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Abstract: Final report about the reform of the evidence law in the Brazilian Civil
Procedure context, derived from the work developed by the research group "Procedure
Reforms Observatory", at the Law Faculty of Rio de Janeiro State University, with a
legislative proposal and external contributions of the public discussion.
Sumário:
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Resultados da Pesquisa
O estudo sobre o Direito Probatório neste Anteprojeto tem início pelo tratamento de
algumas questões essenciais, quais sejam: (1) o objeto 6-7-8 da prova;9 (2) a finalidade10-
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da prova;12 (3) os meios de prova; 13-14 (4) os direitos e deveres das partes quanto à
prova; e, (5) os direitos e deveres de terceiros em relação à prova; todas elas tratadas
nos 8 (oito) artigos iniciais do texto, naquilo que restou definido como “Disposições
Gerais”.
Isso porque, como é cediço, o Direito Processual passa atualmente por profundas
transformações, estando, como asseveram Carlos Alberto Alvaro de Oliveira 15e Daniel
Francisco Mitidiero,16 em uma “quarta fase metodológica”, na qual o instrumentalismo
avança para o formalismo-valorativo,17 em que há o aprimoramento das relações entre
processo e Constituição, deixando-se, aquele, de atender aos ditames frios das leis para
ceder espaço às exigências do devido processo constitucional, não parece haver lugar
para formalismos vazios, utilização de expedientes burocráticos, prática de chicanas e
artimanhas processuais, emprego de “técnicas” duvidosas voltadas à procrastinação da
lide e do próprio direito que, claramente, outrem possui.
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Resultados da Pesquisa
Não se permite, dessa feita, que o processo sirva como instrumento de dificuldade ou
entrave à satisfação do direito material, através do manejo, por um causídico mais bem
preparado,20 de expedientes obscuros e de pouca ou nenhuma valia para a solução do
conflito das partes posto sob análise.
O processo não pode mais ser visto como um jogo, 21 no qual as partes, seus
procuradores, os julgadores e todos os demais sujeitos da relação apresentem
desconfianças mútuas e individualismos injustificados, a pretexto de melhor atender aos
interesses individuais.
Como bem alertou Luigi Paolo Comoglio, 22 ao fazer menção a James Goldschimidt, o
processo não é um instrumento amoral, e deve, certamente, tomar por consideração não
só a atuação de cada um de seus atores mas, e principalmente, o respeito à boa-fé
objetivamente considerada.23
O processo, assim, não pode ser um palco de horrores, no qual tudo seria permitido a
fim de que aquele litigante mais hábil, mais perspicaz ou até mesmo mais ardiloso saísse
vitorioso; não pode, nos dias atuais, ser entendido como coisa das partes, como meio
privado.
As funções fundamentais do processo de (1) dirimir conflitos, de (2) fazer atuar a tutela
jurisdicional e, principalmente, de (3) mecanismo de concretização de direitos, tornam-
no res publica, a qual não pode ser deixada, livremente, ao talante das partes.
Não mais se tolera que as regras desse jogo sejam utilizadas ao bel-prazer dos seus
operadores, sem que se sejam respeitadas as garantias e, principalmente, para o que
nos interessa, o fair play processual:24 só assim se pode falar em processo justo.25
Nessa toada, e como não poderia ser diferente, como assevera José Rogério Cruz e
Tucci,26 o Direito Probatório se insere, sendo imperiosas mudanças legislativas que
pudessem abarcar todas essas premissas.27
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Resultados da Pesquisa
autos apartados, sem prejuízo do andamento regular do feito (art. 6.º, § 5.º);
viii) produção antecipada de provas que se afigure extremamente custosa para a parte
contrária somente pode ser deferida se houver justificativa pertinente, sob pena de
violação à boa-fé; (art. 12, § 1.º)
Especificamente quanto aos dispositivos, vê-se que, em seu art. 1.º, o Anteprojeto
delineia no caput o núcleo do objeto da prova, qual seja, “a investigação racional dos
fatos29 relevantes para o descobrimento da verdade 30-31-32 necessária ao exame e
decisão da causa, bem como das questões preliminares, prejudiciais e de todos os seus
incidentes”.
2) a possibilidade da qualificação jurídica dos fatos, bem como o conteúdo das normas
jurídicas, serem objeto de prova (§ 2.º);
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Resultados da Pesquisa
A investigação probatória no processo não pode ser direcionada a todo e qualquer fato,
seja pela impossibilidade técnica ou fática, seja pela desnecessidade para a sua
utilização em Juízo para a solução ou prevenção de um litígio, mas deve se restringir aos
fatos relevantes tanto para o exame da causa, quanto para a sua decisão.
Assim sendo, serão abrangidos pela investigação probatória os fatos relevantes para
exame e decisão das questões preliminares, das questões prejudiciais e dos incidentes
processuais.
Os fatos relevantes encontram-se definidos no § 1.º do art. 1.º como sendo “todos
aqueles dos quais as partes possam extrair alguma consequência jurídica em seu favor,
assim como os que sirvam para extrair alguma ilação sobre a sua existência ou sobre as
regras de experiência aplicáveis ao caso.”
Tal definição traduz a expectativa de que a prova processual se dirija à efetiva solução
do conflito existente entre as partes, deslocando-se da visão atualmente consagrada na
jurisprudência e em boa parte da doutrina de que ela se destinaria apenas ao
convencimento do magistrado, para atingir a ideia de que a prova processual é
instrumento para a realização do processo justo, 43 mediante o respeito aos direitos e
garantias, bem como o cumprimento dos deveres materiais e processuais, de modo que
a prova também reflete a participação das partes no – e pelo – processo.
Poderão constituir fatos relevantes como objeto de prova, nos termos propostos pelo §
2.º do art. 1.º, ainda: “a qualificação jurídica dos fatos” ou o “conteúdo das normas,
sempre que o conhecimento da vida real puder influenciar a determinação do campo de
aplicação da norma ou a sua compreensão”.
Caso o juiz revele não ter conhecimento (já que, se tiver, deverá levá-lo ao processo),
será objeto de prova o teor ou conteúdo e a vigência de direito municipal; 44 direito
distrital; direito estrangeiro;45-46 direito consuetudinário;47 norma jurídica que preveja
direito decorrente de fato determinado; e, norma jurídica que preveja dever decorrente
de fato determinado, tudo nos termos da § 3.º do art. 1.º.
Sobre tal dispositivo, cumpre observar que, após observações de Eduardo Cambi, o
grupo debateu duas questões: a uma, se seria ou não importante estabelecer uma
diferenciação, no que se refere ao direito estrangeiro, acerca dos tratados
internacionais; a duas, acerca da expressão “se deles revelar ter conhecimento”, que se
remete ao iura novit curia.
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Resultados da Pesquisa
Quanto ao segundo ponto, a expressão “se deles revelar ter conhecimento” foi
desenvolvida e incorporada ao texto do art. 1.º, § 3.º, em acolhimento à crítica de
Eduardo Cambi, que, com muita propriedade, demonstrou que o texto anterior 48 não
deixava clara a ideia que o Anteprojeto gostaria de passar, ou seja, a de que o
magistrado, tendo ciência de determinada norma de direito municipal, estadual, distrital,
estrangeiro ou consuetudinário, trouxesse aos autos seu conhecimento particular, em
respeito ao dever de esclarecimento integrante do princípio da colaboração acima
mencionado, desde que, obviamente, o fizesse mediante contraditório prévio e efetivo.
Há, nesse ponto, expressa preocupação em evitar, mesmo para matérias de direito, o
aparecimento de decisões-surpresa ou de “terceira via”.49
2. Meios de prova. O art. 2.º versa sobre os meios de prova, 50 absorvendo a noção da
sua maior abrangência, com uma visão expansiva à luz do quadro atual, sendo
respeitadas, como exceções, apenas:
1) a dignidade humana;
2) os direitos fundamentais;
3) o segredo de Estado;
Admitiu, ainda, o Anteprojeto, que os indícios dos fatos relevantes possam ser provados
por quaisquer meios, havendo previsão expressa de que “a sua força probante será
livremente apreciada pelo juiz em conjunto com as demais provas”, sendo relevante a
análise do art. 17 do Anteprojeto, diretamente relacionado ao tema.
Quanto à valoração dos indícios, o Anteprojeto determina que o “o juiz aplicará as regras
de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece,
considerando, sempre que possível, o grau de probabilidade 52 ou a margem de erro
definidos em estudos científicos de reconhecida reputação”, nos termos do art. 3.º, §
1.º.
Vale dizer que, a despeito das considerações tecidas por Eduardo Cambi relativas à
carga probatória dos indícios, o Anteprojeto optou por não adotar as premissas do direito
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Resultados da Pesquisa
Resta considerar, ainda, que o Anteprojeto houve por rejeitar a existência, per si, de um
novo meio de provas decorrente da conduta processual das partes, diferentemente do
que ocorre, por exemplo, no art. 241 do CPC colombiano, recentemente modificado pela
Ley 1.564/2012, com vigor em 01.01.2014, 54 e que é defendido, dentre outros, por
Eduardo Cambi.55 Essa posição, se adotada, pareceu ao Anteprojeto uma exacerbação do
dever de lealdade, de completude e de coerência, que poderiam transformar o processo
em um jogo de espertezas completamente imprevisível.
Exatamente por isso é que, amparado nas premissas básicas de um processo justo, o
Anteprojeto estabelece, em seu art. 3.º, § 2.º, que “quaisquer ilações sobre a existência
de fatos relevantes que possam ser extraídas das ações ou omissões das partes serão
submetidas previamente à sua manifestação”, ressalvado apenas o constante do art. 56
do Anteprojeto, a fim de que a parte tenha a oportunidade de vir aos autos para
esclarecer, retificar ou até mesmo ratificar determinada atitude anterior.
Noutro sentido, o Anteprojeto disciplina as presunções 57-58 no art. 4.º, ditando que
deverão ser “avaliadas em conformidade com a sua verossimilhança e em conjunto com
as demais provas”, mas deixando claro, no parágrafo único deste mesmo dispositivo,
que “ainda que as presunções lhe sejam favoráveis, a parte tem o direito de produzir
outras provas para a comprovação efetiva dos direitos alegados”.
Importante esclarecer que a redação final do parágrafo único do art. 4.º do Anteprojeto
se deve, em boa parte, às sugestões e críticas elaboradas por Miguel Teixeira de Sousa e
seus alunos do curso de Doutoramento na Faculdade de Direito de Lisboa que, após
exposição realizada por um dos autores dessas justificativas, ainda em meados de março
de 2014, observaram que o texto anterior não refletia, com exatidão, o que se
pretendia.59
3. Deveres das partes e de terceiros. O art. 5.º, por seu turno, inova em sede probatória
ao propor um alcance subjetivo amplo em relação aos que devem colaborar, entre si e
com o Poder Judiciário, para o descobrimento da verdade, 60 abrangendo “todas as
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Resultados da Pesquisa
6.º) não praticar atos, comissiva ou omissivamente, que saibam serem contrários à
verdade dos fatos;
7.º) não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou
defesa de direito;
8.º) não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso;
9.º) praticar os atos que lhes forem determinados e permitir, na sua esfera pessoal ou
de domínio, a sua prática;
10.º) permitir, na sua esfera pessoal ou de domínio, a sua prática dos atos que lhes
forem determinados.
No art. 6.º, em que são definidos os deveres das partes, foram reunidas algumas
obrigações já previstas no CPC/1973, mas que lá se mostram de forma dispersa,
mantendo-se por vezes a mesma redação (v.g., art. 14, I, II, IV; art. 340, I e III), e, em
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Resultados da Pesquisa
Assim, não se exige que a parte, deliberadamente, traga aos autos provas que lhe sejam
desfavoráveis, até mesmo porque, tal regra, se adotada, contrariaria as máximas de
experiência e o senso comum, e fariam com que o Anteprojeto se distanciasse da
realidade, tornando-se mera carta de boas intenções; exige-se, por outro lado, que tais
provas sejam apresentadas se houver solicitação, quer ex officio, quer mediante
requerimento da parte contrária regularmente deferido pelo juiz.
Em seu § 1.º, o art. 6.º comina, para a infração do disposto em seus incisos, (salvo se
não houver sanção mais grave prevista em norma específica), multa cujo teto é o do
valor da causa, facultando-se ao interessado a promoção de execução imediata em autos
apartados, a qual permite, a um só tempo, que o improbus litigator se veja efetivamente
pressionado pela sanção que lhe foi atribuída, além de evitar dilações processuais
indevidas, que poderiam, como ocorre atualmente, gerar atrasos à marcha processual.
Cumpre frisar que, por sugestão de Vicente Greco Filho, restou estabelecida,
expressamente, a parte contrária como destinatária dessa multa, vez que, embora esse
tenha sido, desde o início, o intento do anteprojeto, a redação original não o deixava
transparecer, de modo claro.
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Resultados da Pesquisa
Nessa mesma toada, caso necessário, os §§ 1.º e 2.º do art. 6.º permitem a presunção
de veracidade do fato a que prova omitida visava a demonstrar e a utilização dos meios
coercitivos que forem possíveis para a obtenção do resultado almejado.
Vale dizer, inclusive, que, em acolhimento às críticas e sugestões tecidas por Flávio Luiz
Yarshell, nas hipóteses previstas nos incs. I, II, III, parte final, e IX, parte final, as
sanções previstas no art. 1.º (notadamente a pecuniária) poderão ser afastadas se,
exatamente por força dessa presunção de veracidade que a prova omitida visava a
demonstrar e das demais provas produzidas, for possível proferir decisão desfavorável à
parte infratora.
Tal posição deixa clara a posição acessória das sanções previstas no art. 6.º do
anteprojeto, as quais, longe de constituírem um fim em si mesmo, têm a função de
incentivar (e punir a falta de) a colaboração processual.
Aliás, e para demonstrar a transposição entre as figuras do ônus das partes para os seus
deveres, o § 3.º do art. 6.º adota, de modo expresso, o dever de advertência do juiz, a
fim de que, “sempre que possível, o juiz, antes de aplicar as sanções previstas no § 1.º,
advertirá a parte dos riscos de sua conduta, facultando-lhe retificá-la em benefício da
restauração da observância dos deveres constantes deste artigo”.
Ademais, o § 5.º do art. 6.º, ao reconhecer a multa retrocitada como título executivo
judicial, facilita a sua cobrança (porquanto diminui, como decorre dos atuais arts. 475-L
e 475-M, do CPC, a possibilidade de defesa do executado), e denota a importância que o
Anteprojeto atribuiu ao respeito à boa-fé.
Outra inovação trazida pelo § 6.º do art. 6.º diz respeito à solução definitiva acerca da
confusão ainda existente quanto às sanções processuais e as
custas/preparos/emolumentos.
Isso porque, lamentavelmente, não é incomum que a assistência judiciária gratuita e/ou
demais isenções legais69 sirvam como verdadeiro escudo ou salvo-conduto para a prática
de atos contrários à boa-fé processual.70-71
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Como, infelizmente, a práxis forense, alimentada pela jurisprudência, não tem adotado
fielmente a regra de que o valor atribuído à causa deve corresponder ao benefício
econômico pretendido, tem sido muito comum, notadamente em ações indenizatórias, a
fixação de montantes ínfimos às demandas, os quais, se tomados em conta para a
condenação das sanções processuais, poderiam ensejar multas irrisórias e que não
serviriam à prevenção/repressão para as quais essas foram criadas, situação que
também se repetiria no caso de demandas com valores inestimáveis; assim, adotou-se,
nesses casos, a possibilidade de o juiz afastar os parâmetros do valor à causa e adotar
valor pecuniário não excedente a dez salários mínimos (§ 7.º).
Nos incs. do art. 7.º do anteprojeto são previstos os deveres processuais probatórios de
qualquer outro sujeito do processo, a saber:
1.º) informar ao juiz, quando por este solicitado, os fatos e as circunstâncias de que
tenha conhecimento;
4.º) praticar o ato que lhe for determinado e permitir, na sua esfera pessoal ou de
domínio, a sua prática.
Isso porque, nos tempos de hoje, inviável se afigura uma demanda na qual tudo se
justificaria para a obtenção da vitória ou para o adiamento ad eternum da derrota
inevitável.77
Tanto o é que a violação, por esses outros sujeitos do processo, dos deveres
processuais, importa as mesmas sanções descritas no art. 6.º, salvo, por óbvio, a
presunção de veracidade disciplinada no § 1.º.
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Especificamente quanto aos juízes,78 dada a sua relevância para a condução do processo,
entendeu o Anteprojeto ser pertinente estabelecer, no art. 9.º, que a falta de
cumprimentos dos deveres de lealdade impostos pela lei “acarretará responsabilidade
disciplinar e avaliação negativa de desempenho para fins de estágio confirmatório,
promoção e remoção, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, assim como
responsabilidade civil do Estado, se dele decorrer prejuízo à apuração da verdade, ao
contraditório, à ampla defesa ou à duração razoável do processo”.
Vale dizer: assim como asseverou, ainda na década de 80, o monografista português
Fernando Luso Soares,79 o anteprojeto trabalha com a noção de que também os juízes
têm deveres processuais, os quais, por si, podem ser subdivididos em “gerais”, que
“impendem sobre toda e qualquer pessoa que intervenha no processo”, e os
“específicos”, que “respeitam somente àquele que está investido na categoria ou função
em atenção ao qual o dever foi estatuído pela lei”.
Pontes de Miranda,81 por seu turno, já em 1947 asseverava que havia, para o juiz, o
“dever formal de obrar”, o qual seria “tão forte que, de todos os funcionários do Estado,
o juiz, aparentemente mais tranquilo e inerte, é aquele de quem se pode dizer estar
condenado à atividade”. Tanto o é que, continua Pontes de Miranda, a “lei pune-o por
parar, por suspender ou retardar atos e diligências, marca-lhe horas certas, prazos
restritos, poda-lhe convicções individuais, força-o a mover-se, na sua atuação
profissional, por entre linhas que textos miúdos lhe traçam”.
Vale frisar: o anteprojeto opta por ser mais minucioso, ao dizer que o descumprimento
dos deveres judiciais que acarrete “prejuízo à apuração da verdade, ao contraditório, à
ampla defesa ou à duração razoável do processo” será passível de punição, medida essa
que não se encontra, pelo menos diretamente, contida no art. 49 da Loman, e nem
mesmo no art. 133 do CPC/1973.
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Por fim, com o objetivo de manter a unidade do sistema processual, o art. 8.º do
Anteprojeto estabelece que são aplicáveis aos meios coercitivos a que se referem os art.
6.º e 7.º as disposições relativas à tutela específica, no que couber de acordo com os
objetivos e finalidades do sistema processual probatório civil.
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Assim, entendendo que o juiz não deve ser o instrutor principal do feito, 87 o Anteprojeto
define como subsidiária a sua iniciativa probatória, circunscrevendo-a a hipóteses
precisas, para que, a qualquer tempo, as partes e os tribunais superiores possam aferir
se ela é exercida com um fundamento justificável ou se desborda para esfera que deve
ficar reservada à autonomia das partes. Essa iniciativa fica limitada às hipóteses em que
o direito posto em causa seja de natureza indisponível (art. 11, I); 88 quando houver
necessidade coibir a prática de simulação, falsidade ou fraude (art. 11, II); para suprir a
deficiência de iniciativa probatória da parte que não se encontre comprovadamente em
condições favoráveis de propor ou produzir as provas de seu interesse (art. 11, III); e
para submeter ao indispensável contraditório fatos e provas cujo conhecimento o juiz
tenha adquirido fora do processo (art. 11, IV).
Aliás, é preciso dar destaque ao zelo do Anteprojeto no que concerne ao juízo probatório
envolvendo direitos indisponíveis, no qual não incide a presunção de veracidade ligada
aos fatos notórios e fatos incontroversos (art. 15, § 2.º); se impede a distribuição
convencional quanto ao ônus da prova (art. 13); bem como se permite a iniciativa
probatória subsidiária do julgador (art. 11, I); dentre outras regras específicas (arts. 23,
§ 2.º, I; 24, § 1.º, in fine; 53, § 2.º; 66, § 1.º).
Também merece destaque a disposição que confere ao juiz uma iniciativa de caráter
assistencial exigida pela paridade de armas em favor da parte que comprovadamente
não se encontrar em condições favoráveis de propor ou produzir provas (art. 11, III).
Essa situação de desvantagem pode decorrer de múltiplos fatores, como a
hipossuficiência econômica, social ou cultural, a ausência de um procurador livremente
escolhido pela parte ou ainda outros que caberá ao juiz avaliar. 90 Para que esse
dispositivo não se torne uma porta aberta à iniciativa judicial totalmente arbitrária, o
texto exige que a situação de desvantagem esteja devidamente comprovada, o que o
juiz deverá evidenciar no ato em que determinar a produção ex officio da prova.
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De qualquer modo, antes do exercício da iniciativa oficial, deverá o juiz fazer uso do
dever de consulta ou de advertência (§ 2.º), porque, em benefício da preservação da
sua imparcialidade e do respeito à esfera de liberdade dos litigantes, sempre será
preferível que a prova seja requerida e produzida por iniciativa de um dos interessados.
A menção reiterada ao dever de consulta (arts. 10, § 1.º; 11, § 2.º; 18 § 5.º) reforça a
postura colaborativa imposta ao juiz, 91 pois o debate das questões afetas ao processo,
sem decisões de surpresa, contribuirá, em verdade e adicionalmente, para reforçar a
confiança das partes no julgador, 92 em acréscimo útil e nada supérfluo para o deslinde
da causa.93
Como os próprios litigantes, também o juiz tem o dever, no exercício da sua iniciativa,
de precisar os fatos que pretende comprovar com as provas cuja produção determinar (§
5.º).
Há, portanto, um verdadeiro dever de atuação ex officio do julgador, diante dos limites
definidos pela lei e das circunstâncias da causa, 96 igualmente evidenciado pela
possibilidade de determinação de produção de provas a qualquer tempo, ainda que antes
inadmitidas, desde que haja motivo que a justifique (§ 4.º) e sem sujeição à preclusão
(§ 3.º),97 o que é repetido pelo Anteprojeto em vários outros dispositivos (arts. 57, §
2.º, 116, 136, § 3.º, 140 e 142).
Tal critério, do interesse,98 traduz a pauta do Anteprojeto (art. 12), de modo a prescindir
o dispositivo de maior especificidade. A ressalva é quanto aos litígios que versem sobre a
validade do ato administrativo, incumbindo ao Estado o ônus da prova da sua
causalidade adequada (art. 14). Nestes termos, mantém-se a distribuição fixa do ônus
da prova: incumbirá este à parte que tiver interesse (se beneficie) no reconhecimento do
fato a ser demonstrado.
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pelos dois critérios da facilidade de sua produção e da menor onerosidade (art. 12, §
1.º)99 – sem distinção quanto ao beneficiário consumidor (Lei 8.078/1990, art. 6.º, VIII)
–, fazendo ressalva da proibição de que a reversão imponha encargo probatório de
produção impossível, também chamada de probatio diabolica reversa, ou comprometa a
paridade de armas (art. 12, § 2.º, in fine).
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reduzindo os riscos da “falsa ciência” (art. 121, § 6.º, e 139, parágrafo único).
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Porém, ao mesmo passo em que se admitem todos os meios de prova, inclusive atípicos,
desde que lícitos, para o esclarecimento dos fatos, o Código de Processo Civil de 1973,
por vezes, proíbe expressamente as provas cuja credibilidade seja duvidosa. 111 Há um
profundo paradoxo nesta constatação, na medida em que o direito à prova e o livre
convencimento112 não podem ser invocados para restringir a busca da verdade com
fundamento na ausência presumida de credibilidade das provas.
As limitações impostas sob este argumento são justificadas por uma visão
preconceituosa de determinadas fontes de prova, 113 o que, sem dúvida, revela um juízo
prévio e abstrato de valoração dos elementos probatórios que delas se possam extrair.
Noutras palavras, a lei parte da premissa de que algumas fontes não merecem sequer
ser conhecidas, dada a “ausência de credibilidade” das informações que delas provirão.
Nesta perspectiva, há inegável confusão entre os princípios que permeiam o plano da
admissibilidade (liberdade dos meios de prova) e o plano da valoração das provas (livre
convencimento).
É certo que, muitas vezes, as restrições impostas pela lei são fundadas em máximas da
experiência e prestam-se, em grande medida, a suprir as deficiências humanas na
apreciação dos fatos, permitindo que as decisões respeitem os valores e concepções
dominantes na sociedade.114
Porém, a imposição de tais restrições pode constituir uma ingerência exagerada da lei
sobre a formação do convencimento do juiz; isso ocorrerá quando não se puder
vislumbrar razoabilidade na restrição do material probatório fundada no juízo abstrato de
ausência de credibilidade. Nestes casos, as restrições impostas em lei devem ser
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O Capítulo III do Título I do Anteprojeto busca, sob esta ótica, extirpar as regras que
estabelecem a inadmissibilidade das provas suspeitas, sejam elas fundadas na
marginalização de determinados meios de prova (a exemplo de provas orais e
presunções), ou num juízo legal amparado em generalizações (como a suspeição ou
impedimento de testemunhas em razão de parentesco ou amizade). Defende-se a
utilização destas generalizações legais como diretrizes para a apreciação destas provas,
que deve ser livremente procedida pelo juiz, de acordo com parâmetros racionais, o que
é reforçado no § 2.º do art. 19.
O texto deste inc. I do § 1.º busca advertir contra limitações ao depoimento pessoal
que, embora não tenham previsão legal expressa, resultam de práticas derivadas de
uma interpretação equivocada da legislação vigente. Restrições como a proibição à parte
de requerimento do próprio depoimento pessoal, a vedação às reperguntas pelo
advogado do depoente e a ineficácia do depoimento da parte para produzir prova em seu
favor enquadram-se nesta situação. A interpretação literal das normas sobre o
depoimento pessoal presentes no Código de Processo Civil 118 vigente e, também, a
suposta finalidade de confissão deste depoimento são verificadas na jurisprudência mais
ortodoxa, de acordo com a qual “não cabe à parte requerer seu próprio depoimento
pessoal” uma vez que, “segundo determinação do art. 343 do CPC, compete a cada
parte requerer o depoimento pessoal da outra”.119-120
Esta regra tem caráter eminentemente pedagógico e visa chamar a atenção para o fato
de que o critério do interesse na causa é útil para valorar a credibilidade para o
depoente, mas não é o único, e não deve sequer servir como limitação à admissibilidade
e à forma de produção da prova. Ao conferir aos elementos probatórios extraídos do
depoimento pessoal valor inferior àquele atribuído ao depoimento de terceiros
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Seguindo a mesma linha, estes dispositivos atentam para o fato de que a suposta
suficiência da prova documental, bem como a existência de confissão ou de prova
pericial sobre determinado fato, não podem inibir a produção de prova em sentido
contrário, sob pena de cerceamento de defesa.129
Assim, mesmo que o fato esteja documentalmente demonstrado, v.g., pelo autor, não
poderá o juiz deixar de deferir a prova testemunhal ou indiciária tendente a corroborar a
tese fática oposta, fornecida pelo réu.130 Com maior razão, estes meios de prova não
poderão ser indeferidos por já existirem documentos comprobatórios nos autos,
mormente quando tais documentos não bastem à demonstração do fato probante.131
A ruptura do dogma de que os fatos confessados não precisam ser provados revelou-se
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O inc. III do § 1.º do art. 19 segue a mesma linha de raciocínio das regras mencionadas,
autorizando o juiz a valorar livremente os elementos obtidos por meios de prova
diversos daqueles estipulados contratualmente. O objetivo da regra é reforçar a
impossibilidade de se estabelecerem limitações legais ou convencionais à admissão da
prova.
O inc. V do aludido dispositivo busca superar a ideia de que a confissão extrajudicial tem
eficácia equivalente à da confissão judicial. Neste particular, reforça-se a regra prevista
no inc. II, que relativiza a eficácia, antes tida como absoluta, da confissão e, ao mesmo
tempo, permite-se ao juiz analisar as especificidades da confissão obtida fora do
processo. Isso deve ocorrer especialmente quando haja controvérsia no processo acerca
do fato confessado, ou seja, quando a parte não mais sustente admissão do fato
confessado como verdadeiro. Como assevera Leonardo Greco, a máxima da experiência
comum em que se fundou esta regra, de que “quem confessa por escrito ao próprio
beneficiário, quer colocá-lo em posição de vantagem em qualquer futura demanda
judicial”, não mais subsiste.133 Contemporaneamente, prossegue o autor, existem na
sociedade muitas relações de dominação e, com isso, “pessoas que se encontram em
posição de vantagem impõem facilmente a sua vontade”; “aqueles que com elas
negociam se sentem induzidos a confessar fatos desfavoráveis para com elas manter
negócios” e “o mais fraco é induzido a uma confissão extrajudicial, porque dela depende
um benefício imediato (….”134 Sobressai, neste ponto, a importância da persuasão livre e
racional do juiz na valoração da confissão.
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É certo que o direito a um processo sem dilações indevidas integra o próprio direito ao
“processo justo”, sendo considerado, como relembra Leonardo Greco, a partir da lição de
Luigi Paolo Comoglio, como uma de suas “garantias estruturais”. 137 Um processo, para
ser devido, deve ser, cumulativamente, público, paritário, adequado, leal, efetivo e
tempestivo.138 De nada ou pouco vale “dar a cada um o que é seu” com anos e anos de
atraso, pelo que, como se sabe, justiça atrasada é manifesta injustiça.
A despeito disso, como já salientamos, 139 há que se analisar que o processo, como meio
de efetivação de direitos e garantias, não pode ser “fulminante”. Celeridade é
indispensável, mas ela deve encontrar limite no garantismo. Afinal, como bem observou
Fredie Didier Júnior,140 o direito à demora é uma conquista de dois mil anos e não pode
ser afastado. Pelo mesmo caminho envereda Leonardo Greco, 141 que ressalta que o
processo deve ter o tempo suficiente para permitir, às partes, e à própria sociedade, a
efetivação do direito de defesa, dos recursos, da produção de provas, da colaboração e
alegações em juízo. Os processos da Inquisição, totalmente distintos do padrão
democrático atual, eram breves, alguns brevíssimos, e ninguém ousaria dizer que eram
devidos. Do mesmo modo, e até mesmo pela infeliz organização que hoje detêm
algumas forças criminosas, os “processos” de julgamento dos inimigos são céleres e
eficazes, porém diametralmente oposto daquilo que pode ser considerado devido.
Não se pode, como José Carlos Barbosa Moreira ressalta, acreditar no “mito da
celeridade” como panaceia para todos os problemas do processo. A rapidez não é o valor
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Assim, admitiu o Anteprojeto, desta feita, que embora se prestigie o art. 5.º, LXXVIII, da
CF/1988, não são os momentos destinados à descoberta da verdade os responsáveis
pela morosidade processual, mas os chamados “tempos mortos”, 143 os quais devem,
efetivamente, ser combatidos.
Tanto é verdade que, como se observa no art. 20, IV, do Anteprojeto, há possibilidade
expressa de reabertura do requerimento probatório, quando, após a produção das
provas regularmente requeridas e produzidas (art. 56), ainda pairar controvérsia ou
indefinição acerca de determinado fato. Consagra-se, ainda, a produção de prova
tardiamente requerida, mesmo que não se respeite o calendário processual (art. 53, IV),
se demonstrado o motivo legítimo à sua produção.
Quanto às provas novas, adotou o Anteprojeto a lição de José Carlos Barbosa Moreira, 145
que entende que podem ser assim consideradas não só aquelas relativas aos fatos
supervenientes, mas também as que tiveram conhecimento, acessibilidade ou
disponibilidade posterior, observada, necessariamente, nesses casos, a boa-fé (art. 6.º
do Anteprojeto).
Neste prisma, a lei exige a anuência da parte contrária para que tal desistência seja
deferida, partindo-se, mais uma vez, da premissa de que, uma vez requerida, a prova
adere ao processo, pertencendo não mais às partes, mas a todos os seus destinatários,
em especial aos sujeitos diretamente interessados no seu resultado.
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Até então, o atual Código de Processo Civil e até mesmo as legislações referentes ao
procedimento administrativo não regularam, com a devida adequação, as questões
atinentes ao segredo de Estado e as escusas baseadas na privacidade e não
autoincriminação.
Se por um lado temos uma enriquecida doutrina acerca da proteção à garantia da não
autoincriminação no Direito Processual Penal, conferindo-se contornos quase absolutos,
o mesmo desvelo não é encontrado nos demais ramos do Direito Processual. Não se
verifica a reflexão de até que ponto a garantia do silêncio como meio de não
autoincriminação pode ser utilizada nas causas privadas.
Falar em limitação probatória não quer dizer limitação quanto à produção probatória.
Aqui, estamos lidando com regras processuais que impedem o acesso a determinados
documentos, às declarações dos interessados, por questões íntimas de seus titulares.
Não se trata, portanto, de discutir a aptidão das partes para a produção probatória, uma
vez que o referido tema é objeto do capítulo atinente ao ônus da prova.
A descoberta da verdade parte como premissa chave do presente Anteprojeto, uma vez
que o acesso ao direito sem que o ordenamento jurídico proporcione meios para tal
mister, simplesmente tornaria obsoleto o sistema judicial.148
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Assim, o dispositivo estabelece cinco hipóteses em que será admissível essa limitação, a
saber: I – na proibição de produção de provas ilícitas; II – na exigência do registro ou do
instrumento público como prova legal de determinados fatos, como os relativos à vida
civil, para preservação da segurança jurídica; III – nas escusas de depor, de exibir e de
informar fundadas na privacidade; IV – na proibição de acesso a documentos e
informações acobertados pelo segredo de Estado; e V – na preservação do sigilo
religioso ou profissional.
Opta-se por estabelecer um conceito bem amplo de prova ilícita, não apenas para
aquelas produzidas em desacordo com direitos fundamentais, mas também alcançando
qualquer violação aos postulados estabelecidos no próprio anteprojeto, a exemplo do
segredo de Estado, o qual goza de proteção no Anteprojeto, bem como no sigilo
profissional ou liberdade de consciência e crença, temas também regulados pelo
Anteprojeto, fugindo-se da classificação adotada pelo art. 157 do CPP.
O Anteprojeto, ao tratar das provas ilegais, abrange as espécies de (1) prova ilícita
stricto sensu (prova vedada pela ordem jurídica vigente) e (2) prova obtida por meio
ilícito (prova obtida por meio em desacordo com a ordem jurídica vigente, também
classificada como prova ilegítima), deixando claro que tal matéria possui natureza de
questão processual de ordem pública e que, por isso, pode e deve ser conhecida a
qualquer tempo e grau de jurisdição, embora muitas vezes deva ser admitida (v. art. 23
do Anteprojeto).
Neste contexto, devemos seguir a linha de raciocínio que permita concluir que a ilicitude
possa ser conhecida ex officio,149 inclusive, pelos Tribunais Superiores em sede de
recursos especial e/ou extraordinário, independente de prequestionamento, por ser
matéria de ordem pública, decorrente da garantia constitucional da inadmissibilidade das
provas obtidas por meios ilícitos (art. 5.º, LVI, da CF/1988).
Tal se justifica, pois, se o texto constitucional 150 garante que não podem ser utilizadas
provas obtidas por meios ilícitos151 (ilicitude quanto ao meio de produção da prova), com
muito mais razão há de se garantir o direito de não serem utilizadas as provas ilícitas,
mesmo que produzidas licitamente, porquanto é incontroverso que tanto a ilicitude
quanto ao meio de prova, quanto a ilicitude da própria prova são combatidas pelo
ordenamento jurídico brasileiro.
Não há como negar que os olhos dos juristas se voltam para o tema da ilicitude da prova
sob a vertente processual penal. Isto se dá pelo fato de o processo penal apresentar
contornos diversos ao processo civil, principalmente no que toca aos interesses das
partes em litígio.
A tutela penal tem a característica peculiar de que o interesse do autor da ação penal,
rectius – Estado, é o da apuração do fato criminoso, pouco importando que o resultado
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No entanto, o Estado é o primeiro que não pode fugir das amarras das normas
constitucionais e processuais, daí o porquê de se reforçar a invalidade das provas
produzidas por meios ilícitos. Não sendo possível ao autor da ação penal comprovar os
elementos da conduta criminosa, outro caminho não resta senão a absolvição, podendo
o próprio Ministério Público opinar neste sentido.
É por esta razão que o Anteprojeto, de forma inédita, busca incorporar ao Código de
Processo Civil, a normatividade da proibição das provas ilícitas, criando exceções
próprias, consentâneas às suas características, não obstante ser possível reconhecer que
este ramo do direito processual tutele direitos tão importantes quanto o direito à
liberdade tutelado pelo processo penal.
O Anteprojeto buscou prestigiar a teoria da ilicitude por derivação, sempre que outras
provas venham ser produzidas a partir daquela produzida em desrespeito aos direitos
fundamentais, na forma do § 1.º do art. 23.
Aqui, nenhuma novidade há, uma vez que o estudo do processo penal já analisa há
décadas a teoria da ilicitude por derivação, baseada na teoria norte-americana dos fruits
of the poisonous tree, de modo a justificar a invalidade de todas as provas que se
derivem de uma origem ilícita.152
A despeito disso, o Anteprojeto inova ao admitir que a vedação de prova ilícita ou obtida
por meio ilícito154 não mais pode ser considerada absoluta, podendo, em casos
excepcionais, ser objeto de juízos de ponderação (pela utilização dos juízos de
proporcionalidade ou razoabilidade) com base nos interesses envolvidos na causa.
Ademais, o § 2.º do art. 23 contempla regra que permite a admissão de prova ilícita na
hipótese de concordância expressa do titular do direito violado, desde que: 1 – a prova
não se destine a demonstrar fato que decorra o sacrifício de um direito indisponível (inc.
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I); 2 – não seja utilizada como instrumento de simulação, falsidade ou fraude (inc. II); 3
– não contrarie o disposto no art. 24 do Anteprojeto (inc. III).
Ressalta-se, porém, que a eventual admissão desta prova ilícita não modificará a sua
natureza, nem a natureza da sua forma de produção ou aquisição, pois “não exclui a sua
ilicitude para todos os demais efeitos” (art. 23, § 3.º, parte final).
Para este caso o Anteprojeto propõe um sistema probatório especial para admissão,
utilização e inutilização da prova ilícita ou obtida por meio ilícito, nos termos dos §§ 2.º e
ss. do art. 23, a saber:
1.º – a prova só poderá ser admitida para determinado caso, diante de ponderação de
interesses ou direitos fundamentais;
2.º – sendo admitida, a prova deverá ser desentranhada e inutilizada, de imediato, após
o trânsito em julgado da decisão final da causa, permanecendo nos autos somente o
registro documental constante da decisão final (§ 4.º do art. 23);
3.º – não sendo admitida a prova ilícita (§ 5.º do art. 23): deverá ser inutilizada de
imediato após a preclusão da decisão que indeferir a admissão, exceto se alguém
demonstrar que tem direito de conservá-la, caso em que a prova deverá ser
desentranhada e entregue a esta pessoa, com o devido registro da entrega nos autos.
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Enquanto o direito processual penal admite a mentira 157 como recurso válido ao exercício
de defesa, o mesmo não pode ser encarado no processo civil em razão da imposição do
dever de boa-fé e lealdade das partes.158
Por outro lado, se das declarações prestadas não advir qualquer responsabilidade penal,
o direito norte-americano não tem contemplado o exercício da garantia constitucional. É
verdade que o princípio da não autoincriminação se revela por meio de várias vertentes,
seja pela realização atos de cooperação (prestar depoimentos, fornecer materiais para
exame etc.) e de tolerância (submeter-se à identificação e inspeção etc.). 160
O que não se vê com frequência e, aqui, o campo prático tem por hábito confundir
conceitos, consiste na extensão da garantia a campos diversos do processo penal. 161
Apesar de haver suporte a aplicação do referido princípio em áreas diversas, como o
Direito Tributário, ao que se vê da doutrina estrangeira, o mesmo não pode ser dito em
relação ao ordenamento jurídico brasileiro.162
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É claro que há situações em que a recusa em produzir provas é fundada, tal como prevê
o art. 24 do Anteprojeto, ao vedar a realização de exames ou diligências, sempre que
houver risco à vida, à integridade física, psíquica ou à saúde, bem como quando impuser
sofrimento intenso, de acordo com a ciência médica.
Assim, a busca da verdade não alcançará ares absolutos, pois também encontrará um
freio na disposição do art. 24, § 1.º, através da restrição dirigida a todos os exames ou
diligências que afetem a dignidade ou pudor da pessoa examinada, sendo admissíveis
apenas com a sua expressa concordância, manifestada de forma livre, independente de
qualquer constrangimento.
Outra inovação quanto aos meios de prova está prevista no art. 24, § 2.º, que prevê a
vedação, mesmo com o consentimento da pessoa interessada, do emprego de “meios
que afetem a sua liberdade de autodeterminação ou a sua capacidade de rememoração
e de avaliação dos fatos”, ou seja, fica proibida a utilização de substâncias químicas que
retirem a livre autodeterminação, a utilização de substâncias que ocasionem dúvidas
quanto à recordação dos fatos objeto de prova, bem como a utilização de técnicas de
indução a estados diferenciados de consciência, como é o caso, por exemplo, da
hipnose.
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O mesmo já não pode ser dito em relação ao dever de colaborar por meio de
depoimentos ou exibição de documentos ou informações. Aqui, a redação do art. 31
reforça este dever das partes, estabelecendo a impossibilidade de recusa fundada na não
autoincriminação, mitigando, assim, a aplicação do princípio no direito processual civil,
como já era pretendido pelas normas anteriores.
De qualquer modo, para coibir a malícia da parte que eventualmente venha a requerer a
produção dessas provas com nítido propósito de constrangimento, faculta o Anteprojeto
que o juiz avalie a sua pertinência, possibilitando-lhe a sua dispensa, se evidenciada a
sua inutilidade ou irrelevância.
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Assim, o Anteprojeto quer deixar clara a regra de que a ruptura do princípio da não
autoincriminação tem o único e exclusivo propósito de permitir a efetiva descoberta da
verdade no processo em que a prova é produzida, evitando qualquer outra consequência
extraprocessual advinda do acesso à privacidade da parte ou do terceiro.
Neste contexto, não se pode olvidar a construção alemã referente às três esferas de
privacidade,165 de modo a justificar os graus da técnica de ponderação, prevista no art.
28, § 1.º, do Anteprojeto.
