustentada pelo acórdão
recorrido; e, ao fazê-lo, a Turma não examina os fundamentos ‘B’ e ‘C’.

Quid juris? Não estará incompleta a prestação jurisdicional, eis que para a incidência da
norma legal não foram considerados os fatos da causa, não foi apreciada a lide (tal como
posta na inicial e na contestação) em sua integralidade? Terá o Tribunal aplicado ‘o
direito à espécie’, na forma regimental e sem violar o direito fundamental do pleno
acesso à Jurisdição?”

Invoca a respeito o entendimento do Min. Eduardo Ribeiro manifestado no julgamento da


AR 579, no qual assentou que, ao julgar a causa, cabe ao STJ o exame de temas que
não foram objeto do especial, sob pena de o tribunal, ao abster-se de decidir, negar a
jurisdição, pois o autor não teria examinada, em momento algum, parte da causa
petendi que deduzira”:

“Conhecido o recurso especial, dispõe a norma ali contida, julgar-se-á a causa, com
aplicação do direito à espécie. Para que isso seja possível fazer, pode tornar-se
indispensável o exame de temas que não foram objeto do especial. É o que ocorre
quando o pedido tenha dois fundamentos. Acolhido um deles, em segundo grau, com a
consequente procedência da ação, o outro poderá ficar sem exame, dado que isso será,
do ponto de vista prático, inteiramente desnecessário. Ao autor, que obteve tudo o que
pretendia, nada importando se por um ou por dois fundamentos, não é dado recorrer,
por faltar-lhe interesse. Conhecido o especial, por entender-se que contrariada a lei, não
se pode deixar de examinar o fundamento que não o fora. O que era despiciendo deixou
de sê-lo. Abster-se o tribunal de decidir se, pela outra razão, teria o direito o autor,
importa negar jurisdição. O autor não teria examinada, em momento algum, parte da
causa petendi que deduzira.

Observe-se, ainda, que este Tribunal não é Corte de Cassação. Se o fosse, estabeleceria
o princípio jurídico a ser aplicado e determinaria que tribunal inferior proferisse nova
decisão. Em nosso sistema, isso não ocorre. Este Tribunal é Corte de revisão e, não
sendo caso de anular-se o julgado, cabe-lhe substituí-lo pelo seu. Esta orientação, aliás,
tem sido seguida pelas duas Turmas que integram esta Seção”.52

No mesmo diapasão, o julgamento do EREsp 20.645, em que reafirmou a Segunda


Seção que, “conhecido o recurso especial, o Tribunal deve aplicar o direito à espécie
(RISTJ, art. 257), tenham ou não as respectivas contrarrazões se reportado à questão
influente no desate da lide, oportunamente ativada nas instâncias ordinárias”.53

Oportunas ainda as ponderações do Min. Menezes Direito no voto-vista que proferiu no


precedente acima mencionado da 2.ª Seção do STJ:

“O especial interposto cuidou somente do prazo de prescrição de cinco anos. E a


resposta limitou-se a enfrentar a questão posta, não cuidando de desafiar a segunda
linha de defesa, que pôs perante as instâncias ordinárias. Acontece que uma vez
conhecido o especial e derrubada a primeira linha de defesa, deve a Corte decidir a
causa por inteiro, como alinhado no paradigma, não podendo escapar do exame da
outra linha de defesa existente nas instâncias ordinárias. A ser diferente, estaria a Corte
a julgar a causa sem o exame dos direitos postos por uma das partes, que para se
defender apresentou fundamentos diversos, na crença de que, embora destruído um
deles, o outro teria força suficiente para levar ao mesmo resultado favorável. Pelo
sistema brasileiro, o recurso especial, quando conhecido, devolve ao tribunal a
competência para julgar a causa, aplicando o direito à espécie. A vedação existiria se,
efetivamente, a parte houvesse trazido a questão apenas no especial, não tendo sido a
mesma ventilada em nenhuma oportunidade nas instâncias ordinárias.

Não me impressiona o fato de não constar das contrarrazões do recurso especial o


fundamento que não foi desafiado pelo acórdão recorrido. E não me impressiona porque
a parte, nessas circunstâncias, deve enfrentar as razões postas no recurso, não sendo a
resposta um contra-recurso” (grifo nosso).

Esse entendimento foi reiterado pela Corte Especial do STJ, que apreciou causa de pedir
constante da exordial, embora o acórdão recorrido não tivesse a respeito se
manifestado:

“Embargos de divergência. Recurso especial. Técnica de julgamento.

1. Se o Tribunal local acolheu apenas uma das causas de pedir declinadas na inicial,
declarando procedente o pedido formulado pelo autor, não é lícito ao STJ, no julgamento
de recurso especial do réu, simplesmente declarar ofensa à Lei e afastar o fundamento
em que se baseou o acórdão recorrido para julgar improcedente o pedido.

2. Nessa situação, deve o STJ aplicar o direito à espécie, apreciando as outras causas de
pedir lançadas na inicial, inda que sobre elas não tenha se manifestado a instância
precedente, podendo negar provimento ao recurso especial e manter a procedência do
pedido inicial”.54

De fato, o STJ, com arrimo na aludida Súmula 456/STF, já teve a oportunidade de


aplicar o direito à espécie, acolhendo fundamento:

(i) que não havia sido diretamente apreciado pelo Tribunal de origem; 55

(ii) que não havia sido suscitado por quaisquer das partes 56 e nem objeto do recurso
especial;57

(iii) que sequer estava em vigor por ocasião da prolação do acórdão recorrido e da
interposição do recurso especial, posto que a lei ainda não havia sido editada.58

No âmbito do STF, verifica-se o precedente do RE 298.694/SP, no qual o Pleno, por


maioria, manteve o acórdão recorrido com fundamentação diversa daquela utilizada no
Tribunal de origem: o TJSP havia julgado com base no art. 5.º, XXXVI, e o STF manteve
o aresto com base no disposto no art. 37, XV, da CF.

O Min. Ayres Britto acompanhou o relator, Min. Sepúlveda Pertence, afirmando


expressamente que “nada na Constituição, nada na lógica jurídica autoriza a
inaplicabilidade do iura novit curia às decisões da Casa, em sede de recurso
extraordinário”. Assentou que não seria a extraordinariedade do recurso que seria apta a
forçar o STF a restringir o seu próprio âmbito de apreciação da matéria.

O Min. Cezar Peluso, ao aderir à tese, sustentou que no juízo de mérito, o Tribunal não
pode estar vinculado ao fundamento constante do acórdão recorrido ou àquele que o
recorrente invoque no recurso extraordinário, sob pena de renúncia à sua própria função
constitucional e, portanto, à ordem jurídica em si, eis que impedido de velar pela
Constituição, em sua inteireza:

“Considero que interpretação restritiva quanto à profundidade do efeito devolutivo do


extraordinário implica duas graves contradições, muito bem percebidas por S. Exa. A
primeira é a contradição imediata com a função constitucional do Supremo, que é a de
velar pela mesma Constituição, na sua inteireza. Não é possível, sem renúncia a tal
função admitir que esta Corte esteja impedida de reconhecer a incidência de certa norma
constitucional, sob o singelo fundamento de que não teria sido invocada nas razões ou
nas contrarrazões do recurso extraordinário.

E a segunda, mais grave que a primeira, que já é gravíssima, parece-me ser a


contradição com a ordem jurídica em si, porque não consigo conceber como o STF possa
modificar o conteúdo de uma decisão, com base no argumento de que teria havido
ofensa a determinada regra ou princípio constitucional, quando esteja claríssimo, os
autos, que esse mesmo conteúdo decisório deva subsistir pela aplicação de outra norma
ou princípio constitucional, incidente sobre os fatos da causa. Noutras palavras, o STF
estaria, em tal conjuntura, modificando o teor de decisão que reconhece estar conforme
a Constituição”.

Miguel Urbano Nagib,59 por seu turno, afirma que se se entende que as Cortes
superiores, ao reconhecerem que a decisão recorrida incidiu numa das hipóteses
previstas nos arts. 102, III e 105, III, da Constituição, deve julgar a causa; e se o
julgamento da causa deve ser feito à luz de todo o ordenamento jurídico – pois nenhuma
causa pode ser julgada sem a potencial consideração de todas as leis existentes no país,
e não seria imaginável que a Constituição fosse atribuir logo ao STF ou ao STJ uma
jurisdição mutilada.

5. Conclusão

Se o processo deve ser compreendido como instrumento de realização de valores


constitucionais, constituindo, pois, autêntica ferramenta de natureza pública
indispensável para a realização da justiça e da pacificação social, e não simplesmente
mera técnica, não se admite que os julgadores, na aplicação do direito à espécie
olvidem-se desse nobre escopo.

Esse entendimento haverá de refletir-se no conteúdo do ato jurisdicional e na maneira


como o processo é conduzido.

Assim, embora consideradas as especificidades da jurisdição especial e as limitações dos


recursos ditos excepcionais, entende-se como desejável que, uma vez ultrapassada a
etapa de admissibilidade do recurso, possam as Cortes Superiores aplicar o direito à
espécie, seja relativamente a fundamentos novos, não suscitados pelas partes ou pelo
próprio acórdão recorrido, seja relativamente às matérias de ordem pública que
condicionam a prestação da própria tutela jurisdicional.

O formalismo, também em si elemento de segurança jurídica, deve ser temperado


consoante imperativos éticos, regras utilitárias e postulados políticos. De tal modo, há de
se ponderar os direitos fundamentais e o bem protegido pela lei restritiva, prevalecendo,
na hipótese específica, a interpretação que confira maior proteção e efetividade ao
direito fundamental.

Sendo da competência do STF e do STJ a aplicação da legislação constitucional e


infraconstitucional, respectivamente, não podem se furtar essas Cortes de conhecer da
ação em toda a sua inteireza e aplicar os dispositivos pertinentes à matéria, pois não é
razoável que atuem em proposição contrária à sua função precípua, violando garantias
também constitucionalmente asseguradas.

6. Referências bibliográficas

AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Recurso especial: questão de ordem pública.
Prequestionamento. Revista de Processo. ano 31. vol. 132. p. 273-288. São Paulo: Ed.
RT, fev. 2006.

ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Questão de fato e questão de direito. Revista da


Academia Paulista de Direito. vol. 3. n. 2. p. 235-256. jan.-jun. 2012.

______. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Ed.
RT, 2008.

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 16. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2011. vol. 5.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso especial, agravo e agravo interno. 5. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2008.

LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Recurso Especial: ordem pública e


prequestionamento. In: YARSHELL, Flávio Luiz. Estudos em homenagem à Prof. Ada
Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ Editora, 2005.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 10. ed. rev.,
ampl. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2007.

MEDINA, José Miguel Garcia Medina. Prequestionamento e repercussão geral. 5. ed. rev.
e atual. São Paulo: Ed. RT, 2009.

MELLO, Rogério Licastro Torres de. Recurso especial e matéria de ordem pública:
desnecessidade de prequestionamento. Revista de Processo. ano 32. vol. 151. p. 335-
344. São Paulo: Ed. RT, set. 2007.

MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de


Janeiro: Forense, 1998. vol. 2.

NAGIB, Miguel Francisco Urbano. Simultaneidade de recursos mais atrapalha que ajuda.
Disponível em: [www.conjur.com.br/2010-fev-01/simultaneidade-recursos-stf-stj-
atrapalha-ajuda].

NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: Ed. RT, 2004.

ORTIZ, Mônica Martinelli. Âmbito da cognição das questões de ordem pública nos
tribunais superiores e exigência de prequestionamento. Revista de Processo. ano 30. vol.
128. p. 175-184. São Paulo: Ed. RT, out. 2005.

PINTO, Nelson Luiz. Juízo de admissibilidade do recurso especial. São Paulo: Malheiros,
1992.

ROSAS, Roberto. Direito sumular: comentário às súmulas do Supremo Tribunal Federal e


do Superior Tribunal de Justiça. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

ZAVASCKI, Teori. Jurisdição Constitucional do Superior Tribunal de Justiça. Revista de


Processo. ano 37. vol. 212. p. 13-24. São Paulo: Ed. RT, out. 2012.
   
1. “Art. 76. A Corte Suprema compete: (…2) julgar: (…

III – em recurso extraordinário, as causas decididas pelas Justiças locais em única ou


última instância:

a) quando a decisão for contra literal disposição de tratado ou lei federal, sobre cuja
aplicação se haja questionado;

b) quando se questionar sobre a vigência ou validade de lei federal em face da


Constituição, e a decisão do Tribunal local negar aplicação à lei impugnada” (Disponível
em: [www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao34.htm]. Acesso
em: 06.06.2014).

 
2. NAGIB, Miguel Francisco Urbano. Simultaneidade de recursos mais atrapalha que
ajuda. Disponível em: [www.conjur.com.br/2010-fev-01/simultaneidade-recursos-stf-stj-
atrapa-lha-ajuda].
 
3. “Art 101. Ao STF compete: (…III – julgar em recurso extraordinário as causas
decididas em única ou última instância por outros Tribunais ou Juízes:

a) quando a decisão for contrária a dispositivo desta Constituição ou à letra de tratado


ou lei federal;

b) quando se questionar sobre a validade de lei federal em face desta Constituição, e a


decisão recorrida negar aplicação à lei impugnada” (Disponível em:
[www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao46.htm]. Acesso em:
06.06.2014).

 
4. STF, RE 46.988/SP, Pleno, j. 31.07.1961, rel. Min. Gonçalves de Oliveira, DJU
20.11.1961.
 
5. STF, AI 23.496/MG, 2.ª T., j. 14.07.1961, rel. Min. Victor Nunes, DJU 06.09.1961.
 
6. STF, RE 35.833/RS, 2.ª T., j. 28.11.1961, rel. Min. Victor Nunes, DJU 11.01.1962.
 
7. STF, RE 56.323/MG, Pleno, j. 01.10.1964, rel. Min. Victor Nunes, DJU 05.11.1964.
 
8. ZAVASCKI, Teori. Jurisdição constitucional do Superior Tribunal de Justiça. RePro
212/13.
 
9. Teresa Arruda Alvim Wambier anota a possibilidade de que haja certa dose de
sobreposição entre o juízo de admissibilidade e de mérito. Nota ainda que o juízo de
inadmissibilidade, quando se trata de recursos de fundamentação vinculada, é muito
frequentemente um juízo de não provimento do recurso, proferido como resultado de
cognição exauriente (certeza) quando à inexistência de fundamento invocado. O Juízo de
inadmissibilidade seria assim um juízo definitivo de certeza quanto à inviabilidade do
provimento do recurso, muitas vezes por razões de mérito; já o juízo de admissibilidade
envolveria sempre um juízo de viabilidade – possibilidade, não em tese, mas diante do
caso – de que àquele recurso se dê provimento (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa.
Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Ed. RT,
2008. p. 248).
 
10. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 16. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2011. vol. 5, p. 601.
 
11. Tratava-se da redação original do art. 324 do STF. O texto foi alterado com a
introdução da Emenda regimental 31/2009 para constar com a seguinte redação:“Art.
324. Recebida a manifestação do(a) Relator(a), os demais Ministros encaminhar-lhe-ão,
também por meio eletrônico, no prazo comum de vinte dias, manifestação sobre a
questão da repercussão geral.

§ 1.º Decorrido o prazo sem manifestações suficientes para recusa do recurso, reputar-
se-á existente a repercussão geral”.

 
12. Op. cit.
 
13. STF, RE 67.284, 2.ª T., j. 29.09.1969, rel. Min. Thompson Flores, DJU 25.02.1970.
 
14. Transcreva-se da decisão proferida nesse julgamento trechos do debate e dos votos
proferidos pelo Min. Thompson Flores, Eloy da Rocha, Themistocles Cavalcanti e Adaucto
Cardoso:“O Senhor Ministro Eloy da Rocha: Sr. Presidente, a Súmula 456 enuncia o
princípio: “o Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a
causa, aplicando o direito à espécie.”

Quando se cuida de preliminar sobre questão de prescrição, questão de carência de


ação, provido o recurso, volta o conhecimento da causa à instância ordinária. Mas, no
caso, o eminente Relator examinou a questão de mérito.

O Senhor Ministro Thompson Flores (Relator): O primeiro andaime do mérito.

O Senhor Ministro Eloy Da Rocha: (… a constituição em mora ou não. S. Exa. julgou que
o devedor ficou constituído em mora (…. S. Exa., assim, entrou no exame e julgamento
do mérito. A esta questão de mérito acrescentam-se outras, como a de saber se
realmente não foi cumprido o encargo. Esta parte S. Exa. deixa para a instância
ordinária. Pergunto: será possível separar-se o julgamento do mérito? Tenho dúvida a
êsse propósito.

O Senhor Ministro Thompson Flores (Relator): Procede, por inteiro, a dúvida do


eminente Ministro Eloy da Rocha. Ela também me angustiou. É porque a Súmula 456
não tem merecido pacífica exegese por parte do Supremo Tribunal Federal, julgados há
que admitem que o conhecimento do recurso devolve, totalmente ao Supremo Tribunal
Federal o conhecimento das questões; outros há mais reservados.

Filio-me à corrente mais discreta, a qual só aceita a apreciação das questões que
mereceram consideradas na Instância a quo. Pensar de outra maneira seria admitir
julgamento em instância única e na fase extraordinária. (…

O Senhor Ministro Eloy da Rocha: Sr. Presidente, proponho que se vote a preliminar:
saber se, conhecendo do recurso, a Turma julgará a causa, ou somente parte. Fundou-
se o pedido, primeiramente, em que houve mora de pleno direito, porque a obrigação
era negativa. Em segundo lugar, em que a donatária não cumpriu o encargo, cabendo,
em conseqüência, a revogação. O Tribunal local apreciou a primeira questão. O eminente
Relator conhece do recurso e lhe dá provimento, por entender que a decisão importou
em negativa de vigência de lei, mas não examina a segunda questão.

O Senhor Ministro Thompson Flores (Relator): Senhor Presidente, entendo que não
posso ir além. Gostaria de fazê-lo, atento ao princípio da economia processual. Negaria,
porém, o princípio da dupla instância. E com ele prefiro ficar.

(…

O Senhor Ministro Themistocles Cavalcanti: Acompanho o eminente Relator, porque o


exame do mérito envolve matéria de fato que, a meu ver, não cabe no recurso
extraordinário.

O Senhor Ministro Eloy Da Rocha: – Sr. Presidente, data venia, mantenho o meu ponto
de vista. Assiste razão ao eminente ministro Adauto Cardoso quando afirma que o
Supremo Tribunal Federal no recurso extraordinário, não deve examinar os fatos. Essa
matéria, apreciada pela instância ordinária, não será objeto de revisão no recurso. Por
outro lado, tenho como princípio certo que, no momento em que STF conhece, em grau
de recurso extraordinário, do mérito, passa a examinar os fatos.

O eminente relator conhece do recurso. Entendo que, no caso, o conhecimento se deve


estender à totalidade das questões.

O Senhor Ministro Adaucto Cardoso: Sr. Presidente, segundo ouvimos dos debates e
segundo percebemos dos memoriais, a prova, neste caso, está toda condicionada por
fatores de conhecimento de ordem legal: (…. Em suma, um conjunto de fatos cuja prova
não terá sido apreciada senão pelo juiz singular e para cuja apreciação a instância
ordinária local sem dúvida alguma estará muito mais capacitada. Sempre que o Supremo
Tribunal Federal, como instância extraordinária, puder abster-se do exame aprofundado
de fato, como em casos dessa natureza, agimos com prudência. Essa a razão pela qual
estou de acordo com a preliminar do eminente relator, não usando dos poderes que nos
confere a súmula, dado que no seu uso, se deve pôr muita discrição.

A questão é saber se a Constituição admite que o Supremo, por prudência, discrição ou


qualquer outro motivo, se abstenha desse exame, quando ele seja necessário ao
julgamento da causa.

Como já demonstrado, a resposta é negativa. A Constituição não deu ao STF a faculdade


de decidir, em cada caso, se julga ou não a causa. Não há espaço para juízos de
conveniência e oportunidade. Competência não se delega; cabe ao legislador estabelecê-
la e ao órgão jurisdicional exercê-la dentro dos limites estabelecidos”.

 
15. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 10. ed.
rev., ampl. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2007. p. 162.
 
16. ROSAS, Roberto. Direito sumular: comentário às súmulas do Supremo Tribunal
Federal e do Superior Tribunal de Justiça. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 344.
 
17. Ressalva, contudo, José Miguel Garcia Medina, “excluem-se das questões de fato a
qualificação jurídica dos fatos, pois quando se qualifica erroneamente um fato há, em
consequência, aplicação incorreta da lei”, hipótese em que passível de controle pelas
Cortes Superiores. (MEDINA, José Miguel Garcia Medina. Prequestionamento e
repercussão geral. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 306).
 
18. Ocorre que, a par de não ser tarefa simples a distinção entre questões de direito e
questões de fato, não se verifica consistência na jurisprudência os critérios de admissão
dos recursos excepcionais para controle da qualificação jurídica dos fatos (na medida em
que considerada como uma quaestio juris). Esclarece Teresa Arruda Alvim Wambier que
essa inconstância dos Tribunais Superiores deve-se, pelo menos parcialmente, a
nuances, nem sempre perceptíveis, a não ser num exame minucioso e aprofundado de
cada acórdão, cujas peculiaridades no mais das vezes não podem ser apreendidas por
uma frase (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Questão de fato e questão de direito.
Revista da Academia Paulista de Direito. vol. 3. n. 2. p. 235-256. jan.-jun. 2012).
 
19. NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6 ed. São Paulo: Ed. RT, 2004. p.
441.
 
20. Idem, p. 442.
 
21. Op. cit.
 
22. STJ, 3.ª T., EDCL no REsp 28.325-9, j. 13.04.1993, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU
3.5.1993.
 
23. STJ, EDcl no AgRg no REsp 905.740/RJ, 2.ª T., j. 07.05.2009, rel. Min. Humberto
Martins, DJe 25.05.2009.
 
24. MEDINA. José Miguel Garcia. Op. cit., p. 99.
 
25. ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, extraordinário…cit., p. 353.
 
26. Op. cit., p. 99.
 
27. STJ, REsp 478.749/PR, 1.ª T., rel. Min. Luiz Fux, DJU 17.11.2003, p. 208, grifo
nosso.
 
28. Op. cit., p. 100.
 
29. Op. cit.
 
30. STF, RE 172.058/SC, Pleno, j. 30.06.1995, rel. Min. Marco Aurélio, DJU 13.10.1995.
 
31. A mesma orientação foi seguida em inúmeros casos: STF, RE 204.205, 2.ª T., rel.
Min. Marco Aurélio, DJU 23.03.1998; STF, RE 185.743, 2.ª T., rel. Min. Celso de Mello,
DJU 04.03.1997; STF, RE 175.275, 2.ª T., rel. Min. Celso de Mello, DJU 10.12.1996;
STF, RE 200.972, 2.ª T., rel. Min. Marco Aurélio, DJU 21.02.1997); STF, RE 233.486, 1.ª
T., rel. Min. Sydney Sanches, DJU 06.10.1998.
 
32. STJ, EDcl no REsp 433.700/SP, 3.ª T., j. 22.09.2003, rel. Min. Castro Filho, DJU
14.10.2003.
 
33. PINTO, Nelson Luiz. Juízo de admissibilidade do recurso especial. São Paulo:
Malheiros, 1992. p. 145.
 
34. Op. cit., p. 182.
 
35. MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de
Janeiro: Forense, 1998. vol. 2, p. 416.
 
36. “Incompetência da justiça estadual. Empregados da fundação maranhense de
televisão educativa. A decisão que rejeita a preliminar de incompetência absoluta, no
curso do processo, não faz coisa julgada, antes de proferida a sentença final. Reexame
da preliminar no recurso extraordinário interposto contra o acórdão que julgou
procedente a ação. Seu conhecimento e provimento, para acolher a incompetência da
justiça estadual, visto que os autores são empregados da Fundação Maranhense de
Televisão Educativa, regidos pela CLT” (STF, RE 92.634/MA, 1.ª T., j. 10.06.1980, rel.
Min. Soares Muñoz, DJU 01.07.1980, p. 4950).
 
37. “Processual civil. Legitimidade de parte. Ação civil publica. Leis 7.347/1985 e
8.078/1990. Reparação de danos. Municipalidade de Marília/SP. Ilegitimidade do
ministério publico. Precedentes. 1. Questão relativa a legitimidade de parte é passível de
exame de ofício, não podendo o tribunal ad quem furtar-se de apreciá-la sob alegação
de preclusão. 2. A Lei 7.347/1985 confere legitimidade ao Ministério Público para propor
ação civil publica nas condições estabelecidas no art. 1.º, acrescido do inc. IV pela Lei
8.078/1990. 3. Ação para ressarcimento de possíveis danos ao erário municipal não se
insere nas condições previstas na referida lei, não tendo o Ministério Público legitimidade
para promover ação civil pública para esse fim especifico. 4. Recursos especiais
conhecidos e providos para decretar a extinção do processo, na forma do art. 267, VI, do
CPC” (STJ, REsp 34.980/SP, 2.ª T., j. 15.06.1994, rel. Min. Peçanha Martins, DJU
19.09.1994, p. 24676).
 
38. Cf. também a respeito ORTIZ, Mônica Martinelli. Âmbito da cognição das questões de
ordem pública nos tribunais superiores e exigência de prequestionamento. RePro
128/184.
 
39. AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Recurso especial: questão de ordem pública.
Prequestionamento. RePro 132/273-288.
 
40. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Recurso especial e matéria de ordem pública:
desnecessidade de prequestionamento. RePro 151/335.
 
41. LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Recurso Especial: ordem pública e
prequestionamento. In: YARSHELL, Flávio Luiz. Estudos em homenagem à Prof. Ada
Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ Editora, 2005. p. 735.
 
42. Op. cit, p. 739-740.
 
43. Recurso especial, extraordinário…cit., p. 356.
 
44. STJ, REsp 466.861/SP, 2.ª T., j. 17.06.2004, rel. Min. Eliana Calmon, Brasília, deram
provimento, maioria, Diário da Justiça da União, Brasília, Seção I, 29.11.2004, p. 277.
 
45. “A rigidez da observância veio a ser flexibilizada por alguns acórdãos que entendem
possível adentrar-se o STJ em matéria de ordem pública de ofício se, após ser o especial
conhecido, com o prequestionamento de tese jurídica pertinente, depararem-se os
julgadores com uma nulidade absoluta ou com matéria de ordem pública e que pode
levar à nulidade do julgamento ou a sua rescindibilidade. Nesse sentido, transcrevemos
julgados que bem demonstram a tese jurídica:‘Recurso especial. Conhecimento.
Aplicação do direito à espécie (Súmula 456, STF. E RISTJ, art. 257). Amplitude. I –
Caracterizado o dissenso entre o acórdão recorrido e o paradigma colacionado, quanto à
natureza da isenção, impõe-se, na espécie, o conhecimento do recurso, aplicando-se o
direito à espécie.

II – No contexto assinalado, deve o órgão julgador limitar-se ao exame da questão


federal colacionada, mas, se, ao assim proceder, tiver de julgar o mérito da
controvérsia, pode, de ofício, conhecer das práticas atinentes às condições da ação e os
pressupostos processuais. III – Recurso especial de que se conhece, a fim de se julgar
extinto o processo sem julgamento do mérito (CPC, art. 267, VI)’ (STJ, REsp 36.663/RS,
2.ª T., j. 18.10.1993, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJU 08.11.1993, p. 330).

‘Processual civil. Recurso especial. Conhecimento. AFRMM. Isenção. Dec.-lei 2.404/1987


e 2.414/1988. Autoridade coatora. Ilegitimidade. I – Aplicação do direito à espécie (art.
257 do RISTJ).

II – Conforme decidiu esta Turma, Brasília, DF, ‘no contexto assinalado, deve o órgão
julgador limitar-se ao exame da questão federal colacionada, mas, se, ao assim
proceder, tiver de julgar o mérito da controvérsia, pode, de ofício, conhecer das
matérias atinentes às condições da ação e aos pressupostos processuais’.
III – Recurso especial que se conhece para julgar extinto o processo sem julgamento do
mérito (CPC, art. 267, VI)’ (STJ, REsp 32.410/PE, 2.ª T., j. 18.05.1994, rel. Min. José de
Jesus Filho, DJ 20.06.1994, p. 16078).

‘Processual civil. Recurso especial. Legitimidade de parte. Falta de prequestionamento.


Quando e possível o seu conhecimento de oficio por esta corte. I – A questão relativa a
legitimidade de parte só pode ser objeto de recurso especial, se prequestionada
(Súmulas 282 e 356 do STF). Se a matéria não foi prequestionada, isso não impede o
seu conhecimento de ofício por esta Corte, mas só no caso de o recurso especial ser
conhecido. II – Agravo regimental desprovido’ (STJ, AGA 95.597/GO, 2.ª T., j.
25.04.1996, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 13.05.1996, p. 15553).

‘Recurso especial. Admissibilidade. Provisão de oficio. A regra do art. 267, § 3.º, do CPC,
só pode ser aplicada na instância especial uma vez conhecido o recurso, quando, então,
aplica-se o direito a espécie. Agravo regimental a que se negou provimento’ (AGA
65.827/ RJ, 3.ª T., j. 12.06.1995, v.u., rel. Min. Costa Leite, Brasília, DF, DJ 13.05.1996,
p. 15554). ‘Processual civil – Embargos a execução – Penhora – Bem de família. I –
Matéria de ordem pública pode ser suscitada em qualquer fase do processo, até mesmo
no Recurso Extraordinário ou Recurso Especial e ainda que não prequestionada. II – Não
obstante, com suporte nos princípios da economia e da instrumentalidade do processo,
admite-se que a mulher possa, também, postular a exclusão de imóvel, de propriedade
do casal, através de embargos à execução, mormente se a execução é movida contra
empresa-executada, de que são sócios, corresponsável pela dívida assumida. III – O
bem residencial e objetos que lhe guarnecem não respondem por dívidas de qualquer
natureza e, salvo exceções, não poderão eles ser alvo de expropriação judicial. IV –
Recurso não conhecido’ (STJ, REsp 66.567/MG, 3.ª T., j. 25.03.1996, rel. Min. Waldemar
Zveiter, DJ 24.06.1996, p. 22754). ‘Processual – Ação Rescisória – Lei 7.689/1988 –
Constitucionalidade – Controvérsia Jurisprudencial – Sumula 343 do STF – Não
Incidência. I – Ao tomar conhecimento do recurso especial, o STJ deve apreciar, de
ofício, nulidades relacionadas com os pressupostos processuais e as condições da ação.
Não é razoável que – mesmo enxergando vício fundamental do acórdão recorrido – o
STJ nele opere modificação cosmética, perpetuando-se a nulidade. II – Se a petição
inicial, embora sintética e desacompanhada de documento que a completaria, permitiu o
seguro entendimento da pretensão que anima o pedido, não é lícito considera-la inepta.
(STJ, REsp 87.292/SP, 1.ª T. III – Se o acórdão deixou de aplicar a Lei 7.689/1988,
afirmando sua inconstitucionalidade, é possível desconstituí-lo em ação rescisória. Nada
importa a circunstância de ter sido controvertida pelos tribunais a compatibilidade entre
a constituição e a lei: a restrição contida na Súmula 343 do STF incide somente, quando
o acórdão enveredou pela interpretação do dispositivo legal’ (STJ, REsp 109.474/DF, 1.ª
T., j. 09.09.1997, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU 20.10.1997, p. 52978).

‘Direito autoral. Interdito proibitório. Inadmissibilidade. Recurso especial. Decretação de


ofício. No recurso especial, é admissível ao STJ conhecer de ofício das matérias alusivas
às condições da ação e aos pressupostos processuais, quando lhe for submetida à
apreciação o mérito da controvérsia. Precedentes.

‘É inadmissível o interdito proibitório para a proteção do direito autoral’ (Súmula


228/STJ). Recurso especial não conhecido” (STJ, REsp 94.458/PR, 4.ª T., j. 15.02.2001,
rel. Min. Barros Monteiro, DJU 09.04.2001).

 
46. Confira-se trecho do acórdão:“Nos precedentes a seguir transcritos, o STJ não
examinou diretamente a tese relativa à possibilidade de apreciação de questões de
ordem pública, se ultrapassado o juízo de admissibilidade do especial, como nos arestos
anteriores. Entretanto, aplicou exatamente essa técnica. Vejamos:

‘Processual civil. Recurso especial. Adicional ao frete para renovação da marinha


mercante. Isenção. DDLL 2.404/1987 e 2.414/1988. Aplicação do direito a espécie (art.
257, RISTJ). Conhecimento, de ofício, das matérias atinentes às condições da ação e aos
pressupostos processuais. Autoridade coatora. Ilegitimidade. Extinção do processo sem
julgamento do mérito (art. 267, VI, do CPC). Precedente.’ (STJ, REsp 41.226/PR, 2.ª T.,
j. 04.05.1994, rel. Min. Américo Luz, DJU 06.06.1994, p. 14.270).

‘Tributário. Adicional ao frete para renovação da marinha mercante. Isenção. Dec.-lei


2.404/1987 (art. 5.º, V, c) e 2.414/1988. Autoridade competente. Mandado de
segurança. Extinção. Precedentes. 1. O art. 5.º, V, c do Dec.-lei 2.414/1988, conferiu ao
Ministério das Relações Exteriores competência para apreciar os pedidos de isenção do
AFRMM. 2. Incabível mandado de segurança contra o representante da ex-Sunamam por
sua inequívoca ilegitimidade passiva. 3. Decretada, de ofício, a extinção do processo,
nos termos do art. 267, VI e § 3.º do CPC.’ (STJ, REsp 165.017/SP, 2.ª T., j.
14.12.1999, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJU 10.04.2000).

‘Tributário. Contribuição e adicional sobre açúcar e álcool. Responsabilidade do


pagamento. Cooperativa. Parcelamento do débito. Nulidade. Inocorrência. Mandado de
segurança. Descabimento. Impossibilidade do pedido. 1. A inscrição na dívida ativa e a
consequente execução fiscal são deveres do estado, cujo exercício regular não pode ser
considerado como ato ilícito e ilegal. 2. Inadmissível que o requerimento espontâneo do
parcelamento do débito tenha sido feito sob coação. 3. A coação capaz de invalidar
negócio jurídico há de ser comprovada cabalmente. 4. Incabível mandado de segurança
para anular ato jurídico celebrado entre as partes validamente. 5. Recurso especial
conhecido e provido para, preliminarmente e de ofício, declarar a impossibilidade jurídica
do pedido pelo meio processual utilizado (CPC, art. 267, VI e § 3.º do CPC), mantendo-
se a denegação da ordem.’ (STJ, REsp 173.421/AL, 2.ª T., j. 25.04.2000, rel. Min.
Francisco Peçanha Martins, DJU 28.10.2002). ‘Processo civil – Recurso especial –
Locação – Ação de despejo – Sublocatário – Ilegitimidade passiva ad causam –
Assistente – Carência da ação decretada – Divergência jurisprudencial não comprovada.
1 – A teor do art. 255 e parágrafos, do RISTJ, não basta a simples transcrição de
ementas para apreciação da divergência jurisprudencial (art. 105, III, c, da CF),
devendo ser mencionadas e expostas as circunstâncias que identificam ou assemelham
os casos confrontados, bem como juntadas cópias integrais de tais julgados ou, ainda,
citado repositório oficial de jurisprudência. Como isso não ocorreu, impossível, sob este
prisma, o seu conhecimento. 2 – Por não existir relação ex locato entre o sublocatário e
o locador, este não poderá afrontá-lo pela via da ação de despejo. A demanda deve ser
ajuizada contra o locatário e não contra o subinquilino. Todavia, intentada a ação de
desalijo, por qualquer que seja o seu fundamento, deverá o locador dar ciência da
mesma ao sublocatário legítimo e consentido, dando-lhe oportunidade de ingressar na
relação processual como assistente litisconsorcial, já que sua obrigação é subsidiária e
não solidária. Inteligência do art. 59, § 2.º, da Lei 8.245/1991. Ilegitimidade passiva ad
causam reconhecida. Carência decretada. 3 – Precedente (REsp 138.216/SP). 4 –
Recurso conhecido, nos termos acima expostos e, neste aspecto, provido para,
reformando o v. acórdão de origem, reconhecer a ilegitimidade passiva ad causam e
julgar a autora carecedora da ação, nos termos do art. 267, VI, do CPC, invertendo-se
os ônus sucumbenciais, já fixados na r. sentença monocrática’” (STJ, REsp 288.031/PR,
5.ª T., j. 16.05.2002, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU 26.08.2002, p. 113).

 
47. STJ, REsp 485.969/SP, 2.ª T., j. 11.09.2003, rel. Min. Eliana Calmon, DJU
04.04.2005, p. 251.
 
48. “Processo civil. Agravo regimental. Embargos de divergência. Fato novo.
Conhecimento. Impossibilidade. Matéria de ordem pública. Prequestionamento.
Necessidade. Recurso não provido. 1. No âmbito dos embargos de divergência, não é
possível modificar a base fática da controvérsia, sendo irrelevantes as alterações
ocorridas posteriormente ao julgamento do recurso especial. Matéria pacificada pela
Corte Especial. 2. Segundo a firme jurisprudência do STJ, na instância extraordinária, as
questões de ordem pública apenas podem ser conhecidas, caso atendido o requisito do
prequestionamento. Aplica-se, no caso, o óbice da Súmula 168/STJ. 3. Agravo
regimental não provido” (STJ, AgRg no EREsp 999.342/SP, Corte Especial, j.
24.11.2011, rel. Min. Castro Meira, DJe 01.02.2012)
 
49. “Administrativo. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Servidores
públicos. Ação visando a equiparação remuneratória. Assembleia legislativa do estado de
goiás. Capacidade recursal. Inexistência. Precedentes do STJ. Conhecimento de ofício de
questões de ordem pública (CPC, arts. 267, § 3.º, e 301, § 4.º). Aplicação do direito à
espécie. Súmula 456/STF. Possibilidade. Agravo não provido. 1. Doutrina e
jurisprudência entendem que as Casas Legislativas – câmaras municipais e assembleias
legislativas – têm apenas personalidade judiciária, e não jurídica. Assim, podem estar
em juízo tão somente na defesa de suas prerrogativas institucionais. Não têm, por
conseguinte, legitimidade para recorrer ou apresentar contrarrazões em ação
envolvendo direitos estatutários de servidores. 2. Tratando-se de ação ordinária em que
os autores, servidores do quadro de pessoal da Assembleia Legislativa do Estado de
Goiás, postulam a equiparação de seus vencimentos, a qual fora julgada procedente, a
legitimidade recursal recai na Fazenda Pública do Estado de Goiás, tendo em vista que
tal matéria extrapola a mera defesa das prerrogativas institucionais da Assembleia
Legislativa, assim compreendidas aquelas eminentemente de natureza política.
Precedentes do STJ. 3. O STJ pode enfrentar a matéria prevista nos arts. 267, § 3.º, e
301, § 4.º, do CPC, porquanto ‘Os temas que gravitam em torno das condições da ação
e dos pressupostos processuais podem ser conhecidos ex officio no âmbito deste egrégio
STJ, desde que o apelo nobre supere o óbice da admissibilidade recursal, no afã de
aplicar o direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ e Súmula 456 do STF’ (REsp
864.362/RJ, 1.ª T., rel. Min. Luiz Fux, DJe 15.09.2008). 4. Agravo regimental não
provido” (STJ, AgRg no AREsp 44.971/GO, 1.ª T., j. 22.05.2012, rel. Min. Arnaldo
Esteves Lima, DJe 05.06.2012, grifo nosso).
 
50. Op. cit., p. 104.
 
51. CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso especial, agravo e agravo interno. 5. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2008. p. 106.
 
52. STJ, AR 579, 2.ª Seção, j. 28.02.2000, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU 05.02.2001, p.
69.
 
53. STJ, EREsp 20.645/SC, 2.ª Seção, j. 22.03.2000, rel. Min. Ari Pargendler, DJU
01.08.2000.
 
54. STJ, EREsp 58.265/SP, Corte Especial, j. 05.12.2007, rel. p/acórdão Min. Barros
Monteiro, DJU 07.08.2008.
 
55. “Agravo regimental – Fraude à execução – Averiguação da existência de prova da
insolvência pelo credor – Tarefa afeta à instância a quo – Retorno dos autos à origem –
Necessidade – Agravo improvido. 1. O STJ deve, em um primeiro momento, debruçar-se
sobre a matéria de direito trazida no recurso especial, a fim de uniformizar a
jurisprudência pátria acerca da interpretação da legislação federal. 2. Afastado o
fundamento jurídico do acórdão a quo, cumpre a esta Corte Superior julgar a causa,
aplicando, se necessário, o direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ e da
Súmula 456/STF. 3. Ao aplicar o direito à espécie, o STJ poderá mitigar o requisito do
prequestionamento ao valer-se de questões não apreciadas diretamente pela Instância
de origem nem ventiladas no apelo nobre. 4. Quando, porém, a aplicação do direito à
espécie reclamar o exame do acervo probatório dos autos, convirá o retorno dos autos à
Corte de origem para a ultimação do procedimento de subsunção do fato à norma. 5.
Agravo regimental improvido” (STJ, AG 961.528/SP, 3.ª T., j. 21.10.2008, rel. Min.
Massami Uyeda, DJU 11.11.2008, grifo nosso).
 
56. “Recurso especial – Processo civil – Art. 535 do CPC – Ausência de violação – Inépcia
da inicial – Decretação de ofício na segunda instância – Impossibilidade – Recurso
especial – Julgamento com fundamento diverso do apresentado pelas partes –
Possibilidade – Iura novit curia – Da mihi factum dabo tibi ius – Aplicação do direito à
espécie – Súmula 456/STF – RISTJ, Art. 257 – Prequestionamento – Mitigação. 1. ‘Não
pode ser conhecido recurso que sob o rótulo de embargos declaratórios, pretende
substituir a decisão recorrida por outra. Os embargos declaratórios são apelos de
integração – não de substituição’ (EDREsp 9.770/Humberto). 2. Não podem os tribunais
declarar, de ofício, a inépcia da inicial, para efeitos de extinção do processo (CPC, art.
267, § 3.º). 3. O STJ pode julgar com fundamento diverso daquele apresentado pelas
partes, pois, conhecendo do recurso especial, julgará a causa aplicando o direito à
espécie (Súmula 456/STF e RISTJ, Art. 257). 4. O requisito do prequestionamento tem
sido amainado nas jurisprudências do STJ e STF” (STJ, REsp 277.382/SP, 3.ª T., j.
05.10.2005, rel. Min. Gomes de Barros, DJU 06.12.2005, p. 316, grifo nosso).
 
57. “Civil. Processo civil. Recurso especial. Ação de repetição de indébito. Duplo
pagamento de insumos adquiridos por grande produtor rural. Pretensão veiculada com
fundamento no CDC. Aplicação do direito à espécie. Possibilidade. Devolução simples do
valor indevidamente pago. Aplicação dos arts. 964 e 965 do CC/1916. Alegação de mora
do credor. Inexistência. Juros moratórios contratuais. Data de início da incidência dos
juros moratórios. Multa em face do alegado caráter protelatório dos embargos de
declaração. Necessidade de fundamentação. – De acordo com o decidido no CC
64.524/MT, 2.ª Seção, de minha relatoria, DJ de 09.10.2006, só há relação de consumo
quando ocorre destinação final do produto ou serviço, e não na hipótese em que estes
são alocados na prática de outra atividade produtiva. Ressalva pessoal. – Seja qual for o
entendimento a respeito da existência ou não de relação de consumo, na presente
hipótese, o próprio Tribunal de Justiça reconheceu a inocorrência de cobrança
extrajudicial indevida, o que afasta a incidência do art. 42, parágrafo único, do CDC. –
Vencida a base jurídica do acórdão recorrido, cabe ao STJ aplicar o direito à espécie,
porque não há como limitar as funções deste Tribunal aos termos de um modelo
restritivo de prestação jurisdicional que seria aplicável, tão somente, a uma eventual
Corte de Cassação. Aplicação do art. 257 do RISTJ e da Súmula 456 do STF. – Não é
cabível a aplicação do art. 1.531 do CC/1916, atual art. 940 do CC/2002, porque aquele
exige a cobrança injustificada por meio de ‘demanda’, ou seja, por ação judicial, além da
ocorrência de má-fé do pretenso credor. – Como ambas as circunstâncias estão
ausentes na presente hipótese, autoriza-se, apenas, a restituição simples do pagamento
indevido, com fundamento nos arts. 964 e 965 do CC/1916 – Não é possível o reexame
de fatos e provas em recurso especial. – Não se conhece de recurso especial na parte
em que este se encontra deficientemente fundamentado. – O dissídio jurisprudencial
deve ser comprovado mediante o cotejo analítico de acórdãos que versem sobre
situações fáticas similares. – Afasta-se a incidência da multa do art. 538, par. único, do
CPC, quando o Tribunal de Justiça não fundamenta adequadamente seu cabimento à
hipótese. Recurso especial parcialmente conhecido e provido” (STJ, REsp 872.666/AL,
3.ª T., j. 14.12.2005, rel. Min. Nancy Andrighi, DJU 05.02.2007, p. 235, grifo nosso).
 
58. “Administrativo. Processual civil. Embargos de declaração no agravo regimental no
agravo de instrumento. Servidor público. Fungibilidade recursal. Embargos recebidos
como agravo regimental. Deficiência de formação do agravo de instrumento. Não
ocorrência. Reiteração do resp. Existência. Tempestividade. Aferição. Falha do cartório
judicial. Lei 11.960/2009. Inovação legislativa posterior à interposição do REsp.
Aplicação. Possibilidade. Art. 257 do RISTJ e súmula 456/STF. Inconstitucionalidade
afastada pela corte especial. Agravo não provido. (… 7. Superado o juízo de
admissibilidade, o recurso especial comporta efeito devolutivo amplo, já que cumprirá ao
Tribunal ‘julgar a causa, aplicando o direito à espécie’ (art. 257 do RISTJ; Súmula 456
do STF)’ (EDcl no AgRg no REsp 1.043.561/RO, 1.ª T., rel. p/ ac. Min. Luiz Fux, DJe
28.02.2011). 8. Hipótese em que, tendo a Lei 11.960/2009 ingressado no ordenamento
jurídico pátrio em momento posterior à interposição do recurso especial, não haveria
como se exigir que estivesse prequestionada no acórdão recorrido, nem se falar em
julgamento extra petita. 9. ‘A tese de inconstitucionalidade do art. 5.º da Lei
11.960/2009 foi rechaçada pela Corte Especial, no julgamento do REsp 1.205.946/SP
(DJe 02.02.2012)’ (AgRg no AREsp 157.015/SP, 2.ª T., rel. Min. Herman Benjamin, DJe
22.08.2012). 10. Embargos declaratórios recebidos como agravo regimental, ao qual se
nega provimento” (STJ, EDcl no AgRg no Ag 1.404.513/RS, 1.ª T., j. 19.03.2013, rel.
Min. Arnaldo Esteves, DJe 26.03.2013, grifo nosso).
 
59. Op. cit.
PROCESSO JURISDICIONAL, REPÚBLICA E OS INSTITUTOS
FUNDAMENTAIS DO DIREITO PROCESSUAL

Revista de Processo | vol. 241/2015 | p. 27 - 48 | Mar / 2015


DTR\2015\2128

Glauco Gumerato Ramos


Professor da Faculdade de Direito Anhanguera de Jundiaí. Membro dos Institutos
Brasileiro (IBDP), Iberoamericano (IIDP) e Panamericano (IPDP) de Direito Processual.
Vice-Presidente para o Brasil do Instituto Panamericano de Direito Processual. Advogado.
 
Área do Direito: Processual

Resumo: Texto em perspectiva dogmática do garantismo processual onde se propõe a


busca da dimensão semântica dos Institutos (ou Categorias) Fundamentais do Direito
Processual dentro do marco constitucional republicano e democrático. O texto propõe a
criação da(s) norma(s) jurídica(s) que incide(m) sobre o tema a partir do denominado
princípio republicano.

 Palavras-chave:  Processo - República - Garantismo processual - Institutos


Fundamentais do Processo (=Trilogia Estrutural) - Ação, Processo, Jurisdição - Dimensão
semântica - Princípio republicano.

Resumen: Texto desde la mirada dogmática del garantismo procesal, donde se propone
la búsqueda de la dimensión semántica de los Institutos (o Categorías) Fundamentales
del Derecho Procesal en el marco constitucional republicano y democrático. El texto
propone la creación de la(s) norma(s) jurídica(s) sobre el tema desde el denominado
principio republicano.

 Palabras claves:  Proceso - República - Garantismo procesal - Institutos


Fundamentales del Proceso (=Trilogía Estructural) - Acción, Proceso, Jurisdicción -
Dimensión semántica - Principio republicano.

Sumário:  
- 1.Prolegômenos - 2.Hipótese de trabalho - 3.Arquétipo republicano - 4.Institutos
fundamentais do direito processual: visão tradicional - 5.Institutos fundamentais:
perspectiva republicana - 6.Conclusão
 

Recebido em: 02.09.2014

Aprovado em: 20.10.2014

1. Prolegômenos
Processo e República1 são categorias jurídico-políticas que habitam os quadrantes da
Teoria Geral do Direito e entre elas há uma forte correlação pragmática. Por isso o
processo jurisdicional deve ter a sua engrenagem de funcionamento regida pelos
atributos que substanciam o princípio republicano.

Nada mais elementar!

Se o Processo é operado no ambiente republicano, é natural que os caracteres da


República marquem fortemente o seu perfil fisiológico-funcional, seja na atuação do
jurisdicionado que busca – como autor ou réu – a atuação da tutela jurisdicional (=ex
parte populis), seja no proceder e no decidir do agente político que exerce o poder que é
próprio do Judiciário (=ex parte principis). Significa dizer que tanto na ótica de quem
pede a atuação da jurisdição (=partes), quanto na de quem a exerce (=juízes), a mirada
prospectiva é projetada para o ambiente constitucional republicano, e democrático,
obviamente.

Os chamados Institutos Fundamentais do Direito Processual surgem na Teoria do


Processo como fruto das reflexões posteriores ao início da fase dita científica (=ou de
autonomia) do direito processual, inaugurada a partir da publicação do clássico livro de
Oskar von Bülow,2 na segunda metade do Séc. XIX.

A partir daí formaram-se os conceitos das categorias ação, processo e jurisdição dentro
de uma dogmática processual civilística potencializada em perspectiva (ultra)publicista e
autoritária – ex parte principis, portanto –, cuja obra legislativa de Franz Klein para o
Império Austro-Húngaro foi a semente da qual germinaram vários modelos de CPCs da
Europa Continental e da América Latina3 ao largo do século XX.4

Após a segunda metade do Séc. XX o direito processual passa a ser pensado em


perspectiva instrumentalista – cada vez mais criticada no Brasil5 –, onde o objetivo do
Processo é o atingimento dos “escopos” político, jurídico, social e econômico do Estado. 6

Atualmente, vive-se a febre-confusa do chamado neoconstitucionalismo, que fez a


doutrina de plantão identificar um certo neoprocessualismo.7 O discurso jurídico que está
à base dessas diversas doutrinas caracterizadas pelo prefixo “neo” que as adjetivam,
dissimula o viés estatal-autoritário que lhe dá suporte através de posturas dogmáticas
que, a toque de “foice e martelo” (=ativismo socialista) ou sob “fascio” (=ativismo
fascista),8 pretendem fazer do Direito, e do Processo que o concretiza, um instrumento
idiossincrático de servidão a uma certa “ética subjetiva” que emana do “senso de justiça”
daquele que exerce o poder jurisdicional, que assim age amparado-legitimado na “força”
do discurso neoprocessual-neoconstitucional. É claro que a intenção é boa, não se nega
isso. Mas toda vez que determinada proposição jurídica aparece justificada em
fundamentos que baralham Direito e moral, a análise acurada do discurso que procura
legitimá-la nos revela a faceta de um dirigismo-decisionismo que invariavelmente
enfraquece um dos mais importantes – senão o mais! – atributos do Direito: a segurança
jurídica.

Este ensaio rechaça qualquer das “teses” defendidas pelos vários


9
“neoconstitucionalismos” que atualmente contagiam o discurso jurídico, o que acaba
fomentando um processo jurisdicional que no plano pragmático se apresenta esquálido
em “republicanismo”. Descarta-se, da mesma forma, posturas instrumentalistas que
procuram explicar o Processo como um “instrumento” 10 voltado às realizações dos fins do
Estado – ex parte principis, portanto –, já que isso proporciona que o processo
jurisdicional seja pensado e concretizado a partir de premissas autoritárias.

Como o ambiente republicano e democrático é refratário ao uso do poder com base no


próprio arbítrio do agente político, o solipsismo judicial (Lenio Streck) é incompatível
com dimensão semântica do mundo jurídico-constitucional.11 O manejo adequado do
processo jurisdicional deve circunscrever-se aos limites das imposições constitucionais
que marcam o seu perfil, que em última análise existem para racionalizar o discurso
jurídico que fundamenta a tomada de decisão por parte autoridade judicial.

Pensado o Processo a partir das garantias processuais previstas no plano sintático dos
enunciados prescritivos contidos na Constituição, torna-se perfeitamente possível
redimensionar o conteúdo semântico de várias das categorias jurídico-processuais e isso
tende a repercutir na própria forma de ser do processo jurisdicional que manejamos. Se
a nossa ordem constitucional é fundada em preceitos republicanos e democráticos, é
natural que o ambiente daí estabelecido influencie os vínculos entre o jurisdicionado e o
poder jurisdicional.

Este ensaio sugere que uma ordem constitucional confessadamente republicana e


democrática serve de ponto de partida para novas reflexões sobre temas de alta
relevância para o direito processual, como o são, por exemplo, os chamados Institutos
Fundamentais (=ação, processo, jurisdição).

2. Hipótese de trabalho

Partindo da premissa de que os conceitos de Processo e República se correlacionam em


suas dimensões pragmáticas, e que isso necessariamente deve ser levado em conta nas
formulações teóricas e nas resoluções práticas do processo jurisdicional, a partir do
chamado princípio republicano procurar-se-á traçar novos contornos aos conceitos de
ação, processo e jurisdição, dos Institutos Fundamentais, portanto.

A partir daquilo que consta na maioria dos manuais que trata da teoria geral do
processo, será demonstrado como estes conceitos fundamentais foram vislumbrados e
trabalhados pela doutrina a partir da fase científica do direito processual. Também será
demonstrado que, via de regra, a dogmática processual civilística pautou o seu discurso
jurídico muito mais para justificar os institutos fundamentais sob uma ótica estatizante,
e portanto autoritária, que sob a perspectiva do principal interessado na solução dos
problemas que são levados à resolução através do processo jurisdicional, que é o
jurisdicionado.

Partindo-se i) da fixação dos elementos que caracterizam a República, ii) da aceitação de


que o princípio republicano é determinante para o funcionamento do Processo, e iii) de
como os temas dos institutos fundamentais estão dispostos analiticamente na
Constituição brasileira, procurar-se-á construir as normas jurídicas que dão suporte ao
redimensionamento dos conceitos de ação, de processo e de jurisdição. Serão propostos
conceitos dogmáticos que compatibilizem o que está na norma com o que é observado
empiricamente no dia a dia do processo.

Em suma, os Institutos Fundamentais do direito processual serão aqui apresentados em


perspectiva republicana.