Cabe o destaque de que a norma aqui examinada não possui a mesma extensão do
permissivo concedido pela Constituição Federal no art. 5.º, XII, regulado pela Lei
9.296/1996. O que se pretende por meio do presente artigo é tão somente o acesso a
informação de banco de dados ou a utilização de interceptações telefônicas já produzidas
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Interessante destacar que durante a fase de discussões públicas travadas para análise
do Anteprojeto, Flávio Luiz Yarshell ofereceu expressivas contribuições, ressaltando que
o Anteprojeto poderia se debruçar sobre a questão da prova ilícita, em especial sobre a
impossibilidade de se utilizar a gravação ambiental de um dos interlocutores sem o
consentimento do outro, diante da decisão do STF167 que, em sentido oposto à tese aqui
exposta, admitiu esta modalidade de prova.
Na ótica do respeitável processualista, o STF não agiu com acerto ao admitir a utilização
de uma gravação realizada sem o consentimento do interlocutor, em razão da
deslealdade praticada pelo interlocutor que grava a conversa sem o consentimento do
outro, interferindo na privacidade.
Não há como negar que a tônica do direito processual civil não poderia ser a mesma
daquela utilizada pelo STF para admitir a gravação clandestina no processo penal, uma
vez que o tema atinente à privacidade pode ser oponível a ambas as partes do processo
civil, o que já não ocorre no processo penal.
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inutilização (art. 23, §§ 4.º e 5.º) e submetendo o infrator às sanções previstas nos arts.
6.º e 7.º.
Por outro lado, haverá hipóteses em que mesmo diante da recusa da parte, a sua
produção será possível, desde que haja, no entanto, uma prevalência no juízo de
proporcionalidade, com fundamento no art. 29 e observados os limites estabelecidos no
art. 24.
A limitação temporal da Lei de Acesso à Informação não poderia, por si só, justificar a
impossibilidade de produção probatória. O Anteprojeto, então, no art. 25 traz a definição
do que seria o segredo de Estado, sob a ótica das informações imprescindíveis à
segurança da sociedade ou do Estado sempre que: I – aquelas cuja revelação possa
causar grave risco à defesa da integridade do território ou à soberania nacionais; II – as
que ponham em risco as relações internacionais do país e as que tenham sido fornecidas
ao Governo brasileiro em caráter sigiloso por outros Estados soberanos e organismos
internacionais; III – as que possam prejudicar ou causar grave risco a operações
estratégicas das Forças Armadas em tempo de guerra.
Todavia, não se pode fechar os olhos para o fato de que a Fazenda Pública ocupa o
primeiro lugar no ranking de entidades que figuram em demandas perante o Poder
Judiciário. Não obstante, ela também é a entidade que mais oculta informações, seja por
uma mentalidade arcaica, seja pela sua própria desorganização em catalogar seus
dados.
Assim, seria necessário que uma terceira figura, diversa do demandante e da Fazenda
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Pública fosse capaz de filtrar as informações, analisando quais provas seriam ou não
passíveis de utilização no processo.
É por esta razão que o Anteprojeto, da mesma forma que preconiza pela proteção ao
segredo de Estado, também o faz em relação ao titular de um direito lesado, instituindo
a possibilidade de criação de um órgão jurisdicional, seja em primeiro ou segundo grau
de jurisdição, capaz de avaliar a possibilidade de produção probatória em poder de
terceiros, concernente aos direitos fundamentais ou ao segredo de Estado, ainda que
esta última seja classificada como inacessível de acordo com outras disposições
normativas, na forma do art. 33.
Dois pontos merecem destaque no tocante a esta disposição legal. O primeiro se situa no
fato de que o intuito de criar um órgão jurisdicional com competência funcional para o
exame de admissão da prova é o de evitar a contaminação do Juiz Natural afeto ao
julgamento da causa, através do enfrentamento da matéria relativa à produção
probatória.
Apesar de se tratar de novidade no direito brasileiro, nota-se que o direito espanhol, por
meio do art. 332 da Ley de Enjuiciamento Civil já contempla igual mecanismo,171
determinando aos tribunais a avaliação quanto à possibilidade de utilização de uma
prova que figure em poder do Estado.
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Para os que vivem, como nós, entre as desventuras do magro e pueril procedimento dos
juizados especiais e o fragmentário e preclusivo procedimento comum, esta necessidade
é premente. O procedimento fragmentado transforma o processo em jogo, 174 no qual as
partes, em vez de atuarem com boa-fé, em cooperação na busca da verdade, veem-se,
ao contrário, a maquinar estratégias, a praticar atos simulados, a esconder provas e a
dizer meias palavras. Indispensável, portanto, que o procedimento probatório permita às
partes, o quanto antes, o conhecimento das alegações e das provas recíprocas, método
que o direito processual inglês consagrou com a expressão: cardson the table
approach.175
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Outra escolha importante foi definir para o procedimento judicial o modelo bifásico, mais
adequado e eficiente,179 pois possui fase preparatória 180 clara e definida, direcionada à
identificação compartilhada entre o juiz e as partes do thema decidendum e, com maior
precisão, do thema probandum– a ser desenvolvido na fase seguinte de produção da
prova –, além de propiciar a adoção do calendário processual.
Para tanto, o caput do art. 34 não deixa dúvidas quanto ao conteúdo do procedimento:
“a definição precisa dos fatos, a identificação e a revelação do conteúdo das provas que
a eles correspondam”.
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O terceiro objetivo – contribuir para a eficiente gestão do processo quando ele não puder
ser evitado – reside na evidência de que a troca antecipada de informações e de provas
entre as partes facilitará a administração do futuro processo ao produzir melhor
compreensão acerca da posição das partes no conflito, da delimitação do objeto litigioso,
das provas que ainda precisarão ser produzidas, da possibilidade ou da impossibilidade
de acordo, o que gera, em síntese, uma cognição judicial mais adequada. Este objetivo
vincula-se ao cumprimento do dever de cooperação das partes com a administração da
justiça.
A extinção do processo judicial ou o não deferimento de provas requeridas pelo réu, que
a ausência do procedimento prévio pode causar (art. 53, §§ 1.º e 2.º), justifica-se na
necessidade do ingresso em Juízo se revestir do preciso delineamento dos fatos e da
proposição consistente de provas, o que tem sido dispensado frequentemente pelo
Judiciário, não obstante as exigências da lei (arts. 282, 283 e 286 do CPC).
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O procedimento preparatório que facilite essas definições vem sendo adotado em alguns
sistemas estrangeiros, inclusive da civil law, como, por exemplo, com a previsão da
mediação prévia, adotada na Diretiva 2008/52/CE da União Europeia, na Lei francesa
2011-525, de 17.05.2011 e no Decreto-legislativo italiano chamado “Decreto del Fare”.
A solução projetada é mais completa, pois, além de evitar o futuro processo quando
redundar em transação, como busca a mediação, qualifica-o se a judicialização se
mostrar inevitável.
São consequências graves – que certamente sofrerão críticas da doutrina, como nos
alertou Flávio Luiz Yarshell – mas proporcionais ao desafio de retirar as partes da
posição passiva e burocrática na qual culturalmente se encontram, forçando a maior
integração dos protagonistas na solução dos seus próprios conflitos e reduzindo
processos. Eduardo Cambi, em sua palestra, sugeriu que se poderia avançar sobre a
facultatividade do procedimento, tornando-o obrigatório, como forma de potencializar
seu efeito redutor da judicialização. Optamos por manter a fórmula intermediária –
manter a facultatividade, mas aplicar efeitos adversos no futuro processo, se o objetivo
de facilitar a administração da justiça não tiver sido obtido –, sem prejuízo, no entanto,
de as convenções coletivas criarem outras exigências.
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Quanto aos meios de prova, foi dado amplo alcance e aplicação ao procedimento,
facultando a sua ampla utilização. A perícia prévia, por exemplo, foi amplamente
estimulada em época recente pelo direito italiano, com a Novella de 2005, que inseriu no
Código de Processo Civil o art. 696-bis, normatizando a consulenza tecnica preventiva189
sem o requisito da urgência. Seria medida importante, por exemplo, para a solução dos
conflitos entre condôminos e condomínio em caso de vazamentos ou outros danos
causados de uma unidade para outra, ou da área comum para uma unidade, a fim de
identificar initio litis a responsabilidade e a extensão dos danos ou até mesmo a
legitimidade passiva ad causam.
Em termos ritualísticos cabe destacar que a regra geral para a comunicação do início da
fase pré-processual será a carta registrada (art. 39), caso outro meio não tenha sido
acordado pelas partes no contrato que originariamente regula sua relação jurídica.
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As declarações e o comportamento das partes serão avaliados pelo juiz para verificar o
cumprimento de ônus ou o descumprimento de dever processual e como objeto de prova
(p) se constituírem parte do thema decidendum, mas não como prova indiciária para
julgamento do mérito, como pretendem Cambi e Hoffmann.196
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extrajudicial.
Isto não significa que estejamos absolutamente de acordo com Taruffo, quando dá
relativo valor à participação das partes na busca da verdade, sob o argumento de que o
seu interesse dirige-se, unicamente, à vitória.197 O contraditório, além de sua
necessidade e imperatividade como garantia fundamental do processo, é um eficiente
método epistemológico. De acordo com os estudos históricos de Nicola Picardi, o
contraditório, na concepção originária da ordo iudiciarius compreendido como ordo
quaestionum, “era o eixo do processo comum europeu, considerado como metodologia
de procura da verdade”.198
Da mesma forma, quanto às provas produzidas nesta fase extrajudicial, as partes devem
ser motivadas a agir livremente, aproveitando-as no processo subsequente ou em curso,
de acordo com sua própria vontade, preservando a sua liberdade de processualizar
aquilo que considerarem relevante e adequado (arts. 44 e 49, § 2.º), que será
livremente apreciado pelo juiz (arts. 18 e 44).
Esta correlação é de vital importância para o sistema, pois cria vínculo entre as fases
extrajudicial e a processual, incentivando a opção pelo novo procedimento e fortalecendo
o dever de cooperar, a boa-fé na relação pré-processual e o contraditório.
Aquele que recebe a inicial deste procedimento pode abster-se de apresentar resposta,
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A primeira hipótese de intervenção judicial está prevista no art. 41, para a tutela do
direito da parte requerida de abster-se de fornecer documentos quando o pedido for
desnecessário, custoso ou afligir as limitações probatórias fundadas nos direitos
fundamentais ou na segurança do Estado e da sociedade. A limitação pode ser imposta,
ainda, quando as provas já tiverem sido deduzidas em processo judicial anterior.
Por fim, também a divergência entre as partes acerca do dever de custear as despesas
do procedimento ou da produção de provas pode ser arbitrada pelo Judiciário.
O procedimento projetado não exclui ou condiciona, como não poderia deixar de ser, as
medidas cautelares probatórias, o que constituiria evidente limitação à inafastabilidade
de jurisdição (art. 48).
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Há exemplos atuais bastante fecundos dessa integração solidária dos grupos sociais que
normalmente protagonizam as causas judiciais, junto aos próprios órgãos jurisdicionais,
na definição de regras de convivência que não eliminam a litigiosidade, mas aperfeiçoam
o seu equacionamento em benefício da preservação de interesses comuns mais
relevantes.
A norma proposta suscita, portanto, questões acerca da natureza da praxis forense como
fonte do direito processual – de modo a compreendermos que espaço pode ser regulado
pelas convenções –, e do grau de coercibilidade destas normas diante do princípio da
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legalidade.
A Itália tem dado um exemplo fecundo na construção deste novo caminho com as
instâncias de diálogo instauradas junto aos tribunais judiciais, por meio dos chamados
Observatórios da Justiça Civil.204 Os Protocolli, celebrados no âmbito desses
Observatórios, regulam matéria que se encontra no espaço deixado sem normatização
pela lei: spazi bianchi. São normas heterônomas205 de eficácia persuasiva, incentivadoras
de práticas forenses virtuosas, procedimentais ou meramente organizacionais, criadas
em conjunto pelos grupos envolvidos – regole condivise206– para facilitar o andamento
processual.
A fase extrajudicial é, portanto, um ônus a ser cumprido pelas partes para reduzir a
quantidade de processos, mediante a solução conciliada dos conflitos, ou para melhorar
a qualidade destes, através do incremento qualitativo da cognição.
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7. Regra de custeio e reflexo para a parte sucumbente do futuro processo.O art. 47 fixa
regra geral de custeio, imputando o ônus à parte requerente da prova na fase pré-
processual e, posteriormente, ao sucumbente no processo judicial, criando-se um dos
vínculos funcionais entre as duas fases. É justo, evidentemente, que a parte que deu
causa à violação do direito assuma os custos dispendidos pelo vencedor tanto no
procedimento extrajudicial quanto no processo, para que o vencedor tenha o seu direito
recomposto com a maior amplitude possível.
Se esta medida, no entanto, não se mostrar eficaz, o § 2.º deste art. 47, para
salvaguardar os hipossuficientes, cria um procedimento de judicialização da gratuidade,
viabilizando a produção da prova pericial, através do acesso a recursos dos fundos de
custeio criados junto aos tribunais, destinados a tal fim. Já é tempo de aperfeiçoar a
assistência aos pobres pela assunção pelos tribunais da responsabilidade por despesas
que não podem ser imputadas ao adversário, nem podem ficar sem cobertura, sob pena
de graves distorções que resultarão ou na impossibilidade de prática de atos relevantes
ou na sua prática em condições bastante desvantajosas.
A fase preparatória é dividida por sua vez entre a apresentação inicial dos articulados e a
realização de uma audiência preliminar na qual as partes e o juiz formulam o calendário
processual de acordo com a maior ou menor complexidade do objeto cognitivo. Assim, o
procedimento tem como pilar, além do dever de cooperação (arts. 5.º e 6.º do
Anteprojeto), a adaptabilidade procedimental.210
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O modelo proposto evita o letal fracionamento da fase inicial, ao vedar a remessa dos
autos ao juiz antes da audiência preliminar para apreciação de requerimentos
extemporâneos formulados pelas partes (art. 51, § 5.º). Em cumprimento à
concentração, à oralidade e, portanto, ao contraditório, todos os pedidos serão
apreciados pelo juiz junto com as partes na audiência preliminar, salvo evidentemente o
pedido de antecipação de tutela e a intervenção de terceiro (art. 52) em razão da
urgência e da necessidade do juízo de admissibilidade da intervenção.
As provas são propostas tanto nos articulados iniciais – exordial e contestação, como de
lege lata – quanto nos articulados posteriores (art. 49), assim definidos como os
apresentados após a audiência preliminar, quando a prova se mostrar necessária e
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A adoção dessa técnica pretende facilitar a definição entre as partes e o juiz do thema
decidendum e do thema probandum, descrevendo-se objetivamente os fatos e as provas
a estes relacionadas. O objetivo é impedir o pedido genérico e irresponsável de provas,
sem justificativa e correspondência com os enunciados fáticos que a parte pretende
demonstrar, o que subtrai do juiz a capacidade de avaliar a pertinência do requerimento
feito pela parte e, mais grave, de poder administrar e organizar o futuro
desenvolvimento processual através do calendário. A regra se aplica não só aos
articulados mas também a quaisquer outros requerimentos de produção de provas (art.
49, § 6.º), ressalvados aqueles que envolverem o risco de perecimento de direito.
Apesar de incomuns em nosso Direito, os formulários são parte de uma técnica muito
utilizada no Direito comparado para padronizar atos processuais, como iniciais,
testemunhos escritos e até mesmo decisões judiciais, conferindo-lhes objetividade,
maximizando a eficiência processual e reduzindo a duração do processo. Semelhante
regra é encontrada no art. 244 do Código italiano que determina a dedução por artigos
dos fatos sobre os quais a testemunha vai depor.217
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formulários, as partes que não tiverem feito a juntada nos articulados, deverão fazê-lo
até a audiência preliminar (art. 53, II), sob pena de, após a devida advertência (art. 10,
§ 1.º), o juiz extinguir o processo para o autor e indeferir a prova requerida pelo réu, de
acordo com os §§ 1.º e 2.º do art. 53 – em fórmula semelhante à explicitada no item 3.
do Capítulo VI supra.
Não se pode admitir que os advogados e o juiz compareçam à audiência sem terem
conhecimento pleno de tudo o que se passou na fase preliminar. O procedimento
preconizado visa a permitir que todos se preparem para essa audiência e, desse modo,
estejam aptos a contribuir para que nela se pratiquem todos os atos para os quais se
destina, o que reduzirá o seu tempo de duração, evitará o seu desdobramento, com
novos custos e impedirá que o processo fique à deriva, como frequentemente tem
ocorrido.
Para que efetivamente ocorra o esperado diálogo e o juiz tenha condições de tomar
todas as decisões de forma segura, dando efetividade à audiência preliminar, terá ele
vista dos autos com a anterioridade necessária (art. 51, § 4.º) para examinar o processo
e estudar as questões pendentes, propiciando-lhe conduzir o diálogo com as partes e os
advogados na sessão oral com o maior proveito possível.218
A audiência preliminar do processo bifásico não poderá repetir – sob pena de fracasso –
a modorra e burocrática audiência preliminar da qual participamos todos os dias no foro,
praticamente reduzida à pergunta sobre a possibilidade de acordo, não contando, na
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Não sendo obtida a conciliação e caso a matéria controvertida não exija dilação
probatória, o juiz deverá julgar diretamente o mérito na própria audiência preliminar,
após o contraditório final. Esta hipótese descartaria a priori a necessidade de fixação do
calendário mas, caso a complexidade da matéria de direito necessite e as partes
concordarem, poderá ser fixado calendário unicamente para a entrega de memoriais e
publicação da sentença (art. 53, §§ 3.º e 4.º).
Assim, o inc. II do art. 53 preceitua que o juiz deverá dialogar com as partes para
alcançar maiores esclarecimentos acerca do litígio e das provas trazidas naquela altura
ou produzidas na fase pré-processual, propiciando até mesmo a mutatio libelli e a
complementação do pedido de provas. Trata-se do poder/dever de clarificação das
questões de fato e de direito, propiciando a correção de eventuais erros ou imprecisões
na formulação dos petitórios iniciais e favorecendo a que a futura decisão final resolva o
litígio tal como ele existe no mundo real, com o preciso delineamento de todas as
questões a serem resolvidas, evitando que eventuais desajustes iniciais frustrem as
partes quanto ao alcance da decisão por eles buscada ou as obriguem à propositura de
outras demandas, com o indefinido prolongamento da litigiosidade.
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No sistema processual francês, quando for definida a utilização do circuit long223 o juiz da
mise en état (art. 796) fixa, ouvidas as partes, os termos de desenvolvimento da causa,
ou seja, o prazo para troca de articulados, a data do fim da instrução, a data de
discussão da causa e a data da pronúncia da decisão, levando em consideração a
natureza, a urgência, a sua complexidade e a opinião das partes, para garantir um
tempo razoável do processo e o pleno exercício do direito de ação e defesa.224
Se, por um lado, o processo não é mais chose des parties, por outro lado, também não
pode mais ser visto, exclusivamente, como norma de direito público indisponível. As
partes, mediante a contratualização processual, participam da adaptabilidade da forma,
para melhorar e tornar efetiva a prestação jurisdicional a partir da definição in concreto
da fase instrutória e decisória, não mais deixada à abstrata previsão legal.
O calendário (art. 53, IV), como ocorre no sistema francês e no italiano, é vinculante
tanto para as partes quanto para o juiz (art. 53, § 8.º). De acordo com o Código de
Processo Civil francês, para o respeito aos prazos o juiz pode determinar a preclusão
como sanção de descumprimento, com decisão de clôture,225 ou seja, de fechamento da
fase instrutória.
O Anteprojeto se assemelha mais ao sistema italiano, que não impõe preclusões à busca
da verdade, mas aplica as sanções do art. 6.º e a responsabilidade por perdas e danos
às partes e penalidade funcional aos juízes (art. 53, §§ 8.º e 9.º).
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16. MITIDIERO, Daniel Francisco. Colaboração no processo civil…cit., p. 29. Para ele, as
fases metodológicas do processo seriam: (1.ª) praxismo ou pré-história do direito
processual; (2.ª) processualismo ou fase da autonomia; (3.ª) instrumentalismo e; (4.ª)
formalismo-valorativo.
17. “O formalismo processual cooperativo vai indelevelmente marcado pelo diálogo entre
as pessoas do juízo. A necessidade de participação das partes no processo assinalada
pelo direito fundamental ao contraditório, entendido como direito a influenciar a
formação da decisão jurisdicional, outorga sustentação teórica a essa ideia” (Idem, p.
134).
18. Tal expressão é encontrada em vários textos, de diferentes autores, não tendo sido
possível identificar, nessa pesquisa, seu criador. Veja-se, apenas ad exemplum:
MANDELI, Alexandre Grandi. O princípio da não surpresa na perspectiva do formalismo-
valorativo. Disponível em: [www.tex.pro.br/tex/listagem-de-artigos/331-artigos-mai-
2011b/8251-o-principio-da-nao-surpresa-na-perspectiva-do-formalismo-valorativo].
Acesso em: 09.02.2013.
19. Sobre o processo justo e as garantias fundamentais processuais, consulte texto já
clássico: GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais do processo: o processo justo.
Disponível em: [www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=429]. Acesso
em: 09.03.2013.
20. “(… la abogacía es un arte en el cual el conocimiento escolástico de las leyes sirve
muy poco, si no va acompañado de la intuición psicológica necesaria para conocer a los
hombres, y los múltiples expedientes y maniobras mediante los cuales tratan ellos de
plegar las leyes a sus finalidades prácticas. En vano se espera que los códigos de
procedimiento, aun los mejores estudiados teóricamente, sirvan verdaderamente a la
justicia si no son sostenidos en su aplicación práctica por la lealtad y la corrección del
juego por el fairplay, cuyas reglas no escritas están principalmente encomendadas a la
conciencia y a la sensibilidad de los órdenes forenses (…” (SOLIMINE, Omar Luis Días. La
buena fe en la estructura procesal. In: CÓRDOBA, Marcos M. (dir.). Tratado de la buena
fe en el Derecho. Buenos Aires: La Ley, 2004. t. I, p. 862).
21. CALAMANDREI, Piero. Il processo come gioco. In Opere Giuridiche.vol. I. Nápoli:
Morano, 1983, p. 536-562.
22. “No processo, como na guerra e na política, a moral não entra” (COMOGLIO, Luigi
Paolo. Etica e tecnica del “giusto processo”. Torino: G. Giappichelli Editore, 2004. p. 3,
Trad. por GRECO, Leonardo. Instituições de direito processual cit., p. 139).
23. CABRAL, Antonio do Passo. O contraditório como dever e a boa-fé processual
objetiva. Revista de Processo. vol. 126. p. 68. São Paulo: Ed. RT, 2005: “(… O juiz não
pode ser aquele do paradigma liberal, concebido como mero espectador da luta entre as
partes. Principalmente no campo processual, onde se está diante de um conflito de
interesses, pode ocorrer que ‘as partes sejam tentadas a usar de todos os meios, dignos
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ou não, para conseguirem seu objetivo final’. É certo que cabe ao Estado-juiz zelar pela
ética no processo, mas embora todos os sujeitos processuais sejam destinatários dos
preceitos da moral processual, é em relação às partes e seus procuradores que o âmbito
de incidências das regras legais referentes à moralidade revela-se mais amplo, visando a
impedir a figura do improbus litigator. (…”.
24. “(é) antiga a preocupação com a conduta dos sujeitos da demanda. Desde que se
deixou de conceber o processo como um duelo privado, no qual o juiz era somente o
árbitro, e as partes podiam usar de toda argúcia, malícia e armas contra o adversário
para confundi-lo, e se proclamou a finalidade pública do processo civil, passou-se a
exigir dos litigantes uma conduta adequada a esse fim e a atribuir ao julgador maiores
faculdades para impor o fair play. Existe toda uma gama de deveres morais que
acabaram traduzidos em normas jurídicas e uma correspondente série de sanções para o
seu descumprimento no campo processual. Tudo como necessária consequência de se
ter o processo como um instrumento para a defesa dos direitos e não para ser usado
ilegitimamente para prejudicar ou para ocultar a verdade e dificultar a reta aplicação do
direito, na medida em que este deve atuar em conformidade com as regras da ética.
Deveres que alcançam primeiramente às partes, também o fazendo, logo em seguida,
aos procuradores dos litigantes e aos julgadores e seus auxiliares” (MILMAN, Fabio.
Improbidade processual e comportamento das partes: comportamento das partes e de
seus procuradores no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 32-33).
25. Nesse sentido, e fazendo referência, também, à obra de Comoglio, Humberto
Theodoro Júnior asseverou: “(… Das garantias mínimas de um processo justo, idealizado
pela ciência processual de nossos tempos, Comoglio extrai as seguintes consequências,
tendo em consideração a valorização do papel ativo confiado ao juiz:(a) la “moralización”
del proceso, en sus diversos componentes éticos y deontológicos, constituye, hoy más
que nunca, el eje esencial del fair trial o, si se prefere, del ‘proceso equo e giusto’; (b) El
control, bajo el perfil ético y deontológico, de los comportamientos de los sujetos
procesales en el ejercicio de sus poderes, ingresa en el área de inderogabilidad del
llamado ‘orden público procesal’, legitimando en tal modo la subsistencia de atribuciones
y de intervenciones ex officio del juez; (c) El rol activo de este último encuentra una
justificación suplementaria, de carácter político y constitucional, en los sistemas judicia
les en los que no vengan debilitados, sino más bien se vengan consolidando, el sentido
de la confianza y las garantías de credibilidad del aparato jurisdiccional público”
(THEODORO JR., Humberto. Boa-fé e processo – Princípios éticos na repressão à
litigância de má-fé – papel do juiz. Disponível em:
[www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Humberto%20Theodoro%20J
%C3%BAnior(3)formatado.pdf]. Acesso em: 17.07.2013.
26. Nesse sentido, CRUZ E TUCCI, José Rogério. Brevíssimas considerações acerca da
valoração de gravações. In: JOBIM, Geraldo Cordeiro et all (org). Tempestividade e
efetividade processual: novos rumos do processo civil brasileiro. Caxias do Sul: Plenum,
2010. p. 189-194, especialmente p. 190: “(… a prova tem raízes no componente ético
que inspira o processo, como instrumento posto a serviço do Estado, para consecução de
objetivos seus, que não se limitam aos perseguidos pelas partes, nem se restringem à
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33. “A primeira noção que se deve ter em mente é a de que são os fatos – e não o
direito – o objeto da prova, entendidos aqueles como os acontecimentos históricos do
mundo ou da vida que têm realidade objetivamente aferível dentro das principais
categorias que o delimitam, a saber, o espaço e o tempo. Logo, fatos é que se provam,
porque deles o direito resulta” (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil…cit., p.
119). E ainda: “Entretanto, em alguns casos, o direito também precisa ser provado.
Nessas hipóteses excepcionais, portanto, não é um acontecimento do mundo ou da vida
que vai ser objeto da prova, mas sê-lo-á a norma que rege a realidade da vida e que o
próprio juiz pode não conhecer, demandando que sejam trazidos dados, elementos que
demonstrem que a referida norma existe e que está em vigor” (Idem, p. 120).
34. “(… a civil law suit depends upon resolution of questions of fact and questions of law.
When a question of fact is in dispute, the issue is determined through the consideration
of conflicting evidence. When a matter of law is in dispute, the issue is determined
through the consideration of alternative interpretations of law” (HAZARD JR., Geoffrey
C.; TARUFFO, Michele. American Civil Procedure: an introduction. New Haven: Yale
University Press, 1993. p. 71).“Viewed mechanically, factual issues are resolved by proof
and legal issues are resolved by examining the law. The American system
characteristically performs these functions using judge and jury in combination, while
other legal systems perform them only through a judge. Formally, an American judge
and a judge in a European legal system could trade places in a nonjury case and, with a
little practice, perform with equal effect in either system” (HAZARD JR., Geoffrey C.;
TARUFFO, Michele. American Civil Procedure…cit., p. 72).
35. “Afirmou-se que são objeto de prova os fatos relevantes, quais sejam, aqueles
geradores de direitos, os fatos jurídicos, dos quais as partes podem extrair
consequências jurídicas a elas favoráveis. Este, portanto, o objeto da prova: os fatos
relevantes” (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil…cit., p. 121).
36. Vide: RAMOS, Vitor de Paula. Direito fundamental à prova. Revista de Processo. vol.
224. p. 41. São Paulo: Ed. RT, 2013.
37. “O próprio conhecimento científico precisa ser controlado, isto é, o discurso
justificativo que o invoca não pode aceitar as suas conclusões por simples argumento de
autoridade, mas precisa descer à observação e análise da correção e consistência
científicas” (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil…cit., p.119).
38. Idem, p. 107.
39. HAZARD JR., Geoffrey C.; TARUFFO, Michele. American Civil Procedure… cit., p. 76:
“Legal rules are applied through a mental process that adresses the relationship between
legal concepts and the circunstances of a specific case, whereby a conclusion may be
reached in favor of one party or the other. This process is called reasoning”.
40. Idem, p. 77: “The legal system presumes that there is a direct and logical
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relationship between the court’s thought process and its conclusion, and recognizes that
having to make a decision is a mental discipline its own. As a pratical matter a legal
system can demand no more”.
41. Idem, p. 79: “When factual issues arise in litigation, they are resolved by
consideration of evidence. Evidence consists of testimony of witnesses, documents such
as contracts and deeds, and occasionally physical objects. In assessing the evidence in a
given case, the key problem may be determining what events actually occurred”.
42. VERDE, Giovanni. Prova in generale: Teoria generale e diritto processuale civile.
Enciclopedia del diritto. Milano: Giuffré, 1988. vol. XXXVII, p. 580 apud GRECO,
Leonardo. Instituições de processo civil…cit., p. 107.
43. “O que é preciso assentar é a necessidade garantística da apuração dos fatos, a
necessidade de buscar a verdade dos fatos como pressuposto da tutela jurisdicional
efetiva dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico. De nada adianta a lei atribuir
ao cidadão inúmeros direitos, se não lhe confere a possibilidade concreta de demonstrar
ser titular desses direitos, ou seja, se lhe impõe uma investigação fática capenga,
incompleta, impedindo-o de obter a tutela dos direitos pela impossibilidade de
demonstrar a ocorrência dos fatos dos quais eles se originaram” (GRECO, Leonardo.
Instituições de processo civil…cit., p. 116).
44. “A lei municipal e a lei estadual se presumem conhecidas no Município e no Estado
para os quais foram feitas. Em consequência, quando o CPC, no art. 337, diz que quem
as invocar deve prová-las, não se refere às leis do Município ou às do Estado em que o
juiz exerça a jurisdição. (… Sempre, no entanto, que a lei invocada seja de Estado ou
Município onde o juiz não tenha domicílio, é natural, a lei deverá ser provada, como se
provam os fatos, a menos que o juiz dela tenha conhecimento” (SANTOS, Moacyr
Amaral. Prova judiciária…cit., p. 205-206).
45. “É geral o reconhecimento da necessidade de prova da lei estrangeira. Mas essa
necessidade encontra uma condicional; se o juiz desconhecê-la. Como se disse. Códigos
modernos, como o alemão e o austríaco, adotam o princípio segundo o qual a prova da
lei estrangeira é desnecessária, quando seja conhecida do juiz. A doutrina, igualmente,
se encaminha nessa direção. Mortara, entre outros, se manifesta decididamente. Para o
eminente processualista, afirmar de modo invariável a necessidade da prova da lei
estrangeira é fazer-se “injustiça à cultura do magistrado em particular e à classe dos
juristas em geral”. ‘Em outros tempos – continua o emérito processualista – e com as
barreiras intelectuais, era lícito, talvez, acolher como princípio de direito a necessária
ignorância da lei estrangeira. Mas, hoje, isto parece exagero, e conforta-me ver nas
legislações mais recentes (Código germânico. Regulamento austríaco) afirmado o
princípio pelo qual não ocorre a necessidade de prova da lei estrangeira quando seja ela
conhecida do juiz’. A matéria liga-se, estreitamente, ao direito internacional privado, em
cujo setor a controvérsia ainda permanece” (SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária…
cit., p. 206-207).
46. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Prova do direito estrangeiro. Doutrinas Essenciais
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primeiro aspecto, no art. 266.º, n. 2: o juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir
qualquer das partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a
fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem
pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência. O
segundo dos referidos aspectos (dever de esclarecimento do tribunal pelas partes) está
previsto no art. 266.º, n. 3: as pessoas às quais o juiz solicita o esclarecimento são
obrigadas a comparecer e a prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos, salvo se
tiverem uma causa legítima para recusar a colaboração requerida (…” (TEIXEIRA DE
SOUSA, Miguel. Aspectos do novo processo civil português. Revista de Processo. vol. 86.
p. 174. São Paulo: Ed. RT, 1997).
57. Italia. Codice di Procedura Civile, Capo IV – Delle presunzioni. Art. 2727. Nozione. Le
presunzioni sono le conseguenze che la legge o il giudice trae da un fatto noto per
risalire a un fatto ignorato.
58. MALUF, Carlos Alberto Dabus. As presunções na teoria da prova. Revista de
Processo. vol. 24. p. 62. São Paulo: Ed. RT, 1981.
59. O texto anterior dizia: “Art. 4.º (… Parágrafo único. As presunções não eximem as
partes do ônus de produzir, sempre que possível, as provas necessárias à comprovação
dos fatos alegados”.
60. “The most difficult problem that the administration of justice confronts is the
inevitable risk of committing injustice by relying on evidence that is fact untrue. Various
mechanisms can be devised to reduce this risk. One is torequire especially reliable
evidence to sustain a claim. For example, written documentation may be required in
order to prove certain types of transactions, such as transferring of ownership of real
estate. Another mechanism is to impose an extra burden of proof concerning certain
issues, such as ‘clear and convincing evidence’ rather than merely ‘a preponderance of
the evidence’. Another device for dealing with uncertain evidence is simply to deny a
legal remedy for certain types of wrongs, even though they are morally obnoxious,
because the usual sources of proof of that type of wrong are regarded as unreliable. (….
All developed legal systems use these devices in various combinations. However, their
effect is inevitably to deny justice in certain cases” (HAZARD JR., Geoffrey C.; TARUFFO,
Michele. American Civil Procedure…cit., p. 82; destaques acrescentados).“(… The legal
system has no way of avoiding this dilemma, for no legal procedure can always discern
the truth. Hence, any device designed to affect the weight of evidence reflects a balance
between the aim of doing justice according to the actual facts os specific transactions
and the aim of protecting the system of justice from abusive claims and defenses. Some
misassessments of facts will occur whatever the rule, resulting in corresponding
injustice. The problem is how to balance the risks” – (HAZARD JR., Geoffrey C.;
TARUFFO, Michele. Idem, p. 83).
61. Termo cunhado por José Lebre de Freitas e contido em : DIDIER JÚNIOR, Fredie.
Fundamentos do princípio da cooperação no direito processual civil português. Coimbra:
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66. “Ao longo da história do direito processual civil, a preocupação com a ética fora uma
constante, manifestando-se de maneira mais aguda precisamente em duas frentes: no
problema da articulação da boa-fé nas relações entre aqueles que participam do juízo e
no problema da obtenção da verdade no processo” (MITIDIERO, Daniel. Colaboração no
processo civil…cit., p. 95).
67. Texto disponibilizado pela Câmara dos Deputados e disponível em:
[www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-
temporarias/especiais/54a-legislatura/8046-10-codigo-de-processo-
civil/proposicao/pareceres-e-relatorios]. Acesso em: 03.07.2013, às 16h02.
68. Essa era a redação originária:“Art. 6.º São deveres das partes:
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VII – não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou
defesa de direito;
VIII – não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso;
IX – praticar os atos que lhes forem determinados e permitir, na sua esfera pessoal ou
de domínio, a sua prática.
§ 1.º A infração ao disposto neste artigo sujeitará a parte à multa punitiva em valor não
superior ao da causa, salvo se prevista sanção mais grave por norma específica, sem
prejuízo da responsabilidade por perdas e danos, e da utilização dos meios coercitivos
que forem possíveis para a obtenção do resultado almejado, independentemente da
presunção de veracidade do fato que a prova eventualmente omitida visava a
demonstrar, que será apreciada pelo juiz em conjunto com as demais provas.
§ 2.º A multa imposta para compelir à prática de ato será exigível tão logo decorrido o
prazo para o cumprimento da obrigação. Se imposta para a abstenção de ato, será
exigível desde a sua prática.(…”.
69. Nesse sentido, entendeu recentemente o STJ, em sede de embargos de divergência,
que “(… a orientação mais recente dessa Corte Superior de uniformização jurisprudencial
é no mesmo sentido (… da prescindibilidade do depósito prévio da multa do art. 557, §
2.º, do CPC, em se tratando de pessoas jurídicas de direito público, federais, estaduais,
distritais e municipais, a teor do disposto no art. 1.º-A da Lei 9.494/1997. Isso porque,
de acordo com referida orientação, a multa do art. 557, § 2.º, do CPC, tem a mesma
natureza da multa prevista no art. 488 do CPC, da qual está isento o Poder Público,
sendo, portanto, a norma inserta no art. 1.º-A da Lei 9.494/1997 perfeitamente
aplicável à multa de que trata o art. 557, § 2.º, do CPC (Trecho do voto-vista do Min.
Massami Uyeda nos EDiv 1.068.207/ PR, Corte Especial, j. 02.05.2012, rel. Min. Arnaldo
Esteves Lima, DJe 16.08.2012).
70. No sentido do Projeto, já decidiu o STF: “Não se discute que a multa prevista no art.
18 do CPC também incide sobre o beneficiário da gratuidade, como, aliás, já reconhecido
pelo STF (AgRg EDcl EI AgIn 342.393, 2.ª T., j. 06.04.2010, rel. Min. Celso de Mello,
DJE 23.04.2010).
71. De mesmo modo, o STJ: “(… 3. Decidiu-se, com efeito, que, na esteira da
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b) deveres específicos.
a) dever de verdade;
b) dever de lealdade;
c) dever de prontidão;
d) dever de utilidade.
Como disse, eles respeitam a todos os que intervêm na instância, sejam juízes,
litigantes, partes acessórias, mandatários forenses, funcionários judiciais ou auxiliares do
processo. É certo que os autores falam, ainda, muito reiteradamente, no dever de
probidade. Só que este, para mim, não é mais de que o complexo ou somatório de todos
os restantes, e como tal, não passa de constituir uma designação defeituosa do princípio
da boa-fé. Quem falta à verdade não é litigantes probo; aquele que litiga deslealmente
não o é também; quem procrastina no processo age improbamente; e o que comete
inutilidades desorientantes, disfarçantes, etc., do mesmo passo actua de forma que não
se dirá proba – o que tudo, afinal, significa que não há propriamente um dever de
probidade. Quanto aos deveres específicos a sua classificação resulta, como disse, da
função desempenhada no processo pelo sujeito-vinculado a cada dever. São pois os
seguintes:
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80. Idem, p. 174-176: “(… A figura do juiz distingue-se, em particular, porque ele foi
criado para exercer poderes – ou, numa palavra, para exercer o poder jurisdicional,
aquele que lhe é fundamentalmente próprio. Mas notarmos isto logo nos permite
entender quais hão-de ser os seus deveres específicos. É que o juiz tem deveres e
deveres. (…Podíamos rebuscar múltiplos deveres do juiz ao sabor deste mesmo diploma
(por exemplo, art. 158.º, dever de fundamentar a decisão; art. 266.º, dever de remoção
de impertinências). E podemos acrescentar que o poder-dever de jurisdicção se
desmultiplica nos deveres de decisão, de execução, de coerção e de documentação. E
sustentar que o dever de imparcialidade do julgador significa a equidistância das partes.
E ainda até lembrar aquele a que Redenti chamou, curiosamente, o dever de “ignorância
oficial”. Tudo o que acrescentasse, porém, não nos levava mais longe: o dever específico
do juiz, o dever que interessa às nossas achegas para uma teoria da responsabilidade
processual subjetiva é, na verdade, o dever de jurisdição – aquele que o n. 1 do art. art.
156.º do Código de Processo tão completa e suficientemente chamou de dever de
administrar justiça”.
81. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo
Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1947. vol. I, arts. 1-152.
82. Sobre o tema, consulte: LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil
do juiz. São Paulo: Ed. RT, 2000; NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 8. ed.
São Paulo: Ed. RT, 2011.
83. DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função
jurisdicional. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
84. “O correto não parece ser a adesão pura e simples a um ou a outro desses
extremos, mas encontrar a justa medida entre ambos. Isto é, o ponto de equilíbrio (não
necessariamente equidistante) que, ao mesmo tempo, permita, no plano empírico, não
transferir para o órgão judicial toda a tarefa de apurar os fatos relevantes ao
julgamento, mas também não o mantenha com aquela velha postura de mero
expectador do embate entre as partes” (WAMBIER, Luiz Rodrigues e SANTOS, Evaristo
Aragão. Sobre o ponto de equilíbrio entre a atividade instrutória do juiz e o ônus da
parte de provar. In: MEDINA, José Miguel Garcia et al (coord.). Os poderes do juiz e o
controle das decisões judiciais. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 153).
85. Num plano maior sobre os princípios dispositivo e inquisitório, já se afirmou de forma
categórica que, “modernamente, nenhum dos dois princípios merece mais a consagração
dos Códigos, em sua pureza clássica. Hoje as legislações processuais são mistas e
apresentam preceitos tanto de ordem inquisitiva como dispositiva” (THEODORO JR.,
Humberto. Curso de direito processual civil. 53. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. vol. I,
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p. 35). O direito estadunidense, por exemplo, aflui em tal direção: “The ideal of the
adversary system has come under increasing pressure in modern times. Many judges
have assumed more active roles in guiding the litigation before them. This is seen in the
participation of judges in the settlement process, during the pretrial-conference stage,
and in the various management techniques by which courts are responding to complex
modern litigation” (FRIEDENTHAL, Jack H.; KANE, Mary Kay; MILLER, Arthur R. Civil
procedure. 4. ed. St. Paul, MN : West group, 2005, p. 3).
86. “Em síntese, o juiz não é o único destinatário da prova. Ainda que o fosse, ele colhe
provas que não se destinam à sua exclusiva apreciação, mas também à apreciação dos
tribunais superiores que exercerão a jurisdição no mesmo processo em instâncias
diversas. Mas, de fato e de direito, também são destinatários das provas as partes que
com elas pretendem demonstrar a veracidade dos fatos por elas alegados, que têm o
direito de que sejam produzidas no processo todas as provas necessárias a demonstrá-
los e de discutir as provas produzidas em contraditório com o adversário e com o juiz”
(GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil…cit., 2011, p. 91).
87. “(… relativamente à indicação das provas, em geral, a iniciativa cabe às partes; a
iniciativa judicial é ainda supletiva. O princípio de disposição das partes, nesse particular,
é apenas refreado (… pelo poder de iniciativa do juiz nos casos em que houver
necessidade de se esclarecer a verdade, sem o que não seria possível, de consciência
tranquila, proferir sentença” (SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária…cit., p. 126-
127).
88. Perfilha-se a exegese de que nos direitos de caráter indisponível, o juiz, “sem ir em
busca de uma utópica e inatingível verdade real, deve determinar a produção de tantas
provas quantas sejam necessárias para evitar que uma das partes ou ambas venham a
abrir mão de direito do qual não possam dispor” (GRECO, Leonardo. A prova no processo
civil: do código de 1973 ao novo Código Civil. Estudos de direito processual. Campos dos
Goytacazes: Ed. Campos dos Goytacazes, 2005. p. 367).
89. BARROSO, Luís Roberto. O Estado contemporâneo, os direitos fundamentais e a
redefinição da supremacia do interesse público. In: SARMENTO, Daniel (org.), Interesses
públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio da supremacia do
interesse público. 2. tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. xiii.
90. Há situações, mormente quando verificadas in casu dessemelhanças sociais e
econômicas, em que a intervenção do magistrado é fundamental para promover o
equilíbrio processual das partes, ao compensar eventual disparidade jurídica, ou, em
outras palavras, evitar que “a atuação absolutamente desastrada, sem uma base técnica
razoável, de uma das partes possa levar à frustração dos fins que informam a atividade
jurisdicional” (CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Op. cit., 2007, p. 76).
91. Ganha realce extrair a essencialidade do dever de cooperação, que, segundo a
classificação de prestigiado doutrinador envolve a necessidade de esclarecimento,
prevenção, auxílio e consulta, cuja moldura atinge não só as partes, mas também o
julgador (SOUSA, Miguel Teixeira de. Estudos sobre o novo processo civil. 2. ed. Lisboa:
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Lex, 1997).
92. Esclarece a doutrina, acertadamente, que “a problemática não diz respeito apenas ao
interesse das partes, mas conecta-se intimamente com o próprio interesse público, na
medida em que qualquer surpresa, qualquer acontecimento inesperado, só faz diminuir a
fé do cidadão na administração da justiça” (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Poderes
do juiz e visão cooperativa do processo. Publicado em: 03.09. 2005. Disponível em:
[www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=215]. Acesso em:
20.08.2012).
93. “E questa soluzione viene condivisa anche da gran parte della dottrina, la quale è
andata ormai da tempo convincendosi che le allegazioni o deduzioni giuridiche degli
interessati non sono un’aggiunta inutile o superflua, ma un’esplicazione della garanzia di
azione e di difesa, e che l’individuazione e l’interpretazione delle norme da applicare non
costituiscono una prerogativa intangibile ed esclusiva del magistrato” (TROCKER, Nicoló.
Processo civile e costituzione: problemi di diritto tedesco e italiano. Milano: Giuffrè,
1974. p. 674).
94. MASCIOTRA, Mario. La conducta procesal de las partes. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2009.
p. 15.
95. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O neoprivatismo no processo civil. In: Leituras
complementares de processo civil. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2008.
96. “Guardemo-nos de supor que toda e qualquer intervenção de agentes públicos seja
incompatível com a preservação de liberdade. Ao contrário: ela é frequentemente
indispensável para assegurar o livre desenvolvimento da pessoa humana” (MOREIRA,
José Carlos Barbosa. O processo, as partes e a sociedade. Temas de direito processual.
8.ª Série. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 40).
97. O processo, sob tal direção, demonstra-se caracterizado “por um work in progress,
uma obra aberta, não existindo preclusões ao exercício dos poderes instrutórios pelo
juiz” (TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo: uma análise empírica das
repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Saraiva,
1997. p. 37).
98. “O princípio do interesse é que leva a lei a distribuir o ônus da prova pelo modo que
está no art. 333 do CPC, porque o reconhecimento dos fatos constitutivos aproveitará ao
autor e o dos demais, ao réu (…. A consciência desse critério fundamental, não escrito
mas nitidamente subjacente aos dois incs. do art. 333, é indispensável para a solução de
questões mais complexas, não previstas pelo Código nem disciplinadas por qualquer
norma explícita – como é a do ônus de provar fatos capazes de neutralizar, alterar ou
extinguir a eficácia impeditiva ou extintiva de outros” (DINAMARCO, Cândido Rangel.
Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. vol. III, p.73).
99. Nesse norte: “Artículo 217. Carga de la prueba. (..) 7. Para la aplicación de lo
dispuesto en los apartados anteriores de este artículo el tribunal deberá tener presente
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la disponibilidad y facilidad probatoria que corresponde a cada una de las partes del
litígio” (Ley 1/2000, de 7 de enero, de Enjuiciamento Civil/Espanha).
100. “A definição da distribuição do ônus da prova pelo juiz de forma diferenciada em
relação à disposição geral do art. 333 do CPC é, porém, excepcional, isto é, deve se dar
apenas nos casos em que a atuação das partes não foi capaz de levar a um conjunto
probatório seguro, bem como há indícios de que outras provas se fazem necessárias à
resolução da controvérsia” (RODRIGUES, Marco Antonio dos Santos. A efetividade do
processo e a distribuição do ônus da prova. Revista eletrônica de direito processual. ano
7. vol. XII. p. 545-561. jun.-dez. 2013. Rio de Janeiro. Disponível em:
[www.redp.com.br]. Acesso em: 10.08.2014.
101. CADIET, Loïc. Les conventions relatives au procès em droit français. Sur la
contractualisation du règlement des litiges. Revista de Processo. vol. 161. p. 61-82. São
Paulo: Ed. RT, 2008.
102. “(… a inclinação do legislador por um ou outro sistema está mais ou menos
vinculada à maior ou menor confiança que a sociedade tenha em seus juízes, assim
como na credibilidade da instituição do Poder Judiciário, no preparo cultural dos
magistrados, e no maior ou menor rigor de sua formação profissional. O sistema da
persuasão racional, por certo o que mais condiz com os princípios da cultura ocidental
moderna, exige magistrados altamente competentes e moralmente qualificados,
enquanto o velho princípio da dosimetria legal das provas pode funcionar razoavelmente
ainda que seus juízes se ressintam de melhor preparação cultural, embora se saiba que
a formação de nossos juízes é ainda deficiente” (SILVA, Ovídio Araújo da; GOMES, Fábio.
Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2002. p. 306).
103. “Consiste a humanização do processo na valorização do homem que nele
comparece e supõe a atuação de valores éticos no sistema processual, ordenados à
finalidade” (SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Poderes éticos do juiz: a igualdade das
partes e a repressão ao abuso no processo. Porto Alegre: Fabris, 1987. p. 28).
104. TARUFFO, Michele. La motivación de la sentencia civil. Trad. Lorenzo Córdova
Vianello. Madrid: Trotta, 2011. p. 361.
105. “Se a prova é um instrumento que o processo tomou emprestado da realidade da
vida, porque dela todos fazem uso cotidiano como meio de caracterizar a existência de
fatos relevantes, o seu grau de exigência deve acompanhar as imposições dessa mesma
realidade” (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil… cit., 2011, p. 105).
106. No sentido da atipicidade dos meios de prova, Cândido Rangel Dinamarco
(DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. vol. III, p. 46-47), para quem o art. 332 do CPC brasileiro (“todos os
meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste
Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos em que se funda a ação ou a
defesa”) é a expressão infraconstitucional do direito à prova. De acordo com Moacyr
Amaral Santos, a enumeração contida no art. 136 do revogado Código Civil (1916) não
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era taxativa, assim como não era a legislação anterior a ele; o Código de Processo Civil
de 1939, também revogado, seguia a mesma linha reportando-se às leis materiais (art.
208); finalmente, o art. 332 do CPC vigente, de 1973, explicitou a não taxatividade dos
meios de prova do art. 332 (SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária…cit., p. 70-71).
Mesmo após as disposições concernentes aos meios de prova no Código Civil de 2002,
tem-se entendido que o rol previsto no art. 212 deste diploma não revogou o princípio
da liberdade dos meios de prova previsto no precitado art. 332 do CPC (cf.,
exemplificativamente: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Anotações sobre o título ‘Da
Prova’ no novo Código Civil. Temas de direito processual: nona série. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 141-146; MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Teoria geral do
processo. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 207; DUARTE, Nestor. In: PELUSO, Cezar
(coord.). Código Civil comentado. Doutrina e jurisprudência. 5. ed. Barueri: Manole,
2011. p. 170-171; NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo
Civil comentado e legislação extravagante. 12. ed. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 723;
TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloiza Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código
Civil interpretado conforme a Constituição da República. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2007. vol. I, p. 435. Estes últimos autores invocam, além da norma geral contida no
Código de Processo Civil, o disposto no art. 225 do próprio Código Civil, que,
confirmando a liberdade dos meios de prova, prevê modalidades diversas das arroladas
no art. 212)
107. Como sustenta, em obra clássica, Santiago Sentis Melendo, um fato que pareça, à
primeira vista, impertinente, e uma prova que pareça, em princípio, irrelevante, podem
se demonstrar mais adiante pertinentes e relevantes. Assim, na dúvida, o juiz deve
proceder com amplitude, porque esta – a amplitude – é mais fácil de ser remediada que
a restrição (MELENDO, Santiago Sentis. La prueba. Buenos Aires: Ediciones Juridicas
Europa-America, 1978. p. 183).
108. TROCKER, Nicolò. Processo civile e costituzione… cit., p. 515 e ss.
109. Idem, p. 517 (tradução livre).
110. Idem, p. 521 (tradução livre). No mesmo sentido, entre nós, Luiz Guilherme
Marinoni e Daniel Mitidiero: “(… Constitui equívoco, infelizmente majoritário na
jurisprudência brasileira, imaginar que o juízo pode indeferir a produção de prova por já
ter valorado de forma antecipada a prova. Admissibilidade e valoração da prova são
conceitos que não se confundem. A Constituição outorga direito fundamental à produção
da prova admissível. Não a condiciona à prévia valoração judicial de seu hipotético
resultado” (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O Projeto do CPC: críticas e
propostas. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 99).
111. Neste sentido, os exemplos fornecidos por Leonardo Greco na Apresentação desta
pesquisa, presentes no CPC vigente: proibição de depoimento pessoal de pessoas
incapazes, a limitação do depoimento pessoal à forma oral (CPC, art. 344), a forma
escrita da confissão extrajudicial (CPC, art. 353), a subordinação da força probante do
documento particular à assinatura, as incapacidades, os impedimentos e motivos de
suspeição das testemunhas (CPC, art. 405; CC/2002, art. 228), a não admissão da
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de convencimento, de modo que não induz à perda total de seu valor probante,
especialmente considerando o conjunto probatório que inclui também provas
documentais. (…” (TJSP, AgIn 9002048-61.2009.8.26.0000, 14.ª Câm. de Direito
Privado, j. 18.11.2009, rel. Des. Ligia Araújo Bisogni, disponível em: [www.tjsp.jus.br],
acesso em: 12.01.2012).
118. O art. 343 do CPC dispõe que, se o juiz não determinar de ofício o interrogatório
referido no art. 342, “compete a cada parte requerer o depoimento pessoal da outra”.
Na sequência, o § 1.º do aludido art. 343 e o art. 345 tratam da chamada confissão
ficta, consistente na presunção de veracidade dos fatos a serem provados pelo
depoimento pessoal incidente sobre a parte que deixar de comparecer, de depor, ou de
responder direta e objetivamente às perguntas. Tal sistemática gerou o entendimento de
que o depoimento da parte tem como único objetivo a confissão; diversamente, o
interrogatório livre – determinado de ofício pelo juiz – visa ao esclarecimento dos fatos.
Logo, o depoimento pessoal não poderia jamais ser requerido pela própria parte, nem
poderia ela ser inquirida em audiência por seu advogado. Na mesma linha, o Projeto de
Novo Código de Processo Civil contém disposições análogas no art. 392, caput e § 1.º, e
no art. 393.
119. TJSP, Ap 0001631-43.2011.8.26.0244, 4.ª Câm. de Direito Privado, j. 13.09.2012,
rel. Des. Milton Carvalho, onde se lê, ainda: “O depoimento pessoal faz prova à parte
contrária, que efetivamente o requereu e que, caso deferido o depoimento, procederá
com o interrogatório.” No mesmo sentido: “Não houve cerceamento de defesa no
presente caso, vez que, por primeiro, ‘não cabe à parte requerer o próprio depoimento
pessoal’ (RT 722/238, RJTJESP 118/247) (…” (TJSP, Ap 9222175-07.2007.8.26.0000,
9.ª Câm. de Direito Privado, j. 14.02.2012, rel. Des. Piva Rodrigues, disponível em:
[www.tjsp.jus.br], acesso em: 17.11.2012).
120. À orientação que limita o depoimento da parte devem ser opostas duas objeções.
Primeiramente, conquanto infeliz, a redação do art. 343 do CPC vigente não veda o
requerimento da prova pela própria parte, a formulação de perguntas pelo procurador do
depoente nem a utilização do depoimento em benefício da parte que depôs. Portanto,
não se poderia restringir o direito à prova e o princípio da liberdade dos meios de prova
com base na incompletude da regra; ao contrário, devem ser ampliadas as
possibilidades de proposição e os esquemas de produção da prova, bem como as
perspectivas para sua valoração. A segunda observação dirige-se especificamente à
eficácia probatória do depoimento da parte. Desta temática tratou Mauro Cappelletti,
ocasião em que refutou os argumentos de que: (a) o depoimento da parte não poderia
servir para beneficiá-la; (b) os elementos extraídos deste meio de prova, quando
favoráveis ao depoente, somente poderiam funcionar como argumentos ou indícios
corroboradores da conclusão alcançada pelo conjunto probatório (CAPPELLETTI, Mauro.
El testimonio de la parte en el sistema de la oralidad. Contribución a la teoría de la
utilización probatoria del saber de las partes en el proceso civil. Parte I. Trad. Tomás A.
Banzhaf. La Plata: Libreria Editora Platense, 2002. p. 236-238).
121. Arts. 400 e 401 do CPC vigente e arts. 227 e 230 do CC/2002.
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que a dita prova documental não era bastante à demonstração do fato. A interpretação
atribuída pelo Ministro relator ao art. 400, I, do CPC, foi a de que este dispositivo regula
as hipóteses em que a prova testemunhal é desnecessária, não cuidando, porém, de
caso de impossibilidade de comprovação por esta via. Confira-se: “O Tribunal a quo não
pode, por um lado, indeferir a prova testemunhal requerida pelo autor por considerar
que os mesmos fatos também foram comprovados documentalmente e,
contraditoriamente, julgar improcedente o pedido por ausência de comprovação. O art.
400 do CPC, só autoriza que seja dispensada a prova testemunhal nas hipóteses em que
os fatos estejam, efetivamente, comprovados por documentos (inc. I) ou nas hipóteses
em que tal modalidade de prova seja inadequada, técnica ou juridicamente, porque o
direito a ser comprovado demanda conhecimentos especializados, ou recai sobre negócio
jurídico cuja forma escrita seja requisito essencial (inc. II)” (STJ, REsp 798.079/MS, 3.ª
T., j. 07.10.2008, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 23.10.2008, disponível em:
[www.stj.jus.br], acesso em: 02.12.2012). No mesmo sentido: SANTOS, Moacyr Amaral.
Comentários ao Código de Processo Civil (Arts. 332 a 475). 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1989. vol. IV, p. 244; CINTRA, Antonio Carlos de Araujo. Comentários ao
Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. Vol. IV, p. 158
(ponderando que o que se pretende evitar com o disposto no art. 400, I, é a produção
de provas inúteis); REICHELT, Luis Alberto. A prova no direito processual civil. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 246.
132. Citem-se, exemplificativamente, os critérios de controle mencionado por Vittorio
Denti, para cuja análise podem contribuir as testemunhas e outras fontes de prova: (a)
a apreciação da autoridade científica do expert; (b) a incorporação ao patrimônio
científico comumente aceito dos métodos de investigação por ele seguidos; (c) a
coerência lógica da argumentação (DENTI, Vittorio. Cientificidad de la prueba e libre
valoración del juez. Estudios de derecho probatório. Trad. Santiago Sentís Melendo e
Tomás A. Banzhaf. Buenos Aires: EdicionesJuridicas Europa-America, 1974. p. 301-302).
133. No particular, refutou-se a insustentável proposição do art. 214 do CC, de que a
confissão é irrevogável. A confissão não é um negócio jurídico que se revogue ou a
respeito do qual a lei possa vedar a revogação. É, simplesmente, elemento de prova.
Portanto, não há que se cogitar da revogação ou não do que foi dito sobre determinado
fato. Apenas são suscetíveis de revogação (e de irrevogabilidade) atos que contenham
alguma disposição sobre direitos. Cite-se, novamente, o posicionamento de Leonardo
Greco acerca deste art. 214 do Código Civil: “Trata-se de evidente confusão com a
renúncia ou o reconhecimento do direito, pois, ‘não se confessa a dívida, a relação
jurídica; confessam-se fatos’ (PONTES DE MIRANDA, Comentários ao CPC. 3. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1996. t. IV, p. 315), que continuam objeto de prova, embora a
confissão gere uma presunção de veracidade dos fatos confessados” (GRECO, Leonado.
A prova no processo civil: do Código de 1973 ao novo Código Civil cit., p. 384). Idêntico
raciocínio é aplicável ao disposto no art. 352 e incisos, do CPC vigente, que dispõe sobre
as hipóteses em que a confissão pode ser revogada, confundindo-a, novamente, com um
negócio jurídico.
134. GRECO, Leonardo. A prova no processo civil: do Código de 1973 ao novo Código
Civil cit., p. 384.
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135. Leonardo Greco, com arrimo em Giampiero Balena, assevera que as preclusões
“colidem com os mais elevados fins publicísticos do processo, distanciando-o da busca de
uma sentença justa” (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil cit., 2011, p. 128-
129).
136. GRECO, Leonardo. A verdade no Estado Democrático de Direito. In: MENDES,
Gilmar Ferreira; STOCO, Rui (org.). Doutrinas essenciais – Direito Civil – Parte Geral.
São Paulo: Ed. RT, 2011. vol. I, p. 495-502.
137. GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais… cit.
138. Nesse sentido: DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. 12. ed.
Salvador: Juspodivm, 2010. vol. I, p. 45.
139. FARIA, Márcio Carvalho. A duração razoável dos feitos: uma breve tentativa de
sistematização. Revista Eletrônica de Direito Processual. ano 4. vol. VI. jul.-dez. 2010.
Disponível em [www.redp.com.br/arquivos/redp_6a_edicao.pdf]. Acesso em:
28.12.2013.
140. DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil cit., p.59-60.
141. GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais…cit.
142. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O futuro da justiça: alguns mitos. Temas de
Direito Processual: Oitava Série. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 1-14, especialmente
p. 5.
143. THEODORO JR., Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional.
Insuficiência da reforma das leis processuais. Disponível em:
[www.abdpc.org.br/artigos/artigo51.htm], acesso em: 28.12.2013.
144. “O importante é que o procedimento seja adequado à necessidade concreta de
tutela jurisdicional efetiva. Se não o for, o juiz deve dispor de meios para ajustá-lo a
essa necessidade, desde que preserve o equilíbrio entre as partes e não crie situações
absolutamente imprevisíveis para as partes” (GRECO, Leonardo. Garantias
fundamentais…cit.)
145. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao CPC. 15. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2009. vol. V, p. 453-458.
146. Nesse sentido, com diversos exemplos, comentários e decorrências expressas da
adoção: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. O princípio da comunhão das provas.
Disponível em:
[www.professordanielneves.com.br/artigos/201011151758060.comunhaodasprovas.pdf].
Acesso em: 30.12.2013.
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147. “Privacy is an isssue of profound importance around the world. In nearly every
nation, numerous statutes, constitutional rights, and judicial decisions seek to protect
privacy” (SOLOVE, Daniel J. Understanding Privacy. Cambridge: Harvard University
Press, 2008. p. 2).
148. “O que é preciso assentar é a necessidade garantística da apuração dos fatos, a
necessidade de buscar a verdade dos fatos como pressuposto da tutela jurisdicional
efetiva dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico. De nada adianta a lei atribuir
ao cidadão inúmeros direitos, se não lhe confere a possibilidade concreta de demonstrar
ser titular desses direitos, ou seja, se lhe impõe uma investigação fática capenga,
incompleta, impedindo-o de obter a tutela dos direitos pela impossibilidade de
demonstrar a ocorrência dos fatos dos quais eles se originam” (GRECO, Leonardo.
Instituições de processo civil cit., 2011, p. 95).
149. Sob tal ponto, o Projeto inova ao exigir expressamente o contraditório, de modo a
assegurar a participação das partes no processo, mediante a necessidade de sua prévia
oitiva antes do reconhecimento da ilicitude. Trata-se do reconhecimento da tradicional
diferença entre conhecer ex officio(o que lhe é permitido) e decidir ex officio(o que lhe é
vedado pelo contraditório). Nesse sentido: “(… Para tanto, todavia, em um ambiente
processual pautado pela cooperação, tem o órgão jurisdicional de possibilitar às partes
oportunidade para que argumentem a propósito de eventual deslinde da causa sem
resolução de mérito por esse ou aquele motivo, inclusive indicando o Estado-juiz a sua
possível visão jurídica do material do processo. Caso não tenham ainda se pronunciado
em suas manifestações escritas sobre o tema, têm as partes de ser instadas a fazê-lo de
maneira prévia à decisão a fim de que se mantenha um paritário desenvolvimento do
diálogo no processo. Trata-se, novamente, de o órgão jurisdicional obedecer ao dever de
consulta que o grava inexoravelmente em um processo civil organizado a partir da ideia
de colaboração” (MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil…cit., p. 122).
150. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A Constituição e as provas ilicitamente obtidas.
Revista de Processo. vol. 84. p. 144. São Paulo: Ed. RT, 1996.
151. XAVIER DE ANDRADE, Alberto Guedes. A aplicabilidade do princípio da
inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito no processo civil. Revista de
Processo. vol. 126. p. 219. São Paulo: Ed. RT, 2005.
152. “O princípio da contaminação tem sua origem no caso Silverthorne Lumber & Co. v.
United States, em 1920, tendo a expressão fruit of the poisonous tree sido cunhada pelo
Juiz Frankfurter, da Corte Suprema, no caso Nardone v. United States, em 1937. Na
decisão, afirmou-se que “proibir o uso direto de certos métodos, mas não pôr limites a
seu pleno uso indireto apenas provocaria o uso daqueles mesmo meios considerados
incongruentes com padrões éticos e destrutivos da liberdade pessoal” (LOPES JR., Aury.
Direito processual penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 600).
153. É certo que o STF já reconheceu a possibilidade de se admitir a fonte independente
como hipótese de admissão da prova ilícita por derivação (STF, HC 74.599/SP, rel. Min.
Ilmar Galvão, DJ 07.02.1997, p. 01340, Ement. vol. 01856-02, p. 00380) bem como a
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descoberta inevitável (STF, RHC 90.376/RJ, 2.ª T., j. 03.04.2007, rel. Min. Celso de
Mello).
154. ROQUE, Andre Vasconcelos. O estado de necessidade processual e a
admissibilidade das provas (aparentemente) ilícitas. Revista de Processo. vol. 153. p.
311. São Paulo: Ed. RT, 2007.
155. GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil cit., 2011, p. 134.
156. “Thus has the privilege remained controversial. It continues to produce hotly
contested cases in the courts, a disputatious literature in the law reviews, and strong
reactions – indignant, laudatory, and puzzled – among informed observers” (HELMHOLZ,
R. H. et al. The privilege against self-incrimination. Chicago: Teh University of Chicago
Press, 1997. p. 4).
157. “O réu não é obrigado a depor contra si próprio e tem o direito de responder
mentirosamente ao juiz que o interroga” (MARQUES, José Frederico. Elementos de
direito processual penal. São Paulo: Bookseller, 1998. vol. II, p. 298).
158. “A mentira em juízo é ilícito processual civil (litigância de má-fé, art. 17, II, do
CPC)” (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2009.
vol. II, p. 110).
159. “An individual can properly assert his Fifth Amendment privilege against self-
incrimination whenever he reasonably believes that the testimonial evidence tendered
could be used against him in a domestic criminal prosecution” (COOK, Julian A.
Investigative criminal procedure. New York: Wolters Kluwer, 2012. p. 217).
160. A extensão do princípio é a mesma do Direito Italiano: “La formula è ampia: Il teste
ha diritto di non respondere non soltanto alla singoladomanda, ma a tutte le domande
che concernono quei ‘fatti’ dai quai emerga una sua responsabilità per un reato
commesso in passato” (TONINI, Paolo. Manuale di Procedura Penale. Milano: Giuffrè,
2009. p. 272).
161. “Incriminating information may thus be compelled even under the Fifth Amendment
if therare no criminal consequences – even IF the disclosure would cause a person great
disrepute. In Ullmnn v. United States, for example, a witness granted immunity to testify
about his activities in the Communist Party contended that he would suffer disgrace and
severe social sanctions by testifying. He claimed that He might lose his job and friends,
as well as be blacklisted from future employment. The Court rejected the witness’s
argument because no criminal sancitons would be imposed as a result of his testifying”
(SOLOVE, Daniel J. Op. cit., p. 116).
162. “Lo que defendemos aquí es la aplicacíon ‘equilibrada’ del derecho a no auto
inculparseen matéria tributaria, considerando además la negativa repercusión econômica
sobre el erário público que conllevaría una inadecuada observância de dicha garantia”
(PUCCIARELLO. Mariana. Derecho a no autoincriminarse y deber de colaborar em el
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En caso necesario, la inspección podrá practicarse con el auxilio de peritos. Al acto sólo
podrá asistir el defensor o una persona de confianza del examinado, quien será advertido
previamente de tal derecho.
Art. 218 bis. Obtención de ácido desoxirribonucleico (ADN). El juez podrá ordenar la
obtención de ácido desoxirribonucleico (ADN), del imputado o de otra persona, cuando
ello fuere necesario para su identificación o para la constatación de circunstancias de
importancia para la investigación. La medida deberá ser dictada por auto fundado donde
se expresen, bajo pena de nulidad, los motivos que justifiquen su necesidad,
razonabilidad y proporcionalidad en el caso concreto.
Para tales fines, serán admisibles mínimas extracciones de sangre, saliva, piel, cabello u
otras muestras biológicas, a efectuarse según las reglas del saber médico, cuando no
fuere de temer perjuicio alguno para la integridad física de la persona sobre la que deba
efectuarse la medida, según la experiencia común y la opinión del experto a cargo de la
intervención.
La misma será practicada del modo menos lesivo para la persona y sin afectar su pudor,
teniendo especialmente en consideración su género y otras circunstancias particulares.
El uso de las facultades coercitivas sobre el afectado por la medida en ningún caso podrá
exceder el estrictamente necesario para su realización.
Si el juez lo estimare conveniente, y siempre que sea posible alcanzar igual certeza con
el resultado de la medida, podrá ordenar la obtención de ácido desoxirribonucleico (ADN)
por medios distintos a la inspección corporal, como el secuestro de objetos que
contengan células ya desprendidas del cuerpo, para lo cual podrán ordenarse medidas
como el registro domiciliario o la requisa personal.
164. Como bem destaca Leonardo Greco: “Creio que esse dever de colaboração recai
com mais intensidade, se o depoente ou o informante é uma das partes, porque violaria
a paridade de armas se uma delas, a pretexto de proteção da sua privacidade,
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subtraísse da outra possibilidade concreta de provar os fatos dos quais pode resultar o
seu direito. Nesse caso, a escusa de depor ou de exibir somente poderia ser admitida se
fundada em motivo do 1.º grau de privacidade. Se o depoente ou o informante não for
parte, é preciso não esquecer que todo terceiro tem o dever de colaborar com a Justiça
no descobrimento da verdade e, assim, também a prestação de depoimento ou a
entrega de documento decorrem desse dever, não podendo o ordenamento jurídico criar
escusa com fundamento no suposto direito de não se autoincriminar, sob pena de grave
limitação à busca da verdade” (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil cit.,
2011, p. 124).
165. “O primeiro grau, intangível, indisponível, insuscetível de ponderação, porque sem
ele não há respeito à dignidade humana; o segundo grau correspondente a relações e
vínculos de identificação pessoal do seu titular com outros sujeitos da comunidade, está
sujeito à ponderação, podendo ser sacrificado em benefício de valores ou interesses
superiores e o terceiro grau, decorrente de relações do sujeito com outras pessoas da
comunidade que, embora não sejam públicas, não lhe atribuem uma identidade
particular, mas correspondem às relações comuns entre pessoas de um determinado
grupo social, em que o conteúdo objetivo da comunicação sempre prevalece sobre
qualquer interesse individual” (Idem, p. 122).
166. “It is a good starting point because although the word ‘privacy’ is not specifically
mentioned in the Constitution, our right to be free from unreasonable searches ans
seizures is. The Fourth Amedment has been interpreted as protecting our privacy at least
against government officials, and as such it is the most direct constitutional safeguard
for privacy” (ALDERMANM, Ellen; KENNEDY, Caroline. The right to privacy. New York:
Vintage, 1997. p. XV).
167. “Constitucional. Penal. Gravação de conversa feita por um dos interlocutores:
licitude. Prequestionamento. Súmula 282 do STF. Prova: reexame em recurso
extraordinário: impossibilidade. Súmula 279 do STF. I. – gravação de conversa entre
dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de
documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente
quando constitui exercício de defesa. II. – Existência, nos autos, de provas outras não
obtidas mediante gravação de conversa ou quebra de sigilo bancário. III. – A questão
relativa às provas ilícitas por derivação “the fruits of the poisonous tree” não foi objeto
de debate e decisão, assim não prequestionada. Incidência da Súmula 282 do STF. IV. –
A apreciação do recurso extraordinário, no caso, não prescindiria do reexame do
conjunto fático-probatório, o que não é possível em recurso extraordinário. Súmula 279
do STF. V. – Agravo não provido” (AgIn 50.367/PR, 2.ª T., j. 01.02.2005, rel. Min.
Carlos Velloso, DJ 04.03.2005).
168. Em análise do direito processual penal Eugênio Pacelli destaca: “O que deve ser
protegido, em qualquer situação, é a integridade, física e mental do acusado, a sua
capacidade de autodeterminação, daí porque são inadmissíveis exames como o do soro
da verdade ou de ingestão de qualquer substância química para tal finalidade. E mais:
deve ser também protegida a dignidade da pessoa humana, a vedar qualquer
tratamento vexaminoso ou ofensivo à honra do acusado, e o reconhecimento do
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princípio da inocência” (PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo:
Atlas, 2012. p. 384).
169. Neste ponto, como bem observa o Leonardo Greco:“Se o Estado Democrático de
Direito assenta na prevalência da dignidade humana e dos direitos fundamentais e, se
para que essa prevalência se efetive em benefício de todos ou de um grupo de cidadãos
é necessário limitar o acesso à prova judiciária de determinados fatos, que favoreceria
outro cidadão, impõe-se ponderar o interesse público que protege a coletividade ou
determinada atividade do Estado com o interesse perseguido pelo particular que àquele
se contrapõe, identificando com precisão qual é tal interesse público e quais são os
direitos fundamentais de outros cidadãos, que correm o risco iminente de sacrifício, caso
o interesse público invocado não venha a prevalecer” (GRECO, Leonardo. Instituições de
processo civil cit., 2011, p. 137).
170. “Fundamentado frequentemente invocado para a recusa de fornecimento de
informações ou de documentos pela Administração é o chamado segredo de Estado que,
em face do inc. XXXII do art. 5.º da Lei Maior, pode hoje ser conceituado entre nós
como o sigilo de atos e documentos constantes dos arquivos de órgãos públicos que
contenham informações, cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do
Estado” (Idem, p. 137).
171. “Una vez más, sin embargo, se producen lagunas en torno al desarrollo
procedimental. Lo que obliga a remitirnos a lasotras modalidades de exhibición
documental para llegar a La consideración de que estas entidades oficiales pueden
negarse a La exhibición, expresando lós motivos que crean convenientes (la no
disposición del documento, el carácter reservado del mismo, etc.), siendo el tribunal
quien decida si se trata de um motivos justificados o no. Se estabelecen eventuales
causas de oposición como la reserva o secreto, dirigiendo la entidad pública al tribunal
exposición razonada sobre dicho carácter. Resulta adecuada esta formulación puesto que
así el juez dispondrá de razones suficientes para requerir o no la exhibición” (PUIGVERT,
Sílvia Pereira. La exhibición de documentos y soportes informáticos enelproceso civil.
Navarra: Editorial Arazandi, 2013. p. 142).
172. Neste sentido, conferir: GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil cit., 2011,
p. 138.
173. TARUFFO, Michele. La semplice verità – Il giudice e la costruzione dei fatti. Bari:
Editori Laterza, 2009. p. 135-193.
174. CALAMANDREI, Piero. Op. cit., p. 536-562.
175. ZUCKERMAN, Adrian. Learning the facts – discovery. In: CHASE, Oscar G.;
HERSHKOFF, Helen (coord.). Civil litigation in comparative context. St. Paul:
Thomson/West, 2007. p. 208.
176. TROCKER, Nicolò. La Formazione del Diritto Processuale Europeo. Torino: G.
Giappichelli, 2012. p. 329-333.
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177. YARSHELL, Flávio Luiz. Op. cit.
178. “Um lançar de olhos para o sistema da common law pode-nos esclarecer que essa
limitação cognitiva, se relevante, poderia ser remediada por vários meios, entre os quais
um procedimento investigatório preliminar, como a discovery ou disclosure,
respectivamente do direito americano e do direito inglês” (GRECO, Leonardo.
Instituições de processo civil cit., 2010, p. 114-115).
179. “A primeira providência seria a instauração de um procedimento ordinário
verdadeiramente bifásico, tal como adotado recentemente na Espanha e na Finlândia,
caracterizado pela criação de dois momentos decisórios culminantes, a audiência
preliminar e a audiência final de instrução e julgamento, e a eliminação mais extensa
possível da fragmentação do procedimento em uma série infindável de decisões
intermediárias. A preparação da primeira seria antecedida dos articulados de ambas as
partes, a complementação do contraditório em relação às defesas indiretas arguidas pelo
réu e a proposição em concreto pelas partes das provas que pretendem produzir,
apontando os fatos cuja demonstração com elas pretendem obter, de tal modo que o
juiz na primeira audiência, com a colaboração das partes, caso frustrada a conciliação,
fixe as questões de fato e de direito que devam ser objeto da decisão final, esclarecendo
com elas eventuais dúvidas, e determinando então as provas a serem produzidas e a
sequência dos atos a ser adotada” (GRECO, Leonardo. Novas Perspectivas da Efetividade
e do Garantismo Processual. Processo Civil – Estudos em homenagem ao Professor
Doutor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. São Paulo : Atlas, 2012. p. 273-308).
180. De acordo com Beatrice Ficcarelli “Il punto delicato dell’organizzazione di qual si
vogliamo dello processuale consiste nella disciplina della sua ‘fase preparatoria’. È ben
noto, infatti, cheil processo, in tanto può svolgersi in modo rápido e dordinato, in quanto
la trattazione iniziale inducale parti ed il giudice a fissare, in modo tendenzialmente
definitivo, i fatti e le questioni controverse, eliminando tutto ciò che non costituisce
oggetto di reale conflitto” (FICCARELLI, Beatrice. Fase preparatoria del processo civile e
case management giudiziale. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2011. p. 11).
181. “La tendenza evolutiva dei sistemi processuali contemporanei va verso l’adozione di
uno schema procedimentale a due fasi, l’una destinata alla preparazione (ed eventuale
risoluzione anticipata della causa), l’altra destinata all’assunzione delle prove e alla
decisione” (TROCKER, Nicolò. La Formazione del Diritto… cit., p. 321).
182. CHASE, Oscar. Law, culture and ritual. New York: New York University Press, 2005.
183. Conforme consta das Practice Directions – Pre-action Conduct inglesas: “Section I –
Introduction. 1. Aims. The aims of this Practice Directions are to – (1) enable parties to
settle the issue between them without the need to start proceedings (that is, a court
claim); and (2) support the efficient management by the court and the parties of
proceedings that cannot be avoided. 1.2 These aims are to be achieved by encouraging
the parties to – (1) exchange information about the issue, and (2) consider using a form
of Alternative Dispute Resolution (‘ADR’)”. Disponível em:
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[www.justice.gov.uk;courts;procedure-rules;civil;rules;pd_pre-
action_conduct#IDAZZ2S], acesso em: 30.01.2012. No mesmo sentido: ANDREWS, Neil.
The Three Paths of Justice…it., p. 64 e FICCARELLI, Beatrice. Op. cit., p. 97.
184. Acerca do fenômeno no processo moderno europeu, Nicolò Trocker: “Dice vodella
tendenza degli ordinamenti processuali moderni a prefigurare forme di preliminare
discovery e di facilitare scambio di ‘informazione’ trale parti in fase pre-processualeanche
per promuoverelacomposizionestragiudizialedelleliti” (TROCKER, Nicolò. La Formazione
del Diritto…cit., p. 333).
185. Apesar de o cumprimento dos preactions protocols não ser exigido como condição
de procedibilidade para a demanda, o juiz, no exercício do case management, quando
ocorrer violação de regra processual, de practice direction ou de decisão, pode
determinar algumas sanções à parte que os descumpriu como, por exemplo, repartição
despesas, indeferimento de indicação de assistente técnico na fase processual quando a
parte deixou de fazê-lo antes do processo (Rule 35.7 da Civil Procedure Rules), ou ainda,
e principalmente, striking out, ou seja, o poder da corte de declarar sem efeito os atos
processuais, como a inicial, quando esta não apresentar fundamentos razoáveis, ou
constituir abuso do processo, ou impedir a justa trattazione da causa (FICCARELLI,
Beatrice. Op. cit., p. 102-103).
186. Foram resumidos da seguinte forma, no Informativo 546 do STF, o julgamento
proferido nas MC na ADIn 2.160 e MC na ADIn 2.139, em que foi relator o Min. Marco
Aurélio Mello, DJe 23.10.2009, acerca do art. 625-D da Lei 9.958, de 12.01.2000, que
trata da submissão antecipada às Comissões de Conciliação Prévia da Justiça do
Trabalho: “Por reputar caracterizada, em princípio, a ofensa ao princípio do livre acesso
ao Judiciário (CF, art. 5.º, XXXV), o Tribunal, por maioria, deferiu parcialmente medidas
cautelares em duas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores no Comércio – CNTC e pelo Partido Comunista do Brasil – PC
do B, pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB, pelo Partido dos Trabalhadores – PT e pelo
Partido Democrático Trabalhista – PDT – para dar interpretação conforme a Constituição
Federal relativamente ao art. 625-D, introduzido pelo art. 1.º da Lei 9.958/2000 – que
determina a submissão das demandas trabalhistas à Comissão de Conciliação Prévia– a
fim de afastar o sentido da obrigatoriedade dessa submissão”.
187. “Também não há exigência de esgotamento de outras instâncias, administrativas
ou não, para que se busque a guarida jurisdicional. Quando assim o deseja, a própria
Constituição impõe este requisito, como ocorre em relação às questões esportivas, que
devem ser resolvidas inicialmente perante a justiça desportiva para que, após o
esgotamento das possibilidades, possam ser remetidas ao exame do Poder Judiciário.É a
única exceção constitucional. Única” (DIDIER JR., Fredie. Notas sobre a garantia
constitucional do acesso à justiça: o princípio do direito de ação ou da inafastabilidade
do poder judiciário. Revista de Processo. vol. 108. p. 23. São Paulo: Ed. RT, 2002).Em
sentido contrário: “Uma vez posto, no direito objetivo, a exigência do prévio
esgotamento da via administrativa, temos que, se e enquanto não ocorrer esse fato, não
haverá, técnica e propriamente uma lide, a ser submetida ao Judiciário. Poderá haver
um simples interesse ou expectativa; não, propriamente, um direito subjetivo
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189. FICCARELLI, Beatrice. Op. cit., p. 96.
190. Em sentido contrário: CAMBI, Eduardo; HOFFMANN, Eduardo. Op. cit., p. 59.
191. “No sistema processual brasileiro, há de se aceitar que a conduta processual única
possa gerar o convencimento necessário, pois, tal valoração decorre da regra aberta
prevista no art. 332 do CPC” (Idem, ibidem).
192. “Nel contesto del processo è appropriato parlare di verità relativa e oggetiva. La
verità dell’accertamento dei fatti è relativa – nel senso che è relativa la conoscenza di
essa – perchè si fonda sulle prove che giustificano il convincimento del giudice e
rappresentano la base conoscitiva sulla quale trova giustificazione il convincimento cheun
certo enunciato corrisponda al la realtà dei fatti della causa. La stessa verità è oggetiva
in quanto non è il frutto delle preferenzes oggetive e individuali del giudice, o di altri
soggetti, ma si fonda suragioni oggettive che giustificano il convincimento del giudice e
derivano dai dati conoscitiviche risultano dalle prove” (TARUFFO, Michele. La semplice
verità… cit., p. 83).
193. Em sentido contrário, admitindo as declarações e o comportamento das partes
como elemento de prova, vide CAMBI, Eduardo; HOFFMANN, Eduardo. Op. cit., p. 59.
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213. “É da essência do processo bifásico que nenhuma das partes seja surpreendida na
audiência final com uma prova cujo conteúdo não tenha podido prever, o que
comumente ocorre com o arrolamento de testemunhas na véspera da audiência e a
omissão pela parte que a arrola de qualquer informação sobre o fato que a testemunha
assistiu e sobre o qual virá depor em juízo. Poder-se-ia prever que as partes, nos
articulados, trouxessem desde logo, declarações escritas das testemunhas a serem
ouvidas, o que permitiria avaliar com mais precisão a relevância e utilidade do seu
depoimento e facultaria ao adversário preparar-se para a sua inquirição” (GRECO,
Leonardo. Novas perspectivas da efetividade e do garantismo processual…cit., p. 273-
308).