3. Arquétipo republicano

Naturalmente que a ideia sobre República será aqui levada em conta em sua acepção
moderna, tal como hoje é vislumbrada. No ponto, vale lembrar Geraldo Ataliba. Em obra
clássica, o constitucionalista da PUC-SP sintetiza de forma simples e precisa os
caracteres que informam a ideia de República:

“República é o regime político em que os exercentes de funções políticas (executivas e


legislativas) representam o povo e decidem em seu nome, fazendo-o com
responsabilidade, eletivamente e mediante mandatos renováveis periodicamente”.12

Com base neste conceito é possível identificar os principais atributos que a qualificam:
(i) responsabilidade, (ii) representatividade e (iii) periodicidade. A estes, penso que seja
possível agregar outro atributo que integra fisiologicamente a República: o da Separação
dos Poderes.13

Nota-se que há uma identificação das funções políticas com as atividades executivas e
legislativas, e são políticas porque são exercidas por mandatários do povo, que por ele
escolhem os rumos que seguirão a respectiva atividade. A essas funções (=executiva e
legislativa) não aparece vinculada a função jurisdicional, o que obviamente não projeta a
atividade da pessoa física que a exerce (=juiz) a um nível de irresponsabilidade
funcional, aqui tomada em sua acepção republicana. Se assim o fosse, teríamos
oráculos, e não juízes, desvinculados da ordem constitucional republicana e democrática
a qual todos, indivíduo, sociedade civil e Estado, estamos submetidos.

Seguindo o raciocínio aqui exposto, o fato de o juiz não ter representatividade tem um
único e republicano significado: na República eles não representam a vontade do povo
uma vez que essa missão republicana compete ao Legislador, sendo este o motivo pelo
qual juízes não são eleitos pelo voto popular.

Ao Poder Judiciário e aos seus juízes é reservado um papel eminentemente técnico,


consistente na análise e na aplicação da Lei aos casos concretos que lhe são submetidos
à apreciação. Aqui considerada em sua dimensão pragmática de ordenamento jurídico,
organizado a partir da Constituição e dos demais regramentos legais nela
fundamentados, a Lei é produto dos órgãos de representação popular, revelando aquilo
que a sociedade escolheu para a sua própria organização.

No processo de aplicação – técnica, impessoal e imparcial – da Lei, não cabe ao juiz ou


ao tribunal levar em conta a sua própria vontade. No ambiente republicano, as
idiossincrasias daquele que exerce a jurisdição em nenhuma hipótese pode atuar como
motivo determinante no processo de decisão. E assim funciona exatamente porque o juiz
não representa a vontade do povo, eis que não é eleito pelo voto popular
(=representatividade). É como explica o mesmo Geraldo Ataliba: “não há razão para que
o instituto representativo se faça sentir na seleção dos cidadãos que irão servir no Poder
Judiciário. As funções técnicas não devem ser representativas, por que são não
políticas”.14

Em síntese de simplificação: o Judiciário exerce a função técnica de decidir com base na


Lei (=vontade popular) e nas regras constitucionais que orientam o poder jurisdicional.
Não cabe a ele escolher. Escolha é algo próprio das funções políticas (=executiva e
legislativa). O juiz não tem representatividade porque na República a função jurisdicional
é técnica, não decorrendo da vontade do povo e, por conseguinte, de nenhuma pessoa
física.

Como consequência da representatividade – própria das funções políticas – existe a


periodicidade, representada no período estabelecido pela Lei para a duração do mandato
popular. A correlação existente entre a representatividade e a periodicidade marca um
atributo fundamental da República que é a possibilidade de a vontade popular, através
do voto, controlar o ingresso e a permanência dos cidadãos que irão desenvolver as
funções políticas executivas e legislativas.

Via de regra, na América Latina e na Europa continental o Poder Judiciário é formado por
cidadãos que se tornam juízes mediante concurso público, exercendo suas funções
vitaliciamente ou até que alcancem o limite temporal imposto pela Lei para o
afastamento definitivo de suas funções através da aposentadoria (=jubilación). Ainda
que tenhamos em mente que mesmo na República a composição de alguns Tribunais é
feita através de um processo de escolha compartilhada entre órgãos executivos e
legislativos, e ainda que o exercício da respectiva função, em tese, possa se dar por um
determinado período de tempo (=mandato), é evidente que mesmo nesses casos a
função jurisdicional não representa a vontade popular e seguirá sendo uma função
técnica de interpretação e de aplicação da Lei. Esta – a Lei – é o standard jurídico que
recepciona a vontade popular traduzida em enunciados prescritivos estabelecidos pelos
seus representantes, eleitos para o desempenho periódico de funções políticas.

A República ainda tem como atributo a responsabilidade a que estão sujeitos aqueles
que exercem funções políticas (=executiva e legislativa). Essas funções – eis que
políticas – são exercidas mediante atos de escolha de quem as exerce, e tais escolhas
são feitas com amparo na vontade popular que as legitima.

Várias são as formas de se responsabilizar o agente republicano que exerce função


executiva ou legislativa. O impeachment, por exemplo, é uma delas. Mas no ambiente
republicano, onde a representatividade ocorre com base na periodicidade, uma das
formas mais contundentes de responsabilização daqueles que exercem funções políticas
se dá pela própria vontade popular, que sempre terá a opção de não eleger ou não
reeleger aquele cidadão que não se mostrou digno da confiança que se expressa através
do voto.

Como não são eleitos – e não são eleitos por que não representam a vontade popular –,
estariam os juízes imunes à responsabilidade que substancia o princípio republicano? Ou,
dito de outra maneira, a responsabilidade republicana deixa de atingir os juízes quando,
no curso do processo jurisdicional, manejam a jurisdição como uma função política,
escolhendo os rumos da solução a ser dada a um caso concreto com base no próprio
arbítrio?

Apesar de destituídos de representatividade e da periodicidade que marcam as funções


políticas (=executiva e legislativa), é evidente que os juízes devem sujeitar-se à
responsabilidade republicana quando violam os limites técnicos da função jurisdicional –
essencialmente ligada à atividade de decidir – e deliberadamente partem para escolhas
fundadas no próprio arbítrio, rigorosamente deslegitimadas da representatividade que
caracteriza a vontade popular.

A República, portanto, pressupõe a responsabilidade de cada um de seus agentes


políticos, e agentes políticos são todos os cidadãos que integram a estrutura estatal
desempenhando a função executiva e legislativa (=funções políticas; implica escolha) e a
função jurisdicional (=função técnica; implica decisão). Logo, nem todo agente político
exerce função política.

4. Institutos fundamentais do direito processual: visão tradicional

Ao largo do século XX a doutrina tratou os institutos fundamentais enaltecendo e


potencializando a jurisdição como o polo metodológico de maior relevância. Seria ela o
elemento mais importante do eixo sistemático a partir do qual se estruturou a chamada
teoria geral do processo. A partir daí o processo amesquinhou-se em mero “instrumento
da jurisdição”.15 Em suma: aquele foi posto a serviço desta.

Sendo a jurisdição uma função decorrente do exercício do poder, foi natural que a
dogmática processual prospectasse ideias de viés autoritário para explicar
cientificamente vários dos temas ligados ao funcionamento do processo jurisdicional. Os
motivos para as concepções processual civilísticas ex parte principis são diversos. Franz
Klein (=CPC austríaco de 1895) e Anton Menger (=socialismo jurídico), ambos a partir
do Império Austro-Húngaro, auxiliaram nessa forma de ver as coisas. Mas a teoria geral
do processo, estruturada em torno da jurisdição, também colaborou decisivamente para
isso.

A análise da teoria geral do processo a partir desta perspectiva fortemente publicista-


autoritária é o que chamo de visão tradicional.

4.1 Panorama

A proposta de conceber o direito processual a partir de institutos (ou categorias)


fundamentais foi esboçada por Chiovenda em Aula Magna que proferiu na Universidade
de Bolonha em 03.02.1903,16 sobre a “ação no sistema dos direitos”. 17 Nos
apontamentos deste seu discurso em Bolonha, que se tornou um clássico para estudos
posteriores do direito processual, Chiovenda lança numa nota de rodapé a semente que
algum tempo depois permitiu germinar a ideia de que as engrenagens do direito
processual se desenvolvem a partir de três conceitos fundamentais. Posteriormente,
Podetti passa a denominá-los de trilogia estrutural do processo.18
A leitura da respectiva nota de rodapé 19 mostra que naquele momento a intuição de
Chiovenda fora no sentido de organizar os três conceitos fundamentais na seguinte
ordem: ação, jurisdição e processo, conclusão a que se chega por que naquele
apontamento o processualista italiano explica que as três grandes divisões que se
complementam reciprocamente seriam a teoria da ação (=ação) e das condições da
tutela jurídica (=jurisdição), além da teoria dos pressupostos processuais e do
procedimento (=processo).

Vê-se que no texto-base de sua exposição na Universidade de Bolonha, em 1903,


Chiovenda não começou sua argumentação sobre os conceitos fundamentais pela
jurisdição, o que com o passar do tempo mostrou-se tão ao gosto daqueles que se
aventuraram a trabalhar sobre o tema.

Advirta-se que mesmo em suas Instituições Chiovenda mantém-se coerente com as


lições de Bolonha quanto à exposição destes conceitos fundamentais tendo como ponto
de partida a ação. Porém, Chiovenda aperfeiçoa sua ideia originária para versar o
assunto de maneira mais lógica e racional – como mais adiante se explicará –, tratando
de explicar os conceitos fundamentais nesta sequência: ação, processo, jurisdição. Basta
que se observe o plano da exposição contido no sumário do volume 1 de suas
Instituições de Direito Processual Civil. Ali, consta uma “primeira parte” em que se
aborda O Direito e a Ação (§ 1.º), e O Processo Civil e a Relação Jurídica Processual (§
2.º), e somente em uma “segunda parte” é que Chiovenda tratará da Atuação da Lei em
prol do autor e do réu (§ 6.º e ss.). 20 Portanto, a ordem sistemática de Chiovenda foi
ação, processo e jurisdição. Fixe-se o ponto!

Mas o fato é que a semente plantada por Chiovenda foi germinar pelas mãos de
Calamandrei. Discípulo de Chiovenda, Calamandrei teria vislumbrado a importância de
explicar os fundamentos do direito processual a partir da organização sistemática destes
três conceitos, conforme relata Cipriano Gómez Lara com fundamento em estudo
anterior de Alcalá-Zamora y Castillo.21

Na “segunda seção” do volume 1 de seu Direito processual civil – Estudos sobre o


processo civil, Calamandrei utiliza-se de mais de 100 páginas para esboçar os conceitos,
os desdobramentos e as distinções entre esses três conceitos por ele chamados de
fundamental trinômio sistemático, não sem antes advertir que:

“Não é possível iniciar com utilidade o estudo descritivo e exegético de um Código de


direito processual, a não ser partindo de três noções fundamentais de ordem
sistemática, que não estão definidas, mas pressupostas, pelas leis positivas: jurisdição,
ação, processo”.22

A partir daí observa-se que a exposição de Calamandrei inicia contextualizando a


jurisdição, eleita por ele como o “primeiro argumento de estudo” 23 e que teria por objeto
de sua atividade a ação. Dessa maneira, “jurisdição e ação entram em contato e se
unem através do processo, o qual formará o terceiro argumento” 24 do estudo por ele
apresentado.25

A maioria dos livros de teoria geral do processo existentes no Brasil, na América


espanhola e na Europa continental, desenvolve a exposição dos Institutos Fundamentais
iniciando pelo conceito de jurisdição, ora elencando a ação e o processo como “segundo
e terceiro argumentos”, na mesma linha de Calamandrei, ora secundando por processo
para terminar pela ação. Pouco importa a ordem da inversão ação-processo, mas é
sintomático que se inicie pela jurisdição. A maioria absoluta dos tomos de teoria geral do
processo invariavelmente contextualiza o tema a partir do conceito de jurisdição e isso é
facilmente verificável através de uma rápida consulta em nossas bibliotecas.

Dentro desse panorama de propor a organização dos Institutos Fundamentais seguindo a


ordem jurisdição, ação e processo, o discurso da doutrina foi sempre uniforme e
legitimador do Poder estatal como o grande dirigente e protagonista da cena processual,
e por isso a jurisdição é trabalhada como o polo metodológico preponderante.

A partir daí a doutrina passou a enaltecer a importância dos Institutos Fundamentais,


porém, sempre com o enaltecimento da jurisdição (=Poder) por sobre o processo
(=Garantia) e a própria ação (=Liberdade). Como já assinalado, isso se verifica na forma
como os livros de teoria geral do processo metodicamente organizam o assunto, de
regra principiando pela exaltação/explicação sobre a jurisdição, sendo a ação e o
processo tratados sempre após aquela.

Essa forma de organizar o tema (=jurisdição, ação, processo), feita pela maioria dos
manuais de teoria geral do processo, revela o pendor – ainda que inconsciente – da
dogmática processual civilística em enaltecer a jurisdição como a categoria jurídica mais
importante da Trilogia Estrutural do Direito Processual (Ramiro Podetti). Esse fenômeno
discursivo, naturalmente, colaborou na construção de concepções autoritárias para o
direito processual.

Naturalmente existem as exceções. Em seu Sistema Procesal Adolfo Alvarado Velloso é


categórico em recusar o estudo da teoria geral do processo iniciando pela jurisdição, por
entender que isso revela uma maneira autoritária de se conceber o fenômeno
processual. O processualista argentino explica que essa dinâmica de exposição dos
conceitos fundamentais é feita na perspectiva do poder (=jurisdição), e não da liberdade
(=ação)26 ou – diria eu – da garantia (=processo).

Abaixo segue uma visão macroscópica de como os manuais de teoria geral do processo
explicam cada um dos Institutos Fundamentais, o que é bem conhecido pelos
processualistas. De modo geral partem dos mesmos supostos conceituais radicados nas
ideias que foram expostas originariamente por Calamandrei.

4.2 Jurisdição

A doutrina em geral aceita um clássico conceito doutrinário que concebe a jurisdição a


partir daquele que seria o seu principal objetivo: “a atuação da vontade concreta da Lei”
(Chiovenda). Nesse contexto a Lei é a projeção do direito objetivo estabelecido pelo
Estado, através do qual “os particulares devem, em suas relações sociais, ajustar sua
conduta”.27 O Estado, por sua vez, teria por finalidade fundamental a “preservação da
ordem na sociedade”.28

Calamandrei, que tanto influenciou a doutrina que posteriormente se debruçou sobre os


Institutos Fundamentais, ao se referir ao CPC italiano de 1940 afirma que este teria
invertido a ordem de disposição do tema em comparação ao código anterior, que iniciava
suas disposições legislativas gerais sobre a ação, ao passo que o CPC-40 tem como
ponto de partida a jurisdição e o juiz.

Essa inversão sistemática em um CPC para principiar suas disposições legais pela
jurisdição, ao invés da ação, a exemplo do que ocorreu no Código de 1940 na Itália,
pode-se dizer que é uma guinada política de cunho “estratégico”, numa clara opção
estatizante-autoritária de enaltecimento do conceito de jurisdição como forma de
atuação do Poder. A partir daí os Institutos Fundamentais passaram a ser trabalhados
em perspectiva ex parte principis.

Calamandrei ainda lembra que a exposição de motivos do CPC italiano de 1940,


chamada de Relazione Grandi em referência ao seu subscritor e Ministro da Justiça à
época, Dino Grandi, foi categórico ao enaltecer a prioridade do conceito de jurisdição.
Quanto à inversão jurisdição-ação, afirma a exposição de motivos do CPC-40:

“Essa variação de ordem sistemática é indicativa de uma mudança de mentalidade: o


Código derrogado propunha os problemas do ponto de vista do litigante que pede
justiça, o novo os propõe do pondo de vista do juiz que deve administrá-la; enquanto o
velho Código considerava a ação como um prius da jurisdição, o novo Código, invertendo
os termos do binômio, concebe a atividade da parte em função do poder do juiz”.29-30

Portanto, ainda que a doutrina não se dê conta do fato, ou não o confesse, trabalhar os
Institutos Fundamentais principiando pela jurisdição é uma forma de priorizar e
enaltecer o respectivo conceito em franca potencialização do Poder, o que
invariavelmente traz consigo uma perspectiva autoritária – e por isso antirrepublicana –
na compreensão/realização/concretização do fenômeno processual.

4.3 Ação

A dogmática processual fez correr “rios de tinta” para escrever sobre a ação. Em
diversos momentos históricos foram várias as teorias, polêmicas etc., que sobre ela se
formaram. Como exemplos eloquentes de especulações teóricas em torno da ação pode-
se indicar: a teoria imanentista; a polêmica Windisheid-Muther sobre as eventuais
distinções entre a actio romana, a klagerecht e a anspurch; a teoria da ação como direito
autônomo e concreto; a teoria da ação como direito autônomo e abstrato; teoria da ação
apenas como direito autônomo; a teoria da ação de Liebman.31

Independente de qualquer variação teórica a seu respeito, a visão tradicional da teoria


geral do processo sempre foi no sentido de vislumbrar a ação como o direito ao exercício
da atividade jurisdicional, ou, mais especificamente, o direito a um provimento
jurisdicional.

A ação é exercida contra o Estado-juiz e a partir daí surge a “obrigação” deste em


efetivar a prestação estatal-jurisdicional. Entenda-se o ponto: o interessado exerce o seu
direito de ação e o Estado-juiz provê a solução do problema.
Ainda que de maneira dissimulada, essa forma de vislumbrar a ação revela uma
realidade assentada em um vínculo de sujeição que submete aquele que exerce o direito
de ação aos desígnios do Estado-juiz.

Soma-se a todas essas circunstâncias o fato de que diante da vedação da autotutela, e


da assunção pelo Estado da prerrogativa exclusiva de exercer a função jurisdicional, na
perspectiva tradicional o exercício da ação permite que seja viabilizado o fim da
jurisdição, que é “a exata observância do direito objetivo”, 32 ou a atuação da vontade
concreta da Lei. Nessa perspectiva, a realização/concretização do direito subjetivo do
jurisdicionado é sutilmente renegado a um segundo plano de importância diante do
interesse primeiro do Estado em se fazer presente através da jurisdição para impor o
direito objetivo ao caso concreto.

4.4 Processo

A exemplo do que ocorreu com a ação, várias foram as teorias que procuraram explicar
o processo e sua natureza jurídica. Dentre as que ganharam maior prestígio e são
comumente referenciadas pela doutrina temos: o processo como contrato; o processo
como quase contrato; processo como serviço público; processo como instituição;
processo como situação jurídica; processo como relação jurídica; processo como
instrumento para a consecução dos escopos do Estado.

Foi no curso do século XX que o processo definitivamente passa a ser encarado como o
instrumento através do qual a jurisdição opera sua finalidade de concretização dos
objetivos (=escopos) do Estado. Processo e jurisdição passam a se correlacionar sob a
lógica maquiavélica de fim (=jurisdição) e meio (=processo). Aprimora-se a concepção
instrumentalista do processo.

Sendo a jurisdição a atividade-fim de maior preponderância do fenômeno processual, o


processo naturalmente é posto a serviço daquela, de modo que muitas vezes as regras
de seu funcionamento podem até mesmo ser postas de lado para não comprometer a
finalidade maior que é a própria “afirmação” do poder através da atuação jurisdicional.

Nessa perspectiva, em que o processo se apresenta amesquinhado diante da jurisdição,


o eventual seccionamento de sua sequência lógica, que existe exatamente para garantir
a realização plena do contraditório e da ampla defesa, acaba sendo tolerado, nos moldes
de uma “perenização do fetiche da Justiça Rápida, cuja velocidade pode ser aumentada
pela supressão do processo e, até mesmo, do procedimento, com a altaneira supremacia
da jurisdição. É nesse vértice que nos incumbe analisar a coerente judiciarização do
Processo Civil como instrumento de eficiência tirânica de uma jurisdição justiceira”.33

O processo posto a serviço da jurisdição é um processo esquálido, cujo discurso em


torno de sua “efetividade” justifica que a “celeridade processual” seja utilizada em
detrimento da regularidade-funcional que a observação de todas as suas etapas visa a
garantir.34

Em suma: a visão tradicional do processo não deixa de ser estatizante-autoritária por


que o seu manejo é voltado à concretização do poder representado pela jurisdição.
5. Institutos fundamentais: perspectiva republicana

É preciso conceber a ideia e o conceito de cada um dos Institutos Fundamentais do


direito processual levando em conta as diretrizes constitucionais-republicana. Este é o
meu objetivo com este ensaio.

Abaixo segue uma proposta de redimensionamento dos conceitos de ação, de processo e


de jurisdição, que nesta exata ordem sequencial devem ser estudados, posto que uma
maneira mais lógica, mais racional e mais adequada para compreendê-los em
perspectiva republicana.

Não se aprofundará no estudo sobre os princípios e/ou desdobramentos de cada um


destes Institutos Fundamentais, como por exemplo: (i) sobre a evolução histórica do
conceito de ação, ou sobre as condições da ação, ou sobre a classificação das ações; (ii)
sobre a natureza jurídica do processo jurisdicional, ou sobre os tipos de processo, ou
sobre os pressupostos processuais; também não se tratará sobre (iii) o significado
etimológico de jurisdição, ou sobre as suas características, ou sobre a tutela jurisdicional
clássica ou diferenciada. Estes e outros temas correlatos não serão abordados neste
ensaio.

Apenas será exposto o conceito que se entende possível atribuir a cada um dos
elementos integrantes deste trinômio metodológico quando trabalhados em perspectiva
republicana. Fixados os respectivos conceitos, todos elaborados a partir de enunciados
prescritivos contidos na Constituição brasileira e do Pacto de São José da Costa Rica, 35
entendo ser possível construir uma teoria geral do processo jurisdicional que
corresponda às diretrizes estabelecidas exclusivamente no plano jurídico e na própria
observação empírica do fenômeno processual. Vale dizer: será tentado um experimento
voltado a harmonizar as diretrizes sintática, semântica e pragmática do ordenamento
jurídico-constitucional ao qual estamos – juridicamente – vinculados.

5.1 (Re)Organização do tema

Apesar de a dogmática processual assentar-se no senso comum para explicar os


Institutos Fundamentais a partir das premissas lançadas por Calamandrei, que
sistematizou os conceitos e as distinções entre jurisdição, ação e processo em
perspectiva (ultra)publicista, ainda assim é possível (re)organizar o tema trabalhando
estes conceitos tendo-se em conta o princípio republicano que habita as nossas
Constituições e que, portanto, é determinante no funcionamento do processo
jurisdicional.

No item 5.1, supra, há menção ao fato de que se deve a Chiovenda a ideia de estudar o
direito processual a partir do eixo sistemático representando pelos conceitos de ação, de
jurisdição e de processo – nesta exata ordem –, conforme se depreende de suas notas
aportadas ao texto-base da Aula Magna que proferiu na Universidade de Bolonha, em
1903. Também foi mencionado que no volume 1 de suas Instituições, talvez motivado
por um imperativo lógico-racional, Chiovenda fez o seu plano de exposição iniciando a
contextualização dos Institutos Fundamentais a partir do conceito de ação, secundada
pelo de processo e encerrando pelo de jurisdição.

Este ensaio descarta a apresentação que tradicionalmente a doutrina faz do tema. Penso
que as coisas podem ser explicadas por aquilo que empiricamente elas representam,
naturalmente tendo-se em conta o ambiente republicano e democrático no qual o
processo jurisdicional será operado.

Antes de tudo é preciso aceitar o imperativo lógico-racional de que a análise das


categorias fundamentais do direito processual deve seguir o eixo sistemático assim
disposto: ação, processo, jurisdição.

Na ordem constitucional republicana e democrática a qual estamos submetidos, não


parece trazer qualquer dificuldade racional a percepção empírica de que cada uma
dessas categorias (=ou institutos) fundamentais existem no mundo da vida como
antecedente lógico da realidade posterior que – também logicamente – lhe sucede.
Explico através de interrogações. Há processo sem ação? Há jurisdição sem processo?
Há jurisdição sem que haja o processo iniciado pela ação? A resposta para todas estas
perguntas será negativa, o que leva a conclusão empírica de que em matéria de
Institutos Fundamentais o posterior sempre será uma consequência do anterior.

É evidente que se pode estudar em compartimentos estanques cada um desses


conceitos (=ação, processo, jurisdição). Mas a partir do momento em que a doutrina
chamou a atenção para o fato de que o fenômeno processual deve ser vislumbrado
cientificamente a partir do eixo sistemático formado pelos Institutos Fundamentais, é
evidente que as coisas devem ser pensadas seguindo a lógica funcional daquilo que, em
perspectiva macroscópico-pragmática, chamamos de Processo, que em última análise
representa a organização sistemático-fisiológica da ação, do processo e da jurisdição,
dos conceitos fundamentais, portanto.

A obviedade desta observação empírica ganha força quando se mira a questão a partir
da influência que lhe provoca o princípio republicano. Este princípio revela que o
ambiente político-constitucional em que vivemos é a República, necessariamente
estruturada para a contenção/diminuição do arbítrio relacionado ao exercício do Poder,
não pode haver dúvida de que as engrenagens que movem o processo jurisdicional não
podem ser explicadas em perspectiva ex parte principis. Ao contrário – muito ao
contrário, direi eu –, o processo jurisdicional precisa ser pensado e estruturado a partir
da liberdade (=dispositividade) que a Constituição confere ao jurisdicionado para iniciá-
lo, ou não, através do exercício da garantia constitucional-libertária da ação. De modo
que sem a ação (=liberdade), não haverá o processo (=garantia) que dá legitimação
constitucional-republicana-democrática ao exercício da jurisdição (=poder).

Este importante aspecto da Teoria Geral do Processo tem aderência plástica a qualquer
das manifestações do processo jurisdicional, inclusive no âmbito processual penal. Ali, o
dominus litis (=Ministério Público) apenas exercerá responsavelmente a ação nos casos
em que estiverem presentes os sinais concretos que a justifique, que são os indícios de
autoria (=aspecto subjetivo do fato penal) e a prova da materialidade (=aspecto
objetivo do fato penal).
Em miúdos: através do exercício da ação (=liberdade) será formado o processo
(=garantia) que viabilizará a atuação legítima da jurisdição (=poder). É por isso que por
um imperativo lógico a sequência da exposição e da contextualização do trinômio
fundamental só pode ser esta: ação-processo-jurisdição.

Tenho para mim que essa ordem de exposição/apresentação dos Institutos


Fundamentais, além de lógica – eis que decorre da própria natureza das coisas –, está
rigorosamente adequada ao ambiente republicano no qual convivem o indivíduo, a
sociedade civil e o Estado, como decorrência da própria estrutura jurídica estabelecida
pela Constituição.

Reconhece-se que a forma com a qual a dogmática processual estruturou os Institutos


Fundamentais ao largo do século XX correspondeu às especulações próprias de sua
época, e talvez por isso seguiu-se na toada do senso comum que enaltece a jurisdição
como valor preponderante quando comparada à ação e ao processo. Mas agora é
importante deixar de lado certos conceitos que não se compatibilizam com uma ordem
constitucional republicana e democrática, para que se possa (re)dimensionar a
compreensão em torno dos conceitos fundamentais do direito processual.

Valendo-me de enunciados prescritivos contidos no Pacto de São José e na Constituição


brasileira – mas o exercício é possível a partir de qualquer outra Constituição
republicana –, abaixo esboçarei os conceitos de cada um dos elementos integrantes
deste trinômio fundamental para a Teoria Geral do Processo, o que farei partindo das
seguintes premissas: (i) processo e república são valores político-jurídico-constitucionais
que se correlacionam; (ii) a função jurisdicional não é uma função política (=de escolha),
mas técnica (=de decisão); (iii) o princípio republicano é determinante para a atuação
legítima do poder estatal; (iv) o princípio republicano implica redução/contenção do
arbítrio; (v) os cidadãos integrantes do Poder Judiciário republicano não podem pautar
suas tomadas de decisão mediante supostos subjetivos-idiossincráticos ou mesmo
metajurídicos; (vi) o exercício da ação é uma garantia decorrente da liberdade que é
viabilizada pela República; (vii) o processo é um método de debate consubstanciado na
correlata garantia constitucional orientada pelo princípio republicano; (viii) a jurisdição é
uma manifestação de poder republicano.

5.2 Ação

O que é a ação para o processo jurisdicional republicano?

Discussões clássicas sobre o conceito de ação como Windscheid-Muther, por exemplo, ou


a ação como instância bilateral, para Briseño Sierra, ou mesmo ação material versus
ação processual, para Pontes de Miranda, aqui serão postas de lado. Compreende-se a
complexidade e profundidade destes e de outros estudos sobre o tema, como ainda
compreende-se o valor histórico de cada uma dessas proposições. Mas o fato é que na
atualidade, após toda a evolução do direito processual, somando à observação empírica
do respectivo fenômeno, a ação pode ser vislumbrada-conceituada a partir daquilo que
ela “é” e para que ela serve.

A ação é uma garantia constitucional cujo exercício permite ao jurisdicionado levar


qualquer pretensão jurídica, que lhe permite a própria liberdade (=dispositividade), à
apreciação do Poder Judiciário. E mais. É através dela que será iniciado o processo.

Neste enunciado descritivo (=conceito), cuja simplicidade repousa na observação


empírica do que ocorre no mundo da vida, explica-se o que ela “é” e para que ela serve.
Além do mais, este conceito vincula o exercício da ação à liberdade (=dispositividade)
que a ordem constitucional republicana a todos franqueia.

A Constituição da República brasileira (art. 1.º, caput) é clara em afirmar como


garantias fundamentais: (i) que são invioláveis, dentre outros, “o direito à liberdade e à
igualdade” (CF, art. 5.º, caput; (ii) que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude da lei” (CF, art. 5.º, II); (iii) que “a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (CF, art. 5.º, XXXV).

A partir destes enunciados prescritivos é possível chegar ao enunciado descritivo acima


proposto para a (re)formulação do conceito de ação no ambiente republicano e
democrático. Mais não é só. Estes enunciados prescritivos extraídos da Constituição
brasileira – além dos que se pode extrair do Pacto de São José da Costa Rica – permitem
uma argumentação jurídica na qual é revelada a norma que nos legitima a formular o
conceito republicano de ação, acima lançado.

Postas as coisas dessa forma, soa lógico que todo o fenômeno processual se inicia a
partir do exercício desta parcela da liberdade que a Constituição nos permite, e que é
representada pela ação através da qual será iniciado/formado o processo para que a
jurisdição possa atuar na esfera jurídica dos jurisdicionados.

5.3 Processo

Como deve ser estruturado o conceito de processo no ambiente constitucional


republicano e democrático?

Evidentemente que aqui será descartada toda e qualquer concepção instrumentalista


que vê no processo o meio (=instrumento) para o atingimento dos fins (=escopos) do
Estado. As ideias decorrentes deste tipo de postura revelam forte carga autoritária-
dirigista, muito própria de Estados-ativos, 36 no qual os respectivos agentes políticos se
creem ungidos para ditar os desígnios do indivíduo e da sociedade civil, naturalmente
enfraquecendo a liberdade eventualmente estabelecida pela ordem jurídica. Em suma: é
uma postura dogmática que sugere que o processo deve estar a serviço de um “Estado
forte”, o que se afasta da moldura política que forma uma República constitucional. Por
tal motivo – repita-se – aqui se descarta qualquer concepção instrumentalista.

O processo é uma atividade (=ou método) regida pelo contraditório e pela ampla defesa,
iniciado pela ação e voltado a garantir, no seu curso (=tutela de urgência) ou ao final
(=tutela definitiva), o exercício republicano e democrático da jurisdição. Antes de tudo,
portanto, o processo é uma garantia que nos é dada pela Constituição para que suas
regras sejam observadas antes de o Estado exercer o seu poder sobre a esfera jurídica
de liberdade do indivíduo e da sociedade, liberdade esta, aliás, garantida pela própria
Constituição. É o desencadeamento racional e jurídico do processo, portanto, que
legitimará o exercício do poder republicano representado pela jurisdição.

É da Constituição da República brasileira (art. 1.º, caput) as seguintes garantias


fundamentais: (i) que são invioláveis, dentre outros, “o direito à liberdade e à igualdade”
(CF, art. 5.º, caput; (ii) que “ninguém será privado de suas liberdade ou de seus bens
sem o devido processo legal” (CF, art. 5.º, LIV); (iii) que “aos litigantes, em processo
judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório a
ampla defesa” (CF, art. 5.º, XXXV).

A partir da combinação hermenêutica destes enunciados prescritivos contidos, por


exemplo, no Pacto de São José e na Constituição brasileira – mas, repito: outras
Constituições preveem coisas no mesmo sentido –, chega-se à norma jurídica que
viabiliza o (re)dimensionamento do conceito de processo que, essencialmente, é uma
garantia constitucional para legitimar o exercício do poder (=jurisdição).

Em miúdos: o processo é uma garantia para que a liberdade decorrente do exercício da


ação viabilize a atuação legítima do poder republicano representado pela jurisdição.

5.4 Jurisdição

Por fim, qual é a dimensão do poder jurisdicional no ambiente constitucional republicano


e democrático em que vivemos em nossos países? Uma primeira resposta se impõe: por
se tratar de um poder republicano, sua dimensão jamais será ilimitada, seja quanto às
soluções (=decisões), seja quanto aos procedimentos para se chegar aos resultados que
lhe são próprios.

Descarta-se aqui, em definitivo, o dogma de que a jurisdição é o núcleo irradiador e/ou


justificador do fenômeno processual, o mais importante e preponderante dos Institutos
Fundamentais trabalhados pela Teoria Geral do Processo, tal como constou na exposição
de motivos do CPC italiano de 1940, conforme lembrado por Calamandrei e neste ensaio
já referenciado. Essa jurisdição a que as posturas instrumentalistas concebem como um
poder “redentor” nas mãos de um juiz “oráculo”, predestinado a “justiçar” o caso
concreto com base no próprio senso de justiça, certamente é algo próprio de conjecturas
metafísicas que insistem, de maneira idiossincrática e escolástica, a fazer supor que o
Direito só existe se subserviente for à Moral. De resto, este tipo de postura integra o
conteúdo “romântico” do discurso neoconstitucional-neoprocessual, de que a vida em
sociedade deve ser conduzida ativamente pelo senso de justiça de um Judiciário
solipsista, o que revela uma forma autoritária e antirrepublicana de conceber a
jurisdição, o que digo com todo o respeito àqueles que assim o pensam, mas é preciso
que se o diga.

A jurisdição é a função técnica concedida preponderantemente ao Poder Judiciário para


decidir, com base em supostos jurídicos, e de maneira definitiva, imparcial e
independente da intromissão de qualquer função política, as questões que lhe se são
submetidas através do processo iniciado pelo exercício da ação.

Na República não há espaço – ou não deveria haver – para que a jurisdição seja
considerada como o instituto fundamental de maior preponderância dogmática da teoria
geral do processo. Jurisdição é poder, poder republicano, cujo exercício não pode se dar
de forma arbitrária. A jurisdição é demasiadamente importante, não se nega isso. Sem
ela de nada adiantaria a ação e o processo. Mas no ambiente republicano e democrático,
onde constitucionalmente o poder emana do povo (CF, art. 1.º, parágrafo único), é para
ser natural que a realidade semântica e pragmática do exercício da jurisdição seja
efetivada sem a interferência de outros argumentos que não os jurídicos, é dizer, da
ordem jurídica na qual está sendo operada a jurisdição.

É da Constituição da República brasileira (art. 1.º, caput), que estabelece a


independência harmônica dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário as seguintes
garantias fundamentais: (i) que são invioláveis, dentre outros, “o direito à liberdade e à
igualdade” (CF, art. 5.º, caput; (ii) que “ninguém será privado de suas liberdade ou de
seus bens sem o devido processo legal” (CF, art. 5.º, LIV); (iii) que “aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório a ampla defesa” (CF, art. 5.º, XXXV); (iv) que “não haverá juízo ou tribunal
de exceção” (CF, art. 5.º, XXXVII); (v) que “todos os julgamentos do Poder Judiciário
serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade” (CF, art. 93,
IX); (vi) que é vedado ao juiz “dedicar-se à atividade político-partidária” (CF, art. 95,
parágrafo único, III).

O conceito acima proposto para jurisdição é coerente com os enunciados prescritivos


contidos na Constituição. Os dispositivos acima mencionados, sem prejuízo de outros
que certamente me escapam neste instante, afastam a preponderância que
tradicionalmente a dogmática processual empresta ao conceito de jurisdição.

Se vivemos em uma República é natural, e não pode nos surpreender, o fato de que o
exercício legítimo da função jurisdicional – posto que técnica – passa longe das escolhas
sobre as quais o arbítrio humano se pauta para a tomada das próprias decisões. E uma
das grandes finalidades políticas da República é exatamente conter/diminuir o arbítrio.
Os atributos republicanos são determinantes para o dimensionamento do poder,
inclusive e especificamente o jurisdicional, que por definição não expressa nenhuma
função política. Nestas – funções políticas –, as escolhas se legitimam na
representatividade. Já aquela – função jurisdicional – se legitima com a observância das
regras preestabelecidas para o seu funcionamento, não sendo permitida qualquer
postura idiossincrática ou solipsista por parte de quem a exerce. Mas toda a vez que isso
acontece descamba-se para a – antirrepublicana – arbitrariedade.

6. Conclusão

Foram várias as razões que levaram a dogmática processual a se desenvolver sobre


bases autoritárias. Este ensaio procurou demonstrar que a ordem e o conteúdo da
exposição que tradicionalmente a teoria geral do processo dá aos Institutos
Fundamentais foi uma delas. É inegável, e soa até intuitivo, que apresentar as
categorias fundamentais em torno do eixo sistemático jurisdição-ação-processo revela a
opção estratégica de aceitar que o “poder” teria maior preponderância na dinâmica do
Processo. Por isso a jurisdição apareceu como o polo metodológico de maior relevância.
Mostrou-se também que a etiologia deste enfoque (=jurisdição-ação-processo) deveu-se
a sistematização dada por Calamandrei a partir de ideias lançadas por Chiovenda em sua
exposição de 1903 na Universidade de Bolonha, que tanto influenciou os estudos
posteriores sobre a teoria geral do processo.

Pretendeu-se chamar a atenção para o fato de que os Institutos Fundamentais do direito


processual podem – e devem! – ser pensados em perspectiva republicana e, claro,
democrática. Até por que nossas Constituições estabelecem uma ordem jurídica de
arquétipo republicano. A visão tradicional de exposição do tema, com todo o respeito,
não guarda compatibilidade com os valores constitucionais republicanos, já que enaltece
demasiadamente o poder (=jurisdição) em detrimento da liberdade (=ação) e da
respectiva garantia (=processo) que lhe é correlata.

O objetivo deste ensaio é colaborar para que a conceituação e o desenvolvimento das


categorias fundamentais do direito processual possam ser redimensionados. Não
necessariamente nos exatos termos aqui propostos, que em essência revelam a minha
forma de encarar o fenômeno decorrente deste eixo fundamental formado pelo trinômio
ação-processo-jurisdição, que tanta importância tem para o processualista, para a teoria
geral do processo e para a sociedade republicanamente organizada. Somos livres para
pensar e assim devemos fazer!

Espero que as reflexões aqui trazidas possam servir, ao menos, de provocação e


fomento a outras reflexões que cada um de nós pode – e deve – realizar em prol da
melhora da ciência do processo, que precisa ser (re)equacionada a partir da realidade
atual da ordem jurídico-política estabelecida pelas nossas Constituições. Essa atual
realidade das coisas nos impõe a missão de manejar uma teoria geral do processo na
qual a ação seja a projeção da liberdade, o processo seja a concretização da garantia e a
jurisdição seja a manifestação do poder racionalizado pelo princípio republicano.

Minha esperança é que estas ideias possam repercutir. Ideias singelas – reconheço –,
mas sinceras, e pautadas na racionalidade que a observação do fenômeno processual
permite a qualquer um de nós vislumbrar.
   
1. Texto-base de minha intervenção no 8.º Congresso de Direito Processual de Uberaba,
em 11.09.2014, repetida no XIII Congreso Nacional de Derecho Procesal Garantista,
realizado em Azul, Argentina, em 22.09.2014.
 
2. BÜLOW, Oskar von. La teoría de las excepciones procesales y los presupuestos
procesales (Die Lehre von den Prozesseinreden und die Prozessvoraussetzungen). Trad.
Miguel Angel Rosas Lichtschein. Buenos Aires: Ejea, 1964.
 
3. Cf. CIPRIANI, Franco. El centenario del Reglamento de Klein (El proceso civil entre
libertad y autoridad). Batallas por la Justicia Civil – Ensayos (compilación y traducción
Eugenia Ariano Deho). Lima: Cultural Cuzco, 2003. p. 59-87. Cf. tb RAMOS, Glauco
Gumerato. Ativismo e garantismo no processo civil: apresentação do debate. In: DIDER
JR, Fredie; NALINI, José Renato; RAMOS, Glauco Gumerato; LEVY, Wilson (coord.).
Ativismo judicial e garantismo processual. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 273-286.
 
4. Ainda sobre a influência da obra da Klein sobre a legislação processual que se formou
no século XX, cf. LENT, Friedrich. Diritto processuale civile tedesco – Prima parte: Il
procedimento di cognizione (Zivilprozessrecht, trad. Edoardo F. Ricci). Napoli: Morano
Editore, 1962. p. 364 (Profilo storico del processo civile – § 102. Il secolo ventesimo).
 
5. Lenio Streck: “No âmbito do processo civil, por exemplo, temos uma explicação
privilegiada de como essa mescla acrítica de tradições pode levar a resultados perigosos
para formatação de nossa arquitetura democrática. Com efeito, o predomínio das
vertentes instrumentalistas do processo no campo da teoria processual produziu um tipo
intrigante de sincretismo de tradições. A ideia de que o processo é um instrumento
teleológico cujo fim é determinado a partir de escopos políticos, sociais e jurídicos
encarrega a jurisdição de – solipsisticamente – levá-los à realização”. Cf. em Verdade e
consenso – Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed., 2.ª tir. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 30. De formação dogmática constitucional e de teoria geral do direito,
Lenio Streck é um dos maiores críticos do ativismo judicial reinante no Brasil.
 
6. Sobre as ideias instrumentalistas, cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A
instrumentalidade do processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros,1998, passim.
 
7. No caso do Brasil, por exemplo, v. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e
neoprocessualismo – Direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judicial. 2.
ed. São Paulo: Ed. RT, 2011, passim.
 
8. Ver AROCA, Juan Montero. Sobre el mito autoritario de la buena fe procesal. Proceso
civil e ideología – Un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos. AROCA, Juan
Montero (coord.). Tirant lo Blanch: Valencia, 2006. p. 294-353. V. ainda, com muito
proveito, COSTA, Eduardo. Los criterios de la legitimación jurisdiccional según los
activismos socialista, fascista y gerencial. RBDPro 82/205.
 
9. Sobre a existência de vários “neoconstitucionalismos”, bem como certos aspectos da
crítica dogmática de que são merecedores, cf. o excelente “Neoconstitucionalismo: entre
a ciência do direito e o direito da ciência”, ÁVILA, Humberto. Revista Eletrônica de
Direito do Estado (REDE). n. 17. Salvador: Instituto Brasileiro de Direito Público, jan.-
mar. 2009. Disponível em: [www.direitodoestado.com.br/rede.asp].
 
10. Criticando – acertadamente, a meu ver – a instrumentalidade a ideia de processo
como “instrumento”, cf. CALMON DE PASSOS, J. J. Instrumentalidade do processo e
devido processo legal. In: DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno (orgs.). Ensaios e
artigos. Salvador: Jus-Podivm, 2014. p. 31-43. Coleção Obras de J. J. Calmon de Passos
– Clássicos, vol. 1. Tb. publicado na ReProcesso, vol. 102, abr. 2001.
 
11. Sobre algumas características da dimensão semântica do plano constitucional que
impactam o processo jurisdicional, cf. o meu Aspectos semânticos de uma contradição
pragmática. O garantismo processual sob o enfoque da filosofia da linguagem. In:
DIDIER JR., Fredie; NALINI, José Renato; RAMOS, Glauco Gumerato; LEVY, Wilson
(coord.). Ativismo judicial e garantismo processual. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 245-
253.
 
12. Cf. ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
p. 15.
 
13. A Separação dos Poderes aqui mencionada é aquela pensada por Montesquieu, e não
por Locke, e reflete a regra contida em nossas Constituições no sentido de que o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário são poderes independentes e harmônicos entre si.
Eros Grau: “(… das colocações de Locke e de Montesquieu, permite-nos verificar que o
primeiro propõe uma separação dual entre três poderes – o Legislativo, de um lado, e o
Executivo e o Federativo, de outro – e o segundo sugere não a divisão ou separação,
mas o equilíbrio entre três poderes distintos – o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Cf. em O direito posto e o direito pressuposto. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 173.
 
14. ATALIBA, Geraldo. Op. cit., p. 113.
 
15. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido
Rangel: “O processo é indispensável à função jurisdicional exercida com vistas ao
objetivo de eliminar conflitos e fazer justiça mediante a atuação da vontade concreta da
lei. É, por definição, o instrumento através do qual a jurisdição opera (instrumento para
a positivação do poder)”. Cf. em Teoria geral do processo. 27. ed. São Paulo: Malheiros,
p. 301.
 
16. Sobre a data exata da conferência de Chiovenda em Bolonha, cf. ECHANDÍA,
Hernando Devis. Teoria general del proceso. Buenos Aires: Editorial Universidad, 1984.
t. I, p. 17.
 
17. CHIOVENDA, Giuseppe. A ação no sistema dos direitos. Trad. Hiltomar Martins
Oliveira. Belo Horizonte: Líder, 2003, passim.
 
18. PODETTI, José Ramiro. Teoría y técnica del proceso civil y trilogía estructural de la
ciencia del proceso civil. Buenos Aires: Ediar, 1963. p. 334 e ss.
 
19. Chiovenda: “Considerado nesse tríplice aspecto, o processo recebe sua completa
significação: um lado pressupõe o outro e nenhum pode ser estudado isoladamente com
aproveitamento. Assim, na ciência do direito processual resultam três grandes divisões
que se completam reciprocamente: a teoria da ação e das condições da tutela jurídica, a
teoria dos pressupostos processuais e a teoria do procedimento”, cf. nota 2, op. cit., p.
43.
 
20. CHIOVENDA, Giuseppe Instituições de direito processual civil. Trad. da 2.ª edição do
original italiano Paolo Capitanio). Campinas: Bookseller, 1998. vol. 1.
 
21. Cipriano Gómez Lara: “Esta idea de los tres conceptos fundamentales de la ciencia
procesal, se apuntó por primera vez en las notas de un discurso o prolusión inaugural de
un curso, que el año de 1903, pronunció Chiovenda en la Universidad de Bolonha.
Alcalá-Zamorra y Castillo nos expresa que en una pequeña nota, consistente en una
cuantas líneas, Chiovenda ‘(… apunta la idea de que los conceptos fundamentales del
proceso son acción, jurisdicción y proceso’. Parece ser que Chiovenda, sin embargo, con
posterioridad al años de 1903, no desenvuelve ni desarrolla esta importantísima idea de
que los conceptos de acción, jurisdicción y proceso, sean los conceptos más importantes
y fundamentales de la ciencia procesal. Es un discípulo suyo, ‘(… Calamandrei, quien se
da cuenta de la transcendencia del hallazgo y entonces él, ya sí de una manera
categórica y precisa, afirma que las ideas fundamentales para a elaboración de la
sistemática procesal, son esas tres y, a partir de entonces, una serie de autores de
diferentes países van suscribiendo el mismo punto de vista y sustentan la idea de que la
sistemática procesal puede alzarse sobre estos tres conceptos, e inclusive en Argentina,
un autor, Podetti, los engloba bajo la denominación de trilogía estructural del proceso’”.
Cf. em GÓMEZ LARA, Cipriano. Teoría general del proceso. 3.ª reimpr. México-DF:
Universidad Nacional Autónoma de México, 1981. p. 105.
 
22. Cf. CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil – Estudos sobre o processo civil.
Trad. Luiz Abezia, Sandra Drina Fernandez Barbery. Campinas: Bookseller, 1999. p. 93.
 
23. Idem, p. 94.
 
24. Idem.
 
25. Calamandrei foi categórico no ponto: “O trinômio das noções fundamentais que
constituem as premissas de nosso estudo se completa com a de processo”. Cf., idem, p.
253.
 
26. Adolfo Alvarado Velloso: “Para lograr coherencia sistemática en todo lo que aquí diga
respecto del proceso, y habida cuenta de que en el Capítulo anterior lo he presentado
como el objeto de la acción procesal, parece claro que debo comenzar toda explicación a
partir de su completa tipificación.Con ello, a más de aceptar como buena la presentación
del tema que se hacía en la legislación del lejano pasado, asumo una posición filosófica
que coloca a la libertad personal por encima de todo otro valor y, consiguientemente,
considera que el Estado se halla al servicio del individuo y no a la inversa, cual lo ha
imaginado el mundo totalitario que inicia toda explicación desde el concepto de
jurisdicción y no del de acción”. Cf. em Sistema procesal – Garantía de la libertad.
Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni Editores, 2009. t. I, p. 201.

 
27. Cf. CALAMANDREI, Piero. Op. cit. p. 96.
 
28. Idem.
 
29. Idem.
 
30. Vale lembrar que Jairro Parra Quijano traduziu ao espanhol a Relazione Grandi.
Segue a versão de Jairro Parra ao item 19 da Relazione (=Sistema y técnica del Código):
“Mientras que el Código de 1865 iniciaba su primer libro, dedicado al proceso de
cognición, por las disposiciones generales sobre el ejercicio de la acción, el nuevo código
parte de la jurisdicción y del juez. Esta variación en el orden sistemático, es índice de un
cambio de mentalidad: el anterior código se planteaba los problemas desde el punto de
vista del litigante que pide justicia, el nuevo los encara desde un punto de vista del juez
que debe administrarla; mientras el antiguo código consideraba la acción com un prius
de la jursidicción, el nuevo código, invertiendo los términos del binomio, concibe la
actividad de la parte en función del poder de juez”. Cf. em Racionalidad e ideología en
las pruebas de oficio. Bogotá: Temis, 2004. p. 190.
 
31. Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,
Cândido Rangel. Op. cit., p. 271-277.
 
32. Cf. CALAMANDREI, Piero. Op. cit., p. 187.
 
33. Cf., um dos mais contundentes críticos das posturas instrumentalistas, LEAL,
Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo – Primeiros estudos. 8. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2009. p. 254. As palavras em itálico são do original.
 
34. Glauco Gumerato Ramos: “A lógica da celeridade processual representa um
problema de superestrutura do processo (=estrutura jurídica + ideologia). Se bem
pensadas as coisas, o discurso em torno da celeridade revela que a preocupação em
concretizá-la é do Estado-Judiciário, que bem ou mal, respeitando ou não as garantias
constitucionais, o devido processo legal, enfim, o próprio modelo republicano no qual e
para o qual é exercida a jurisdição, pretende solucionar com a maior rapidez possível às
demandas que lhe são submetidas pelos jurisdicionados. Para essa heroica missão, a
celeridade processual surge de capa e espada no interior do discurso – tão melancólico,
quanto inocente – de que ela seria uma espécie de panaceia a colaborar com a “tão
almejada” efetividade do processo. Esta, a efetividade do processo, tal qual a celeridade
processual, funciona diante de nós como sintagmas discursivos capazes de, em passe-
de-mágica, resolver, se não todos, vários dos problemas que vivenciamos no dia-a-dia
de nossas funções diante do Poder Judiciário”. Em texto ainda inédito sob o título Crítica
macroscópica ao fetiche da celeridade processual. Perspectiva do CPC de hoje e no de
amanhã.
 
35. Em especial o seu art. 8.º, que trata das “Garantias Judiciais”.
 
36. Mirjan R. Damaska: “No es necesario decir que la autonomía individual está lejos de
ser sacrosanta. Para un Estado activista, los individuos no necesitan ni siquiera ser
jueces fiables de su mejor interés; su percepción, conformada por una práctica social
defectuosa, puede ser errada e incorrecta. Desde luego, mientras más se adapten los
ciudadanos a la imagen nacida de las teorías del Estado, más fácil será que el Estado
permita una mayor definición individual: los deseos de los ciudadanos son cada vez más
lo que el Estado quiere que deseen.”. Cf. em Las caras de la justicia y el poder del
Estado – Análisis comparado del proceso legal (Título orginal em inglês: The Faces of
Justices and State Authority: A comparative approach to the legal process). Santiago de
Chile: Editorial Juridica de Chile, 2000. p. 142.
A NECESSÁRIA EFICÁCIA EXPANDIDA - OBJETIVA E SUBJETIVA -
DAS DECISÕES NO ÂMBITO DA JURISDIÇÃO COLETIVA:
ESPECIALMENTE, O ACÓRDÃO DO TJSP NA ADIN 0121480-
62.2011.8.26.0000 (J. 01.10.2014), PROPOSTA EM FACE DA LEI
PAULISTANA 15.374/2011, SOBRE O USO DE SACOLAS PLÁSTICAS

Revista de Processo | vol. 241/2015 | p. 277 - 308 | Mar / 2015


DTR\2015\2129

Rodolfo de Camargo Mancuso


Doutor e Professor Associado da Faculdade de Direito da USP. Livre-docente. Procurador,
aposentado, do Município de São Paulo.
 
Área do Direito: Processual

Resumo: O estudo analisa o acórdão do TJSP na ADIn proposta em face da Lei


paulistana 15.374/2011, a qual proíbe o uso de sacolas plásticas no comércio. Investiga-
se a eficácia espacial e subjetiva dessa decisão, sustentando-se que, apesar de ter sido
sindicada uma lei da capital do Estado, o resultado final pela sua constitucionalidade
implica em que normações de outros municípios paulistas, sobre a mesma matéria, mas
de conteúdo contrário, tornam-se, a contrario sensu, e por via reflexa, inconstitucionais,
ou quando menos perdem sua condição de validade: expressio unius, est exclusio
alterius.

 Palavras-chave:  Sentido contemporâneo de Jurisdição e de Acesso à Justiça -


Distinção entre jurisdição singular e coletiva - Eficácia contra todos e efeito vinculante
das decisões nas ações diretas no controle de constitucionalidade - Eficácia espacial e
subjetiva do acórdão do TJSP na ADIn sobre a lei paulistana que proíbe o uso de sacolas
plásticas - Transcendência dos motivos determinantes dessa decisão em face de outros
municípios paulistas.

Abstract: This study analyses the TJSP ruling at the ADIn proposed in face of São
Paulo's law number 15.374/2011 that prohibits the use of plastic bags at business
trades. We investigate the subjective and spatial efficacy of this decision, contending
that although a law, in the capital of the State of São Paulo has been syndicated, the
final result by its constitutionality implies that rulings in other counties, on the same
matter but contrary in content, become a contrario sensu and therefore unconstitutional
or at least they lose their validation condition: expressio unius, est exclusio alterius.