214. COMOGLIO, Luigi; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Lezioni Sul Processo Civile,
Il processo ordinario di cognizione. 4. ed. Bologna: Il Mulino, 2006. vol. I, p. 368-370.
215. “Oggi la disciplina del rito ordinario predisposta dalla ZPO tedesca consacra la non
disponibilità degli aspetti di progressione del rito con disposizioni come il § 272, comma
3.º, per cui ‘l’udienza deve avere luogo il più presto possibile’; oppure il § 278, comma
1o secondo cui la parte deve far valere ‘tempestivamente’ i suoi mezzi di attacco e di
difesa, nonché comunicare ‘tempestivamente’ alla controparte, prima dell’udienza, i
mezzi di difesa sui quali è prevedibile che quest’ultima non possa prendere posizione
senza previa informazione (§ 278, comma 2.º, ZPO)” (TROCKER, Nicolò. La concezione
del processo di Franz Klein e l’attuale evoluzione del diritto processuale civile europeo. Il
Giusto Processo Civile. ano VII. n. 1/2012. p. 45. Milano: Scientifiche Italiane, 2012,).
216. O processo comum português é distribuído em quatro fases distintas: dos
articulados, da contestação, da instrução e da discussão e julgamento. A primeira
corresponde a este momento do procedimento bifásico proposto pelo projeto, para a
alegação das matérias de fato e de direito e o requerimento dos meios de prova; entre
petição inicial, contestação e réplica (arts. 147-I, 552, 203 e 572 e 584 do CPC
português). A segunda, equivalente à audiência preliminar projetada, objetiva a
identificação do objeto litigioso e a enumeração dos temas da prova, saneamento do
processo e preparar as diligências probatórias (arts. 590, 220-1, 591, 595 e 596-1 do
CPC português). A terceira é direcionada à instrução propriamente dita e a quarta, por
fim, para debates e julgamento (FREITAS, José Lebre de. A ação declaratória comum à
luz do Código de Processo Civil de 2013. 3. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 2013. p. 29-32).
217. “244. Modo di deduzione. La prova per testimoni deve essere dedotta mediante
indicazione specifica delle persone da interrogare e dei fatti, formulati in articoli separati,
sui qualiciascuna di esse deve essere interrogati” (CONSOLO, Cláudio. Codice di
Procedura Civile commentato, Artt. 1 – 286. 4. ed. Milão: IPSOA, 2010. t. I., p. 2504).
218. Reconhecendo a necessidade de preparação do juiz para a Case Manegement
Conference, audiência preparatória do processo inglês, como forma de redução dos
custos, o Review of Civil Litigation Costs – final report de Lord Rupert Jackson prescreve:
“3.15 The only effective way to control expert costs is by good case management. The
suggestion made by the Bar Council and by a set of chambers set out in paragraph 3.3
above is a sensible one, but is only appropriate for cases where the sums at stake and
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the potential costs make the exercise worthwhile. If (a) the parties are prepared to
spend money on a CMC, a large part of which will be devoted to determining the scope
of expert evidence, (b) trial counsel attend that CMC well prepared and (c) the judge
reads into the case properly first, then such an exercise will yield huge dividends. The
judge will be able to make a focused order stating what expert evidence each party can
call and upon what issues. The judge can also identify with precision any topics which
require a single joint expert. If the judge makes a focused order of this nature, it will be
much easier to resolve the conundrum identified by the PNBA in its submissions. It will
be clear to the experts how far they must go and what ground they must cover”. Citando
esta passagem, Beatrice Ficcarelli ratifica a necessidade dos advogados e do juiz se
prepararem para a audiência preparatória como forma de redução dos custos
processuais: “A tal proposito, è stato rilevato che per ridurre in modo consistente le
spese di lite è importante che gli avvocati si presentino all’incontro adeguatamente
preparati e che il giudice abbia letto precedentemente gli atti ed i documenti della causa”
(FICCARELLI, Beatrice. Op. cit., p. 69).
219. “§ 285 Trattazione in seguito all’assunzione delle prove. (1) Il risultato
dell’assunzione delle prove deve essere oggetto di trattazione fra le parti che devono
illustrare il rapporto controverso” (PATTI, Salvatore. Codice di Procedura Civile Tedesco,
Zivil prozess ordnung. Trad. Milano: Giuffrè, 2010. p. 192-193).
220. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Os elementos objetivos da demanda à luz do
contraditório. In: TUCCI, José Rogério Cruz; BEDAQUE, José Roberto dos Santos
(coord.). Causa de pedir e pedido no processo civil: questões polêmicas. São Paulo: Ed.
RT, 2002. p. 35; OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo… cit., p. 181; GRECO,
Leonardo. Instituições de processo civil cit., 2010, p. 34-38; RODRIGUES, Marco Antonio
dos Santos. A modificação do pedido e da causa de pedir no processo civil. Rio de
Janeiro: GZ Editora, 2014.
221. O calendário foi formalmente introduzido no sistema francês, somente para o
circuit long, através do art. 23 do Dec. 1.678 de 28.12.2005, que introduziu os
parágrafos terceiro, quarto e quinto no art. 764 do Código daquele país (FICCARELLI,
Beatrice. Op. cit., p. 69).
222. CADIET, Loïc. Les conventions relatives au procès en droit français. In: CIPRIANI,
Franco (coord.). Accordi di parte e processo. Milano: Giuffrè, 2008. p. 7-36.
223. O legislador prevê procedimentos diversificados em circuits: breve, semibreve e de
trattazione ordinária, o circuit long, definidos de acordo com a maior ou menor
complexidade do objeto da cognição. A fixação do circuit adequado ocorre na audiência
chamada Conférence du Président (art. 759, comma 2) na qual o juiz presidente,
ouvidas as partes, entre outras coisas: (1) tenta a conciliação, (2) observa a presença
de demanda incidental, (3) a necessidade de um diferimento para a produção de uma
prova documental e, principalmente, (4) se é o caso de remeter o processo ao juge de la
mise en état, ou se reenvia a causa diretamente a audiência de discussão (audience des
plaidoiries) (FICCARELLI, Beatrice. Op. cit., p. 72).
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TUTELAS SUMÁRIAS, TUTELAS DE URGÊNCIA E O PENSAMENTO DE
ALCIDES MUNHOZ DA CUNHA
Resumo: O presente artigo pretende uma síntese das ideias do Prof. Alcides Munhoz da
Cunha a respeito das tutelas cautelares (em sentido lato). Além de expor os principais
conceitos com que trabalha o autor, relaciona-se estas conclusões às diretrizes traçadas
pelo novo Código de Processo Civil, apontando como tais visões são semelhantes e
sugerindo algumas soluções para possíveis problemas que o novo texto legal pode
suscitar.
Abstract: This article seeks a synthesis of Prof. Alcides Munhoz da Cunha's ideas on
protective measures and injunctive relief (lato sensu). Besides of exposing the main
concepts used by the author, it relates these findings to the guidelines set by the new
Civil Procedure Code, pointing out how such views are similar and suggesting some
solutions to possible problems that the new legal text may raise.
Keywords: Injunctive relief - Summary relief - Protective measures - Fumus boni iuris
- Periculum in mora - Periculum damnum irreparabile - Injunction - Fungibility.
Sumário:
- 1.Observações preliminares - 2.Esboço do pensamento geral de Alcides Munhoz da
Cunha sobre a “tutela cautelar” - 3.As tutelas de urgência na ótica de Alcides Munhoz da
Cunha - 4.As tutelas sumárias no pensamento de Alcides Munhoz da Cunha - 5.Últimas
considerações
1. Observações preliminares
O tema das tutelas de urgência, sobretudo depois das reformas processuais de 1994, é
alvo de importantes debates e de ampla análise pela doutrina brasileira.
Sem dúvida, um dos autores que mais se debruçaram sobre o tema na atualidade foi
Alcides Munhoz da Cunha, professor associado da Universidade Federal do Paraná,
Mestre e Doutor em Direito, falecido prematuramente em junho deste ano. Sua
contribuição para o tema é de relevância ímpar, ainda que seus escritos sejam pouco
examinados e pouco discutidos pelos autores modernos.
Este texto é uma singela homenagem ao pensamento deste autor, cujas reflexões
podem rivalizar com o pensamento mais evoluído e mais contemporâneo que se conhece
sobre a matéria, como se verá adiante.
Em verdade, para qualquer pessoa que conheceu o Prof. Alcides Munhoz da Cunha, não
é de espantar essa centelha de genialidade em seus escritos. Nos vários tópicos a que
ele se dedicou, suas reflexões sempre estiveram dentre aquilo que de melhor se
produziu no Direito brasileiro. Desde o campo da proteção coletiva, até a questão da
tutela de urgência, seu pensamento merece maior atenção, mesmo porque muitas de
suas conclusões foram, posteriormente, chanceladas pela doutrina, pela jurisprudência
ou mesmo pelas leis posteriores, a demonstrar o acerto de suas ideias e de suas
observações.
Talvez o fundamento mais importante de seu pensamento é sua adesão à visão material
da atividade cautelar.
Como se sabe, o Código de Processo Civil atual adotou a chamada visão processual do
processo cautelar, seguindo a orientação italiana predominante. Isso implica dizer que,
na ótica do Código, a função cautelar é atividade acessória, sempre ligada a outra
finalidade principal (de conhecimento ou de execução). Neste sentido, afirma o art. 796
do CPC, que “o procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do
processo principal, e deste é sempre dependente”. Ou seja, segundo esta orientação, a
função cautelar não é autônoma, mas sim dependente de outra atividade (cognitiva ou
executiva) principal. Por isso, na ótica do Código, a função cautelar, embora goze de
autonomia estrutural – ou seja, constitui objeto de um processo próprio –, gera um
procedimento “acessório” em relação a outro (arts. 108, 109 e 800 do CPC) e possui
dependência funcional às outras atividades jurisdicionais (arts. 806 e 808 do CPC).
Assim ocorre porque, segundo essa visão, a característica fundamental da tutela cautelar
é sua “instrumentalidade hipotética” em relação à atividade de conhecimento ou de
execução. Esta instrumentalidade hipotética (ou instrumentalidade ao quadrado)
significa dizer que o processo cautelar é instrumento de outro instrumento (outro
processo), voltando-se à proteção da seriedade da prestação jurisdicional. Sua
finalidade, portanto, é a proteção do resultado útil de outro processo, não estando
atrelada necessária ou diretamente ao direito material.
A tutela cautelar, sob esta ótica, seria uma forma de proteção imprescindível, tanto para
o jurisdicionado – que teme o perecimento de seu interesse – como para o Estado – que
não pode deixar de oferecer proteção a situações que podem ampliar o litígio,
especialmente em casos de valores relevantes.7
É o caso, por exemplo, das técnicas dos títulos executivos ou do provimento monitório.
Desde já, então, é possível notar o grande eixo de distinção eleito por Alcides Munhoz da
Cunha para seu sistema: a presença ou não do perigo de dano irreparável, atrelado a
situações de aparência. Existindo este perigo, conjugado ao fumus boni iuris, tem-se
situações que exigirão proteção cautelar; não havendo este risco, embora presente a
aparência do direito, pode ou não o Estado indicar mecanismos de proteção sumária
para dados interesses.
Isso faz com que Alcides Munhoz da Cunha se refira à existência de duas formas de
antecipação de tutela: a antecipação urgente e a antecipação emergencial. Esta última
estaria atrelada à função cautelar, enquanto a outra seria forma de proteção fundada em
cognição sumária.9
Curiosamente, ainda que muitos “torçam o nariz” para esta visão unificada, fato é que o
projeto de Código de Processo Civil, em vias de ser aprovado, retoma a unificação destas
duas classes, tratando as antecipações de tutela fundadas em periculum damnum
irreparabile e as medidas assecuratórias (também fundadas em risco de dano
irreparável) em uma só categoria e com um só regime jurídico: o das tutelas provisórias
fundadas em urgência (arts. 298 e ss., do projeto de CPC). 11 De fato, como prevê o art.
298, do projeto, “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que
evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do
processo”. Ainda que o texto do projeto eventualmente faça referência a tutelas de
urgência “de natureza cautelar” ou “de natureza satisfativa”, ou eventualmente aluda
ainda a “tutelas antecipadas” e “tutelas cautelares”, fato é que a tendência do projeto é
clara no sentido de voltar a um modelo uniforme de procedimento, semelhante ao que
se tinha na redação original do CPC/1973.
Deste modo, é digno de nota que a concepção há muito defendida por Alcides Munhoz da
Cunha – ainda que contestada pela maioria da doutrina nacional – é hoje abertamente
acolhida no texto daquele que virá em breve a ser a nova lei processual civil nacional.
Como afirma Alcides Munhoz da Cunha, o periculum in mora é conceito mais amplo, que
pode gerar nos vários ordenamentos soluções diversas. Contra o risco de demora, deve
um ordenamento conceber técnicas capazes de minimizar o risco de ordinarização do
processo. Este perigo, assim, está ligado às tutelas sumárias de forma geral (a exemplo
da técnica monitória), e não necessariamente à tutela cautelar. Nas palavras do autor,
“o que se quer enfatizar, porém, é que a característica inconfundível do periculum que
legitima a tutela cautelar não é apenas o periculum in mora, mas o periculum in mora
qualificado pela iminência de dano irreparável ao interesse da parte que, não
encontrando ambiente nas tutelas ordinárias ou mesmo sumárias para o
reconhecimento, proteção ou realização definitiva com o possível status de direito
subjetivo ou primário, socorre-se então da tutela subsidiária, cautelar, temporária, de
mera verossimilhança, porque confere proteção ou realização a interesses na perspectiva
da plausibilidade, sem aptidão para a definitividade, pois o que atua é o direito de
cautela, o direito à tutela do fumus, enquanto fumus, em situação de perigo qualificado,
que exige tutela de urgência urgentíssima”.14
Isso, porém, não retira da proteção cautelar sua autonomia e sua sujeição a regime
próprio, que não se confunde com aquele reservado às tutelas sumárias em geral.
A leitura de Alcides Munhoz da Cunha, ainda defende, mesmo antes da edição do art.
273, § 7.º, do CPC, a fungibilidade entre as várias tutelas cautelares viáveis. Por isso,
ainda que solicitada proteção assecuratória, nada impediria ao juiz deferir medida
satisfativa e vice versa.16 Segundo ele, esta solução decorre da própria natureza da
proteção cautelar, e sequer exigiria estar regrada.
Esta solução – que decorre, como é natural, da concepção unitária dos provimentos
satisfativos antecipatórios e assecuratórios defendidos pelo autor – não apenas tornaria,
de fato, dispensável a alteração legislativa que resultou no atual art. 273, § 7.º, do CPC,
como também resolve outro grande problema ainda presente. Como se sabe, o art. 273,
§ 7.º, do CPC, por conta de sua redação, solucionou apenas parte do problema, ao
prever que, quando solicitada providência antecipatória, é possível a outorga de tutela
cautelar, se presentes os requisitos dessa; porém, não resolveu a situação inversa, ou
seja, a questão de saber se é possível ao juiz conceder medida antecipatória, quando
requerida (equivocadamente ou não) providência cautelar. Embora a doutrina brasileira
ainda divirja sobre o assunto, a questão teria pouca dificuldade de solução na doutrina
de Alcides Munhoz da Cunha. Para ele, porque ambas as providência fazem parte da
ideia de cautelaridade em sentido amplo, não haveria qualquer dificuldade na admissão
desta fungibilidade.
Enfim, como se vê, sua teoria, embora possa ser considerada como pouco ortodoxa para
sua época, oferece vantagens inegáveis na solução de problemas cotidianos. Mais do que
isso, é dotada de tamanha atualidade, que vem expressamente albergada no projeto de
novo Código de Processo Civil.
Se as vantagens da doutrina do autor já são várias no âmbito das tutelas voltadas contra
situações de perigo, é possível dizer que suas ideias são ainda mais interessantes
quando se trata de investigar as chamadas “tutelas sumárias”.
Para Alcides Munhoz da Cunha, este tipo de proteção se reveste de requisitos próprios,
diversos daqueles que informam a tutela cautelar em sentido amplo, que abrange a
proteção satisfativa e assecuratória urgente, em casos de perigo de dano. 17
Segundo ele, ainda que ambos se baseiem em cognição sumária, os casos de cognição
sumária, aqui, são espécie “variante da cognição exauriente para a tutela de direitos,
precipitando a definição e satisfação dos direitos presumidos em situações de direito
estrito”.18 Já a cognição sumária que informa a tutela cautelar, tem inimagináveis
situações, que não podem ser contidas em moldura legal, porque tratam de proteção
residual do sistema.
Essa forma de proteção, ainda, ao contrário do que sucede com a tutela cautelar – que é
uma inerência do sistema e decorre da garantia constitucional da efetividade da
prestação jurisdicional – tem por base critérios de política processual. Trata-se de opção
do legislador e, por isso, estas hipóteses são regidas pelo princípio da tipicidade,
sujeitando-se a pressupostos regrados. Não é dado ao juiz, então, eleger situações que
mereceriam esta forma de proteção, nem escolher quando e como ela deve ser
prestada. É a lei que, precisamente, indica os casos em que tais medidas podem ser
deferidas, normalmente empregando critérios muito mais precisos do que aqueles
utilizados para o deferimento de “medidas cautelares” (satisfativas ou assecuratórias).
Por outro lado, já que aqui não se tem a presença de uma pretensão autônoma à
segurança, estas medidas atuam sobre a mesma lide de que trata a demanda de
cognição exauriente. Em virtude disso, são medidas efetivamente ligadas ao processo de
cognição exauriente, normalmente ocasionando a presunção de certeza do direito objeto
da proteção.19 Desta presunção decorre, ainda, a estabilidade normal dos provimentos
de cognição sumária, de modo que tais decisões nascem tendentes a manter sua
estabilidade até a confirmação da presunção no final do processo, ou eventualmente até
sua modificação final. Embora esta presunção de certeza e esta estabilidade possam
variar conforme a medida em exame, fato é que em regra tais providências tendem a
manter-se ao final e, por isso, são normalmente prestigiadas até a solução final da
causa.20
Trazendo este conceito para as antecipações de tutela de que trata o art. 273, II, ou
aquela disciplinada pelo art. 273, § 6.º, do CPC, ou ainda para os casos tratados como
“tutela da evidência” pelo projeto de novo Código de Processo Civil, 21 é possível notar,
em primeiro lugar, a impossibilidade de tratar identicamente essas figuras e a “tutela
cautelar”, de que trata o art. 273, I, do CPC, ou a que se refere o Livro III do CPC/1973.
Ou seja, o estudo de Alcides Munhoz da Cunha parece ser fundamental para eliminar o
verdadeiro fetiche que se criou em torno do princípio do contraditório, permitindo notar
que, não obstante a importância deste cânone, ele não pode ser visto de forma isolada
dentro do sistema.22 Ao contrário, exige uma leitura contextualizada, cedendo
eventualmente a outros interesses também relevantes, e que devem ser atendidos pelo
direito processual.
E isso significa a possibilidade de tutelas diferenciadas, com maior ou menor incidência
de contraditório antes da emanação da decisão judicial, tomando por premissa as
situações normais cotidianas e a maior ou menor chance de que eventuais defesas do
réu sejam acolhidas pelo Judiciário. As tutelas sumárias, enfim, são realmente uma
excelente resposta à tendência à ordinarização do processo, que contamina muitas das
leituras atuais dos processualistas brasileiros.
5. Últimas considerações
Mais do que isso, ainda que se trate de uma teoria não muito conhecida – ou menos
ainda seguida – pela ampla maioria dos processualistas atuais, são evidentes as
vantagens que podem oferecer para a prática dos provimentos de urgência.
Do mesmo modo, suas ideias a respeito das tutelas fundadas em cognição sumária –
inspiradas no direito italiano e, em particular, nos estudos desenvolvidos por Chiovenda
– seriam de grande utilidade para a construção de técnicas mais amoldadas à realidade
de alguns tipos específicos de interesses e para a oferta de instrumentos de proteção
mais adequados.
É, de fato, uma lástima que as ideias do Prof. Alcides Munhoz da Cunha não tenham
recebido a devida atenção e o necessário debate na doutrina nacional, ainda que sejam
hoje chanceladas pelo projeto de Código de Processo Civil em trâmite. É, porém, motivo
de tristeza ainda maior o fato de ter o direito processual civil brasileiro perdido figura tão
ímpar como ele, ainda com tanta contribuição a oferecer ao Direito e à construção de
uma sociedade melhor.
A todos aqueles que conheceram o Prof. Alcides Munhoz da Cunha, não é de espantar
que suas teorias sejam simples, como ele mesmo era, porém, contundentes, precisas,
originais e úteis, como era típico de seu pensamento e de seu agir. Oxalá tais
concepções possam ser reexaminadas neste momento de alteração processual, e
recebam a necessária posição no debate jurídico nacional.
1. Sobre as ideias de Pontes de Miranda, v., especialmente, PONTES DE MIRANDA,
Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense,
1976, passim; Id. Tratado das ações. Campinas: Bookseller, 1999. vol. 6, t. XII, p. 335
e ss.
2. A respeito das ideias de Ovídio Baptista da Silva sobre a tutela cautelar, v., em
especial, SILVA, Ovídio Baptista da. A ação cautelar inominada no direito brasileiro. Rio
de Janeiro: Forense, 1979, passim; Id. Do processo cautelar. Rio de Janeiro: Forense,
1996, passim.
3. Muito recentemente, e aderindo também a esta orientação, v., TESSER, André Luiz
Bauml. Tutela cautelar e antecipação de tutela – perigo de dano e perigo de demora.
São Paulo: Ed. RT, 2014, passim.
4. Por um debate amplo e atual sobre estas pretensões, v., AA. vv. Polêmica sobre a
ação. Coord. Fábio C. Machado e Guilherme Rizzo Amaral. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006, passim.
5. E não pela provisoriedade, que é normalmente atrelada pela doutrina à função
cautelar. Recorde-se que a diferença fundamental entre a provisoriedade e a
temporariedade está em que a primeira implica a duração limitada no tempo, até sua
substituição por outra providência (a definitiva). A medida temporária, ao contrário, tem
também sua duração limitada no tempo, porém, sem qualquer referibilidade a outra
medida (definitiva) que venha a substitui-la.
6. “Trata-se de um direito substancial, subsidiário, que autoriza a atuação autônoma do
fumus em situação de urgência qualificada pelo periculum damnum irreparabile, para
preservar ou resgatar a idealidade de interesses relevantes correlativos finalisticamente
ao fumus ou instrumentalmente dependentes da atuação do fumus para obter proteção.
Trata-se de um direito atípico, que é o substrato da pretensão material cautelar, que
legitima a pretensão à ação processual cautelar, mediante tutela jurisdicional residual,
que exige cognição especial e discricionária dos pressupostos, para produzir medidas
caracterizadas: (a) pela temporariedade estrutural e funcional; (b) pela fungibilidade na
adequação de medidas conservativas ou antecipatórias; (c) pela limitação dos efeitos
naturais à medida da suficiência ou da estrita necessidade para afastar a situação de
perigo; (d) pela variabilidade do conteúdo e efeitos consoante a variabilidade das
circunstâncias quanto ao fumus e periculum; (e) pela instabilidade do provimento sujeito
à cessação de eficácias enquanto perdura a situação cautelanda; (f) pelas eficácias da
declaração do status de fumus in periculum e principalmente pela mera
mandamentalidade ou mera executividade dos provimentos; (g) pela satisfatividade dos
provimentos em relação à pretensão cautelar, prevenindo ou assegurando a idealidade
da situação cautelanda enquanto perduram as situações de fumus e periculum; (h) pelo
condicionamento a outros e eventuais temperamentos complementares do direito
positivo” (CUNHA, Alcides Munhoz da. Comentários ao Código de Processo Civil. São
Paulo: Ed. RT, 2001. vol. 11, p. 235-236).
7. Idem, p. 388.
8. Alcides Munhoz da Cunha, baseado na obra de Kazuo Watanabe (Da cognição no
processo civil) faz uma distinção entre a antecipação fundada em cognição parcial
horizontal e aquela baseada em cognição sumária vertical. A primeira, segundo ele, não
pode confundir-se com a tutela cautelar. Afirma ele que “comparando-se a técnica da
sumarização parcial ao fenômeno cautelar, poder-se-ia ser levado a pensar em um
primeiro momento que a pretensão cautelar, tendo conteúdo reduzido em relação à
pretensão ideal ou principal (quando houver inter-relação de lides), submeter-se-ia a
essa técnica, correspondendo a uma lide parcial. Todavia, não é isso o que ocorre. Na
tutela cautelar há outra lide, com fundamento em direito subsidiário de cautela, cuja
pretensão se funda nas concretas razões de fumus e de periculum damnum. Não se
trata, pois, a pretensão cautelar de uma pretensão sumarizada, mas de pretensão
autônoma. Os seus procedimentos, que comportam uma sumarização ritual, são
adequados ou suficientes para cognição especial e peculiar à tutela cautelar, ressalvada
a possibilidade de fungibilidade de técnicas, em face das inovações ocorridas com o inc. I
do art. 273, e § 3.º do art. 461 do CPC” (Idem, p. 396). O mesmo se dá em relação à
segunda figura, porém, por razões diversas. Esta segunda categoria é a que interessa
para este estudo, porque possui reflexos muito interessantes e importantes na
classificação adotada pelo autor, e que serão analisadas no texto.
9. CUNHA, Alcides Munhoz da. Antecipatória urgente e antecipatória de emergência:
diversidade de regime jurídico. In: ARMELIN, Donaldo. (Coord.). Tutelas de urgência e
cautelares – estudos em homenagem a Ovídio A. Baptista da Silva. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 26.
10. Logicamente, a antecipação de que aqui se trata é apenas aquela fundada em perigo
de dano irreparável (art. 273, I, do CPC). As outras (art. 273, II ou art. 273, § 6.º, todos
do CPC), pela falta da presença do risco de dano irreparável, ficariam fora da categoria
das medidas cautelares.
11. A referência aos dispositivos diz respeito à última edição disponível do texto, que se
refere ao relatório do Senador Vital do Rêgo, apresentado no final de 2014, à Comissão
Temporária do Código de Processo Civil, disponível em:
[www.senado.leg.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=157375&tp=1].
12. CUNHA, Alcides Munhoz da. Comentários… cit., p. 272.
13. “Problemi della c.d. tutela giurisdizionale differenziata”. Appunti sulla giustizia civile.
Bari: Carcucci, 1982, p. 249-250.
14. CUNHA, Alcides Munhoz da. Comentários… cit., p. 275.
15. Idem, p. 311.
16. “Para bem caracterizar esse gênero cautelar, parece conveniente frisar que em face
da pretensão cautelar anunciada pelo autor, cabe ao juiz decretar as medidas
temporárias adequadas, as quais, em vista da análise e ponderação das concretas
razões que informam a causa de pedir, tanto poderão ser de natureza estritamente
conservativa como antecipatória dos efeitos, ainda que parciais, da pretensão cautelar.
Aliás, isso vem expresso no art. 798 do CPC. Ocorre que a urgência que normalmente
inspira ou impulsiona a função cautelar, mais a característica da fungibilidade das
medidas e da temporariedade dos seus efeitos, autoriza o convencimento de que não é
tanto o pedido, mas a causa de pedir que define e fixa no âmbito da cautelaridade o
possível conteúdo e efeitos do provimento judicial adequado, que tanto pode ser
meramente conservativo como antecipatório dos interesses que são objeto da pretensão
cautelar (fumus) para atingir o ideal de efetividade da jurisdição” (Idem, p. 337). Antes
disso, o mesmo autor já defendia esta perspectiva em A lide cautelar no processo civil.
Curitiba: Juruá, 1992. p. 161.
17. Idem, p. 443-446.
18. CUNHA, Alcides Munhoz da. Antecipatória urgente e antecipatória de emergência:…
cit., p. 28-29.
19. Como afirmava Chiovenda, as medidas de cognição sumária são vocacionadas a
tornarem-se definitivas. Antecipa-se sua executividade em razão da ideia de
normalidade (quod plerumque accidit), ainda que a cognição não esteja completa
(CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. J. Guimarães
Menegale. São Paulo: Saraiva, 1942. vol. 1, p. 333 e ss.).
20. “Com efeito, não há precariedade nas medidas antecipatórias de cognição sumária,
que decorrem de pressupostos regrados, indicativos de suficiência de dados para a
antecipação. Estes pressupostos autorizam desde logo a definição e a satisfação
antecipada do direito presumido como certo. A presunção gera estabilidade, e o juiz
somente poderá rever a decisão em cognição exauriente, sob pena de instalar o tumulto
processual” (CUNHA, Alcides Munhoz da. Antecipatória urgente e antecipatória de
emergência:… cit., p. 33).
21. Segundo prevê o art. 309, do projeto de CPC, “A tutela da evidência será concedida,
independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do
processo, quando: I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto
propósito protelatório da parte; II – as alegações de fato puderem ser comprovadas
apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou
em súmula vinculante; III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova
documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de
entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; IV – a petição inicial for
instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a
que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”.
22. Também por uma crítica a essa visão descontextualizada do princípio do
contraditório, v., SILVA, Ovídio Baptista da. A plenitude de defesa no processo civil. In:
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. (Coord.). As garantias do cidadão na justiça. São Paulo:
Saraiva, 1993, passim.
RECURSO ESPECIAL - NECESSIDADE DE RENOVAÇÃO DE PEDIDO
DE CONCESSÃO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA -
COMENTÁRIOS A ACÓRDÃO DO STJ - AGRG NOS EDIV EM AG EM
RESP 321.732/RS
Abstract: This study aims to analyze the orientation of "STJ" about the need for renewal
of the application consisting for free legal aid in the appeal. After that review, we take
care to point out the main existing reasons in the Federal Constitution and Federal Law,
by which orientation should be modified.
Sumário:
- 1.O acórdão comentado - 2.Os comentários ao acórdão - 3.Bibliografia
1. O acórdão comentado
Dita orientação restou firmada pela Corte Especial do E. STJ por ocasião do julgamento
do AgRg nos EDiv em Ag em REsp 321.732/RS, NE relatado pela eminente Min. Maria
Thereza de Assis Moura, promovido aos 16.10.2013, e publicado no DJe do dia
23.10.2013, assim ementado:
(STJ, AgRg nos EDiv em Ag no REsp 321.732/RS, Corte Especial, j. 16.10.2013, rel. Min.
Maria Thereza de Assis Moura, DJe 23.10.2013).
“(….
Cumpre ressaltar que essa compreensão não afronta o disposto no art. 9.º da Lei
1.060/1950, porquanto é bem verdade que o benefício compreende todos os atos do
processo, assim como também é certo que a gratuidade de justiça é um benefício
momentâneo dependente de uma situação provisória, podendo ser requerido a qualquer
tempo e enquanto perdurar o processo, ou, se o caso, decair quando a parte não mais
detenha a condição de hipossuficiência. Daí a necessidade de renovação do pedido
quando do manejo recursal (….”
Após o julgamento do recurso acima, essa orientação vem sendo seguida pelo STJ, o que
pode ser confirmado, por exemplo, a partir dos resultados dos julgamentos dos
seguintes feitos: (a) AgRg no Ag no REsp 261.520/SC, 2.ª T., j. 25.11.2014, rel. Min.
Assusete Magalhães, DJe 03.12.2014; (b) AgRg no Ag no REsp 587.595/RS, 2.ª T., j.
25.11.2014, rel. Min. Humberto Martins, DJe 05.12.2014; (c) AgRg nos EREsp
1182705/RS, Corte Especial, j. 19.11.2014, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe
11.12.2014; (d) AgRg nos EREsp 1405752/DF, 1.ª Seção, j. 12.11.2014, rel. Min.
Benedito Gonçalves, DJe 18.11.2014.
É o relatório.
VOTO – Min. Maria Thereza de Assis Moura (Relatora): O inconformismo não merece
acolhimento.
Nesse contexto, não se conheceu dos embargos de divergência, uma vez que a Corte
Especial deste Sodalício, entende que o pedido de justiça gratuita ou a comprovação de
seu gozo deve ser concretizado no momento da interposição do respectivo recurso.
2. Precedentes: EDcl nos EREsp 1175699/RS, Corte Especial, rel. Min. Humberto Martins,
DJe 06.02.2012; RCDEsp nos EAg 1.014.514/RS, Corte Especial, rel. Min. Eliana Calmon,
DJe 04.05.2009; AgRg nos EAg 1.302.100/RS, Corte Especial, rel. Min. Gilson Dipp, DJe
11.11.2010; EDcl nos EREsp 1.136.867/SC, 1.ª Seção, rel. Min. Humberto Martins, DJe
10.03.2011; AgRg nos EREsp 235.268/SC, 3.ª Seção, rel. p/ acórdão Des. Adilson Vieira
Macabu, DJe 30.03.2011; RCDEsp nos EREsp 1.088.620/SP, 1.ª Seção, rel. Min.
Benedito Gonçalves, DJe 19.11.2009.
(AgRg nos EREsp 1140406/RS, Corte Especial, rel. Min. Humberto Martins, DJe de
18.05.2012).
Cumpre ressaltar que essa compreensão não afronta o disposto no art. 9.º da Lei
1.060/1950, porquanto é bem verdade que o benefício compreende todos os atos do
processo, assim como também é certo que a gratuidade de justiça é um benefício
momentâneo dependente de uma situação provisória, podendo ser requerido a qualquer
tempo e enquanto perdurar o processo, ou, se o caso, decair quando a parte não mais
detenha a condição de hipossuficiência. Daí a necessidade de renovação do pedido
quando do manejo recursal.
É como voto.”
2. Os comentários ao acórdão
A partir da análise feita a respeito do acórdão ora comentado do STJ, temos que se trata
de orientação que não se coaduna, seja com a Legislação Federal, seja com a
Constituição Federal.
Ao lado disso, tem-se que o preparo, assim como as demais despesas processuais, pode
ser considerado espécie do gênero tributo, amoldando-se bem à ideia do art. 3.º do
CTN.
Nesse contexto, autorizada doutrina, bem como o E. STJ, costumam inserir o preparo
como modalidade de taxa, tributo devido em decorrência de atuação estatal:
2. Consoante dispõe o art. 511 do CPC, ‘no ato de interposição do recurso, o recorrente
comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive
porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção’, levando à conclusão de que a
hipótese de incidência dessa taxa é a protocolização do recurso.
3. Portanto, não é a manifestação do juízo a quo quanto aos efeitos em que recebe a
insurgência, tampouco o deslocamento dos autos ao Tribunal de Justiça ou o julgamento
do recurso que torna exigível o recolhimento do preparo, mas, antes de tudo, a sua
interposição que materializa a hipótese de incidência dessa taxa.
(REsp 1216685/SP, 2.ª T, j. 12.04.2011, rel. Min. Castro Meira, DJe 27.04.2011).
O art. 511, § 1.º, do CPC, disciplina hipóteses de isenção quanto ao pagamento de
preparo, ou seja, isenção quanto ao pagamento de taxa. De outro lado, o art. 150, §
6.º, da CF/1988, ao disciplinar o princípio da estrita legalidade em matéria tributária,
estatui que “Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de
crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só
poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule
exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou
contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g”.
A respeito desse importante princípio em matéria tributária, diz Paulo de Barros Carvalho
que: “O princípio da legalidade é limite objetivo que se presta, ao mesmo tempo, para
oferecer segurança jurídica aos cidadãos, na certeza de que não serão compelidos a
praticar ações diversas daquelas prescritas por representantes legislativos, e para
assegurar a observância ao princípio constitucional da tripartição dos poderes. O
princípio da legalidade compele o intérprete, como é o caso dos julgadores, a procurar
frases prescritivas, única e exclusivamente, entre as introduzidas no ordenamento
positivo por via de lei ou de diploma que tenha o mesmo status. Se do consequente da
regra advier obrigação de dar, fazer ou não fazer alguma coisa, sua construção
reivindicará a seleção de enunciados colhidos apenas e tão-somente no plano legal”. 2
Por sua vez, o Código Tributário Nacional dispõe que “A isenção, ainda quando prevista
em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos
exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua
duração” (art. 176 do CTN). Ao lado disso, esse mesmo diploma legal prescreve que a
legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção deve ser interpretada
restritivamente (art. 111, II, do CTN).
“Recurso Especial. Tributário. Isenção. Art. 96 da Lei 8.383/1991 (diferença entre o valor
de mercado aferido em 31.12.1991 e o constante de declarações de bens de exercícios
anteriores a 1992). Apresentação da declaração de ajuste anual após o exercício
financeiro de 1992. (….
11. Recurso especial desprovido” (REsp 1098981/PR, 1.ª T., j. 02.12.2010, rel. Min. Luiz
Fux, DJe 14.12.2010).
Em suma, ao se considerar o preparo como taxa, tem-se que não é dado se exigir
requisitos não prescritos na lei para a concessão de sua isenção, sob pena de violação da
estrita legalidade em matéria tributária, aplicável também às normas de cunho isentivo.
De seu turno, o art. 9.º, também da Lei 1.060/1950 é expressa no sentido de que “Os
benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do processo até decisão
final do litígio, em todas as instâncias” (Art. 9.º da Lei 1.060/1950).
Exigir a renovação desse pedido implica em impor ao beneficiário que comprove por
mais de uma vez fazer jus a ele, o que vai novamente contra a letra da lei. Deveras, em
caso de inexistência ou desaparecimento dos requisitos essenciais à concessão do
benefício, pode a parte contrária pleitear a sua revogação (art. 7.º da Lei 1.060/1950), o
que pode também ser determinado de ofício (art. 8.º da Lei 1.060/1950). Contudo,
mesmo nesse último caso, deve-se implementar o contraditório devendo-se ouvir a parte
contrária (parte final do art. 8.º da Lei 1.060/1950).
O que não se deve tolerar é que haja a presunção de que houve a revogação de tal
benefício por ocasião da interposição do recurso. Em outros termos, não se deve impor
ao seu beneficiário que renove dito pedido demonstrando, uma vez mais, a existência
dos requisitos para tanto.
Mas não é só. A desnecessidade de renovação do pedido pode ainda ser vislumbrada a
partir de outros dispositivos legais e regimentais.
No âmbito legal, há o art. 13, da Lei 11.636/2007, que cuida de disciplinar as custas
judiciais no âmbito do STJ. Segundo aludido dispositivo legal, “prevalecerá no STJ a
assistência judiciária já concedida em outra instância”.
Ao lado disso, o art. 511, § 1.º, do CPC prescreve que “são dispensados de preparo os
recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios e
respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal”.
Já no âmbito regimental, o RISTJ, possui semelhante redação no art. 115, § 2.º, onde se
lê também que “prevalecerá no Tribunal a assistência judiciária já concedida em outra
instância”.
Deve-se ainda ressaltar que dita exigência de renovação do pedido, ainda que já tenha
sido concedido pelos tribunais locais, é medida que afronta a própria Constituição
Federal, a exemplo do que dispõe o art. 5.º, em seus incs. II (legalidade); XXXV
(princípio da inafastabilidade do Judiciário e acesso à justiça); LIV (princípio do devido
processo legal); LV (princípio do contraditório e ampla defesa) e LXXIV (que assegura a
Assistência Judiciária Gratuita e integral aos necessitados).
Com efeito, a legalidade é amparada pela máxima segundo a qual ninguém é obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei. Nesse contexto, não há
qualquer legislação que imponha a renovação do pedido que já tenha sido concedido
pelas instâncias locais. Diferentemente, o que há é expressa (expressas, em verdade)
disposição legal na linha de que o benefício, uma vez concedido, deverá perdurar até o
final do processo.
Dito de outro modo, a exigência da renovação pode vir retirar do jurisdicionado que já
obteve o benefício a ter de experimentar o dissabor de ver o seu recurso não conhecido,
ainda que não haja lei para tanto.
Em função de toda legislação que cuida da matéria, temos que tal exigência afronta a
Constituição Federal, a legislação federal e, ainda, o próprio RISTJ, devendo ser revista
tal orientação.
Oportuno consignar, inclusive, que ainda que tal orientação seja mantida, devem ser
ressalvados os recursos já interpostos, sob pena de colocar em risco inúmeros princípios
constitucionais, sobretudo a segurança jurídica.
Deveras, sabe-se que as normas de direito processual têm aplicação imediata. Ao lado
disso, em matéria recursal, a norma aplicável deve ser aquela que existia na data da
decisão a ser impugnada, eis que é daí que exsurge o direito de recorrer. A esse
respeito, dizia Galeno Lacerda que “em direito intertemporal, a regra básica no assunto é
que a lei do recurso é a lei do dia da sentença (… proferida a decisão, a partir desse
momento nasce o direito subjetivo à impugnação, ou seja, o direito ao recurso
autorizado pela lei vigente nesse momento. Estamos, assim, em presença de verdadeiro
direito adquirido processual, que não pode ser ferido por lei nova, sob pena de ofensa à
proteção que a Constituição assegura a todo e qualquer direito adquirido”.3
Em outras palavras, não deve o jurisdicionado que já interpôs seu recurso na vigência da
orientação anterior, ou seja, em que não era necessário renovar o pedido de concessão
de assistência judiciária gratuita, ser surpreendido pela nova orientação cristalizada no
STJ. Dando respaldo ao que estamos afirmando, o novo Código de Processo Civil,
recentemente aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção presidencial veio
a trazer eloquente e interessante dispositivo, permitindo aos tribunais modular os efeitos
da decisão em função de alteração de jurisprudência dominante. É o que dispõe o art.
925, § 3.º, do novo CPC, in verbis: “Na hipótese de alteração de jurisprudência
dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda
de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no
interesse social e no da segurança jurídica”.
3. Bibliografia
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 2. ed. São Paulo:
Noeses, 2008.
LACERDA, Galeno. O novo direito processual civil e os feitos pendentes. Rio de Janeiro:
Forense, 1974.
NE Nota do Editorial. A íntegra dessa decisão (AgRg nos EDiv em Ag em REsp
321.732/RS) está disponível, para assinantes, no RT Online
[www.revistadostribunais.com.br] e em Proview, bem como no site do Tribunal
[www.stj.jus.br].
2. Cf. Paulo de Barros Carvalho, Direito Tributário: Linguagem e Método, 2. ed., São
Paulo: Noeses, 2008. p. 282-283.
3. Cf. Galeno Lacerda, O novo direito processual civil e os feitos pendentes, Rio de
Janeiro: Forense, 1974. p. 68.