 Keywords:  Contemporary sense of Jurisdiction and access to Justice - Distinction


between individual and collective jurisdiction - Efficiency against all and binding effect of
decisions made on direct actions in the control of constitutionality - Spatial and
subjective efficiency of the TJSP at ADIn judgment over São Paulo's law that prohibits
the use of plastic bags - Transcendence of determining motives of this decision in face of
other São Paulo's counties.
Sumário:  
1.Significados contemporâneos de jurisdição e acesso à Justiça - 2.A divisão da
jurisdição em singular e coletiva. Primeira abordagem sobre o acórdão do TJSP na ADin
sobre a Lei paulistana proibitória do uso de sacolas plásticas - 3.Os três planos ou
dimensões em que se projetam as decisões judiciais de mérito: existência, validade e
eficácia - 4.Exame de caso: ADin 0121480-62.2011.8.26.000, proposta no TJSP pelo
Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo, em face do Prefeito
de São Paulo e da Câmara Municipal, tendo por objeto a Lei Paulistana 15.374/2011,
inibitória da oferta de sacolas plásticas no comércio. Ação julgada improcedente, relator
o Des. Arantes Theodoro, j. 01.10.2014, maioria - 5.Considerações conclusivas
 

1. Significados contemporâneos de jurisdição e acesso à Justiça

A atividade estatal de distribuição da justiça, no senso clássico – tradicionalmente


afetada ao “Poder Judiciário” – está restrita aos órgãos elencados, em numerus clausus,
no art. 92 da CF, tendo assim, nessa acepção tradicional, um sentido unívoco, atrelado,
de um lado, à garantia de acesso à Justiça aos históricos de danos temidos ou sofridos
(CF, art. 5.º, XXXV), e, de outro lado, ao entendimento de que a decisão judicial de
mérito opera como a “lei do caso concreto”, na medida em que aqueles órgãos, atuando
quando provocados e nos limites em que o sejam, aplicam a norma da regência aos
casos judicializados: princípio da legalidade estrita (CPC, art. 126), excepcionado, nos
vazios da legislação, pelos chamados meios de integração (CPC, art. 126, 2.ª parte) e,
quando a lei o autorize, pela equidade (CPC, art. 127; Lei 9.099/95, art. 6.º).

Verdade que também à Administração é dado prevenir riscos (v.g., obras contra
enchentes) e resolver controvérsias (valendo-se, em alguns casos, do poder de polícia),
aplicando a lei de ofício, cuidando-se de atividade basicamente vinculada (e apenas
excepcionalmente discricionária), como se dá, por exemplo, no primeiro caso, com a
decisão do Prefeito que, ao cabo do procedimento disciplinar que apura conduta
afirmadamente ilícita de servidor, acolhe a proposta da Comissão Processante e aplica a
pena de demissão do serviço público; nesse sentido, dispõe o art. 2.º da Lei 9.784/1999,
sobre o processo administrativo federal, que em tal sede “serão observados entre
outros, os critérios de: I – atuação conforme a lei e o Direito”.

Ainda que o discrímen entre as funções judicante e administrativa não se dê pela


aplicação do Direito aos fatos (já que ambas as instâncias assim procedem), não há
negar, todavia, que elas se distinguem por três aspectos sensíveis: (i) somente a
decisão judicial de mérito (dita solução adjudicada estatal) preordena-se a se tornar
imutável (dimensão retrospectiva) e indiscutível (dimensão prospectiva) com a
agregação da coisa julgada material; (ii) a resposta jurisdicional beneficia da chamada
reserva de sentença, nesse sentido de só poder ser contrastada – e eventualmente
afastada – por outra decisão judicial, como se dá com os acórdãos que reformam
sentenças (efeito substitutivo/translativo dos recursos), o que também se aplica às
decisões trânsitas em julgado, que, no biênio (CPC, art. 495), sujeitam-se à ação
rescisória se presentes os pressupostos elencados nos incs. do art. 485 do CPC; (iii) o
Poder Judiciário, pese a separação entre os Poderes, sobrepaira aos outros dois, porque,
se é verdade que hoje todos praticam funções atípicas (o Executivo normatiza, mediante
edição de Medidas Provisórias, e julga, quando decide controvérsias de sua economia
interna e também na relação com os administrados; o Judiciário administra, quando
organiza seus serviços e planeja suas atividades, e em certo modo normatiza, quando
emite decisões com eficácia erga omnes e efeito vinculante; o Legislativo administra,
quando dispõe sobre a aplicação de seus recursos orçamentários, e decide, quando julga
autoridades às quais se imputa crime de responsabilidade), não é menos verdade que só
ao Judiciário é dado rever, em última instância, os atos, condutas e decisões dos outros
dois Poderes, inclusive, em certa medida, daqueles órgãos revestidos de atividade
decisória, tais os Tribunais de Contas, o Cade, os Tribunais de Arbitragem.

Posta essa premissa, vale dizer que o sentido clássico de jurisdição vem, de tempos a
esta parte, consentindo uma releitura – atualizada e contextualizada – em função do
advento de fatores de diversa extração, dentre os quais se contam a antes referida
superação da outrora rígida separação entre os Poderes, a notória sobrecarga do
Judiciário, a tendência à desjudicialização dos conflitos. A par disso, numa perspectiva
finalista, isto é, do real proveito para as partes envolvidas, o que de fato interessa é que
o conflito seja prevenido ou resolvido em modo tecnicamente consistente, num tempo
razoável, sob um bom equilíbrio entre custo e benefício, antes que se exigir,
dogmaticamente, que toda e qualquer controvérsia tenha sua passagem judiciária,
concepção que insufla a cultura demandista e provoca o superdimensionamento do
Judiciário, com as consequências bastante conhecidas.

Este exacerbado sentido do day in Court – atrelado a uma acepção defasada e


equivocada da universalidade da jurisdição – não tem mais como ser implementado na
contemporânea realidade, seja pela notória incapacidade do Judiciário em atender de
modo eficiente à crescente demanda, seja pela projeção de externalidades negativas,
dentre elas o desestímulo a que as partes busquem, num primeiro momento, resolver o
conflito por si mesmas, ou mediante a intercessão de um agente facilitador, levando a
que o conflito acabe, por assim dizer, terceirizado, ao ser desde logo submetido ao
Estado-juiz.

Assim, não é de causar espécie que, nas pirâmides de solução de conflitos que têm sido
excogitadas pela doutrina, sobreleva a nota comum da inserção da Justiça estatal
inserida geralmente ao meio da figura geométrica, assim pressupondo o prévio
esgotamento de outros meios e modos auto ou heterocompositivos, tais a conciliação, a
mediação, a avaliação neutra de terceiro, a arbitragem, a par de fórmulas combinadas.
Assim se passa com a pirâmide proposta por Roberto Ferrari de Ulhôa Cintra, escalonada
em doze fases, estando a “primeira instância judicial” alocada no nono degrau. 1 Na
doutrina estrangeira, pode ser lembrada a pirâmide figurada por Boaventura de Sousa
Santos, Maria Manuel Leitão Marques e João Pedroso, em que o “Recurso ao Tribunal”
aparece no oitavo estágio de um total de nove passos.2

Na experiência brasileira, o Conselho Nacional de Justiça, órgão de sobreposição no


planejamento e estruturação do Judiciário ao nível macro (CF, art. 103-B, § 4.º) já
sinalizou para uma nova era da Justiça estatal, ao editar a Res. 125/2010 (DJe de
01.12.2010, republicado no DJe de 01.03.2011), estabelecendo as diretrizes da Política
Judiciária Nacional, a começar por uma releitura – atualizada e contextualizada – do
acesso à Justiça (CF, art. 5.º, XXXV), deixando assente em seus consideranda que “o
direito de acesso à Justiça, previsto no art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal, além da
vertente formal perante os órgãos judiciários, implica acesso à ordem jurídica justa”, e
que ao Judiciário incumbe, “não somente os serviços prestados nos processos judiciais,
como também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de
conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação”. Em senso
consonante, o PLC 8.046/2010, sobre o novo CPC, prevê no § 3.º do art. 3.º: “A
conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser
estimulados por magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério
Público, inclusive no curso do processo judicial”, figurando o conciliador e o mediador no
rol dos auxiliares da Justiça (art. 149).

Nota-se pois uma gradual deslocação da Justiça estatal, de seu tradicional protagonismo,
para um plano residual, no melhor sentido da expressão, alinhando-se nessa vertente a
antes referida tendência à desjudicialização dos conflitos, de que são exemplos, dentre
tantos, a consignação em pagamento, que pode ser feita em Banco oficial (CPC, § 1.º do
art. 890), o processamento de inventários, partilhas e divórcios nos Tabeliães (CPC, arts.
982, 1.124-A, cf. Lei 11.441/2007; Res. CNJ 35/2007) e a prévia sujeição dos conflitos
desportivos à Justiça Desportiva (CF, § 1.º do art. 217). No ponto, avalia Marco Antonio
da Costa Sabino: “Com efeito, o processo judiciário não é a saída para todos os males:
há de ser verificar, diante de uma determinada situação (como em casos que envolvam
direitos de titularidade transindividual em geral), se a decisão não deve ser entregue a
outro ator, como medida de maior eficiência. Essa constatação prévia poderia, a um só
tempo, evitar desperdício de recursos, discussões inócuas e reservar ao Judiciário mais
tempo e oportunidade para se ocupar de questões que lhes tocam com mais aptidão”. 3

Note-se que também na experiência do common law vai ganhando corpo a tendencial
realocação da Justiça estatal sob uma perspectiva subsidiária, distanciada do tradicional
protagonismo, informando Neil Andrews, escrevendo sobre a experiência inglesa, com
apoio em Robert Turner: “(… that ordinary civil litigation is now itself the alternative
dispute resolution system. Pre-action protocols, introduced in 1999 to promote
settlement and avoid formal proceedings, state that litigation should be a last resort”. 4

Ao propósito, em sede doutrinária, preconizamos uma “revisão, atualizada e


contextualizada dos sentidos de jurisdição e de acesso à Justiça” 5, tendo então
sobrelevado a característica plurívoca ou polissêmica dessas expressões, o que permitiu
a Flávio Galdino detectar nada menos de 14 acepções em torno delas. 6 Naquela
oportunidade afirmamos que, “ao contrário do que a concepção irrealista e ufanista do
acesso à Justiça possa sugerir, a prestação jurisdicional do Estado não mais pode se
apresentar em registro monopolístico, nem tampouco como ‘oferta imediata’, deflagrada
em ligação direta com a controvérsia, sem um prévio estágio perante certos agentes,
órgãos e instâncias com aptidão para resolvê-la em modo justo e tempestivo”.7

Recentemente, o STF mostrou-se sensibilizado com esse renovado ideário, ao prover


recurso extraordinário (631.240, Pleno, j. 27.10.2014), interposto pelo INSS num
processo envolvendo benefício previdenciário a uma trabalhadora rural, colhendo-se da
informação veiculada na mídia eletrônica que o Min. Luís Roberto Barroso “considerou
não haver interesse de agir do segurado que não tenha inicialmente protocolado seu
requerimento junto ao INSS, pois a obtenção de um benefício depende de uma
postulação ativa. Segundo ele, nos casos em que o pedido for negado, total ou
parcialmente, ou em que não houver resposta no prazo legal de 45 dias, fica
caracterizada ameaça a direito. Não há como configurar lesão ou ameaça de direito sem
que tenha havido um prévio requerimento do segurado. O INSS não tem o dever de
conceder o benefício de ofício. Para que a parte possa alegar que seu direito foi
desrespeitado é preciso que o segurado vá ao INSS e apresente seu pedido, afirmou o
ministro”.8

Efetivamente, em sede doutrinária, já sustentamos que o interesse de agir “se configura


quando há necessidade do acesso à justiça e quando a resposta judiciária seja útil no
caso concreto, o que, contrario sensu, deveria bastar para ter-se como desatendido
aquele quesito enquanto ainda não esgotadas as vias suasórias ou enquanto não tentada
a prevenção/resolução do conflito por outros meios, auto ou heterocompositivos”. 9 Nesse
sentido, o STF em 27.10.2014, ao julgar o RE 631.240, considerou legítima a exigência
de prévio requerimento administrativo, previamente à judicialização, conforme
repercutido no boletim Consultor Jurídico: “Por maioria de votos, o plenário acompanhou
o relator, Min. Luís Roberto Barroso, no entendimento de que a exigência não fere a
garantia de livre acesso ao Judiciário, previsto no art. 5.º, XXXV, da CF, pois sem pedido
administrativo anterior, não fica caracterizada lesão ou ameaça de direito. Em seu voto,
o ministro Barroso considerou não haver interesse de agir do segurado que não tenha
inicialmente protocolado seu requerimento junto ao INSS, pois a obtenção de um
benefício depende de uma postulação ativa”.10

Por conta das precedentes considerações, vai se tornando consensual que, dentre as três
vertentes do Judiciário – Poder (sentido estático, atrelado à soberania estatal), Atividade
(sentido operacional, ligado à organização dos serviços judiciários) e Função (sentido
dinâmico, informado pela resolução das controvérsias), esta última hoje sobressai e
prepondera, até porque é através da função judicante que resulta o produto final – o
provimento jurisdicional direcionado aos consumidores desse serviço estatal: os
jurisdicionados – além do que é sob essa dimensão funcional que o Judiciário poderá ser
avaliado no tocante a aspectos relevantes, tais a consistência técnico-jurídica das
decisões, a eficiência, a tempestividade, enfim a relação custo-benefício.

Bem por isso, em sede doutrinária indicamos os seis atributos a serem atendidos pela
resposta jurisdicional de qualidade, a saber: “justa, jurídica, econômica, tempestiva,
razoavelmente previsível, com aptidão para promover a efetiva e concreta satisfação do
direito ou bem da vida reconhecidos no julgado”. 11 Ao propósito deste último quesito, o
PLC 8.046/2010, sobre o novo CPC, estabelece no art. 4.º: “As partes têm direito de
obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.

Esse renovado panorama vem permitindo o gradual prestígio e potencialização das


decisões emanadas de órgãos e instâncias não jurisdicionais, podendo ser lembrados
estes exemplos: o árbitro é considerado “juiz de fato e de direito” (Lei 9.307/1996, art.
18), certo que sua sentença [sic] configura título executivo judicial (CPC, art. 475-N, IV),
certo ainda que nos Juizados Especiais, uma vez frustrada a conciliação, podem os
interessados optar pelo Juízo Arbitral (Lei 9.099/95, art. 24, caput); as decisões dos
Tribunais de Contas, de natureza condenatório-pecuniária, formam título executivo (CF,
§ 3.º do art. 71), tanto quanto as decisões plenárias do Cade, autarquia do Ministério da
Justiça (Lei 12.529/2011, art. 93), sendo bastante significativo o disposto no art. 4.º
dessa última lei, qualificando essa autarquia como “entidade judicante com jurisdição
em todo território o nacional (…”.

Naturalmente, toda essa tendencial desjudicialização dos conflitos (e correlata revisão


dos sentidos de jurisdição e de acesso à justiça) vem sendo reforçada ante o alarmante
estoque de processos judiciais, a teor do divulgado pelo CNJ no segundo semestre de
2014, no boletim Justiça em Números, lendo-se à p. 34 do documento impresso:
“Tramitaram aproximadamente 95,14 milhões de processos na Justiça, sendo que,
dentre eles, 70%, ou seja, 66,8 milhões já estavam pendentes desde o início de 2013,
com ingresso no decorrer do ano de 28,3 milhões de casos novos (30%). É preocupante
constatar o progressivo e constante aumento do acervo processual, que tem crescido a
cada ano, a um percentual médio de 3,4%. Some-se a isto o aumento gradual dos casos
novos, e se tem como resultado que o total de processos em tramitação cresceu, em
números absolutos, em quase 12 milhões em relação ao observado em 2009 (variação
no quinquênio de 13,9%)”.12

2. A divisão da jurisdição em singular e coletiva. Primeira abordagem sobre o


acórdão do TJSP na ADin sobre a Lei paulistana proibitória do uso de sacolas
plásticas

Partindo-se da premissa que a justiça estatal é uma só, enfeixada nos órgãos elencados
no art. 92 da CF, causa espécie sua usual bifurcação em singular e coletiva. E, no
entanto, assim como a organização judiciária nacional se defracta em diversos ramos,
em função de critérios como a matéria ou a pessoa envolvida ou ainda ratione muneris
(Justiça Estadual e Federal, esta última trifurcada em trabalhista, eleitoral e militar),
tendo órgãos singulares à base, colegiados locais ou regionais de permeio, Tribunais
superiores no cimo da pirâmide), também se pode reconhecer validade à bifurcação da
jurisdição em singular e coletiva, dado que estas se distinguem em vários aspectos: (i)
objeto litigioso: na singular, é confinado aos litigantes, ao passo que na coletiva se
projeta em face de sujeitos absoluta ou relativamente indeterminados (no primeiro caso,
os interesses difusos; no segundo, os interesses coletivos em sentido estrito); (ii)
legitimação ativa: na singular, é extraída a partir da afirmada titularidade do direito, ao
passo que na coletiva se reporta ao binômio relevância social – representação adequada,
apresentando-se em modo concorrente-disjuntivo; (iii) coisa julgada: na singular, opera
inter partes (“não beneficiando nem prejudicando terceiros” – CPC, art. 472), enquanto
na coletiva a indivisibilidade do objeto e a indeterminação dos sujeitos fazem com que a
eficácia da decisão se expanda erga omnes ou ultra partes, conforme a classe do
interesse metaindividual judicializado (Lei 8.078/1990, art. 103 e incs.; Lei 7.347/1985,
art. 16; Lei 4.717/1965, art. 18).

Num contexto um tanto peculiar se encontram os interesses individuais homogêneos


(assim entendidos os “decorrentes de origem comum” – Lei 8.078/1990, art. 81,
parágrafo único, III) que, como o nome já indica, são individuais na essência, mas
apenas admitidos ao manejo processual coletivo porque se encontram geralmente
expandidos por um número importante de sujeitos, assim inviabilizando sua redução às
figuras litisconsorciais – CPC, parágrafo único do art. 46: vedação do litisconsórcio
multitudinário (v.g.: os prejudicados pelo uso de certo medicamento ou pela veiculação
de propaganda enganosa); em tais casos, a coisa julgada se projetará erga omnes – Lei
8.078/1990, art. 103, III – com vistas a estabilizar a resposta judicial genérica (lei
supra, art. 95), assegurando tratamento isonômico aos envolvidos na demanda
isomórfica.

Ultimamente uma nova vertente vem ganhando corpo, “encaixada” entre as jurisdições
singular e coletiva, qual seja a chamada tutela judicial plurindividual (CPC, art. 285-A;
543-B e C; e, no bojo do PLC 8.046/2010, sobre o novo CPC, o cogitado “incidente de
uniformização das demandas repetitivas”, considerado por Cassio Scarpinella Bueno “a
mais profunda modificação sugerida desde o início dos trabalhos relativos a um novo
Código de Processo Civil”).13 Em casos que tais não se instaura uma vera coletivização
do processo, mas antes, através de certos expedientes, permite-se que demandas e
recursos isomórficos sejam resolvidos pela aplicação de uma decisão-quadro, de
natureza paradigmática. É possível que o crescimento da tutela plurindividual se deva,
em boa medida, às incompreensões e dificuldades que ao longo do tempo vêm
dificultando o manejo processual dos interesses individuais homogêneos, como sustenta
Bruno Dantas Nascimento: “O mau funcionamento do modelo de tutela coletiva de
direitos individuais homogêneos, somado à necessidade de se adotar técnicas que
permitam a eficiência e a racionalização da atividade do Poder Judiciário, foi a causa
eficiente da elaboração em nosso país de técnicas de tutela plurindividual”.14

Acerca do processo coletivo assim nos pronunciamos em sede doutrinária: “Numa


palavra, a jurisdição coletiva possibilita a otimização dos comandos judiciais, mercê do
tratamento molecular dos conflitos, na consagrada expressão de Kazuo Watanabe, assim
ensejando o tratamento isonômico aos jurisdicionados e prevenindo a pulverização do
conflito em múltiplas e repetitivas ações individuais. O processo coletivo, diz Ricardo de
Barros Leonel, não configura ‘nova e absolutamente distinta ou independente ciência,
afastada dos dogmas já hauridos no processo clássico, mas sim como uma de suas
vertentes, destinada ao atendimento de carências que podem ser identificadas na vida,
em decorrência das características da sociedade de massa, de imperioso e inafastável
acertamento. Não se trata de propiciar disputa sobre o grau de importância do processo
coletivo, em cotejo com o individual, mas sim de reconhecer seu crescimento qualitativo
e quantitativo, pela maior incidência de seus característicos conflitos e, portanto, da
imponderável necessidade de seu aprimoramento’”.15

Exemplo emblemático de interesse difuso é o meio ambiente (geralmente trifurcado em


natural, artificial e do trabalho), tratando-se de um valor transgeracional, um “bem de
uso comum do povo”, esparso pela inteira comunidade, donde, aliás, sua tutela vir
deferida “ao Poder Público e à coletividade” (CF, art. 225, caput). Note-se que a ADIn
julgada pelo TJSP em outubro de 2014 (proc. 0121480-62.2011.8.26.0000), sobre a lei
paulistana proibitória do uso de sacolas plásticas, a ser analisada nos itens seguintes
deste estudo, teve como causa de pedir, em última análise, a preservação do meio
ambiente, dado que tal acondicionamento não é biodegradável, de sorte que seu
posterior descarte impacta negativamente a natureza.
Tratando-se, pois, claramente, de um interesse difuso (objeto indivisível e sujeitos
indeterminados: Lei 8.078/1990, art. 81, parágrafo único, I), o seu trato judicial só pode
fazer-se nos lindes da jurisdição coletiva (ação civil pública, ação popular, mandado de
segurança coletivo, ADIn, ADCon, ADPF), até porque a resposta jurisdicional terá que ser
unívoca, não se concebendo que num mesmo Estado da Federação, se possa falar num
meio ambiente paulistano, distinto de um campineiro, à sua vez diverso de um
araraquarense!

A par disso as ações no controle direto de constitucionalidade apresentam natureza


dúplice, salientando Gilmar Ferreira Mendes seu caráter ambivalente (sic), por modo
que, “proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou
procedente eventual ação declaratória, e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-
á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória” 16 nem outra
coisa se colhe do disposto no art. 24 da Lei 9.868/1999, que regula o rito da ADIn e da
ADCon. Por isso mesmo, tendo sido julgada constitucional, pelo órgão superior do
Judiciário paulista, a lei paulistana que veda o uso de sacolas plásticas, ipso facto, a
contrario sensu, devem ter-se como inconstitucionais as demais normações municipais
em sentido diverso, aplicando-se ao caso a expansão da carga eficacial de tal julgado
aos seus motivos determinantes, como na sequência se irá desenvolvendo.

A questão fulcral consiste em saber se a declaração firmada no acórdão do TJSP na


antes citada ADIn, dando pela constitucionalidade da lei paulistana que veda o uso de
sacolas plásticas, tem sua eficácia objetiva e subjetiva restrita à capital do Estado, ou se
sua “eficácia erga omnes e efeito vinculante”, à semelhança do que se passa com as
decisões de mérito do STF no controle direto de constitucionalidade (CF, § 2.º do art.
102) se estende aos demais Municípios dessa unidade da Federação.

A não se entender assim, se esvaziaria o sentido do constante art. 73, caput, da


Constituição paulista, dizendo que o TJSP é o “órgão superior do Poder Judiciário do
Estado, com jurisdição em todo o seu território (…”. Com efeito, das três funções de um
tribunal superior (no caso, considerando-se a hierarquia judiciária paulista), a saber a
nomofilácica (preservação da higidez da norma legal), a dikelógica (justiça nas
decisões), e a paradigmática (fixação de padrões decisórios), vem se destacando esta
última, por sua aptidão para a agilização dos trâmites e o tratamento isonômico aos
jurisdicionados. Muito enfraquecida ficaria esta última missão, se, uma vez considerada
constitucional, no controle direto, a lei paulistana proibitória do uso de sacolas plásticas,
pudessem as normações de outras cidades, sobre o mesmo tema, mas de conteúdo
contrário, continuar em vigor, tanto mais se considerando que, em última análise, o
valor em discussão é a defesa do meio ambiente, exemplo emblemático de interesse
difuso (CF, art. 225, caput), cujo objeto é indivisível, reportando-se a sujeitos
indeterminados.

Registre-se desde logo que a admissão de tal premissa impõe aos demais Executivos
municipais do Estado um dever de abstenção no sentido de não apresentarem projeto de
lei de conteúdo incompatível com o decidido pelo TJSP na citada ADIn, parecendo-nos,
outrossim, que, no tocante às demais leis municipais autorizando o uso de tais sacolas
plásticas, ou bem se entende que perderam impositividade, ou bem deveriam ser
revogadas e substituídas, em sendo o caso, por outras de formulação compatível com o
decidido naquela ADIn.

Descabe, no caso do acórdão proferido nessa ADIn, tentar restringir sua eficácia
territorial, argumentando analogicamente, com a (equivocada) redação do art. 16 da Lei
7.347/1985 sobre a ação civil pública, que limita a coisa julgada aos limites da
“competência territorial do órgão prolator”, justamente porque o TJSP é o “órgão
superior do Poder Judiciário do Estado, com jurisdição em todo o seu território(…”
(Constituição paulista, art. 73, caput). Nesse sentido, Ricardo de Barros Leonel,
discorrendo sobre as “indevidas tentativas de restrição da coisa julgada coletiva”,
desvela o equívoco de tais investidas contra a efetividade das decisões na jurisdição
coletiva, mostrando que por aí se “estabelece confusão entre a amplitude da demanda,
conforme o objeto litigioso do processo (pedido delimitado pela causa de pedir) e
competência territorial, que é um dos critérios legislativos para a repartição da
jurisdição, com a fixação de seus limites com relação a cada órgão judicial, nada tendo a
ver com a coisa julgada.”17

3. Os três planos ou dimensões em que se projetam as decisões judiciais de


mérito: existência, validade e eficácia

O Direito é um ramo nomotético do conhecimento, isto é, expressa-se através de


normas – autorizativas, repressivas, explicitadoras – e, também, é axiológico, na medida
em que agrega valor às condutas que ele considera relevantes. Nesse sentido, distingue-
se da Moral, porque, embora esta também se expresse através de normas (geralmente
não escritas), todavia faltam à norma moral os elementos que são essenciais à norma
jurídica, quais sejam a atributividade (a fruição de certa situação de vantagem por um
dado sujeito, dito titular) e a exiquibilidade (a imposição coercitiva do comando legal).
Em palavras simples, a norma jurídica impõe comportamentos, ao passo que a norma
moral os sugere (por exemplo: deve-se tratar com urbanidade as pessoas).

Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que “as normas jurídicas não são
conselhos, opinamentos, sugestões. São determinações. O traço característico do Direito
é precisamente o de ser disciplina obrigatória de condutas. Daí que, por meio das regras
jurídicas, não se pode, não se exorta, não se alvitra. A feição específica da prescrição
jurídica é a imposição, a exigência. Mesmo quando a norma faculta uma conduta, isto é,
permite – ao invés de exigi-la – há, subjacente a esta permissão, um comando
obrigatório e coercitivamente assegurável: o obrigatório impedimento a terceiros de
obstarem o comportamento facultado a outrem e a sujeição ao poder que lhes haja sido
deferido, na medida e condições do deferimento feito”.18

Sob outra mirada, a nomogênese se forma a partir da agregação de um dado valor a


uma certa conduta ou situação, levando a que a norma legal, posto que aperfeiçoada e
em plena vigência, todavia continua de algum modo influenciada pelo passar do tempo e
correlata alteração dos costumes e interesses (“Mudam-se os tempos, mudam-se as
vontades”, disse o bardo lusitano Luís de Camões), 19 diversamente do que se passa com
as ciências exatas, cujos postulados são permanentes, por se fundarem na “relação
necessária que resulta da natureza das coisas”, donde se poder sempre afirmar que
“duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si”, o mesmo se passando com a lei
da gravidade. Assim é que, no primeiro caso, institutos jurídicos podem cair em desuso,
não raro levando à sua exclusão em legislações futuras ou, quando menos, passam por
profundas alterações, como se deu com a instituição do casamento, ante o advento da
união estável.

Essas diferenças, assim sumariamente expostas, levam a que a norma ou o ato jurídico
consintam diversa abordagem, em ordem sequencial: (i) quanto à existência (o contrato
existe juridicamente? – ou seja, seus elementos essenciais estão presentes ?); (ii)
quanto à validade, permitindo, por exemplo, que o STF examine a constitucionalidade de
uma lei ou ato do Poder Público (CF, § 2.º do art. 102); (iii) quanto à eficácia, bem
podendo, por exemplo, uma lei existir enquanto norma geral, abstrata e impessoal
aprovada no Parlamento, sancionada e publicada, e, além disso, ser válida, por terem
sido atendidas as exigências quanto à iniciativa, ao quorum de aprovação, à adequação
em face da matéria, restando porém ainda verificar sua eficácia, isto é, saber até onde
(dimensão territorial) e em face de quais sujeitos (dimensão subjetiva) ela exerce sua
força impositiva.

Por exemplo, pode dar-se que uma dada lei municipal trate de matéria de estrito
interesse local (v.g., a lei que autoriza a isenção de IPTU, por certo lapso temporal, às
indústrias que se instalarem em determinada área para tal reservada), sendo evidente
que, em tais casos, a eficácia da norma restringe seus efeitos à cidade de que se trata,
às pessoas físicas aí domiciliadas e às pessoas jurídicas aí sediadas.

A trilogia existência – validade – eficácia aplica-se também aos atos judiciais, podendo-
se figurar o caso de uma sentença firmada por juiz incompetente em razão da matéria: o
ato não é inexistente, já que o agente é um magistrado em atividade; todavia, em
virtude do vício de incompetência absoluta, o ato carece de validade e, por isso mesmo,
ainda que venha a transitar em julgado, sujeitar-se-á à ação rescisória, no biênio (CPC,
art. 495). (Verdade que há algum tempo tornou à berlinda o tema da querela nulllitatis
insanabilis, sustentando-se que certas decisões de mérito, quando aberrantes do sistema
ou quando discrepem da realidade objetiva, não se preordenam a ficar imutáveis pela
agregação da coisa julgada, podendo ser sindicadas a qualquer tempo. Nesse sentido,
escreve Cândido Rangel Dinamarco: “Onde quer que se tenha uma decisão aberrante de
valores, princípios, garantias ou normas superiores, ali ter-se-ão efeitos juridicamente
impossíveis e portanto não incidirá a autoridade da coisa julgada material – porque,
como sempre, não se concebe imunizar efeitos cuja efetivação agrida a ordem jurídico-
constitucional”).20

A tríplice dimensão antes enunciada – existência, validade, eficácia – é bem perceptível


em face de certos posicionamentos do STF no controle abstrato de constitucionalidade,
quando promove a modulação temporal, a teor do art. 27 da Lei 9868/1999: “Ao
declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de
segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o STF, por maioria de dois
terços de seus membros, restringir os efeitos da daquela declaração ou decidir que ela
só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha
ser fixado”. Ou seja: no plano do acertamento, ou da declaração, a lei ou ato do Poder
Público ficam declarados inconstitucionais, mas os efeitos práticos e a eficácia vinculativa
dessa insubsistência, ao invés de retroagirem ex tunc, podem, pela ordem, ser
restringidos ou ser postergados (análoga disposição beneficia a ADPF – CF, § 1.º do art.
102, a teor do art. 10 da Lei 9882/1999).

Observam Nery e Nery que o protraimento da eficácia de tais decisões do STF no


controle de constitucionalidade “deve ser totalmente excepcional, sendo assim, seu uso
deve ocorrer apenas quando os efeitos da declaração de inconstitucionalidade possam
acarretar consequências extremamente gravosas, um estado de anomia, no qual toda a
legalidade fica suspensa, permitindo a manifestação do estado de exceção, diante do
que as relações jurídicas estabelecidas entre os particulares os direitos subjetivos delas
provenientes ficariam totalmente fulminados”. Esclarecem ainda os autores que tal
modulação temporal se aplica “também nas hipóteses de controle concreto da
constitucionalidade das normas, feito normalmente no julgamento do recurso
extraordinário (STF, AgRgRE 497403-7/RJ, 2.ª T., j. 13.2.2007, v.u., rel. Min. Celso de
Mello, DJU 23.03.2007, p. 141)”.21

A citada possibilidade de modulação temporal de que beneficia o STF no controle de


constitucionalidade serve bem a evidenciar que o valor segurança, intrinsecamente
ligado ao Direito, não se esgota no singelo acertamento (eliminação da incerteza:
jurisdictio in sola notio consistit), mas deve ainda assegurar à parte que teve o seu
direito reconhecido a efetiva fruição prática dessa situação de vantagem. Nesse sentido,
o PLC 8046/2010, sobre o novo CPC, prevê no art. 4.º: “As partes têm direito de obter
em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa”.

Nesse instigante campo da eficácia das decisões judiciais, por vezes o legislador chega a
positivar certas atecnias, como é o caso emblemático do antes referido art. 16 da Lei
7.347/1985 sobre a ação civil pública, o qual sofreu alteração aditiva (originalmente pela
Med. Prov. 1570), resultando a dicção de que a sentença fará (sic) coisa julgada erga
omnes, “no limite da competência territorial do órgão prolator”, por aí se baralhando as
noções de competência (já tratada no art. 2.º daquela lei) com os efeitos subjetivos da
coisa julgada, a estes sim se endereçando o dispositivo em causa.

Tal atecnia – redacional e substancial – gera, como não podia deixar de ser, situações de
perplexidade, como expusemos em outra sede: “No campo ambiental, suponha-se uma
ação civil pública onde se pede a interdição do uso de mercúrio no garimpo de ouro,
atividade realizada ao longo de um rio que atravessa dois Estados; figure-se, ainda, que
essa ação vem proposta no Estado banhado pelo trecho do rio que está a jusante.
Indaga-se: de que modo poderia a decisão de procedência da ação ser realmente eficaz,
se os seus efeitos práticos ficassem circunscritos aos limites territoriais do juízo prolator
da decisão? No exemplo, nenhuma eficácia – muito menos erga omnes – teria a coisa
julgada, porque o inquinamento do rio, pelo mercúrio, continuaria ocorrendo no Estado
banhado pelo trecho do rio postado a montante, e daí desceria até alcançar – e poluir –
o trecho do rio situado abaixo, em território supostamente protegido pela coisa
julgada”.22

No ponto ora tocado, afirma Marcos Paulo Veríssimo: “A adequada ponderação dos
tribunais quanto à efetiva extensão geográfica do dano dá, ao que tudo indica, o critério
ao art. 16 da Lei 9.494/1997, enquanto essa restrição não for expurgada, de uma vez
por todas, do ordenamento positivo. Essa afirmação é feita também com base nas
indicações já dadas pelo STJ em sua jurisprudência, conforme se pode extrair da
seguinte consideração, lançada na ementa do acórdão que resolveu o REsp 557.646/DF,
relatado pela Min. Eliana Calmon: ‘O efeito erga omnes da coisa julgada material na ação
civil pública será de âmbito nacional, regional ou local conforme a extensão e a
indivisibilidade do dano ou ameaça de dano, atuando no plano dos fatos e litígios
concretos, por meio, principalmente, das tutelas condenatória, executiva e
mandamental, que lhe asseguram eficácia prática’ (STJ, 2.ª T., j. 13.04.2004, DJ
30.06.2004, p. 314). No mais resta afirmar novamente a infelicidade do dispositivo [art.
16 da Lei 7.347/1985] que, a exemplo das restrições relativas ao uso de ação coletiva
em matéria tributária e previdência, navega na contramão da tendência legislativa de
coletivização da solução de litígios”.23

A menção ora feita ao art. 16 da Lei 7.347/1985 se justifica, de um lado porque ela
compõe, juntamente com a ADIn, a ADcon, a ADPF, a ação popular, o mandado de
segurança coletivo, a ação coletiva consumerista, os dissídios coletivos trabalhistas, o
universo das ações coletivas, e, de outro lado, porque a ratio da eficácia expandida da
decisão em ação civil pública não difere, no essencial, da “eficácia contra todos e efeito
vinculante” que reveste a decisão de mérito do STF no controle abstrato de
constitucionalidade (CF, § 2.º do art. 102): em ambos os casos, o interesse de que se
trata é difuso (a que normas e atos normativos sejam conformes à Constituição, no caso
das ADIns e ADCons; à preservação de valores transcendentes, tais o meio ambiente, no
caso da ação civil pública), notando-se em ambos os casos que os sujeitos concernentes
são absolutamente indeterminados e o objeto é absolutamente indivisível: não pode uma
lei federal ser (in) constitucional somente em face de alguns, assim como , por exemplo,
não pode a transposição das águas do Rio São Francisco 24 ser feita apenas em face de
alguns ribeirinhos.

O pretenso confinamento aos lindes da cidade de São Paulo, da eficácia territorial e do


efeito vinculativo do acórdão do TJSP na citada ADIn sobre a lei paulistana que vedou o
uso de sacolas plásticas, incidiria na mesma grave impropriedade de se pretender limitar
a aplicação do julgado em ação civil pública “aos limites da competência territorial do
órgão prolator” (cláusula acrescida ao art. 16 da Lei 7.347/1985 pela MedProv 1570,
depois roborada pela Lei 9.494/1997).

De fato, refoge a toda racionalidade que, após o órgão de cúpula do Judiciário paulista
ter reconhecido a constitucionalidade da citada lei paulistana, outros órgãos judiciais do
mesmo Estado venham a se pronunciar diversamente quando examinarem análogas
normações provindas de outros municípios paulistas, assim como também não se
concebe que tais normações discrepantes sigam “em vigor”, tudo engendrando ambiente
de anomia e insegurança, que desprestigia as instituições, confunde a sociedade e
desserve os jurisdicionados e administrados.

Não faz sentido pretender-se que toda a farta e convincente fundamentação do citado
acórdão sirva apenas a respaldar a lei paulistana que vedou o uso de sacolas plásticas,
por modo que tal julgado do Tribunal de cúpula no Estado possa vir a ser ignorado – ou
mesmo contrariado – pelas demais cidades paulistas. Sendo todos iguais perante a lei
(CF, art. 5.º, caput), não basta que ela seja igualitária apenas em sua formulação
abstrata, mas impende que ela se mantenha unívoca, coesa e consistente em sua
interpretação, o que também se aplica – a fortiori – aos casos em que normações locais,
num mesmo Estado, dispõem sobre um objeto indivisível, como se dá com a
preservação do meio ambiente.

Os acórdãos no controle concentrado de constitucionalidade, tanto os do STF como os


dos TJ, enquadram-se como precedentes fortes, ou, na tríplice classificação formulada
por Patrícia Perrone Campos Mello, como “precedentes com eficácia normativa”:
decisões que estabelecem um entendimento que deverá ser obrigatoriamente seguido
em casos análogos, sob pena de invalidade ou reforma”. (… Possuem eficácia normativa,
nos termos da classificação geral empreendida acima: (… as decisões produzidas pelos
Tribunais de Justiça em controle concentrado de constitucionalidade das normas
municipais e estaduais em face da Constituição Estadual. Tais precedentes deverão ser
seguidos em casos análogos, sob pena de cassação dos jugados conflitantes” 25 [A autora
elenca, ainda, os precedentes com eficácia impositiva intermediária e com eficácia
meramente persuasiva].

Assim se há de entender, sob pena de se esvaziar a efetividade jurídica e prática dos


qualificativos “eficácia contra todos” e “efeito vinculante” que guarnecem e distinguem
as decisões de mérito no controle direto de constitucionalidade.

Na jurisdição singular compreende-se que a motivação do julgado não integre os limites


da coisa julgada material (CPC, art. 469, I), porque naquele plano os sujeitos da lide são
determinados, geralmente atuando em legitimação ordinária, e o objeto litigioso a eles
se confina, bem podendo, por exemplo, a alegação de mau uso do imóvel dar azo ao
despejo, e, noutra ação, ser novamente agitado, desta vez com vistas à pretensão
indenizatória. Todavia, na jurisdição coletiva um panorama todo especial se descerra,
porque é da essência desse ambiente o tratamento molecular do objeto judicializado –
no caso em análise, o meio ambiente impactado pelo descarte de material não
degradável – não se concebendo que a resposta judiciária do órgão de cúpula da Justiça
estadual não sirva a parametrizar o manejo do tema nas demais cidades paulistas, o que
levaria à paradoxal coexistência de diversos “meios ambientes”, conforme a vontade
política do Município que se dispusesse a normatizar o assunto.

Nos processos de natureza e finalidade coletiva, a resposta judiciária de mérito


apresenta aspectos que a aproximam da própria norma legal, em ambos os casos
confluindo as notas da abstração, generalidade, impessoalidade e obrigatoriedade, o que
em boa medida se explica por conta da indivisibilidade do objeto e da indeterminação
dos sujeitos, a ponto de Cândido Rangel Dinamarco entrever na decisão em ação
coletiva sobre interesses individuais homogêneos – subtipo dos interesses
metaindividuais – uma nova fonte do Direito: mencionando a transmigração do
individual para o coletivo (Barbosa Moreira), Dinamarco afirma: “Essa nova postura
constitui estrada aberta para a superação daquele rígido esquema lógico de índole
estritamente dedutiva, que tendia a reservar ao legislador o trato abstrato e genérico
dos direitos e a confinar o juiz no âmbito dos negócios concretos, específicos e
individuais. Foi assim que o direito positivo brasileiro veio a instituir uma nova fonte de
direito, o que fez ao disciplinar as sentenças condenatórias genéricas a serem proferidas
para a tutela jurisdicional dos titulares de direitos individuais homogêneos (CDC, arts.
95-97)”.26

Algo semelhante se passa nos dissídios coletivos trabalhistas, cujas decisões projetam
eficácia expandida em face de extensos segmentos laborais, fixando, impositivamente,
novas condições de trabalho ou alterando as pré-existentes, sendo impensável, por
exemplo, que uma empresa do setor afetado pretendesse se autoexcluir à irradiação dos
efeitos de tal provimento jurisdicional de natureza coletiva.

Na jurisdição singular (litígios de tipo Tício versus Caio ou composições litisconsorciais),


compreende-se que a eficácia do julgado se restrinja às partes que participaram do
contraditório – “não beneficiando, nem prejudicando terceiros” (CPC, art. 472); todavia,
a mesma lógica não pode aplicar-se às ações de natureza coletiva (ADIn, ADCon, ADPF,
ação popular, ação civil pública, ação coletiva por interesses individuais homogêneos,
mandado de segurança coletivo, dissídios coletivos trabalhistas), pela boa razão de que
neste campo o interesse de agir não é deflagrado por um histórico de dano pessoal,
temido ou sofrido, mas por afirmada violação a um interesse metaindividual, impondo,
por razão de simetria, que o julgado projete efeitos até onde se estenda o interesse
objetivado. Assim é que, por exemplo, transitando em julgado um acórdão do TJSP
reconhecendo como enganosa a mensagem publicitária de certo produto ou serviço
ofertado ao mercado por empresa sediada na capital, não há como confinar os efeitos de
tal julgado ao “território da capital” e em face de seus habitantes, porque isso levaria à
paradoxal situação desse mesmo produto ou serviço continuar a ser ofertado nas demais
cidades do mesmo Estado.

Assim, não há negar que a eficácia do julgado, no ambiente da jurisdição coletiva, tem
que projetar-se em modo expandido – conforme se trate de dano local, regional ou
nacional, a teor do art. 93 da Lei 8.078/1990 – por aí se entendendo, por exemplo, que
a decisão de mérito na ação popular, após prova plena, deva projetar eficácia erga
omnes s (Lei 4.717/1965, art. 18), visto tratar-se de ação idônea à tutela dos interesses
difusos,27 à semelhança do que se passa com a decisão de mérito do STF em ADIn e
ADcon (CF, § 2.º do art. 102), já que nestas ações de controle direto está também em
jogo um interesse difuso, qual seja aquele a que leis e atos do Poder Público sejam
conformes à Constituição.

No caso de outras ações de natureza coletiva esse desenho remanesce, podendo figurar-
se uma ação civil pública, cujo comando inibe a comercialização – por conta de perigosos
efeitos colaterais – de certo medicamento ofertado em todo o território nacional: tal
determinação terá que espraiar efeitos até onde ela se aplique espacialmente, não
podendo confinar-se às partes do processo nem tampouco a uma parcela territorial,
porque isso implicaria numa desequiparação ilegítima entre brasileiros, visto ser a tutela
da saúde um direito difuso e fundamental.

4. Exame de caso: ADin 0121480-62.2011.8.26.000, proposta no TJSP pelo


Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo, em face do
Prefeito de São Paulo e da Câmara Municipal, tendo por objeto a Lei Paulistana
15.374/2011, inibitória da oferta de sacolas plásticas no comércio. Ação
julgada improcedente, relator o Des. Arantes Theodoro, j. 01.10.2014, maioria

O acórdão em epígrafe rejeitou a imputação de inconstitucionalidade da lei paulistana


sindicada, sendo relevante, para as considerações que na sequência serão feitas, o
sumário da fundamentação do julgado, ou seja, os seus motivos determinantes: (i) o
contraste instaurado só poderia fazer-se entre a lei em causa e a Constituição Estadual,
e não em face da legislação infraconstitucional; (ii) não é impeditivo ao enfrentamento
do mérito o fato de o texto guerreado reproduzir, a certos respeitos, normas da
Constituição Federal (STF, Rcl. 13.818/SP, j. 28.04.2014, rel. Min. Ricardo
Lewandowski); (iii) não há vício de iniciativa na lei questionada, que “não dispõe sobre
matéria pertinente a trato administrativo ou gestão da administração pública”
(Constituição Paulista, arts. 5.º e 47), nem tampouco “criou ou elevou despesa pública”
(Constituição paulista, art. 25); (iv) a CF outorga aos Municípios competência para
“legislar sobre assuntos de interesse local” e “suplementar a legislação federal e
estadual, no que couber” (art. 30, I e II); (v) a defesa do meio ambiente é deferida “ao
Poder Público, em todas as suas esferas” (CF, art. 225 e inc. V); (vi) a LC federal 140,
de 2011, dispõe no art. 9.º e inc. XII que as ações administrativas enquadradas na
competência comum devotada à proteção do meio ambiente cabem também aos
Municípios, que podem assim “controlar a produção, a comercialização e o emprego de
técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e
o meio ambiente (…”; (vii) o art. 9.º da Lei federal 12.305/2010, instituidora da Política
Nacional dos Resíduos Sólidos, autoriza os Municípios a diligenciar a “não geração,
redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final
ambientalmente adequada dos rejeitos”; (viii) a Constituição paulista outorga ao Estado
e Municípios o poder-dever de promoverem “o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes”, assim como “a
preservação, proteção e recuperação do meio ambiente urbano e cultural” (arts. 180, I e
III) e de “providenciarem, com a participação da coletividade, a preservação,
conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do
trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais em harmonia com o
desenvolvimento social e econômico” (art. 191); (ix) a lei paulista 12.300/2006
credencia os Municípios a promoverem “a prevenção da poluição mediante práticas que
promovam a redução ou eliminação de resíduos na fonte geradora” e a “minimização dos
resíduos por meio de incentivos às práticas ambientalmente adequadas de reutilização,
reciclagem, redução e recuperação” (art. 2.º, IV, V e VI); (x) a lei questionada na ADIn
em questão não afronta o princípio da liberdade econômica, dado que tanto a
Constituição Federal (art. 170 e parágrafo único) como a paulista (arts. 180 a 183)
“anunciam que tal liberdade não é absoluta” (STF, MC na ADIn 3540/DF, j. 01.09.2005,
rel. Min. Celso de Mello,); (xi) não era exigível estudo de impacto ambiental,
previamente à edição da lei paulistana 15.374/2011, porque “como se vê no art. 192 da
Constituição do Estado tal se mostra de rigor apenas para o licenciamento de ‘obras,
atividades, processos produtivos e empreendimentos e a exploração de recursos
naturais’, o que não é o caso”; (xii) tal lei não feriu “os princípios da tipicidade,
razoabilidade e proporcionalidade ao dispor sob penalidades”, porquanto, nesse aspecto,
“mandou observar o disposto na Lei federal 9.605, de 12.02.1998, diploma denominado
‘Lei dos Crimes Ambientais’” (…”.

Em remate a tal percuciente fundamentação, o julgado conclui que a lei paulistana


sindicada na ADIn, “ao vedar o fornecimento de sacolas plásticas nas situações lá
indicadas não instituiu norma sobre meio ambiente, apenas dispôs sobre prática
destinada a preservá-lo, exatamente como lhe cabia em atenção à disciplina
constitucional previamente traçada pela União e o Estado. Ao assim agir, portanto, o
Município não desconsiderou a competência normativa atribuída àqueles entes, mas
antes lhes deu cabal atendimento e sem extrapolar os limites do interesse local”. (… Em
suma, motivo algum existe para se concluir pela inconstitucionalidade da citada Lei
15.374, de 18.05.2011” (O acórdão ainda colaciona, em sentido consonante, o decidido
pelo TJSP na ADIn 0026426-98.2013.8.26.0000, tendo por objeto a Lei 7.076/2012, do
Município de Guarulhos, a qual estabelecia normas para destinação ambientalmente
adequada de garrafas e embalagens plásticas).

A questão fulcral que se coloca consiste em saber qual a eficácia espacial e subjetiva
desse acórdão, considerando-se que a lei sindicada na citada ADIn é emanada da cidade
que é a Capital do Estado, tendo alcançado avaliação positiva pelo TJSP, a saber, o
“órgão superior do Poder Judiciário do Estado, com jurisdição em todo o seu território
(…” (Constituição paulista, art. 73, caput). Presente tal contexto, cuida-se então de
saber: (i) se é dado a outras cidades paulistas considerarem “em vigor” leis em sentido
contrário, sob alegação da própria autonomia para prover sobre “interesse local”; (ii) se
é dado às instâncias judiciais de primeiro grau, no Estado, entenderem em senso
diverso, quando instadas a se pronunciar acerca de normações locais sobre a matéria em
causa.

Eventual resposta afirmativa sobre esses dois questionamentos implicaria desconhecer o


fato de ser o meio ambiente um valor transgeracional e tipicamente difuso (CF, art. 225,
caput), sendo portanto indivisível e afetado a sujeitos indeterminados, a impor que a
intervenção jurisdicional deva resultar numa resposta unívoca, apta a parametrizar o
manejo desse transcendente valor, não sendo aceitável a “convivência”, numa mesma
unidade da Federação, de leis de conteúdo discrepante, nem tampouco de
pronunciamentos judiciais em senso diverso do fixado pelo órgão superior do Poder
Judiciário no Estado. Do contrário, restariam esvaziados os sentidos das expressões
“eficácia contra todos” e “efeito vinculante”, que qualificam e potencializam as decisões
de mérito no controle direto de constitucionalidade.

Não se pode admitir que a alentada e convincente fundamentação em que se baseia o


acórdão do TJSP na antes referida ADIn, só “valeria” para respaldar a conclusão então
alcançada – pela constitucionalidade da lei paulistana examinada – tolerando-se que tal
motivação venha a ser ignorada quando do exame de normações sobre o mesmo tema,
oriundas de outros municípios paulistas. Afinal, o modelo de eficácia expandida da
resposta jurisdicional de mérito, nesse campo (“eficácia contra todos e efeito vinculante”
– CF, § 2.º do art. 102), por questão de simetria e até de exigência lógica, há que
estender-se às chamadas ADIn locais, de competência originária dos TJs.

Ao propósito do ora afirmado, Gilmar Ferreira Mendes observa que “nas hipóteses de
declaração de inconstitucionalidade de leis municipais, o STF tem adotado uma postura
significativamente ousada, conferindo efeito vinculante não só à parte dispositiva da
decisão de inconstitucionalidade, mas também aos próprios fundamentos determinantes.
É que são numericamente expressivos os casos em que o Supremo Tribunal tem
estendido, com base no art. 557, caput e § 1.º-A do Código de Processo Civil, a decisão
do plenário que declara a inconstitucionalidade de norma municipal a outras situações
idênticas, oriundas de municípios diversos”.28
O problema que ora se vai examinando se agudiza quando se tem presente o divulgado
na mídia jornalística, no sentido de que quarenta e duas cidades paulistas normatizam a
matéria em sentido diverso da lei paulistana guerreada na citada ADIn, inclusive
Guarulhos, Barueri e Osasco.29 Esse errático ambiente normativo permite a geração de
situações de total non sense, facilmente imagináveis: o morador de uma cidade cuja lei
inibe o uso de sacolas plásticas, faria compras na cidade vizinha, onde não impera lei
semelhante ou mesmo existe uma permitindo tal uso, e, depois, voltaria para sua cidade
de origem com as sacolas de plástico, assim escapando à incidência da lei da cidade na
qual é domiciliado!

De resto, essa problemática é comum às respostas jurisdicionais no âmbito da jurisdição


coletiva, por força da eficácia expandida ex lege (ação civil pública – Lei 7.347/1985, art.
16; ação popular – Lei 4.77/1965, art. 18; ações coletivas consumeristas – Lei
8.078/1990, art. 103 e incs.), não havendo como restringir a irradiação dos efeitos das
decisões de mérito nesse campo, sem dar azo a situações paradoxais – verdadeiros
becos sem saída – como no exemplo há pouco figurado. Por isso mesmo, o Min. Gilmar
Mendes, relator da Recl. 4.335-Acre, afirmou em seu voto lançado em 20.03.2014:
“Como sustentar que uma decisão proferida numa ação coletiva, numa ação civil pública
ou em um mandado de segurança coletivo, que declare a inconstitucionalidade de uma
lei determinada, terá eficácia apenas entre as partes?” (p. 45 do voto).

Com efeito, se uma lei do município que é a capital de um Estado teve sua
constitucionalidade reconhecida, em controle direto, pelo Tribunal de Justiça, parece
inevitável admitir-se, a contrario sensu, que outras leis de municípios paulistas, dispondo
em senso contrário sobre a mesma matéria, perdem sua condição de validade,
tornando-se ipso facto (… inconstitucionais, não se concebendo que, num mesmo
espaço-tempo, leis possam ser e não ser constitucionais, a depender da cidade de onde
provieram!

Visto que o citado acórdão do TJSP rejeitou no mérito a ADIn contra a lei paulistana, e
dado o caráter dúplice dessa ação, restou reconhecida expressis verbis a
constitucionalidade da citada normação; logo, pelo princípio interpretativo expressio
unius est exclusio alterius, outros textos legais, no âmbito do Estado de São Paulo, de
conteúdo diverso ou contrário, não têm como subsistir. Ao propósito, no âmbito do STF,
o Min. Teori Zavascki, em voto vista (20.03.2014), na antes referida Recl. 4.335 – Acre,
reconheceu que as ações no controle concentrado são “caracterizadas pela sua natureza
dúplice, a significar que as sentenças de mérito nelas proferidas, julgando procedente ou
improcedente o pedido, têm aptidão para afirmar ou negar a legitimidade da norma
questionada, além de natural eficácia erga omnes e efeito vinculante. É o que se
depreende, relativamente à ADI e à ADC, dos arts. 26 e 28, parágrafo único, da Lei
9.868/1999, e, relativamente à ADPF, dos arts. 10, § 3.º e 13 da Lei 9.882/1999”. 30
(Neste passo, registre-se que ainda grassa algum dissenso sobre a natureza dúplice das
ações no controle de constitucionalidade).31

Justamente para prevenir notórias situações de perplexidade que decorreriam do


“confinamento territorial” dos efeitos das decisões nas ações no controle direto, vai
ganhando corpo, dentre nós, o entendimento – originário da experiência tedesca – de
que a eficácia expandida, própria de tais comandos, não pode cingir-se à parte
dispositiva da declaração judicial pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade de
uma lei ou ato normativo, mas deve também estender-se aos fundamentos da decisão,
reconhecendo-se, pois, a transcendência dos motivos determinantes.

Tal técnica aproxima-se, a certos respeitos, do que se passa na experiência do common


law, onde, a rigor, o efeito vinculativo do julgado paradigmático (holding, binding,
aucthoritative precedent) prende-se aos fundamentos da decisão (rationale, material
facts), base essa que deve ser percucientemente examinada pelo intérprete e julgador
do(s) caso(s) subsequentes, iguais ou análogos, com vistas à preservação da diretriz
fundamental nessa família jurídica: stare decisis et non quieta movere. No ponto, afirma
Patrícia Perrone Campos Mello: “O conceito de holding é, contudo, fundamental para um
desenvolvimento crítico do sistema brasileiro, prestando-se a lançar luzes sobre a
discussão que se vem empreendendo aqui, em sede concentrada, sob a denominação de
eficácia transcendente dos motivos determinantes. Isso porque se debate, nesta via,
sobre a possibilidade de extensão dos efeitos normativos de uma decisão aos seus
motivos determinantes, em lugar de sua restrição ao dispositivo do julgado. A adoção da
eficácia transcendente equivaleria a dizer que o modelo de controle concentrado seria
dotado de uma dupla normatividade, produzindo dois comandos obrigatórios e gerais:
(a) seu dispositivo determinaria que a Lei X é inconstitucional; (b) seus motivos
determinantes, extraídos por indução, indicariam que qualquer outra lei ou ato que
contrarie a exegese afirmada pelo STF também será considerado inconstitucional. Nota-
se, portanto, que a ideia de eficácia transcendente dos motivos determinantes é
correlata àquela de holding. Busca-se, por ela, conferir força vinculante à interpretação
fixada pela Corte”.32

Tornando ao voto-vista do Min. Teori Zavascki, no julgamento da citada Recl 4.335-Acre


(j. 20.03.2014), saliente-se que nele registrou-se a “evolução do direito brasileiro em
direção a um sistema de valorização dos precedentes judiciais emanados dos tribunais
superiores, aos quais se atribui, cada vez com mais intensidade, força persuasiva e
expansiva em relação aos demais processos análogos”, Após resenhar os dispositivos
legais que ilustram tal afirmação, o Ministro afirma: “Não bastasse essa intensa e
explícita previsão normativa conferindo aos precedentes a eficácia ampliada para além
das fronteiras da causa concretamente em julgamento, é importante considerar que
certas decisões são naturalmente dotadas dessa eficácia ultra partes. É o caso, de um
modo geral, das decisões produzidas no âmbito do processo coletivo, nomeadamente na
ação civil pública (art. 16 da Lei 7.347/1985), nas ações coletivas (art. 103 da Lei
8.078/1990) e no mandado de segurança coletivo (art. 22 da Lei 12.016/2009). São
ações promovidas em regime de substituição processual, em que os autores, legitimados
ativos indicados na lei, atuam em nome próprio na defesa de direitos individuais
homogêneos ou transindividuais de interesse de uma pluralidade de pessoas. Assim,
pela sua própria natureza, as sentenças nelas proferidas têm eficácia subjetiva que
transcende aos partícipes da relação processual” (p. 151 e 154 do acórdão).

Em nossa realidade judiciária, as decisões de mérito do STF em ADIn e ADCon projetam


“eficácia contra todos e efeito vinculante” (CF, § 2.º do art. 102), e nem poderia ser
diferente, dada a curial constatação de que uma norma ou ato do Poder Público só
podem merecer uma resposta judiciária unívoca no tocante à sua constitucionalidade,
por parte do Tribunal que é o “guarda da Constituição” (CF, art. 102), a saber, um
avaliação positiva ou negativa – tertium non datur – não havendo razão para excluir
desse regime as ADIn locais, de competência originária dos TJ (CF, art. 125, § 2.º).

Ao propósito desta última afirmação, a Lei 8.038/1990 – dita Lei dos Recursos – já
previa em seu art. 17: “Julgando procedente a reclamação, o Tribunal cassará a decisão
exorbitante de seu julgado ou determinará medida adequada à preservação de sua
competência”. Em análogo sentido, a Constituição paulista prevê que ao TJSP cabe
processar e julgar, originariamente: “a reclamação para garantia da autoridade de suas
decisões” (art. 74, X). No ponto, afirma Patrícia Perrone Campos Mello: “Quanto ao
desrespeito a decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça em caráter concentrado,
será cabível reclamação (… se previsto o instrumento na Constituição Estadual, ou, não
havendo tal previsão, mandado de segurança”. A autora colaciona o decidido pelo STF na
ADIn 2.212, j. 02.10.2003, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 14.11.2003, p. 11; e ADIn 2.480, j.
02.04.2007, rel. Min. Sepulveda Pertence, DJ 15.06.2007, p. 20, anotando que em tais
julgados “se afirmou que a reclamação para garantir a autoridade das decisões
proferidas pelo Tribunal de Justiça concretiza o direito de petição previsto na
Constituição Federal”.33

Assim se deve entender inclusive no tocante às chamadas normas repetidoras, que


reproduzem, no âmbito dos Estados e dos Municípios os ditames previstos na
Constituição Federal, como ocorre em matéria de meio ambiente e em outras matérias
de competência comum ou concorrente. Ao propósito, esclarece Alexandre Moraes:
“Note-se que se a lei ou ato normativo municipal, além de contrariar dispositivos da
Constituição Federal, contrariar, da mesma forma, previsões expressas do texto da
Constituição Estadual, mesmo que de repetição obrigatória e redação idêntica, teremos a
aplicação do citado art. 125, § 2.º, da CF, ou seja, competência do Tribunal de Justiça do
respectivo Estado-membro”.34

O mesmo caberia dizer no tocante às chamadas normas paralelas, a saber aquelas


porventura existentes em outras circunscrições ou instâncias políticas de um mesmo
país, ou de um mesmo Estado desse país, não se concebendo que uma lei no sentido X
seja considerada constitucional pelo Tribunal superior e outra(s) no sentido Y continuem
usufruindo da presunção de constitucionalidade, ou vice-versa. Assim vinha exposto na
Exposição de Motivos da PEC 130/1992, relator o saudoso Deputado Roberto Campos:
“Além de conferir eficácia erga omnes às decisões proferidas pelo STF em sede de
controle de constitucionalidade, a presente proposta de emenda constitucional introduz
no direito brasileiro o conceito de efeito vinculante em relação aos órgãos e agentes
públicos. Trata-se de instituto jurídico desenvolvido no Direito processual alemão, que
tem por objetivo outorgar maior eficácia às decisões proferidas por aquela Corte
Constitucional, assegurando força vinculante não apenas à parte dispositiva da decisão,
mas também aos chamados fundamentos ou motivos determinantes (tragende Gründe).
A declaração de nulidade de uma lei não obsta à sua reedição, ou seja, a repetição de
seu conteúdo em outro diploma legal. Tanto a coisa julgada quanto a força de lei
(eficácia erga omnes) não lograriam evitar esse fato. Todavia, o efeito vinculante, que
deflui dos fundamentos determinantes (tragende Gründe) da decisão, obriga o legislador
a observar estritamente a interpretação que o tribunal conferiu à Constituição.
Consequência semelhante se tem quanto às chamadas normas paralelas. Se o tribunal
declara a inconstitucionalidade de uma Lei do Estado A, o efeito vinculante terá o condão
de impedir a aplicação de norma de conteúdo semelhante do Estado B ou C (cf. Christian
Pestalozza. Comentário ao § 31, I, da Lei do Tribunal Constitucional Alemão
(Bundesverfassungsgerichtsgesetz). Direito Processual Constitucional
(Verfassungsprozessrecht). 2. ed. Munique: Verlag C. H. Beck, 1982. p. 170-171, que
explica o efeito vinculante, suas consequências e a diferenciação entre ele e a eficácia
seja inter partes ou erga omnes)”.35

É útil, para bem se compreender o que neste passo se vem expondo, um contraponto
entre as jurisdições coletiva e singular: nesta última, por compreensível razão, a
motivação do julgado de mérito não integra os limites objetivos da coisa julgada (CPC,
art. 469, I), dada a virtualidade de os fatos e fundamentos jurídicos poderem se
reapresentar noutro processo, como, por exemplo, a alegação de mau uso do imóvel
locado: num primeiro processo, tal fato pode redundar no despejo, e, noutro, pode levar
a uma indenização ao locador. Situação totalmente diversa se passa na jurisdição
coletiva, na qual o comando do julgado de mérito – por exemplo a declaração de
inconstitucionalidade de uma dada lei, mormente no controle direto – abrange a
motivação exposta no acórdão, para efeito de estender-se a outros dispositivos de
conteúdo análogo (normas paralelas, repetidoras), porque do contrário se teria que
admitir que, num mesmo espaço-tempo, uma norma poderia ser considerada
inconstitucional, ao passo que outra, de igual conteúdo, continuaria válida.

A ideia-forte, em todas as ações de natureza coletiva é a do tratamento molecular do


macro-conflito, na conhecida expressão de Kazuo Watanabe, com vistas a evitar sua
pulverização em multifárias demandas-átomo, a par de se prevenir o trâmite
concomitante de ações coletivas sobre um mesmo objeto, que ensejaria o risco de
decisões discrepantes, além do tratamento anti-isonômico aos jurisdicionados.

Para coibir tais problemas o moderno Processo Constitucional vem concebendo técnicas
diferenciadas, como as chamadas inconstitucionalidade por arrastamento ou por atração,
ou consequente de preceitos não impugnados, ou ainda por reverberação normativa,
como explica Pedro Lenza: “(… se em determinado processo de controle concentrado de
constitucionalidade for julgada inconstitucional a norma principal, em futuro processo,
outra norma dependente daquela que foi declarada inconstitucional em processo anterior
– tendo em vista a relação de instrumentalidade que entre elas existe – também estará
eivada pelo vício de inconstitucionalidade ‘consequente’, ou por ‘arrastamento’ ou
‘atração’. Poder-se-ia pensar, nesse ponto, que a consequência prática da coisa julgada
material, que se projeta para fora do processo, impediria não só que a mesma pretensão
fosse julgada novamente, como também, sob essa interessante perspectiva, que a
norma consequente e dependente ficasse vinculada tanto ao dispositivo da sentença
(principal) quanto à ratio decidendi, invocando, aqui, a ‘teoria dos motivos
determinantes’”. Adiante, o autor esclarece que “o STF vem falando em
inconstitucionalidade por arrastamento do decreto que se fundava na lei (cf., por
exemplo, ADIn 2.995/PE, rel. Min. Celso de Mello, 13.12.2006)”, salientando, a seguir:
“Em outro julgado, declarada a inconstitucionalidade de um dispositivo, os outros que
estavam na mesma lei e que tinham relação com aquele nulificado, por perderem a sua
razão de ser, foram também declarados inconstitucionais, de acordo com aquilo que o
Min. Ayres Britto denominou inconstitucionalidade por reverberação normativa (cf. voto
do Min. Ayres Britto proferido na ADIn 1.923 – Inf. STF – e na ADIn 4.357 – Inf.
643/STF”.36

Uma derivação dessa contemporânea tendência se observa na ratio subjacente ao


parágrafo único do art. 481 do CPC: “Os órgãos fracionários dos tribunais não
submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade,
quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do STF sobre a questão”. É que
a eficácia expandida reconhecida aos pronunciamentos em matéria constitucional, do
Órgão Especial ou do Pleno, incluídos os seus motivos determinantes, leva a que tais
provimentos se irradiem em direção a outros processos onde análoga querela
constitucional venha agitada, pela curial razão de que uma lei ou um ato normativo não
podem, num mesmo espaço – tempo, “ser e não ser” constitucionais, conforme o
processo em que venham sindicados.

Esse mesmo efeito transcendente está à base da oponibilidade da súmula vinculante do


STF aos demais órgãos judiciais e ao Executivo (CF, § 3.º do art. 103-A): é que ela é
extraída a partir de “reiteradas decisões em matéria constitucional” (CF, art. 103-A,
caput), por modo que um tal enunciado, fixado pelo Tribunal que é o “guarda da
Constituição” (CF, art. 102, caput), só pode mesmo irradiar eficácia expandida. Em sede
doutrinária, esclarecemos que “a súmula vinculante vem a ser descumprida: (i)
comissivamente, quando a decisão judicial ou administrativa a aplica indevida ou
equivocadamente, seja porque contrariou seu enunciado, dando-lhe leitura errônea, seja
porque o caso concreto se excluía ao seu âmbito; (ii) omissivamente, quando é recusada
a aplicação do verbete vinculativo, assim por uma singela ‘negativa de vigência’, como
em virtude de raciocínio inconsistente/imotivado”.37

Tornando ao acórdão do TJSP na ADIn sobre a lei paulistana que vedou o uso de sacolas
plásticas, caso aí não se aplicasse a transcendência dos motivos determinantes, se
descortinaria um ambiente caótico, em detrimento da segurança jurídica e do
tratamento isonômico aos jurisdicionados, tudo agravado pela virtualidade da
intercorrência de outras ações de natureza coletiva – civis públicas, populares,
mandados de segurança coletivo, ações coletivas por interesses individuais homogêneos
– sobre aquele mesmo thema decidendum, com o risco latente da prolação de decisões
de conteúdo diverso ou até em senso contrário ao alcançado no julgamento da referida
ADIn que reconheceu a constitucionalidade da lei paulistana sobre o uso das sacolas
plásticas.

Ao propósito, José Rogério Cruz e Tucci reconhece que se abre, “a passos largos, o
caminho de adoção, no Brasil, do precedente judicial com força vinculante em situações
nas quais se encontram em jogo importantes quaestiones iuris, de inequívoco peso
político. O STF, em recentes e reiterados julgamentos, tem aplicado o efeito vinculante
emergente de precedentes em ações direta de inconstitucionalidade (ADIn) e
declaratórias de constitucionalidade (ADC). (… Como bem pontuado, a propósito, os
efeitos vinculantes da jurisprudência, previstos expressamente pelo ordenamento legal,
alçam a atividade judicial ao mesmo nível da hierarquia da lei, em todos aqueles
sistemas nos quais esta ocupara posição de absoluta preeminência”.38

E isso, com maior razão, em se considerando que na citada ADIn o valor sobrelevado é
tipicamente difuso – o meio ambiente – ao pressuposto de que ele é passível de ser
fortemente impactado pelo descarte de tais acondicionamentos não biodegradáveis, de
sorte que, cuidando-se de um valor indivisível, ubíquo e transgeracional, não pode ser
manejado livremente, conforme se trate deste ou daquele município, num mesmo
território paulista.

O único modo, a nosso ver, de se prevenir o risco de tal situação de insegurança jurídica
é, de um lado, aplicar a eficácia erga omnes e o efeito vinculante que cercam e
potencializam aquele acórdão do TJSP no controle direto de constitucionalidade, a par do
reconhecimento da transcendência dos seus motivos determinantes.39 Por esta última
teoria, não só a conclusão do acórdão é impositiva, mas também o que lhe constitui a
ratio decidendi. Isso permitiria, a contrario sensu, a extensão de tal julgado, em sua
inteireza, às demais normações de outros municípios paulistas, para o fim de ter-se,
implicitamente, como inconstitucionais ou, quando menos, insubsistentes, os textos que
disponham diversamente sobre a matéria. A não ser assim, um tema eminentemente
unitário, por concernir ao meio ambiente, consentirá avaliações diversas, quiçá
contraditórias, desorientando os jurisdicionados e administrados.

Nesse sentido, o Min. Gilmar Mendes, em seu voto lançado em 20.03.2014 na referida
Rcl 4335-Acre, informou: “Celso de Mello, ao apreciar matéria relativa à progressividade
do IPTU do Município de Belo Horizonte, conheceu e deu provimento a recurso
extraordinário [RE 384.521, DJ 08.04.2003] tendo em conta diversos precedentes
oriundos do Estado de São Paulo. Tal procedimento evidencia, ainda que de forma
tímida, o efeito vinculante dos fundamentos determinantes da decisão exarada pelo STF
no controle de constitucionalidade do direito municipal. Evidentemente, semelhante
orientação somente pode vicejar caso se admita que a decisão tomada pelo Plenário seja
dotada de eficácia transcendente, sendo, por isso, dispensável a manifestação do
Senado Federal” (p. 45 do acórdão).

Registre-se, en passant, que o STF já entendeu que os efeitos vinculantes da decisão no


controle concentrado de constitucionalidade não se estendem ao Legislativo porque tal
“afetaria a relação de equilíbrio entre o tribunal constitucional e o legislador, reduzindo o
último a papel subordinado perante o poder incontrolável do primeiro, acarretando
prejuízo do espaço democrático representativo da legitimidade política do órgão
legislativo, bem como criando mais um fator de resistência a produzir o inaceitável
fenômeno da chamada fossilização da Constituição” (Pleno, Rcl 2617 AgRg./MG, rel. Min.
Cezar Peluso, Informativo STF 377 e 386). Ponderoso que seja o argumento agitado pelo
eminente Ministro, à luz da separação entre os Poderes, caberia salientar que muito se
esvaziaria a utilidade prática das decisões no controle abstrato de constitucionalidade se,
uma vez fixado pelo Tribunal de cúpula (o STF, no plano federal; os TJ, no plano local) a
constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de uma lei, outras normações de conteúdo
discrepante seguissem em vigor ou porventura viessem a ser editadas.

Afinal, a garantia da igualdade de todos perante a lei deve alcançar não só a “norma
legislada”, isto é, aquela que foi moldada sob parâmetros de justiça e de isonomia em
seu processo de formação (nomogênese), como também a “norma judicada”, isto é,
aquele que vem a ter o seu momento judiciário, verificando-se que a dispersão
jurisprudencial excessiva conspira contra o ideal de igualdade, ao engendrar respostas
jurisdicionais dissonantes sobre um mesmo thema decidendum.

Ao propósito, esclarecia Gilmar Ferreira Mendes, à época no exercício da Sub-Chefia para


Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República, acerca da amplitude do
efeito vinculante: “Proferida a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade
de lei objeto da ação declaratória, ficam os Tribunais e os órgãos do Poder Executivo
obrigados a guardar-lhe plena obediência. Tal como acentuado, o caráter transcendente
do efeito vinculante impõe que sejam considerados não apenas o conteúdo da parte
dispositiva da decisão, mas a norma abstrata que dela se extrai, isto é, a proposição de
que determinado tipo de situação, conduta ou regulação – e não apenas aquela objeto
do pronunciamento jurisdicional – é constitucional ou inconstitucional e deve, por isso
ser preservado ou eliminado”.40

Embora não se registre consenso, no âmbito do STF, no tocante à aplicação da teoria da


transcendência dos motivos determinantes (v. Rcl10.604, j. 08.09.2010, rel. Min. Ayres
Britto), estamos com Pedro Lenza, quando anota: “(… não parece razoável desprezar a
teoria da transcendência no controle concentrado, já que a tese jurídica terá sido
resolvida e o dispositivo deve ser lido, em uma perspectiva moderna, à luz da
fundamentação (…”. O autor, conquanto ressalve que no controle difuso “somente
mediante necessária reforma constitucional (modificando o art. 52, X e a regra do art.
97) é que seria possível assegurar a constitucionalidade dessa nova tendência (…”,
refere que “no julgamento da ADIn 3.345/DF, que declarou constitucional a Resolução
do TSE que reduziu o número de vereadores de todo o País, o STF entendeu que a
Suprema Corte conferiu ‘…efeito transcendente aos próprios motivos determinantes que
deram suporte ao julgamento plenário do RE 197.917’”. De todo modo, o autor destaca
que mesmo no âmbito do controle difuso ou incidental, registram-se “dois importantes
precedentes (o caso de ‘Mira Estrela’ [RE 197.917/SP, Pleno, j. 06.06.2002, rel. Min.
Maurício Corrêa, DJ 07.05.2004, p. 8] e a discussão sobre a constitucionalidade da
‘progressão do regime na lei dos crimes hediondos’]HC 82.959/SP, j. 23.02.2006, rel.
Min. Marco Aurélio, Inf. 418STF], aí se detectando, pois, “uma nova tendência no STF a
aplicar a chamada teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença
(ratio decidendi) também para o controle difuso”.41

Com efeito, Eduardo Cambi e Thiago Baldani Gomes de Filippo esclarecem que
“recentemente parcela da doutrina, escorada em decisões inovadoras do Pretório
Excelso” tem admitido uma releitura do art. 52, X, da CF, entendendo que o ali previsto
“não serve, propriamente, para a atribuição de feitos vinculantes erga omnes, mas
apenas para conferir publicidade às suspensões de lei já determinadas pela Suprema
Corte, uma vez que a esta cabe a última palavra em matéria constitucional. Desse
modo, pela mutação sofrida, as decisões proferidas pelo STF no bojo do exercício de
controle difuso de constitucionalidade passam a ter efeitos vinculantes,
independentemente de qualquer decisão política do Senado Federal, o que evidencia a
preocupação com a uniformização das decisões judiciais quanto

à matéria”.42

5. Considerações conclusivas

1. A jurisdição – no sentido de atividade estatal de prevenção e resolução de


controvérsias através dos órgãos judiciais do Estado – e o acesso à Justiça, entendido
como oferta dessa prestação estatal ante um histórico de dano temido ou sofrido,
conquanto prestações fundamentais num Estado de direito, não são conceitos estáticos,
mas seguem atrelados ao anseio geral pela resolução justa e tempestiva dos conflitos,
tanto quanto às disponibilidades orçamentárias afetadas ao Poder Judiciário (“reserva do
possível”). Daí se impor, de tempos em tempos, uma releitura, atualizada e
contextualizada, dos termos jurisdição e acesso à Justiça, que em verdade expressam
conceitos dinâmicos.

2. O vocábulo jurisdição, no senso clássico, aparece vinculado à Justiça estatal, nesse


sentido da distribuição da prestação jurisdicional através dos órgãos elencados, em
numerus clausus, no art. 92 da CF. De tempos a esta parte, porém, em função de
fatores diversos, tais o alarmante estoque de processos judiciais, a tendência à
desjudicialização dos conflitos, o crescimento dos chamados meios alternativos, verifica-
se que a jurisdição e o correlato acesso à Justiça passaram a consentir um sentido não
necessariamente vinculado à intervenção estatal, mas sobretudo conectado à ideia de
resolução justa e tempestiva dos conflitos, ainda que por outros meios, auto e
heterocompositivos, como aliás reconhecido nos consideranda da Res. CNJ 125/2010,
que estabelece as bases da Política Judiciária Nacional e, também, no PLC da Câmara
Federal 8.046/2010, sobre o novo CPC, cujo § 2.º do art. 3.º prevê: “O Estado
promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”. Essa tendência
ocorre também na experiência dos países do common law, falando a doutrina na Justiça
estatal como the last resort.

3. O Judiciário e a Administração Pública se preordenam a prevenir e resolver


controvérsias “aplicando o Direito à espécie”, mas, a par desse núcleo comum, tais
Poderes se distinguem em mais de um aspecto: (i) a Administração atua de ofício
(inclusive pelo poder de polícia), ao passo que o Judiciário o faz quando provocado e nos
limites em que o seja (princípio da demanda ou do dispositivo); (ii) os atos judiciais
somente podem ser revistos por outro do mesmo Poder (reserva de sentença), ao passo
que as condutas e atos administrativos se sujeitam a serem sindicados judicialmente,
inclusive quanto à sua constitucionalidade, no âmbito do controle direto ou incidental;
(iii) a coisa julgada material, em sua dupla face (retrospectiva, estabilizando o passado;
prospectiva, agregando imutabilidade futura) reveste apenas as decisões judiciais de
mérito.

4. A jurisdição, nesse sentido de prestação estatal distribuída pelos órgãos judiciais, é


unitária, embora organizada nos ramos estadual e federal, comum e especial, este
último trifurcado em trabalhista, militar e eleitoral, por critérios que se reportam à
competência (ratione materiae, personae, muneris). Sem embargo, a diversa natureza
do interesse controvertido (particular ou transindividual) e dos sujeitos a ele
concernentes (determinados ou indeterminados), fazem com que cada qual desses
grupos de conflitos se encaminhem, ou para a jurisdição singular (lide restrita aos
sujeitos envolvidos, que atuam geralmente em legitimação ordinária; coisa julgada inter
partes) ou para a jurisdição coletiva (macro-conflitos, configurando interesses difusos,
coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos, preordenados a uma coisa
julgada de eficácia expandida – erga omnes ou ultra partes, segundo a espécie, v.g.:
ação popular: Lei 4.717/1965; ação civil pública: Lei 7.347/1985, art. 16; ações
coletivas consumeristas: Lei 8.078/1990, art. 103 e incs).
5. As ações de finalidade transindividual, tais as antes lembradas e ainda o mandado de
segurança coletivo, os dissídios coletivos trabalhistas, e, em certa medida, o mandado
de injunção, são recepcionadas pela jurisdição coletiva, por conta de certas
peculiaridades, mormente a indeterminação dos sujeitos concernentes e a indivisibilidade
do objeto. Dentre essas ações de finalidade coletiva se destacam as do controle direto,
abstrato ou concentrado de constitucionalidade, a saber, as ADIn, ADCon, ADPF, ações
de inconstitucionalidade por omissão, ações interventivas. O perfil coletivo dessas ações
se deve ao fato de que uma lei, seja federal, estadual ou municipal, tem a sua condição
de validade atrelada à sua conformidade ao texto constitucional – federal ou estadual –
assim configurando um interesse difuso, na medida em que esparso pela coletividade
como um todo, a reclamar resposta jurisdicional unitária, porque, ou o texto sindicado é
constitucional ou não é (tertium non datur), sendo que em qualquer hipótese a eficácia
do julgado terá que se expandir extra autos, seja por todo o território nacional, no caso
de uma lei federal, ou ao interno de um Estado da federação, no caso das chamadas
ADIn locais (lei estadual ou municipal). Daí a “eficácia contra todos e efeito vinculante”
que potencializam as ADIn e ADCon direcionadas ao STF (CF, § 2.º do art. 102).

6. No plano da jurisdição singular a coisa julgada se circunscreve ao dispositivo do


julgado de mérito (v.g., o comando prestacional), não abrangendo a motivação (CPC,
art. 469, I), pela boa razão de que o fundamento da lide (v.g., mau uso do imóvel
locado) pode resultar no despejo, mas, depois, pode ser novamente manejado para
outro fim, qual seja o de uma pretensão ressarcitória; no tocante aos limites subjetivos
da coisa julgada, compreende-se que eles se restrinjam às partes, já que a controvérsia
a elas se confina. Já no plano da jurisdição coletiva, a coisa julgada deve apresentar
eficácia expandida, seja por conta da indivisibilidade do objeto, seja em face da
indeterminação dos sujeitos. Note-se que no caso das ações no controle direto de
constitucionalidade, essa irradiação da eficácia ocorre tanto no plano federal, tocando a
todo o território nacional, como no plano estadual, estendendo-se pelo território do
Estado concernente.

7. Nas ações diretas no controle de constitucionalidade, a resposta jurisdicional deve ser


unívoca, num sentido ou noutro (ou bem a lei/ato do Poder Público é constitucional ou
não é), devendo entender-se que essa eficácia não pode restringir-se ao dispositivo do
julgado, mas deve também abranger a fundamentação que o respalda – dita
transcendência dos motivos determinantes – porque do contrário se engendraria o risco
de que outras normações, de conteúdo análogo ao daquela considerada inconstitucional,
continuassem em vigor, em detrimento da segurança jurídica e da própria coesão
interna do sistema. Igual raciocínio, por simetria, aplica-se às chamadas ADIn locais, de
competência originária dos TJs, com a só diferença de que nesse caso a querela
constitucional se confina aos lindes da unidade federativa.

8. Embora se registre algum dissenso quanto ao caráter dúplice das ações no controle
direto de constitucionalidade, parece-nos que essa equivalência realmente ocorre, até
por uma imposição lógica, verificando-se que uma ADIn rejeitada no mérito, equivale a
uma ADCon acolhida – e vice-versa. Isso porque, por imposição lógica, uma norma não
pode “ser e não ser” (in)constitucional num mesmo espaço-tempo, e, de outro lado, por
conta da eficácia erga omnes e do efeito vinculante que caracterizam e potencializam as
decisões no controle direto, devendo entender-se, como antes dito, que essa irradiação
abrange não só o dispositivo do julgado – o elemento declaratório – como também os
seus motivos determinantes.

9. A eficácia expandida das decisões no controle direto – sob a dimensão abrangente


antes referida – se projeta inclusive no tocante às chamadas normas paralelas, ou
repetidoras, ou seja, aquelas que, posto não tenham sido sindicadas numa dada ação
direta, todavia recebem a emanação do que aí resultou resolvido, numa sorte de
inconstitucionalidade por via reflexa, por arrastão ou por reverberação normativa.
Efetivamente, refugiria a toda racionalidade que, num Estado de direito, uma normação
fosse considerada inconstitucional pelo Tribunal superior competente, e outra(s) lei(s) de
igual conteúdo continuasse(m) em vigor. O mesmo se passa quando a norma sindicada é
considerada constitucional (caso de ADIn julgada improcedente ou de ADCon acolhida),
fazendo com que, a contrario sensu, outras normas, sobre a mesma matéria, mas de
conteúdo contrário, se tornem inconstitucionais, até mesmo por aplicação do princípio
hermenêutico expressio unius est exclusio alterius: se um texto foi considerado
constitucional, então outros, sobre o mesmo tema, mas de sentido contrário, não podem
remanescer válidos, sendo inconcebível a convivência contemporânea de comandos
auto-excludentes. A não se entender assim, se engendraria um ambiente de total aporia,
a projetar insegurança jurídica, desorientando os jurisdicionados e os administrados, e
desservindo o sistema como um todo.

10. A eficácia erga omnes e o efeito vinculante das decisões de mérito do STF nas ADIn
e ADCon – CF, § 2.º do art. 102 – (que devem estender-se aos motivos determinantes)
também se apresentam nas chamadas ADIn locais (contraste entre lei municipal e
Constituição Estadual), por razão de simetria, por imposição lógica e, também, em
respeito ao princípio republicano-federativo. No caso da ADIn julgada improcedente pelo
TJSP, envolvendo a lei paulistana 15.374/2011, proibitória do uso de sacolas plásticas, a
força obrigatória desse julgado, dando pela constitucionalidade da citada normação, há
que irradiar eficácia, inclusive quanto aos seus motivos determinantes, em face das
demais leis, de outros municípios paulistas que apresentem conteúdo contrário, as quais,
ipso facto, perdem sua condição de validade.

11. O TJSP é o “órgão superior do Poder Judiciário do Estado, com jurisdição em todo o
seu território” (Constituição paulista, art. 73, caput), donde não se conceber que, nessa
mesma unidade da Federação, possam conviver leis municipais de conteúdo auto-
excludente, sobre um tema axiologicamente unitário, como é o manejo do meio
ambiente, valor subjacente à questão do uso de sacolas plásticas no comércio. A ratio
decidendi do acórdão do TJSP na citada ADIn prendeu-se à premissa de que tal uso
impacta negativamente o meio ambiente, um típico interesse difuso. Tratando-se de um
valor transcendente, concernente a sujeitos indeterminados, envolvendo objeto
indivisível (“bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida” – CF, art.
225, caput), o elemento declaratório expresso no dispositivo daquele acórdão do TJSP na
citada ADIn – inclusive seus motivos determinantes – não pode ter sua eficácia limitada
ao território da capital; do contrário, ter-se-ia que aceitar a bizarra ocorrência de um
meio ambiente paulistano, distinto de um campineiro, à sua vez diverso de um
araraquarense, tudo ao interno de um mesmo Estado da federação. O
“contingenciamento territorial” da eficácia do citado acórdão à cidade de São Paulo,
engendraria situações paradoxais, permitindo, por exemplo, que cidadãos domiciliados
numa cidade paulista na qual seja vedado o uso de sacolas plásticas, façam compras na
cidade vizinha, onde tal acondicionamento é permitido, para ao depois retornarem à sua
cidade de origem, assim escapando à incidência da lei aprovada na cidade onde são
domiciliados!

12. O ora sustentado aplica-se às decisões judiciais que venham a ser proferidas sobre a
matéria no âmbito do Judiciário paulista, mercê do efeito vinculante, próprio das
decisões de mérito no controle direto, após o pronunciamento pelo TJSP – que se
estende aos seus motivos determinantes – dado que aí se reconheceu a
constitucionalidade da lei paulistana proibitória do uso das sacolas plásticas, suprimindo,
a contrario sensu, a validade de outras normações em senso contrário: aplicação do
princípio hermenêutico expressio unius, est exclusio alterius. Com efeito, não faria
sentido que após tal cognição da controvérsia pelo Tribunal de cúpula na organização
judiciária paulista – configurando o chamado precedente forte – sobreviessem decisões
judiciais em sentido contrário, em desprestígio à hierarquia, o que viria fomentar a
insegurança jurídica, desorientar os jurisdicionados e desservir o sistema como um todo.
Nesse sentido, a Constituição paulista prevê a reclamação, no âmbito da competência
originária do TJSP “para garantia da autoridade de suas decisões” (art. 74, X).

Essas as considerações que entendemos úteis à melhor compreensão e exata aplicação


do acórdão do TJSP na ADIn referida no presente estudo, em sua eficácia espacial e
subjetiva.
   
1. A pirâmide da solução dos conflitos. Brasília: Senado Federal, 2008. p. 74.
 
2. Os tribunais nas sociedades contemporâneas. Revista Brasileira de Ciências Sociais
30/55.
 
3. O processo judiciário como meio de tomada de decisões (sempre)? Revista Dialética
de Direito Processual 75/76.
 
4. Complex civil litigation in England. Revista de Processo 153/89-90, nov. 2007.
 
5. De modo geral sobre o tema, o nosso Acesso à Justiça – Condicionantes legítimas e
ilegítimas. São Paulo: Ed. RT, 2012, especialmente item 4.1, p. 333 e s.
 
6. A evolução das ideias de acesso à Justiça. Revista Autônoma de Processo 3/65-66.
Curitiba, abr.-jun. 2007.
 
7. Acesso à Justiça…cit., p. 343-344.
 
8. Disponível em: [http://stf.jusbrasil.com.br/noticias/136106475/acao--judicial-sobre-
concessao-de-beneficio-deve-ser-precedida-de-requerimento-ao-inss?
utm_campaign=source=newsletter-
daily_20140828_34&utm_medium=email&utm_source=newsletter]. Acesso em:
22.10.2014.
 
9. Acesso à Justiça…cit., p. 341.
 
10. Disponível em: [http://stf.jusbrasil.com.br/noticias/136106475/acaojudicial-sobre-
concessao-de-beneficio-deve-ser-precedida-de-requerimeno-ao-inss?
utm_medium=email&utm_source=newsletter]. Acesso em: 05.12.2014.
 
11. Idem, p. 383.
 
12. Disponível em: [www.cnj.jus.br]. Acesso em: 28.11.2014.
 
13. Projetos de novo Código de Processo Civil – Anotados e comparados. São Paulo:
Saraiva, 2014. p. 467.
 
14. Tutela recursal plurindividual no Brasil: formulação, natureza, regime jurídico,
efeitos. Tese de doutorado, sob orientação da Prof. Teresa Arruda Alvim Wambier, PUC,
São Paulo, 2013, p. 151, conclusão n. 33.
 
15. Jurisdição coletiva e coisa julgada – Teoria geral das ações coletivas. 3. ed. São
Paulo: Ed. RT, 2012. p. 93, 94 (A obra do autor colacionado é o Manual do processo
coletivo. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 36).
 
16. O efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal nos processos de
controle abstrato de normas. Revista Jurídica Virtual, vol. 1. n. 4. p. 7 do texto
impresso. Brasília, ago. 1999. Disponível em:
[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_04/efeito_vinculante.htm].
 
17. Manual do processo coletivo. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 301.
 
18. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social. Revista de Direito Público
57-58/236-237.
 
19. Livro dos Sonetos. 1.ª parte, estrofe n. 45. Obra completa. Rio de Janeiro:
Companhia Aguilar Editora, 1963. p. 284.
 
20. Relativizar a coisa julgada material. In: NASCIMENTO, Carlos Valber do (org.). Coisa
julgada inconstitucional. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003, p. 66-67.
 
21. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. 3. ed. São Paulo: Ed. RT,
2012. notas 12 e 14. p. 1121, 1122.
 
22. Ação civil pública – Em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural, e dos
consumidores – Lei 7.347/85 e legislação complementar. 13. ed. São Paulo: Ed. RT,
2014, p. 354.
 
23. Comentário ao art. 16 da Lei 7.347/1985. In HENRIQUES DA COSTA, Susana
(coord.). Comentários à Lei de Ação Civil Pública e Lei de Ação Popular. São Paulo:
Quartier Latin, 2006. p. 544.
 
24. Ao propósito desse empreendimento, v. o nosso estudo “Transposição das águas do
rio São Francisco: uma abordagem jurídica da controvérsia”, publicado, dentre outros
sítios, In: MILARÉ, Édis (coord.). A ação civil pública após 20 anos – Efetividade e
desafios, São Paulo: Ed. RT, 2005. p. 519-557, e na Revista de Direito Ambiental. ano.
10. vol. 37. p. 28-79. jan.-mar. 2005.
 
25. Precedentes – O desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo
contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 104-105.
 
26. Fundamentos do processo civil moderno. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2000. t. II, p.
1135.
 
27. Ao propósito, v. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A ação popular do direito brasileiro
como instrumento de tutela jurisdicional dos chamados ‘interesses difusos’. Temas de
Direito Processual. 1.ª série. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 110 e ss.
 
28. O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de
mutação constitucional. Revista de Informação Legislativa, vol. 41, n. 162, p. 162, abr.-
jun.2004..
 
29. Jornal O Estado de S. Paulo, ed. 08.10.2014, matéria nominada “Após decisão da
Justiça, sacolinhas de mercado voltam a ser proibidas em SP”, Cad. Metrópole, p. A-17.
 
30. Pleno, j. 20.03.2014, m.v., rel. Min. Gilmar Mendes.
 
31. V. NERY e NERY. Op. cit., nota 28 ao art. 102, p. 593.
 
32. Precedentes – O desenvolvimento judicial…cit., p. 321.
 
33. Idem, p. 106, rodapé n. 183.
 
34. Direito constitucional. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 736.
 
35. Apud Gilmar Ferreira Mendes, O efeito vinculante…cit., p. 1, destaques no original.
 
36. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 351,
destaques no original.
 
37. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 5. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013. p.
450.
 
38. Precedente judicial como fonte do Direito. São Paulo: Ed. RT, 2004. p. 271, 272,
275.
 
39. Em senso contrário à aplicação dessa teoria, v., dentre nós, NERY E NERY. Op. cit.,
p. 602-605.
 
40. O efeito vinculante…cit., p. 5 do texto impresso.
 
41. Direito constitucional esquematizado cit., p. 318, 321, 350, 351, passim, destaques
no original.
 
42. Precedentes vinculantes. Revista de Processo 215/242. jan. 2013.
A TUTELA ESPECÍFICA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Revista de Processo | vol. 241/2015 | p. 313 - 335 | Mar / 2015


DTR\2015\2130

Antônio Pereira Gaio Júnior


Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra-PT. Pós-Doutor em Democracia e
Direitos Humanos pela Ius Gentium Conimbrigae/Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra-PT. Doutor em Direito pela UGF. Mestre em Direito pela UGF. Pós-Graduado
em Direito Processual pela UGF. Professor Adjunto da UFRRJ. Membro do Instituto
Iberoamericano de Direito Processual - IIDP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito
Processual - IBDP. Membro da International Bar Association - IBA. Membro Efetivo da
Comissão Permanente de Direito Processual Civil do IAB-Nacional. Advogado
 
Área do Direito: Processual

Resumo: O presente artigo enfrenta o tema da tutela específica das obrigações de


fazer, não fazer e entregar coisa no âmbito do PLS 166/2010, este que procura projetar
um novo Código de Processual Civil para o Brasil. Além dos estudos da tutela específica,
é analisado projeções em torno da mesma, tais como o tratamento legal referente às
suas concessões nas formas antecipada e inibitória.

 Palavras-chave:  Tutela específica - Processo civil - Reforma processual - Satisfação


dos direitos - Obrigações.

Zusammenfassung: En este artículo se enfrenta a la cuestión de la tutela específica de


obligaciones de hacer, no hacer y entregue cosa en el PLS 8.046/2010, esto que mira
diseñar un nuevo Código de Enjuiciamiento Civil de Brasil. Adicionalmente a los estudios
de la Tutela Específica, se analiza las proyecciones en torno a la misma, como el
tratamiento jurídico en relación con sus concesiones en las formas anticipatoria e
inhibitoria.

 Palabras claves:  Tutela específica - Enjuiciamiento civil - Reforma procesal -


Satisfacción de derechos - Obligaciones.

Sumário:  
- 1.Introdução - 2.Novo Código de Processo Civil e sua organicidade - 3.Tutela específica
e sua regulação no novo Código de Processo Civil - 4.Antecipação dos efeitos da tutela
específica - 5.A tutela inibitória - 6.Considerações finais - 7.Referências bibliográficas
 

Recebido em: 26.12.2014

Aprovado em: 12.02.2015


1. Introdução

1
Encontra-se cediço a ideia de que os trabalhos para a edificação de um novo Código de
Processo Civil passam pelo enfrentamento de uma variedade de pontos de
estrangulamento processual que são incômodos crescentes a cada gestão anual do
Judiciário pátrio.2

Questões como celeridade processual, economicidade objetiva e substancial, organização


material e normativa e eficiência da prestação jurisdicional são grandes pontos,
verdadeiros “guarda-chuvas” de inúmeros outros problemas de fácil percepção quando
se vive, verdadeiramente, o dia a dia forense.

Notadamente, uma questio que se encontra no mesmo padrão dos grandes pontos supra
referidos é a da inevitável e necessária efetividade 3 das decisões judiciais e os meios
para se implementar o seu cumprimento, algo que permeia os mais variados
ordenamentos do Ocidente4 e que em maior ou menor proporção tem-se como óbice a
uma prestação jurisdicional de qualidade e por que não, acentuando a problemática do
denominado “processo justo”,5 aqui também entendido como a prestação qualitativa
integral do serviço público da justiça; afinal, é de sempre rememorar e pois, nunca
perder de vista a máxima chiovendiana de que “il processo deve dare per quanto è
possibile praticamente a chi há um diritto tutto quello e proprio quello ch’egli há diritto di
conseguire”.6

Neste sentido é que se trazem à luz os aspectos relevantes no trato da tutela específica
das obrigações de fazer, não fazer e entregar no plano do que delineia o novo Código de
Processo Civil.

2. Novo Código de Processo Civil e sua organicidade

Já contextualizado em uma breve exposição de motivos, o então PLS 166/10, Projeto


inicial para a reforma do Código de Processo Civil atual, deixou bem claro que um dos
propósitos para com uma possível novata legislação processual civil se pautaria na
necessária organização do texto legal, possibilitando melhor harmonia na ordem das
matérias e suas pertinências subsequentes, de modo a que se projetasse uma lógica
racional no conjunto normativo que, invariavelmente, vai se complementando.7

De fato, não somente no Projeto de Lei supracitado como também no PL 8.046/2010


(Substitutivo da Câmara dos Deputados), primou-se pela organicidade, o que é
sumamente saudável e de importantes aspectos pragmáticos e mesmo metodológicos, já
que a coerência no sistema normativo se faz não somente pela aplicabilidade coerente e
íntegra do mesmo, mas igualmente pela racionalidade que se apresente enquanto
formalmente inteligível.

Neste ínterim se faz destacar a regulação da Tutela Específica, medida de caráter


satisfativo voltada à realização do cumprimento exato de obrigações de fazer, não fazer
e entregar coisa inadimplida, e que bem e coerentemente se fez alocada no PL
8.046/2010, tanto que reproduzida pelo novo Código de Processo Civil, de acordo com
os momentos processuais necessários à compreensão de sua efetiva razão e interesse, a
depender do momento processual a que se está a enfrentar.

É importante que se diga isso, inclusive se comparado à atual regulação do presente


instituto, onde, capitulado para a realização das obrigações e fazer e não fazer, por
exemplo, temos o art. 461 que em muito se plasma de vácuos normativo-temporais para
explicitar como, onde e de que forma se empreenderia a manifesta exigência de
aplicabilidade da Tutela Específica. Ou seja, estar-se-ia no momento da conquista da
medida em sede sentencial, por exemplo, e de seu descumprimento, lançaríamos mão
das medidas de apoio do § 5.º do art. 461. Sim! Mas qual seria o momento para tal? Na
própria fase ainda cognitiva, ou do contrário, é de se esperar o momento do trânsito em
julgado para tal, o que necessitaria para o efetivo cumprimento da medida específica,
apta a concretizar no mundo da vida o direito material inadimplido, novata provocação
ao juízo em que processou a demanda em sua origem, para se obter o exato
cumprimento da obrigação?

Já escrevemos muito sobre o assunto 8 e, logicamente, a própria doutrina e mesmo a


jurisprudência tratam de traçar as balizas necessárias para a compreensão do texto legal
em hipóteses processuais pouco claras creditadas às vicissitudes voluntárias ou não da
lex entregue à sociedade.

Fato é que o novo Código de Processo Civil trouxe verdadeiro acalento às várias
hipóteses que até então poderíamos supor serem idôneas em sede de tutela específica,
notadamente, sempre com apoio à criatividade de doutrina abalizada.

3. Tutela específica e sua regulação no novo Código de Processo Civil

Dividido em duas partes, Geral e Especial e distribuídas em nove livros, mais um livro
complementar (“Das Disposições Finais e Transitórias”), o novo Código de Processo Civil,
reservou a regulação da Tutela Específica à Parte Especial, mais precisamente ao seu
Livro I “Do Processo de Conhecimento e do Cumprimento de Sentença”.

Vale ressaltar a oportuna divisão do instituto em momentos distintos de aplicabilidade,


ou seja, diante de sua concessão, cumprimento ou eventual descumprimento pela parte
obrigada a cumprir medida destinada a fazer, não fazer ou entregar coisa.

Queremos com isso pontuar que, diferentemente do texto atual do Código de Processo
Civil de 1973, onde temos v.g., os arts. 461 e 461-A se prestando a laborar o contexto
geral e deveras abstrato do empreender da medida específica, o novo Código de
Processo Civil possui a virtude de alocar em termos corretos e em lugares distintos,
exatamente, as diversas nuances pelas quais pode a Tutela Específica atuar, seja como
dissemos alhures, no que toca à sua concessão e execução, ressaltando ainda detalhes a
nosso ver, de extrema importância, sobretudo se conjugados à luz de uma hermenêutica
constitucional voltada à realização do Processo Justo, como na novíssima hipótese
prevista formalmente que é a da possível impugnação do demandado frente à exigência
do cumprimento específico da obrigação.

Nestes termos, temos que na Seção IV “Do Julgamento das Ações Relativas às
Prestações de Fazer, de não Fazer e de Entregar Coisa”, do Capítulo XII “Da Sentença e
da Coisa Julgada”, ambos inclusos no Título I “Do Procedimento Comum”, encontram-se
as disposições referentes ao julgamento das ações relativas às prestações de fazer, de
não fazer e de entregar coisa.

Já, no que toca ao cumprimento da sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação


de fazer, de não fazer ou de entregar coisa, as disposições normativas encontram-se
situadas no Título II “Do Cumprimento da Sentença”, mais precisamente no Capítulo VI
“Do Cumprimento da Sentença que Reconheça a Exigibilidade de Obrigação de Fazer, de
Não Fazer ou de Entregar Coisa”, Seção I, bem como em sua Seção II “Do Cumprimento
da Sentença que Reconheça a Exigibilidade de Obrigação de Entregar Coisa”.

3.1 Julgamento das ações relativas às prestações de fazer, de não fazer e de


entregar coisa

Ao tratar do julgamento das demandas que tenham por objeto prestação de fazer, não
fazer ou entregar coisa, o novo Código de Processo Civil optou, em princípio, manter em
manifesta igualdade de termos, o caput do art. 461 do CPC atual, estabelecendo que em
ditas demandas, sendo procedente o pedido, o magistrado concederá a Tutela Específica
ou mesmo determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao
adimplemento do direito material agredido. Ainda, tratando-se de entrega de coisa, será
fixado pelo juízo o prazo para o cumprimento da obrigação, sendo tal locução,
entendemos nós, extensiva às obrigações de fazer ou não fazer, não se configurando aí
qualquer objeção. Eis os dispositivos:

“Art. 494. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se
procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que
assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. (….

Art. 495. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela
específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação.

Parágrafo único. Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e pela


quantidade, o autor individualizá-la-á na petição inicial, se lhe couber a escolha; se a
escolha couber ao réu, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz. (…”.

Na mesma toada do Código de Processo Civil de 1973, tem-se a possibilidade de


conversão em perdas e danos das obrigações retro referidas, quando o autor a requerer
e ainda, se impossível a concessão da tutela específica ou a exata obtenção do resultado
prático equivalente ao adimplemento da obrigação ora devida, neste caso, pelo próprio
órgão julgador. In verbis:

“Art. 496. A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o autor o requerer
ou se impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático
equivalente”.

Ainda neste ínterim, ressalta-se que indenização por perdas e danos dar-se-á sem
prejuízo da multa fixada periodicamente, de modo a compelir o réu ao cumprimento
específico da obrigação reconhecida como devida (art. 497), sendo de relevante
importância notar a compreensão de que eventual a multa cominatória, conforme
afirmado a pouco, possui o caráter inibitório sobre o réu recalcitrante no cumprimento da
obrigação a ele exigida,9 valendo daí trazer à luz a exata lição do saudoso Alcides de
Mendonça Lima:10

“(… enquanto o devedor tiver ânimo para suportar o ônus da incidência das astreintes,
ele pagará a pena, inclusive, se houver obstinação irreversível. Não se pode deixar de
reconhecer, como Josserand adverte, que ‘não há fortuna que possa resistir a uma
pressão contínua e incessantemente acentuada; a capitulação do devedor é fatal; vence-
se a sua resistência, sem haver exercido violência sobre sua pessoa; procede-se contra
seus bens, contra sua fortuna, contra seus recursos materiais’.”

Disso queremos dizer que eventual limitação de valores e/ou tempo de incidência da
multa, a despeito do próprio ordenamento não impor tais limites, deve ser sopesado pelo
órgão julgador, seja na questão que envolve a própria efetividade da sanção pecuniária,
já que valores e/ou tempo incipientes podem gerar inegável resistência do réu,
sobretudo quando este vislumbrar o minúsculo impacto da medida em que seu erário ou
mesmo de modo a inviabilizar o respectivo cumprimento de todo o montante
obrigacional a ele (réu) exigido.11

Prevendo tais circunstâncias, coube ao legislador do novo Código de Processo Civil


pontuar a atividade volitiva do juiz na concessão da multa, balizando em importantes
termos tanto o avanço quanto a redução da medida cominatória (o que, aliás, já o faz
em outros termos o parágrafo único do art. 645 do CPC atual).

Assim, a despeito de estar contemplado em capítulo que trata do “cumprimento” da


sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer, de não fazer ou de
entregar coisa e não do “julgamento”, onde, por ora estamos, expressa bem o § 1.º do
art. 534 do NCPC:

“§ 1.º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da


multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:

I – se tornou insuficiente ou excessiva;

II – o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa


causa para o descumprimento”.

Cabe para momento ainda explicitar que a multa independerá de requerimento da parte
e poderá ser concedida tanto na fase de conhecimento, em sede de tutela antecipada ou
na sentença e ainda na execução, desde que seja suficiente e compatível com a
obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito, ex vi do
caput do art. 534.

Digno de nota é a destinação dos valores auferidos pela multa.

Nisso, o NCPC prevê como destinatário da multa o próprio exequente (§ 2.º do art.
534),12 independentemente do valor a que a mesma alçar.
3.1.1 A obrigação de emissão de declaração de vontade

Contrariamente ao modelo atual, e a nosso ver, com acerto, o NCPC oportunizou dispor
em único dispositivo o julgamento das obrigações de emitir (prestar) declaração de
vontade.

Destaca-se que o Código de Processo Civil hodierno, mais precisamente nos arts. 466-A,
466-B e 466-C, trata de regular a presente obrigação, portanto, em diferentes
dispositivos, ainda que de maneira tautológica alguns de seus conteúdos e/ou situações
circunstanciais de incidência da dita obrigação.

Verdade é que a presente obrigação vem sofrendo seguidas modificações relativas à sua
localização no ordenamento processual civil pátrio.

Originariamente, localizava-se, teratologicamente, no Livro II do Código de Processo


Civil atual.

Conforme já pudemos salientar em outras oportunidades, 13 modificação operada pela Lei


11.232, de 22.12.2005, veio situar nos termos corretos a localização normativa desta
tutela obrigacional, pois que, de forma meândrica, estava ela, a despeito de seu caráter
cognitivo, assentada no Livro II, Título II, Capítulo II, mais precisamente nos arts. 639 a
641, figurando-se formalmente em um processo de execução quando, na verdade, não o
é.

Neste sentido, já asseverava Barbosa Moreira que:14

“(… na verdade, apesar da localização no texto do Código, o assunto de que tratou os


arts. 639 e 641 nada tem que ver com o processo de execução, que, por supérfluo, nem
sequer chega a formar-se. Aqueles dispositivos regulam questões pertinentes à atividade
cognitiva do órgão judicial. O lugar apropriado seria o Capítulo referente aos efeitos da
sentença”.

Como dissemos e com acerto, o novel Código disciplina o julgamento das obrigações de
emitir declaração de vontade nos seguintes termos:

“Art. 498. Na ação que tenha por objeto a emissão de declaração de vontade, a sentença
que julgar procedente o pedido, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os
efeitos da declaração não emitida”.

Despiciendo notar que se trata de ação pessoal, abrangendo as declarações de vontade


inadimplidas, comumente decorrentes de um negócio jurídico unilateral ou bilateral que
tenha por objeto tanto bens móveis quanto imóveis.

Assim, por exemplo, desde que uma parte, em contrato preliminar, assuma uma
obrigação de contratar, bem como de emitir declaração de vontade e a isso deixe de
fazer ou se recuse a fazê-la, poderá a outra parte acioná-la judicialmente, objetivando
com isso obter uma sentença que produza os mesmos efeitos da declaração não emitida
pelo obrigado.

A presente solução encontra-se consubstanciada na ideia da denominada “infungibilidade


jurídica”, quando o Estado, através do provimento jurisdicional, cria urna situação
jurídica equivalente à que se verificaria se a declaração de vontade fosse prestada pelo
próprio devedor.15

3.2 Cumprimento da sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de


fazer e de não fazer

Passa-se aqui à esfera do cumprimento das obrigações de fazer, não fazer e entregar,
após, portanto, o reconhecimento das mesmas, conforme operado no item anterior.

Aliás, conforme destacamos alhures, importante virtude contida no novo Código de


Processo Civil é aquela da organicidade normativa voltada à racionalidade dos institutos
e sua melhor operabilidade, aqui destacada pela junção “julgamento-cumprimento” da
Tutela Específica.