APELAÇÃO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA NÃO AGRAVÁVEL:
A APELAÇÃO DO VENCIDO E A APELAÇÃO SUBORDINADA DO
VENCEDOR
Sumário:
- 1.Generalidades sobre a recorribilidade das decisões interlocutórias no CPC/2015 -
2.Premissa geral para a compreensão do art. 1.009, § 1.º, do CPC: a apelação contra
decisão interlocutória não agravável - 3.Impugnação das decisões interlocutórias não
agraváveis pela parte vencida - 4.Impugnação das decisões interlocutórias não
agraváveis pela parte vencedora
Recebido em: 05.12.2014
O Código de Processo Civil de 1973 previa que toda e qualquer decisão interlocutória
seria recorrível. Contra as decisões interlocutórias cabia agravo, que podia ser retido ou
de instrumento. À parte interessada conferia-se, então, a opção de escolha entre uma ou
outra modalidade de agravo. Em razão das modificações levadas a efeito pela Lei
11.187/2005, deixou de haver tal opção. A decisão interlocutória deveria ser atacada por
agravo retido, salvo quando houvesse risco de lesão grave ou de difícil reparação,
quando se tratasse de decisão que inadmitisse a apelação, da decisão relativa aos
efeitos em que recebida a apelação ou em casos em que o agravo retido fosse
incompatível com a situação.
Quando o § 1.º do art. 1.009 diz que estas decisões não precluem, o que se está a
afirmar é que não cabe agravo de instrumento contra elas. Sua impugnação há de ser
feita na apelação (ou nas contrarrazões); se não for feita neste momento, haverá,
evidentemente, preclusão.
O tema será examinado sob dupla perspectiva: a impugnação feita pelo vencido, na
apelação, e a impugnação feita pelo vencedor, nas contrarrazões de apelação.
Eis o texto do § 1.º do art. 1.009 do CPC: “As questões resolvidas na fase de
conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não
ficam cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação,
eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões. Sendo suscitadas
em contrarrazões, o recorrente será intimado para, em quinze dias, manifestar-se a
respeito delas”.
A observação é importante.
No regime do agravo retido, a parte praticava dois atos: (a) recorria (agravava), logo
após a decisão interlocutória (oralmente, quando a decisão havia sido proferida em
audiência de instrução e julgamento, ou por escrito, nos demais casos); (b) ratificava o
agravo retido, na apelação ou nas contrarrazões.
Como no sistema do Código de Processo Civil de 2015 não cabe o agravo retido, não há
razão para a prática de dois atos; a parte simplesmente recorre. Este recurso será
veiculado pela apelação ou pelas contrarrazões de apelação.
É disso que cuida o § 1.º do art. 1.009 do CPC: apelação contra decisão interlocutória
não agravável.
Sucede que esta apelação pode ser interposta pelo vencido, como sói ocorrer, mas
também pelo vencedor, o que é um pouco estranho, mas não por isso improvável.
Segundo o texto do § 1.º do art. 1.009 do novo CPC, as interlocutórias não agraváveis
devem ser impugnadas em preliminar da apelação. Há uma dubiedade. Preliminar, aqui,
não se refere a uma questão de admissibilidade; preliminar, no contexto do § 1.º do art.
1.009, significa apenas que a impugnação será feita antes, o que é natural, tendo em
vista a cronologia das decisões: a decisão interlocutória é anterior à sentença. O
combate a uma interlocutória não agravável integra o mérito da apelação. Trata-se de
um pedido recursal que se cumulará, ainda que impropriamente, com o pedido recursal
dirigido à sentença.
A parte vencida poderá optar, entretanto, por recorrer apenas contra a sentença. Se isso
acontecer, haverá preclusão da decisão interlocutória não agravável,
independentemente do respectivo conteúdo – mesmo se se tratar de decisão sobre a
admissibilidade do processo.
É possível, ainda, que o vencido interponha apelação apenas para atacar alguma
interlocutória não agravável, deixando de recorrer da sentença. Não é incomum haver
decisão interlocutória que tenha decidido uma questão preliminar ou prejudicial a outra
questão resolvida ou decidida na sentença – a decisão sobre algum pressuposto de
admissibilidade do processo, por exemplo. Impugnada a decisão interlocutória, a
sentença, mesmo irrecorrida, ficará sob condição suspensiva: o desprovimento ou não
conhecimento da apelação contra a decisão interlocutória; se provida a apelação contra
a decisão interlocutória, a sentença resolve-se; para que a sentença possa transitar em
julgado, será preciso aguardar a solução a ser dada ao recurso contra a decisão
interlocutória não agravável, enfim.
O texto do § 1.º do art. 1.009 do novo CPC foi redigido para o Código de Processo Civil
de 2015, mas com a cabeça ainda no Código de Processo Civil de 1973. Alterou-se toda
a estrutura de impugnação das decisões interlocutórias, passando a existir as
interlocutórias agraváveis e as não agraváveis. Parece que não se atentou que, pelo
sistema do Código de Processo Civil de 2015, haverá decisões interlocutórias não
agraváveis, mas ainda assim recorríveis, só que em outro momento.
O texto deveria ter sido mais claro e mais minucioso. As regras sobre a apelação que
impugna decisões interlocutórias não agraváveis devem ser construídas e aplicadas
levando-se em conta esta premissa.
A decisão interlocutória não agravável também pode ser impugnada pela parte
vencedora, caso lhe seja desfavorável.
O § 1.º do art. 1.009, como já se viu, assim prescreve: “§ 1.º As questões resolvidas na
fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de
instrumento, não ficam cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de
apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões”.
O traslado puro e simples para o Código de Processo Civil de 2015, sem maiores
reflexões, do antigo do modelo do agravo retido previsto no Código de Processo Civil de
1973, torna, também aqui, bem difícil a análise do tema.
A parte eventualmente prejudicada por uma decisão interlocutória não agravável poderá,
tendo em vista a interposição de apelação pela outra parte, recorrer contra esta decisão
interlocutória, nas contrarrazões que apresentar à apelação da parte adversária. Em
outras palavras, as contrarrazões veiculam um recurso do apelado. Elas consistem num
instrumento por meio do qual o apelado poderá recorrer contra uma interlocutória não
agravável.
Essa é a primeira premissa para a compreensão correta deste dispositivo: a “suscitação”,
pela parte vencedora, nas contrarrazões, das decisões interlocutórias não agraváveis, é
um recurso.
Este recurso é uma apelação do vencedor. Não se deve estranhar: como visto em item
precedente, no sistema do Código de Processo Civil de 2015, a apelação é um recurso
que também serve à impugnação de decisões interlocutórias – aquelas não impugnáveis
por agravo de instrumento.
Exatamente porque é recurso, a parte final do § 1.º do art. 1.009 impõe a intimação do
apelante (parte vencida), para que se manifeste sobre esta “suscitação” feita pela parte
vencedora nas contrarrazões.
Justamente por ser um recurso, se a parte vencedora dele não se valer, haverá
preclusão em relação à decisão interlocutória não agravável. Pouco importa o conteúdo
desta decisão interlocutória não agravável, mesmo se versar sobre a admissibilidade do
processo: não será permitido ao tribunal reexaminá-la, por ocasião do julgamento da
apelação do vencido.
A apelação do vencido não devolve ao tribunal o exame das decisões interlocutórias não
agraváveis desfavoráveis ao vencedor. Somente a apelação do vencedor, interposta nos
termos do § 1.º do art. 1.009 do CPC, tem aptidão para devolver o exame das decisões
interlocutórias não agraváveis contra ele proferidas. Caso não interponha esta apelação,
haverá preclusão quanto à possibilidade de reexame dessas decisões.
b) o recurso adesivo pressupõe que tenha havido a sucumbência recíproca, o que não
acontece na hipótese do § 1.º do art. 1.009.
Assim, aplica-se à apelação subordinada interposta pelo vencedor, como, aliás, já se viu,
o disposto no inc. III do § 2.º do art. 997: ela não será examinada se houver desistência
da apelação interposta pelo vencido ou se ela for considerada inadmissível. Também dela
se exigem os mesmos requisitos de admissibilidade exigidos de uma apelação (conforme
dispõe o § 2.º do art. 997).
Imagine que tenha havido sucumbência recíproca. Apenas uma das partes recorre de
forma independente. A outra opta pela interposição de recurso adesivo. Sucede que, em
relação ao capítulo da sentença de que foi a vencedora, havia sido proferida uma decisão
interlocutória não agravável contrária a seu interesse – um indeferimento de uma prova,
por exemplo. Como o prazo para o recurso adesivo é o prazo para as contrarrazões ao
recurso independente, poderá a parte, então, cumular, em um mesmo recurso de
apelação, a apelação adesiva, dirigida ao capítulo da sentença em que restou vencida, e
a apelação subordinada do vencedor contra a decisão interlocutória não agravável
relacionada ao capítulo da sentença em que restou vencedora. Duas apelações, em um
mesmo instrumento, dirigidas a decisões distintas, em que o apelante se revela a um só
tempo um vencido (no recurso adesivo) e um vencedor (na apelação subordinada do §
1.º do art. 1.009). Isso poderia ser feito em duas peças – a peça do adesivo e as
contrarrazões; mas não há qualquer problema em unir os recursos em uma peça e as
contrarrazões, em outra; é até melhor do ponto de vista da organização do futuro
julgamento. Esta situação exigirá um cuidadoso exame do interesse recursal, que variará
conforme a pretensão recursal. Esta situação, aliás, revela o quão diversas podem ser as
posições processuais que um mesmo sujeito exerce em um mesmo processo; 5 às vezes,
esta diversidade se revela na prática de um mesmo ato processual, como é o caso.
Não se deve estranhar a prática de atos processuais sob condição, 6 muito menos a
existência de recurso sob condição.
A denunciação da lide proposta pelo autor é, por exemplo, uma demanda sob condição
de ele, autor, perder a causa para o réu originário.
“Daí a conveniência, que surge para ele [recorrente adesivo], de inverter-se a ordem do
julgamento, só se passando ao exame da matéria veiculada no recurso adesivo na
hipótese de verificar-se que a outra parte tem razão no que tange à matéria do recurso
principal; do contrário, simplesmente se negará provimento a este, ‘confirmando-se’ a
decisão de improcedência do pedido, sem tocar no recurso adesivo. Com base nesse
raciocínio é que em mais de um país, ainda que não sem resistência, se tem admitido
um recurso adesivo condicionado, isto é, interposto ad cautelam, para ser julgado
unicamente no caso de convencer-se o órgão ad quem da procedência do recurso
principal”.8
O recurso adesivo sempre se submeteu à condição legal de conhecimento do recurso
independente. Neste caso, além da condição legal, inerente a todo recurso adesivo, há a
condição voluntária imposta pelo recorrente: além de conhecido, o recurso independente
tem de ser provido.
A apelação do vencedor, prevista no § 1.º do art. 1.009, segue a mesma lógica: ela
somente se justifica se a apelação do vencido for provida. Bem pensadas as coisas,
também pode ser considerada uma apelação cruzada: enquanto a apelação do vencido
impugna a sentença, a apelação do vencedor impugna uma decisão interlocutória.
Inicialmente, o tribunal examinará a apelação do vencido. Esta apelação pode ser para
reformar ou invalidar a sentença.
A decisão sobre a apelação do vencido é, nesta hipótese, uma decisão sob condição legal
resolutiva: dependerá da decisão que julgar a apelação do vencedor.
Pode acontecer de ser provida a apelação do vencido para invalidar a sentença, mas o
tribunal pode, com base no § 3.º do art. 1.011 do CPC, avançar para julgar o mérito da
causa, em vez de determinar o retorno dos autos à primeira instância; a partir daí,
aplica-se o procedimento para o caso de provimento da apelação para reformar: a
decisão sobre o mérito ficará sob condição legal resolutiva, à espera da decisão sobre a
apelação do vencedor.
Rigorosamente, o vencedor não tem interesse de recorrer da sentença, mas pode, como
visto, apelar de interlocutórias não agraváveis. O momento para o recurso contra as
interlocutórias não agraváveis é o das contrarrazões, mas é possível, embora não
recomendável, que o vencedor se antecipe e já interponha sua apelação, sem aguardar a
oportunidade das contrarrazões.
Se o vencedor recorreu de apenas uma interlocutória não agravável, não poderá depois,
nas contrarrazões à apelação do vencido, recorrer de outras interlocutórias não
agraváveis; terá havido preclusão consumativa. A apelação já foi interposta, devendo
ser, inclusive, exigido preparo. O problema aqui é só de rótulo. A apelação do vencedor
deveria ser veiculada nas contrarrazões, mas ele antecipou-se ao momento, valendo-se
de uma apelação autônoma. Já foi interposto o recurso, não sendo necessária sua
ratificação posterior.
Sumário:
- 1.Nota introdutória - 2.Origens da Súmula 456 do STF - 3.Condições para o julgamento
da causa - 4.Do entendimento a respeito do alcance da Súmula 456 do STF -
5.Conclusão - 6.Referências bibliográficas
1. Nota introdutória
A questão que então se coloca é como conciliar essas limitações, com a determinação de
que cabe ao Tribunal julgar a causa, o que implicaria revolver as provas e os fatos da
causa, análise a respeito da qual, em tese, as Cortes superiores não gozariam de ampla
liberdade, bem como com o entendimento assente na doutrina e jurisprudência no
sentido de que o magistrado, ao aplicar o direito à espécie, não se vincula aos
fundamentos trazidos pelas partes ou acolhidos pelas instâncias que o precederam.
“O Min. Orosimbo Nonato entendia que acima do dispositivo regimental está a disposição
constitucional que manda que o STF decida a causa conhecido o recurso. E, ao seu ver,
‘só decidirá a causa, examinando os fatos, de que deriva o direito alegado’.
A Constituição [1946] afirma-o expressamente, quando diz no art. 101, III: ‘Julgar em
recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância dos outros
tribunais ou juízes’. Conseguintemente, admitido ao conhecimento o recurso
extraordinário, a causa tem de ser julgada no mérito e elemento do mérito, condição da
ação, requisito da tutela jurídica, é a legitimidade para a causa. (…
Nos recursos referenciados como tendo dado origem à aludida Súmula, admitiu-se que o
STF, ao julgar a causa, poderia:
(i) determinar a aplicação do direito à espécie, julgando por fundamentos não invocados:
RE 46.988/SP;4
(ii) analisar material probatório quando indispendável para julgar a questão federal
envolvida: AG 23.496/MG;5
(iii) julgar por outro fundamento: RE 35.833/RS;6
Nota-se, pois, o largo espectro que compreendia o conceito “julgar a causa” por ocasião
da edição dessa Súmula 456.
Teori Zavascki8 ressalta “que o verbo conhecer foi empregado na súmula, com um
sentido peculiar, que não pode ser confundido com o comumente adotado em relação
aos recursos ordinários”.
Esclarece esse ministro do STF que “conhecer” não significaria, ali, apenas superar
positivamente os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade. O verbo seria
empregado com significado mais abrangente, para agregar também uma importante
parcela de exame do próprio mérito recursal: a que diz respeito à existência ou não de
violação à norma constitucional ou à norma federal.
(b) a do juízo sobre o enquadramento nas hipóteses dos arts. 102, II e 105, III, e
respectivas alíneas (que na terminologia da Súmula 456 do STF compunha, o juízo de
conhecimento); e, finalmente, se for o caso,
A Súmula 456 do STF nada mais seria do que uma repetição de normas de idêntico
conteúdo então constantes nos regimentos internos do STF e do STJ, conforme segue:
Como mencionado, admitia-se nos julgados que deram origem à Súmula 456/ STF, o
reexame da matéria fática subjacente à demanda, uma vez ultrapassada a etapa do
conhecimento, para fins de rejulgar a causa em sua integralidade.
Como esclarece Miguel Urbano Nagib,12 cingia-se tal entendimento na ideia de que a
Constituição Federal, ao estabelecer a competência recursal extraordinária do STF e do
STJ – julgar as causas decididas em única ou última instância –, não podia tê-los privado
dos meios para desempenhar essa função. Assim, tanto ao STF como ao STJ teria sido
atribuído o poder de rejulgar as causas decididas pelas instâncias inferiores, isto é, as
próprias causas, e não só os fundamentos em que se escoraram as respectivas decisões.
De tal modo, a jurisdição recursal extraordinária não poderia ser cerceada pelas
limitações do instrumento que justamente proporcionaria o seu exercício. Afirma que a
circunstância de a parte não poder alegar matéria de fato ou de direito infra-
constitucional (federal ou local) para fundamentar o cabimento do recurso extraordinário
não poderia significar que as Cortes Superiores estariam impedidas de examinar tais
aspectos, se isto fosse necessário para o julgamento da causa.
Assim sendo, consignou-se que “não cabe, em princípio, ao STF, mesmo conhecendo do
RE, reexaminar os fatos assentados pela instância ordinária”.
Súmula 279 do STF – “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.
Assinala o mestre que a matéria de fato que, contudo, fica excluída do âmbito dos
recursos excepcionais é aquela cujo conhecimento pelas Cortes Superiores levaria a
mero reexame de prova, ou seja, aqueles casos em que não se prescruta o interesse no
contraste entre o decisum recorrido e um texto constitucional ou legal – “onde, na
verdade, o interesse do recorrente é, pura e simplesmente, infringir o julgado, objetivo
esse adequado aos recursos de tipo comum, que já foram ou poderiam ter sido
manejados oportuno tempore”.
Nelson Nery Junior,19 diferentemente, entende ser possível o reexame da prova dos
autos uma vez ultrapassado o conhecimento do recurso. Distingue, contudo, o juízo de
cassação do juízo de revisão. Afirma que o reexame de provas não é possível no juízo de
cassação, daí porque as partes não podem veicular no recurso especial ou extraordinário
a erronia no reexame da prova – “apenas o que estiver no corpo do acórdão é que será
possível de impugnação”.
Entretanto, no sentir do mestre, no juízo de revisão, por ser necessário que o Tribunal
julgue a lide em sua inteireza, seria possível o exame de todas as questões suscitadas,
ficando então livre para rever a causa:
“Mas, se a instância ordinária não houver assentado a premissa fática decisiva para o
julgamento da causa (…, o Tribunal deverá examinar a prova existente nos autos, sem
que daí advenha supressão de instância, cerceamento de defesa, quebra do contraditório
ou violação ao devido processo legal.
Será isto possível? Entendemos que sim. Nem a súmula 279, nem a Constituição
proíbem o STF de reexaminar os fatos da causa, desde que isto seja indispensável para
o seu julgamento – bem entendido: o julgamento da causa, e não o da questão
constitucional veiculada no recurso extraordinário. O que a súmula 279 estabelece é que
‘para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário’, e isto não se discute.
Uma coisa, porém, é dizer que o recurso é incabível para simples reexame de prova;
outra é dizer que o STF, depois de reconhecer que o recurso é cabível, não possa formar
um juízo originário sobre a prova, quando isto seja necessário ao julgamento da causa.
Em algumas situações – e a série de casos mencionada bem demonstra essa
possibilidade –, proibi-lo de formar esse juízo será o mesmo que impedi-lo de julgar a
causa, o que infringiria o art. 102, III, da Constituição.
(a) não seria caso de supressão de instância, pois se supõe que a causa já tenha sido
julgada pela instância de origem;
(b) não haveria cerceamento de defesa, pois a oportunidade para produzir provas já
passou;
(d) não haveria, por fim, violação ao devido processo legal, pois na aplicação do direito
aos fatos da causa consiste a própria essência da atividade jurisdicional.
Foi esse o entendimento manifestado pelo Min. Eduardo Ribeiro, inclusive com arrimo no
aludido precedente do STF no RE 67.284:
Afirma José Miguel Garcia Medina 24 que, “por isso, podem as partes exigir do órgão a
quo, que se manifeste com precisão acerca dos fatos, já que sobre esses fatos, tal como
especificados na decisão recorrida, recairá o juízo de mérito dos recursos extraordinário
e especial”.
Teresa Arruda Alvim Wambier,25 destacando igualmente que o prequestionamento
presta-se a fazer com que conste da decisão a questão federal ou a questão
constitucional, anota que, para que os tribunais superiores possam fazer o reexame da
subsunção, ou seja, a reavaliar o processo subsuntivo em sentido lato, feito pelo tribunal
a quo, muitas vezes haveria a necessidade de se pedir para que integrem
expressamente a decisão aspectos do quadro fático em que se estribou a decisão
impugnada.
Isso porque, anota a mestre a respeito da Súmula 456 do STF, que o rejulgamento a
que alude, quando consistente no refazimento da subsunção, somente não ocorrerá se a
decisão recorrida não contiver os elementos necessários à compreensão das questões a
serem resolvidas, como por exemplo, a decisão proferida pelo juízo a quo que rejeita a
alegação do recorrente com fundamento apenas na não incidência de determinada
norma, sem retratar no acórdão, com exatidão, a “base empírica”, sobre a qual a mesma
incidiria.
Argumenta ainda que se se tem considerado que a inadequação do decisum aos fatos
constantes dos autos é questão de direito e pode dar ensejo à interposição e ao
provimento dos recursos excepcionais, é necessário que a parte tenha o correlato direito
de ver incluídos na decisão os fatos que considera relevantes para que possa demonstrar
que outra conclusão seria a que deveria ter chegado o Tribunal a quo.
Para essa autora seria esse o sentido e o alcance da Súmula 456 do STF, relativamente
ao quadro fático:
“(… o rejulgamento da causa, a que se faz referência nessa súmula, deve ocorrer uma
vez flagrada a ilegalidade, mas com limitações relativas à impossibilidade de se reverem
fatos e de se reexaminarem provas. Em princípio os recursos especial e extraordinário
devem poder ser decididos sem que haja necessidade de que os autos sejam
reexaminados. Como regra geral os elementos para o rejulgamento da causa devem
constar da própria decisão recorrida”.
Ainda a propósito da descrição dos fatos, José Miguel Garcia Medina 26 aponta que pode
ocorrer que a questão de direito se relacione com uma questão de fato prejudicial ou
subordinada.
Nesse sentido a ementa do seguinte acórdão de lavra do Min. Luiz Fux, quando ainda
compunha o STJ:
1. Ofende o art. 535, II, do CPC o acórdão proferido em sede de embargos de declaração
que não enfrenta questão ventilada nas razões do Agravo de Instrumento – interposto
contra decisão liminar proferida nos autos de Ação Civil Pública – e que não foi objeto de
discussão na formação do aresto recorrido.
Para José Miguel Garcia Medina,28 quando, por outro lado, a questão de fato é
subordinada, o Tribunal Superior fixará a inteligência da norma jurídica tida por
negligenciada e remeterá os autos ao juízo recorrido, para que este dê prosseguimento
ao julgamento da causa.
Ao enfrentar a matéria, o STF acabou por fazer uma distinção que os Tribunais Regionais
Federais não vinham fazendo. Decidiu que o imposto (i) era devido, no caso das
sociedades por cotas de responsabilidade limitada, se o contrato social estabelecesse a
disponibilidade econômica ou jurídica imediata, pelos sócios, do lucro líquido apurado, na
data do encerramento do período-base; (ii) e não era devido se o contrato não
estabelecesse tal disponibilidade.
Como os Tribunais Regionais Federais não realizavam tal distinção, a premissa fática,
concernente à existência no contrato de cláusula relativa à disponibilidade do lucro, não
se encontrava delineada em grande número de processos: a questão só se tornara
juridicamente relevante a partir do aludido entendimento do STF sobre a
constitucionalidade do art. 35 da Lei 7.713/1988.
De fato, esclareceu o relator Min. Marco Aurélio que deixava de aplicar o disposto na
Súmula 456 do STF, posto que “o verbete pressupõe o julgamento da lide, consideradas
as peculiaridades exsurgidas nas instâncias anteriores, o que não ocorre no caso dos
autos. (… Por isso, entendo que a solução mais adequada para a hipótese concreta é a
baixa dos autos para julgamento da lide, assentados os contornos quanto à
inconstitucionalidade”.31
De tal modo, conhecendo o Pretório Excelso do recurso, só deve julgar a causa, como
determina a Súmula 456 do STF, se puder fazê-lo à luz das “peculiaridades exsurgidas
nas instâncias anteriores”. Na hipótese de o julgamento depender, contudo, de
premissas fáticas não estabelecidas pelo acórdão recorrido, deverá fixar a tese e
determinar que o tribunal inferior a aplique ao caso concreto.
(…
Assim delineada a questão, tenho que a solução alvitrada foi a que melhor se adequa à
situação dos autos, dada e necessidade de o ora embargante provar sua impossibilidade
de arcar com os custos do processo sem prejudicar a própria manutenção, razão pela
qual, na hipótese, a verificação da plausibilidade do direito vindicado está afeta às
instâncias ordinárias, já que, em sede de especial, é vedada a incursão nas
circunstâncias fáticas da causa (Súmula 7/STJ).
Nesse sentido, Nelson Luiz Pinto 33 consigna que, “uma vez admitido o recurso, não
importando por qual dos fundamentos constitucionais, o STF ou o STJ rejulgará a causa
ou a questão decidida no acórdão recorrido, na sua plenitude, substituindo-o”.
Afirma esse autor que, consoante a disposição legal do art. 267, § 3.º, do CPC, deve ser
dispensado o prequestionamento das questões de ordem pública – no seu entender
essencialmente os vícios ligados à falta das condições da ação e os pressupostos
processuais positivos de existência e de validade do processo, bem como os
pressupostos processuais negativos –, impondo-se ao STJ, até mesmo de ofício,
conhecer dessas questões, evitando-se assim o trânsito em julgado de uma decisão
viciada, e a decorrente propositura da ação rescisória (art. 485, V, do CPC).
“Há, porém, limite a essa possibilidade, que resulta da natureza do recurso: somente os
que são considerados ordinários contendo devolução integral, poderão ensejá-la. O
recurso extraordinário e o recurso especial, que subordinam a atuação do STF e do STJ
aos pressupostos constitucionais de sua admissibilidade, nem sempre ensejarão essa
apreciação, sendo necessário fazer distinção entre a fase de conhecimento e a do
julgamento, propriamente dito, sem o que não se poderia chegar a bom resultado.”
Nessa etapa, afirma o Moniz de Aragão, com arrimo em precedentes do STF 36 e do STJ,37
“ficará livre ao Tribunal apreciar a presença dos pressupostos processuais e das
condições da ação, sem o que lhe seria impossível aplicar o direito à espécie, conforme
dispõem as regras regimentais”.38
Colhe-se ainda a posição do ministro aposentado do STJ Ruy Rosado de Aguiar em que
afirma que a questão de ordem pública, só por isso, não dispensa o requisito do
prequestionamento. Isso significaria alterar substancialmente o sistema recursal
desenhado na Constituição, transformando o STJ em tribunal de revisão ordinária dos
julgados dos tribunais locais, desfigurando a sua posição, aumentando ao infinito o
número dos recursos e permitindo o uso abusivo das nulidades guardadas, a serem
suscitadas depois de vencida a instância ordinária.
Rogério Licastro Torres de Mello partilha desse entendimento e acrescenta que “em
tempos de processo civil orientado à eficácia e à maximização de resultados, esta nos
parece a orientação correta, especialmente porque pode prevenir, inclusive, a
propositura de ações autônomas de impugnação da coisa julgada por conta de vícios de
ordem pública”.40
Releva ainda citar o entendimento de Paulo Henrique dos Santos Lucon 41 no sentido de
que, “para o juiz, a preclusão não pode ser causa de perpetuação de injustiças. Em
determinadas situações excepcionais, e dentro dos poderes que lhe são conferidos,
torna-se imperativo afastar a preclusão”.
(a) a parte não pode ser penalizada pela decisão que deixou de enfrentar a questão
federal ou constitucional, embora tendo sido o tribunal a quo regularmente provocado
por todos os meios que a lei lhe outorga, inclusive com a oposição dos embargos de
declaração, porque “entendimento contrário é tornar o processo fonte autônoma de
direitos, o que somente é possível em relação à sucumbência”. Assim poderia o STJ
conhecer do recurso especial em face da violação ao art. 535 do CPC, tal como se a
matéria tivesse sido prequestionada, pois, com o advento do art. 515, § 3.º, do CPC,
torna-se desnecessária a anulação do acórdão recorrido para que outro seja proferido,
com o devido prequestionamento da matéria;
(c) evite-se a total inutilidade da decisão proferida pelo órgão jurisdicional, ou a nulidade
absoluta ou a inexistência do processo, porque apreciar o mérito antes do exame dessas
matérias “constitui equívoco inadmissível”.42
Para Teresa Arruda Alvim Wambier,43 o tribunal haveria de ficar adstrito a redecidir com
os dados constantes da decisão. Assim, como regra geral, se o recurso tiver
ultrapassado o juízo de admissibilidade, nem por isso as portas estarão abertas para o
tribunal examinar matéria devolvida em sua profundidade.
Afirma a mestre:
“A nosso ver, todavia, a situação não seria substancialmente diferente do que ocorre
com a apelação. O vício da falta de condições de ação na apelação também pode ser
conhecido no tribunal, depois de exercido, com resultado positivo, o juízo de
admissibilidade”.
No seu sentir, “os recursos especial e extraordinário não geram assim, efeito translativo
ou não tem o efeito devolutivo que deles decorre a dimensão vertical”.
No âmbito do STJ encontram-se arestos nos quais vêm se entendendo, justamente com
arrimo no enunciado 456 do STF, ser possível ao tribunal, conhecer de ofício da matéria
de ordem pública, aplicando o direito à espécie, uma vez superada a fase de
conhecimento.
Nesse sentido merece destaque acórdão de lavra da Min. Eliana Calmon, 44 no qual
colacionou tanto precedentes daquela Corte a respeito da possibilidade de conhecimento
da matéria de ordem pública quando vencida a etapa do conhecimento, 45 como
precedentes em que, inobstante não se tenha analisado tal possibilidade, tenha
justamente aplicado de ofício o direito à espécie. 46 Ressalvou a Min. Eliana Calmon, que
“não se afasta o prequestionamento, porque se assim fosse deixaríamos de ter no
especial um recurso técnico para transformá-lo em um recurso de revisão,
descaracterizando, por completo, a finalidade constitucional do próprio STJ”.
Contudo:
“(… aberta a via especial pelo conhecimento, cabe ao relator examinar as questões de
ordem pública, para evitar perplexidades.
O Min. Castro Meira, no voto que proferiu no REsp 485.969, afirmou entender que “a
dicção constitucional – decisão recorrida – exige apenas que o recurso tenha sido
conhecido, permitindo que o julgador possa examinar a causa com liberdade, aplicando o
direito à espécie”.47 Em arrimo à sua tese, destacou precedente da Primeira Seção em
que a Corte consagrou tese não contemplada pela divergência por ocasião do julgamento
do EREsp 423.994/MG:
José Miguel Garcia Medina50 ressalva que se aplica tal orientação apenas em relação aos
fundamentos jurídicos, já que os tribunais julgam a causa “aplicando o direito à espécie”,
atentando à descrição dos fatos, tal como estabelecidos na decisão recorrida.
“Suponhamos, assim, que o pedido formulado pelo autor repouse em três fundamentos:
‘A’, ‘B’ e ‘C’, cada um deles afirmado suficiente. O juiz afirma a demanda procedente
pelo fundamento ‘A’, e se abstém (aliás, a sentença não é obra de doutrina) de examinar
os fundamentos ‘B’ e ‘C’. Ao autor, já vitorioso na demanda, por certo não assistirá
interesse jurídico em apelar para que sejam examinados o segundo e o terceiro
fundamentos. Interesse assiste ao réu sucumbente, e este apela impugnando aquele
fundamento que serviu de arrimo à sentença, ou seja, o fundamento ‘A’.
Em tal hipótese, poderá o tribunal de segundo grau (provocado, ou não, pelo autor em
suas contrarrazões) examinar também os fundamentos ‘B’ e ‘C’? Sim, nos termos do art.
515, § 2.º, do CPC. Mas suponhamos que o colegiado venha a reformar a sentença,
considerando improcedente o fundamento ‘A’, sem todavia efetuar o exame dos
fundamentos ‘B’ e ‘C’; estes, assim, não estarão prequestionados.
Quid juris? Não estará incompleta a prestação jurisdicional, eis que para a incidência da
norma legal não foram considerados os fatos da causa, não foi apreciada a lide (tal como
posta na inicial e na contestação) em sua integralidade? Terá o Tribunal aplicado ‘o
direito à espécie’, na forma regimental e sem violar o direito fundamental do pleno
acesso à Jurisdição?”
“Conhecido o recurso especial, dispõe a norma ali contida, julgar-se-á a causa, com
aplicação do direito à espécie. Para que isso seja possível fazer, pode tornar-se
indispensável o exame de temas que não foram objeto do especial. É o que ocorre
quando o pedido tenha dois fundamentos. Acolhido um deles, em segundo grau, com a
consequente procedência da ação, o outro poderá ficar sem exame, dado que isso será,
do ponto de vista prático, inteiramente desnecessário. Ao autor, que obteve tudo o que
pretendia, nada importando se por um ou por dois fundamentos, não é dado recorrer,
por faltar-lhe interesse. Conhecido o especial, por entender-se que contrariada a lei, não
se pode deixar de examinar o fundamento que não o fora. O que era despiciendo deixou
de sê-lo. Abster-se o tribunal de decidir se, pela outra razão, teria o direito o autor,
importa negar jurisdição. O autor não teria examinada, em momento algum, parte da
causa petendi que deduzira.
Observe-se, ainda, que este Tribunal não é Corte de Cassação. Se o fosse, estabeleceria
o princípio jurídico a ser aplicado e determinaria que tribunal inferior proferisse nova
decisão. Em nosso sistema, isso não ocorre. Este Tribunal é Corte de revisão e, não
sendo caso de anular-se o julgado, cabe-lhe substituí-lo pelo seu. Esta orientação, aliás,
tem sido seguida pelas duas Turmas que integram esta Seção”.52
Esse entendimento foi reiterado pela Corte Especial do STJ, que apreciou causa de pedir
constante da exordial, embora o acórdão recorrido não tivesse a respeito se
manifestado:
1. Se o Tribunal local acolheu apenas uma das causas de pedir declinadas na inicial,
declarando procedente o pedido formulado pelo autor, não é lícito ao STJ, no julgamento
de recurso especial do réu, simplesmente declarar ofensa à Lei e afastar o fundamento
em que se baseou o acórdão recorrido para julgar improcedente o pedido.
2. Nessa situação, deve o STJ aplicar o direito à espécie, apreciando as outras causas de
pedir lançadas na inicial, inda que sobre elas não tenha se manifestado a instância
precedente, podendo negar provimento ao recurso especial e manter a procedência do
pedido inicial”.54
(i) que não havia sido diretamente apreciado pelo Tribunal de origem; 55
(ii) que não havia sido suscitado por quaisquer das partes 56 e nem objeto do recurso
especial;57
(iii) que sequer estava em vigor por ocasião da prolação do acórdão recorrido e da
interposição do recurso especial, posto que a lei ainda não havia sido editada.58
O Min. Cezar Peluso, ao aderir à tese, sustentou que no juízo de mérito, o Tribunal não
pode estar vinculado ao fundamento constante do acórdão recorrido ou àquele que o
recorrente invoque no recurso extraordinário, sob pena de renúncia à sua própria função
constitucional e, portanto, à ordem jurídica em si, eis que impedido de velar pela
Constituição, em sua inteireza:
Miguel Urbano Nagib,59 por seu turno, afirma que se se entende que as Cortes
superiores, ao reconhecerem que a decisão recorrida incidiu numa das hipóteses
previstas nos arts. 102, III e 105, III, da Constituição, deve julgar a causa; e se o
julgamento da causa deve ser feito à luz de todo o ordenamento jurídico – pois nenhuma
causa pode ser julgada sem a potencial consideração de todas as leis existentes no país,
e não seria imaginável que a Constituição fosse atribuir logo ao STF ou ao STJ uma
jurisdição mutilada.
5. Conclusão
6. Referências bibliográficas
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______. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Ed.
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BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 16. ed. Rio
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PINTO, Nelson Luiz. Juízo de admissibilidade do recurso especial. São Paulo: Malheiros,
1992.
a) quando a decisão for contra literal disposição de tratado ou lei federal, sobre cuja
aplicação se haja questionado;
2. NAGIB, Miguel Francisco Urbano. Simultaneidade de recursos mais atrapalha que
ajuda. Disponível em: [www.conjur.com.br/2010-fev-01/simultaneidade-recursos-stf-stj-
atrapa-lha-ajuda].
3. “Art 101. Ao STF compete: (…III – julgar em recurso extraordinário as causas
decididas em única ou última instância por outros Tribunais ou Juízes:
4. STF, RE 46.988/SP, Pleno, j. 31.07.1961, rel. Min. Gonçalves de Oliveira, DJU
20.11.1961.
5. STF, AI 23.496/MG, 2.ª T., j. 14.07.1961, rel. Min. Victor Nunes, DJU 06.09.1961.
6. STF, RE 35.833/RS, 2.ª T., j. 28.11.1961, rel. Min. Victor Nunes, DJU 11.01.1962.
7. STF, RE 56.323/MG, Pleno, j. 01.10.1964, rel. Min. Victor Nunes, DJU 05.11.1964.
8. ZAVASCKI, Teori. Jurisdição constitucional do Superior Tribunal de Justiça. RePro
212/13.
9. Teresa Arruda Alvim Wambier anota a possibilidade de que haja certa dose de
sobreposição entre o juízo de admissibilidade e de mérito. Nota ainda que o juízo de
inadmissibilidade, quando se trata de recursos de fundamentação vinculada, é muito
frequentemente um juízo de não provimento do recurso, proferido como resultado de
cognição exauriente (certeza) quando à inexistência de fundamento invocado. O Juízo de
inadmissibilidade seria assim um juízo definitivo de certeza quanto à inviabilidade do
provimento do recurso, muitas vezes por razões de mérito; já o juízo de admissibilidade
envolveria sempre um juízo de viabilidade – possibilidade, não em tese, mas diante do
caso – de que àquele recurso se dê provimento (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa.
Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Ed. RT,
2008. p. 248).
10. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 16. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2011. vol. 5, p. 601.
11. Tratava-se da redação original do art. 324 do STF. O texto foi alterado com a
introdução da Emenda regimental 31/2009 para constar com a seguinte redação:“Art.
324. Recebida a manifestação do(a) Relator(a), os demais Ministros encaminhar-lhe-ão,
também por meio eletrônico, no prazo comum de vinte dias, manifestação sobre a
questão da repercussão geral.
§ 1.º Decorrido o prazo sem manifestações suficientes para recusa do recurso, reputar-
se-á existente a repercussão geral”.
12. Op. cit.
13. STF, RE 67.284, 2.ª T., j. 29.09.1969, rel. Min. Thompson Flores, DJU 25.02.1970.
14. Transcreva-se da decisão proferida nesse julgamento trechos do debate e dos votos
proferidos pelo Min. Thompson Flores, Eloy da Rocha, Themistocles Cavalcanti e Adaucto
Cardoso:“O Senhor Ministro Eloy da Rocha: Sr. Presidente, a Súmula 456 enuncia o
princípio: “o Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a
causa, aplicando o direito à espécie.”
O Senhor Ministro Eloy Da Rocha: (… a constituição em mora ou não. S. Exa. julgou que
o devedor ficou constituído em mora (…. S. Exa., assim, entrou no exame e julgamento
do mérito. A esta questão de mérito acrescentam-se outras, como a de saber se
realmente não foi cumprido o encargo. Esta parte S. Exa. deixa para a instância
ordinária. Pergunto: será possível separar-se o julgamento do mérito? Tenho dúvida a
êsse propósito.
Filio-me à corrente mais discreta, a qual só aceita a apreciação das questões que
mereceram consideradas na Instância a quo. Pensar de outra maneira seria admitir
julgamento em instância única e na fase extraordinária. (…
O Senhor Ministro Eloy da Rocha: Sr. Presidente, proponho que se vote a preliminar:
saber se, conhecendo do recurso, a Turma julgará a causa, ou somente parte. Fundou-
se o pedido, primeiramente, em que houve mora de pleno direito, porque a obrigação
era negativa. Em segundo lugar, em que a donatária não cumpriu o encargo, cabendo,
em conseqüência, a revogação. O Tribunal local apreciou a primeira questão. O eminente
Relator conhece do recurso e lhe dá provimento, por entender que a decisão importou
em negativa de vigência de lei, mas não examina a segunda questão.
O Senhor Ministro Thompson Flores (Relator): Senhor Presidente, entendo que não
posso ir além. Gostaria de fazê-lo, atento ao princípio da economia processual. Negaria,
porém, o princípio da dupla instância. E com ele prefiro ficar.
(…
O Senhor Ministro Eloy Da Rocha: – Sr. Presidente, data venia, mantenho o meu ponto
de vista. Assiste razão ao eminente ministro Adauto Cardoso quando afirma que o
Supremo Tribunal Federal no recurso extraordinário, não deve examinar os fatos. Essa
matéria, apreciada pela instância ordinária, não será objeto de revisão no recurso. Por
outro lado, tenho como princípio certo que, no momento em que STF conhece, em grau
de recurso extraordinário, do mérito, passa a examinar os fatos.
O Senhor Ministro Adaucto Cardoso: Sr. Presidente, segundo ouvimos dos debates e
segundo percebemos dos memoriais, a prova, neste caso, está toda condicionada por
fatores de conhecimento de ordem legal: (…. Em suma, um conjunto de fatos cuja prova
não terá sido apreciada senão pelo juiz singular e para cuja apreciação a instância
ordinária local sem dúvida alguma estará muito mais capacitada. Sempre que o Supremo
Tribunal Federal, como instância extraordinária, puder abster-se do exame aprofundado
de fato, como em casos dessa natureza, agimos com prudência. Essa a razão pela qual
estou de acordo com a preliminar do eminente relator, não usando dos poderes que nos
confere a súmula, dado que no seu uso, se deve pôr muita discrição.
15. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 10. ed.
rev., ampl. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2007. p. 162.
16. ROSAS, Roberto. Direito sumular: comentário às súmulas do Supremo Tribunal
Federal e do Superior Tribunal de Justiça. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 344.
17. Ressalva, contudo, José Miguel Garcia Medina, “excluem-se das questões de fato a
qualificação jurídica dos fatos, pois quando se qualifica erroneamente um fato há, em
consequência, aplicação incorreta da lei”, hipótese em que passível de controle pelas
Cortes Superiores. (MEDINA, José Miguel Garcia Medina. Prequestionamento e
repercussão geral. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 306).
18. Ocorre que, a par de não ser tarefa simples a distinção entre questões de direito e
questões de fato, não se verifica consistência na jurisprudência os critérios de admissão
dos recursos excepcionais para controle da qualificação jurídica dos fatos (na medida em
que considerada como uma quaestio juris). Esclarece Teresa Arruda Alvim Wambier que
essa inconstância dos Tribunais Superiores deve-se, pelo menos parcialmente, a
nuances, nem sempre perceptíveis, a não ser num exame minucioso e aprofundado de
cada acórdão, cujas peculiaridades no mais das vezes não podem ser apreendidas por
uma frase (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Questão de fato e questão de direito.
Revista da Academia Paulista de Direito. vol. 3. n. 2. p. 235-256. jan.-jun. 2012).
19. NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6 ed. São Paulo: Ed. RT, 2004. p.
441.
20. Idem, p. 442.
21. Op. cit.
22. STJ, 3.ª T., EDCL no REsp 28.325-9, j. 13.04.1993, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU
3.5.1993.
23. STJ, EDcl no AgRg no REsp 905.740/RJ, 2.ª T., j. 07.05.2009, rel. Min. Humberto
Martins, DJe 25.05.2009.
24. MEDINA. José Miguel Garcia. Op. cit., p. 99.
25. ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, extraordinário…cit., p. 353.
26. Op. cit., p. 99.
27. STJ, REsp 478.749/PR, 1.ª T., rel. Min. Luiz Fux, DJU 17.11.2003, p. 208, grifo
nosso.
28. Op. cit., p. 100.
29. Op. cit.
30. STF, RE 172.058/SC, Pleno, j. 30.06.1995, rel. Min. Marco Aurélio, DJU 13.10.1995.
31. A mesma orientação foi seguida em inúmeros casos: STF, RE 204.205, 2.ª T., rel.
Min. Marco Aurélio, DJU 23.03.1998; STF, RE 185.743, 2.ª T., rel. Min. Celso de Mello,
DJU 04.03.1997; STF, RE 175.275, 2.ª T., rel. Min. Celso de Mello, DJU 10.12.1996;
STF, RE 200.972, 2.ª T., rel. Min. Marco Aurélio, DJU 21.02.1997); STF, RE 233.486, 1.ª
T., rel. Min. Sydney Sanches, DJU 06.10.1998.
32. STJ, EDcl no REsp 433.700/SP, 3.ª T., j. 22.09.2003, rel. Min. Castro Filho, DJU
14.10.2003.
33. PINTO, Nelson Luiz. Juízo de admissibilidade do recurso especial. São Paulo:
Malheiros, 1992. p. 145.
34. Op. cit., p. 182.
35. MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de
Janeiro: Forense, 1998. vol. 2, p. 416.
36. “Incompetência da justiça estadual. Empregados da fundação maranhense de
televisão educativa. A decisão que rejeita a preliminar de incompetência absoluta, no
curso do processo, não faz coisa julgada, antes de proferida a sentença final. Reexame
da preliminar no recurso extraordinário interposto contra o acórdão que julgou
procedente a ação. Seu conhecimento e provimento, para acolher a incompetência da
justiça estadual, visto que os autores são empregados da Fundação Maranhense de
Televisão Educativa, regidos pela CLT” (STF, RE 92.634/MA, 1.ª T., j. 10.06.1980, rel.
Min. Soares Muñoz, DJU 01.07.1980, p. 4950).
37. “Processual civil. Legitimidade de parte. Ação civil publica. Leis 7.347/1985 e
8.078/1990. Reparação de danos. Municipalidade de Marília/SP. Ilegitimidade do
ministério publico. Precedentes. 1. Questão relativa a legitimidade de parte é passível de
exame de ofício, não podendo o tribunal ad quem furtar-se de apreciá-la sob alegação
de preclusão. 2. A Lei 7.347/1985 confere legitimidade ao Ministério Público para propor
ação civil publica nas condições estabelecidas no art. 1.º, acrescido do inc. IV pela Lei
8.078/1990. 3. Ação para ressarcimento de possíveis danos ao erário municipal não se
insere nas condições previstas na referida lei, não tendo o Ministério Público legitimidade
para promover ação civil pública para esse fim especifico. 4. Recursos especiais
conhecidos e providos para decretar a extinção do processo, na forma do art. 267, VI, do
CPC” (STJ, REsp 34.980/SP, 2.ª T., j. 15.06.1994, rel. Min. Peçanha Martins, DJU
19.09.1994, p. 24676).
38. Cf. também a respeito ORTIZ, Mônica Martinelli. Âmbito da cognição das questões de
ordem pública nos tribunais superiores e exigência de prequestionamento. RePro
128/184.
39. AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Recurso especial: questão de ordem pública.
Prequestionamento. RePro 132/273-288.
40. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Recurso especial e matéria de ordem pública:
desnecessidade de prequestionamento. RePro 151/335.
41. LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Recurso Especial: ordem pública e
prequestionamento. In: YARSHELL, Flávio Luiz. Estudos em homenagem à Prof. Ada
Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ Editora, 2005. p. 735.
42. Op. cit, p. 739-740.
43. Recurso especial, extraordinário…cit., p. 356.
44. STJ, REsp 466.861/SP, 2.ª T., j. 17.06.2004, rel. Min. Eliana Calmon, Brasília, deram
provimento, maioria, Diário da Justiça da União, Brasília, Seção I, 29.11.2004, p. 277.
45. “A rigidez da observância veio a ser flexibilizada por alguns acórdãos que entendem
possível adentrar-se o STJ em matéria de ordem pública de ofício se, após ser o especial
conhecido, com o prequestionamento de tese jurídica pertinente, depararem-se os
julgadores com uma nulidade absoluta ou com matéria de ordem pública e que pode
levar à nulidade do julgamento ou a sua rescindibilidade. Nesse sentido, transcrevemos
julgados que bem demonstram a tese jurídica:‘Recurso especial. Conhecimento.
Aplicação do direito à espécie (Súmula 456, STF. E RISTJ, art. 257). Amplitude. I –
Caracterizado o dissenso entre o acórdão recorrido e o paradigma colacionado, quanto à
natureza da isenção, impõe-se, na espécie, o conhecimento do recurso, aplicando-se o
direito à espécie.
II – Conforme decidiu esta Turma, Brasília, DF, ‘no contexto assinalado, deve o órgão
julgador limitar-se ao exame da questão federal colacionada, mas, se, ao assim
proceder, tiver de julgar o mérito da controvérsia, pode, de ofício, conhecer das
matérias atinentes às condições da ação e aos pressupostos processuais’.
III – Recurso especial que se conhece para julgar extinto o processo sem julgamento do
mérito (CPC, art. 267, VI)’ (STJ, REsp 32.410/PE, 2.ª T., j. 18.05.1994, rel. Min. José de
Jesus Filho, DJ 20.06.1994, p. 16078).
‘Recurso especial. Admissibilidade. Provisão de oficio. A regra do art. 267, § 3.º, do CPC,
só pode ser aplicada na instância especial uma vez conhecido o recurso, quando, então,
aplica-se o direito a espécie. Agravo regimental a que se negou provimento’ (AGA
65.827/ RJ, 3.ª T., j. 12.06.1995, v.u., rel. Min. Costa Leite, Brasília, DF, DJ 13.05.1996,
p. 15554). ‘Processual civil – Embargos a execução – Penhora – Bem de família. I –
Matéria de ordem pública pode ser suscitada em qualquer fase do processo, até mesmo
no Recurso Extraordinário ou Recurso Especial e ainda que não prequestionada. II – Não
obstante, com suporte nos princípios da economia e da instrumentalidade do processo,
admite-se que a mulher possa, também, postular a exclusão de imóvel, de propriedade
do casal, através de embargos à execução, mormente se a execução é movida contra
empresa-executada, de que são sócios, corresponsável pela dívida assumida. III – O
bem residencial e objetos que lhe guarnecem não respondem por dívidas de qualquer
natureza e, salvo exceções, não poderão eles ser alvo de expropriação judicial. IV –
Recurso não conhecido’ (STJ, REsp 66.567/MG, 3.ª T., j. 25.03.1996, rel. Min. Waldemar
Zveiter, DJ 24.06.1996, p. 22754). ‘Processual – Ação Rescisória – Lei 7.689/1988 –
Constitucionalidade – Controvérsia Jurisprudencial – Sumula 343 do STF – Não
Incidência. I – Ao tomar conhecimento do recurso especial, o STJ deve apreciar, de
ofício, nulidades relacionadas com os pressupostos processuais e as condições da ação.
Não é razoável que – mesmo enxergando vício fundamental do acórdão recorrido – o
STJ nele opere modificação cosmética, perpetuando-se a nulidade. II – Se a petição
inicial, embora sintética e desacompanhada de documento que a completaria, permitiu o
seguro entendimento da pretensão que anima o pedido, não é lícito considera-la inepta.
(STJ, REsp 87.292/SP, 1.ª T. III – Se o acórdão deixou de aplicar a Lei 7.689/1988,
afirmando sua inconstitucionalidade, é possível desconstituí-lo em ação rescisória. Nada
importa a circunstância de ter sido controvertida pelos tribunais a compatibilidade entre
a constituição e a lei: a restrição contida na Súmula 343 do STF incide somente, quando
o acórdão enveredou pela interpretação do dispositivo legal’ (STJ, REsp 109.474/DF, 1.ª
T., j. 09.09.1997, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU 20.10.1997, p. 52978).
46. Confira-se trecho do acórdão:“Nos precedentes a seguir transcritos, o STJ não
examinou diretamente a tese relativa à possibilidade de apreciação de questões de
ordem pública, se ultrapassado o juízo de admissibilidade do especial, como nos arestos
anteriores. Entretanto, aplicou exatamente essa técnica. Vejamos:
47. STJ, REsp 485.969/SP, 2.ª T., j. 11.09.2003, rel. Min. Eliana Calmon, DJU
04.04.2005, p. 251.
48. “Processo civil. Agravo regimental. Embargos de divergência. Fato novo.
Conhecimento. Impossibilidade. Matéria de ordem pública. Prequestionamento.
Necessidade. Recurso não provido. 1. No âmbito dos embargos de divergência, não é
possível modificar a base fática da controvérsia, sendo irrelevantes as alterações
ocorridas posteriormente ao julgamento do recurso especial. Matéria pacificada pela
Corte Especial. 2. Segundo a firme jurisprudência do STJ, na instância extraordinária, as
questões de ordem pública apenas podem ser conhecidas, caso atendido o requisito do
prequestionamento. Aplica-se, no caso, o óbice da Súmula 168/STJ. 3. Agravo
regimental não provido” (STJ, AgRg no EREsp 999.342/SP, Corte Especial, j.
24.11.2011, rel. Min. Castro Meira, DJe 01.02.2012)
49. “Administrativo. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Servidores
públicos. Ação visando a equiparação remuneratória. Assembleia legislativa do estado de
goiás. Capacidade recursal. Inexistência. Precedentes do STJ. Conhecimento de ofício de
questões de ordem pública (CPC, arts. 267, § 3.º, e 301, § 4.º). Aplicação do direito à
espécie. Súmula 456/STF. Possibilidade. Agravo não provido. 1. Doutrina e
jurisprudência entendem que as Casas Legislativas – câmaras municipais e assembleias
legislativas – têm apenas personalidade judiciária, e não jurídica. Assim, podem estar
em juízo tão somente na defesa de suas prerrogativas institucionais. Não têm, por
conseguinte, legitimidade para recorrer ou apresentar contrarrazões em ação
envolvendo direitos estatutários de servidores. 2. Tratando-se de ação ordinária em que
os autores, servidores do quadro de pessoal da Assembleia Legislativa do Estado de
Goiás, postulam a equiparação de seus vencimentos, a qual fora julgada procedente, a
legitimidade recursal recai na Fazenda Pública do Estado de Goiás, tendo em vista que
tal matéria extrapola a mera defesa das prerrogativas institucionais da Assembleia
Legislativa, assim compreendidas aquelas eminentemente de natureza política.
Precedentes do STJ. 3. O STJ pode enfrentar a matéria prevista nos arts. 267, § 3.º, e
301, § 4.º, do CPC, porquanto ‘Os temas que gravitam em torno das condições da ação
e dos pressupostos processuais podem ser conhecidos ex officio no âmbito deste egrégio
STJ, desde que o apelo nobre supere o óbice da admissibilidade recursal, no afã de
aplicar o direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ e Súmula 456 do STF’ (REsp
864.362/RJ, 1.ª T., rel. Min. Luiz Fux, DJe 15.09.2008). 4. Agravo regimental não
provido” (STJ, AgRg no AREsp 44.971/GO, 1.ª T., j. 22.05.2012, rel. Min. Arnaldo
Esteves Lima, DJe 05.06.2012, grifo nosso).
50. Op. cit., p. 104.
51. CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso especial, agravo e agravo interno. 5. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2008. p. 106.
52. STJ, AR 579, 2.ª Seção, j. 28.02.2000, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU 05.02.2001, p.
69.
53. STJ, EREsp 20.645/SC, 2.ª Seção, j. 22.03.2000, rel. Min. Ari Pargendler, DJU
01.08.2000.
54. STJ, EREsp 58.265/SP, Corte Especial, j. 05.12.2007, rel. p/acórdão Min. Barros
Monteiro, DJU 07.08.2008.
55. “Agravo regimental – Fraude à execução – Averiguação da existência de prova da
insolvência pelo credor – Tarefa afeta à instância a quo – Retorno dos autos à origem –
Necessidade – Agravo improvido. 1. O STJ deve, em um primeiro momento, debruçar-se
sobre a matéria de direito trazida no recurso especial, a fim de uniformizar a
jurisprudência pátria acerca da interpretação da legislação federal. 2. Afastado o
fundamento jurídico do acórdão a quo, cumpre a esta Corte Superior julgar a causa,
aplicando, se necessário, o direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ e da
Súmula 456/STF. 3. Ao aplicar o direito à espécie, o STJ poderá mitigar o requisito do
prequestionamento ao valer-se de questões não apreciadas diretamente pela Instância
de origem nem ventiladas no apelo nobre. 4. Quando, porém, a aplicação do direito à
espécie reclamar o exame do acervo probatório dos autos, convirá o retorno dos autos à
Corte de origem para a ultimação do procedimento de subsunção do fato à norma. 5.
Agravo regimental improvido” (STJ, AG 961.528/SP, 3.ª T., j. 21.10.2008, rel. Min.
Massami Uyeda, DJU 11.11.2008, grifo nosso).
56. “Recurso especial – Processo civil – Art. 535 do CPC – Ausência de violação – Inépcia
da inicial – Decretação de ofício na segunda instância – Impossibilidade – Recurso
especial – Julgamento com fundamento diverso do apresentado pelas partes –
Possibilidade – Iura novit curia – Da mihi factum dabo tibi ius – Aplicação do direito à
espécie – Súmula 456/STF – RISTJ, Art. 257 – Prequestionamento – Mitigação. 1. ‘Não
pode ser conhecido recurso que sob o rótulo de embargos declaratórios, pretende
substituir a decisão recorrida por outra. Os embargos declaratórios são apelos de
integração – não de substituição’ (EDREsp 9.770/Humberto). 2. Não podem os tribunais
declarar, de ofício, a inépcia da inicial, para efeitos de extinção do processo (CPC, art.
267, § 3.º). 3. O STJ pode julgar com fundamento diverso daquele apresentado pelas
partes, pois, conhecendo do recurso especial, julgará a causa aplicando o direito à
espécie (Súmula 456/STF e RISTJ, Art. 257). 4. O requisito do prequestionamento tem
sido amainado nas jurisprudências do STJ e STF” (STJ, REsp 277.382/SP, 3.ª T., j.
05.10.2005, rel. Min. Gomes de Barros, DJU 06.12.2005, p. 316, grifo nosso).
57. “Civil. Processo civil. Recurso especial. Ação de repetição de indébito. Duplo
pagamento de insumos adquiridos por grande produtor rural. Pretensão veiculada com
fundamento no CDC. Aplicação do direito à espécie. Possibilidade. Devolução simples do
valor indevidamente pago. Aplicação dos arts. 964 e 965 do CC/1916. Alegação de mora
do credor. Inexistência. Juros moratórios contratuais. Data de início da incidência dos
juros moratórios. Multa em face do alegado caráter protelatório dos embargos de
declaração. Necessidade de fundamentação. – De acordo com o decidido no CC
64.524/MT, 2.ª Seção, de minha relatoria, DJ de 09.10.2006, só há relação de consumo
quando ocorre destinação final do produto ou serviço, e não na hipótese em que estes
são alocados na prática de outra atividade produtiva. Ressalva pessoal. – Seja qual for o
entendimento a respeito da existência ou não de relação de consumo, na presente
hipótese, o próprio Tribunal de Justiça reconheceu a inocorrência de cobrança
extrajudicial indevida, o que afasta a incidência do art. 42, parágrafo único, do CDC. –
Vencida a base jurídica do acórdão recorrido, cabe ao STJ aplicar o direito à espécie,
porque não há como limitar as funções deste Tribunal aos termos de um modelo
restritivo de prestação jurisdicional que seria aplicável, tão somente, a uma eventual
Corte de Cassação. Aplicação do art. 257 do RISTJ e da Súmula 456 do STF. – Não é
cabível a aplicação do art. 1.531 do CC/1916, atual art. 940 do CC/2002, porque aquele
exige a cobrança injustificada por meio de ‘demanda’, ou seja, por ação judicial, além da
ocorrência de má-fé do pretenso credor. – Como ambas as circunstâncias estão
ausentes na presente hipótese, autoriza-se, apenas, a restituição simples do pagamento
indevido, com fundamento nos arts. 964 e 965 do CC/1916 – Não é possível o reexame
de fatos e provas em recurso especial. – Não se conhece de recurso especial na parte
em que este se encontra deficientemente fundamentado. – O dissídio jurisprudencial
deve ser comprovado mediante o cotejo analítico de acórdãos que versem sobre
situações fáticas similares. – Afasta-se a incidência da multa do art. 538, par. único, do
CPC, quando o Tribunal de Justiça não fundamenta adequadamente seu cabimento à
hipótese. Recurso especial parcialmente conhecido e provido” (STJ, REsp 872.666/AL,
3.ª T., j. 14.12.2005, rel. Min. Nancy Andrighi, DJU 05.02.2007, p. 235, grifo nosso).
58. “Administrativo. Processual civil. Embargos de declaração no agravo regimental no
agravo de instrumento. Servidor público. Fungibilidade recursal. Embargos recebidos
como agravo regimental. Deficiência de formação do agravo de instrumento. Não
ocorrência. Reiteração do resp. Existência. Tempestividade. Aferição. Falha do cartório
judicial. Lei 11.960/2009. Inovação legislativa posterior à interposição do REsp.
Aplicação. Possibilidade. Art. 257 do RISTJ e súmula 456/STF. Inconstitucionalidade
afastada pela corte especial. Agravo não provido. (… 7. Superado o juízo de
admissibilidade, o recurso especial comporta efeito devolutivo amplo, já que cumprirá ao
Tribunal ‘julgar a causa, aplicando o direito à espécie’ (art. 257 do RISTJ; Súmula 456
do STF)’ (EDcl no AgRg no REsp 1.043.561/RO, 1.ª T., rel. p/ ac. Min. Luiz Fux, DJe
28.02.2011). 8. Hipótese em que, tendo a Lei 11.960/2009 ingressado no ordenamento
jurídico pátrio em momento posterior à interposição do recurso especial, não haveria
como se exigir que estivesse prequestionada no acórdão recorrido, nem se falar em
julgamento extra petita. 9. ‘A tese de inconstitucionalidade do art. 5.º da Lei
11.960/2009 foi rechaçada pela Corte Especial, no julgamento do REsp 1.205.946/SP
(DJe 02.02.2012)’ (AgRg no AREsp 157.015/SP, 2.ª T., rel. Min. Herman Benjamin, DJe
22.08.2012). 10. Embargos declaratórios recebidos como agravo regimental, ao qual se
nega provimento” (STJ, EDcl no AgRg no Ag 1.404.513/RS, 1.ª T., j. 19.03.2013, rel.
Min. Arnaldo Esteves, DJe 26.03.2013, grifo nosso).
59. Op. cit.
PROCESSO JURISDICIONAL, REPÚBLICA E OS INSTITUTOS
FUNDAMENTAIS DO DIREITO PROCESSUAL
Resumen: Texto desde la mirada dogmática del garantismo procesal, donde se propone
la búsqueda de la dimensión semántica de los Institutos (o Categorías) Fundamentales
del Derecho Procesal en el marco constitucional republicano y democrático. El texto
propone la creación de la(s) norma(s) jurídica(s) sobre el tema desde el denominado
principio republicano.
Sumário:
- 1.Prolegômenos - 2.Hipótese de trabalho - 3.Arquétipo republicano - 4.Institutos
fundamentais do direito processual: visão tradicional - 5.Institutos fundamentais:
perspectiva republicana - 6.Conclusão
1. Prolegômenos
Processo e República1 são categorias jurídico-políticas que habitam os quadrantes da
Teoria Geral do Direito e entre elas há uma forte correlação pragmática. Por isso o
processo jurisdicional deve ter a sua engrenagem de funcionamento regida pelos
atributos que substanciam o princípio republicano.
A partir daí formaram-se os conceitos das categorias ação, processo e jurisdição dentro
de uma dogmática processual civilística potencializada em perspectiva (ultra)publicista e
autoritária – ex parte principis, portanto –, cuja obra legislativa de Franz Klein para o
Império Austro-Húngaro foi a semente da qual germinaram vários modelos de CPCs da
Europa Continental e da América Latina3 ao largo do século XX.4
Pensado o Processo a partir das garantias processuais previstas no plano sintático dos
enunciados prescritivos contidos na Constituição, torna-se perfeitamente possível
redimensionar o conteúdo semântico de várias das categorias jurídico-processuais e isso
tende a repercutir na própria forma de ser do processo jurisdicional que manejamos. Se
a nossa ordem constitucional é fundada em preceitos republicanos e democráticos, é
natural que o ambiente daí estabelecido influencie os vínculos entre o jurisdicionado e o
poder jurisdicional.
2. Hipótese de trabalho
A partir daquilo que consta na maioria dos manuais que trata da teoria geral do
processo, será demonstrado como estes conceitos fundamentais foram vislumbrados e
trabalhados pela doutrina a partir da fase científica do direito processual. Também será
demonstrado que, via de regra, a dogmática processual civilística pautou o seu discurso
jurídico muito mais para justificar os institutos fundamentais sob uma ótica estatizante,
e portanto autoritária, que sob a perspectiva do principal interessado na solução dos
problemas que são levados à resolução através do processo jurisdicional, que é o
jurisdicionado.
3. Arquétipo republicano
Naturalmente que a ideia sobre República será aqui levada em conta em sua acepção
moderna, tal como hoje é vislumbrada. No ponto, vale lembrar Geraldo Ataliba. Em obra
clássica, o constitucionalista da PUC-SP sintetiza de forma simples e precisa os
caracteres que informam a ideia de República:
Com base neste conceito é possível identificar os principais atributos que a qualificam:
(i) responsabilidade, (ii) representatividade e (iii) periodicidade. A estes, penso que seja
possível agregar outro atributo que integra fisiologicamente a República: o da Separação
dos Poderes.13
Nota-se que há uma identificação das funções políticas com as atividades executivas e
legislativas, e são políticas porque são exercidas por mandatários do povo, que por ele
escolhem os rumos que seguirão a respectiva atividade. A essas funções (=executiva e
legislativa) não aparece vinculada a função jurisdicional, o que obviamente não projeta a
atividade da pessoa física que a exerce (=juiz) a um nível de irresponsabilidade
funcional, aqui tomada em sua acepção republicana. Se assim o fosse, teríamos
oráculos, e não juízes, desvinculados da ordem constitucional republicana e democrática
a qual todos, indivíduo, sociedade civil e Estado, estamos submetidos.
Seguindo o raciocínio aqui exposto, o fato de o juiz não ter representatividade tem um
único e republicano significado: na República eles não representam a vontade do povo
uma vez que essa missão republicana compete ao Legislador, sendo este o motivo pelo
qual juízes não são eleitos pelo voto popular.
Via de regra, na América Latina e na Europa continental o Poder Judiciário é formado por
cidadãos que se tornam juízes mediante concurso público, exercendo suas funções
vitaliciamente ou até que alcancem o limite temporal imposto pela Lei para o
afastamento definitivo de suas funções através da aposentadoria (=jubilación). Ainda
que tenhamos em mente que mesmo na República a composição de alguns Tribunais é
feita através de um processo de escolha compartilhada entre órgãos executivos e
legislativos, e ainda que o exercício da respectiva função, em tese, possa se dar por um
determinado período de tempo (=mandato), é evidente que mesmo nesses casos a
função jurisdicional não representa a vontade popular e seguirá sendo uma função
técnica de interpretação e de aplicação da Lei. Esta – a Lei – é o standard jurídico que
recepciona a vontade popular traduzida em enunciados prescritivos estabelecidos pelos
seus representantes, eleitos para o desempenho periódico de funções políticas.
A República ainda tem como atributo a responsabilidade a que estão sujeitos aqueles
que exercem funções políticas (=executiva e legislativa). Essas funções – eis que
políticas – são exercidas mediante atos de escolha de quem as exerce, e tais escolhas
são feitas com amparo na vontade popular que as legitima.
Como não são eleitos – e não são eleitos por que não representam a vontade popular –,
estariam os juízes imunes à responsabilidade que substancia o princípio republicano? Ou,
dito de outra maneira, a responsabilidade republicana deixa de atingir os juízes quando,
no curso do processo jurisdicional, manejam a jurisdição como uma função política,
escolhendo os rumos da solução a ser dada a um caso concreto com base no próprio
arbítrio?
Sendo a jurisdição uma função decorrente do exercício do poder, foi natural que a
dogmática processual prospectasse ideias de viés autoritário para explicar
cientificamente vários dos temas ligados ao funcionamento do processo jurisdicional. Os
motivos para as concepções processual civilísticas ex parte principis são diversos. Franz
Klein (=CPC austríaco de 1895) e Anton Menger (=socialismo jurídico), ambos a partir
do Império Austro-Húngaro, auxiliaram nessa forma de ver as coisas. Mas a teoria geral
do processo, estruturada em torno da jurisdição, também colaborou decisivamente para
isso.
4.1 Panorama
Mas o fato é que a semente plantada por Chiovenda foi germinar pelas mãos de
Calamandrei. Discípulo de Chiovenda, Calamandrei teria vislumbrado a importância de
explicar os fundamentos do direito processual a partir da organização sistemática destes
três conceitos, conforme relata Cipriano Gómez Lara com fundamento em estudo
anterior de Alcalá-Zamora y Castillo.21
Essa forma de organizar o tema (=jurisdição, ação, processo), feita pela maioria dos
manuais de teoria geral do processo, revela o pendor – ainda que inconsciente – da
dogmática processual civilística em enaltecer a jurisdição como a categoria jurídica mais
importante da Trilogia Estrutural do Direito Processual (Ramiro Podetti). Esse fenômeno
discursivo, naturalmente, colaborou na construção de concepções autoritárias para o
direito processual.
Abaixo segue uma visão macroscópica de como os manuais de teoria geral do processo
explicam cada um dos Institutos Fundamentais, o que é bem conhecido pelos
processualistas. De modo geral partem dos mesmos supostos conceituais radicados nas
ideias que foram expostas originariamente por Calamandrei.
4.2 Jurisdição
Essa inversão sistemática em um CPC para principiar suas disposições legais pela
jurisdição, ao invés da ação, a exemplo do que ocorreu no Código de 1940 na Itália,
pode-se dizer que é uma guinada política de cunho “estratégico”, numa clara opção
estatizante-autoritária de enaltecimento do conceito de jurisdição como forma de
atuação do Poder. A partir daí os Institutos Fundamentais passaram a ser trabalhados
em perspectiva ex parte principis.
Portanto, ainda que a doutrina não se dê conta do fato, ou não o confesse, trabalhar os
Institutos Fundamentais principiando pela jurisdição é uma forma de priorizar e
enaltecer o respectivo conceito em franca potencialização do Poder, o que
invariavelmente traz consigo uma perspectiva autoritária – e por isso antirrepublicana –
na compreensão/realização/concretização do fenômeno processual.
4.3 Ação
A dogmática processual fez correr “rios de tinta” para escrever sobre a ação. Em
diversos momentos históricos foram várias as teorias, polêmicas etc., que sobre ela se
formaram. Como exemplos eloquentes de especulações teóricas em torno da ação pode-
se indicar: a teoria imanentista; a polêmica Windisheid-Muther sobre as eventuais
distinções entre a actio romana, a klagerecht e a anspurch; a teoria da ação como direito
autônomo e concreto; a teoria da ação como direito autônomo e abstrato; teoria da ação
apenas como direito autônomo; a teoria da ação de Liebman.31
4.4 Processo
A exemplo do que ocorreu com a ação, várias foram as teorias que procuraram explicar
o processo e sua natureza jurídica. Dentre as que ganharam maior prestígio e são
comumente referenciadas pela doutrina temos: o processo como contrato; o processo
como quase contrato; processo como serviço público; processo como instituição;
processo como situação jurídica; processo como relação jurídica; processo como
instrumento para a consecução dos escopos do Estado.
Foi no curso do século XX que o processo definitivamente passa a ser encarado como o
instrumento através do qual a jurisdição opera sua finalidade de concretização dos
objetivos (=escopos) do Estado. Processo e jurisdição passam a se correlacionar sob a
lógica maquiavélica de fim (=jurisdição) e meio (=processo). Aprimora-se a concepção
instrumentalista do processo.
Apenas será exposto o conceito que se entende possível atribuir a cada um dos
elementos integrantes deste trinômio metodológico quando trabalhados em perspectiva
republicana. Fixados os respectivos conceitos, todos elaborados a partir de enunciados
prescritivos contidos na Constituição brasileira e do Pacto de São José da Costa Rica, 35
entendo ser possível construir uma teoria geral do processo jurisdicional que
corresponda às diretrizes estabelecidas exclusivamente no plano jurídico e na própria
observação empírica do fenômeno processual. Vale dizer: será tentado um experimento
voltado a harmonizar as diretrizes sintática, semântica e pragmática do ordenamento
jurídico-constitucional ao qual estamos – juridicamente – vinculados.
No item 5.1, supra, há menção ao fato de que se deve a Chiovenda a ideia de estudar o
direito processual a partir do eixo sistemático representando pelos conceitos de ação, de
jurisdição e de processo – nesta exata ordem –, conforme se depreende de suas notas
aportadas ao texto-base da Aula Magna que proferiu na Universidade de Bolonha, em
1903. Também foi mencionado que no volume 1 de suas Instituições, talvez motivado
por um imperativo lógico-racional, Chiovenda fez o seu plano de exposição iniciando a
contextualização dos Institutos Fundamentais a partir do conceito de ação, secundada
pelo de processo e encerrando pelo de jurisdição.
Este ensaio descarta a apresentação que tradicionalmente a doutrina faz do tema. Penso
que as coisas podem ser explicadas por aquilo que empiricamente elas representam,
naturalmente tendo-se em conta o ambiente republicano e democrático no qual o
processo jurisdicional será operado.
A obviedade desta observação empírica ganha força quando se mira a questão a partir
da influência que lhe provoca o princípio republicano. Este princípio revela que o
ambiente político-constitucional em que vivemos é a República, necessariamente
estruturada para a contenção/diminuição do arbítrio relacionado ao exercício do Poder,
não pode haver dúvida de que as engrenagens que movem o processo jurisdicional não
podem ser explicadas em perspectiva ex parte principis. Ao contrário – muito ao
contrário, direi eu –, o processo jurisdicional precisa ser pensado e estruturado a partir
da liberdade (=dispositividade) que a Constituição confere ao jurisdicionado para iniciá-
lo, ou não, através do exercício da garantia constitucional-libertária da ação. De modo
que sem a ação (=liberdade), não haverá o processo (=garantia) que dá legitimação
constitucional-republicana-democrática ao exercício da jurisdição (=poder).
Este importante aspecto da Teoria Geral do Processo tem aderência plástica a qualquer
das manifestações do processo jurisdicional, inclusive no âmbito processual penal. Ali, o
dominus litis (=Ministério Público) apenas exercerá responsavelmente a ação nos casos
em que estiverem presentes os sinais concretos que a justifique, que são os indícios de
autoria (=aspecto subjetivo do fato penal) e a prova da materialidade (=aspecto
objetivo do fato penal).
Em miúdos: através do exercício da ação (=liberdade) será formado o processo
(=garantia) que viabilizará a atuação legítima da jurisdição (=poder). É por isso que por
um imperativo lógico a sequência da exposição e da contextualização do trinômio
fundamental só pode ser esta: ação-processo-jurisdição.
5.2 Ação
Postas as coisas dessa forma, soa lógico que todo o fenômeno processual se inicia a
partir do exercício desta parcela da liberdade que a Constituição nos permite, e que é
representada pela ação através da qual será iniciado/formado o processo para que a
jurisdição possa atuar na esfera jurídica dos jurisdicionados.
5.3 Processo
O processo é uma atividade (=ou método) regida pelo contraditório e pela ampla defesa,
iniciado pela ação e voltado a garantir, no seu curso (=tutela de urgência) ou ao final
(=tutela definitiva), o exercício republicano e democrático da jurisdição. Antes de tudo,
portanto, o processo é uma garantia que nos é dada pela Constituição para que suas
regras sejam observadas antes de o Estado exercer o seu poder sobre a esfera jurídica
de liberdade do indivíduo e da sociedade, liberdade esta, aliás, garantida pela própria
Constituição. É o desencadeamento racional e jurídico do processo, portanto, que
legitimará o exercício do poder republicano representado pela jurisdição.
5.4 Jurisdição
Na República não há espaço – ou não deveria haver – para que a jurisdição seja
considerada como o instituto fundamental de maior preponderância dogmática da teoria
geral do processo. Jurisdição é poder, poder republicano, cujo exercício não pode se dar
de forma arbitrária. A jurisdição é demasiadamente importante, não se nega isso. Sem
ela de nada adiantaria a ação e o processo. Mas no ambiente republicano e democrático,
onde constitucionalmente o poder emana do povo (CF, art. 1.º, parágrafo único), é para
ser natural que a realidade semântica e pragmática do exercício da jurisdição seja
efetivada sem a interferência de outros argumentos que não os jurídicos, é dizer, da
ordem jurídica na qual está sendo operada a jurisdição.
Se vivemos em uma República é natural, e não pode nos surpreender, o fato de que o
exercício legítimo da função jurisdicional – posto que técnica – passa longe das escolhas
sobre as quais o arbítrio humano se pauta para a tomada das próprias decisões. E uma
das grandes finalidades políticas da República é exatamente conter/diminuir o arbítrio.
Os atributos republicanos são determinantes para o dimensionamento do poder,
inclusive e especificamente o jurisdicional, que por definição não expressa nenhuma
função política. Nestas – funções políticas –, as escolhas se legitimam na
representatividade. Já aquela – função jurisdicional – se legitima com a observância das
regras preestabelecidas para o seu funcionamento, não sendo permitida qualquer
postura idiossincrática ou solipsista por parte de quem a exerce. Mas toda a vez que isso
acontece descamba-se para a – antirrepublicana – arbitrariedade.
6. Conclusão
Minha esperança é que estas ideias possam repercutir. Ideias singelas – reconheço –,
mas sinceras, e pautadas na racionalidade que a observação do fenômeno processual
permite a qualquer um de nós vislumbrar.
1. Texto-base de minha intervenção no 8.º Congresso de Direito Processual de Uberaba,
em 11.09.2014, repetida no XIII Congreso Nacional de Derecho Procesal Garantista,
realizado em Azul, Argentina, em 22.09.2014.
2. BÜLOW, Oskar von. La teoría de las excepciones procesales y los presupuestos
procesales (Die Lehre von den Prozesseinreden und die Prozessvoraussetzungen). Trad.
Miguel Angel Rosas Lichtschein. Buenos Aires: Ejea, 1964.
3. Cf. CIPRIANI, Franco. El centenario del Reglamento de Klein (El proceso civil entre
libertad y autoridad). Batallas por la Justicia Civil – Ensayos (compilación y traducción
Eugenia Ariano Deho). Lima: Cultural Cuzco, 2003. p. 59-87. Cf. tb RAMOS, Glauco
Gumerato. Ativismo e garantismo no processo civil: apresentação do debate. In: DIDER
JR, Fredie; NALINI, José Renato; RAMOS, Glauco Gumerato; LEVY, Wilson (coord.).
Ativismo judicial e garantismo processual. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 273-286.
4. Ainda sobre a influência da obra da Klein sobre a legislação processual que se formou
no século XX, cf. LENT, Friedrich. Diritto processuale civile tedesco – Prima parte: Il
procedimento di cognizione (Zivilprozessrecht, trad. Edoardo F. Ricci). Napoli: Morano
Editore, 1962. p. 364 (Profilo storico del processo civile – § 102. Il secolo ventesimo).
5. Lenio Streck: “No âmbito do processo civil, por exemplo, temos uma explicação
privilegiada de como essa mescla acrítica de tradições pode levar a resultados perigosos
para formatação de nossa arquitetura democrática. Com efeito, o predomínio das
vertentes instrumentalistas do processo no campo da teoria processual produziu um tipo
intrigante de sincretismo de tradições. A ideia de que o processo é um instrumento
teleológico cujo fim é determinado a partir de escopos políticos, sociais e jurídicos
encarrega a jurisdição de – solipsisticamente – levá-los à realização”. Cf. em Verdade e
consenso – Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed., 2.ª tir. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 30. De formação dogmática constitucional e de teoria geral do direito,
Lenio Streck é um dos maiores críticos do ativismo judicial reinante no Brasil.
6. Sobre as ideias instrumentalistas, cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A
instrumentalidade do processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros,1998, passim.
7. No caso do Brasil, por exemplo, v. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e
neoprocessualismo – Direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judicial. 2.
ed. São Paulo: Ed. RT, 2011, passim.
8. Ver AROCA, Juan Montero. Sobre el mito autoritario de la buena fe procesal. Proceso
civil e ideología – Un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos. AROCA, Juan
Montero (coord.). Tirant lo Blanch: Valencia, 2006. p. 294-353. V. ainda, com muito
proveito, COSTA, Eduardo. Los criterios de la legitimación jurisdiccional según los
activismos socialista, fascista y gerencial. RBDPro 82/205.
9. Sobre a existência de vários “neoconstitucionalismos”, bem como certos aspectos da
crítica dogmática de que são merecedores, cf. o excelente “Neoconstitucionalismo: entre
a ciência do direito e o direito da ciência”, ÁVILA, Humberto. Revista Eletrônica de
Direito do Estado (REDE). n. 17. Salvador: Instituto Brasileiro de Direito Público, jan.-
mar. 2009. Disponível em: [www.direitodoestado.com.br/rede.asp].
10. Criticando – acertadamente, a meu ver – a instrumentalidade a ideia de processo
como “instrumento”, cf. CALMON DE PASSOS, J. J. Instrumentalidade do processo e
devido processo legal. In: DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno (orgs.). Ensaios e
artigos. Salvador: Jus-Podivm, 2014. p. 31-43. Coleção Obras de J. J. Calmon de Passos
– Clássicos, vol. 1. Tb. publicado na ReProcesso, vol. 102, abr. 2001.
11. Sobre algumas características da dimensão semântica do plano constitucional que
impactam o processo jurisdicional, cf. o meu Aspectos semânticos de uma contradição
pragmática. O garantismo processual sob o enfoque da filosofia da linguagem. In:
DIDIER JR., Fredie; NALINI, José Renato; RAMOS, Glauco Gumerato; LEVY, Wilson
(coord.). Ativismo judicial e garantismo processual. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 245-
253.
12. Cf. ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
p. 15.
13. A Separação dos Poderes aqui mencionada é aquela pensada por Montesquieu, e não
por Locke, e reflete a regra contida em nossas Constituições no sentido de que o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário são poderes independentes e harmônicos entre si.
Eros Grau: “(… das colocações de Locke e de Montesquieu, permite-nos verificar que o
primeiro propõe uma separação dual entre três poderes – o Legislativo, de um lado, e o
Executivo e o Federativo, de outro – e o segundo sugere não a divisão ou separação,
mas o equilíbrio entre três poderes distintos – o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Cf. em O direito posto e o direito pressuposto. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 173.
14. ATALIBA, Geraldo. Op. cit., p. 113.
15. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido
Rangel: “O processo é indispensável à função jurisdicional exercida com vistas ao
objetivo de eliminar conflitos e fazer justiça mediante a atuação da vontade concreta da
lei. É, por definição, o instrumento através do qual a jurisdição opera (instrumento para
a positivação do poder)”. Cf. em Teoria geral do processo. 27. ed. São Paulo: Malheiros,
p. 301.
16. Sobre a data exata da conferência de Chiovenda em Bolonha, cf. ECHANDÍA,
Hernando Devis. Teoria general del proceso. Buenos Aires: Editorial Universidad, 1984.
t. I, p. 17.
17. CHIOVENDA, Giuseppe. A ação no sistema dos direitos. Trad. Hiltomar Martins
Oliveira. Belo Horizonte: Líder, 2003, passim.
18. PODETTI, José Ramiro. Teoría y técnica del proceso civil y trilogía estructural de la
ciencia del proceso civil. Buenos Aires: Ediar, 1963. p. 334 e ss.
19. Chiovenda: “Considerado nesse tríplice aspecto, o processo recebe sua completa
significação: um lado pressupõe o outro e nenhum pode ser estudado isoladamente com
aproveitamento. Assim, na ciência do direito processual resultam três grandes divisões
que se completam reciprocamente: a teoria da ação e das condições da tutela jurídica, a
teoria dos pressupostos processuais e a teoria do procedimento”, cf. nota 2, op. cit., p.
43.
20. CHIOVENDA, Giuseppe Instituições de direito processual civil. Trad. da 2.ª edição do
original italiano Paolo Capitanio). Campinas: Bookseller, 1998. vol. 1.
21. Cipriano Gómez Lara: “Esta idea de los tres conceptos fundamentales de la ciencia
procesal, se apuntó por primera vez en las notas de un discurso o prolusión inaugural de
un curso, que el año de 1903, pronunció Chiovenda en la Universidad de Bolonha.