Destacado já no Código de Processo Civil atual, oriundas inclusive do § 5.º do art. 84 do


CDC, as medidas de “execução indireta”, isto é, aquelas exercidas por meios de coação 16
sobre a vontade do devedor, de modo a compeli-lo a cumprir com a obrigação devida,
sobretudo, na forma específica, configurando-se em meios de apoio ao cumprimento da
obrigação, vem no novato Código arroladas de forma a reproduzir, incialmente, o que já
dispõe o § 5.º do art. 461. Nisso, aponta o art. 533 e seus §§ 1.º e 2.º:

“Art. 533. No cumprimento da sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de


fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da
tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar
as medidas necessárias à satisfação do exequente.

§ 1.º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas,
a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o
desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário,
requisitar o auxílio de força policial.

§ 2.º O mandado de busca e apreensão de pessoas e coisas será cumprido por dois
oficiais de justiça; se houver necessidade de arrombamento, observar-se-á o disposto no
art. 844, §§ 1.º a 4.º”.

Como bem se nota, o § 1.º acosta um rol de medidas à disposição do juízo, para que,
com interesse e coragem, possa adotá-las, a fim de empreender força necessária e apta
a atuar sobre o devedor recalcitrante ao cumprimento específico da obrigação. No
entanto, cabe bem frisar que, de acordo com a dicção “entre outras medidas”, não se
trata de rol que se esgota nele mesmo, sendo perfeitamente possível lançar mão de
outras medidas, desde que voltadas ao objetivo efetivo da satisfação do direito
reconhecido e, inegavelmente, descumprido.

Aliás, é o que se dá com a medida denominada “intervenção judicial em atividade


empresarial”.17

Na verdade, trata-se de medida que é tipificada pela lex que estrutura o Sistema
Brasileiro de Defesa da Concorrência (Lei 12.529, de 30.11.2011), mais precisamente
em seus arts. 102 a 111.

A intervenção judicial em atividade empresária, como outras medidas indicadas no § 1.º


do art. 533, é uma medida de sub-rogação, cuja técnica pode assumir diferentes
modelos, notadamente, de acordo com o fim objetivado pelo magistrado quando de sua
aplicabilidade.

Nestes termos, a doutrina pontua formas de classificação da intervenção judicial em tais


contextos.18

Em primeiro, nota-se a intervenção denominada de “fiscalizatória”.

É compreendida na ideia de que o administrador não é retirado de suas atribuições,


cabendo tão somente ao interventor a fiscalização do exato cumprimento da decisão
judicial, tendo este interventor o livre acesso à empresa bem como a todos dados
necessários com o fito de cumprir com a determinação judicial, podendo ainda tomar
depoimentos para certificar-se das condutas adotadas pelo administrador no sentido de
satisfazer o decisum judicial.

Tem-se como exemplo, neste âmbito, uma medida judicial voltada à imposição de
reintegração de um empregado, que havia sido assediado moralmente, o que impôs o
seu pedido de demissão. De que forma seria viável apurar se, retornando ao trabalho, as
condutas anteriormente ocorridas não voltariam a se dar? Daí, efetiva opção para tanto
será nomear um interventor-fiscal, de modo a que este permaneça por um determinado
lapso temporal na empresa, até que qualquer perigo de novas agressões haja cessado.19

Em um segundo contexto, temos a chamada “intervenção cogestora” na qual o


interventor judicial assume parcela das atribuições originalmente conferidas ao
proprietário da pessoa jurídica.

Neste sentido, nota-se que o administrador originário permanece na empresa, atuando à


sua frente, no entanto, parcela de suas competências e atribuições são, por um
determinado prazo, passadas ao interventor, devendo esse desempenhá-las na esteira
de realizar o cumprimento do comando da decisão judicial. “Figure-se a hipótese, nessa
quadra, de uma empresa que impõe condições abusivas para a contratação de pessoal.
Reconhecida essa abusividade, não será evidentemente necessário retirar o titular da
empresa como um todo, sendo suficiente a intervenção na área de recursos humanos da
pessoa jurídica. Do mesmo modo, suponha-se a necessidade de instalar filtro contra a
poluição na empresa. Havendo resistência do ordenado, pode o magistrado, por certo,
nomear interventor com essa exclusiva atribuição. Concluída a obra, dissolvida estará a
intervenção”.20

Forçoso é afirmar que o interventor deverá estar investido das funções e da autoridade
necessária para fazer valer o que deseja a ordem judicial. Daí que, v. g. poderá o
interventor judicial ter acesso facilitado às finanças e instalações da empresa para fins
de aquisição de material e instalação do filtro e ainda ao controle de emissão de
poluentes. Verdade é que tais poderes deverão ser explicita e necessariamente
catalogados pelo órgão julgador em sua ordem judicial, a fim de que possa legitimar o
exercício pleno do interventor e seu êxito na intervenção.
Finalmente, em um terceiro contexto, tem-se a denominada “intervenção expropriatória
ou substitutiva”, certamente a mais aguda.

Nesta forma, o interventor substituirá o administrador original da empresa, saindo este


do comando da pessoa jurídica e, portanto, deixando ao interventor o papel de, por um
certo período de tempo, gerir todos os negócios da sociedade em questão.

Um exemplo da aludida intervenção foi a ação ajuizada pelo Ministério Público Federal no
Rio de Janeiro, pedindo a intervenção judicial no Conselho Federal de Enfermagem, no
ano de 2006, diante de notícias que envolviam desvios de recursos públicos e fraudes
em licitações por aludido Conselho e daí que o objetivo da demanda era a de afastar a
própria Administração do Conselho.

Tem-se também, no mesmo sentido, ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público
do Trabalho da 4.ª Reg., em face do Grupo Ortopé, requerendo a intervenção judicial em
tal grupo, com o afastamento de seus administradores e a nomeação de pessoa da
confiança do juízo para a respectiva administração da empresa, até a devida liquidação
do passivo trabalhista da empresa.21

Alçado ao ambiente das obrigações fazer, não fazer e entregar, preferiu o legislador
reforçar a ideia já presente no Código de Processo Civil de 1973 22 quanto ao
descumprimento injustificado de ordem judicial dirigida ao executado para o exato
cumprimento da obrigação inadimplida, incidindo, por isso, nas penas de litigância de
má-fé, sem prejuízo da correta responsabilização pela prática do crime de
desobediência23 (§ 4.º do art. 533).

Digno de aplausos ao novo Código de Processo Civil é a normativa que se encontra


disposta no § 5.º do art. 533: “§ 5.º No cumprimento da sentença que reconheça a
exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, aplica-se o art. 522, no que couber”.

Em uma leitura pouco acurada, talvez pudesse parecer tratar-se de simples dispositivo,
se não fosse a remissão a que faz quanto ao art. 522, este que possui a seguinte
redação, mais precisamente com referência ao seu caput e § 1.º:

“Art. 522. Transcorrido o prazo previsto no art. 520 sem o pagamento voluntário, inicia-
se o prazo de quinze dias para que o executado, independentemente de penhora ou
nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação.

§ 1.º Na impugnação, o executado poderá alegar:

I – falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à


revelia;

II – ilegitimidade de parte;

III – inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;

IV – penhora incorreta ou avaliação errônea;

V – excesso de execução ou cumulação indevida de execuções;

VI – incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução;


VII – qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação,
compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes ao trânsito em julgado
da sentença”.

Por que da importância?

No modelo que temos hoje, há total incipiência quanto às próprias manifestações de


defesa do executado no âmbito da Tutela Específica nas obrigações de fazer, não fazer e
entregar coisa!24

Conforme já tivemos a oportunidade de exclamar, 25 a questão se agrava mediante


aqueles títulos executivos que sequer passaram por um processo de conhecimento
anterior ou que quiçá tiveram em seu comando legal o disposto pelo art. 461, ex vi, da
sentença arbitral, sentença estrangeira, os acordos extrajudiciais homologados
judicialmente, sentença penal condenatória etc., o que, evidentemente, ter-se-ia que
adaptar, forçosamente, possibilidades normativas, tal qual aquela prevista no art. 475-
R,26 buscando no Livro II, reais condições para o exercício do direito de defesa do
executado (in casu, Embargos à Execução), para fins de se antepor a execuções
verdadeiramente prejudiciais no plano legal.

Nota-se que, inquestionavelmente, teremos rumos muito mais adequados no plano de


um devido processo constitucional para a “igualdade de armas” em sede de Tutela
Específica, eximindo-nos de uma prestidigitação normativa.

Possibilitando não pairar quaisquer dúvidas quanto à extensão dispositiva que regula a
efetiva possibilidade de atuação da tutela específica, o novel Código de Processo Civil
procura comtemplar, formalmente, as obrigações de fazer e não fazer decorrentes de
relação não obrigacional, não restando, por isso, dúvidas na incidência de todo o
conteúdo que regula a Tutela supra em tal relação, senão vejamos:

“Art. 533

(…

§ 6.º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que
reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional”.

3.2.1 Cumprimento definitivo de eventual multa

Conforme já exposto no item 3.1, tivemos a oportunidade de antecipar e tecer alguns


comentários acerca da indenização por perdas e danos em decorrência da
impossibilidade de se obter a tutela específica da obrigação inadimplida (art. 496), sem
prejuízos de respectiva multa fixada periodicamente, para compelir o réu ao
cumprimento específico da obrigação (art. 497), tudo em sintonia com o que já dispõe
hoje o CPC em seu art. 461, § 2.º.

Pois bem. Agora estamos diante da possibilidade de exigência do cumprimento de


eventual multa imposta ao devedor, como medida de execução indireta, a fim de que
pudesse estimulá-lo, diante da agressão pecuniária, ao adimplemento da obrigação
reconhecida pelo Poder Judicante.

Não obstante entendermos, de muito,27 ser o trânsito em julgado da sentença favorável


à parte, o momento correto para a exigência do cumprimento da astreinte imposta ao
devedor recalcitrante à satisfação da obrigação devida, permite o novo Código de
Processo Civil a possibilidade de depósito da multa se dar em caráter provisório,
certamente, diante da concessão de pleito provisório deferido a uma das partes (v.g.
tutela provisória), descumprido a outra a decisão judicial referente.

Diante de eventual provisoriedade, deverá o valor da multa ser depositado em juízo,


porém, permitindo o seu levantamento após o trânsito em julgado favorável à parte ou
mesmos na pendência de agravo fundado nos incs. II e III do art. 1.039.28

Diante da possibilidade de cumprimento provisória da multa, expressa o Projeto de Lei


em comento quanto ao valor e período autorizados:

“Art. 534

(…

§ 3.º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser
depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da
sentença favorável à parte ou na pendência do agravo fundado nos incisos II ou III do
art. 1.039”.

Vale ressaltar que, o lapso temporal para a incidência da supracitada multa se dá a


partir da configuração do descumprimento da decisão, e por isso, incidirá enquanto não
for devidamente cumprida a decisão que a tiver cominado (§ 4.º do art. 534).

Tais normativas aplicam-se em igual sentido e, no que couber quanto ao cumprimento


de sentenças que reconheçam deveres de fazer e de não fazer de natureza não
obrigacional, ex vi do § 5.º do art. 534 do NCPC.

3.3 Cumprimento da sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de


entregar coisa

Não obstante todas as regras relativas ao cumprimento das obrigações de fazer e não
fazer aplicarem-se, no que couber, às obrigações de entregar coisa, conforme sustenta
do § 5.º do art. 534 do NCPC,29 optou o legislador, talvez pelas próprias particularidades
desta forma obrigacional, a ocupar da Seção II do Capítulo VI, este alocado no Titulo II
(Cumprimento da Sentença) do Livro I (Do Processo de Conhecimento e do
Cumprimento de Sentença), todos deste novato Ordenamento Processual Civil.

Nestes termos é que, de forma objetiva e em sintonia com o que já dispõe o § 2.º do
art.461-A, atenta o novo Código de Processo Civil para o cumprimento da sentença que
reconheça a obrigação de entregar coisa, regrando que, não cumprida a obrigação de
entregar coisa no prazo estabelecido no ato sentencial, expedido será o respectivo
mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse em favor do credor, conforme se
tratar de coisa móvel ou imóvel (art.535), onde certamente o credor comunicará ao juízo
aludido descumprimento para o efetiva expedição do necessário mandado.

Por outro lado, inova o novo Código de Processo Civil supra em relação ao Código de
Processo Civil de 1973 no que se refere tanto à existência de benfeitorias quanto ao
direito de retenção em razão das mesmas.

Assim, reza o § 1.º que a existência de benfeitorias deve ser alegada já na fase de
conhecimento em peça contestatória, atentando o réu naquele momento para a
discriminação da(s) mesma(s) e atribuindo-lhe, quando possível e de forma justificada, o
seu valor (§ 1.º do art. 535).

Na mesma toada, o direito de retenção pelas ditas benfeitorias, no mesmo sentido, deve
ser alegado também em sede de contestação na fase de conhecimento (§ 2.º).

Parece-nos que o legislador quer com isso evitar argumentos “oportunistas” por parte do
devedor/executado já em fase de cumprimento da sentença obrigacional em tela, não
obstante ser perfeitamente possível a ocorrência de benfeitorias no bem quer móvel ou
imóvel, durante o correr do processo, em qualquer de suas fases.

4. Antecipação dos efeitos da tutela específica

Propiciar a devida tutela específica do direito lesado é o corolário a que o processo deve-
se guiar.

Assim, consubstanciado na ideia da efetividade deste instrumento de satisfação de


direitos, é de se afirmar que aquele titular da obrigação de fazer, não fazer ou entregar
inadimplida, poderá obter a antecipação da tutela pretendida.

Trata-se de possibilidade que o atual art. 461 § 3.º, do CPC concede, estabelecendo a
viabilidade de ser antecipada a tutela específica alusiva às obrigações de fazer, não fazer
e entregar coisa, quando não só for relevante o fundamento da demanda, mas,
sobretudo, quando houver justificado receio de ineficácia do provimento meritório final 30
e, notoriamente, quando não houver perigo de irreversibilidade do provimento
antecipado, conforme regra o § 3.º do art. 273.

Não se postou diferente o novo Código de Processo Civil, possibilitando a aplicabilidade


da mesma ideia, i.e., permitindo a antecipação dos efeitos da tutela – aqui específica –
notadamente, no sentido de autorizar ao magistrado o uso de medidas que considerar
adequadas para obtenção da efetivação da medida antecipatória, como se depreende do
art. 298, infra:

“Art. 298. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para
efetivação da tutela provisória”.

Por outro lado, cabe aqui assentar que a Tutela Provisória no plano do Novo Código de
Processo Civil em comento, pode fundamentar-se nas modalidades de urgência (de
natureza antecipada ou cautelar) e de evidência, conforme sustenta o parágrafo único do
art. 292 e art. 298 e ss.
Nisso, a título de compreensão e em síntese apertada, temos que a tutela provisória de
urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do
direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, o que pode ser
traduzido na demora da prestação jurisdicional (art. 298, caput, do NCPC), em
referência ao seu correspondente no CPC/1973, in casu, o art. 273, caput e I.

Já, quanto à denominada tutela provisória de evidência, ou simplesmente, tutela de


evidência, será essa concedida, conforme redação do art. 309 do NCPC,
independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do
processo, quando:

“I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório


da parte;

II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver


tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do


contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto
custodiado, sob cominação de multa.

IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos
constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida
razoável.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente”.

Despiciendo afirmar que o inc. I do art. 309 possui similitude com o caput e inc. II do
art. 273 do CPC atual, ajudado ainda pela boa redação do caput do retro citado art. 309,
o que já se demonstra a inexistência de óbices quando à concessão de antecipação dos
efeitos da Tutela Específica, cabendo trazer à luz aqui a questão presente no Código de
Processo Civil atual, onde encontramos disposição geral sobre a tutela antecipada (art.
273) e disposição desta mesma tutela de maneira particularizada em sede de tutela
específica nas obrigações de fazer e não fazer, extensiva àquela para entrega de coisa
(art. 461, § 3.º e art. 461-A, § 3.º), o que em nada prejudica a autorização da medida
antecipatória para fins de concessão de efeitos em pedido obrigacional específico. 31

Lado outro, as demais novatas questões autorizadoras de concessão de tutela


antecipada de evidência dispostas nos incs. II, III e IV, igualmente, em nada
obstaculizam a autorização do juízo para determinação da medida em sede de Tutela
Específica, podendo, inclusive, ser aquela estabilizada, quando, por exemplo,
inequívocos forem os conteúdos probais a que se fundamenta o pedido da necessária
medida provisória de natureza antecipada.

5. A tutela inibitória

É fato que nas últimas décadas tem-se presenciado uma verdadeira e acelerada mutação
nas relações sociais em variadas formas e projeções.
Ocorre que a própria dinâmica de ditas relações, inegavelmente, gera conflitos que, uma
vez levados ao Poder Judiciário, muitas vezes restam carecedores de adequadas
soluções, oportunizadas pelas complexidades da vida, abstratamente reguladas por um
ordenamento jurídico em dado tempo e espaço, gerando a insegura ideia de que não
haveria instrumentos jurídicos aptos ou capazes de levar a cabo o satisfatório deslinde
do caso concreto ou de conceder medidas necessárias e aptas às situações fáticas
geradas em tais ambientes sociais de contínuas mudanças.

Nesta esteira, com o fito de, instrumentalmente, tutelar, de forma satisfatória e


eficiente, o jurisdicionado em determinadas pretensões diante dos ambientes
supracitados é que se edificou, doutrinariamente, a denominada “Tutela Inibitória”.

Cediço é que a presente Tutela objetiva a prevenção da prática, da continuação ou da


repetição do ilícito, não tendo para tanto caráter punitivo e sim preventivo. Nisto é que
caberá o manejo da inibitória em face de alguém, ainda que sem culpa, estiver na
iminência de praticar um ilícito e continuar a perpetrar o mesmo.

Não se objetiva aqui a investigar a ampla construção doutrinária e mesmo movimentos


jurisprudenciais que edificam o instituto, mesmo porque já o fizemos em várias
passagens32 e boa doutrina trata de enfrentá-la com o merecido rigor.33

Insta aqui destacar, no entanto, que acerca do novo Código de Processo Civil, em
importante componente do comando regulatório da Tutela Específica, atende como
novidade normativa particularizada as disposições relativas à autorização para a
concessão da denominada Tutela Inibitória.

Queremos com isso afirmar que, de maneira explícita, relativa ao próprio comando da
prestação jurisdicional requerida, tem-se nos dispositivos do novo Código de Processo
Civil inequívoca dimensão e concretude formal da atuação da Tutela Inibitória.

Certo é que o principal fundamento legal em que repousa a tutela inibitória, antes de
tudo, é aquele decorrente do princípio constitucional inserido no art. 5º, XXXV, da CF
que reza: “a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça ao
direito”. Diante de tal preceito, nítido é a desnecessidade de uma expressa previsão
infraconstitucional para a propositura da proteção inibitória.

No entanto, em sede infraconstitucional, de forma mais detida, nota-se que tutela


inibitória só era prevista no ordenamento jurídico na forma típica, principalmente,
através dos já referidos interditos proibitórios (art. 932 do CPC) 34 e do mandado de
segurança preventivo (art. 1.º, da Lei 12.016/2009).35

Com o advento do art. 461 36 do CPC, vislumbrou-se no Ordenamento Processual Civil


pátrio a possibilidade de se obter a tutela inibitória na forma atípica, ou seja, de cunho
amplo, alcançada por meio de sentenças mandamental e executiva lato sensu,37
portanto, visando à proteção de direitos da personalidade e mesmo direitos de índole
coletiva tais como os direitos do consumidor e meio ambiente, tanto sob a forma positiva
(obrigações de fazer) como negativa (obrigações de não fazer).

Temos, então, que no novo Código de Processo Civil em questão, bem aloca o legislador
a presente Tutela Inibitória como decorrência natural da Tutela Específica, quando da
pretensão para inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua
remoção; servindo ainda para o ressarcimento de um dano. É o que se depreende da
norma infra:

“Art. 494. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se
procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que
assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.

§ 1.º A tutela específica serve para inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um


ilícito, ou a sua remoção”.

Por outro lado, para a boa compreensão e correta utilização da presente tutela,
necessário se faz acostar aqui a imprescindibilidade da importante distinção entre ilícito
e dano. Aliás, objeto de antigas divergências doutrinárias.38

Dita distinção já se faz necessária, por exemplo, no olhar mais agudo do que dispõe o
art.186 do CC/2002, in verbis:

“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

De tal dispositivo nota-se, de pronto, equívoco, ao se observar o uso da preposição “e”,


induzindo ser a superveniência do dano indissociável à ideia de ilicitude do ato. 39

Nestes termos, bem pontua Marinoni que “o dano não é uma consequência necessária do
ato ilícito. O dano é requisito indispensável para o surgimento da obrigação de ressarcir,
mas não para constituição do ilícito”.40

Observa-se que a prática de um ato contrário ao direito não tem, fundamentalmente,


como consequência o surgimento do dano. Assim, tem-se que o ato ilícito é qualquer
conduta contrária ao direito, sendo o dano um prejuízo material ou moral que pode vir
ou não da prática de um ato ilícito.41

Estando a tutela inibitória voltada para o futuro com natureza essencialmente


preventiva, é cristalino que a mesma não possui, necessariamente, relação direta com o
dano, sendo autorizado manejá-la para fins de que não se pratique um ilícito sem que,
para tanto, seja demonstrado cabalmente um dano futuro.42

O esclarecimento dessa confusão não apenas deixa claro que a tutela ressarcitória não é
a única tutela contra o ilícito, como também permite a delineação de uma tutela
legitimamente preventiva, não tendo a mesma relação com a probabilidade do dano,
mas apenas relação com o ato contrário ao direito.43

Na relação entre probabilidade do ilícito e probabilidade do dano, leciona ainda


Marinoni:44

“É certo que a probabilidade do ilícito é, com frequência, a probabilidade do próprio


dano, já que muitas vezes é impossível separar, cronologicamente, o ilícito e o dano.
Contudo, o que se quer deixar claro é que para obtenção da tutela inibitória não é
necessária a demonstração de um dano futuro, embora ele possa ser invocado, em
determinados casos, até mesmo para se estabelecer com mais evidência a necessidade
da inibitória”.

Essa diferenciação entre ilícito e dano, conceituando-se o ilícito como ato contrário ao
direito, permitiu que a tutela jurisdicional fosse adequadamente prestada a certas
situações, através do uso de uma medida genuinamente preventiva, aí encontrando
lugar a tutela inibitória.

Este enfrentamento não passou despercebido pelo novo Código de Processo Civil onde,
de maneira prudente e nos trilhos corretos, pontificou no § 2.º do art. 494, o que se
segue:

“§ 2.º Para a concessão da tutela específica que serve para inibir a prática, reiteração ou
a continuação de um ilícito, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da
existência de culpa ou dolo”.

Constata-se assim, que ao se referir na irrelevância da “demonstração da ocorrência de


dano ou da existência de culpa ou dolo”, reconhece inequivocamente o legislador do
novato Código, a importância de se inibir a prática, reiteração ou a continuação de um
ilícito, ainda que dele não gere ou venha gerar dano, manifestação veraz do caminhar
pari passu com a dinâmica jurídica hodierna.

6. Considerações finais

Por tudo enfrentado, nota-se que os importantes acréscimos normativos e em muito


substanciais, voltados a um correto e significativo regramento das dinâmicas e contornos
por que passa o universo da tutela específica, demonstra de maneira irrefutável como o
trato lógico-formal das regras jurídicas pode perfeitamente se aliar a uma relevante
“pedagogia jurídica”, ainda que no plano da compreensão de que os institutos quando
bem propostos e regulados, como se observou na análise aqui empreendida, podem ser
eficientes, satisfativos e perenes.

Neste sentido, a virtuosa divisão normativa e, por isso, organizacional, da Tutela


Específica no novo Código de Processo Civil, sobretudo nos planos do “julgamento” e
posterior “cumprimento” da mesma, demonstra os trilhos corretos para sua melhor
compreensão e efetiva aplicação, possibilitando depositarmos esperanças em uma
prestação jurisdicional mais eficiente e efetiva no que se refere à satisfação específica de
obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa, ora inadimplidas.

7. Referências bibliográficas

ARENHART, Sérgio Cruz. A intervenção judicial e o cumprimento da tutela específica.


Disponível em: [www.academia.edu/214098/A_INTERVEN
%C3%87%C3%83O_JUDICIAL_E_O_CUMPRIMENTO_D_TUTELA_ESPEC%C3%8DFICA?
login=&email_was_taken=true]. Acesso em: 04.11.2014.

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1997.
6.ª Série.
BRASIL. Código de Processo Civil: anteprojeto/Comissão de Juristas Responsável pela
Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal,
Presidência, 2010.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO JÚNIOR, Antônio
Pereira. Biografia autorizada versus liberdade de expressão. Lisboa: Juruá Editorial,
2014.

CHIOVENDA, Giuseppe. Saggi di Diritto Processuale Civile. Milano: Giuffrè, 1993. vol. I.

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual
civil. Salvador: JusPodivm, 2008. vol. 2.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 1996.

FENOLL, Jordi Nieva. Jurisdicción y Proceso. Madri: Marcial Pons, 2009.

GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Instituições de direito processual civil. 2. ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2013.

______. Medidas coercitivas para o cumprimento das obrigações de fazer e não fazer no
Direito pátrio e comparado. Revista Forense. vol. 363. p. 345.352. Rio de Janeiro:
Forense, set.-out. 2002.

______. O processo nos Juizados Especiais Cíveis estaduais. Belo Horizonte: Del Rey,
2010.

______. Tutela específica das obrigações de fazer. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2012.

______. Tutela específica das obrigações de fazer. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

______; CÂMARA, Alexandre Freitas (coords.). Novo CPC: reflexões e perspectivas. Belo
Horizonte: Del Rey, 2014.

GRECO, Leonardo. Primeiros comentários sobre a reforma da execução oriunda da Lei n.


11.232/2005. Revista Magister. Direito Empresarial, Concorrencial, e do Consumidor. n.
06. p. 87-107. Porto Alegre: Magister, dez.-jan. 2006.

GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1995. vol.
3.

LEBORGNE, Anne; PUTMAN, Emmanuel (orgs.). Les Obstacles à L’exécution Forcée:


Permanence et Évolution. Paris: Éditions Juridiques e Techniques, 2009.

LIEBMAN, Enrico Tullio. Embargos do executado. São Paulo: Saraiva, 1952.

LIMA, Alcides de Mendonça. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:


Forense, 1979. vol. VI. t. II.

LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Maria da Conceição Côrte-Real.


Brasília: UnB, 1980.

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 3. ed. São Paulo: Ed.
RT, 2006.

MÒCCIOLA, Michele. Problemi del ressarcimento del danno in forma specifica nella
giurisprudenza. Rivista Critica del Dirritto Privato. p. 362-381. 1984.

MORELLO, Augusto M. El Proceso Justo. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2005.

NERY JR., Nélson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e
legislação processual civil extravagante em vigor. 12. ed. São Paulo: Ed. RT, 2012.

NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

PEREIRA, Luiz Fernando C. Medidas urgentes no direito societário. São Paulo: Ed. RT,
2002.

WAMBIER, Luiz Rodrigues (coord.). Curso avançado de Processo Civil. 8. ed. São Paulo:
Ed. RT, 2006. vol. 2.

SPADONI, Joaquim Felipe. Ação inibitória. São Paulo: Ed. RT, 2007.
   
1. Trata-se da versão de texto-base aprovado em votação simbólica pelo Plenário do
Senado Federal em 16.12.2014, de cuja relatoria coube ao Senador Vital do Rêgo.
 
2. Sobre a variedade de conteúdos que realçam necessárias e sérias reflexões para uma
qualitativa prestação jurisdicional no plano de um novo Código de Processo Civil para o
Brasil, bem como variada análise dos Projetos voltados à sua edificação, ver GAIO
JÚNIOR, Antônio Pereira; CÂMARA, Alexandre Freitas (coords.). Novo CPC: reflexões e
perspectivas. Belo Horizonte: Del Rey, 2014.
 
3. Com clareza, bem pontua Marcelo Neves, ao se referir à importante distinção entre
eficácia e efetividade, no plano dos programas condicional e finalístico de realização
abstrata da lei:“(… pode-se afirmar que a eficácia diz respeito à realização do ‘programa
condicional’, ou seja, à concreção do vínculo ‘então’ abstrata e hipoteticamente previsto
na norma legal, enquanto a efetividade se refere à implementação do ‘programa
finalístico’ que orientou a atividade legislativa, isto é, à concretização do vínculo ‘meio-
fim’ que decorre abstratamente do texto legal”. NEVES, Marcelo. A constitucionalização
simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 45-46.

Sobre os programas condicional e finalístico para a legitimação do direito positivo, ver


também LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Maria da Conceição
Côrte-Real. Brasília: UnB, 1980. p. 110-113.

 
4. Ver LEBORGNE, Anne; PUTMAN, Emmanuel (orgs.) Les Obstacles à L’exécution
Forcée: Permanence et Évolution. Paris: Éditions Juridiques e Techniques, 2009.No
mesmo sentido, Nieva Fenoll:

“Se há hablado con acerto de ‘la vieja y vana aspiración de aproximar la justicia al
justiciable’, quizás poeque hace mucho tempo que nos hemos acostumbrado a observar
uma situación lamentable em nuestra Justicia. Y no obstante, no hemos dejado de
quejarnos de su ineficácia, aunque sobre todo de su lentitud. Sin embargo, damos por
hecho que quien nos debe uma pequena cantidad, o no nos pagará, o sólo nos pagará, i
lo hace, tras el correspondiente processo monitório y, sobre todo, tras uma a veces difícil
e infructuosa búsqueda de sus bienes, que se nos hace eterna” (FENOLL, Jordi Nieva.
Jurisdicción y Proceso. Madri: Marcial Pons, 2009. p. 111).

 
5. Cf. O modelo constitucional do processo justo In: MORELLO, Augusto M. El Proceso
Justo. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2005. p. 67 e ss.
 
6. CHIOVENDA, Giuseppe. Saggi di Diritto Processuale Civile. Milano: Giuffrè, 1993. vol.
I, p. 110.
 
7. Na aludida exposição de motivos, a Comissão nomeada pelo Senado bem expressou
que trabalhou sempre tendo como pano de fundo um objetivo genérico, que foi de
imprimir organicidade às regras do processo civil brasileiro, dando maior coesão ao
sistema.Nisso, foi pontuado que o novo Código de Processo Civil “conta, agora, com uma
Parte Geral, atendendo às críticas de parte ponderável da doutrina brasileira. (… O Livro
II, diz respeito ao processo de conhecimento, incluindo cumprimento de sentença e
procedimentos especiais, contenciosos ou não. O Livro III trata do processo de
execução, e o Livro IV disciplina os processos nos Tribunais e os meios de impugnação
das decisões judiciais. Por fim, há as disposições finais e transitórias”.

Por tudo, o objetivo de organizar internamente as regras e harmonizá-las entre si foi o


que inspirou vários dos dispositivos elencados. BRASIL. Código de Processo Civil:
anteprojeto/Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código
de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010. p. 30.

 
8. Cf. os nossos Tutela específica das obrigações de fazer. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2012;
Instituições e direito processual civil. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2013; O processo
nos Juizados Especiais Cíveis estaduais. Belo Horizonte: Del Rey, 2010; Medidas
coercitivas para o cumprimento das obrigações de fazer e não fazer no Direito pátrio e
comparado. Revista Forense 363/345, 2002.
 
9. Cf. o nosso Tutela específica…cit. p. 90-91.
 
10. LIMA, Alcides de Mendonça. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 1979. vol. VI. t. II. p. 869.
 
11. “A cominação da multa deve ser forte, mas não deve inviabilizar a execução
propriamente dita, que, no caso, é a resultante das perdas e danos. De nada vale levar o
devedor à insolvência se, insolvente, não puder atender sequer ao prejuízo real causado
ao credor“. GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. São Paulo: Saraiva,
1995. vol. 3. p. 69.
 
12. “Art. 534 (… § 2.º O valor da multa será devido ao exequente.”
 
13. Tutela específica…cit. p. 100.
 
14. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Aspectos da execução em emitir declaração de
vontade. Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 236. 6.ª Série.
 
15. Sobre o efeito jurídico da sentença substitutiva da vontade, vale lembrar LIEBMAN
ao afirmar: “o respeito à vontade individual não pode ser tão absoluto a ponto de
impedir a produção do efeito jurídico que a declaração de vontade produziria, quando
existe obrigação anterior de emitir essa declaração e o obrigado se recusa a cumpri-la”.
(LIEBMAN, Enrico Tullio. Embargos do executado. São Paulo: Saraiva, 1952. p. 161).
 
16. Ditos meios de coação atuam através de medidas de pressão econômica, física ou
psicológica, tais como as penas de multa, a incidência das astreintes, hipóteses de prisão
civil, bem como punições oriundas da prática de atos atentatórios à dignidade da justiça,
dentre outras. Cf. o nosso Tutela específica…cit. p. 82.
 
17. A presente medida fora acostada, inicialmente, no Relatório do Senador Vital do
Rêgo, oriunda do Substitutivo da Câmara dos Deputados – PL 8.046/2010 – e
devidamente aprovada em votação simbólica pelo Plenário do Senado Federal. No
entanto, em votação final, esta realizada em 17.12.2014, onde analisados foram os
destaques do Substitutivo da Câmara, dita medida fora, lamentavelmente,
retirada.Dentre os motivos para a não contemplação da mesma no bojo do Código de
Processo Civil está a afirmativa do próprio relator do PLS 166/2010 no Senado Federal,
Senador Vital do Rêgo, de que a manutenção da medida poderia dar margem a abusos,
o que certamente pensamos nós, quis ele dizer em relação ao próprio órgão julgador,
competente para a eventual adoção da medida de reforço ao cumprimento da obrigação.
In: Congresso aprova novo Código de Processo Civil para agilizar processos. Disponível
em: [www1.folha.uol.com.br/poder/2014/12/1563905-congresso-aprova-novo-codigo-
do-processo-civil-para-agilizar-processos.shtml]. Acesso em: 18.12.2014.

 
18. Ver, PEREIRA, Luiz Fernando C. Medidas urgentes no direito societário. São Paulo:
Ed. RT, 2002. p. 205 e ss.Dita classificação é exemplificativa, de modo a demonstrar as
várias percepções que decorrem de um contexto interventivo por meio de medidas sobre
a pessoa jurídica.

 
19. ARENHART, Sérgio Cruz. A intervenção judicial e o cumprimento da tutela específica.
Disponível em: [www.academia.edu/214098/A_INTERVEN
%C3%87%C3%83O_JUDICIAL_E_O_CUMPRIMENTO_D_TUTELA_ESPEC%C3%8DFICA?
login=&email_was_taken=true]. Acesso em: 04.11.2014.
 
20. Idem, ibidem.
 
21. Idem, ibidem.
 
22. Ex vi do art. 14, mais precisamente o seu inc. V e parágrafo único.
 
23. Tem o STJ, a contrário sensu, rechaçado a ideia de possibilitar a incidência do crime
de desobediência em questões que envolvam o descumprimento de obrigação de
fazer:“1. Manifestamente ilegal a decretação ou a ameaça de decretação de prisão por
crime de desobediência nos autos de processo civil como forma de coagir a parte ao
cumprimento de obrigação, ressalvada a obrigação de natureza alimentar. 2.
Precedentes específicos do STJ. 3. ‘Habeas Corpus’ Concedido de ofício, prejudicado o
Recurso Ordinário (STJ, RHC 35.253/RJ, 3.ª T. j. 05.03.2013, rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, DJe 26.03.2013)”.

 
24. Ratificando nossa afirmativa, confiram aqui, pelo menos duas importantes passagens
de nossa qualificada doutrina, já por nós citadas em obras anteriores:“Por outro lado,
continua havendo o processo de execução das obrigações de fazer e não fazer.

Em primeiro lugar, o processo do art. 632 e ss. continua servindo para tutelar as
pretensões já amparadas em título executivo extrajudicial.

Depois, continua havendo hipóteses de execução de obrigações de fazer e não fazer


amparadas em título judicial – a despeito da letra da lei. Considerem-se os seguintes
casos: transação realizada extrajudicialmente e apenas levada à homologação judicial;
sentença estrangeira homologada pelo STJ; sentença arbitral, quando o compromisso
arbitral não houver previsto que a sentença teria a força do art. 461 (antes da Lei
11.232/2005: art. 584, III, IV e VI; após a Lei 11.232/2005: art. 475-N, II, IV, V e VI).

Em todos esses casos, tais títulos executivos judiciais podem ser representativos de
obrigações de fazer ou de não fazer e continuarão ensejando o processo do art. 632 e
ss. É que, nessas três hipóteses, a questão é trazida a juízo depois que formado o título,
ou seja, não existe uma sentença proferida em um processo desenvolvido sob as regras
do art. 461. Então, nesses casos, se a parte pretende apenas a efetivação concreta do
comando contido no título, terá de recorrer ao processo do Livro II (pois não há outra via
disponível) e não ao processo para a aplicação do art. 461, que é (também) processo de
conhecimento – destinado, em princípio, a casos em que ainda não há título executivo.
Fica, porém, a ressalva de que o detentor de título executivo tem interesse processual
para recorrer ao processo do art. 461, na medida em que esse lhe irá propiciar uma
tutela mais eficiente todavia, em tal hipótese, o título executivo não valerá como tal,
mas como mera prova.” WAMBIER, Luiz Rodrigues (coord.). Curso avançado de processo
civil. 8. ed. São Paulo: Ed. RT, 2006. vol. 2. p. 275-276. Leonardo Greco (Primeiros
comentários sobre a reforma da execução oriunda da Lei n. 11.232/2005. Revista
Magister. Direito Empresarial, Concorrencial, e do Consumidor 6/90), ao se referir sobre
as diferenças entre o procedimento do Cumprimento da Sentença e aquele relativo às
Tutelas Específicas dos arts. 461 e 461-A, aqui, por nós, dentro, evidentemente, de uma
noção sistêmica, objetivando acostar tal razão à aplicabilidade do art. 475– I, 1.ª parte –
quando em referência aos arts. 461 e 461-A – naquelas sentenças civis proferidas em
processo de conhecimento e não de forma ampla e sem quaisquer limites, seja em face
da qualidade de defesa do executado, seja por questões, muitas vezes, teratológicas que
envolveriam um complexo ato de futurologia, salvo melhor juízo, em interpretação por
demais extensiva. Assim, nota o eminente autor que na disciplina das tutelas específicas,
“não previu expressamente o exercício da defesa pelo devedor, (… enquanto na
execução de sentença fundada em título judicial a Lei 11.232 regulou em minúcias a
defesa do executado (arts. 475-J, L e M), que denominou de impugnação, para distingui-
la dos tradicionais embargos do devedor”.

 
25. Instituições de direito… cit.. p. 428-430.
 
26. “Art. 475-R. Aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no que
couber, as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial.”
 
27. Tutela específica das obrigações de fazer. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 62-63.
 
28. “Art. 1039. Cabe agravo contra decisão do presidente ou vice-presidente do tribunal
que:(…

II – inadmitir, com base no art. 1.037, inciso I, recurso especial ou extraordinário sob o
fundamento de que o acórdão recorrido coincide com a orientação do tribunal superior;

III – inadmitir recurso extraordinário, com base no art. 1.032, § 8.º, sob o fundamento
de que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inexistência de repercussão geral da
questão constitucional debatida.”

 
29. “Art. 534.(…

§ 5.º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que
reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.”

 
30. No mesmo sentido, caminha a opinião de DINAMARCO, Cândido Rangel. (A reforma
do Código de Processo Civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 154), ao afirmar que o
art. 461 do CPC deve ser interpretado em sistema com o art. 83 do CDC, “segundo o
qual (Mutatis Mutandis) todas as espécies de ações são admissíveis, para a tutela
jurisdicional nas obrigações de fazer ou de não fazer”, acrescentando ainda que “Falar
em todas as espécies de ações significa incluir as espécies de tutela que se obtém no
processo de conhecimento (constitutiva, condenatória ou meramente declaratória) e
também tutela executiva e a cautelar”.
 
31. “É interessante notar que para o adiantamento da tutela de mérito, na ação
condenatória em obrigação de fazer e não fazer, a lei exige menos do que para a mesma
providência na ação de conhecimento tourt court (art. 273 do CPC). É suficiente a mera
probabilidade, isto é, a relevância do fundamento da demanda, para a concessão da
tutela antecipatória da obrigação de fazer ou não fazer, ao passo que o art. 273 do CPC
exige, para as demais antecipações de mérito: (a) a prova inequívoca; (b) o
convencimento do juiz acerca da verossimilhança da alegação; (c) ou o periculum in
mora (art. 273, I, do CPC) ou o abuso do direito de defesa do réu (art. 273, II, do
CPC).” NERY JR., Nélson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil
comentado e Legislação Processual Civil extravagante em vigor. 12. ed. São Paulo: Ed.
RT, 2012. p. 804.
 
32. Dentre elas, CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO
JÚNIOR, Antônio Pereira. Biografia autorizada versus liberdade de expressão. Lisboa:
Juruá Editorial, 2014. p. 70 e ss.; GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Instituições de direito…
cit. p. 80 e ss.
 
33. Ver por todos, MÒCCIOLA, Michele. Problemi del ressarcimento del danno in forma
specifica nella giurisprudenza. Rivista Critica del Dirritto Privato, p.367 e ss., 1984;
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 3. ed. São Paulo: Ed.
RT, 2006; SPADONI, Joaquim Felipe. Ação inibitória. São Paulo: Ed. RT, 2007.
 
34. “Art. 932 do CPC: O possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser
molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure na turbação ou esbulho
iminente, mediante mandato proibitório, em que se comine ao réu determinada pena
pecuniária, caso transgrida o preceito.”
 
35. “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não
amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de
poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-
la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que
exerça.”
 
36. “Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o
juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará
providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.”
 
37. NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Op. cit.. p. 802-803.
 
38. Vale lembrar que uma das importantes conquistas da doutrina italiana nas últimas
décadas do século passado foi, exatamente, a revisão conceitual de Ilícito, mais
precisamente entre ato ilícito e fato danoso. Ver, por todos, MÒCCIOLA, Michele. Op.
cit.. p. 367 e ss.
 
39. Cf. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito
processual civil. Salvador: JusPodivm, 2008. vol. 2. p. 367.
 
40. MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit.. p. 46.
 
41. Idem, ibidem.
 
42. Neste ínterim, pontua Marinoni: “(… ao inserir na constituição do ilícito o perigo,
refere-se ao perigo com uma ‘potencialidade danosa’, evidenciando, assim, que a tutela
contra o ilícito – que seria diferente da tutela contra o dano – é uma tutela contra a
probabilidade do dano”. (Idem. p. 45).
 
43. CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO JÚNIOR, Antônio
Pereira. Op. cit.. p. 76.
 
44. Idem. p. 47.
DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS E SEU SUBSTRATO
COLETIVO: AÇÃO COLETIVA E OS MECANISMOS PREVISTOS NO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

Revista de Processo | vol. 241/2015 | p. 337 - 358 | Mar / 2015


DTR\2015\2131

Eduardo Talamini
Livre-docente (USP). Doutor e Mestre (USP). Professor de direito processual civil,
processo constitucional e arbitragem (UFPR). Advogado
 
Área do Direito: Constitucional; Processual

Resumo: Há sempre um direito coletivo (difuso) subjacente aos direitos individuais


homogêneos. A ação para tutela de direitos individuais homogêneos não é simples
técnica processual coletiva a serviço de direitos individuais, mas meio de tutela de direito
coletivo. Esta constatação repercute sobre o tratamento a ser dado à legitimidade ativa,
interesse e coisa julgada na ação para tutela de direitos individuais homogêneos. Por
outro lado, o atual modelo brasileiro de ação coletiva ocupa-se precipuamente de tutelar
o interesse difuso à dissuasão de ilícitos de massa. Não atende adequadamente ao
interesse difuso à segurança jurídica, previsibilidade de soluções e isonomia. Os
mecanismos de julgamento de questões repetitivas, aperfeiçoados e ampliados pelo
Código de Processo Civil de 2015, hoje atendem melhor a estes interesses. A ação
coletiva precisa ser reformulada para não ficar em segundo plano.

 Palavras-chave:  Ação coletiva - Direito difuso - Direito individual homogêneo -


Procedimento de julgamento de questões repetitivas - Coisa julgada - Legitimidade.

Abstract: There is always a collective (diffuse) right underlying homogeneous individual


rights. The action for protection of homogeneous individual rights is not there to serve as
a technique to protect individual rights, but on the contrary, it classifies as a procedural
technique to protect collective rights. This finding echoes on the treatment to be given to
the active legitimacy, interest and res judicata in actions for protection of homogeneous
individual rights. On the other hand, the current Brazilian model of class action primarily
takes care of safeguarding diffuse interests related to mass claims processes. It does not
adequately fill the diffuse interest of legal certainty, predictability and equality of
solutions. The ruling of repetitive questions, improved and extended by the new Civil
Procedure Code (2015), best meet those interests. Collective actions need to be
redesigned to not be forgotten in the background.

 Keywords:  Class action - Diffuse rights - Homogeneous individual rights - Ruling of


repetitive claims - Res judicata - Legitimacy.

Sumário:  
- 1.Introdução - 2.Três fenômenos modernos - 3.A pretensa distinção essencial entre
direitos individuais homogêneos e direitos coletivos (e difusos) - 4.O insight de Alcides
Munhoz da Cunha - 5.O substrato jurídico-material coletivo nas ações de tutela dos
direitos individuais homogêneos – A regra do art. 100 do CDC - 6.O direito material e o
processo - 7.Decorrências no âmbito da ação coletiva - 8.Os direitos individuais
homogêneos no Código de Processo Civil de 2015 - 9.Conclusão
 

Recebido em: 27.12.2014

Aprovado em: 11.02.2015

1. Introdução

O presente texto constitui o desenvolvimento de breve exposição apresentada em


evento em homenagem à memória do Prof. Alcides Alberto Munhoz da Cunha, que a
Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná justamente lhe prestou, em
18.08.2014.

O Prof. Alcides Munhoz da Cunha desempenhou papel relevante em minha formação


acadêmica e minha iniciação no magistério do direito processual civil nesta instituição.
Foi meu professor na disciplina introdutória de processo civil, e seu modo claro e
apaixonado de lecionar chamou a minha atenção – e a de outros tantos colegas – para a
matéria. Depois, quando eu tinha pouco mais de um ano de formado, veio dele o
primeiro convite para auxiliar no magistério em processo civil na Faculdade de Direito da
UFPR, do qual, passados 20 anos, de um modo ou de outro, jamais me desliguei.

Na produção científica de Alcides Munhoz da Cunha, há um traço marcante. Em


determinados temas, especialmente no âmbito da tutela urgente e do processo coletivo,
ele soube assumir posições próprias – não coincidentes com concepções dominantes –
sem idiossincrasias, sincera e fundamentadamente. Defendeu essas ideias de modo
ponderado, razoável, construído a partir de argumentos objetivos, controláveis e
plausíveis. Ele não se rendeu à espetacularização doutrinária, hoje frequente.

Pretendo aqui destacar uma destas suas interessantes formulações. Em seguida,


procurarei demonstrar alguns úteis desdobramentos dela extraíveis para o cenário atual
de nosso processo civil.

2. Três fenômenos modernos

Embora sempre identificável no curso da história (a ação popular já existia em Roma), a


atual projeção do processo coletivo responde a três fenômenos essencialmente
modernos. A estes três fenômenos correspondem as três espécies de direitos tutelados
na via coletiva.

2.1 Os direitos fundamentais “de terceira geração”: direitos difusos


No curso do século XX assistiu-se à tomada de consciência acerca da existência e à
própria multiplicação dos direitos ditos de “terceira geração”. Consolidados os direitos de
defesa em face do Estado e a afirmação (ao menos virtual) de direitos fundamentais
sociais, o passo seguinte foi a identificação de direitos mais amplos, que pertencem a
todos os integrantes da coletividade, de modo indivisível: o direito ao meio ambiente
saudável; à incolumidade do patrimônio público; à preservação do patrimônio histórico,
cultural, artístico – e assim por diante.

São os direitos ou interesses difusos: aqueles que o Código do Consumidor define como
transindivuais, indivisíveis, titularizados por pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato (art. 81, parágrafo único, I).

2.2 O pluralismo participativo: direitos coletivos

Mas há um segundo fenômeno relevante: nossas sociedades tornam-se complexas;


surgem esferas particulares, relativamente autônomas, com um papel social e político
cada vez mais relevante. Alguns são grupos organizados: sindicatos, partidos políticos,
entidades de classe etc. Outros, são meras classes ainda que não organizadas.

A diferença entre o pluralismo moderno e aquele de outras épocas (o feudal, p. ex.) – é


o seu caráter democrático. Os entes intermediários são tratados equitativamente pelo
Estado e pelo Direito. Têm a chance de interferir nos desígnios do Estado – e recebem,
ora como grupos organizados, ora como meras classes – direitos próprios. 1 Então,
confere-se à classe dos advogados o direito de indicar integrantes para compor os
tribunais; confere-se à categoria dos usuários de um serviço público o direito de integrar
determinado órgão estatal regulador – e assim por diante.

São os direitos coletivos, que nossa legislação define como transindividuais de natureza
indivisível, titularizados por um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou
com a parte contrária por uma relação jurídica base (CDC, art. 81, parágrafo único, II).

2.3 A sociedade de massas: direitos individuais homogêneos

Além disso, vivemos em uma sociedade de massas. No mundo, sempre existiu muita
gente. Mas só recentemente – e essa é uma conquista fundamental – toda essa gente
passou a ser verdadeiro sujeito de direito e a ter alguma consciência disso. Ortega y
Gasset constatou esse fenômeno como ninguém, ainda no começo do século XX.2

Daí – muito mais do que em outras épocas – surgem situações em que uma imensa
quantidade de pessoas titulariza, individualmente, um direito que é na essência idêntico
ao dos demais. E surgem situações em que estas pessoas têm, ao mesmo tempo, esses
seus respectivos direitos ameaçados ou violados por uma conduta ou conjunto de
condutas provenientes de um mesmo sujeito ou conjunto de sujeitos. Pensemos em
consumidores que compraram todos um mesmo produto defeituoso; ou contribuintes
numa mesma situação em face do Fisco; servidores públicos ou empregados privados
numa idêntica posição jurídica em face de seus empregadores etc.

Esses são os direitos individuais homogêneos, que o Código do Consumidor identifica, de


modo um tanto lacônico, como sendo os de “origem comum” (art. 81, parágrafo único,
III).

3. A pretensa distinção essencial entre direitos individuais homogêneos e


direitos coletivos (e difusos)

Tornou-se comum enfatizar a distinção entre direitos coletivos e difusos, de um lado, e


direitos individuais homogêneos, do outro. Haveria radical diferença entre eles.

3.1 Tutela de direitos coletivos x tutela coletiva dos direitos

Nesta ótica, as duas primeiras categorias constituem direitos propriamente coletivos,


transindividuais. A proteção jurisdicional deles constitui tutela de direitos coletivos. Já
nos direitos individuais homogêneos emprega-se a técnica processual coletiva para
proteger direitos individuais. Daí a expressão tutela coletiva de direitos individuais.3

Vale dizer, o ponto de contato entre as duas primeiras categorias e esta terceira seria
puramente processual. O modo de tutela daquelas e dessa seria afim; o substrato
jurídico-material, não.

3.2 Decorrências

A principal consequência desta concepção está em reputar-se que o regime jurídico-


processual de tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos deve ser apenas em
parte coincidente com o da tutela dos direitos coletivos. Estabelecem-se distinções
especialmente no que tange à legitimação ativa e à coisa julgada.

3.2.1 Legitimação ativa e interesse jurídico

A ideia de que se está a usar um mecanismo processual coletivo para uma situação
jurídico-material individual contribui para que se conceba o emprego do processo
coletivo, nesta hipótese, como simples favor da lei.

Reconhece-se que negar o amplo emprego do processo coletivo em prol dos direitos
difusos e coletivos implica obstar o acesso à justiça. Pela via individual não há como
tutelá-los. O substrato jurídico-material indivisível, reconhecidamente coletivo, impõe
essa constatação.

Já o uso do processo coletivo para a proteção de direitos individuais homogêneos tende


a ser visto como mero acréscimo processual, uma sofisticação técnica que poderia ser
instituída ou removida pelo legislador, quando bem entendesse. Não haveria, na redução
ou negativa de tutela coletiva para direitos individuais, afronta à garantia de
inafastabilidade da jurisdição. Restaria aberta a via da ação individual.

Esta premissa é invocada para justificar diversas normas restritivas do emprego das
ações coletivas para a tutela de direitos individuais homogêneos – normalmente em
casos em que elas seriam utilizadas contra o Poder Público. Por um lado, pretende-se
excluir da tutela coletiva determinadas categorias de direitos individuais homogêneos. 4
Por outro, intenta-se estabelecer todo um conjunto de requisitos e formalidades que
negam qualquer dimensão propriamente coletiva para a ação de tutela dos direitos
individuais homogêneos, transformando-a quase que em mero mecanismo de
simplificação de formação de litisconsórcio.5

Pode-se cogitar de uma série de outros motivos, além desse que é enfocado no presente
texto, pelos quais tais regras são total ou parcialmente incompatíveis com a
Constituição. A jurisprudência, é bem verdade, exclui a aplicação delas às hipóteses em
que a Constituição estabeleceu expressamente instrumentos específicos de tutela
coletiva.6 Mas o fato de tais regras permanecerem sendo aplicadas sem maiores
questionamentos nos demais casos evidencia o quanto tem força a premissa ora
examinada.7

3.2.2 Coisa julgada

Por outro lado, a noção da suposta “artificialidade” do processo coletivo para tutela de
direitos individuais homogêneos conduz ao estabelecimento de limites subjetivos tímidos
para a coisa julgada em caso de improcedência da demanda.

Na hipótese de ações coletivas em defesa de interesses difusos e coletivos, a coisa


julgada é secundum eventum probationis e se estende para além das partes do
processo. É o que preveem o art. 103, I e II, do CDC, o art. 16 da Lei 7.347/1985 e o
art. 4.º da Lei 7.853/1989, entre outros. A regra geral é de que a coisa julgada atingirá
não apenas as partes, mas todos os demais legitimados para a ação coletiva. 8 Apenas
quando a ação for julgada improcedente por insuficiência de provas, a sentença não fará
coisa julgada material – seja em face de terceiros, seja perante as próprias partes.

Já no que tange à ação coletiva em defesa de direitos individuais homogêneos, o art.


103, III, do CDC limita-se a afirmar a “coisa julgada erga omnes, apenas no caso de
procedência do pedido” – do que se poderia até pretender extrair que não há coisa
julgada nenhuma em caso de improcedência. A despeito do teor literal do dispositivo,
cabe reconhecer que a sentença de improcedência ao menos faz coisa julgada em face
daqueles que figuraram como partes no processo. Não é concebível que aquele que já
propôs a ação coletiva ex art. 81, parágrafo único, III, e foi derrotado venha
simplesmente a poder repeti-la em qualquer caso. A lei nesse ponto disse menos do que
pretendia. A interpretação razoável do dispositivo é a seguinte: a abrangência erga
omnes ocorre apenas no caso de procedência;9 porém, configura-se a coisa julgada inter
partes em caso de sentença de improcedência. Mas no que tange à limitação subjetiva
da coisa julgada, não há margem para outra interpretação: os demais legitimados
coletivos não ficam por ela atingidos – diferentemente do que se dá no âmbito da ação
coletiva para defesa de direito difuso ou coletivo. Há até quem pretenda que já na
disciplina atual a improcedência da ação para tutela de direitos individuais homogêneos
faria coisa julgada ultra partes, vinculando os demais legitimados coletivos.10 Todavia, os
termos do dispositivo são inequívocos: a diferença entre a redação adotada nos incs. I e
II, por um lado, e a do inc. III, por outro, retratou uma clara opção legislativa –
excluindo-se a extensão aos demais legitimados. Pode-se criticar esta opção e sugerir
outra solução de lege ferenda – como aqui se fará –,11 mas não há como apenas a
desconsiderar.

Esta ausência de extensão da coisa julgada aos colegitimados coletivos implica a


possibilidade de reiterada repetição da demanda – o que é injustificável e
excessivamente sacrificante para o demandado. 12 Sem a coisa julgada ultra partes, a
sentença de rejeição do pedido propicia-lhe tênue tutela.

E tal acanhamento do alcance subjetivo da coisa julgada na improcedência da ação


coletiva sobre direitos individuais homogêneos deve-se, em larga medida, à recusa em
reconhecer-se que tal processo também tem por objeto uma situação jurídico-material
indivisível, coletiva. Não que a existência de um objeto incindível seja em si mesma
suficiente para justificar a extensão da coisa julgada a outros sujeitos que seriam
legitimados mas não participaram do consórcio. Tanto que, no processo individual,
quem, embora detendo a condição para ser litisconsorte unitário, não participa do
processo, em regra, não será atingido pela coisa julgada. Sustentar-se o contrário
implicaria ofensa às garantias constitucionais do acesso à justiça, devido processo legal,
contraditório e ampla defesa.13 Mas no processo de tutela de direitos coletivos e difusos
o reconhecimento da indivisibilidade da situação tutelada e de seu caráter metaindividual
é fator que contribui, ao lado de outros, 14 para a legitimidade da extensão erga omnes
da coisa julgada. A negativa de identificação deste mesmo objeto coletivo na tutela dos
direitos individuais homogêneos dá base para a menor extensão subjetiva da coisa
julgada.

4. O insight de Alcides Munhoz da Cunha

Alcides Munhoz da Cunha opôs-se a esta concepção que vê na tutela dos direitos
individuais homogêneos uma dimensão puramente processual. Há também nesta
hipótese um direito coletivo ou difuso, conforme o caso. Convém transcrever
literalmente tópico de seu ensaio dedicado ao tema:

“Os interesses individuais homogêneos não se situam propriamente como um tertium


genus de interesses meta-individuais, a par dos interesses difusos e coletivos. Parecem
se situar isto sim como uma peculiar modalidade de interesses difusos ou coletivos,
como se procurará demonstrar.

Para se ter o conceito de interesses individuais homogêneos torna-se necessário associar


o contido no art. 81, III, com o contido no art. 91 do CDC.

O art. 81, III, dispõe que interesses individuais homogêneos são aqueles decorrentes de
origem comum, o que sem dúvida é insuficiente para a qualificação. Não obstante, o art.
91 sugere que são interesses na obtenção de uma indenização pessoal para aqueles que
se qualificam como vítimas ou sucessores das vítimas que sofreram danos imputáveis à
mesma parte, em virtude de um único fato ou fatos conexos (daí a origem comum).

Tem-se dito que nestes casos os interesses são individuais e não meta-individuais,
porque a própria lei os qualifica como individuais, porém homogêneos, por ter origem
comum. Todavia, a despeito deste nomem in iuris, pode-se afirmar que são interesses
meta-individuais, enquanto pressupõe interesses coordenados e justapostos que visam a
obtenção de um mesmo bem, de uma mesma utilidade indivisível. O que se pretende é
uma condenação genérica, uma utilidade processual indivisível, em favor de todas as
vítimas ou seus sucessores, em virtude de danos que tem origem comum.

A divisibilidade se opera apenas no momento da liquidação (quantificação) dos danos


pessoalmente sofridos e da execução. Aí, cada vítima ou sucessor de vítima que tenha
sido beneficiado com a sentença de procedência, tem legitimação ordinária para
pretender apurar o quantum devido, provando apenas o nexo causal entre o fato danoso
e os prejuízos sofridos, pois a obrigação de indenizar (an debeatur) já estará certa,
posto que incluída na condenação genérica, que vale como título executivo judicial para
as execuções individuais (muito embora esteja prevista em lei também a possibilidade
do ente coletivo promover a liquidação e execução individuais, sendo certo que nestas
hipóteses, estar-se-á, aí sim, atuando na defesa de um interesse individual, divisível, em
benefício destas ou daquelas vítimas).

Enquanto se buscar a condenação genérica, entretanto, estar-se-á buscando um bem


indivisível para uma multiplicidade de vítimas com interesses convergentes na obtenção
desta condenação.

Se forem indeterminados os sujeitos, poder-se-á dizer que se está diante de interesses


difusos sob a modalidade de interesses individuais homogêneos. Assim, por exemplo, o
pedido de condenação genérica em favor das vítimas de uma propaganda enganosa não
deixa de ser difuso, para ser também individual homogêneo; o pedido de condenação
genérica para as vítimas de um vazamento de gás (Césio 137) em virtude da
imprudência dos empregados de uma empresa; o pedido de condenação genérica do
fabricante de um medicamento (“Talidomida”) em favor das vítimas mutiladas pela
droga. Enquanto se pedisse apenas a cessação da propaganda enganosa, bem como a
interdição do estabelecimento sob o risco de vazamento do gás ou a proibição de
circulação do medicamento nocivo estar-se-ia diante de interesses difusos puros;
todavia, quando se deduz o pedido de condenação genérica em favor das vítimas, o
interesse difuso já recebe o atributo de individual homogêneo.

De outro lado, se forem determinados os sujeitos, porque integrantes de grupo, classe


ou categorias de pessoas, os interesses, além de coletivos, poderão ser igualmente
individuais homogêneos. Assim, por exemplo, o pedido de condenação genérica da
autarquia previdenciária em favor dos aposentados que tiveram seus proventos
indevidamente congelados em determinado período (são vítimas, sofreram danos em
virtude de fato imputável à autarquia): o pedido de condenação genérica em perdas e
danos em favor de um grupo de profissionais que sofreram indevidamente o
cancelamento de suas habilitações profissionais pelo órgão de classe”.15
5. O substrato jurídico-material coletivo nas ações de tutela dos direitos
individuais homogêneos – A regra do art. 100 do CDC

Tal constatação relativiza o binômio “tutela de direitos coletivos x tutela coletiva de


direitos” – e mostra-se bastante pertinente. Quando se concede a estes direitos
individuais a proteção coletiva – precisamente porque é indefinido o número de atingidos
pelo suposto ato lesivo, e não há como se saber quantos ou quem são os titulares destes
direitos –, pressupõe-se determinado grau de “transindividualização” destes direitos.

Basta considerar que se não surgirem indivíduos em número suficiente para executar a
sentença de procedência nesta hipótese, haverá mesmo assim liquidação e execução, e
o valor irá para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos (art. 100 do CDC). 16 A lei alude à
falta de “habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano”.

A redação não é perfeita. Talvez se pudesse haver empregado o termo “gravidade da


lesão” ou “gravidade do possível dano”. Mas o escopo da regra é identificável. Daí se
extrai que, para o ordenamento, o sujeito que adota conduta apta a lesar direitos de
uma quantidade significativa de indivíduos, merece ser censurado e sancionado
especificamente também por isso.17 Vale dizer: independentemente de sua
responsabilidade pela violação do direito de cada indivíduo e independentemente
também de sua responsabilidade pela violação de outros direitos difusos ou coletivos
correlatos, o sujeito responde, adicionalmente, por haver violado (ou ameaçado
efetivamente) a esfera jurídica estritamente individual de uma grande quantidade de
indivíduos. O ordenamento censura comportamentos aptos a gerar lesões individuais
multitudinárias. Trata-se de uma censura adicional, inconfundível com a
responsabilização atinente a cada dano individual. O aspecto quantitativo (lesão a
inúmeros direitos individuais) assume relevância qualitativa: põe-se, ao lado dos direitos
individuais homogêneos, o direito difuso (de toda a coletividade, portanto) de que os
sujeitos não adotem condutas aptas a gerar danos a uma grande quantidade de
indivíduos.

Imagine-se caso em que um empreendedor imobiliário institui loteamentos clandestinos


lesando as centenas ou milhares de compradores dos lotes. Além da violação de direitos
individuais homogêneos dos compradores, afronta-se um direito difuso, nos termos
acima postos. Este direito difuso é inconfundível não só com a simples soma dos direitos
individuais ofendidos, como também com outros eventuais direitos difusos correlatos (p.
ex., incolumidade do meio ambiente, patrimônio urbanístico etc.). Se um, apenas um,
pequeno número de compradores lesados habilitar-se para promover a liquidação e
execução individuais, em proporção incompatível com a gravidade da lesão, caberá a
sanção pecuniária que reverterá para o fundo coletivo. Se nenhum dos lesados habilitar-
se, igualmente caberá tal sanção – que não reverterá, nem nessa hipótese nem na
anterior, para os indivíduos lesados.

A sanção pecuniária, com marcante feição punitiva e educativa, é a reação do


ordenamento à violação do direito difuso acima destacado. Quando um significativo
número de interessados habilita-se, de modo que as indenizações individuais assumam
proporção compatível com a gravidade da lesão, o ordenamento dispensa o acréscimo da
sanção pecuniária: o escopo punitivo e educativo já terá sido atingido reflexamente
pelas sanções individuais.

Aliás, a regra do art. 100 do CDC é um dos aspectos que leva Andrea Giussani, em
análise comparativa dos modelos de processo coletivo, a afirmar que a ação coletiva
brasileira, mais do que a função de economia processual ou mesmo de acesso à justiça,
tem a função de dissuasão de condutas ilícitas (“deterrenza delle condotte illecite”).18

6. O direito material e o processo

Não é o processo coletivo que constitui, cria, o direito difuso subjacente aos direitos
individuais homogêneos. Não se tem, na hipótese, a subversão do caráter puramente
instrumental do processo (que “deve dar a quem tem direito tudo aquilo e exatamente
aquilo a que tem direito”, conforme a célebre máxima chiovendiana). Ou seja, o direito
difuso em questão não nasce apenas quando não houve a habilitação de interessados
individuais em número compatível com a gravidade da lesão. O direito difuso preexiste.
Ele apenas é realçado quando tal hipótese configura-se.

O que se dá é o exato oposto. A ação coletiva de tutela de direitos individuais


homogêneos como um todo e especificamente o mecanismo do art. 100 do CDC são a
resposta que o ordenamento processual dá a uma demanda, uma necessidade, que
provém do direito material. Na sociedade de massas, é um valor jurídico-material
relevante – consubstanciado em interesse difuso titularizado pela coletividade – coibir
condutas ilícitas geradoras de lesões multitudinárias.

A grande questão – que será retomada adiante – é que não é esse o único interesse
difuso merecedor de tutela nos conflitos de massas. A coletividade também tem o direito
à segurança jurídica, à previsibilidade de consequências, ao tratamento isonômico.
Todos estes interesses difusos estão também subjacentes aos conflitos de massa (i.e.,
casos de direitos individuais homogêneos). Nem todos, contudo, são plenamente
tutelados pela ação coletiva.

7. Decorrências no âmbito da ação coletiva

O reconhecimento da existência de um direito difuso subjacente aos direitos individuais


homogêneos tutelados por ação coletiva tem desdobramentos relevantes, notadamente
para os aspectos já destacados no item 3.2, acima.

7.1 Legitimidade ativa

Descartada a ideia de que a ação coletiva para direitos individuais homogêneos seja uma
simples opção legislativa por uma técnica processual, torna-se ainda menos justificável
qualquer restrição ou condicionamento como os apontados acima (n. 3.2.1).

Aliás, independentemente deste aspecto, as regras restritivas antes mencionadas


enfrentam outros obstáculos à sua constitucionalidade.

Primeiro, como já destacado, em todos os casos em que a própria Constituição


estabeleceu expressamente um regime específico de cabimento da tutela coletiva, não é
dado ao legislador infraconstitucional adicionar outros requisitos ou limites. Há
jurisprudência firme a esse respeito, inclusive do STF. Assim, como indicado, é inexigível
autorização de filiados para a propositura de mandado de segurança coletivo por
associação, entidade de classe ou sindicato (CF, art. 5.º, LXX, b).19 Do mesmo modo, os
sindicatos e associações profissionais e patronais, independentemente de autorização,
estão legitimados a promover ações coletivas no interesse de todos os integrantes da
categoria que representam, sejam ou não esses filiados àqueles (CF, art. 8.º, III). 20
Pelas mesmas razões, não é possível que norma inconstitucional restrinja o universo de
matérias tuteláveis por estas vias.

Além disso, e mesmo nas hipóteses em que a tutela coletiva de direitos individuais
homogêneos é modelada pela lei infraconstitucional, sem o amparo em uma expressa
previsão constitucional acerca de seu cabimento, é discutível que o legislador seja
totalmente livre para retirar aquilo que ele antes outorgou. Trata-se de considerar a
“cláusula de proibição de retrocesso”21 – normalmente invocada em prol dos direitos
sociais, mas também aplicável aos direitos à organização e procedimento. Se o legislador
infraconstitucional já preencheu uma lacuna de tutela coletiva, talvez não lhe seja dado
simplesmente voltar atrás e restabelecer o hiato antes existente.

De qualquer modo, é desnecessário o aprofundamento desta questão, tendo-se em vista


o aspecto nuclear deste texto. Na medida em que se reconheça existir um direito difuso
subjacente aos direitos individuais homogêneos, a vedação de emprego de tutela
coletiva implica, em termos absolutos, denegação de acesso à justiça. Neste contexto, o
argumento de que resta aberta a via da tutela individual – por si só já discutível 22 –
torna-se imprestável. A ação individual não servirá como adequado meio de proteção ao
direito difuso subjacente. Esse apenas pode ser tutelado mediante ação coletiva.

7.2 Adequação da ação coletiva

Por outro lado, a percepção da dimensão coletiva subjacente aos direitos individuais
homogêneos ajuda a pôr em destaque um aspecto relevante para a definição da
adequação da tutela coletiva. O tema concerne ao interesse de agir, que é pressuposto
de admissibilidade da atuação jurisdicional: deve haver a necessidade de tutela, a
utilidade do instrumento processual eleito e uma efetiva relação de adequação entre um
e outro.

Obviamente, a ação coletiva não se destina à tutela do direito de um único indivíduo. 23


Mas não é só isso: não basta haver uma pluralidade de indivíduos, titulares de
pretensões homogêneas, para que se justifique seu emprego. É preciso mais: a suposta
lesão ou ameaça deve ter a potencialidade de atingir um número significativo de
indivíduos. É apenas nestas circunstâncias que se configura o interesse difuso (à coibição
e dissuasão da formação de conflitos de massa), configurador da necessidade da tutela
coletiva. Não é preciso que este número de indivíduos seja indeterminado. Pode até ser
determinável ou mesmo já estar determinado – desde que significativo. Por outro lado,
quando indeterminado, basta a potencialidade de a lesão ter um amplo alcance
subjetivo. Subsequentemente, quando superada a instrução probatória, ou mesmo
depois, já no momento de habilitação de interessados para a liquidação e execução
individuais, pode-se constatar que foi diminuto ou até inexistente o número de
indivíduos efetivamente afetados. Importa é que a conduta do réu, em si, era apta a
gerar lesões individuais em proporções significativas. Quando isso ocorre, a tutela
coletiva já se revela instrumento adequado: resguardará, quando menos, o interesse
difuso (no sentido de coibir condutas com potencialidade lesiva de massas).

7.3 Coisa julgada

Admitida a existência do substrato coletivo nos casos de possível lesão ou ameaça a


direitos individuais homogêneos, torna-se absolutamente injustificável a diferenciação de
regime da coisa julgada estabelecido no art. 103 do CDC. Não há razão para não vigorar
coisa julgada ultra partes também na hipótese de improcedência da ação para tutela de
direitos individuais homogêneos, nos mesmos termos estabelecidos para as ações de
tutela de direitos difusos e coletivos (secundum eventum probationis).

Em todos os três casos o objeto do processo é uma situação jurídico-material indivisível,


coletiva. Esse fator pode até não ser suficiente, por si só, para justificar a extensão ultra
partes da coisa julgada em toda e qualquer hipótese. Mas os demais fatores que a
legitimam nas ações coletivas para tutela de direito difuso e direito coletivo estão
também presentes na ação para tutela de direitos individuais homogêneos
(extraordinariedade da legitimação; existência de mecanismos aptos a evitar abusos e
desvios; ressalva das hipóteses de improcedência por falta de provas (…. 24

Assim, tanto quanto nos demais casos – e ressalvada a insuficiência de provas –, é


justificável a extensão, aos demais legitimados coletivos, da coisa julgada da sentença
de improcedência na ação que versa sobre direitos individuais homogêneos.

Esta extensão ultra partes, na disciplina atual, está restrita aos demais legitimados
coletivos. O princípio geral é o de que a coisa julgada da ação coletiva (em qualquer de
suas três modalidades) não prejudica o litigante individual, salvo quando ele houver
ingressado no processo como litisconsorte (CDC, art.103, III, e §§ 1.º a 3.º, e art. 104).

E essa é outra questão que se põe com premência. Cabe à sociedade brasileira definir
que funções prioritárias pretende atribuir ao processo coletivo: se apenas a de assegurar
o acesso à justiça sob uma perspectiva estritamente unilateral (do autor da demanda e
dos beneficiários individuais, pois o réu, mesmo em caso de vitória total, jamais tem
uma tutela estável e, portanto, plena) e a de dissuadir a prática do ilícito – eis os papéis
atuais desempenhados pela ação coletiva no Brasil; ou se, além disso, pretende-se que a
tutela coletiva propicie também economia processual e, mais do que isso, a isonomia, a
previsibilidade e a segurança jurídica.

Reitere-se que, tanto quanto o interesse difuso à dissuasão de ilícitos de massa (ora
tutelado pela ação de direitos individuais homogêneos), esses outros valores também
constituem interesses difusos no plano jurídico-substancial.
A ação coletiva, ao menos tal como regulada pelo Código do Consumidor e a Lei da Ação
Civil Pública, corre o risco de perder o papel de protagonista no desempenho destas
funções, em face de novos institutos que se estabelecem entre nós. É o que se vê a
seguir.

8. Os direitos individuais homogêneos no Código de Processo Civil de 2015

Nos últimos anos, assistiu-se à instituição e progressivo fortalecimento de mecanismos


destinados a dar uma solução jurisdicional uniforme a questões ou conflitos homogêneos
mediante incidentes originados em ações não necessariamente coletivas.

8.1 O procedimento de julgamento de recursos repetitivos (julgamentos “por


amostragem”)

Esta tendência iniciou-se em 2003, quando o STF alterou seu regimento interno para
instituir um sistema de julgamento de recursos extraordinários repetitivos provenientes
dos Juizados Especiais Federais (ER 12, de 17.12.2003).

Em 2007, a Lei 11.418/2007 estendeu o emprego desta técnica ao julgamento de todos


os recursos extraordinários repetitivos (mediante o acréscimo do art. 543-B ao CPC).
Barbosa Moreira apropriadamente chamou-a de julgamento “por amostragem”. 25 Quando
a mesma questão de direito for reiterada em uma grande quantidade de recursos
extraordinários, seleciona-se um deles, ou um pequeno conjunto, que retrate
adequadamente a controvérsia. Esse recurso “amostra”, ou o conjunto deles, será
decidido primeiramente pelo STF – e o que se decidir quanto a ele (“decisão-quadro”),
em regra, deverá ser aplicado, pelo próprio Supremo Tribunal e (ou) pelos tribunais a
quo, aos demais recursos, que até então permaneceram sobrestados. Permite-se a
participação de amici curiae e sujeitos interessados no resultado do julgamento (p. ex.,
aqueles que são partes em outros processos em que a mesma questão jurídica é
discutida).

Em 2008, instituiu-se o emprego da mesma técnica no STJ, relativamente a todos os


recursos (especiais e ordinários) repetitivos lá julgados (CPC, art. 543-C, acrescido pela
Lei 11.672/2008).

8.2 O substrato jurídico-material difuso

A exata dimensão deste mecanismo – sua natureza, função e pressupostos – ainda está
por ser inteiramente identificada pela doutrina e os profissionais do direito. Por conta
disso, soluções pouco satisfatórias foram adotadas, em mais de uma ocasião. Basta um
exemplo: em 2008 pôs-se em discussão pela primeira vez no STJ a questão da
possibilidade e dos efeitos da desistência do recurso “amostra” pelo recorrente. No caso
concreto, antevendo possível decisão desfavorável e sua subsequente aplicação a
inúmeros outros processos em que ele era parte, o recorrente pretendeu desistir de seu
recurso. Naquela oportunidade, o STJ reputou que a desistência seria impossível. Uma
vez afetado ao procedimento de repetitivos e estabelecido como caso representativo da
questão, o recurso tornar-se-ia indisponível.26

Faltou então a compreensão de que, sob a aparência formal de um único procedimento,


punham-se dois distintos julgamentos (relativos a dois objetos diversos): por um lado, o
recurso, individualmente considerado, com a definição a ser dada ao caso concreto; por
outro, um julgamento objetivo, com alcance geral, acerca da questão repetitiva. A
afetação do recurso jamais poderia torná-lo indisponível – inclusive porque o direito
individual objeto da controvérsia tampouco o era. A parte tinha o direito à desistência.
Com isso, adviria o trânsito em julgado da decisão (por isso, inclusive, a desistência
independe de concordância do adversário). O que não estava na alçada de
disponibilidade da parte era o julgamento objetivo atinente à questão repetitiva. A
solução correta, portanto, consistia em aceitar-se a desistência do recurso (com o
trânsito em julgado no caso concreto), mas levar-se adiante mesmo assim o
procedimento de julgamento por amostragem – dada a sua relevância para inúmeros
outros casos. Os amici curiae e outros interessados na defesa da tese jurídica
coincidente com a do recorrente desistente assegurariam a qualidade do contraditório. 27

Esta orientação está expressa agora no Código de Processo Civil de 2015.

Não há exagero em afirmar que este julgamento da questão objetivamente considerada


– que ganha realce na hipótese da desistência do recurso, mas está sempre presente –
tem um substrato jurídico-material. Trata-se dos interesses difusos à segurança jurídica,
à previsibilidade e ao tratamento isonômico, antes destacados. O mesmo fenômeno
presente na ação coletiva para tutela de direitos individuais homogêneos – um direito
difuso subjacente à tutela dos direitos individuais – está também aqui configurado. Mas
enquanto a ação coletiva tem-se ocupado essencialmente da “dissuasão do ilícito”, os
mecanismos de julgamento de causas repetitivas visam à tutela destes outros interesses
difusos.

8.3 O Código de Processo Civil de 2015

O Código de Processo Civil de 2015 manteve o emprego destes mecanismos, ampliando


seu alcance e eficácia.

8.3.1 Os mecanismos de julgamento por amostragem

Pretende-se atribuir força vinculante em sentido estrito à decisão-quadro no julgamento


de recursos e causas repetitivos. Vale dizer: seu descumprimento pelos órgãos judiciais
inferiores passa a ensejar reclamação ao tribunal superior.28

Por outro lado, a mesma técnica é estendida aos tribunais locais. É o incidente de
resolução de demandas repetitivas (IRDR): permite-se aos Tribunais de Justiça e aos
Tribunais Regionais Federais julgar por amostragem demandas repetitivas, que tenham
por objeto controvertido uma mesma questão unicamente de direito, sempre que houver
“risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica”.

No processo legislativo do Código, chegou-se a propor que o incidente também pudesse


ser utilizado quando houvesse uma mesma questão de fato discutida em demandas
repetitivas. Esta proposta não vingou. Mas a rigor ela era respaldada pelas mesmas
razões que justificam a adoção do incidente para as questões de direito. Considere-se
este exemplo: um navio de empresa petrolífera despejou acidentalmente óleo na baía de
Paranaguá. Mais de mil ações foram propostas por supostos pescadores da região, que
afirmavam a culpa da petrolífera pelo acidente e sustentavam que o vazamento gerou
danos ambientais que impediram a pesca por determinado período. Pretendiam
indenização por haverem sido privados de sua atividade de sustento. Definir se cada
autor era mesmo pescador na região e qual prejuízo teve com o acidente era algo para
ser feito individualmente, em cada caso. Já a existência de culpa da petrolífera e a
efetividade e extensão dos danos ao ambiente eram questões de fato que se punham
identicamente em todos os processos. Para elas, emprego do incidente de resolução de
demandas repetitivas seria adequado, se a proposta em discurso tivesse sido acolhida.
Nos procedimentos de recursos especiais e extraordinários repetitivos não se cogitou de
nada similar precisamente porque não há espaço para o julgamento de questões fáticas
nestas espécies recursais. Já no incidente de resolução de demandas repetitivas,
previsto para causas de competência originária e recursal ordinária dos tribunais locais,
não se poria tal incompatibilidade.

Se o incidente de resolução de demandas repetitivas tivesse sido previsto também para


questões de fato reiterativas, sua função de meio de tutela coletiva de direitos
individuais homogêneos teria sido ainda mais evidente. No exemplo acima apresentado,
as questões que seriam passíveis de solução no incidente de resolução de demandas
repetitivas (culpa da petrolífera e dano ao meio ambiente) coincidem com aquelas que
seriam resolvidas na ação coletiva – remetendo-se as demais (efetiva condição de
pescador e existência e extensão do dano) à liquidação individual. Mas mesmo cingindo-
se às questões unicamente de direito, o incidente de resolução de demandas repetitivas
cumprirá muitas vezes papel equivalente ao da ação coletiva. Basta considerar que em
muitos casos de direitos individuais homogêneos o cerne da controvérsia é unicamente
de direito (p. ex., em matéria previdenciária, tributária e mesmo em causas de direito do
consumidor ou de usuários de serviço público). Nestes casos, a decisão do incidente de
resolução de demandas repetitivas terá função similar à eficácia declaratória da sentença
genérica na ação coletiva.

Nem sempre isso ocorrerá – de modo que não se pode afirmar que o incidente de
resolução de demandas repetitivas e os demais meios de julgamento por amostragem
constituirão sempre e apenas um meio de tutela de direitos individuais homogêneos.
Afinal: (i) ao menos no caso dos recursos repetitivos nos tribunais superiores, os
mecanismos de julgamento por amostragem podem ser empregados também para a
solução de questões de cunho processual. Neste caso, recursos provenientes de
inúmeros processos com objetos (méritos) distintos podem ser submetidos ao mesmo
procedimento de repetitivos, por conta da identidade da questão processual; (ii) é
possível que uma mesma questão de direito ponha-se repetidamente em diversas ações
coletivas para tutela de direito difuso ou coletivo em sentido estrito (p. ex., seccionais da
OAB de diferentes unidades da Federação promovem ações coletivas para que se
reconheça determinado direito da classe dos advogados, no âmbito de suas respectivas
secções). Temos nesta hipótese algo que se poderia qualificar como direitos coletivos
homogêneos – e o incidente de resolução de demandas repetitivas será utilizável.

8.3.2 A conversão da ação individual em coletiva

Além disso, sob certas condições, institui-se a possibilidade de conversão da ação


individual em ação coletiva, quando o pedido ali formulado “tenha alcance coletivo, em
razão da tutela de bem jurídico difuso ou coletivo…e cuja ofensa afete, a um só tempo,
as esferas jurídicas do indivíduo e da coletividade” ou ainda quando o pedido “tenha por
objetivo a solução de conflito de interesse relativo a uma mesma relação jurídica
plurilateral, cuja solução, pela sua natureza ou por disposição de lei, deva ser
necessariamente uniforme, assegurando-se tratamento isonômico para todos os
membros do grupo”.

Tome-se como exemplo o caso em que o proprietário rural promove ação destinada a
impedir que uma fábrica continue despejando substâncias poluentes em rio que passa
por sua propriedade e lhe está contaminando o solo. O proprietário tem uma pretensão
individual a esta tutela específica, tanto quanto o tem à tutela ressarcitória dos danos
causados: não faria sentido afirmar que ele teria o direito de obter indenização, mas não
o de impedir a ocorrência do dano. Mas esta sua pretensão individual à tutela específica
coincide, quanto ao resultado, com a pretensão coletiva de tutela ao meio ambiente. São
direitos inconfundíveis, mas concorrentes.29

Pelo mecanismo instituído no Código de 2015, a ação individual pode ser convertida em
ação coletiva a requerimento de qualquer dos legitimados para esta última. O autor da
demanda individual poderá permanecer atuando como litisconsorte unitário para a
condução do processo coletivo.

Por força de expressa previsão, a conversão não pode ser utilizada para a tutela coletiva
de direitos individuais homogêneos (no exemplo dado, não poderia haver conversão em
ação coletiva para a formação de condenação genérica para ressarcimento dos danos de
todos os demais proprietários ribeirinhos potencialmente afetados). 30 Esta limitação, que
foi acrescida no curso do processo legislativo, teve uma justificativa. Reputou-se que,
diante dos mecanismos de julgamento de questões e causas repetitivas, haveria
sobreposição de instrumentos com finalidades equivalentes.

Mas, embora não tutele diretamente os direitos individuais homogêneos, o mecanismo


de conversão merece ser aqui destacado porque constitui mais uma clara evidência da
sobreposição entre direito individual e direito coletivo ou difuso, que Alcides Munhoz da
Cunha preocupou-se em destacar há 20 anos.

9. Conclusão

Como antes indicado, não há razão para não se estender aos colegitimados da ação
coletiva de tutela de direitos individuais homogêneos a coisa julgada da sentença de
improcedência (ressalvada a insuficiência de provas). A extensão ultra partes, no âmbito
dos legitimados coletivos, harmoniza-se com o caráter unitário, indivisível, do direito
coletivo ou difuso que está subjacente à ação coletiva para tutela de direitos individuais
homogêneos – tal como se dá nas demais ações coletivas.

Mas isso ainda não é tudo. A ação coletiva pode servir a diferentes fins – nem todos
compatíveis entre si. Um modelo que maximize a função de economia processual tende
a limitar o papel de facilitação do acesso à justiça ou de dissuasão do ilícito – e assim
por diante.

No modelo brasileiro, a absoluta ausência de repercussão negativa do resultado do


processo coletivo sobre as pretensões e ações individuais, se por um lado preserva as
garantias de acesso à justiça, contraditório e devido processo legal em favor de cada
legitimado individual, por outro, pouco contribui para a economia processual e a
estabilização de uma resposta jurisdicional uniforme para casos iguais. Esta segunda
função, nomofilática, é crucial para a isonomia, a segurança jurídica e a certeza do
direito. Além disso, o processo coletivo acaba produzindo proteção jurisdicional pouco
estável – de menor qualidade, portanto – para o réu vitorioso. A ausência de coisa
julgada ultra partes faz com que, mesmo tendo sua razão reconhecida em um primeiro
processo coletivo, ele não esteja livre de sucessivas e reiteradas novas demandas
coletivas.31 A garantia de tutela jurisdicional não lhe é plenamente outorgada.32

Um modelo mais completo e adequado de processo coletivo passa, de algum modo, pela
vinculação não apenas dos colegitimados coletivos, mas também dos legitimados
individuais na hipótese de improcedência da demanda coletiva. Obviamente, essa não é
uma equação simples.33 A pura atribuição de coisa julgada erga omnes (vinculativa dos
titulares de direitos individuais homogêneos) à sentença de improcedência da ação
coletiva, mantendo-se no mais a sua atual disciplina, geraria resultados incompatíveis
com as garantias do devido processo legal. Uma série de ressalvas e ajustes haveria de
ser incorporada ao modelo atual, para assegurar-se uma solução equilibrada
(instauração de um verdadeiro sistema de representatividade adequada em cada caso
concreto, aplicável sem exceções a todos os possíveis legitimados; eventual instituição
de sistemas de opt-in ou opt-out; ampliação dos mecanismos de publicidade da
litispendência coletiva; alargamento e flexibilização das modalidades de intervenção de
terceiros no processo coletivo etc.).

Além disso, não se justifica o estabelecimento de territórios “sacrossantos”, infensos à


ação coletiva. A efetiva configuração de conflitos de massas, com a subsequente
possibilidade de que existam também direitos difusos merecedores de tutela nos termos
antes destacados, deveria ser o suficiente para justificar o cabimento objetivo da tutela
coletiva de direitos individuais homogêneos.34

Não é, enfim, tarefa fácil.

E aqui se retoma o contraste com os mecanismos de solução de conflitos de massa que


podem ser instaurados a partir de qualquer processo e foram ampliados e aperfeiçoados
pelo Código de Processo Civil de 2015. Enquanto o processo coletivo enfrenta todas as
dificuldades para propiciar tutela ao interesse difuso à segurança jurídica, à
previsibilidade de soluções e ao tratamento isonômico, esses papéis vão sendo
desempenhados, cada vez mais, por aqueles outros instrumentos – que, aliás, incidem
sobre o próprio processo coletivo (como afirmado, diante da instauração de um incidente
de resolução de demandas repetitivas, inclusive ações coletivas serão sustadas e terão
seu resultado subordinado ao que vier a se decidir no incidente… e não se submetem a
limitações de matéria (p. ex., são utilizáveis para resolver inclusive questões sobre
matéria tributária, previdenciária e de FGTS, que pretensamente estariam proibidas no
âmbito da tutela coletiva….

A ação coletiva para tutela dos direitos individuais homogêneos corre o risco de ficar em
segundo plano. Pode transformar-se em simples coadjuvante, se não um figurante. 35
Para que ela cumpra seu papel, deve ser reformulada – e esta reformulação, já ficou
claro, não consiste em apenas se lhe atribuir arbitrariamente mais força ou estabilidade.
A identificação do exato equilíbrio é tarefa digna de um Calder – e há de ser
desempenhada sempre se tendo em conta a coexistência, nos conflitos de massa, de
direitos individuais homogêneos e coletivos.
   
1. O pluralismo político implica o reconhecimento: (a) de que a sociedade moderna é
complexa e nela se formam esferas particulares mais ou menos autônomas, (b) da
possibilidade de tais esferas participarem direta ou indiretamente na formação da
vontade coletiva (BOBBIO, As ideologias e o poder em crise. Trad. [J. Ferreira da ed.
italiana de 1982 de Le ideologie e il potere in crisi]. 3. ed. Brasília, 1994. primeira parte,
p. 16).
 
2. A rebelião das massas. Trad. M. P. Michael e rev. trad. M. E. H. Cavalheiro, da ed.
esp. de La rebelión de las masas. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
 
3. Emblemática nesse sentido é a qualificada obra de Teori Zavascki. Processo coletivo:
tutela de direitos coletivos e tutela coletiva dos direitos. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2007.
 
4. V.g., não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam
tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS
ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente
determinados (parágrafo único do art. 1.º, da Lei 7.347/1985, acrescido pela MedProv
2.180-35/2001).
 
5. P. ex., nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os
Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar
instruída com a ata da assembleia da entidade associativa que a autorizou,
acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos
endereços (parágrafo único do art. 2.º-A da Lei 9.494/1997, acrescido pela MedProv
2.180-35/2001).
 
6. Veja-se, p. ex., a Súmula 629 do STF (“A impetração de mandado de segurança
coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização
destes”).
 
7. Por exemplo, a ADIn 2.251, que impugnava, entre outras normas, o art. 2.º,
parágrafo único, da Lei 9.494 foi extinta por motivos formais sem que nela, antes,
houvesse sido concedida medida cautelar (STF, Pleno, j. 15.03.2001, v.u., rel. Min.
Sydney Sanches, DJU 24.10.2003). Não se tem notícia de nova ação direta sobre o
mesmo objeto nem de uma declaração incidental de inconstitucionalidade, pelo STF, das
regras em questão.
 
8. As ações individuais correlatas não são afetadas (CDC, art. 103, § 1.º).
 
9. Hipótese em que, aliás, esta abrangência erga omnes da coisa julgada é
desnecessária: basta ela vincular o réu. Relevante é que os efeitos da sentença de
procedência sejam aproveitáveis por terceiros (notadamente, os titulares dos direitos
individuais homogêneos).
 
10. GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as
ações coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo: Ed. RT, 2007. n. 5.5.4, p.
283 e ss.; ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo da Silva. Comentários ao Código de Defesa do
Consumidor: direito processual. São Paulo: Saraiva, 2002. n. 4 ao art. 103, p. 180;
GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos
autores do anteprojeto. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. n. 7 aos arts.
103 e 104, p. 591-592.
 
11. E como também o fazem Aluisio G. de Castro Mendes. Ações coletivas no direito
comparado e nacional. São Paulo: Ed. RT, 2002. n. 19.3, p. 263-264; e Elton Venturi.
Processo civil coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007, n. 11.4.2, p. 393-394).
 
12. Egas Moniz de Aragão aponta o “risco de violências (ou de chantagens)” a que o uso
indevido da “teoria da representação adequada” pode conduzir (Sentença e coisa
julgada. Rio de Janeiro: Aide, 1992, n. 209, p. 306, nota 723). E mesmo quando não há
abusos nem má-fé, “o réu coletivo jamais vence o processo, podendo, ao máximo, não
perdê-lo” (OSNA, Gustavo. Direitos individuais homogêneos: pressupostos, fundamentos
e aplicação no processo civil. São Paulo: Ed. RT, 2014. n. 5.2.1.a, p. 126).
 
13. Remeto ao exposto em oportunidade anterior (Coisa julgada e sua revisão, São
Paulo: Ed. RT, 2005. n. 2.5, p. 96 e ss).
 
14. Ver item 7.3, adiante.
 
15. A evolução das ações coletivas no Brasil. RePro 77/233-234. São Paulo: Ed. RT,
1995.
 
16. “Art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número
compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a
liquidação e execução da indenização devida. Parágrafo único. O produto da indenização
devida reverterá para o fundo criado pela Lei 7.347, de 24 de julho de 1985.”
 
17. Cuida-se de “não deixar impune o responsável pela prática lesiva” (Elton Venturi.
Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000. n. 6.5, p. 154). Mas não se
trata, como quer sugerir o autor, de um meio de se impedir o enriquecimento indevido.
O réu pode ter gerado dano a direitos individuais homogêneos sem ter com isso obtido
qualquer acréscimo ou vantagem patrimonial. O pressuposto legal para a incidência do
art. 100 do CDC não é a incompatibilidade entre o ganho tido pelo réu e o volume de
indenizações individuais efetivamente liquidadas e executadas, mas sim a desproporção
entre este volume e a gravidade da lesão causada pelo réu.
 
18. “Questa pur breve descrizione mette in evidenza come nella configurazione di tale
disciplina le funzioni di economia processuale tendano a cedere il passo a obiettivi, oltre
che di ampliamento dell’accesso alla giustizia, anche, e forse soprattutto, di deterrenza
delle condotte illecite” (Azione colettiva. Enciclopedia del Diritto. Anale I. Milão: Giuffré,
2007. n. 6 [versão digital em DVD]).
 
19. Nesse sentido, o STF editou a já citada Súmula 629.
 
20. STF, RE 210.029, Pleno, j. 12.06.2006, v.m., rel. Min. Joaquim Barbosa, DJU
17.08.2007; RE 193.503, RE 193.579, RE 208.983, RE 211.874, RE 213.111, RE
214.668, RE 214.830, RE 211.152 e RE 211.303, Pleno, j. 12.06.2006, v.m., rel. Min.
Joaquim Barbosa, DJU 24.08.2007.
 
21. Ver, entre outros, CANOTILHO. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina,
1993. Parte IV, cap. 6, C, II, n. 1.1, p. 541-542.
 
22. A “assimetria das controvérsias”, presente em muitos casos de lesão ou ameaça a
direitos individuais homogêneos, constitui grave obstáculo ao acesso à justiça: de um
lado, tem-se um litigante habitual, com vastos recursos e informações, para quem
aquele conjunto de conflitos homogêneos, na totalidade, representa um grande valor
econômico; do outro lado, tem-se uma pluralidade de litigantes inabituais, que se
inibirão com os custos do processo ou não terão informações suficientes para promovê-
lo ou levá-lo adiante ou, mais ainda, nem terão interesse na causa tendo em vista seu
valor individual diminuto.
 
23. STJ, REsp 620.622, 2.ª T., j. 04.09.2007, v.u., Min. Eliana Calmon, DJU 27.09.2007.
Posteriormente, por maioria, a mesma 2.ª T., decidiu no sentido oposto (j. 18.12.2008,
rel. Herman Benjamin, DJe 11.11.2009). Este segundo acórdão não parece correto. A
relevância jurídico-constitucional do bem discutido não justifica, por si só, o emprego da
ação civil pública.
 
24. Remeto ao que expus mais detalhadamente em Coisa julgada… cit., n. 2.5.12, p.
128-129.
 
25. Expressão empregada por Barbosa Moreira. Súmula, jurisprudência, precedente:
uma escalada e seus riscos. Revista Dialética de Direito Processual. vol. 27. n. 4. p. 53.
2005. A expressão já havia sido usada pelo Min. Pertence, em pronunciamento perante a
Câmara dos Deputados, por ocasião da discussão do Projeto da Emenda de Reforma do
Judiciário (cf. Gilmar Mendes e Samantha Pflug. Passado e futuro da súmula vinculante:
considerações à luz da Emenda Constitucional 45/2004. In: S. R. T. Renault e P. Bottini
(org.). Reforma do Poder Judiciário: comentários à Emenda Constitucional n. 45/2004.
São Paulo: Saraiva, 2005. n. 3.3, p. 351).
 
26. REsp 1.063.343 e REsp 1.058.114, Corte Especial, j. 17.12.2008, v.m., rel. Min.
Nancy Andrighi, DJe 04.06.2009. Tal entendimento foi reiterado em julgados
subsequentes do STJ (p. ex., REsp 1.102.473, Corte Especial, j. 16.05.2012, v.u., rel.
Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 27.08.2012; EDcl no REsp 1.111.148, 1.ª Seção,
j. 12.05.2010, v.u., rel. Min. Mauro Campbel Marques, DJe 21.05.2010).
 
27. Mais recentemente o STJ veio a admitir a desistência de recurso especial em caso
em que o recorrente assim pretendia, ao que se inferiu, impedir o estabelecimento de
orientação jurisprudencial que lhe seria contrária (Desistência no REsp 1.370.698, 3.ª T.,
j. 21.11.2013, v.m., rel. p/ ac. Min. João Otávio Noronha, DJe 01.04.2014; REsp
1.210.979, 3.ª T., j. 11.02.2014, v.m., rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe
19.05.2014). Mas, nestas oportunidades, a aceitação da desistência teve por um dos
fundamentos o fato de que o recurso não estava afetado ao procedimento de julgamento
por amostragem.
 
28. Não cabe aqui discutir a constitucionalidade e conveniência prática da atribuição
dessa eficácia. Remeto a anterior texto de minha autoria (Objetivação do controle
incidental de constitucionalidade e força vinculante (ou ‘devagar com o andor que o
santo é de barro’). In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; NERY JR., Nelson (orgs.).
Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: Ed. RT, 2011. vol. 12,
passim).
 
29. Sobre o concurso de direitos e de ações, veja-se LIEBMAN. Ações concorrentes.
Eficácia e autoridade da sentença. Trad. A. Buzaid e B. Aires; Notas de atual. Ada
Pellegrini Grinover. 3. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1984. p. 217 e ss.
 
30. No entanto, lembre-se que o § 3.º do art. 103 do CDC prevê que mesmo a sentença
de procedência nas ações coletivas que versem sobre interesses difusos e coletivos – e
não apenas aquelas sobre direitos individuais homogêneos – aproveitará aos sujeitos
pessoalmente prejudicados, que a utilizarão como base para suas ações individuais de
reparação de dano.
 
31. Aliás, o problema põe-se ainda antes da coisa julgada. Precisamente porque se parte
da premissa de que nenhum legitimado coletivo fica vinculado à derrota do outro, na
tutela dos direitos individuais homogêneos, concebe-se a multiplicação de ações
coletivas idênticas ou em relação de continência. Isso produz resultados práticos
despropositados. A regra do parágrafo único do art. 2.º da Lei da Ação Civil Pública, de
resto frequentemente desprezada na prática, não evita a reiteração das ações.
 
32. A este respeito, reporto-me ao exposto em Coisa julgada e sua revisão, cit., n.
2.2.2, esp. nota 44.
 
33. Um exemplo das dificuldades da tarefa tem-se no interessante ensaio de Fredie
Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. sobre “Processo coletivo passivo” (RePro 165/29 e ss. São
Paulo: Ed. RT, 2008). Eles propõem uma ação coletiva passiva, que poderia ser proposta
contra os legitimados coletivos e cuja procedência vincularia inclusive os legitimados
individuais. Para tanto, sugerem o estabelecimento de uma série de ressalvas, limites e
mecanismos – hoje não vigentes no processo coletivo brasileiro.
 
34. Restando definir quem estaria adequadamente legitimado em cada situação
concreta, conforme sugerido no parágrafo anterior.
 
35. Não deixa de ser interessante notar que, por razões absolutamente distintas, Linda
Mullenix cogita do esgotamento do modelo americano de class action para ressarcimento
de danos a direitos individuais homogêneos. Propõe que o processo coletivo seja limitado
à tutela específica, substituindo-se a via ressarcitória coletiva por um mais robusto
sistema regulatório impositivo (Ending Class Actions as We Know Them: Rethinking the
American Class Action. The University of Texas School of Law: Public Law and Legal
Theory Research Paper Series, n. 565, 2014, n. III.B, p. 42-43). Já ficou claro que não é
algo nestes termos que se está aqui a propor. Mas a proposta é interessante por realçar
a dimensão precipuamente intimidatória, dissuasória, que a ação coletiva americana, tal
como se dá na atual disciplina brasileira, acabou por assumir – a ponto de a autora
reputar que mecanismos executivos regulatórios cumpririam adequadamente (e melhor)
sua função…
A EFICÁCIA EPISTÊMICA DA FASE PREPARATÓRIA DO PROCESSO
BIFÁSICO

Revista de Processo | vol. 241/2015 | p. 369 - 410 | Mar / 2015


DTR\2015\2132

José Aurélio de Araújo


Mestre e Doutorando em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ). Defensor Público no Estado do Rio de Janeiro.
 
Área do Direito: Processual

Resumo: O presente artigo analisa a estrutura do processo bifásico como alternativa de


melhor capacidade epistêmica ao fracionado procedimento comum brasileiro.

 Palavras-chave:  Processo bifásico - Epistemologia.

Riassunto: Il sudetto articullo fa la analise del processo bifasico come alternativa di più
capacità epistemica allo procedimento comune brasiliano.

 Parole chiave:  Processo bifasico - Epistemologia.

Sumário:  
- 1.Introdução - 2.O conceito de processo bifásico - 3.A importância da fase preparatória
como qualificadora da função epistêmica do processo - 4.Os articulados iniciais - 5.A
audiência preliminar - 6.A adaptabilidade in concreto e a organização da fase instrutória
- 7.O idealtypus de Michele Taruffo - 8.O projeto de Código de Processo Civil de Andrea
Proto Pisani - 9.Conclusão - 10.Bibliografia
 

Recebido em: 14.09.2014

Aprovado em: 13.11.2014

1. Introdução

O presente artigo analisa o processo bifásico como alternativa ao fracionado


procedimento comum previsto no sistema processual civil brasileiro, a partir da
experiência do processo civil europeu contemporâneo que, após um longo período de
reformas, vem adotando preferencialmente esta forma procedimental.1

Partindo da concepção de que o contraditório participativo é ao mesmo instante garantia


fundamental e método de conhecimento da verdade, 2 e que a jurisdição, quando exerce
sua função cognitiva, deve dirigir-se à busca da verdade fática como valor fundamental,
procuramos observar as vantagens do procedimento bifásico para o incremento da
função epistêmica do processo.

Dentro das limitações de extensão que um artigo encerra, debruçamo-nos sobre alguns
sistemas processuais estrangeiros, preponderantemente europeus, onde o processo
bifásico é utilizado, como também sobre algumas propostas procedimentais de autores
como Michele Taruffo e Andrea Proto Pisani.

Remetemos os leitores, por fim, à leitura das normas e das justificativas acerca do
processo bifásico, produto das discussões e dos debates havidos quando da formulação
do Anteprojeto de Reforma do Direito Probatório no Processo Civil Brasileiro do Grupo de
Pesquisa “Observatório das Reformas Processuais” da Faculdade de Direito da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, 3 coordenado pelo Professor Leonardo
Greco.

2. O conceito de processo bifásico

De acordo com Chiovenda,4 historicamente, é possível observar que os processos são


estruturados de duas maneiras. Uma primeira em que o processo é dividido em um
procedimento preliminar – no qual as questões relativas à relação processual são
tratadas – e em uma fase seguinte – em que é julgada a relação substantiva. Outra
maneira constitui o processo em uma única fase, misturando estes dois momentos ao
longo do procedimento. A separação em duas fases da primeira estrutura está presente
no processo romano in iure (contentio de ordinando judicio), no processo medieval
germânico e alemão, onde se analisava, em um estado especial, a obrigação de
contestar o mérito, e no processo medieval italiano quando da praeparatoria judicii.5
Mas, por outro lado, partindo ainda de Chiovenda, nos processos modernos este
procedimento preliminar se confunde com a análise do mérito, salvo no processo
austríaco em que se apresentava destacado do mérito, a partir de sua famosa audiência
preliminar.

Quanto ao direito romano, Alfredo Buzaid, em outro sentido, recorda que havia a
distinção entre os provimentos da sententia e da interlocutio, que consista no
provimento do juiz prolatado antes do julgamento da causa e no qual o juiz decidia
“questões relativas ao expediente da demanda, à produção da prova e à realização de
alguma diligência”,6 mas como ressalta Buzaid, as interlocutiones eram proferidas ao
longo do processo de maneira esparsa.

Barbosa Moreira7 identifica dois métodos para tratar o problema da desnecessidade de


prosseguimento do processo por todo o seu iter quando presente uma ou mais causas
que imponham sua abreviação: o método concentrado e o método difuso. Segundo
Barbosa Moreira:8

“A diferença essencial entre um e outro reside no fato de que o tratamento ‘concentrado’


destaca um momento (ou uma fase) do procedimento para a prática de atos relativos
aos vários tópicos oportunamente mencionados (solução de preliminares, esclarecimento
de pontos obscuros, determinação de provas a ser ainda produzidas etc.), às vezes com
a eventualidade de julgar-se desde logo o meritum causae; enquanto o tratamento
‘difuso’ se abstém de proceder a semelhante destaque, preferindo deixar que a atividade
a que estamos aludindo se exerça de maneira descontínua, para não dizer ‘diluída’, ao
longo do iter processual, sem prejuízo, é claro, da fixação de oportunidades específicas
para a apreciação de determinadas matérias”.

Como destaca Alfredo Buzaid, esta “divisão do processo em duas fases” decorre do
próprio reconhecimento da existência de uma relação jurídica processual autônoma, a
partir de Bülow,9 e o consequente surgimento do despacho saneador,10 decisão limite
entre as duas fases.

Esta divisão em fases é o que caracteriza o processo bifásico, mas a fase preparatória
deste processo não se limita, modernamente, à mera análise da regularidade da relação
jurídica processual. Portanto, diz-se bifásico o processo de conhecimento de rito comum
dividido em duas fases distintas: uma preliminar, na qual, após a apresentação dos
articulados, as partes e o juiz resolvem as questões relativas à relação processual,
definem o objeto litigioso e as provas a serem produzidas, e outra fase para produção da
prova, apresentação de alegações finais e julgamento.

Para Nicolò Trocker processo bifásico é formado por “(… uno schema procedimentale a
due fasi, l’una destinata alla preparazione (ed eventuale risoluzione anticipata della
causa), l’altra destinata all’assunzione delle prove e alla decisione”. 11

Leonardo Greco define o processo bifásico como aquele “(… caracterizado pela criação de
dois momentos decisórios culminantes, a audiência preliminar e a audiência final de
instrução e julgamento, e a eliminação mais extensa possível da fragmentação do
procedimento em uma série infindável de decisões intermediárias”. 12

Oscar Chase,13 citando relatório de Rolf Stürner, demonstra que além do sistema
tradicional do trial da common law e da sequência de audiências da civil law, é possível
localizar um terceiro modelo, cuja descrição é francamente bifásica, atualmente em uso
na Alemanha,14 Espanha e Inglaterra:

“It could be described as the ‘main hearing model’. After a written introductory stage
(pleading stage) comes a period of preparatory clarification regarding the applicable law,
the factual basis of the case, and available means of evidence. This preparatory
procedural stage serves not only to inform the parties and to enable them to prepare for
the main hearing, it is also designated to inform the court or the judge and to anticipate
or replace in part the taking of evidence in the later main hearing (production of
documents to the opponent and the court, written expertises for the information of the
court and the parties, written statements of witnesses as a preparation or anticipation of
oral testimony, etc.) Only those relevant issues that remain unclarified during this
preparatory stage will be tried in the final concentrated main hearing, where evidence
not already received will be presented and taken and where the parties will make their
concluding arguments”.

O novo processo comum português15 também pode ser classificado como um processo
bifásico apesar de se estruturar em quatro fases distintas: dos articulados, da
condensação, da instrução e da discussão e julgamento. A primeira corresponde à parte
inicial do procedimento bifásico, destinada às alegações das matérias de fato e de direito
e ao requerimento dos meios de prova; entre petição inicial, contestação e réplica (arts.
147-I, 552, 203 e 572 e 584, do CPC português). A segunda, equivalente à audiência
preliminar, quando finda a fase preparatória da estrutura bifásica, objetiva identificar o
objeto litigioso e a enumeração dos temas da prova, saneamento do processo e preparar
as diligências probatórias (arts. 590, 220-1, 591, 595 e 596-1, do CPC português). A
terceira é direcionada à instrução propriamente dita e a quarta, por fim, para debates e
julgamento.

Michele Taruffo, informando que este modelo de processo é encontrado na Alemanha, na


Áustria e na Espanha, define-o como de: “struttura bifasica, essendo composto da una
fase preliminare nella quale la causa viene preparata e discussa dalle parti con il giudice
(e nella quale non di rado la controversia viene risolta), e da una fase istruttoria nella
quale vengono assunte le prove, di solito in una sola udienza orale e concentrata, alla
quale fa seguito la pronuncia della sentenza”.16

Segundo o autor italiano, este modelo de procedimento contrasta com o modelo


fragmentado francês, formado por uma série de audiências onde não se permite
distinguir claramente as fases preparatória e de julgamento.17

Este fracionamento também é característico do processo brasileiro onde encontramos


como traço cultural os pedidos genéricos de provas, o desprezo à decisão de
saneamento e a postergação preguiçosa das funções preparatórias para a audiência de
instrução e julgamento, conforme identificado por Barbosa Moreira18 já há muitos anos:

“Mais fácil de ocorrer, e sem dúvida mais pernicioso, é o perigo oposto: o de que se
amesquinhem, na prática, as dimensões da atividade programada pelo ordenamento. No
Brasil, desde a vigência do Código de 1939, sempre foi sensível a inclinação de muitos
juízes a relegar para a sentença final o exame de questões que, de acordo com o
sistema da lei, não devem sobreviver, pelo menos em princípio, ao despacho saneador.
Semelhante retraimento, as mais das vezes injustificável, respondeu pela desnecessária
e nociva dilatação de grande número de processo, fadados à frustração peja existência
de óbice irremovível à apreciação do mérito. O fenômeno subsiste no regime atual, em
desarmonia com o teor do art. 331, princípio, do Código de 1973, à luz da qual o juiz só
declarará saneado o feito e o impelirá em direção à audiência de instrução e julgamento
‘se não se verificar nenhuma das hipóteses previstas nas seções precedentes’, isto é, se
não ocorrer qualquer dos fatos conducentes à respectiva extinção nos termos do art.
329, nem concorrerem os pressupostos da emissão imediata da sentença de mérito,
conforme o art. 330 – o que implica para o órgão judicial, logicamente, o dever de
investigar previamente todas essas possibilidades, e portanto de examinar todas as
questões relevantes. O vezo de protelar a decisão acerca de matérias que o
ordenamento quer rapidamente liquidadas transmuda o ato em formalidade oca”.