Alcalá-Zamorra y Castillo nos expresa que en una pequeña nota, consistente en una
cuantas líneas, Chiovenda ‘(… apunta la idea de que los conceptos fundamentales del
proceso son acción, jurisdicción y proceso’. Parece ser que Chiovenda, sin embargo, con
posterioridad al años de 1903, no desenvuelve ni desarrolla esta importantísima idea de
que los conceptos de acción, jurisdicción y proceso, sean los conceptos más importantes
y fundamentales de la ciencia procesal. Es un discípulo suyo, ‘(… Calamandrei, quien se
da cuenta de la transcendencia del hallazgo y entonces él, ya sí de una manera
categórica y precisa, afirma que las ideas fundamentales para a elaboración de la
sistemática procesal, son esas tres y, a partir de entonces, una serie de autores de
diferentes países van suscribiendo el mismo punto de vista y sustentan la idea de que la
sistemática procesal puede alzarse sobre estos tres conceptos, e inclusive en Argentina,
un autor, Podetti, los engloba bajo la denominación de trilogía estructural del proceso’”.
Cf. em GÓMEZ LARA, Cipriano. Teoría general del proceso. 3.ª reimpr. México-DF:
Universidad Nacional Autónoma de México, 1981. p. 105.
22. Cf. CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil – Estudos sobre o processo civil.
Trad. Luiz Abezia, Sandra Drina Fernandez Barbery. Campinas: Bookseller, 1999. p. 93.
23. Idem, p. 94.
24. Idem.
25. Calamandrei foi categórico no ponto: “O trinômio das noções fundamentais que
constituem as premissas de nosso estudo se completa com a de processo”. Cf., idem, p.
253.
26. Adolfo Alvarado Velloso: “Para lograr coherencia sistemática en todo lo que aquí diga
respecto del proceso, y habida cuenta de que en el Capítulo anterior lo he presentado
como el objeto de la acción procesal, parece claro que debo comenzar toda explicación a
partir de su completa tipificación.Con ello, a más de aceptar como buena la presentación
del tema que se hacía en la legislación del lejano pasado, asumo una posición filosófica
que coloca a la libertad personal por encima de todo otro valor y, consiguientemente,
considera que el Estado se halla al servicio del individuo y no a la inversa, cual lo ha
imaginado el mundo totalitario que inicia toda explicación desde el concepto de
jurisdicción y no del de acción”. Cf. em Sistema procesal – Garantía de la libertad.
Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni Editores, 2009. t. I, p. 201.
27. Cf. CALAMANDREI, Piero. Op. cit. p. 96.
28. Idem.
29. Idem.
30. Vale lembrar que Jairro Parra Quijano traduziu ao espanhol a Relazione Grandi.
Segue a versão de Jairro Parra ao item 19 da Relazione (=Sistema y técnica del Código):
“Mientras que el Código de 1865 iniciaba su primer libro, dedicado al proceso de
cognición, por las disposiciones generales sobre el ejercicio de la acción, el nuevo código
parte de la jurisdicción y del juez. Esta variación en el orden sistemático, es índice de un
cambio de mentalidad: el anterior código se planteaba los problemas desde el punto de
vista del litigante que pide justicia, el nuevo los encara desde un punto de vista del juez
que debe administrarla; mientras el antiguo código consideraba la acción com un prius
de la jursidicción, el nuevo código, invertiendo los términos del binomio, concibe la
actividad de la parte en función del poder de juez”. Cf. em Racionalidad e ideología en
las pruebas de oficio. Bogotá: Temis, 2004. p. 190.
31. Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,
Cândido Rangel. Op. cit., p. 271-277.
32. Cf. CALAMANDREI, Piero. Op. cit., p. 187.
33. Cf., um dos mais contundentes críticos das posturas instrumentalistas, LEAL,
Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo – Primeiros estudos. 8. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2009. p. 254. As palavras em itálico são do original.
34. Glauco Gumerato Ramos: “A lógica da celeridade processual representa um
problema de superestrutura do processo (=estrutura jurídica + ideologia). Se bem
pensadas as coisas, o discurso em torno da celeridade revela que a preocupação em
concretizá-la é do Estado-Judiciário, que bem ou mal, respeitando ou não as garantias
constitucionais, o devido processo legal, enfim, o próprio modelo republicano no qual e
para o qual é exercida a jurisdição, pretende solucionar com a maior rapidez possível às
demandas que lhe são submetidas pelos jurisdicionados. Para essa heroica missão, a
celeridade processual surge de capa e espada no interior do discurso – tão melancólico,
quanto inocente – de que ela seria uma espécie de panaceia a colaborar com a “tão
almejada” efetividade do processo. Esta, a efetividade do processo, tal qual a celeridade
processual, funciona diante de nós como sintagmas discursivos capazes de, em passe-
de-mágica, resolver, se não todos, vários dos problemas que vivenciamos no dia-a-dia
de nossas funções diante do Poder Judiciário”. Em texto ainda inédito sob o título Crítica
macroscópica ao fetiche da celeridade processual. Perspectiva do CPC de hoje e no de
amanhã.
35. Em especial o seu art. 8.º, que trata das “Garantias Judiciais”.
36. Mirjan R. Damaska: “No es necesario decir que la autonomía individual está lejos de
ser sacrosanta. Para un Estado activista, los individuos no necesitan ni siquiera ser
jueces fiables de su mejor interés; su percepción, conformada por una práctica social
defectuosa, puede ser errada e incorrecta. Desde luego, mientras más se adapten los
ciudadanos a la imagen nacida de las teorías del Estado, más fácil será que el Estado
permita una mayor definición individual: los deseos de los ciudadanos son cada vez más
lo que el Estado quiere que deseen.”. Cf. em Las caras de la justicia y el poder del
Estado – Análisis comparado del proceso legal (Título orginal em inglês: The Faces of
Justices and State Authority: A comparative approach to the legal process). Santiago de
Chile: Editorial Juridica de Chile, 2000. p. 142.
A NECESSÁRIA EFICÁCIA EXPANDIDA - OBJETIVA E SUBJETIVA -
DAS DECISÕES NO ÂMBITO DA JURISDIÇÃO COLETIVA:
ESPECIALMENTE, O ACÓRDÃO DO TJSP NA ADIN 0121480-
62.2011.8.26.0000 (J. 01.10.2014), PROPOSTA EM FACE DA LEI
PAULISTANA 15.374/2011, SOBRE O USO DE SACOLAS PLÁSTICAS
Abstract: This study analyses the TJSP ruling at the ADIn proposed in face of São
Paulo's law number 15.374/2011 that prohibits the use of plastic bags at business
trades. We investigate the subjective and spatial efficacy of this decision, contending
that although a law, in the capital of the State of São Paulo has been syndicated, the
final result by its constitutionality implies that rulings in other counties, on the same
matter but contrary in content, become a contrario sensu and therefore unconstitutional
or at least they lose their validation condition: expressio unius, est exclusio alterius.
Verdade que também à Administração é dado prevenir riscos (v.g., obras contra
enchentes) e resolver controvérsias (valendo-se, em alguns casos, do poder de polícia),
aplicando a lei de ofício, cuidando-se de atividade basicamente vinculada (e apenas
excepcionalmente discricionária), como se dá, por exemplo, no primeiro caso, com a
decisão do Prefeito que, ao cabo do procedimento disciplinar que apura conduta
afirmadamente ilícita de servidor, acolhe a proposta da Comissão Processante e aplica a
pena de demissão do serviço público; nesse sentido, dispõe o art. 2.º da Lei 9.784/1999,
sobre o processo administrativo federal, que em tal sede “serão observados entre
outros, os critérios de: I – atuação conforme a lei e o Direito”.
Posta essa premissa, vale dizer que o sentido clássico de jurisdição vem, de tempos a
esta parte, consentindo uma releitura – atualizada e contextualizada – em função do
advento de fatores de diversa extração, dentre os quais se contam a antes referida
superação da outrora rígida separação entre os Poderes, a notória sobrecarga do
Judiciário, a tendência à desjudicialização dos conflitos. A par disso, numa perspectiva
finalista, isto é, do real proveito para as partes envolvidas, o que de fato interessa é que
o conflito seja prevenido ou resolvido em modo tecnicamente consistente, num tempo
razoável, sob um bom equilíbrio entre custo e benefício, antes que se exigir,
dogmaticamente, que toda e qualquer controvérsia tenha sua passagem judiciária,
concepção que insufla a cultura demandista e provoca o superdimensionamento do
Judiciário, com as consequências bastante conhecidas.
Assim, não é de causar espécie que, nas pirâmides de solução de conflitos que têm sido
excogitadas pela doutrina, sobreleva a nota comum da inserção da Justiça estatal
inserida geralmente ao meio da figura geométrica, assim pressupondo o prévio
esgotamento de outros meios e modos auto ou heterocompositivos, tais a conciliação, a
mediação, a avaliação neutra de terceiro, a arbitragem, a par de fórmulas combinadas.
Assim se passa com a pirâmide proposta por Roberto Ferrari de Ulhôa Cintra, escalonada
em doze fases, estando a “primeira instância judicial” alocada no nono degrau. 1 Na
doutrina estrangeira, pode ser lembrada a pirâmide figurada por Boaventura de Sousa
Santos, Maria Manuel Leitão Marques e João Pedroso, em que o “Recurso ao Tribunal”
aparece no oitavo estágio de um total de nove passos.2
Nota-se pois uma gradual deslocação da Justiça estatal, de seu tradicional protagonismo,
para um plano residual, no melhor sentido da expressão, alinhando-se nessa vertente a
antes referida tendência à desjudicialização dos conflitos, de que são exemplos, dentre
tantos, a consignação em pagamento, que pode ser feita em Banco oficial (CPC, § 1.º do
art. 890), o processamento de inventários, partilhas e divórcios nos Tabeliães (CPC, arts.
982, 1.124-A, cf. Lei 11.441/2007; Res. CNJ 35/2007) e a prévia sujeição dos conflitos
desportivos à Justiça Desportiva (CF, § 1.º do art. 217). No ponto, avalia Marco Antonio
da Costa Sabino: “Com efeito, o processo judiciário não é a saída para todos os males:
há de ser verificar, diante de uma determinada situação (como em casos que envolvam
direitos de titularidade transindividual em geral), se a decisão não deve ser entregue a
outro ator, como medida de maior eficiência. Essa constatação prévia poderia, a um só
tempo, evitar desperdício de recursos, discussões inócuas e reservar ao Judiciário mais
tempo e oportunidade para se ocupar de questões que lhes tocam com mais aptidão”. 3
Note-se que também na experiência do common law vai ganhando corpo a tendencial
realocação da Justiça estatal sob uma perspectiva subsidiária, distanciada do tradicional
protagonismo, informando Neil Andrews, escrevendo sobre a experiência inglesa, com
apoio em Robert Turner: “(… that ordinary civil litigation is now itself the alternative
dispute resolution system. Pre-action protocols, introduced in 1999 to promote
settlement and avoid formal proceedings, state that litigation should be a last resort”. 4
Por conta das precedentes considerações, vai se tornando consensual que, dentre as três
vertentes do Judiciário – Poder (sentido estático, atrelado à soberania estatal), Atividade
(sentido operacional, ligado à organização dos serviços judiciários) e Função (sentido
dinâmico, informado pela resolução das controvérsias), esta última hoje sobressai e
prepondera, até porque é através da função judicante que resulta o produto final – o
provimento jurisdicional direcionado aos consumidores desse serviço estatal: os
jurisdicionados – além do que é sob essa dimensão funcional que o Judiciário poderá ser
avaliado no tocante a aspectos relevantes, tais a consistência técnico-jurídica das
decisões, a eficiência, a tempestividade, enfim a relação custo-benefício.
Bem por isso, em sede doutrinária indicamos os seis atributos a serem atendidos pela
resposta jurisdicional de qualidade, a saber: “justa, jurídica, econômica, tempestiva,
razoavelmente previsível, com aptidão para promover a efetiva e concreta satisfação do
direito ou bem da vida reconhecidos no julgado”. 11 Ao propósito deste último quesito, o
PLC 8.046/2010, sobre o novo CPC, estabelece no art. 4.º: “As partes têm direito de
obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.
Partindo-se da premissa que a justiça estatal é uma só, enfeixada nos órgãos elencados
no art. 92 da CF, causa espécie sua usual bifurcação em singular e coletiva. E, no
entanto, assim como a organização judiciária nacional se defracta em diversos ramos,
em função de critérios como a matéria ou a pessoa envolvida ou ainda ratione muneris
(Justiça Estadual e Federal, esta última trifurcada em trabalhista, eleitoral e militar),
tendo órgãos singulares à base, colegiados locais ou regionais de permeio, Tribunais
superiores no cimo da pirâmide), também se pode reconhecer validade à bifurcação da
jurisdição em singular e coletiva, dado que estas se distinguem em vários aspectos: (i)
objeto litigioso: na singular, é confinado aos litigantes, ao passo que na coletiva se
projeta em face de sujeitos absoluta ou relativamente indeterminados (no primeiro caso,
os interesses difusos; no segundo, os interesses coletivos em sentido estrito); (ii)
legitimação ativa: na singular, é extraída a partir da afirmada titularidade do direito, ao
passo que na coletiva se reporta ao binômio relevância social – representação adequada,
apresentando-se em modo concorrente-disjuntivo; (iii) coisa julgada: na singular, opera
inter partes (“não beneficiando nem prejudicando terceiros” – CPC, art. 472), enquanto
na coletiva a indivisibilidade do objeto e a indeterminação dos sujeitos fazem com que a
eficácia da decisão se expanda erga omnes ou ultra partes, conforme a classe do
interesse metaindividual judicializado (Lei 8.078/1990, art. 103 e incs.; Lei 7.347/1985,
art. 16; Lei 4.717/1965, art. 18).
Ultimamente uma nova vertente vem ganhando corpo, “encaixada” entre as jurisdições
singular e coletiva, qual seja a chamada tutela judicial plurindividual (CPC, art. 285-A;
543-B e C; e, no bojo do PLC 8.046/2010, sobre o novo CPC, o cogitado “incidente de
uniformização das demandas repetitivas”, considerado por Cassio Scarpinella Bueno “a
mais profunda modificação sugerida desde o início dos trabalhos relativos a um novo
Código de Processo Civil”).13 Em casos que tais não se instaura uma vera coletivização
do processo, mas antes, através de certos expedientes, permite-se que demandas e
recursos isomórficos sejam resolvidos pela aplicação de uma decisão-quadro, de
natureza paradigmática. É possível que o crescimento da tutela plurindividual se deva,
em boa medida, às incompreensões e dificuldades que ao longo do tempo vêm
dificultando o manejo processual dos interesses individuais homogêneos, como sustenta
Bruno Dantas Nascimento: “O mau funcionamento do modelo de tutela coletiva de
direitos individuais homogêneos, somado à necessidade de se adotar técnicas que
permitam a eficiência e a racionalização da atividade do Poder Judiciário, foi a causa
eficiente da elaboração em nosso país de técnicas de tutela plurindividual”.14
Registre-se desde logo que a admissão de tal premissa impõe aos demais Executivos
municipais do Estado um dever de abstenção no sentido de não apresentarem projeto de
lei de conteúdo incompatível com o decidido pelo TJSP na citada ADIn, parecendo-nos,
outrossim, que, no tocante às demais leis municipais autorizando o uso de tais sacolas
plásticas, ou bem se entende que perderam impositividade, ou bem deveriam ser
revogadas e substituídas, em sendo o caso, por outras de formulação compatível com o
decidido naquela ADIn.
Descabe, no caso do acórdão proferido nessa ADIn, tentar restringir sua eficácia
territorial, argumentando analogicamente, com a (equivocada) redação do art. 16 da Lei
7.347/1985 sobre a ação civil pública, que limita a coisa julgada aos limites da
“competência territorial do órgão prolator”, justamente porque o TJSP é o “órgão
superior do Poder Judiciário do Estado, com jurisdição em todo o seu território(…”
(Constituição paulista, art. 73, caput). Nesse sentido, Ricardo de Barros Leonel,
discorrendo sobre as “indevidas tentativas de restrição da coisa julgada coletiva”,
desvela o equívoco de tais investidas contra a efetividade das decisões na jurisdição
coletiva, mostrando que por aí se “estabelece confusão entre a amplitude da demanda,
conforme o objeto litigioso do processo (pedido delimitado pela causa de pedir) e
competência territorial, que é um dos critérios legislativos para a repartição da
jurisdição, com a fixação de seus limites com relação a cada órgão judicial, nada tendo a
ver com a coisa julgada.”17
Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que “as normas jurídicas não são
conselhos, opinamentos, sugestões. São determinações. O traço característico do Direito
é precisamente o de ser disciplina obrigatória de condutas. Daí que, por meio das regras
jurídicas, não se pode, não se exorta, não se alvitra. A feição específica da prescrição
jurídica é a imposição, a exigência. Mesmo quando a norma faculta uma conduta, isto é,
permite – ao invés de exigi-la – há, subjacente a esta permissão, um comando
obrigatório e coercitivamente assegurável: o obrigatório impedimento a terceiros de
obstarem o comportamento facultado a outrem e a sujeição ao poder que lhes haja sido
deferido, na medida e condições do deferimento feito”.18
Essas diferenças, assim sumariamente expostas, levam a que a norma ou o ato jurídico
consintam diversa abordagem, em ordem sequencial: (i) quanto à existência (o contrato
existe juridicamente? – ou seja, seus elementos essenciais estão presentes ?); (ii)
quanto à validade, permitindo, por exemplo, que o STF examine a constitucionalidade de
uma lei ou ato do Poder Público (CF, § 2.º do art. 102); (iii) quanto à eficácia, bem
podendo, por exemplo, uma lei existir enquanto norma geral, abstrata e impessoal
aprovada no Parlamento, sancionada e publicada, e, além disso, ser válida, por terem
sido atendidas as exigências quanto à iniciativa, ao quorum de aprovação, à adequação
em face da matéria, restando porém ainda verificar sua eficácia, isto é, saber até onde
(dimensão territorial) e em face de quais sujeitos (dimensão subjetiva) ela exerce sua
força impositiva.
Por exemplo, pode dar-se que uma dada lei municipal trate de matéria de estrito
interesse local (v.g., a lei que autoriza a isenção de IPTU, por certo lapso temporal, às
indústrias que se instalarem em determinada área para tal reservada), sendo evidente
que, em tais casos, a eficácia da norma restringe seus efeitos à cidade de que se trata,
às pessoas físicas aí domiciliadas e às pessoas jurídicas aí sediadas.
A trilogia existência – validade – eficácia aplica-se também aos atos judiciais, podendo-
se figurar o caso de uma sentença firmada por juiz incompetente em razão da matéria: o
ato não é inexistente, já que o agente é um magistrado em atividade; todavia, em
virtude do vício de incompetência absoluta, o ato carece de validade e, por isso mesmo,
ainda que venha a transitar em julgado, sujeitar-se-á à ação rescisória, no biênio (CPC,
art. 495). (Verdade que há algum tempo tornou à berlinda o tema da querela nulllitatis
insanabilis, sustentando-se que certas decisões de mérito, quando aberrantes do sistema
ou quando discrepem da realidade objetiva, não se preordenam a ficar imutáveis pela
agregação da coisa julgada, podendo ser sindicadas a qualquer tempo. Nesse sentido,
escreve Cândido Rangel Dinamarco: “Onde quer que se tenha uma decisão aberrante de
valores, princípios, garantias ou normas superiores, ali ter-se-ão efeitos juridicamente
impossíveis e portanto não incidirá a autoridade da coisa julgada material – porque,
como sempre, não se concebe imunizar efeitos cuja efetivação agrida a ordem jurídico-
constitucional”).20
Nesse instigante campo da eficácia das decisões judiciais, por vezes o legislador chega a
positivar certas atecnias, como é o caso emblemático do antes referido art. 16 da Lei
7.347/1985 sobre a ação civil pública, o qual sofreu alteração aditiva (originalmente pela
Med. Prov. 1570), resultando a dicção de que a sentença fará (sic) coisa julgada erga
omnes, “no limite da competência territorial do órgão prolator”, por aí se baralhando as
noções de competência (já tratada no art. 2.º daquela lei) com os efeitos subjetivos da
coisa julgada, a estes sim se endereçando o dispositivo em causa.
Tal atecnia – redacional e substancial – gera, como não podia deixar de ser, situações de
perplexidade, como expusemos em outra sede: “No campo ambiental, suponha-se uma
ação civil pública onde se pede a interdição do uso de mercúrio no garimpo de ouro,
atividade realizada ao longo de um rio que atravessa dois Estados; figure-se, ainda, que
essa ação vem proposta no Estado banhado pelo trecho do rio que está a jusante.
Indaga-se: de que modo poderia a decisão de procedência da ação ser realmente eficaz,
se os seus efeitos práticos ficassem circunscritos aos limites territoriais do juízo prolator
da decisão? No exemplo, nenhuma eficácia – muito menos erga omnes – teria a coisa
julgada, porque o inquinamento do rio, pelo mercúrio, continuaria ocorrendo no Estado
banhado pelo trecho do rio postado a montante, e daí desceria até alcançar – e poluir –
o trecho do rio situado abaixo, em território supostamente protegido pela coisa
julgada”.22
No ponto ora tocado, afirma Marcos Paulo Veríssimo: “A adequada ponderação dos
tribunais quanto à efetiva extensão geográfica do dano dá, ao que tudo indica, o critério
ao art. 16 da Lei 9.494/1997, enquanto essa restrição não for expurgada, de uma vez
por todas, do ordenamento positivo. Essa afirmação é feita também com base nas
indicações já dadas pelo STJ em sua jurisprudência, conforme se pode extrair da
seguinte consideração, lançada na ementa do acórdão que resolveu o REsp 557.646/DF,
relatado pela Min. Eliana Calmon: ‘O efeito erga omnes da coisa julgada material na ação
civil pública será de âmbito nacional, regional ou local conforme a extensão e a
indivisibilidade do dano ou ameaça de dano, atuando no plano dos fatos e litígios
concretos, por meio, principalmente, das tutelas condenatória, executiva e
mandamental, que lhe asseguram eficácia prática’ (STJ, 2.ª T., j. 13.04.2004, DJ
30.06.2004, p. 314). No mais resta afirmar novamente a infelicidade do dispositivo [art.
16 da Lei 7.347/1985] que, a exemplo das restrições relativas ao uso de ação coletiva
em matéria tributária e previdência, navega na contramão da tendência legislativa de
coletivização da solução de litígios”.23
A menção ora feita ao art. 16 da Lei 7.347/1985 se justifica, de um lado porque ela
compõe, juntamente com a ADIn, a ADcon, a ADPF, a ação popular, o mandado de
segurança coletivo, a ação coletiva consumerista, os dissídios coletivos trabalhistas, o
universo das ações coletivas, e, de outro lado, porque a ratio da eficácia expandida da
decisão em ação civil pública não difere, no essencial, da “eficácia contra todos e efeito
vinculante” que reveste a decisão de mérito do STF no controle abstrato de
constitucionalidade (CF, § 2.º do art. 102): em ambos os casos, o interesse de que se
trata é difuso (a que normas e atos normativos sejam conformes à Constituição, no caso
das ADIns e ADCons; à preservação de valores transcendentes, tais o meio ambiente, no
caso da ação civil pública), notando-se em ambos os casos que os sujeitos concernentes
são absolutamente indeterminados e o objeto é absolutamente indivisível: não pode uma
lei federal ser (in) constitucional somente em face de alguns, assim como , por exemplo,
não pode a transposição das águas do Rio São Francisco 24 ser feita apenas em face de
alguns ribeirinhos.
De fato, refoge a toda racionalidade que, após o órgão de cúpula do Judiciário paulista
ter reconhecido a constitucionalidade da citada lei paulistana, outros órgãos judiciais do
mesmo Estado venham a se pronunciar diversamente quando examinarem análogas
normações provindas de outros municípios paulistas, assim como também não se
concebe que tais normações discrepantes sigam “em vigor”, tudo engendrando ambiente
de anomia e insegurança, que desprestigia as instituições, confunde a sociedade e
desserve os jurisdicionados e administrados.
Não faz sentido pretender-se que toda a farta e convincente fundamentação do citado
acórdão sirva apenas a respaldar a lei paulistana que vedou o uso de sacolas plásticas,
por modo que tal julgado do Tribunal de cúpula no Estado possa vir a ser ignorado – ou
mesmo contrariado – pelas demais cidades paulistas. Sendo todos iguais perante a lei
(CF, art. 5.º, caput), não basta que ela seja igualitária apenas em sua formulação
abstrata, mas impende que ela se mantenha unívoca, coesa e consistente em sua
interpretação, o que também se aplica – a fortiori – aos casos em que normações locais,
num mesmo Estado, dispõem sobre um objeto indivisível, como se dá com a
preservação do meio ambiente.
Algo semelhante se passa nos dissídios coletivos trabalhistas, cujas decisões projetam
eficácia expandida em face de extensos segmentos laborais, fixando, impositivamente,
novas condições de trabalho ou alterando as pré-existentes, sendo impensável, por
exemplo, que uma empresa do setor afetado pretendesse se autoexcluir à irradiação dos
efeitos de tal provimento jurisdicional de natureza coletiva.
Assim, não há negar que a eficácia do julgado, no ambiente da jurisdição coletiva, tem
que projetar-se em modo expandido – conforme se trate de dano local, regional ou
nacional, a teor do art. 93 da Lei 8.078/1990 – por aí se entendendo, por exemplo, que
a decisão de mérito na ação popular, após prova plena, deva projetar eficácia erga
omnes s (Lei 4.717/1965, art. 18), visto tratar-se de ação idônea à tutela dos interesses
difusos,27 à semelhança do que se passa com a decisão de mérito do STF em ADIn e
ADcon (CF, § 2.º do art. 102), já que nestas ações de controle direto está também em
jogo um interesse difuso, qual seja aquele a que leis e atos do Poder Público sejam
conformes à Constituição.
No caso de outras ações de natureza coletiva esse desenho remanesce, podendo figurar-
se uma ação civil pública, cujo comando inibe a comercialização – por conta de perigosos
efeitos colaterais – de certo medicamento ofertado em todo o território nacional: tal
determinação terá que espraiar efeitos até onde ela se aplique espacialmente, não
podendo confinar-se às partes do processo nem tampouco a uma parcela territorial,
porque isso implicaria numa desequiparação ilegítima entre brasileiros, visto ser a tutela
da saúde um direito difuso e fundamental.
A questão fulcral que se coloca consiste em saber qual a eficácia espacial e subjetiva
desse acórdão, considerando-se que a lei sindicada na citada ADIn é emanada da cidade
que é a Capital do Estado, tendo alcançado avaliação positiva pelo TJSP, a saber, o
“órgão superior do Poder Judiciário do Estado, com jurisdição em todo o seu território
(…” (Constituição paulista, art. 73, caput). Presente tal contexto, cuida-se então de
saber: (i) se é dado a outras cidades paulistas considerarem “em vigor” leis em sentido
contrário, sob alegação da própria autonomia para prover sobre “interesse local”; (ii) se
é dado às instâncias judiciais de primeiro grau, no Estado, entenderem em senso
diverso, quando instadas a se pronunciar acerca de normações locais sobre a matéria em
causa.
Ao propósito do ora afirmado, Gilmar Ferreira Mendes observa que “nas hipóteses de
declaração de inconstitucionalidade de leis municipais, o STF tem adotado uma postura
significativamente ousada, conferindo efeito vinculante não só à parte dispositiva da
decisão de inconstitucionalidade, mas também aos próprios fundamentos determinantes.
É que são numericamente expressivos os casos em que o Supremo Tribunal tem
estendido, com base no art. 557, caput e § 1.º-A do Código de Processo Civil, a decisão
do plenário que declara a inconstitucionalidade de norma municipal a outras situações
idênticas, oriundas de municípios diversos”.28
O problema que ora se vai examinando se agudiza quando se tem presente o divulgado
na mídia jornalística, no sentido de que quarenta e duas cidades paulistas normatizam a
matéria em sentido diverso da lei paulistana guerreada na citada ADIn, inclusive
Guarulhos, Barueri e Osasco.29 Esse errático ambiente normativo permite a geração de
situações de total non sense, facilmente imagináveis: o morador de uma cidade cuja lei
inibe o uso de sacolas plásticas, faria compras na cidade vizinha, onde não impera lei
semelhante ou mesmo existe uma permitindo tal uso, e, depois, voltaria para sua cidade
de origem com as sacolas de plástico, assim escapando à incidência da lei da cidade na
qual é domiciliado!
Com efeito, se uma lei do município que é a capital de um Estado teve sua
constitucionalidade reconhecida, em controle direto, pelo Tribunal de Justiça, parece
inevitável admitir-se, a contrario sensu, que outras leis de municípios paulistas, dispondo
em senso contrário sobre a mesma matéria, perdem sua condição de validade,
tornando-se ipso facto (… inconstitucionais, não se concebendo que, num mesmo
espaço-tempo, leis possam ser e não ser constitucionais, a depender da cidade de onde
provieram!
Visto que o citado acórdão do TJSP rejeitou no mérito a ADIn contra a lei paulistana, e
dado o caráter dúplice dessa ação, restou reconhecida expressis verbis a
constitucionalidade da citada normação; logo, pelo princípio interpretativo expressio
unius est exclusio alterius, outros textos legais, no âmbito do Estado de São Paulo, de
conteúdo diverso ou contrário, não têm como subsistir. Ao propósito, no âmbito do STF,
o Min. Teori Zavascki, em voto vista (20.03.2014), na antes referida Recl. 4.335 – Acre,
reconheceu que as ações no controle concentrado são “caracterizadas pela sua natureza
dúplice, a significar que as sentenças de mérito nelas proferidas, julgando procedente ou
improcedente o pedido, têm aptidão para afirmar ou negar a legitimidade da norma
questionada, além de natural eficácia erga omnes e efeito vinculante. É o que se
depreende, relativamente à ADI e à ADC, dos arts. 26 e 28, parágrafo único, da Lei
9.868/1999, e, relativamente à ADPF, dos arts. 10, § 3.º e 13 da Lei 9.882/1999”. 30
(Neste passo, registre-se que ainda grassa algum dissenso sobre a natureza dúplice das
ações no controle de constitucionalidade).31
Ao propósito desta última afirmação, a Lei 8.038/1990 – dita Lei dos Recursos – já
previa em seu art. 17: “Julgando procedente a reclamação, o Tribunal cassará a decisão
exorbitante de seu julgado ou determinará medida adequada à preservação de sua
competência”. Em análogo sentido, a Constituição paulista prevê que ao TJSP cabe
processar e julgar, originariamente: “a reclamação para garantia da autoridade de suas
decisões” (art. 74, X). No ponto, afirma Patrícia Perrone Campos Mello: “Quanto ao
desrespeito a decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça em caráter concentrado,
será cabível reclamação (… se previsto o instrumento na Constituição Estadual, ou, não
havendo tal previsão, mandado de segurança”. A autora colaciona o decidido pelo STF na
ADIn 2.212, j. 02.10.2003, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 14.11.2003, p. 11; e ADIn 2.480, j.
02.04.2007, rel. Min. Sepulveda Pertence, DJ 15.06.2007, p. 20, anotando que em tais
julgados “se afirmou que a reclamação para garantir a autoridade das decisões
proferidas pelo Tribunal de Justiça concretiza o direito de petição previsto na
Constituição Federal”.33
É útil, para bem se compreender o que neste passo se vem expondo, um contraponto
entre as jurisdições coletiva e singular: nesta última, por compreensível razão, a
motivação do julgado de mérito não integra os limites objetivos da coisa julgada (CPC,
art. 469, I), dada a virtualidade de os fatos e fundamentos jurídicos poderem se
reapresentar noutro processo, como, por exemplo, a alegação de mau uso do imóvel
locado: num primeiro processo, tal fato pode redundar no despejo, e, noutro, pode levar
a uma indenização ao locador. Situação totalmente diversa se passa na jurisdição
coletiva, na qual o comando do julgado de mérito – por exemplo a declaração de
inconstitucionalidade de uma dada lei, mormente no controle direto – abrange a
motivação exposta no acórdão, para efeito de estender-se a outros dispositivos de
conteúdo análogo (normas paralelas, repetidoras), porque do contrário se teria que
admitir que, num mesmo espaço-tempo, uma norma poderia ser considerada
inconstitucional, ao passo que outra, de igual conteúdo, continuaria válida.
Para coibir tais problemas o moderno Processo Constitucional vem concebendo técnicas
diferenciadas, como as chamadas inconstitucionalidade por arrastamento ou por atração,
ou consequente de preceitos não impugnados, ou ainda por reverberação normativa,
como explica Pedro Lenza: “(… se em determinado processo de controle concentrado de
constitucionalidade for julgada inconstitucional a norma principal, em futuro processo,
outra norma dependente daquela que foi declarada inconstitucional em processo anterior
– tendo em vista a relação de instrumentalidade que entre elas existe – também estará
eivada pelo vício de inconstitucionalidade ‘consequente’, ou por ‘arrastamento’ ou
‘atração’. Poder-se-ia pensar, nesse ponto, que a consequência prática da coisa julgada
material, que se projeta para fora do processo, impediria não só que a mesma pretensão
fosse julgada novamente, como também, sob essa interessante perspectiva, que a
norma consequente e dependente ficasse vinculada tanto ao dispositivo da sentença
(principal) quanto à ratio decidendi, invocando, aqui, a ‘teoria dos motivos
determinantes’”. Adiante, o autor esclarece que “o STF vem falando em
inconstitucionalidade por arrastamento do decreto que se fundava na lei (cf., por
exemplo, ADIn 2.995/PE, rel. Min. Celso de Mello, 13.12.2006)”, salientando, a seguir:
“Em outro julgado, declarada a inconstitucionalidade de um dispositivo, os outros que
estavam na mesma lei e que tinham relação com aquele nulificado, por perderem a sua
razão de ser, foram também declarados inconstitucionais, de acordo com aquilo que o
Min. Ayres Britto denominou inconstitucionalidade por reverberação normativa (cf. voto
do Min. Ayres Britto proferido na ADIn 1.923 – Inf. STF – e na ADIn 4.357 – Inf.
643/STF”.36
Tornando ao acórdão do TJSP na ADIn sobre a lei paulistana que vedou o uso de sacolas
plásticas, caso aí não se aplicasse a transcendência dos motivos determinantes, se
descortinaria um ambiente caótico, em detrimento da segurança jurídica e do
tratamento isonômico aos jurisdicionados, tudo agravado pela virtualidade da
intercorrência de outras ações de natureza coletiva – civis públicas, populares,
mandados de segurança coletivo, ações coletivas por interesses individuais homogêneos
– sobre aquele mesmo thema decidendum, com o risco latente da prolação de decisões
de conteúdo diverso ou até em senso contrário ao alcançado no julgamento da referida
ADIn que reconheceu a constitucionalidade da lei paulistana sobre o uso das sacolas
plásticas.
Ao propósito, José Rogério Cruz e Tucci reconhece que se abre, “a passos largos, o
caminho de adoção, no Brasil, do precedente judicial com força vinculante em situações
nas quais se encontram em jogo importantes quaestiones iuris, de inequívoco peso
político. O STF, em recentes e reiterados julgamentos, tem aplicado o efeito vinculante
emergente de precedentes em ações direta de inconstitucionalidade (ADIn) e
declaratórias de constitucionalidade (ADC). (… Como bem pontuado, a propósito, os
efeitos vinculantes da jurisprudência, previstos expressamente pelo ordenamento legal,
alçam a atividade judicial ao mesmo nível da hierarquia da lei, em todos aqueles
sistemas nos quais esta ocupara posição de absoluta preeminência”.38
E isso, com maior razão, em se considerando que na citada ADIn o valor sobrelevado é
tipicamente difuso – o meio ambiente – ao pressuposto de que ele é passível de ser
fortemente impactado pelo descarte de tais acondicionamentos não biodegradáveis, de
sorte que, cuidando-se de um valor indivisível, ubíquo e transgeracional, não pode ser
manejado livremente, conforme se trate deste ou daquele município, num mesmo
território paulista.
O único modo, a nosso ver, de se prevenir o risco de tal situação de insegurança jurídica
é, de um lado, aplicar a eficácia erga omnes e o efeito vinculante que cercam e
potencializam aquele acórdão do TJSP no controle direto de constitucionalidade, a par do
reconhecimento da transcendência dos seus motivos determinantes.39 Por esta última
teoria, não só a conclusão do acórdão é impositiva, mas também o que lhe constitui a
ratio decidendi. Isso permitiria, a contrario sensu, a extensão de tal julgado, em sua
inteireza, às demais normações de outros municípios paulistas, para o fim de ter-se,
implicitamente, como inconstitucionais ou, quando menos, insubsistentes, os textos que
disponham diversamente sobre a matéria. A não ser assim, um tema eminentemente
unitário, por concernir ao meio ambiente, consentirá avaliações diversas, quiçá
contraditórias, desorientando os jurisdicionados e administrados.
Nesse sentido, o Min. Gilmar Mendes, em seu voto lançado em 20.03.2014 na referida
Rcl 4335-Acre, informou: “Celso de Mello, ao apreciar matéria relativa à progressividade
do IPTU do Município de Belo Horizonte, conheceu e deu provimento a recurso
extraordinário [RE 384.521, DJ 08.04.2003] tendo em conta diversos precedentes
oriundos do Estado de São Paulo. Tal procedimento evidencia, ainda que de forma
tímida, o efeito vinculante dos fundamentos determinantes da decisão exarada pelo STF
no controle de constitucionalidade do direito municipal. Evidentemente, semelhante
orientação somente pode vicejar caso se admita que a decisão tomada pelo Plenário seja
dotada de eficácia transcendente, sendo, por isso, dispensável a manifestação do
Senado Federal” (p. 45 do acórdão).
Afinal, a garantia da igualdade de todos perante a lei deve alcançar não só a “norma
legislada”, isto é, aquela que foi moldada sob parâmetros de justiça e de isonomia em
seu processo de formação (nomogênese), como também a “norma judicada”, isto é,
aquele que vem a ter o seu momento judiciário, verificando-se que a dispersão
jurisprudencial excessiva conspira contra o ideal de igualdade, ao engendrar respostas
jurisdicionais dissonantes sobre um mesmo thema decidendum.
Com efeito, Eduardo Cambi e Thiago Baldani Gomes de Filippo esclarecem que
“recentemente parcela da doutrina, escorada em decisões inovadoras do Pretório
Excelso” tem admitido uma releitura do art. 52, X, da CF, entendendo que o ali previsto
“não serve, propriamente, para a atribuição de feitos vinculantes erga omnes, mas
apenas para conferir publicidade às suspensões de lei já determinadas pela Suprema
Corte, uma vez que a esta cabe a última palavra em matéria constitucional. Desse
modo, pela mutação sofrida, as decisões proferidas pelo STF no bojo do exercício de
controle difuso de constitucionalidade passam a ter efeitos vinculantes,
independentemente de qualquer decisão política do Senado Federal, o que evidencia a
preocupação com a uniformização das decisões judiciais quanto
à matéria”.42
5. Considerações conclusivas
8. Embora se registre algum dissenso quanto ao caráter dúplice das ações no controle
direto de constitucionalidade, parece-nos que essa equivalência realmente ocorre, até
por uma imposição lógica, verificando-se que uma ADIn rejeitada no mérito, equivale a
uma ADCon acolhida – e vice-versa. Isso porque, por imposição lógica, uma norma não
pode “ser e não ser” (in)constitucional num mesmo espaço-tempo, e, de outro lado, por
conta da eficácia erga omnes e do efeito vinculante que caracterizam e potencializam as
decisões no controle direto, devendo entender-se, como antes dito, que essa irradiação
abrange não só o dispositivo do julgado – o elemento declaratório – como também os
seus motivos determinantes.
10. A eficácia erga omnes e o efeito vinculante das decisões de mérito do STF nas ADIn
e ADCon – CF, § 2.º do art. 102 – (que devem estender-se aos motivos determinantes)
também se apresentam nas chamadas ADIn locais (contraste entre lei municipal e
Constituição Estadual), por razão de simetria, por imposição lógica e, também, em
respeito ao princípio republicano-federativo. No caso da ADIn julgada improcedente pelo
TJSP, envolvendo a lei paulistana 15.374/2011, proibitória do uso de sacolas plásticas, a
força obrigatória desse julgado, dando pela constitucionalidade da citada normação, há
que irradiar eficácia, inclusive quanto aos seus motivos determinantes, em face das
demais leis, de outros municípios paulistas que apresentem conteúdo contrário, as quais,
ipso facto, perdem sua condição de validade.
11. O TJSP é o “órgão superior do Poder Judiciário do Estado, com jurisdição em todo o
seu território” (Constituição paulista, art. 73, caput), donde não se conceber que, nessa
mesma unidade da Federação, possam conviver leis municipais de conteúdo auto-
excludente, sobre um tema axiologicamente unitário, como é o manejo do meio
ambiente, valor subjacente à questão do uso de sacolas plásticas no comércio. A ratio
decidendi do acórdão do TJSP na citada ADIn prendeu-se à premissa de que tal uso
impacta negativamente o meio ambiente, um típico interesse difuso. Tratando-se de um
valor transcendente, concernente a sujeitos indeterminados, envolvendo objeto
indivisível (“bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida” – CF, art.
225, caput), o elemento declaratório expresso no dispositivo daquele acórdão do TJSP na
citada ADIn – inclusive seus motivos determinantes – não pode ter sua eficácia limitada
ao território da capital; do contrário, ter-se-ia que aceitar a bizarra ocorrência de um
meio ambiente paulistano, distinto de um campineiro, à sua vez diverso de um
araraquarense, tudo ao interno de um mesmo Estado da federação. O
“contingenciamento territorial” da eficácia do citado acórdão à cidade de São Paulo,
engendraria situações paradoxais, permitindo, por exemplo, que cidadãos domiciliados
numa cidade paulista na qual seja vedado o uso de sacolas plásticas, façam compras na
cidade vizinha, onde tal acondicionamento é permitido, para ao depois retornarem à sua
cidade de origem, assim escapando à incidência da lei aprovada na cidade onde são
domiciliados!