O procedimento comum ordinário brasileiro aparenta ser bifásico apenas formalmente,


quando prevê a decisão de saneamento na audiência preliminar (art. 331, § 2.º, CPC).
Mas a limitação do conteúdo desta decisão – conciliação, fixação dos pontos
controvertidos e deferimento de provas –, a impossibilidade de participação das partes, e
a habitual realização do saneador por escrito no interior recôndito do gabinete (art. 331,
§ 3.º, CPC), retiram toda a eficiência desta pseudo fase preparatória, gerando
fragmentação procedimental.
Observando a generalidade dos procedimentos bifásicos podemos afirmar que a primeira
fase, cuja função é eminentemente preparatória, consiste na apresentação de alegações,
na tentativa de conciliação, na definição de thema decidendum e do thema probandum,
no saneamento de eventuais vícios, no julgamento de tutela sumárias de urgência ou da
evidência, e em julgamentos antecipados de mérito. É uma fase, portanto, complexa,
onde vários atos são praticados para que sejam determinados com precisão o objeto do
litígio e as provas necessárias a sua definição e julgamento.

A fase preparatória é a via mestra para a eficiência do processo bifásico, dependendo


dela o sucesso ou fracasso do sistema. Estudando-a, Beatrice Ficcarelli 19 afirma que os
procedimentos serão mais ou menos céleres se, na fase preparatória, as partes, junto ao
juiz, fixarem de forma o quanto possível definitiva, os fatos e as questões
controvertidas, eliminando tudo o que não constituir objeto do conflito real.

As normas que estruturam a fase preparatória, adaptando in concreto o processo à


controvérsia e organizando a produção probatória em contraditório, é que tornam o
sistema epistemicamente eficiente, como o próximo capítulo procura demonstrar.

3. A importância da fase preparatória como qualificadora da função epistêmica


do processo

A reflexão do presente artigo parte de dois fundamentos teóricos: a verdade como valor
fundamental do processo justo20 e o valor epistemológico da dialética e do contraditório.

A jurisdição, no exercício de sua função cognitiva, 21 dirigida à satisfação dos direitos


individuais, coletivos e difusos,22 mediante decisões justas, baseadas na busca da
verdade, somente pode alcançar seus objetivos após exercitar cognição de qualidade e
adequada ao objeto litigioso. O juiz só pode prolatar decisão justa se conhecer a verdade
dos fatos envolvidos no conflito.23

O processo cognitivo é o meio constitucional para promover a reconstrução histórica24 da


verdade fática e, para tanto, há de estar habilitado a produzir cognição adequada, ou
seja, a exercitar proporcionalmente sua função epistêmica de gerar conhecimento:
“Appare sensato, infatti, discutere di una funzione epistemica del processo,
considerandolo come un insieme strutturato di attività finalizzate a conseguire
conoscenze veritieri dei fatti rilevanti per la soluzione della controversia”. 25

A avaliação da cognição confunde-se com a avaliação da função epistemológica do


processo: sua capacidade de enunciar uma proposição como verdadeira. O estudo da
cognição não pode prescindir da epistemologia e limitar-se a uma aproximação
autonomista – exaustiva ou sumária, plena ou limitada –, sob pena de tornar o debate
filosoficamente irrelevante.

Para tanto, passamos a tratar – nos limites que a forma de artigo impõe – de alguns
elementos básicos da epistemologia como conhecimento, proposição, verdade e
justificação, para observar até que ponto as normas da fase preparatória do processo
bifásico são capazes de melhorar a capacidade processual de gerar conhecimento.
Na aproximação proposta por Nicla Vassallo, 26 conhecimento é saber se a proposição p é
verdadeira, partindo da análise tripartida do conhecimento, ou seja, determinado sujeito
cognitivo S sabe que a proposição p é verdadeira com base em três condições:

(1) p é verdadeira,

(2) S acredita que p seja verdadeira,

(3) S tem justificativa para acreditar que p seja verdadeira.

Estas três condições são chamadas, respectivamente, de condição objetiva do


conhecimento ou condição da verdade, condição subjetiva do conhecimento e condição
de justificação. Significa dizer que o conhecimento não pode prescindir da verdade e que
esta verdade – ou a proposição verdadeira – há de estar justificada. Ou ainda, que o
requisito mínimo para conhecer é ter uma crença verdadeira justificada. 27

Francesco Callari,28 quando aplica a função epistemológica ao processo penal, a partir do


conceito de jurisdição de Chiovenda, ressalta que a justificação da proposição fática,
quando no processo, ocorre através da prova:

“Se la finalità precipua del processo penale è l’accertamento della verità circa il verificarsi
di determinati fatti, per poter applicare ad essi (come conseguenza giuridica) specifiche
soluzioni normative, la prova deve essere considerata come il mezzo attraverso il quale il
diritto pretende di individuare la verità delle proposizioni storiche nell’ambito dell’atività
di giudizio: ‘p è vero’ come sinonimo di ‘p è provato’”.

As proposições fáticas formuladas pelas partes e pelo juiz – sujeitos processuais


cognitivos – serão conhecidas como verdadeiras ao final do processo, de acordo e na
medida das provas produzidas (justificação) e não em decorrência de avaliação subjetiva
do juiz. Portanto, como atenta Taruffo,29 a verdade do processo é relativa e objetiva:

“Nel contesto del processo è appropriato parlare di verità relativa e oggetiva. La verità
dell’accertamento dei fatti è relativa – nel senso che è relativa la conoscenza di essa –
perchè si fonda sulle prove che giustificano il convincimento del giudice e rappresentano
la base conoscitiva sulla quale trova giustificazione il convincimento che un certo
enunciato corrisponda alla realtà dei fatti della causa. La stessa verità è oggetiva in
quanto non è il frutto delle preferenze soggetive e individuali del giudice, o di altri
soggetti, ma si fonda su ragioni oggettive che giustificano il convincimento del giudice e
derivano dai dati conoscitivi che risultano dalle prove”.

Determinado que o processo deve ser o método epistêmico para produzir provas
confiáveis30 e hábeis a justificar o conhecimento da verdade dos fatos, é possível avaliar
quais processos, normas e práticas processuais, probatórias ou não, são epistêmicas ou
controepistêmicas, porquanto facilitam ou reprimem o fluxo de conhecimento.

Michele Taruffo31 observa que há normas que limitam a admissibilidade e a produção da


prova, prejudiciais à função epistemológica do processo, como, por exemplo, a exclusão
de prova testemunhal para litígios que versem sobre contratos de valor acima de certa
monta e a hearsay rule norte-americana.

Podemos afirmar, resumidamente,32 que essas limitações probatórias, contrárias à boa


reconstrução histórica dos fatos, podem ser legítimas, como aquelas que objetivam
preservar valores constitucionais, incluídas aí a proibição às provas ilícitas (art. 5.º, LVI,
CF), a proteção da intimidade e da coisa julgada; ou ilegítimas, como as relativas à
inadmissibilidade da prova exclusivamente testemunhal nos contratos de valor superior a
10 salários mínimos (art. 401, CPC), as preclusões peremptórias que inadmitem a
produção de prova documental após a inicial e a contestação (arts. 396 a 398, 326 e
327)33 ou a incompatibilidade para depor como testemunha (art. 405, CPC).

Mas quando observamos o processo, na sua integralidade, como um método – no seu


percurso e não só na sua finalidade de prestar jurisdição – de “seleção, controle e
utilização de informações”, tornam-se relevantes epistemicamente, além das normas
essencialmente probatórias, outras normas e práticas processuais. Apesar de Taruffo 34
concentrar seu estudo no La semplice verità – Il giudice e la costruzione dei fatti, nas
regras essencialmente probatórias, aponta que “In ogni procedimento di carattere
epistemico ha importanza decisiva il metodo, ossia l’insieme delle modalità con cui
vengono selezionate, controllate e utilizzate le informazioni che servono a dimostrare la
verità delle conclusioni.”

Ou seja, todas as normas e práticas processuais podem influenciar positiva ou


negativamente a capacidade do processo de gerir o fluxo de conhecimento necessário à
obtenção da verdade dos fatos.

Para Larry Laudan as escolas de Direito que separam, no estudo da legal epistemology,
as normas probatórias das outras normas, práticas e procedimentos processuais, se
equivocam, pois estes também podem se tornar obstáculos ao alcance da verdade e
causa de erros nas decisões judiciais.35

A garantia constitucional à motivação objetiva da sentença (art. 93, IX, CF), por
exemplo, é norma processual que, apesar de não ser probatória, é fundamental para um
processo epistêmico, pois o juiz vê-se obrigado a fundamentar suas razões nas provas
constantes dos autos. O juiz inicia e atravessa – ou deveria atravessar – a fase
instrutória mirando adimplir com a obrigação de justificar objetivamente sua decisão.36

O princípio constitucional do juiz natural, as regras de terzietà e a independência da


magistratura, por seu turno, buscam eliminar os erros de julgamento decorrentes do
comprometimento psicológico, político ou pessoal dos julgadores, possibilitando a
legítima busca da verdade.37

Da mesma forma, as normas processuais que melhoram a participação, a cooperação e a


influência das partes nas decisões e no desenvolvimento da reconstrução histórica dos
fatos, valorizam o contraditório e a oralidade, melhorando a cognição processual. O
modelo dialético de processo é mais eficiente epistemologicamente que o processo
autoritário; não para valorizar o discurso ou a narrativa dos advogados e do juiz, mas
para, de acordo com Calamandrei, encontrar através do contraditório “la verità
tutt’intera”.38

A partir de seus estudos históricos acerca do processo, Nicola Picardi recorda que o
contraditório na concepção originária da ordo iudiciarius, compreendido como ordo
quaestionum, “era o eixo do processo comum europeu, considerado como metodologia
de procura da verdade”.39-40 Esta perspectiva também esteve presente nos projetos
processuais baseados na oralidade e no contraditório como o Código Austríaco de 1895, 41
as doutrinas de Chiovenda42 e de Cappelletti43 e, modernamente, a Ley de
Enjuiciamiento Civil espanhola de 2000.44

O contraditório, além de sua necessidade e imperatividade como garantia fundamental


do processo, é um eficiente método epistemológico; o que está longe de ser uma
questão incontroversa, mesmo entre aqueles que compreendem a verdade como valor
do justo processo. O próprio Taruffo 45 é cético quanto ao valor da participação das partes
através de seus enunciados:

“Nel processo le parti svolgono – ovviamente – una funzione importantíssima che si


manifesta in varie forme ed attività. Si può tuttavia escludere che si tratti di una
funzione epistemica, per la fondamentale ragione che le iniziative e le attività delle parti
non sono orientate verso la ricerca e la scoperta della verità”.

Para Taruffo as partes somente pretendem vencer mas não perseguir a verdade, função
titulada precipuamente pelo juiz. Para o autor peninsular, o juiz é o único destinatário da
prova e encarregado de perseguir a verdade,46 enquanto as partes, ou pelo menos uma
delas, não tem interesse na verdade. Assim, conclui, o “livre confronto dialético entre as
partes”47 não é um bom método epistêmico.

É certo que um enunciado fático pode ser verdadeiro ou falso, e que a verdade somente
será acertada na decisão final após a instrução.48 O interesse da parte é vencer, e isto
não é bom ou ruim, é justo.

A parte pode, no entanto, ter interesse em determinar a veracidade e trabalhar, então,


na mesma direção da função epistêmica do juízo; como a outra parte caminhará na
direção diversa. As partes tanto podem estar mentindo como afirmando a verdade. A
relação de verdade como correspondência indica que a proposição p – no caso do
processo, o enunciado descritivo – é afirmada como verdadeira por uma parte e falsa por
outra, e que estas proposições somente serão conhecidas como verdadeiras ou como
falsas de acordo com a prova legitimamente produzida.49

A parte pode, ainda, acreditar que está dizendo a verdade e descobrir, ao final da
instrução, que sua proposição não era verdadeira, pois restou demonstrado que não há
justificativa para acreditar que o fosse. A representante legal da criança acreditava que o
pai era o homem com o qual teve duradouro relacionamento amoroso, mas após o
exame de DNA – feito com sua colaboração – teve conhecimento de que, em verdade, o
genitor é outro homem com o qual manteve efêmera relação sexual.

O juiz a priori não conhece os enunciados fáticos e as provas que podem qualificá-los
como verdadeiros, não tendo, na maioria das vezes, qualquer possibilidade de tomar
conhecimento de quais são os documentos ou as testemunhas que podem servir à
comprovação da verdade; simplesmente porque ele não pode ir em busca dos conflitos
no meio social, em respeito ao princípio da inércia. As diversas perspectivas acerca do
acontecimento fático e as provas relevantes lhe são trazidas preferencialmente pelos
enunciados fáticos das partes.50 Alguns fatos, por serem continuados e contemporâneos
ao processo, permitem que o juiz ateste a sua ocorrência diretamente, mediante
inspeção judicial, por exemplo, mas o conhecimento da sua existência virá,
irremediavelmente, da parte. Quando se afirma que a proposição p é verdadeira porque
está provada, não se pode esquecer que a fonte da proposição é a parte, especialmente:
o autor faz suas proposições na inicial, o réu na contestação e o juiz monta suas
proposições para decidir que provas serão produzidas e para ordenar sua fundamentação
e julgamento.

Esta afirmativa é reforçada quando observamos que a própria parte, através de seu
depoimento, além de exercício do direito de defesa, é fonte e meio de prova.51

A questão, portanto, não é saber se as partes estão ou não se movendo em direção à


verdade, mas a maior ou menor eficiência que detém o método dialético de colocar à
prova os enunciados fáticos, comparado ao método autoritário.

Giovanni Tuzet,52 confrontando as concepções de contraditório como função epistêmica,


presentes em Taruffo e Ferrua, observa que, enquanto o primeiro entende que o
contraditório se desenvolve sobre a prova produzida, o segundo compreende como
necessário o contraditório durante todo o processo de produção da prova: contraditório
sulla prova e contraditório per la prova.

A concepção de Ferrua é adequada não só para reconhecer que o contraditório é


funcionalmente necessário e relevante para toda a produção probatória, mas também
para admiti-lo como método eficiente para gerar conhecimento ao longo de todo o
processo. Portanto, o contraditório é funcionalmente epistêmico porque:

1) é fonte de enunciados descritivos e de provas;

2) possibilita que as partes façam o controle da atividade jurisdicional, restringindo a


decisão subjetiva e fora do conjunto probatório;

3) cada parte, através da dialética, põe à prova, submete à antítese, a proposição e as


provas produzidas pelo adversário, qualificando a justificação final;

4) permite a influência das partes durante todo o processo probatório, atuando na


admissibilidade da prova – na audiência preliminar –, durante a produção probatória, até
a avaliação do conjunto probatório e a adequação deste aos enunciados descritivos.

Concluímos com Ferrua53 que a dialética instaurada pelo contraditório entre as partes é
método de maior eficiência epistêmica:

“Ora è evidente che per un’attività ri-costruttiva esistono buone ragioni per ritenere
superiore il metodo dialettico rispetto a quello dell’indagine unilaterale e quindi, nel
processo il metodo del contraddittorio. Dato che l’ipotesi da verificare è insuscettibile di
riscontro diretto nel reale, il mezzo più affidabile per saggiarne il fondamento è di
sottoporla sul piano argomentativo ai più severi tentativi di falsificazione; ed è solo dal
loro sistematico fallimento che l’ipotesi uscirà convalidata. Non senza ragioni si è scritto
che l’esame incrociato è il metodo migliore per l’accertamento della verità”.

Portanto, as normas procedimentais não essencialmente probatórias, que valorizam a


influência das partes nas decisões e na administração processual, melhoram a
capacidade epistêmica do processo. Exemplo disto são as normas que determinam as
funções que devem ser desenvolvidas na fase preparatória do processo bifásico pois a
definição do quod decidendum e do quod probandum através do contraditório busca
impedir o retorno às fases anteriores e permitir que o processo siga à fase instrutória
seguro do que pretende alcançar.

As regras indispensáveis a uma fase preparatória eficiente – como o dever de


clarificação, a possibilidade de mutatio libelli, a admissibilidade das provas e o
saneamento com a participação das partes, a cooperação e o firme controle judicial da
boa-fé processual – são expressões do princípio do contraditório, que elevam a eficiência
do processo como meio para conhecer o conflito, aprimorar a cognição, e produzir
decisão justa.

A racionalidade e o planejamento da segunda fase impostos pela fase preparatória –


principalmente quando conjugada com o cumprimento do calendário mediante a
adaptabilidade procedimental –, impossibilitam que o processo caminhe fantasmagórico,
sem rumo, fortalecendo-o como instrumento de reconstrução histórica da verdade,
adequado à realidade do conflito.

Por outro lado, a fragmentação de atos e funções é epistemicamente contraproducente,


pois o processo não é dirigido a partir de pontos controvertidos e de provas definidas,
como na primeira fase, mas a partir de um vai e vem mecânico de atos e pedidos,
deferimentos e indeferimentos genéricos de prova, cuja eficiência e pertinência somente
serão avaliadas pelo juiz, sem a possibilidade de influência das partes, quando da
prolação da sentença.

Conclui-se, então, que não só as normas eminentemente probatórias, mas também


outras normas e práticas processuais que valorizam a participação das partes são
igualmente importantes e determinantes para a função epistêmica do processo,
notadamente a participação das partes na construção do processo adequado que o
processo bifásico tanto valoriza.

4. Os articulados iniciais

Agregando atos orais e escritos, 54 o processo bifásico em vários sistemas, como ocorria
no próprio Código Austríaco de 1895,55 fundado filosoficamente na oralidade, se inicia
por atos escritos: os articulados das partes.

A divisão em quatro fases do processo português 56 demonstra a importância da


apresentação, quão breve possível, dos articulados iniciais (art. 147), compostos pelas
alegações, pelos enunciados fáticos e pelos pedidos de produção de provas,
acompanhados das provas documentais.

A contestação, atendendo à concentração, veicula os meios de defesa processuais e de


mérito, bem como, reconvenção e algumas espécies de intervenção de terceiro, evitando
peças autônomas e a bifurcação procedimental produzidas por incidentes processuais. 57

O mesmo sucede na Espanha58 onde los actos de alegación, como a inicial e a


contestação, em regra são escritos (arts. 426, 437 e 438, LEC), admitidos oralmente, no
entanto, as alegações complementares e aclaratorias, apresentadas na audiência prévia,
para as partes modificarem seus escritos e alegações, bem como, para cumprir sua
obrigação de esclarecimento (art. 406.2, LEC).

Na Alemanha o juiz Presidente determina o modo de desenvolvimento do processo,


fixando a audiência de preparação da causa ou iniciando o procedimento preliminar
escrito (§ 272, 1 e 2) mas, em ambas as hipóteses, a defesa do réu será escrita (§§ 129
e 130).59

O procedimento ordinário italiano tem por seus atos introdutivos a inicial, citazione, e a
contestação, comparsa di risposta, depositadas antes da audiência preliminar, enquanto
os procedimentos trabalhista e sumário iniciam pelo ricorso.60

A citazione (art. 163) tem por requisitos: 1) indicação do tribunal competente; 2)


qualificação do réu; 3) causa de pedir e pedido; 4) indicação dos meios de prova e 5) a
prova documental. O art. 164 não contempla nenhuma forma de decadenza para o caso
de não indicação dos meios de prova, o que poderá ser feito em qualquer momento do
processo. O autor tem de regularizar sua representação juntando sua procuração 10 dias
antes da audiência.

O réu apresenta seu fascicolo (art. 167) com sua comparsa di risposta, cópia da
citazione, da procuração e os documentos. A falta de indicação das provas na resposta,
por seu turno, não recebe o mesmo tratamento daquele dado a inicial. No entender de
Ricci,61 a sua falta na comparsa não importa em preclusão, permitindo o requerimento
tardio, depois da primeira audiência, pois o artigo não impõe expressamente tal pena
para este caso, mas somente para a falta de exceções processuais e materiais, da
reconvenção e da ação regressiva, não sendo possível, então, reduzir o direito de defesa
do réu, quando não previsto em lei. Taruffo interpreta a norma do art. 167 no mesmo
sentido.62

O sistema, portanto, é misto, oral e escrito, valorizando-se a troca de peças escritas


entre as partes para que cheguem a audiência preliminar – onde ocorrerá a definição do
objeto litigioso e das provas a produzir, através do diálogo com o juiz – suficientemente
esclarecidas das posições da parte contrária e da viabilidade de suas pretensões, como
ocorre no processo alemão:

“If the case is prepared by written proceedings (schriftliche Vorverfahren), the parties
must be particularly careful to include in their pleadings all of the potentially applicable
legal contentions and claims as well as description of all potentially relevant facts and
sources of proof. Under the written preparatory procedure, the parties rely on the
exchange of their written pleadings and briefs to achieve the clarification and
simplification of issue which otherwise occurs at the preliminary hearing. The give-and-
take in written proceedings is necessarily somewhat less spontaneous then that which
occurs orally at the preliminary hearing. On the other hand, written exchanges can be
more considered and clearly stated than oral assertions at a conference or preliminary
hearing”.63

As partes apresentam ab initio suas alegações que serão vistas reciprocamente pela
parte contrária, de modo a possibilitar o conhecimento prévio das “armas” que
pretendem utilizar no processo e facilitar a consecução pelo juiz das funções que terá de
exercer na audiência da fase preparatória.

Leonardo Greco destaca que:

“A preparação da primeira (audiência) seria antecedida dos articulados de ambas as


partes, a complementação do contraditório em relação às defesas indiretas arguidas pelo
réu e a proposição em concreto pelas partes das provas que pretendem produzir,
apontando os fatos cuja demonstração com elas pretendem obter, de tal modo que o
juiz na primeira audiência, com a colaboração das partes, caso frustrada a conciliação,
fixe as questões de fato e de direito que devam ser objeto da decisão final, esclarecendo
com elas eventuais dúvidas, e determinando então as provas a serem produzidas e a
sequência dos atos a ser adotada”.64

É o método consagrado no direito inglês pela expressão cards on the table approach,65
direcionado a evitar que as partes tratem o processo como um jogo, escondendo e
subtraindo suas intenções e provas, para apresentá-los ao longo do processo, quando se
mostrar estrategicamente interessante.

Larry Laudan,66 estudando a epistemologia no processo penal, afirma que a lei deve criar
normas que evitem o elemento surpresa, prejudicial à busca da verdade, como a pretrial
machinery americana: “With the growing recognition that this surprise element was not
conducive to finding out the truth, the rules of procedure were modified to put in place
pretrial machinery for preventing such grandstanding.”

A fim de evitar o desvirtuamento ético acarretado pela tática da surpresa, a § 282


(Rechtzeitigkeit des Vorbringens), §§ 1.º e 2.º, da ZPO, 67 determina que a parte
apresente tempestivamente à outra, antes da audiência da fase preparatória, todos os
meios de defesa dos quais esta não possa posicionar-se sem vista anterior. O direito
processual alemão também prevê, para o mesmo desiderato, que a audiência deve
acontecer o quanto antes (§ 272, § 3.º, ZPO). 68 No direito português também é
necessária vista antes da audiência preliminar dos articulados pela parte contrária (arts.
227-1 e 219-3 do CPC português). Trata-se de uma técnica que exige a boa-fé
processual e se coaduna com a função epistêmica do processo quando reduz o elemento
surpresa na fase inicial.

Também se mostra fundamental para o modelo epistêmico a necessária definição das


fontes probatórias e sua correlação com os enunciados fáticos a fim de vedar o pedido
genérico e desinteressado dos advogados, patologia corriqueira em nossa prática
forense. O processo civil italiano prevê no seu art. 244, comma 1,69 que a dedução da
prova testemunhal deve guardar correlação com os fatos descritos no articulado,
indicando de forma específica e por artigos, as pessoas a serem interrogadas e os fatos
acerca dos quais deverão se manifestar as testemunhas. É a chamada capitolazione da
prova, ou seja, a parte deve indicar, específica e sinteticamente, sobre o que deverão
pronunciar-se as testemunhas.70

O Anteprojeto de Reforma do direito probatório no processo civil brasileiro, do Grupo de


Pesquisa “Observatório das Reformas Processuais” da Faculdade de Direito da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, 71 radicaliza esta boa prática ao propor
a criação de regra determinando a apresentação, junto dos articulados, de formulários
padronizados que veiculem objetivamente esta correlação fato-prova:

“Art. 49. (…

§ 5.º Acompanharão igualmente a petição inicial e a resposta do réu formulários


contendo:

I – a descrição concisa e articulada dos elementos individualizadores da demanda ou dos


fundamentos da defesa;

II – a síntese do conteúdo de cada prova requerida, vinculada ao fato que visa a


demonstrar;

III – índice dos documentos anexados”.72

Por fim, além da indicação correlacionada dos enunciados fáticos e das provas, a fase
preparatória deve incentivar ao máximo a troca de provas entre os litigantes, em
especial a documental, notadamente nos sistemas que não contam com a pretrial
discovery.73 Dentre as várias sugestões que configuram o desenho de um processo
bifásico, Leonardo Greco74 aponta:

“Poder-se-ia prever que as partes, nos articulados, trouxessem desde logo, declarações
escritas das testemunhas a serem ouvidas, o que permitiria avaliar com mais precisão a
relevância e utilidade do seu depoimento e facultaria ao adversário preparar-se para a
sua inquirição”.

5. A audiência preliminar

Originária da erste Tagsatzung da § 239 da ZPO austríaca de 1895, 75 fruto do gênio de


Franz Klein, para diferençá-la da audiência final (Hauptverhandlung),76 a audiência
preliminar é o ápice da fase preparatória destinada à realização de diversas funções de
preparação, sob a égide da oralidade e da cooperação. 77 Para Klein78 é indispensável que
este ato complexo, rico em funções, se dê mediante audiência em contraditório
participativo entre as partes e o juiz:

“Una inteligente y meditada dirección de la vista será de más valor en general, tanto en
los puntos de detalle como en las alegaciones de hechos demasiado extensas, que el
refuerzo de la vista oral por un procedimiento preparatorio”.

Forçoso notar que o direito austríaco, acabou por abolir a erste Tagsatzung, após a
Reforma de 2002,79 quando diversos sistemas vêm amplificando a oralidade ou optando
pelo misto de oralidade e escritura.80

Por seu turno, o processo civil alemão dá especial realce à necessidade deste diálogo
entre o juiz, as partes e seus advogados, através de um “ir e vir”, de modo a identificar
os reais contornos da disputa.81

A oralidade age de forma positiva para a definição do objeto litigioso quando da


audiência preliminar, com o juiz e as partes, já conhecidos os articulados. A experiência
do direito alemão mostra como as diferenças de posições e de pontos de vista são muito
mais aparentes do que reais, e que o contato direto entre as partes e o juiz na audiência
preliminar pode reduzi-las:82

“In many cases serious differences in the facts set forth in the parties initial submissions
tend to disappear or become narrower in scope after discussion and dialogue between
the court, counsel and the parties”.

A ausência de oralidade ou a falsa oralidade, por outro lado, é extremamente prejudicial


ao bom e justo desenvolvimento do rito, como alerta Taruffo 83 acerca do problema
cultural italiano. Apesar da previsão de que a instrução deveria ser oral (art. 180, CPC
italiano), na prática tudo se dá por escrito, servindo a audiência 84 simplesmente para
marcar a seguinte, formando um procedimento totalmente escrito, fracionado e de
diversas audiências, decorrente de uma visão essencialmente burocrática do processo.
Comparando-o com o processo espanhol, ressalta Taruffo que a reforma processual
espanhola empreendeu a transformação de um sistema que em muitos aspectos era pior
que o italiano e que reduziu drasticamente o tempo de duração do processo.

De acordo com o Protocolo para audiências civis do Tribunal de Florença, 85 a audiência


de trattazione serve para instituir um diálogo processual entre as partes e o juiz e não
simplesmente para marcar a apresentação dos memoriais previstos no comma 6 do art.
183, quando as partes apresentam novas alegações ou ocorre a mutatio libelli. É o
problema da cultura processual italiana apontado por Taruffo. O art. 10 do Protocolo
determina que a audiência deve constituir em um momento de colóquio processual entre
o juiz e as partes destinado a: 1) delimitar o thema decidendum e o thema probandum;
2) indicar às partes as orientações do tribunal e da corte; 3) programar os atos
processuais futuros, com a definição do calendário do processo.

A necessidade da realização desta audiência sob o crivo da oralidade se impõe


principalmente porque a adaptabilidade do rito in concreto através do calendário – do
iter da fase interlocutória –, somente se dá de forma eficiente por meio da cooperação
entre as partes e o juiz, conforme o Projeto Proto Pisani de Código de Processo
Civil,86verbis:

“Quel che voglio dire è che, stabilita ex lege l’alternativa fra modelli di trattazione a
seconda della complessità della causa – e credo che la strada giusta sia quella del
progetto Proto Pisani –, la scelta dovrebbe derivare dalla collaborazione fra i difensori
delle parti costituite ed il giudice, da un contatto e colloquio fra loro, dopo la fase
introduttiva idonea a conoscere puntualmente i fatti, le allegazioni, le domande e le
istanze istruttorie. E non da una scelta autoritiva del giudice, al quale, peraltro, non può
di certo mancare l’ultima parola, la decisione”.

No direito processual civil brasileiro a discussão acerca da necessidade ou não da


audiência de conciliação, posteriormente chamada de audiência preliminar, ou sua
substituição pelo saneador escrito, durante as várias Reformas processuais (Lei
8.952/1994 e Lei 10.444/2002), sempre se estabeleceu a partir da natureza do direito,
“disponíveis”, “indisponíveis” ou “que admitam transação” e a consequente viabilidade
de conciliação.87 Ou seja, deve ocorrer a audiência preliminar se houver a possibilidade
de se chegar a um acordo. Esta perspectiva só é possível, no entanto, a partir da visão
reducionista de que a audiência preliminar somente tem valia para tentar o acordo –
desprezando suas demais funções de clarificação, de fixação de pontos controvertidos,
de saneamento e de deferimento de provas –, e de que as partes não podem dialogar
com o juiz no exercício destas outras funções, ficando restrita sua participação à
transação.

Barbosa Moreira88 prefere a solução adotada por alguns sistemas, como o alemão, que
deixam em aberto a possibilidade do juiz marcar a primeira audiência prévia (früher
erster Termin, ZPO, § 275) ou de prosseguir em um procedimento escrito (ZPO, § 272,
2.ª alínea), optando entre a oralidade ou a escritura de acordo com a natureza da
controvérsia.

A preparação na audiência preliminar agrega uma série de funções: tentativa de


conciliação, clarificação, mutatio libelli, saneamento de vícios processuais, identificação
do thema decidendum e do thema probandum e adaptabilidade mediante a formulação
do calendário.

A partir da Reforma de 2006, o direito italiano procurou agregar na primeira audiência


de comparecimento das partes, a fase introdutória – dedicada à proposição dos
articulados e ao exame das questões atinentes ao rito –, a fase de trattazione – dedicada
à definição do thema probandum – e a construção pelo juiz com a colaboração
responsável das partes do calendário dos atos seguintes do processo (arts. 183 do CPC
italiano e o art. 81-bis das disp. att.).89 Taruffo, por outro lado, entende que a Reforma
não foi capaz de atingir a concentração pretendida, encerrando o processo italiano um
modelo “híbrido e incoerente”, com uma fase introdutiva teoricamente concentrada, mas
que em verdade se traduz em vários atos escritos, seguindo uma série de audiências
distribuídas no tempo e distantes umas das outras.90

No processo do trabalho italiano a udienza di discussione della causa 91 é uma audiência


única dedicada a trattazione e a instrução da causa. Nela ocorre: 1) interrogatório livre
das partes; 2) tentativa de conciliação; 3) modificação da demanda e da defesa; 4)
produção de prova proposta nos atos introdutivos, sob pena de decadenza. O art. 420,
5.º comma, CPC, prevê que na audiência de discussão só podem ser propostas outras
provas que não àquelas deduzidas nos atos introdutivos, se as partes demonstrarem que
não o fizeram por motivo de força maior. Prevê ainda que o juiz pode marcar nova
audiência para não menos que dez dias após. Iniciada a audiência original ou a sucessiva
a instrução deverá ir até o final ou no próximo dia subseqüente. Corrado Ferri 92 informa
que na prática o que ocorre é uma audiência inicial de conciliação e trattazione e uma
subsequente de produção de provas.

No Direito processual espanhol, o art. 414.1.II da LEC 1/2000 prevê como finalidades da
obrigatória audiência preliminar ou de comparecencia previa, 1) a tentativa de
conciliação intraprocessual (arts. 414-415), 2) o expurgo de vícios processuais (art. 16-
425), 3) a complementação e a fixação definitiva do objeto processual (arts. 426 e 428),
bem como, 4) da prova a ser produzida (arts. 426 e 428), de modo a “evitar situaciones
de indefensión y a procurar que el juicio oral pueda desarrollarse sin la entrada de
objetos intempestivos, es decir, con unidad de acto”. 93 As partes, ainda, mediante
alegações complementares cumprem com a obrigação de esclarecimento
(Erklärungspflicht) e completude (Vollständigskeitspflicht).94
Em Portugal a audiência prévia (art. 591 do Código de Processo português) tem lugar
após os articulados e o despacho pré-saneador, 95 onde serão cumpridas as funções de 1)
tentativa de conciliação, 2) facultar as partes a discussão acerca da matéria de fato e de
direito, quando o juiz for apreciar exceção dilatória ou julgar o mérito, 3) delimitar o
litígio, 4) clarificar questões de fato ainda não esclarecidas, 5) sanear as nulidades
processuais, 6) proceder a adaptabilidade processual, 7) definir o thema decidendo e o
thema probandum e 8) definir o calendário processual, ou nos termos do legislador
lusitano “programar, após a audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência
final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as
respectivas datas”.

Na common law, em razão da necessidade de um processo para jurados, a audiência


necessariamente tem de ser concentrada, como nos Estados Unidos, onde as partes
apresentam suas alegações introdutórias, as testemunhas são ouvidas, sucede a
apresentação de alegações finais e, por fim, a entrega do veredicto pelo júri.96

Na Alemanha a reforma de maio de 2001 amplificou a importância da audiência prévia


(früher erster Termin)97 mediante o incremento de obrigações a que as partes e o juiz
estão submetidos, de modo a tornar efetiva a preparação para a audiência final (ZPO §
273 Vorbereitung des termins).98 O juiz deve fazer perguntas às partes e aos advogados
acerca das questões de fato e de direito a fim de clarificá-las (ZPO §§ 139, 273, 2, 1) 99
e de definir se há divergência somente quanto ao direito ou se será necessária a
marcação de uma ou mais audiências para a determinação dos fatos. Muitas vezes há
acordo quanto aos fatos, determinando o juiz que as partes apresentem suas alegações
desde já.100 Define-se, portanto, o objeto litigioso e as provas a serem produzidas nas
audiências subsequentes.

O processo alemão admite emendas à demanda ou à defesa também nesta audiência


preliminar mediante o registro dos novos elementos (ZPO §§ 263 e 296). Realiza-se
também a tentativa de conciliação (ZPO § 278), apesar de recente reforma ter imposto a
realização de audiência prévia para tanto.101 De acordo com a § 273 o juiz pode
determinar, nesta altura, a apresentação de documentos pelas partes ou por terceiros.
Por fim, esta audiência serve para que o juiz e as partes estruturem a forma
procedimental a ser seguida em uma ou mais audiências ou mediante atos escritos,
direcionados à conclusão do processo da forma mais justa e rápida.102

O ponto de maior sucesso na Reforma das Civil Procedural Rules inglesas de 1998 é a
chamada “case management conference” (Rule 29): audiência marcada no multi-track
para as partes e o juiz fixarem as principais questões controvertidas e a direção que o
processo deverá tomar, durante a instrução. Esta audiência, realizada com a ampla
participação dos advogados e das partes, é o momento especial do case management
quanto à preparação do desenvolvimento processual, possuindo os seguintes objetivos:
buscar o acordo acerca do maior número de questões controvertidas possível; propiciar
que as partes forneçam todas as informações relevantes, formando-se um case
summary, com o resumo da controvérsia; permitir a alteração da demanda ou da
defesa; identificar quais as provas serão necessárias; e, ao final, delimitar as directions
mais apropriadas para o processo, fixando o calendário.103

Observa-se, então, que a audiência preliminar é o momento em que as partes e o juiz


através da colaboração e da oralidade, definem a real extensão do conflito e estruturam
o processo a partir da complexidade do objeto litigioso, construindo um procedimento
proporcional e adequado ao litígio.

Importante ressaltar que ao final desta audiência e após a intensa imediatidade, o juiz
terá melhores condições de prolatar as decisões antecipatórias previstas no atual art.
273 do nosso Código de Processo Civil, de urgência ou de evidência.

Reproduzimos a norma do art. 53 da versão final do Anteprojeto de Reforma do Direito


Probatório no Processo Civil Brasileiro do Grupo de Pesquisa “Observatório das Reformas
Processuais” da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro –
UERJ, que nos parece representar, com grande exatidão, a estrutura desejável de uma
audiência preliminar, verbis:

“Art. 53. Na audiência preliminar, se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação,
o juiz, em diálogo e colaboração com as partes:

I – decidirá as questões processuais pendentes e, não sendo o processo extinto, fixará o


conjunto de questões de direito que deverá ser objeto da sentença final e as questões de
fato a serem elucidadas, deferindo ou determinando de ofício as provas a serem
produzidas, e distribuindo o ônus da sua produção de acordo com o art. 12;

II – observará o cumprimento das exigências do art. 49, admitindo no seu curso que as
partes esclareçam, complementem e emendem as suas postulações e defesas,
apresentem ou retifiquem os formulários, bem como complementem ou retifiquem a
proposição de provas, nos termos do art. 20, indiquem peritos e assistentes técnicos e
formulem quesitos;

III – colherá o pronunciamento delas sobre as provas pré-processuais, os documentos e


declarações escritas já produzidos, para que manifestem claramente se os admitem,
impugnam, reconhecem, ou, se for caso, se arguem a sua falsidade, bem como, se
pronunciem sobre a admissibilidade das provas propostas;

IV – fixará o calendário dos atos subsequentes do processo, inclusive a data de


disponibilização da sentença final.

§ 1.º Se os fatos alegados pelo autor não estiverem explicitados ou as provas que lhes
correspondam não estiverem precisamente indicadas, o juiz extinguirá o processo sem
resolução do mérito.

§ 2.º Se os fatos alegados pelo réu não estiverem explicitados ou as provas que lhes
correspondam não estiverem precisamente indicadas, o juiz não poderá deferir as provas
requeridas para demonstrá-los, salvo se o interesse do réu for indisponível.

§ 3.º Se não houver necessidade de produzir novas provas, o juiz ouvirá as partes em
alegações finais orais, cada uma pelo prazo de vinte minutos, e proferirá em dez dias o
julgamento antecipado da lide.

§ 4.º Quando a causa apresentar questões complexas de fato ou de direito, o debate


oral poderá ser substituído por memoriais, caso em que o juiz fixará prazos sucessivos
para o seu oferecimento.
§ 5.º Nas alegações finais orais ou nos memoriais, os advogados deverão fazer a
correlação objetiva entre as suas alegações e as provas produzidas, para sustentar as
suas proposições conclusivas.

§ 6.º O calendário é vinculativo e só poderá ser alterado por convenção das partes ou
por motivo alheio à sua vontade.

§ 7.º O juiz imporá multa, nos termos dos §§ 1.º e 3.º a 5.º do art. 6.º, à parte que der
causa ao adiamento injustificado do calendário, a qual também responderá pelas custas
do retardamento.

§ 8.º O juiz que alterar o calendário de forma injustificada responderá por perdas e
danos, nos termos da lei.

§ 9.º Os tribunais manterão registro dos calendários de todos os processos e velarão


pelo seu cumprimento. O descumprimento do calendário acarretará para o juiz
responsabilidade disciplinar e avaliação negativa de desempenho para fins de estagio
confirmatório, promoção e remoção, assim como responsabilidade civil do Estado se dela
decorrer o desrespeito à necessária duração razoável do processo.

§ 10. Os tribunais deverão criar agendas ou sistemas eletrônicos em que sejam lançados
com facilidade e brevidade as datas para a prática dos atos previstos no calendário, nos
dias úteis disponíveis no juízo, adaptáveis de acordo com os prazos e a sequência que o
juiz fixar.

§ 11. O fato relevante sobre cuja existência uma das partes não se considerar
devidamente esclarecida será obrigatoriamente incluído no rol dos que devem ser objeto
de prova subsequente.

§ 12. A audiência preliminar é una, devendo, se necessário, prolongar-se após o término


do horário de expediente forense ou retomar o seu curso em data próxima não superior
a dez dias, até que sejam praticados todos os atos previstos no presente artigo.

§ 13. Aplica-se à audiência preliminar o disposto no art. 55”.

Assim, o processo bifásico moderno é caracterizado não só pelo reforço e dedicação à


fase preparatória, como também, à adaptabilidade judicial do procedimento através da
programação, sob a cooperação das partes e do juiz, da sequência, das datas e dos atos
que seguirão a instrução da causa.

6. A adaptabilidade in concreto e a organização da fase instrutória

Uma das tendências dos sistemas processuais europeus é a estruturação da fase


instrutória a partir do calendário formado em audiência de acordo com as especificidades
do objeto litigioso e das exigências probatórias. Flexibilidade, adaptabilidade ou
estrutura elástica, são nomes e expressões mais ou menos precisas do mesmo
fenômeno: o abandono do esquema rígido de processo, tendência atual do espírito
reformista, como demonstra Nicolò Trocker:104
“Una prima tedenza può essere individuata nella consapevolezza dei legislatori di
numerosi Paesi europei che l’obiettivo di garantire la effetività della tutela giurisdizionale
attraverso un processo capace di svolgersi in tempi ragionevoli, senza sacrificare
l’esigenza di un’adeguata trattazione delle cause, non può essere efficacemente
perseguito disegnando uno schema rigido di processo concepito come universalmente
valido per tutti i tipi di controversie. Quell’obiettivo esige strutture elastiche al cui interno
vi sia spazio per la differenziazione dei modelli di trattazione delle cause in funzione dei
loro caratteri peculiari”.

A adaptabilidade pode ser do procedimento – como ocorre na França e na Inglaterra –


ou só da fase instrutória – como são o modelo alemão e o procedimento sumário italiano
– através do calendário. A definição do rito, de acordo com a complexidade do objeto
litigioso e da necessidade probatória, melhora a capacidade epistemológica, pois o
processo arquitetonicamente projetado caso a caso facilita a aquisição de conhecimento
em situações específicas, respeitando os princípios da cognição adequada e da duração
razoável do processo. Será qualitativa e democraticamente superior a cognição
resultante de um processo produto da cooperação do que de um processo criado
abstratamente pelo legislador.

Transfere-se a adaptabilidade do legislador para o juízo em colaboração com as partes.


Não se trata de mera flexibilização do procedimento deixada ao alvitre do juiz, mas de
adaptabilidade mediante cooperação: o procedimento não deixa de ser rígido
simplesmente, mas se adapta da melhor forma possível às necessidades e características
do objeto litigioso, mediante o trabalho conjunto das partes e do juiz.

Importante frisar que não se confunde com a tutela diferenciada, como alerta Beatrice
Ficcarelli,105 pois a fixação de ritos especiais para a tutela de espécies de direitos
materiais também se funda na rigidez procedimental, o que se contrapõe frontalmente
ao sistema de adaptação concreta.

A adaptabilidade projeta o procedimento de acordo com a complexidade da causa, do


objeto litigioso e das provas, mas a identificação dos critérios de complexidade são
diversos em cada legislação, como se depreende do estudo dos sistemas processuais
francês e inglês.

6.1 A adaptabilidade no processo civil francês

Historicamente para o controle do papel do juiz, o processo francês vedava a adaptação


às singulares formas de controvérsia, prevendo o legislador um processo sempre a
marche fixe. O Code de Procédure Civile de 1806 é exemplo de modelo acusatório, de
inspiração eminentemente liberal do final do século XVIII e do início do século XIX, onde
o juiz portava-se como um árbitro distante, sem qualquer ingerência no procedimento. A
função do juiz, como funcionário estatal, limitava-se ao julgamento, mas não podia ater-
se a gestão do processo: era o processo conhecido como chose des parties.106

Mas, ironicamente, foi o mesmo Código que criou o référé, regulado nos arts. 806 a 811,
procedimento de vasta aplicação, que se tornaria, a partir da prática forense, a fonte
primordial para a institucionalização da flexibilização e da adaptabilidade. Nicolò
Trocker107 observa que, apesar do Código austríaco de 1895 não ter criado estruturas
procedimentais elásticas, o próprio Franz Klein já reconhecia a importância do modelo
processual do réfèrè.

Depois de uma série de reformas processuais, os Decs. 872 de 13.10.1965, e 1072 de


07.12.1967, vieram impor definitivamente mudança cultural através da instituição de um
juge des mises en état: juiz especializado na instrução e dotado de amplos poderes de
ofício, para dirigir o ritmo da progressão do processo, transformando a construção do
iter processual de legal para judiciaire ad litem.108

O Nouveau Code de procédure civile de 1975 veio adotar, definitivamente, por princípio
primordial (arts. 1-13) a colaboração, além de seus consectários, como o dever de
clarificação (arts. 8 e 13 NCPC), de buscar a verdade e os princípios de lealdade e de
probidade, buscando o equilíbrio entre a iniciativa das partes e a direção pelo juiz na
condução do processo.

Partindo desta base ética, a definição do procedimento não é mais abstrata, mas
concreta, regulada pelo juiz e, portanto, capaz de adaptar-se às peculiaridades de
qualquer causa. Historicamente, não decorreu da mutação de tutelas diferenciadas e
sumárias em ordinárias – como ocorreu no processo brasileiro e italiano, com a
hipertrofia das cautelares –, mas originou-se da própria prática da tutela ordinária
modificada e adaptada.

No sistema atual isto ocorre a partir da audiência de Conférence du Président do


processo escrito (art. 759, § 2.º), que transcorre perante o tribunal de grande instance e
a cour d’appel.109 O juiz presidente, ouvindo as partes, procede à fixação do circuit
adequado, ou seja, escolhe um dos três ritos previstos na lei para as causa mais ou
menos complexas.

Há três espécies diferentes de circuits. Utiliza-se o circuit breve, também nomeado de


court ou ultracourt (art. 760), quando for possível o envio imediato à audiência de
discussão, estando a causa pronta para julgamento, quando caracterizados os conflitos
como simples, ou nos casos de requerimento conjunto de ambas as partes ou de
processo contumacial. Aplica-se o circuit moyen (art. 761) quando o juiz presidente,
entendendo necessária uma última troca de memoriais ou de documentos para por em
ordem o processo, marca uma segunda audiência, onde poderá declarar concluída a
instrução e remeter as partes para a audiência de discussão ou, ainda, passar através da
passarelle ao circuit long, se a causa revelar-se mais complexa que o previsto. O circuit
long, por seu turno, surge nas hipóteses em que o processo é remetido para o juiz da
mise en état que, dotado de funções instrutórias, providencia a formulação do calendário
processual.

6.2 O calendário processual

O calendário processual é espécie de contrat de procédure,110 fruto da prática que


emergiu nos anos 80 de alguns tribunais e cortes de apelo parisienses, 111 foi instituído
pela Reforma de 2004, através dos decretos de 20 de agosto e de 28 de dezembro
daquele ano, produto do Relatório Magendie. O calendário foi formalmente introduzido
pelo Dec. 1678 de 28.12.2005, que inseriu os §§ 3.º, 4.º e 5.º no art. 764, 112 para o
circuit long. Consiste na adaptabilidade da fase instrutória do procedimento, com a
elaboração de um programa de atividades processuais, que tem por objeto a gestão
temporal do processo, como decorrência do princípio da cooperação e do
reconhecimento do processo como um ambiente relacional de diálogo e de convivência
obrigatoriamente civilizada.113 No conceito de Cadiet “les contrats de procédure qui ont
pour objet la détermination d’un commun accord du juge et des parties du calendrier
procédural de l’affaire”.114

O juiz da mise en état (art. 796) fixa os termos de desenvolvimento da causa levando
em consideração a natureza, a urgência, a complexidade e a opinião das partes (art.
764),115-116 para garantir em tempo razoável, o pleno exercício do direito de ação e de
defesa. Estes, portanto, são os critérios de complexidade do processo francês: a
natureza, a urgência, a sua complexidade 117 e a opinião das partes. A definição recai,
basicamente, sobre o prazo para troca de articulados (memoire), a data do fim da
instrução, a data de discussão da causa e a data da pronúncia da decisão.

O calendário é vinculante e os prazos somente são prorrogados por razões graves e


devidamente justificadas, sob pena de preclusão, como sanção de descumprimento,
através da decisão de clôture. A doutrina acerca do contract de procèdure informa, no
entanto, que o calendário vem impondo a mudança de um sistema de preclusões rígidas,
prevista legalmente, para um sistema de termos fixados pelo juiz.118

Esse instrumento de proporcional adaptabilidade do processo e de cumprimento da


duração razoável do processo, se expandiu para outros sistemas europeus,
caracterizando-se como o fenômeno da calendarizazione.119

Em regra é utilizado como meio organizacional da instrução probatória, mas deve incluir
em seus termos a data da decisão final, como sugere o documento fruto do encontro dos
magistrados de Bolonha Novità legislative e giurisprudenziali nel processo civile.120
Conforme Maria Francesca Ghirga:

“Sul punto occorre rilevare che trattandosi di un accordo di natura processuale, concluso
tra giudice e parti, esso ha ad oggetto non solo i tempi di adempimento degli oneri
processuali riconducibili alle parti, ma anche dei doveri del giudice: il calendario si
referisce infatti non solo ai termini relativi allo scambio delle memorie difensive, ma
anche alla fissazione della data prevista per la chiusura dell’istruzione, a quella per la
discussione e a quella per la decisione della causa”.121

O calendário pode exigir também a forma de apresentação da ação ou da defesa, como


as regras da International Chamber of Commerce (art. 23 reg. Terms of Reference),
onde as partes, na presença do colégio arbitral, redigem um documento “a summary of
the parties”.122

Recentemente sobreveio a alteração do art. 81-bis das disposições de atuação do CPC


italiano,123 com a imputação de responsabilidade funcional ao juiz, às partes e aos
peritos.

No direito italiano o calendário é aplicado tanto no processo ordinário como no novo


sumário (art. 702-bis, CPC) cuja deformalização permite e mesmo necessita de ampla
aplicação da organização procedimental in concreto.124

A audiência preliminar austríaca (erste Tagsatzung da § 239 da ZPO austríaca de 1895)


foi substituída na atual ZPO de 2002, pela vorbereitende Tagsatzung onde, mediante a
colaboração entre as partes, os advogados e o juiz, também se forma o “programa
processual”, na expressão utilizada por Consolo.125

Observe-se, finalmente, que, fundado na natureza negocial do contrat de procedure


francês, ou no dever de colaboração, dos processos italiano, austríaco ou alemão, a
participação das partes é sempre exigida para a formação do calendário, 126 como meio
de se alterar a cultura autoritária do processo judicial:

“Siamo lontani dal vincolo negoziale del contrat de procedure francese, ostacolato per
alcuni dalla riserva di legge di cui all’art.11 cost. Tuttavia, ciò non toglie che si tratti di
un elemento importante, sia perché, nel favorire un approcio collaborativo e dunque una
reciproca consapevolezza, incide su quell’elemento culturale che va visto come fattore
decisivo per il mutamento del processo in termini di efficienza, come già argutamente
notava Calamandrei, nel suo scritto su Delle buone relazioni fra i giudici e gli avvocati
nel nuovo processo civile; sia perché si attua una reciproca responsabilizzazione, che
trova il suo riflesso sulle conseguenze disciplinari che possono derivare
dall’inadempimento del calendario; sia perché, infine, permette di realizzare un aspetto
fondamentale del giusto processo tagliato su misura, vale a dire le esigenze ed i diritti
delle parti”.127

A contratualização processual através do calendário torna-se, no direito francês, um


eficiente remédio para a complexidade processual, como ressalta Cadiet: “Tanto a livello
di sistema giudiziale, quanto a quello del processo stesso, il ricorso alla
contrattualizzazione delle procedure rappresenta una buona risposta alla complessità
processuale”.128

6.3 A adaptabilidade no processo civil inglês

O objetivo primordial da regra 1.1 das Civil Procedural Rules – CPR inglesa, após a
Reforma de 1998,129 foi capacitar as cortes de julgamento para lidarem com os processos
de forma justa, mediante o tratamento igualitário das partes e o processamento
proporcional das causas, através da utilização dos custos de acordo com a complexidade
da causa.130 Os Relatórios sobre os quais se baseou a Reforma de 1988, de autoria de
Lord Woolf of Barnes encarregado pelo Lord Chancellor,131 identificaram como o maior
problema da Justiça inglesa naquela altura, o seu elevado custo, 132 e apontaram como
solução para tanto, a retomada pelo juiz, pelas cortes, do controle do andamento do
processo, através dos the courts case management powers.

O case management inglês fortaleceu os poderes instrutórios do juiz, passando este de


mero espectador para tornar-se um controlador da boa-fé processual e do bom
andamento do processo que deixou de ser simplesmente cosa delle parte.

O sistema inglês crê que a forma eficiente de gerir os recursos alocados para a
administração da justiça, gerando economia, exige a adoção de procedimentos elásticos,
adaptáveis às diversas controvérsias.133 Para tanto as CPRs preveem uma série de
procedimentos, de ritos, chamados tracks: small track, fast track e multi track.134

O small track é utilizado para as causas abaixo de 5.000 libras ou para determinadas
causas especificas, caracterizado por um processo veloz e informal, podendo ser
proposto inclusive sem representação por advogado. O fast track está limitado, a partir
de 06.04.2009, a alçada de 25.000 liras e prevê pelo menos uma audiencia no trial, não
superior a um dia. O multi track aplica-se residualmente a controvérsias de alçada
superior, de maior complexidade e importância, que não se adequam aos outros tracks.

A identificação do track cabe ao juiz (procedural judge) com base nas informações
prestadas pelas partes em questionários (allocation questionnaire), depois da troca de
atos introdutivos entre as partes.

A definição se o caso é de multi track se dá através da aplicação discricionária de


standards previstos nas allocations rules (Rule 2.3 Matters relevant to allocation to a
track), quais sejam: o valor econômico e a natureza da demanda proposta, as questões
de fato e de direito propostas, bem como os meios de prova, o número de partes, o
valor e a complexidade da demanda reconvencional, o número de testemunhos orais, a
importância da demanda para as pessoas que não tem a qualidade de parte no processo,
o que as partes consideraram e as circunstancias inerentes às partes.

Deve-se observar que um juiz pode escolher um track independente do valor da


controvérsia, mas somente pode escolher um track mais simples do previsto com a
concordância das partes.

Como a decisão de definição do track, por vezes, mostra-se muito complexa, o juiz pode
determinar uma audiência específica para tanto, a allocation hearing, que pode servir
também para obter o consenso das partes quanto a utilização de um fast track, quando
a causa foi, originariamente, endereçada para o multi track.

Definido o track, o juiz e as partes vão fixar depois, na audiência (case management
conference), o calendário processual, acordando às direções que o processo deverá
tomar.

A reforma do processo inglês reforçou de tal modo o case management que o calendário
vem sendo aplicado inclusive na fase do pre-trial, em algumas controvérsias específicas,
antecedida dos pre-action protocols.135

6.4 A adaptabilidade no processo civil alemão

De acordo com Nicolò Trocker,136 o processo civil alemão, a partir de 1976, também
instituiu o modelo flexível de processo através da norma da § 272 ZPO, com ampla
possibilidade de adaptação às controvérsias específicas. O juiz define se remete
diretamente à primeira audiência imediata (§ 275 ZPO) ou ao procedimento preliminar
escrito (§ 276 ZPO) se a controvérsia for de maior complexidade.137

7. O idealtypus de Michele Taruffo


Michele Taruffo, no seu Páginas sobre justicia civil,138 apresenta um modelo que
considera ideal de juízo oral, formado basicamente por uma audiência única e
concentrada, como ocorre comumente nos países da common law, na Espanha e na
Alemanha e no processo trabalhista italiano.

No modelo de Taruffo,139 a audiência é formada pela seguinte sequência de atos:


intervenções orais introdutórias dos advogados e das partes apresentando e explicando
a versão de cada um, produção da prova oral, discussão final do processo e prolação da
sentença, tão logo, terminada a audiência imediata. A audiência pode conter ainda o
interrogatório direto das partes e a tentativa de conciliação.

8. O projeto de Código de Processo Civil de Andrea Proto Pisani

Como os maiores gênios da história do processo, o florentino Andrea Proto Pisani


publicou entre nós recentemente o seu projeto de código de processo civil, 140 cujo
processo de cognição plena foi construído no formato bifásico e dotado de adaptabilidade
judicial da fase instrutória, segundo Frederico Carpi, “certamente ispirata all’attuale
modello del processo del lavoro (…”.141

O juiz na primeira audiência (art. 2.19), 142 após a tentativa de conciliação, qualifica a
controvérsia como sendo simples ou complexa, considerando como standards de
complexidade, “a identidade e qualidade dos fatos controvertidos, e portanto a serem
provados, e às exigências da instrução”.143

O segundo livro do projeto institui o processo de cognição plena: 144 possui uma fase
introdutiva, que se inicia por meio de ricorso e com a constituição do réu antes da
primeira audiência. Andrea Proto Pisani opta por um sistema de preclusões rígido, que
recai inclusive sobre as exceções de direito material reconhecíveis de ofício.

O processo termina na primeira audiência no caso de revelia, de presunção de


veracidade pela não impugnação ou pelo reconhecimento do pedido por parte do Réu.
Caso contrário, sendo uma controvérsia simples, segue para instrução, debates orais e
leitura da parte dispositiva da sentença e da motivação, se assim for possível (art. 2.23,
comma 2.º).

Se a maior complexidade da causa exigir uma instrução mais aprimorada, as partes e o


juiz, em colaboração, na audiência preliminar da fase preparatória, após réplica, tréplica
e indicação das provas que pretendem produzir, vão fixar o posterior desenvolvimento
processual através da realização de outros atos e audiências.

Inovadores no procedimento são a generalização da condenação com reserva de


exceções para todas as controvérsias (art. 2.28).145

9. Conclusão
Quer estejamos em tempos de reforma, quer estejamos em tempos de segurança
jurídica, sempre se faz necessário relembrar que a reflexão para a melhora da qualidade
da prestação jurisdicional deve se iniciar pelo seu instrumento básico, mas próximo dos
seus destinatários: o processo de conhecimento comum ordinário.

Conforme procuramos observar, muitos sistemas vêm buscando incrementar a


capacidade deste processo de adquirir e gerar conhecimento acerca do litígio, dos fatos e
daquilo que as partes verdadeiramente pretendem, utilizando um processo de estrutura
bifásica bem definida, com maior valorização da fase preparatória e da participação das
partes no processo.

Normas essencialmente procedimentais qualificadoras do contraditório participativo –


como as que impõem o dever de cooperação, o dever de clarificação, a definição do
thema decidendum, do thema probandum, do saneamento e a adaptabilidade in
concreto com a participação das partes, por exemplo –, melhoram a capacidade
espistemológica do processo ao mesmo tempo em que dão maior legitimidade
democrática à função jurisdicional, ontologicamente autoritária.

Cremos, por fim, que deitar luz sobre o processo bifásico pode contribuir, em alguma
medida, como forma de caminharmos no debate para a melhora da prestação
jurisdicional, não na sua perspectiva industrial e autoritária, mas na sua visão qualitativa
e humana.

10. Bibliografia

AROCA, Juan Montero Aroca; MATÍES, José Flores. Tratado de Juicio Verbal. Navarra:
Aranzadi, 2004.

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A revolução processual inglesa. Temas de direito


processual – Nona série. São Paulo: Saraiva, 2007.

______. Breve notícia sobre a reforma do processo civil alemão. Revista de Processo.
vol. 111. p. 104. São Paulo: Ed. RT, jul. 2003.

______. O problema da duração dos processos: premissa para uma discussão séria.
Temas de Direito Processual – Nona Série. São Paulo: Saraiva, 2007.

______. Saneamento do processo e audiência preliminar. Revista de Processo. vol. 40.


p. 109-135. São Paulo: Ed. RT, out. 1985. Também publicado em: Temas de direito
processual – Quarta série. São Paulo, 1989.

_______. Vicissitudes da audiência preliminar. Temas de direito processual – Nona série.


São Paulo: Saraiva, 2007.

BUZAID, Alfredo. Origem do despacho saneador. Estudos de direito. São Paulo: Saraiva,
1972.

______. Linhas fundamentais do sistema do Código de Processo Civil brasileiro. Estudos


e Pareceres de Direito Processual Civil. Notas de adaptação ao Direito vigente de, Ada
Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Ed. RT, 2002.

CADIET, Loïc. Complessità e riforme nel processo civile francese. Trad. italiana de D.
Torquato. Rivista Trimestrale di diritto processuale civile. Giuffrè: 2008.

______. Les conventions relatives au procès en droit français, Sur la contractualisation


du règlement des litiges. Accordi di parte e processo. Quaderni della Rivista Trimestrale
di Diritto e Procedura Civile 11. Milão: 2008.

CALAMANDREI, Piero. Processo e Democrazia. Opere Giuridiche. Nápoli: Morano, 1983.


vol. 1.

CALLARI, Francesco. Verità processo prova certezza: il circuito euristico della giustizia
penale. Rivista di Diritto Processuale. ano LXVIII (Seconda Serie). n. 6. p. 1346-1364.
Milão: Cedam, nov.-dez. 2013.

CAPPELLETTI, Mauro. La testimonianza della parte nel sistema dell’oralità. Milano:


Giuffrè, 1974.

______. Proceso oral y proceso escrito. La oralidad y las pruebas en el proceso civil.
Trad. Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America, 1972.

______. Valor Actual del Principio de Oralidad. La Oralidad y las Pruebas en el Proceso
Civil. Trad. Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America.
1972.

CARPI, Frederico. La semplificazione dei modelli do cognizione ordinaria e l’oralità per un


processo civile efficiente. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. ano LXIII. n. 4.
p. 1283-1300. dez. 2009.

CHASE, Oscar; HERSHKOFF, Helen. Civil Litigation in Comparative Context. St. Paul:
Thompson/West, 2007.

CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de derecho procesal civil. Trad. espanhola da 3. ed.


italiana de José Casais y Santaló. Madrid: Instituto Editorial Reus, 1922. t. I.

______. Instituições de direito processual civil. Notas de Enrico Tullio Liebman. São
Paulo: Livraria Acadêmica – Saraiva e Cia., 1943. vol. 1 e 2.

COMOGLIO, Luigi; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Lezioni Sul Processo Civile. Il
processo ordinário di cognizione. 5. ed. Bologna: Il Mulino, 2011. vol. 1.

______; ______; ______. Lezioni Sul Processo Civile. Procedimenti speciali, cautelari ed
esecutivi. 4. ed. Bologna: Il Mulino, 2006. vol. 2.

CONSOLO, Claudio. Introduzione. In: PICARDI, Nicola; GIULIANI, Alessandro. Ordinanza


della Procedura Civile di Francesco Giuseppe, 1895. Testi e Documenti per la Storia del
Processo. Milão: Giuffré Editore, 2004. vol. 8.

______. Codice di Procedura commentato, Artt. 1 – 286. 4. ed. Milão: IPSOA, 2010. t. I.

CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Direito processual civil alemão. In: CRUZ E TUCCI, José
Rogério. (coord.). Direito processual civil europeu contemporâneo. São Paulo: Lex, 2010.
FERRUA, Paolo. Il ‘giusto processo’. Bolonha: Zanichelli, 2012.

FICCARELLI, Beatrice. Fase preparatoria del processo civile e case management


giudiziale. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2011.

FONSECA, Elena Zucconi Galli. Il calendario del processo. Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile. ano LXVI. n. 4. p. 1395-1410. Milão: Giuffrè, dez. 2012.

FREITAS, José Lebre de. A ação declaratória comum à luz do código de processo civil de
2013. 3. ed. Coimbra: Coimbra Ed., set. 2013.

GHIRGA, Maria Francesca. Le novità sul calendario del processo: le sanzioni previste per
il suo mancato rispetto. Rivista di Diritto Processuale. ano LXVII. n. 1. p. 166-187.
Padova: Cedam, 2012.

GILLES, Peter; Vinson, Julia. Truth and Efficiency in Civil Proceedings on construction of
the truth-postulate by the mainstream german doctrine of civil procedure. Revista de
Processo. vol. 206. p. 135. São Paulo: Ed RT, 2012.

GIMENO SENDRA, Vicente. Derecho Procesal Civil, 1. El proceso de declaración. Parte


general. 3. ed. Madri: Constitución y Leys, S.A., 2010.

GOLDMAN, Alvin I. Knowledge in a Social Word. Nova Iorque: Oxford University Press,
1999.

GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009. vol. 1.

______. ______. 2010. vol. 2.

______. Novas perspectivas da efetividade e do garantismo processual. In: MITIDIERO,


Daniel; AMARAL, Guilherme Rizzo (coord.). Processo civil: estudos em homenagem ao
Professor Doutor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. São Paulo: Atlas, 2012.

______. Apresentação ao anteprojeto de reforma do direito probatório no processo civil


brasileiro do grupo de pesquisa “Observatório das Reformas Processuais” da Faculdade
de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Versão preliminar
publicada na Revista Eletrônica de Direito Processual. vol. 13. p. 321. Disponível em:
[www.redp.com.br/arquivos/redp_13a_edicao.pdf].

LAUDAN, Larry. Truth, Error, and Criminal Law – An Essay in Legal Epistemology.
Cambridge Studies in Philosophy and Law. Nova Iorque: Cambridge University Press.
2006.

LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. Rio de Janeiro: ed. Saraiva, 1986.

MURRAY, Peter L.; STÜRNER, Rolf. German Civil Justice. Durham, Carolina do Norte:
Carolina Academia Press, 2004.

PATTI, Salvatore. Codice di Procedura Civile Tedesco, Zivilprozessordnung. Trad. Milano:


Giuffrè, 2010.

PICARDI, Nicola. Jurisdição e processo. Trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Rio de
Janeiro: Forense, 2008.
______; GIULIANI, Alessandro. Ordinanza della Procedura Civile di Francesco Giuseppe,
1895. Testi e Documenti per la Storia del Processo. Milão: Giuffré, 2004. vol. 8.

PISANI, Andrea Proto. Per un nuovo Codice di Procedura Civile – Libro Primo. Revista de
Processo. vol. 188. p. 205-252. São Paulo: Ed. RT, 2010.

______. Per un nuovo Codice di Procedura Civile – Libro Secondo. Revista de Processo.
vol. 189. p. 204-205. São Paulo: Ed. RT, 2010.

______. Per un nuovo Codice di Procedura Civile – Libro Terzo. Revista de Processo. vol.
190. p. 277-298. São Paulo: Ed. RT, 2010.

______. Per un nuovo Codice di Procedura Civile – Libro Quarto. Revista de Processo.
vol. 191. p. 211-274. São Paulo: Ed. RT, 2011.

______. Per un nuovo Codice di Procedura Civile – Libros Quinto e Sesto. Revista de
Processo. vol. 192. p. 301-306. São Paulo: Ed. RT, 2011.

RECHBERGER, Walter H.; KODEK, Georg E., Introduzione. PICARDI, Nicola; GIULIANI,
Alessandro. Ordinanza della Procedura Civile di Francesco Giuseppe, 1895. Testi e
Documenti per la Storia del Processo. Milão: Giuffré, 2004. vol. VIII.

RICCI, Gian Franco. Diritto Processuale Civile, il processo di cognizione e le


impugnazioni, Torino: G. Giappichelli, 2009. vol. 2.

______. La riforma del processo civile. Torino: G. Giappichelli, 2009.

SCHÖNKE, Adolfo. Derecho procesal civil. Trad. L. Pietro Castro e Víctor Fairén Guillén.
5. ed. Barcelona: Casa Editorial Bosch, 1950.

TARUFFO, Michele. Cultura e processo. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile.


ano LXIII. p. 63-92. Milano: Giuffré, 2009.

______. La semplice verità – Il giudice e la costruzione dei fatti. Bari: Editori Laterza,
2009.

______. Oralidad y escritura como factores de eficiência en el proceso civil. Páginas


sobre justicia civil. Madri: Marcial Pons, 2009.

______. Verità negoziata? In: CIPRIANI, Franco (coord.). Accordi di parte e processo.
Milano: Giuffrè. 2008.

TROCKER, Nicoló. La concezione del processo di Franz Klein e l’attuale evoluzione del
diritto processuale civile europeo. Rivista trimestrale Il Giusto Processo Civile. ano VII. n.
1. A cura de: CIPRIANI, Franco. Edizione Scientifiche Italiane. Milano, 2012.

______. La Formazione del Diritto Processuale Europeo. Torino: G. Giappichelli, 2012.

______. La concezione del processo di Franz Klein e l’attuale evoluzione del diritto
processuale civile europeo. Rivista trimestrale Il Giusto Processo Civile. A cura de
CIPRIANI, Franco. Edizione Scientifiche Italiane. ano VII. n. 1. Milano, 2012.

TUZET, Giovanni. Filosofia della prova giuridica. Torino: Giappichelli, 2013.


VASSALLO, Nicla. Contro la verofobia: sulla necessità epistemologica della nozione di
verità. In: AMORETTI, Maria Cristina; MARSONET, Michele. (coord.). Conoscenza e
verità. Milão: Giuffrè, 2007.

VÁZQUEZ IRUZUBIETA, Carlos. Comentario a la Ley de Enjuiciamiento Civil. Madri:


Difusión Juridica y Temas de Actualidad, 2009.

ZUCKERMAN, Adrian. V. Learning the facts – discovery England. In: CHASE, Oscar G.;
HERSHKOFF, Helen. (coord.). Civil litigation in comparative context. St. Paul:
Thomson/West, 2007.

______. Lord Woolf’s Access to Justice: Plus ça change…The Modern Law Review. vol.
59. n. 6. p. 773-796. nov. 1996.
   
1. “La tendenza evolutiva dei sistemi processuali contemporanei va verso l’adozione di
uno schema procedimentale a due fasi, l’una destinata alla preparazione (ed eventuale
risoluzione anticipata della causa), l’altra destinata all’assunzione delle prove e alla
decisione” (TROCKER, Nicoló. La formazione del diritto processuale europeo. Torino: G.
Giappichelli, 2012. p. 321).
 
2. PICARDI, Nicola. Jurisdição e processo. Trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Rio de
Janeiro: Forense, 2008. p. 130.
 
3. Versão preliminar publicada na Revista Eletrônica de Direito Processual 13/487-551.
Disponível em: [www.redp.com.br/arquivos/redp_13a_edicao.pdf].
 
4. CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de derecho procesal civil. Trad. espanhola da 3. ed.
italiana de José Casais y Santaló. Madrid: Instituto Editorial Reus, 1922. t. I, p. 127.
 
5. Segundo Nicola Picardi a “praeparatoria iudicii tinha caráter preclusivo e era dedicada,
dentre outras coisas, à delimitação dos fatos constitutivos em contraditório entre as
partes e, assim, à determinação do próprio thema probandum. Somente post litem
contestatam se procedia à realização probatória e, por fim, à decisão” (PICARDI, Nicola.
Op. cit., p. 130).
 
6. BUZAID, Alfredo. Origem do despacho saneador. Estudos de direito. São Paulo:
Saraiva, 1972. p. 9.
 
7. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Saneamento do processo e audiência preliminar.
RePro 40/109-135. São Paulo: Ed. RT, out. 1985. Também publicado em: Temas de
direito processual – Quarta série. São Paulo, 1989. p. 105-145.
 
8. Idem, p. 109.
 
9. BUZAID, Alfredo. Origem do despacho…cit., p. 1-2.
 
10. Para Buzaid o “despacho saneador é instituto do processo civil, criado pelo direito
português moderno”, mas precisamente pelo Dec. 12.353, de 22.09.1926 (idem, p. 15-
16).
 
11. TROCKER, Nicoló. La formazione…cit., p. 321.
 
12. GRECO, Leonardo. Novas perspectivas da efetividade e do garantismo processual.
In: MITIDIERO, Daniel; AMARAL, Guilherme Rizzo (coord.). Processo civil: estudos em
homenagem ao Professor Doutor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. São Paulo: Atlas,
2012. p. 273-308, especialmente p. 300.
 
13. CHASE, Oscar; HERSHKOFF, Helen. Civil litigation in comparative context. St. Paul:
Thompson/ West, 2007. p. 242.
 
14. “A modern German civil law suit has two main phases, the initial preparatory phase
(Vorbereitungsphase) and the plenary phase of the main oral argument
(Hauptverhandlung)” (MURRAY, Peter L.; STÜRNER, Rolf. German Civil Justice. Durham,
Carolina do Norte: Carolina Academia Press, 2004. p. 191).
 
15. FREITAS, José Lebre de. A ação declaratória comum à luz do Código de Processo
Civil de 2013. 3. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 2013. p. 29-32.
 
16. TARUFFO, Michele. Cultura e processo. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
Civile. ano LXIII. p. 77.
 
17. Idem, ibidem.
 
18. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Saneamento do processo…cit., p. 123.
 
19. De acordo com Beatrice Ficcarelli: “Il punto delicato dell’organizzazione di
qualsivoglia modello processuale consiste nella disciplina della sua ‘fase preparatoria’. È
ben noto, infatti, che il processo, in tanto può svolgersi in modo rapido ed ordinato, in
quanto la trattazione iniziale induca le parti ed il giudice a fissare, in modo
tendenzialmente definitivo, i fatti e le questioni controverse, eliminando tutto ciò che non
costituisce oggetto di reale conflitto” (FICCARELLI, Beatrice. Fase preparatoria del
processo civile e case management giudiziale. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane,
2011. p. 11).
 
20. TARUFFO, Michele. Verità negoziata? In: CIPRIANI, Franco (coord.). Accordi di parte
e processo. Milano: Giuffrè. 2008. p. 69-98. ______. La semplice verità. Il giudice e la
costruzione dei fatti. Bari: Editori Laterza, 2009. VASSALLO, Nicla. Contro la verofobia:
sulla necessità epistemologica della nozione di verità. In: AMORETTI, Maria Cristina;
MARSONET, Michele (coord.). Conoscenza e verità. Milão: Giuffrè, 2007. GOLDMAN,
Alvin I. Knowledge in a Social Word. Nova Iorque: Oxford University Press, 1999.
LAUDAN, Larry. Truth, Error, and Criminal Law – An Essay in Legal Epistemology.
Cambridge Studies in Philosophy and Law. Nova Iorque: Cambridge University Press,
2006. CALLARI, Francesco. Verità processo prova certezza: il circuito euristico della
giustizia penale. Rivista di Diritto Processuale. ano LXVIII (Seconda Serie). n. 6. p.
1346-1364. Milão: Cedam, nov.-dez. 2013. GILLES, Peter; VINSON, Julia. Truth and
Efficiency in Civil Proceedings on construction of the truth-postulate by the mainstream
german doctrine of civil procedure. RePro 206/135; TUZET, Giovanni. Filosofia della
prova giuridica. Torino: Giappichelli, 2013.
 
21. “O conhecimento e julgamento da lide (processo de cognição) e a atuação da sanção
(processo de execução) são duas formas igualmente importantes da atividade
jurisdicional, que se complementam, estando uma a serviço da outra. Julgamento sem
execução significaria proclamação do direito em concreto sem sua efetiva realização
prática; e, por sua vez, execução sem cognição poderia resultar no arbítrio mais
evidente” (LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. São Paulo: Saraiva, 1986. p.
4).
 
22. Adota-se a finalidade da Jurisdição como em Leonardo Greco: “A definição da
jurisdição como atuação da vontade concreta da lei, embora aparentemente sedutora
como fruto da supremacia do legislador representativo da vontade popular, é
insatisfatória na medida em que conduz à errônea conclusão de que a sua finalidade
precípua seja efetivar o cumprimento e a observância da lei. Sem dúvida, o exercício da
jurisdição pressupõe a busca, no ordenamento jurídico do Estado, das regras de
comportamento que este estabeleceu para regular a vida em sociedade; mas a
finalidade da jurisdição não é preservar ou aplicar essas normas, embora indiretamente
o faça. Se a finalidade da jurisdição fosse a de assegurar a eficácia das normas estatais,
ela deveria ser exercida de ofício, para que todas as violações daquelas normas fossem
devidamente coibidas e reparadas pelos juízes. (… Na verdade, seja resolvendo litígios,
seja tutelando interesses privados não litigiosos, mas que dependem da intervenção do
juiz, a jurisdição está sempre tutelando interesses particulares. (… Essa é a verdadeira
finalidade da jurisdição: a tutela dos interesses particulares juridicamente relevantes”
(GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009. vol. 1,
p. 71-73).
 
23. A precedência da cognição à execução é dogma do processo produto da justiça, do
contraditório, da razão como também da história, que pode ser afastado em hipóteses
excepcionais como na tutela de urgência. “Reafirmaram eles (os juristas da Idade
Média), em primeiro lugar, o princípio da necessária precedência da cognição; o credor
devia sempre submeter suas pretensões à apreciação do juiz em processo contraditório
para que fossem julgadas procedentes, ou improcedentes: primo intentanda est actio
(Glosa); non est incoandum ad executionem (Bartolo)”. LIEBMAN, Enrico Tullio. Op. cit.,
p. 11.
 
24. Sobre a diferença entre reconstrução da verdade e descoberta da verdade vide
FERRUA, Paolo. Il ‘giusto processo’. Bolonha: Zanichelli, 2012. p. 31-34.
 
25. TARUFFO, Michele. La semplice verità… cit., p. 135.
 
26. VASSALLO, Nicla. Op. cit., p. 3.
 
27. Idem, p. 6.
 
28. CALLARI, Francesco. Op. cit., p. 1350.
 
29. TARUFFO, Michele. La semplice verità…cit., p. 83.
 
30. Neste ponto, reside a importância do affidabilismo ou reliabilism como teoria da
justificação, quando afirma que conhecimento é crença verdadeira justificada, e que a
justificação deve ser confiável, baseada em fontes confiáveis: “Per l’affidabilismo, nella
sua versione più semplice, abbiamo allora che S è giustificato a credere che p sia vera se
e solo se la credenza che p sia vera viene prodotta da un processo cognitivo, o da un
metodo, affidabile, ovvero da un processo o metodo che tende a produrre molte
credenze vere.” VASSALLO, Nicla. Op. cit., p. 17. GOLDMAN, Alvin I. Op. cit.
 
31. TARUFFO, Michele. La semplice verità…cit., p. 146 e 148.
 
32. Para o estudo mais aprofundado da classificação, da legitimidade ou da ilegitimidade
das limitações probatórias vide GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Rio de
Janeiro: Forense, 2010. vol. 2, p. 137-181 e TUZET, Giovanni. Op. cit., p. 95-96.
 
33. A preclusão é legítima quando serve à duração razoável do processo equilibrada ou
ponderada com o direito autônomo a prova e a busca da verdade, sendo ilegítima a sua
exigência como regra absoluta. De acordo com o Jean-Claude Magendie, Presidente da
Corte de Apelação de Paris, no Relatório acerca da celeridade e da qualidade da Justiça
francesa de 15.06.2004, conhecido como Rapport Magendie I: “La célérité n’est qu’un
élément parmi d’autres qui favorise une justice de qualité. Elle n’est pas une valeur en
soi; elle ne constitue pas un objectif en soi. C’est presque le contraire: la justice est
rendue à l’issue d’un processus juridictionnel. Le procès est un processus qui réclame du
temps. Ce temps este nécessaire” (Célérité et qualité de la justice davant la cour
d’appel. Rapport au gard de Sceaux, ministre de la Justice. Paris: La Documentation
Française, 2008. nota 5, p. 25).
 
34. TARUFFO, Michele. La semplice verità…cit., p. 139.
 
35. Analisando o processo penal o autor exemplifica como regras processuais que
influenciam uma boa prestação jurisdicional a forma como os jurados são selecionados,
que espécies de julgamentos são passíveis de recurso, quem pode interrogar quem, que
instruções o juiz deve dar aos jurados, que parâmetros o juiz deve utilizar para suas
várias decisões etc. (LAUDAN, Larry. Op. cit., p. 117 e 141).
 
36. Por outro lado é evidentemente controepistêmica a orientação do STJ que permite ao
órgão julgador fundar sua decisão em uma justificativa somente, não estando obrigado a
valorar as outras alegações (AgRg no REsp 1437063/RS, AgRg no AREsp 447165/RS e
AgRg no AREsp 139280/TO). A contrario senso o Direito Processual italiano civil e
criminal exige que a motivação enfrente todas as questões e provas constantes do
processo (art. 115 do CPC e art. 546, comma 1.º, e, do Código de Processo Penal). A
norma processual penal exige inclusive tanto a demonstração das “prove poste a base
della decisione” como “ragioni per le quali il giudice ritiene non attendibili le prove
contrarie”.
 
37. “(… le garanzie di indipendenza della magistratura sono la condizione base perché la
decisione del giudice sia il più possibile oggetiva, ossia conforme a quanto risulta dalle
prove e dalla legge” (FERRUA, Paolo. Op. cit., p. 35).
 
38. “E così nel processo è indispensabile il contraddittorio: non per inasprire la litigiosità
delle parti o per dare occasione di sfoggiare all’eloquenza degli avvocati, ma
nell’interesse della giustizia e del giudice, che proprio nella contrapposizione dialettica
delle opposte difese trova senza fatica il miglior mezzo per vedere dinazi a sè, illuminata
sotto i più diversi profili, la verità tutt’intera” (CALAMANDREI, Piero. Processo e
democrazia. Opere Giuridiche. Nápoli: Morano, 1983. vol. 1, p. 682).
 
39. PICARDI, Nicola. Op. cit., p. 60-61.
 
40. A concepção de contraditório, nesta altura, representava a solução entre duas
hipóteses argumentativas dialéticas apresentadas pelas partes, dentro de uma
perspectiva de “ordem isonômica”, que admitia a prova na sua função argumentativa
necessária para alcançar uma verdade provável, não objetiva. As limitações naturais do
presente texto impossibilitam que, por ora, façamos a ponderação adequada entre os
conceitos de “ordem isonômica” e “ordem assimétrica” de Alessandro Giuliani e a função
epistêmica do processo.
 
41. RECHBERGER, Walter H.; KODEK, Georg E., Introduzione. In: PICARDI, Nicola;
GIULIANI, Alessandro. Ordinanza della Procedura Civile di Francesco Giuseppe, 1895.
Testi e Documenti per la Storia del Processo. Milão: Giuffré Editore, 2004. vol. VIII, p.
XXVII-XXVIII. Relazione del Ministro di Giustizia Schönborn sul Progetto presentato alla
Camera dei Deputati il 20 marzo 1893. In: PICARDI, Nicola; GIULIANI, Alessandro.
Ordinanza della Procedura Civile di Francesco Giuseppe, 1895. Testi e Documenti per la
Storia del Processo. Milão: Giuffré Editore, 2004 vol. VIII. p. 5. TROCKER, Nicolò. La
concezione del processo di Franz Klein e l’attuale evoluzione del diritto processuale civile
europeo. Rivista Trimestrale Il Giusto Processo Civile. ano VII. n. 1. A cura de: CIPRIANI,
Franco. Edizione Scientifiche Italiane. Milano, 2012.
 
42. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Notas de Enrico Tullio
Liebman. São Paulo: Livraria Acadêmica – Saraiva e Cia., 1943. vol. 1 e 2, p. 91-92.
Lembremos que o autor do nosso Código de Processo Civil de 1973, Alfredo Buzaid,
também indicava como um dos princípios fundamentais do processo civil brasileiro, a
oralidade a partir das lições de Chiovenda: “Um dos princípios fundamentais do processo
civil brasileiro é a oralidade. O ideal seria atingir a oralidade em toda a sua pureza. Mas,
quando isso não é possível, ‘o que importa’, assinala Chiovenda, ‘é que a oralidade e a
concentração sejam observadas rigorosamente como regra’” (BUZAID, Alfredo. Linhas
fundamentais do sistema do Código de Processo Civil brasileiro. Estudos e pareceres de
direito processual civil. Notas de adaptação ao Direito vigente de Ada Pellegrini Grinover
e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Ed. RT, 2002. p. 35.
 
43. CAPPELLETTI, Mauro. Valor Actual del Principio de Oralidad. La oralidad y las
pruebas en el proceso civil. Trad. Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Ediciones
Juridicas Europa-America. 1972. p. 85-91.
 
44. AROCA, Juan Montero Aroca; MATÍES, José Flores. Tratado de juicio verbal. Navarra:
Aranzadi. 2004. p. 65-67.
 
45. TARUFFO, Michele. La semplice verità…cit., p. 168. O mesmo alerta é feito por Mauro
Cappelletti: “Ma se da un lato la parte è di regola, per informazione, teoricamente la
megliore (quando non addirittura l’unica possibile) fonte di prova, essa però, d’altro lato,
per l’interesse personale che porta ai fatti, sulla base dei qualli chiede al giudice un
provvedimento, è al contrario o può essere la fonte di prova meno fidata” (CAPPELLETTI,
Mauro. La testimonianza della parte nel sistema dell’oralità. Milano: Giuffrè, 1974. p. 4).
 
46. TARUFFO, Michele. La semplice verità…cit., p. 172.
 
47. No original “libero scontro dialettico fra le parti” (idem, p. 171).
 
48. “Soto il profilo epistemico, ciò che viene affermato è un enunciato ipotetico: esso può
essere vero o falso in sé, ma nel momento in cui viene espresso, e sino a che non venga
formulata la decisione finale, esso non è né vero né falso.” TARUFFO, Michele. Verità
negoziata? cit., p. 87.
 
49. “(… il metodo di accertamento della verità sta nella congruenza della proposizione da
provare rispetto alle proposizioni che descrivono le prove legittimamente acquisite ed
assunte. È questa la verità del processo.” (CALLARI, Francesco. Op. cit., p. 1350).
Também reconhecendo a verdade como correspondência TUZET, Giovanni. Op. cit., p.
99-102.
 
50. “Il soggetto meglio informato della fattispecie dedotta in giudizio è, normalmente, la
parte.” (CAPPELLETTI, Mauro. La testimonianza della…cit., p. 3).
 
51. “Di qui la inderogabile necessità, sentita da tutti gli ordinamenti civili, di utilizzare le
parti come fonti di prova” ( idem, ibidem).
 
52. TUZET, Giovanni. Op. cit., p. 240-248.
 
53. FERRUA, Paolo. Op. cit., p. 34.
 
54. A prevalência do Princípio da Oralidade nunca excluiu a convivência entre atos orais
e escritos, mesmo entre os maiores defensores do sistema oral, como Chiovenda e
Cappelletti: “Ma il vero è che il principio dell’oralità non è affatto in contrasto, come
invece i riformatori del’50 hanno provato di credere, con la facoltà delle parti di produrre
memorie scritte in giudizio.” (CAPPELLETTI, Mauro. La testimonianza dela…cit., p. 38-
40). Taruffo também considera saudável a convivência de atos escritos com atos orais
(TARUFFO, Michele. Oralidad y escritura como factores de eficiência en el proceso civil.
Páginas sobre justicia civil. Madri: Marcial Pons, 2009. p. 260-264). Montero Aroca
afirma “la impossibilidad prática de configurar un procedimiento de manera totalmente
oral o escrita. De ahí que no se trate de exclusividades sino de prevalecimientos”
(AROCA, Juan Montero Aroca; MATÍES, José Flores. Op. cit., p. 125).
 
55. CAPPELLETTI, Mauro. Proceso oral y proceso escrito. La oralidad y las pruebas en el
proceso civil. Trad. Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-
America, 1972. p. 50.
 
56. O art. 147-1 do novo Código Processual português conceitua os articulados como “as
peças em que as partes expõem os fundamentos da ação e da defesa e formulam os
pedidos correspondentes”.
 
57. Em Portugal a contestação tem por conteúdo as impugnações de fato e de direito, as
exceções processuais dilatórias e peremptórias, a reconvenção e o chamamento (art.
318-1, c, do Código de Processo Civil português) (FREITAS, José Lebre de. Op. cit., p.
95-134). Na Espanha, além das alegações fáticas, das exceções processuais e materiais,
a contestação também veicula a reconvenção e todas as formas de intervenção
provocada, como, por exemplo, na hipótese de evicção (arts. 14.2, 405, 406.1 da LEC)
(GIMENO SENDRA, Vicente. Derecho procesal civil, 1. El proceso de declaración. Parte
general. 3. ed. Madri: Constitución y Leys, S.A., 2010. p. 335). Na Itália o réu deve
veicular na resposta todas as defesas processuais e de mérito, indicar os meios de prova
e sob pena de preclusão, deduzir reconvenção e propor intervenção contra terceiro (art.
167 do Código de Processo Civil italiano).
 
58. AROCA, Juan Montero Aroca; MATÍES, José Flores. Op. cit., p. 127. GIMENO
SENDRA, Vicente. Op. cit., p. 381.
 
59. PATTI, Salvatore. Codice di Procedura Civile Tedesco, Zivilprozessordnung. Trad.
Milano: Giuffrè, 2010. p. 181 e MURRAY, Peter L.; STÜRNER, Rolf. Op. cit., p. 230-231.
 
60. O ricorso é utilizado para o processo de trabalho, de primeiro e segundo graus, para
o juízo de legitimidade perante a Corte de Cassação, para os procedimentos especiais,
para o processo executivo e para a oposição à execução, dentre outros. A diferença,
menos de conteúdo, refere-se mais à forma, à técnica de efetivação do contraditório: na
citazione, primeiro ocorre a notificazione do réu e depois ela é depositada. O ricorso
deve ser primeiro depositado na cancelleria, o juiz fixa a data de audiência e depois
ocorre a notificazione (COMOGLIO, Luigi; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Lezioni sul
processo civile. Il processo ordinário di cognizione. 5. ed. Bologna: Il Mulino, 2011. vol.
1, p. 368-370).
 
61. RICCI, Gian Franco. Diritto processuale civile, il processo di cognizione e le
impugnazioni. Torino: G. Giappichelli, 2009. vol. 2, p. 105.
 
62. COMOGLIO, Luigi; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo civile. Il
processo ordinário…cit., p. 373-375.
 
63. MURRAY, Peter L.; STÜRNER, Rolf. Op. cit., p. 229-230.
 
64. GRECO, Leonardo. Novas perspectivas…cit., p. 26.
 
65. ZUCKERMAN, Adrian. V. Learning the facts – discovery England. In: CHASE, Oscar
G.; HERSHKOFF, Helen. (coord.). Civil litigation in comparative context. St. Paul:
Thomson/West, 2007. p. 208.
 
66. LAUDAN, Larry. Op. cit., p. 142 e 143.
 
67. PATTI, Salvatore. Op. cit., p. 189-190.
 
68. TROCKER, Nicolò. La concezione del…cit., p. 45.
 
69. “Articolo 244. Modo di deduzione. La prova per testimoni deve essere dedotta
mediante indicazione specifica delle persone da interrogare e dei fatti, formulati in
articoli separati, sui quali ciascuna di esse deve essere interrogati” (CONSOLO, Cláudio.
Codice di Procedura commentato, Artt. 1 – 286. 4. ed. Milão: IPSOA, 2010. t. I, p.
2504).
 
70. TARUFFO, Michele. Lezioni Sul Processo Civile, vol. I, Il processo ordinario di
cognizione. 4. ed. Bologna: Il Mulino, 2006. Cap. 12. p. 448.
 
71. “A proposição de cada prova deverá ser correlacionada com os fatos que com ela se
pretende demonstrar. Para auxiliar na objetividade das alegações e da proposição de
provas, acompanharão a inicial e a contestação formulários que sintetizarão os
elementos da demanda e os fundamentos da defesa, resumirão o conteúdo previsto de
cada prova requerida, vinculando-a ao fato a que ela corresponde e apresentarão um
índice dos documentos anexados (art. 44, §§ 3.º a 5.º)” (GRECO, Leonardo.
Apresentação ao anteprojeto de reforma do direito probatório no processo civil brasileiro
do grupo de pesquisa “Observatório das Reformas Processuais” da Faculdade de Direito
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Versão preliminar publicada na
Revista Eletrônica de Direito Processual 13/321. Disponível em:
[www.redp.com.br/arquivos/redp_13a_edicao.pdf]).
 
72. Versão preliminar publicada na Revista Eletrônica de Direito Processual 13/510.
Disponível em: [www.redp.com.br/arquivos/redp_13a_edicao.pdf].
 
73. “German civil procedure does not know the kind of ‘pretrial discovery’ practiced by
parties and their counsel in American and English litigation. On the other hand, German
civil procedure does provide for considerable production and exchange of factual
information, especially documents, during the preparatory phases of the litigation prior
to the taking of evidence in the plenary hearing. The practical effect of these activities is
in many respects similar to that fulfilled by Anglo-American discovery, although the
formal purposes of the activity may be somewhat different” (MURRAY, Peter L.;
STÜRNER, Rolf. Op. cit., p. 239).
 
74. GRECO, Leonardo. Novas perspectivas…cit., p. 26.
 
75. Para Alfredo Buzaid a origem da audiência preliminar foi o Regolamento Legislativo e
Giudiziario per gli Affari Civili, de 10.11.1834, do Papa Gregório XVI, de acordo com o §
551: “Tutte le controvesie relative all’indole e qualità del giudizio introdotto, alle qualità
che vengono atribuite alle parti nell’atto di citazione, alla legitimazione delle persone,
saranno proposte e decise nella prima udienza” (MENESTRINA. Il Processo Civile nello
Stato Pontificio. Turim. p. 68-118, apud BUZAID, Alfredo. Origem do despacho…cit., p.
14).
 
76. “Contribuye además a la preparación del acto de la vista en el derecho austríaco, la
llamada primera audiencia. Ésta no se halla destinada a tratar del fondo, sino más bien
sirve para separar de los restantes los puntos litigiosos. En la primera audiencia ha de
intentar-se una sentencia contumacial, de allanamiento o de renuncia”. SCHÖNKE,
Adolfo. Derecho procesal civil. Trad. L. Pietro Castro e Víctor Fairén Guillén. 5. ed.
Barcelona: Casa Editorial Bosch, 1950, p. 194. CONSOLO, Claudio. Introduzione. In:
PICARDI, Nicola; GIULIANI, Alessandro. Ordinanza della Procedura Civile di Francesco
Giuseppe, 1895. Testi e Documenti per la Storia del Processo. Milão: Giuffré Editore,
2004. vol. 8, p. LIII-LIV. GIMENO SENDRA, Vicente. Op. cit., p. 343.
 
77. Nos comentários ao art. 183 do CPC italiano, Claudio Consolo destaca: “Lungo la
seconda linea direttrice, è stato potenziato il principio dell’oralità della trattazione, là
dove il legislatore del 2006 ha notevolmente ridotto l’attività difensiva scritta delle parti
(sul potere del giudice do concedere comunque memorie scritte, cfr. il commento agli
artt. 180, 170 e 175, nonchè infra, par. 12)” (CONSOLO, Claudio. Codice di Procedura…
cit., p. 2169).
 
78. Apud SCHÖNKE, Adolfo. Op. cit., p. 194.
 
79. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Vicissitudes da audiência preliminar. Temas de
direito processual – Nona série. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 135.
 
80. Barbosa Moreira, por seu turno, entende que é tendência no “mundo anglo-saxônico:
o reforço dos poderes judiciais de direção do processo e certo declínio da oralidade”
(idem, p. 135-136).
 
81. “There may be a good deal of ‘back and forth’ between judge, parties and counsel in
an effort to shape the case for settlement or decision, if at all possible at a single plenary
hearing. The effort is to eliminate the unclarity and narrow the issues in dispute”
(MURRAY, Peter L.; STÜRNER, Rolf. Op. cit., p. 227).
 
82. Idem, p. 263.
 
83. TARUFFO, Michele. Cultura e processo cit., p. 77.
 
84. A reforma de 2005 unificou as audiências prévia e de trattazione em uma única
maxiaudiência.
 
85. FICCARELLI, Beatrice. Op. cit., p. 179.
 
86. CARPI, Frederico. La semplificazione dei modelli do cognizione ordinaria e l’oralità
per un processo civile efficiente. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. ano
LXIII. n. 4. p. 1283-1300. dez. 2009.
 
87. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Vicissitudes da audiência…cit., p. 136-138.
 
88. “A técnica da audiência, bem manejada, pode revelar-se superior, por mais de um
prisma, à do procedimento escrito. Antes de mais nada, ela permite que se estenda o
objeto da atividade realizável a aspectos naturalmente excluídos do outro modelo.
Deixando de lado, por demasiado óbvio, o exemplo da tentativa de conciliação,
mencione-se o da colheita de provas que só oralmente se possam produzir. Fácil
compreender que isso abre perspectivas mais amplas na direção do eventual julgamento
“antecipado” do mérito, com manifesto proveito pelo ângulo da economia processual. Por
outro lado, conquanto não seja essencial, segundo já se assinalou, à salvaguarda do
princípio da oralidade, afigura-se mais conveniente, de certo ponto de vista, que se
suscitem e se discutam de viva voz, na presença do juiz, as próprias questões de direito
ou relativas a documentos e, sobretudo, as preliminares. (… Seja como for, uma coisa é
certa: a consciência de existirem prós e contras vem sugerindo, aqui e ali, a preferência
por uma disciplina em alternativa, que permita, no particular, conforme as
peculiaridades do caso concreto, a opção entre o procedimento oral e o escrito. Como
oportunamente se recordou, para esse ponto de convergência marcharam, por diferentes
itinerários evolutivos, o direito alemão e o austríaco” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos.
Saneamento do processo…cit., p. 21).
 
89. CONSOLO, Claudio. Codice di Procedura…cit., p. 2165-2166.
 
90. TARUFFO, Michele. Cultura e processo cit., p. 77.
 
91. COMOGLIO, Luigi; FERRI, Corrado; Michele, TARUFFO. Lezioni Sul Processo Civile.
Procedimenti speciali, cautelari ed esecutivi. 4. ed. Bologna: Il Mulino, 2006. vol. 2, p.
105.
 
92. Idem, ibidem.
 
93. GIMENO SENDRA, Vicente. Op. cit., p. 344.
 
94. Idem, p. 381.
 
95. “Apresentado o último articulado do processo ou terminado o prazo para o
apresentar, o processo é concluso pela secretaria ao juiz, que, sendo caso disso, profere
despacho destinado a providenciar pela sanção da falta de pressupostos processuais e
(ou) a convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados (art. 590-2).” (FREITAS,
José Lebre de. Op. cit., p. 155).
 
96. TARUFFO, Michele. Oralidad y escritura…cit., p. 260.
 
97. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Vicissitudes da audiência…cit., p. 135.
 
98. MURRAY, Peter L.; STÜRNER, Rolf. Op. cit., p. 225.
 
99. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Breve notícia sobre a reforma do processo civil
alemão. RePro 111/104.
 
100. MURRAY, Peter L.; STÜRNER, Rolf. Op. cit., p. 227.
 
101. Idem, ibidem.
 
102. Idem, ibidem.
 
103. FICCARELLI, Beatrice. Op. cit., p. 120-122.
 
104. TROCKER, Nicolò. La concezione…cit., p. 41.
 
105. “(… giova rimarcare che la differenziazione dei modelli di trattazione in funzione
delle caratteristiche delle controversie, e quindi dettata da ragioni di razionalità, va
tenuta distinta dalla c.d. tutela differenziata dettata dalla volontà di attribuire un
trattamento differenziato (o preferenziale) a una data categoria di diritti o interessi
sostanziali portati in giudizio; tutela differenziata che sfocia nella logica dei procedimenti
speciali e che, oltre alla proliferazione dei riti, comporta il pericolo di una
frammentazione delle tutele” (FICCARELLI, Beatrice. Op. cit., p. 72). Também
diferençando a adaptabilidade da tutela diferenciada italiana, TROCKER, Nicolò. La
concezione…cit., p. 43.
 
106. Sobre a história da fase preparatória do processo civil francês vide FICCARELLI,
Beatrice. Op. cit.
 
107. TROCKER, Nicolò. La concezione…cit., p. 41.
 
108. FICCARELLI, Beatrice. Op. cit., p. 60.
 
109. Também exerce uma série de atividades: 1) tenta a conciliação, 2) observa a
presença de demanda incidental; 3) a necessidade de deferimento de prova documental
e, principalmente, 4) se é o caso de remeter o processo ao juge de la mise en état para
início da instrução ou diretamente à audiência de discussão (audience des plaidoiries),
quando a causa estiver pronta para julgamento (idem, p. 73-74).
 
110. CADIET, Loïc. Les conventions relatives au procès en droit français, Sur la
contractualisation du règlement des litiges. Accordi di parte e processo. Quaderni della
Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile 11. Milão: 2008, p. 7-36.
 
111. GHIRGA, Maria Francesca. Le novità sul calendario del processo: le sanzioni
previste per il suo mancato rispetto. Rivista di Diritto Processuale. ano LXVII. n. 1. p.
166-187. Padova: Cedam, 2012.
 
112. De acordo com o art. 764, alínea 3 do Novo Código de Processo Civil francês, o juiz
de la mise en ètat “peut, après avoir recueilli l’accord des avocats, fixer un calendrier de
la mise en état” (Disponível em:
[www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do;jsessionid=241353C902016E399326CBA264DC26
44.tpdjo15v_3?
idSectionTA=LEGISCTA000006181696&cidTexte=LEGITEXT000006070716&dateTexte=2
0140904]. Acesso em: 04.09.2014).
 
113. Nesse sentido o Relatório Magendie I, segundo o qual: “Il diritto processuale
sarebbe generalmente presentato come ‘un droit relationnel, de coopération das lequel
la loyauté assure le passage de la sphére privée, morale, á la sphére sociale pour
l’équilibre des interéréts antagonistes en présence”. Apud GHIRGA, Maria Francesca. Op.
cit., p. 171.
 
114. CADIET, Loïc. Les conventions relatives…cit., p. 24.
 
115. “Le juge de la mise en état fixe, au fur et à mesure, les délais nécessaires à
l’instruction de l’affaire, eu égard à la nature, à l’urgence et à la complexité de celle-ci,
et après avoir provoqué l’avis des avocats” (Disponível em: [www.legifrance.gouv.fr/].
Acesso em: 19.05.2014).
 
116. FICCARELLI, Beatrice. Op. cit., p. 68.
 
117. O legislador não afirma o que vem a ser complexidade. Para Cadiet a complexidade
pode advir da relação processual – como a pluralidade de partes e de demandas – ou da
matéria controvertida em si, como propõe o próprio art. 764 (CADIET, Loïc. Complessità
e riforme nel processo civile francese. Trad. italiana de D. Torquato. Rivista Trimestrale
di diritto processuale civile. p. 1303-1326. Giuffrè: 2008. p. 1316).
 
118. GHIRGA, Maria Francesca. Op. cit., p. 172.
 
119. Idem, p. 166-187.
 
120. FONSECA, Elena Zucconi Galli. Il calendario del processo. Rivista Trimestrale di
Diritto e Procedura Civile. ano LXVI. n. 4. p. 1395-1410. Milão: Giuffrè, dez. 2012. p.
1393.
 
121. GHIRGA, Maria Francesca. Op. cit., p. 173.
 
122. FONSECA, Elena Zucconi Galli. Op. cit., p. 1406.
 
123. “Art. 81-bis. (Calendario del processo) Il giudice, quando provvede sulle richieste
istruttorie, sentite le parti e tenuto conto della natura, dell’urgenza e della complessità
della causa, fissa, nel rispetto del principio di ragionevole durata del processo, il
calendario delle udienze successive, indicando gli incombenti che verranno in ciascuna di
esse espletati, compresi quelli di cui all’articolo 189, primo comma. I termini fissati nel
calendario possono essere prorogati, anche d’ufficio, quando sussistono gravi motivi
sopravvenuti. La proroga deve essere richiesta dalle parti prima della scadenza dei
termini. Il mancato rispetto dei termini fissati nel calendario di cui al comma precedente
da parte del giudice, del difensore o del consulente tecnico d’ufficio può costituire
violazione disciplinare, e può essere considerato ai fini della valutazione di professionalità
e della nomina o conferma agli uffici direttivi e semidirettivi.” (Disponível em:
[www.altalex.com/index.php?id-not=33898]. Acesso em: 04.09.2014).
 
124. FONSECA, Elena Zucconi Galli. Op. cit., p. 1402.
 
125. CONSOLO, Claudio. Introduzione cit., nota (59). p. LIII. TROCKER, Nicoló. La
concezione…cit., p. 43.
 
126. FONSECA, Elena Zucconi Galli. Op. cit., p. 1396.
 
127. Idem, p. 1393.
 
128. CADIET, Loïc. Complessità e riforme…cit., p. 1326.
 
129. TROCKER, Nicoló. La formazione…cit., p. 313.
 
130. “The overriding objective 1.1. – (1) These Rules are a new procedural code with the
overriding objective of enabling thecourt to deal with cases justly. (2) Dealing with a
case justly includes, so far as is practicable – (a) ensuring that the parties are on an
equal footing; (b) saving expense; (c) dealing with the case in ways which are
proportionate to the amount of money involved; (i) to the importance of the case; (ii) to
the complexity of the issues; and (iii) to the financial position of each party; (d) ensuring
that it is dealt with expeditiously and fairly; and (e) allotting to it an appropriate share of
the court’s resources, while taking into account theneed to allot resources to other
cases” (In Statutory Instruments, 1998, N. 3132 (L.17), Supreme Court of England and
Wales, County Courts).
 
131. Disponível em:
[http://webarchive.nationalarchives.gov.uk/+/http://www.dca.gov.uk/civil/final/].
Acesso em: 05.09.2014.
 
132. “The defects I identified in our present system were that it is too expensive in that
the costs often exceed the value of the claim; too slow in bringing cases to a conclusion
and too unequal: there is a lack of equality between the powerful, wealthy litigant and
the under resourced litigant. It is too uncertain: the difficulty of forecasting what
litigation will cost and how long it will last induces the fear of the unknown; and it is
incomprehensible to many litigants. Above all it is too fragmented in the way it is
organised since there is no one with clear overall responsibility for the administration of
civil justice; and too adversarial as cases are run by the parties, not by the courts and
the rules of court, all too often, are ignored by the parties and not enforced by the
court.” Lord’s Woolf Access of Justice – Final Report. Disponível em:
[http://webarchive.nationalarchives.gov.uk/+/http://www.dca.gov.uk/civil/final/overvie
w.htm]. Acesso em: 05.09.2014. (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O problema da
duração dos processos: premissa para uma discussão séria. Temas de Direito Processual
– Nona Série. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 72).
 
133. “The technique for implementing this strategy consists of a three-tier system: an
increase in the small claims jurisdiction to &3,000 (which has already been
implemented), a new fast-track procedure for claims up to 10,000, and a new multi-
track procedure for the remaining cases. The proposed structure is admirable in both its
simplicity and flexibility. It establishes a mechanism, so far absent in our procedure, for
husbanding procedural resources. The existence of different modes of processing
disputes and the ever-watchful eye of the judiciary will aim to ensure that the course of
litigation adopted in any given case will be in reasonable proportion to the complexity
and importance of the dispute. But judicial control, simplified rules and standardised
procedures do not remove the incentives that lawyers have for complicating and
protracting litigation. They merely aim to curb the scope for generating unnecessary
litigation processes” (ZUCKERMAN, A.A.S. Lord Woolf’s Access to Justice: Plus ça
change…The Modern Law Review. vol. 59. n. 6. p. 773-796. nov. 1996).
 
134. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A revolução processual inglesa. Temas de direito
processual – Nona série. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 75-76.
 
135. FONSECA, Elena Zucconi Galli. Il calendario del…cit., p. 1405.
 
136. TROCKER, Nicoló. La concezione…cit., p. 42-43.
 
137. CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Direito processual civil alemão. In: CRUZ E TUCCI,
José Rogério (coord.). Direito processual civil europeu contemporâneo. São Paulo: Lex,
2010.
 
138. TARUFFO, Michele. Oralidad y escritura…cit., p. 260-264.
 
139. Idem, p. 263.
 
140. PISANI, Andrea Proto. Per un nuovo Codice di Procedura Civile – Libro Primo. RePro
188/205-252. Per un nuovo Codice di Procedura Civile – Libro Secondo. RePro 189/193-
265. Per un nuovo Codice di Procedura Civile – Libro Terzo. RePro 190/277-298. Per un
nuovo Codice di Procedura Civile – Libro Quarto. RePro 191/211-274. Per un nuovo
Codice di Procedura Civile – Libros Quinto e Sesto. RePro 192/301-306.
 
141. CARPI, Frederico. Op. cit., p. 1298-1299.
 
142. PISANI, Andrea Proto. Per un nuovo Codice di Procedura Civile – Libro Secondo.
RePro 189/201-202.
 
143. “Art. 2.22. Ai fini degli articoli seguenti a semplicità o complessità della controversia
è determinata dal giudice in base alla entità e qualità dei fatti controversi, o comunque
da provare, e alle esigenze di trattazione” (CARPI, Frederico. Op. cit., p. 1298).
 
144. PISANI, Andrea Proto. Per un nuovo Codice di Procedura Civile – Libro Primo. RePro
188/207-208.
 
145. Idem, p. 205-252. ______. Per un nuovo Codice di Procedura Civile – Libro
Secondo. RePro 189/204-205.

Você também pode gostar