12. O ora sustentado aplica-se às decisões judiciais que venham a ser proferidas sobre a
matéria no âmbito do Judiciário paulista, mercê do efeito vinculante, próprio das
decisões de mérito no controle direto, após o pronunciamento pelo TJSP – que se
estende aos seus motivos determinantes – dado que aí se reconheceu a
constitucionalidade da lei paulistana proibitória do uso das sacolas plásticas, suprimindo,
a contrario sensu, a validade de outras normações em senso contrário: aplicação do
princípio hermenêutico expressio unius, est exclusio alterius. Com efeito, não faria
sentido que após tal cognição da controvérsia pelo Tribunal de cúpula na organização
judiciária paulista – configurando o chamado precedente forte – sobreviessem decisões
judiciais em sentido contrário, em desprestígio à hierarquia, o que viria fomentar a
insegurança jurídica, desorientar os jurisdicionados e desservir o sistema como um todo.
Nesse sentido, a Constituição paulista prevê a reclamação, no âmbito da competência
originária do TJSP “para garantia da autoridade de suas decisões” (art. 74, X).
Sumário:
- 1.Introdução - 2.Novo Código de Processo Civil e sua organicidade - 3.Tutela específica
e sua regulação no novo Código de Processo Civil - 4.Antecipação dos efeitos da tutela
específica - 5.A tutela inibitória - 6.Considerações finais - 7.Referências bibliográficas
1
Encontra-se cediço a ideia de que os trabalhos para a edificação de um novo Código de
Processo Civil passam pelo enfrentamento de uma variedade de pontos de
estrangulamento processual que são incômodos crescentes a cada gestão anual do
Judiciário pátrio.2
Notadamente, uma questio que se encontra no mesmo padrão dos grandes pontos supra
referidos é a da inevitável e necessária efetividade 3 das decisões judiciais e os meios
para se implementar o seu cumprimento, algo que permeia os mais variados
ordenamentos do Ocidente4 e que em maior ou menor proporção tem-se como óbice a
uma prestação jurisdicional de qualidade e por que não, acentuando a problemática do
denominado “processo justo”,5 aqui também entendido como a prestação qualitativa
integral do serviço público da justiça; afinal, é de sempre rememorar e pois, nunca
perder de vista a máxima chiovendiana de que “il processo deve dare per quanto è
possibile praticamente a chi há um diritto tutto quello e proprio quello ch’egli há diritto di
conseguire”.6
Neste sentido é que se trazem à luz os aspectos relevantes no trato da tutela específica
das obrigações de fazer, não fazer e entregar no plano do que delineia o novo Código de
Processo Civil.
Fato é que o novo Código de Processo Civil trouxe verdadeiro acalento às várias
hipóteses que até então poderíamos supor serem idôneas em sede de tutela específica,
notadamente, sempre com apoio à criatividade de doutrina abalizada.
Dividido em duas partes, Geral e Especial e distribuídas em nove livros, mais um livro
complementar (“Das Disposições Finais e Transitórias”), o novo Código de Processo Civil,
reservou a regulação da Tutela Específica à Parte Especial, mais precisamente ao seu
Livro I “Do Processo de Conhecimento e do Cumprimento de Sentença”.
Queremos com isso pontuar que, diferentemente do texto atual do Código de Processo
Civil de 1973, onde temos v.g., os arts. 461 e 461-A se prestando a laborar o contexto
geral e deveras abstrato do empreender da medida específica, o novo Código de
Processo Civil possui a virtude de alocar em termos corretos e em lugares distintos,
exatamente, as diversas nuances pelas quais pode a Tutela Específica atuar, seja como
dissemos alhures, no que toca à sua concessão e execução, ressaltando ainda detalhes a
nosso ver, de extrema importância, sobretudo se conjugados à luz de uma hermenêutica
constitucional voltada à realização do Processo Justo, como na novíssima hipótese
prevista formalmente que é a da possível impugnação do demandado frente à exigência
do cumprimento específico da obrigação.
Nestes termos, temos que na Seção IV “Do Julgamento das Ações Relativas às
Prestações de Fazer, de não Fazer e de Entregar Coisa”, do Capítulo XII “Da Sentença e
da Coisa Julgada”, ambos inclusos no Título I “Do Procedimento Comum”, encontram-se
as disposições referentes ao julgamento das ações relativas às prestações de fazer, de
não fazer e de entregar coisa.
Ao tratar do julgamento das demandas que tenham por objeto prestação de fazer, não
fazer ou entregar coisa, o novo Código de Processo Civil optou, em princípio, manter em
manifesta igualdade de termos, o caput do art. 461 do CPC atual, estabelecendo que em
ditas demandas, sendo procedente o pedido, o magistrado concederá a Tutela Específica
ou mesmo determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao
adimplemento do direito material agredido. Ainda, tratando-se de entrega de coisa, será
fixado pelo juízo o prazo para o cumprimento da obrigação, sendo tal locução,
entendemos nós, extensiva às obrigações de fazer ou não fazer, não se configurando aí
qualquer objeção. Eis os dispositivos:
“Art. 494. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se
procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que
assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. (….
Art. 495. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela
específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação.
“Art. 496. A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o autor o requerer
ou se impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático
equivalente”.
Ainda neste ínterim, ressalta-se que indenização por perdas e danos dar-se-á sem
prejuízo da multa fixada periodicamente, de modo a compelir o réu ao cumprimento
específico da obrigação reconhecida como devida (art. 497), sendo de relevante
importância notar a compreensão de que eventual a multa cominatória, conforme
afirmado a pouco, possui o caráter inibitório sobre o réu recalcitrante no cumprimento da
obrigação a ele exigida,9 valendo daí trazer à luz a exata lição do saudoso Alcides de
Mendonça Lima:10
“(… enquanto o devedor tiver ânimo para suportar o ônus da incidência das astreintes,
ele pagará a pena, inclusive, se houver obstinação irreversível. Não se pode deixar de
reconhecer, como Josserand adverte, que ‘não há fortuna que possa resistir a uma
pressão contínua e incessantemente acentuada; a capitulação do devedor é fatal; vence-
se a sua resistência, sem haver exercido violência sobre sua pessoa; procede-se contra
seus bens, contra sua fortuna, contra seus recursos materiais’.”
Disso queremos dizer que eventual limitação de valores e/ou tempo de incidência da
multa, a despeito do próprio ordenamento não impor tais limites, deve ser sopesado pelo
órgão julgador, seja na questão que envolve a própria efetividade da sanção pecuniária,
já que valores e/ou tempo incipientes podem gerar inegável resistência do réu,
sobretudo quando este vislumbrar o minúsculo impacto da medida em que seu erário ou
mesmo de modo a inviabilizar o respectivo cumprimento de todo o montante
obrigacional a ele (réu) exigido.11
Cabe para momento ainda explicitar que a multa independerá de requerimento da parte
e poderá ser concedida tanto na fase de conhecimento, em sede de tutela antecipada ou
na sentença e ainda na execução, desde que seja suficiente e compatível com a
obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito, ex vi do
caput do art. 534.
Nisso, o NCPC prevê como destinatário da multa o próprio exequente (§ 2.º do art.
534),12 independentemente do valor a que a mesma alçar.
3.1.1 A obrigação de emissão de declaração de vontade
Contrariamente ao modelo atual, e a nosso ver, com acerto, o NCPC oportunizou dispor
em único dispositivo o julgamento das obrigações de emitir (prestar) declaração de
vontade.
Destaca-se que o Código de Processo Civil hodierno, mais precisamente nos arts. 466-A,
466-B e 466-C, trata de regular a presente obrigação, portanto, em diferentes
dispositivos, ainda que de maneira tautológica alguns de seus conteúdos e/ou situações
circunstanciais de incidência da dita obrigação.
Verdade é que a presente obrigação vem sofrendo seguidas modificações relativas à sua
localização no ordenamento processual civil pátrio.
Como dissemos e com acerto, o novel Código disciplina o julgamento das obrigações de
emitir declaração de vontade nos seguintes termos:
“Art. 498. Na ação que tenha por objeto a emissão de declaração de vontade, a sentença
que julgar procedente o pedido, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os
efeitos da declaração não emitida”.
Assim, por exemplo, desde que uma parte, em contrato preliminar, assuma uma
obrigação de contratar, bem como de emitir declaração de vontade e a isso deixe de
fazer ou se recuse a fazê-la, poderá a outra parte acioná-la judicialmente, objetivando
com isso obter uma sentença que produza os mesmos efeitos da declaração não emitida
pelo obrigado.
Passa-se aqui à esfera do cumprimento das obrigações de fazer, não fazer e entregar,
após, portanto, o reconhecimento das mesmas, conforme operado no item anterior.
§ 1.º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas,
a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o
desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário,
requisitar o auxílio de força policial.
§ 2.º O mandado de busca e apreensão de pessoas e coisas será cumprido por dois
oficiais de justiça; se houver necessidade de arrombamento, observar-se-á o disposto no
art. 844, §§ 1.º a 4.º”.
Como bem se nota, o § 1.º acosta um rol de medidas à disposição do juízo, para que,
com interesse e coragem, possa adotá-las, a fim de empreender força necessária e apta
a atuar sobre o devedor recalcitrante ao cumprimento específico da obrigação. No
entanto, cabe bem frisar que, de acordo com a dicção “entre outras medidas”, não se
trata de rol que se esgota nele mesmo, sendo perfeitamente possível lançar mão de
outras medidas, desde que voltadas ao objetivo efetivo da satisfação do direito
reconhecido e, inegavelmente, descumprido.
Na verdade, trata-se de medida que é tipificada pela lex que estrutura o Sistema
Brasileiro de Defesa da Concorrência (Lei 12.529, de 30.11.2011), mais precisamente
em seus arts. 102 a 111.
Tem-se como exemplo, neste âmbito, uma medida judicial voltada à imposição de
reintegração de um empregado, que havia sido assediado moralmente, o que impôs o
seu pedido de demissão. De que forma seria viável apurar se, retornando ao trabalho, as
condutas anteriormente ocorridas não voltariam a se dar? Daí, efetiva opção para tanto
será nomear um interventor-fiscal, de modo a que este permaneça por um determinado
lapso temporal na empresa, até que qualquer perigo de novas agressões haja cessado.19
Forçoso é afirmar que o interventor deverá estar investido das funções e da autoridade
necessária para fazer valer o que deseja a ordem judicial. Daí que, v. g. poderá o
interventor judicial ter acesso facilitado às finanças e instalações da empresa para fins
de aquisição de material e instalação do filtro e ainda ao controle de emissão de
poluentes. Verdade é que tais poderes deverão ser explicita e necessariamente
catalogados pelo órgão julgador em sua ordem judicial, a fim de que possa legitimar o
exercício pleno do interventor e seu êxito na intervenção.
Finalmente, em um terceiro contexto, tem-se a denominada “intervenção expropriatória
ou substitutiva”, certamente a mais aguda.
Um exemplo da aludida intervenção foi a ação ajuizada pelo Ministério Público Federal no
Rio de Janeiro, pedindo a intervenção judicial no Conselho Federal de Enfermagem, no
ano de 2006, diante de notícias que envolviam desvios de recursos públicos e fraudes
em licitações por aludido Conselho e daí que o objetivo da demanda era a de afastar a
própria Administração do Conselho.
Tem-se também, no mesmo sentido, ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público
do Trabalho da 4.ª Reg., em face do Grupo Ortopé, requerendo a intervenção judicial em
tal grupo, com o afastamento de seus administradores e a nomeação de pessoa da
confiança do juízo para a respectiva administração da empresa, até a devida liquidação
do passivo trabalhista da empresa.21
Alçado ao ambiente das obrigações fazer, não fazer e entregar, preferiu o legislador
reforçar a ideia já presente no Código de Processo Civil de 1973 22 quanto ao
descumprimento injustificado de ordem judicial dirigida ao executado para o exato
cumprimento da obrigação inadimplida, incidindo, por isso, nas penas de litigância de
má-fé, sem prejuízo da correta responsabilização pela prática do crime de
desobediência23 (§ 4.º do art. 533).
Em uma leitura pouco acurada, talvez pudesse parecer tratar-se de simples dispositivo,
se não fosse a remissão a que faz quanto ao art. 522, este que possui a seguinte
redação, mais precisamente com referência ao seu caput e § 1.º:
“Art. 522. Transcorrido o prazo previsto no art. 520 sem o pagamento voluntário, inicia-
se o prazo de quinze dias para que o executado, independentemente de penhora ou
nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação.
II – ilegitimidade de parte;
Possibilitando não pairar quaisquer dúvidas quanto à extensão dispositiva que regula a
efetiva possibilidade de atuação da tutela específica, o novel Código de Processo Civil
procura comtemplar, formalmente, as obrigações de fazer e não fazer decorrentes de
relação não obrigacional, não restando, por isso, dúvidas na incidência de todo o
conteúdo que regula a Tutela supra em tal relação, senão vejamos:
“Art. 533
(…
§ 6.º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que
reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional”.
“Art. 534
(…
§ 3.º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser
depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da
sentença favorável à parte ou na pendência do agravo fundado nos incisos II ou III do
art. 1.039”.
Não obstante todas as regras relativas ao cumprimento das obrigações de fazer e não
fazer aplicarem-se, no que couber, às obrigações de entregar coisa, conforme sustenta
do § 5.º do art. 534 do NCPC,29 optou o legislador, talvez pelas próprias particularidades
desta forma obrigacional, a ocupar da Seção II do Capítulo VI, este alocado no Titulo II
(Cumprimento da Sentença) do Livro I (Do Processo de Conhecimento e do
Cumprimento de Sentença), todos deste novato Ordenamento Processual Civil.
Nestes termos é que, de forma objetiva e em sintonia com o que já dispõe o § 2.º do
art.461-A, atenta o novo Código de Processo Civil para o cumprimento da sentença que
reconheça a obrigação de entregar coisa, regrando que, não cumprida a obrigação de
entregar coisa no prazo estabelecido no ato sentencial, expedido será o respectivo
mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse em favor do credor, conforme se
tratar de coisa móvel ou imóvel (art.535), onde certamente o credor comunicará ao juízo
aludido descumprimento para o efetiva expedição do necessário mandado.
Por outro lado, inova o novo Código de Processo Civil supra em relação ao Código de
Processo Civil de 1973 no que se refere tanto à existência de benfeitorias quanto ao
direito de retenção em razão das mesmas.
Assim, reza o § 1.º que a existência de benfeitorias deve ser alegada já na fase de
conhecimento em peça contestatória, atentando o réu naquele momento para a
discriminação da(s) mesma(s) e atribuindo-lhe, quando possível e de forma justificada, o
seu valor (§ 1.º do art. 535).
Na mesma toada, o direito de retenção pelas ditas benfeitorias, no mesmo sentido, deve
ser alegado também em sede de contestação na fase de conhecimento (§ 2.º).
Parece-nos que o legislador quer com isso evitar argumentos “oportunistas” por parte do
devedor/executado já em fase de cumprimento da sentença obrigacional em tela, não
obstante ser perfeitamente possível a ocorrência de benfeitorias no bem quer móvel ou
imóvel, durante o correr do processo, em qualquer de suas fases.
Propiciar a devida tutela específica do direito lesado é o corolário a que o processo deve-
se guiar.
Trata-se de possibilidade que o atual art. 461 § 3.º, do CPC concede, estabelecendo a
viabilidade de ser antecipada a tutela específica alusiva às obrigações de fazer, não fazer
e entregar coisa, quando não só for relevante o fundamento da demanda, mas,
sobretudo, quando houver justificado receio de ineficácia do provimento meritório final 30
e, notoriamente, quando não houver perigo de irreversibilidade do provimento
antecipado, conforme regra o § 3.º do art. 273.
“Art. 298. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para
efetivação da tutela provisória”.
Por outro lado, cabe aqui assentar que a Tutela Provisória no plano do Novo Código de
Processo Civil em comento, pode fundamentar-se nas modalidades de urgência (de
natureza antecipada ou cautelar) e de evidência, conforme sustenta o parágrafo único do
art. 292 e art. 298 e ss.
Nisso, a título de compreensão e em síntese apertada, temos que a tutela provisória de
urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do
direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, o que pode ser
traduzido na demora da prestação jurisdicional (art. 298, caput, do NCPC), em
referência ao seu correspondente no CPC/1973, in casu, o art. 273, caput e I.
IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos
constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida
razoável.
Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente”.
Despiciendo afirmar que o inc. I do art. 309 possui similitude com o caput e inc. II do
art. 273 do CPC atual, ajudado ainda pela boa redação do caput do retro citado art. 309,
o que já se demonstra a inexistência de óbices quando à concessão de antecipação dos
efeitos da Tutela Específica, cabendo trazer à luz aqui a questão presente no Código de
Processo Civil atual, onde encontramos disposição geral sobre a tutela antecipada (art.
273) e disposição desta mesma tutela de maneira particularizada em sede de tutela
específica nas obrigações de fazer e não fazer, extensiva àquela para entrega de coisa
(art. 461, § 3.º e art. 461-A, § 3.º), o que em nada prejudica a autorização da medida
antecipatória para fins de concessão de efeitos em pedido obrigacional específico. 31
5. A tutela inibitória
É fato que nas últimas décadas tem-se presenciado uma verdadeira e acelerada mutação
nas relações sociais em variadas formas e projeções.
Ocorre que a própria dinâmica de ditas relações, inegavelmente, gera conflitos que, uma
vez levados ao Poder Judiciário, muitas vezes restam carecedores de adequadas
soluções, oportunizadas pelas complexidades da vida, abstratamente reguladas por um
ordenamento jurídico em dado tempo e espaço, gerando a insegura ideia de que não
haveria instrumentos jurídicos aptos ou capazes de levar a cabo o satisfatório deslinde
do caso concreto ou de conceder medidas necessárias e aptas às situações fáticas
geradas em tais ambientes sociais de contínuas mudanças.
Insta aqui destacar, no entanto, que acerca do novo Código de Processo Civil, em
importante componente do comando regulatório da Tutela Específica, atende como
novidade normativa particularizada as disposições relativas à autorização para a
concessão da denominada Tutela Inibitória.
Queremos com isso afirmar que, de maneira explícita, relativa ao próprio comando da
prestação jurisdicional requerida, tem-se nos dispositivos do novo Código de Processo
Civil inequívoca dimensão e concretude formal da atuação da Tutela Inibitória.
Certo é que o principal fundamento legal em que repousa a tutela inibitória, antes de
tudo, é aquele decorrente do princípio constitucional inserido no art. 5º, XXXV, da CF
que reza: “a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça ao
direito”. Diante de tal preceito, nítido é a desnecessidade de uma expressa previsão
infraconstitucional para a propositura da proteção inibitória.
Temos, então, que no novo Código de Processo Civil em questão, bem aloca o legislador
a presente Tutela Inibitória como decorrência natural da Tutela Específica, quando da
pretensão para inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua
remoção; servindo ainda para o ressarcimento de um dano. É o que se depreende da
norma infra:
“Art. 494. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se
procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que
assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.
Por outro lado, para a boa compreensão e correta utilização da presente tutela,
necessário se faz acostar aqui a imprescindibilidade da importante distinção entre ilícito
e dano. Aliás, objeto de antigas divergências doutrinárias.38
Dita distinção já se faz necessária, por exemplo, no olhar mais agudo do que dispõe o
art.186 do CC/2002, in verbis:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Nestes termos, bem pontua Marinoni que “o dano não é uma consequência necessária do
ato ilícito. O dano é requisito indispensável para o surgimento da obrigação de ressarcir,
mas não para constituição do ilícito”.40
O esclarecimento dessa confusão não apenas deixa claro que a tutela ressarcitória não é
a única tutela contra o ilícito, como também permite a delineação de uma tutela
legitimamente preventiva, não tendo a mesma relação com a probabilidade do dano,
mas apenas relação com o ato contrário ao direito.43
Essa diferenciação entre ilícito e dano, conceituando-se o ilícito como ato contrário ao
direito, permitiu que a tutela jurisdicional fosse adequadamente prestada a certas
situações, através do uso de uma medida genuinamente preventiva, aí encontrando
lugar a tutela inibitória.
Este enfrentamento não passou despercebido pelo novo Código de Processo Civil onde,
de maneira prudente e nos trilhos corretos, pontificou no § 2.º do art. 494, o que se
segue:
“§ 2.º Para a concessão da tutela específica que serve para inibir a prática, reiteração ou
a continuação de um ilícito, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da
existência de culpa ou dolo”.
6. Considerações finais
7. Referências bibliográficas
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3.
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NERY JR., Nélson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e
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SPADONI, Joaquim Felipe. Ação inibitória. São Paulo: Ed. RT, 2007.
1. Trata-se da versão de texto-base aprovado em votação simbólica pelo Plenário do
Senado Federal em 16.12.2014, de cuja relatoria coube ao Senador Vital do Rêgo.
2. Sobre a variedade de conteúdos que realçam necessárias e sérias reflexões para uma
qualitativa prestação jurisdicional no plano de um novo Código de Processo Civil para o
Brasil, bem como variada análise dos Projetos voltados à sua edificação, ver GAIO
JÚNIOR, Antônio Pereira; CÂMARA, Alexandre Freitas (coords.). Novo CPC: reflexões e
perspectivas. Belo Horizonte: Del Rey, 2014.
3. Com clareza, bem pontua Marcelo Neves, ao se referir à importante distinção entre
eficácia e efetividade, no plano dos programas condicional e finalístico de realização
abstrata da lei:“(… pode-se afirmar que a eficácia diz respeito à realização do ‘programa
condicional’, ou seja, à concreção do vínculo ‘então’ abstrata e hipoteticamente previsto
na norma legal, enquanto a efetividade se refere à implementação do ‘programa
finalístico’ que orientou a atividade legislativa, isto é, à concretização do vínculo ‘meio-
fim’ que decorre abstratamente do texto legal”. NEVES, Marcelo. A constitucionalização
simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 45-46.
4. Ver LEBORGNE, Anne; PUTMAN, Emmanuel (orgs.) Les Obstacles à L’exécution
Forcée: Permanence et Évolution. Paris: Éditions Juridiques e Techniques, 2009.No
mesmo sentido, Nieva Fenoll:
“Se há hablado con acerto de ‘la vieja y vana aspiración de aproximar la justicia al
justiciable’, quizás poeque hace mucho tempo que nos hemos acostumbrado a observar
uma situación lamentable em nuestra Justicia. Y no obstante, no hemos dejado de
quejarnos de su ineficácia, aunque sobre todo de su lentitud. Sin embargo, damos por
hecho que quien nos debe uma pequena cantidad, o no nos pagará, o sólo nos pagará, i
lo hace, tras el correspondiente processo monitório y, sobre todo, tras uma a veces difícil
e infructuosa búsqueda de sus bienes, que se nos hace eterna” (FENOLL, Jordi Nieva.
Jurisdicción y Proceso. Madri: Marcial Pons, 2009. p. 111).
5. Cf. O modelo constitucional do processo justo In: MORELLO, Augusto M. El Proceso
Justo. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2005. p. 67 e ss.
6. CHIOVENDA, Giuseppe. Saggi di Diritto Processuale Civile. Milano: Giuffrè, 1993. vol.
I, p. 110.
7. Na aludida exposição de motivos, a Comissão nomeada pelo Senado bem expressou
que trabalhou sempre tendo como pano de fundo um objetivo genérico, que foi de
imprimir organicidade às regras do processo civil brasileiro, dando maior coesão ao
sistema.Nisso, foi pontuado que o novo Código de Processo Civil “conta, agora, com uma
Parte Geral, atendendo às críticas de parte ponderável da doutrina brasileira. (… O Livro
II, diz respeito ao processo de conhecimento, incluindo cumprimento de sentença e
procedimentos especiais, contenciosos ou não. O Livro III trata do processo de
execução, e o Livro IV disciplina os processos nos Tribunais e os meios de impugnação
das decisões judiciais. Por fim, há as disposições finais e transitórias”.
8. Cf. os nossos Tutela específica das obrigações de fazer. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2012;
Instituições e direito processual civil. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2013; O processo
nos Juizados Especiais Cíveis estaduais. Belo Horizonte: Del Rey, 2010; Medidas
coercitivas para o cumprimento das obrigações de fazer e não fazer no Direito pátrio e
comparado. Revista Forense 363/345, 2002.
9. Cf. o nosso Tutela específica…cit. p. 90-91.
10. LIMA, Alcides de Mendonça. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 1979. vol. VI. t. II. p. 869.
11. “A cominação da multa deve ser forte, mas não deve inviabilizar a execução
propriamente dita, que, no caso, é a resultante das perdas e danos. De nada vale levar o
devedor à insolvência se, insolvente, não puder atender sequer ao prejuízo real causado
ao credor“. GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. São Paulo: Saraiva,
1995. vol. 3. p. 69.
12. “Art. 534 (… § 2.º O valor da multa será devido ao exequente.”
13. Tutela específica…cit. p. 100.
14. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Aspectos da execução em emitir declaração de
vontade. Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 236. 6.ª Série.
15. Sobre o efeito jurídico da sentença substitutiva da vontade, vale lembrar LIEBMAN
ao afirmar: “o respeito à vontade individual não pode ser tão absoluto a ponto de
impedir a produção do efeito jurídico que a declaração de vontade produziria, quando
existe obrigação anterior de emitir essa declaração e o obrigado se recusa a cumpri-la”.
(LIEBMAN, Enrico Tullio. Embargos do executado. São Paulo: Saraiva, 1952. p. 161).
16. Ditos meios de coação atuam através de medidas de pressão econômica, física ou
psicológica, tais como as penas de multa, a incidência das astreintes, hipóteses de prisão
civil, bem como punições oriundas da prática de atos atentatórios à dignidade da justiça,
dentre outras. Cf. o nosso Tutela específica…cit. p. 82.
17. A presente medida fora acostada, inicialmente, no Relatório do Senador Vital do
Rêgo, oriunda do Substitutivo da Câmara dos Deputados – PL 8.046/2010 – e
devidamente aprovada em votação simbólica pelo Plenário do Senado Federal. No
entanto, em votação final, esta realizada em 17.12.2014, onde analisados foram os
destaques do Substitutivo da Câmara, dita medida fora, lamentavelmente,
retirada.Dentre os motivos para a não contemplação da mesma no bojo do Código de
Processo Civil está a afirmativa do próprio relator do PLS 166/2010 no Senado Federal,
Senador Vital do Rêgo, de que a manutenção da medida poderia dar margem a abusos,
o que certamente pensamos nós, quis ele dizer em relação ao próprio órgão julgador,
competente para a eventual adoção da medida de reforço ao cumprimento da obrigação.
In: Congresso aprova novo Código de Processo Civil para agilizar processos. Disponível
em: [www1.folha.uol.com.br/poder/2014/12/1563905-congresso-aprova-novo-codigo-
do-processo-civil-para-agilizar-processos.shtml]. Acesso em: 18.12.2014.
18. Ver, PEREIRA, Luiz Fernando C. Medidas urgentes no direito societário. São Paulo:
Ed. RT, 2002. p. 205 e ss.Dita classificação é exemplificativa, de modo a demonstrar as
várias percepções que decorrem de um contexto interventivo por meio de medidas sobre
a pessoa jurídica.
19. ARENHART, Sérgio Cruz. A intervenção judicial e o cumprimento da tutela específica.
Disponível em: [www.academia.edu/214098/A_INTERVEN
%C3%87%C3%83O_JUDICIAL_E_O_CUMPRIMENTO_D_TUTELA_ESPEC%C3%8DFICA?
login=&email_was_taken=true]. Acesso em: 04.11.2014.
20. Idem, ibidem.
21. Idem, ibidem.
22. Ex vi do art. 14, mais precisamente o seu inc. V e parágrafo único.
23. Tem o STJ, a contrário sensu, rechaçado a ideia de possibilitar a incidência do crime
de desobediência em questões que envolvam o descumprimento de obrigação de
fazer:“1. Manifestamente ilegal a decretação ou a ameaça de decretação de prisão por
crime de desobediência nos autos de processo civil como forma de coagir a parte ao
cumprimento de obrigação, ressalvada a obrigação de natureza alimentar. 2.
Precedentes específicos do STJ. 3. ‘Habeas Corpus’ Concedido de ofício, prejudicado o
Recurso Ordinário (STJ, RHC 35.253/RJ, 3.ª T. j. 05.03.2013, rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, DJe 26.03.2013)”.
24. Ratificando nossa afirmativa, confiram aqui, pelo menos duas importantes passagens
de nossa qualificada doutrina, já por nós citadas em obras anteriores:“Por outro lado,
continua havendo o processo de execução das obrigações de fazer e não fazer.
Em primeiro lugar, o processo do art. 632 e ss. continua servindo para tutelar as
pretensões já amparadas em título executivo extrajudicial.
Em todos esses casos, tais títulos executivos judiciais podem ser representativos de
obrigações de fazer ou de não fazer e continuarão ensejando o processo do art. 632 e
ss. É que, nessas três hipóteses, a questão é trazida a juízo depois que formado o título,
ou seja, não existe uma sentença proferida em um processo desenvolvido sob as regras
do art. 461. Então, nesses casos, se a parte pretende apenas a efetivação concreta do
comando contido no título, terá de recorrer ao processo do Livro II (pois não há outra via
disponível) e não ao processo para a aplicação do art. 461, que é (também) processo de
conhecimento – destinado, em princípio, a casos em que ainda não há título executivo.
Fica, porém, a ressalva de que o detentor de título executivo tem interesse processual
para recorrer ao processo do art. 461, na medida em que esse lhe irá propiciar uma
tutela mais eficiente todavia, em tal hipótese, o título executivo não valerá como tal,
mas como mera prova.” WAMBIER, Luiz Rodrigues (coord.). Curso avançado de processo
civil. 8. ed. São Paulo: Ed. RT, 2006. vol. 2. p. 275-276. Leonardo Greco (Primeiros
comentários sobre a reforma da execução oriunda da Lei n. 11.232/2005. Revista
Magister. Direito Empresarial, Concorrencial, e do Consumidor 6/90), ao se referir sobre
as diferenças entre o procedimento do Cumprimento da Sentença e aquele relativo às
Tutelas Específicas dos arts. 461 e 461-A, aqui, por nós, dentro, evidentemente, de uma
noção sistêmica, objetivando acostar tal razão à aplicabilidade do art. 475– I, 1.ª parte –
quando em referência aos arts. 461 e 461-A – naquelas sentenças civis proferidas em
processo de conhecimento e não de forma ampla e sem quaisquer limites, seja em face
da qualidade de defesa do executado, seja por questões, muitas vezes, teratológicas que
envolveriam um complexo ato de futurologia, salvo melhor juízo, em interpretação por
demais extensiva. Assim, nota o eminente autor que na disciplina das tutelas específicas,
“não previu expressamente o exercício da defesa pelo devedor, (… enquanto na
execução de sentença fundada em título judicial a Lei 11.232 regulou em minúcias a
defesa do executado (arts. 475-J, L e M), que denominou de impugnação, para distingui-
la dos tradicionais embargos do devedor”.
25. Instituições de direito… cit.. p. 428-430.
26. “Art. 475-R. Aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no que
couber, as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial.”
27. Tutela específica das obrigações de fazer. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 62-63.
28. “Art. 1039. Cabe agravo contra decisão do presidente ou vice-presidente do tribunal
que:(…
II – inadmitir, com base no art. 1.037, inciso I, recurso especial ou extraordinário sob o
fundamento de que o acórdão recorrido coincide com a orientação do tribunal superior;
III – inadmitir recurso extraordinário, com base no art. 1.032, § 8.º, sob o fundamento
de que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inexistência de repercussão geral da
questão constitucional debatida.”
29. “Art. 534.(…
§ 5.º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que
reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.”
30. No mesmo sentido, caminha a opinião de DINAMARCO, Cândido Rangel. (A reforma
do Código de Processo Civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 154), ao afirmar que o
art. 461 do CPC deve ser interpretado em sistema com o art. 83 do CDC, “segundo o
qual (Mutatis Mutandis) todas as espécies de ações são admissíveis, para a tutela
jurisdicional nas obrigações de fazer ou de não fazer”, acrescentando ainda que “Falar
em todas as espécies de ações significa incluir as espécies de tutela que se obtém no
processo de conhecimento (constitutiva, condenatória ou meramente declaratória) e
também tutela executiva e a cautelar”.
31. “É interessante notar que para o adiantamento da tutela de mérito, na ação
condenatória em obrigação de fazer e não fazer, a lei exige menos do que para a mesma
providência na ação de conhecimento tourt court (art. 273 do CPC). É suficiente a mera
probabilidade, isto é, a relevância do fundamento da demanda, para a concessão da
tutela antecipatória da obrigação de fazer ou não fazer, ao passo que o art. 273 do CPC
exige, para as demais antecipações de mérito: (a) a prova inequívoca; (b) o
convencimento do juiz acerca da verossimilhança da alegação; (c) ou o periculum in
mora (art. 273, I, do CPC) ou o abuso do direito de defesa do réu (art. 273, II, do
CPC).” NERY JR., Nélson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil
comentado e Legislação Processual Civil extravagante em vigor. 12. ed. São Paulo: Ed.
RT, 2012. p. 804.
32. Dentre elas, CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO
JÚNIOR, Antônio Pereira. Biografia autorizada versus liberdade de expressão. Lisboa:
Juruá Editorial, 2014. p. 70 e ss.; GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Instituições de direito…
cit. p. 80 e ss.
33. Ver por todos, MÒCCIOLA, Michele. Problemi del ressarcimento del danno in forma
specifica nella giurisprudenza. Rivista Critica del Dirritto Privato, p.367 e ss., 1984;
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 3. ed. São Paulo: Ed.
RT, 2006; SPADONI, Joaquim Felipe. Ação inibitória. São Paulo: Ed. RT, 2007.
34. “Art. 932 do CPC: O possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser
molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure na turbação ou esbulho
iminente, mediante mandato proibitório, em que se comine ao réu determinada pena
pecuniária, caso transgrida o preceito.”
35. “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não
amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de
poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-
la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que
exerça.”
36. “Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o
juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará
providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.”
37. NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Op. cit.. p. 802-803.
38. Vale lembrar que uma das importantes conquistas da doutrina italiana nas últimas
décadas do século passado foi, exatamente, a revisão conceitual de Ilícito, mais
precisamente entre ato ilícito e fato danoso. Ver, por todos, MÒCCIOLA, Michele. Op.
cit.. p. 367 e ss.
39. Cf. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito
processual civil. Salvador: JusPodivm, 2008. vol. 2. p. 367.
40. MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit.. p. 46.
41. Idem, ibidem.
42. Neste ínterim, pontua Marinoni: “(… ao inserir na constituição do ilícito o perigo,
refere-se ao perigo com uma ‘potencialidade danosa’, evidenciando, assim, que a tutela
contra o ilícito – que seria diferente da tutela contra o dano – é uma tutela contra a
probabilidade do dano”. (Idem. p. 45).
43. CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas E. M.; GAIO JÚNIOR, Antônio
Pereira. Op. cit.. p. 76.
44. Idem. p. 47.
DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS E SEU SUBSTRATO
COLETIVO: AÇÃO COLETIVA E OS MECANISMOS PREVISTOS NO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
Eduardo Talamini
Livre-docente (USP). Doutor e Mestre (USP). Professor de direito processual civil,
processo constitucional e arbitragem (UFPR). Advogado
Área do Direito: Constitucional; Processual
Sumário:
- 1.Introdução - 2.Três fenômenos modernos - 3.A pretensa distinção essencial entre
direitos individuais homogêneos e direitos coletivos (e difusos) - 4.O insight de Alcides
Munhoz da Cunha - 5.O substrato jurídico-material coletivo nas ações de tutela dos
direitos individuais homogêneos – A regra do art. 100 do CDC - 6.O direito material e o
processo - 7.Decorrências no âmbito da ação coletiva - 8.Os direitos individuais
homogêneos no Código de Processo Civil de 2015 - 9.Conclusão
1. Introdução
São os direitos ou interesses difusos: aqueles que o Código do Consumidor define como
transindivuais, indivisíveis, titularizados por pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato (art. 81, parágrafo único, I).
São os direitos coletivos, que nossa legislação define como transindividuais de natureza
indivisível, titularizados por um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou
com a parte contrária por uma relação jurídica base (CDC, art. 81, parágrafo único, II).
Além disso, vivemos em uma sociedade de massas. No mundo, sempre existiu muita
gente. Mas só recentemente – e essa é uma conquista fundamental – toda essa gente
passou a ser verdadeiro sujeito de direito e a ter alguma consciência disso. Ortega y
Gasset constatou esse fenômeno como ninguém, ainda no começo do século XX.2
Daí – muito mais do que em outras épocas – surgem situações em que uma imensa
quantidade de pessoas titulariza, individualmente, um direito que é na essência idêntico
ao dos demais. E surgem situações em que estas pessoas têm, ao mesmo tempo, esses
seus respectivos direitos ameaçados ou violados por uma conduta ou conjunto de
condutas provenientes de um mesmo sujeito ou conjunto de sujeitos. Pensemos em
consumidores que compraram todos um mesmo produto defeituoso; ou contribuintes
numa mesma situação em face do Fisco; servidores públicos ou empregados privados
numa idêntica posição jurídica em face de seus empregadores etc.
Vale dizer, o ponto de contato entre as duas primeiras categorias e esta terceira seria
puramente processual. O modo de tutela daquelas e dessa seria afim; o substrato
jurídico-material, não.
3.2 Decorrências
A ideia de que se está a usar um mecanismo processual coletivo para uma situação
jurídico-material individual contribui para que se conceba o emprego do processo
coletivo, nesta hipótese, como simples favor da lei.
Reconhece-se que negar o amplo emprego do processo coletivo em prol dos direitos
difusos e coletivos implica obstar o acesso à justiça. Pela via individual não há como
tutelá-los. O substrato jurídico-material indivisível, reconhecidamente coletivo, impõe
essa constatação.
Esta premissa é invocada para justificar diversas normas restritivas do emprego das
ações coletivas para a tutela de direitos individuais homogêneos – normalmente em
casos em que elas seriam utilizadas contra o Poder Público. Por um lado, pretende-se
excluir da tutela coletiva determinadas categorias de direitos individuais homogêneos. 4
Por outro, intenta-se estabelecer todo um conjunto de requisitos e formalidades que
negam qualquer dimensão propriamente coletiva para a ação de tutela dos direitos
individuais homogêneos, transformando-a quase que em mero mecanismo de
simplificação de formação de litisconsórcio.5
Pode-se cogitar de uma série de outros motivos, além desse que é enfocado no presente
texto, pelos quais tais regras são total ou parcialmente incompatíveis com a
Constituição. A jurisprudência, é bem verdade, exclui a aplicação delas às hipóteses em
que a Constituição estabeleceu expressamente instrumentos específicos de tutela
coletiva.6 Mas o fato de tais regras permanecerem sendo aplicadas sem maiores
questionamentos nos demais casos evidencia o quanto tem força a premissa ora
examinada.7
Por outro lado, a noção da suposta “artificialidade” do processo coletivo para tutela de
direitos individuais homogêneos conduz ao estabelecimento de limites subjetivos tímidos
para a coisa julgada em caso de improcedência da demanda.
Alcides Munhoz da Cunha opôs-se a esta concepção que vê na tutela dos direitos
individuais homogêneos uma dimensão puramente processual. Há também nesta
hipótese um direito coletivo ou difuso, conforme o caso. Convém transcrever
literalmente tópico de seu ensaio dedicado ao tema:
O art. 81, III, dispõe que interesses individuais homogêneos são aqueles decorrentes de
origem comum, o que sem dúvida é insuficiente para a qualificação. Não obstante, o art.
91 sugere que são interesses na obtenção de uma indenização pessoal para aqueles que
se qualificam como vítimas ou sucessores das vítimas que sofreram danos imputáveis à
mesma parte, em virtude de um único fato ou fatos conexos (daí a origem comum).
Tem-se dito que nestes casos os interesses são individuais e não meta-individuais,
porque a própria lei os qualifica como individuais, porém homogêneos, por ter origem
comum. Todavia, a despeito deste nomem in iuris, pode-se afirmar que são interesses
meta-individuais, enquanto pressupõe interesses coordenados e justapostos que visam a
obtenção de um mesmo bem, de uma mesma utilidade indivisível. O que se pretende é
uma condenação genérica, uma utilidade processual indivisível, em favor de todas as
vítimas ou seus sucessores, em virtude de danos que tem origem comum.
Basta considerar que se não surgirem indivíduos em número suficiente para executar a
sentença de procedência nesta hipótese, haverá mesmo assim liquidação e execução, e
o valor irá para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos (art. 100 do CDC). 16 A lei alude à
falta de “habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano”.
Aliás, a regra do art. 100 do CDC é um dos aspectos que leva Andrea Giussani, em
análise comparativa dos modelos de processo coletivo, a afirmar que a ação coletiva
brasileira, mais do que a função de economia processual ou mesmo de acesso à justiça,
tem a função de dissuasão de condutas ilícitas (“deterrenza delle condotte illecite”).18
Não é o processo coletivo que constitui, cria, o direito difuso subjacente aos direitos
individuais homogêneos. Não se tem, na hipótese, a subversão do caráter puramente
instrumental do processo (que “deve dar a quem tem direito tudo aquilo e exatamente
aquilo a que tem direito”, conforme a célebre máxima chiovendiana). Ou seja, o direito
difuso em questão não nasce apenas quando não houve a habilitação de interessados
individuais em número compatível com a gravidade da lesão. O direito difuso preexiste.
Ele apenas é realçado quando tal hipótese configura-se.
A grande questão – que será retomada adiante – é que não é esse o único interesse
difuso merecedor de tutela nos conflitos de massas. A coletividade também tem o direito
à segurança jurídica, à previsibilidade de consequências, ao tratamento isonômico.
Todos estes interesses difusos estão também subjacentes aos conflitos de massa (i.e.,
casos de direitos individuais homogêneos). Nem todos, contudo, são plenamente
tutelados pela ação coletiva.
Descartada a ideia de que a ação coletiva para direitos individuais homogêneos seja uma
simples opção legislativa por uma técnica processual, torna-se ainda menos justificável
qualquer restrição ou condicionamento como os apontados acima (n. 3.2.1).
Além disso, e mesmo nas hipóteses em que a tutela coletiva de direitos individuais
homogêneos é modelada pela lei infraconstitucional, sem o amparo em uma expressa
previsão constitucional acerca de seu cabimento, é discutível que o legislador seja
totalmente livre para retirar aquilo que ele antes outorgou. Trata-se de considerar a
“cláusula de proibição de retrocesso”21 – normalmente invocada em prol dos direitos
sociais, mas também aplicável aos direitos à organização e procedimento. Se o legislador
infraconstitucional já preencheu uma lacuna de tutela coletiva, talvez não lhe seja dado
simplesmente voltar atrás e restabelecer o hiato antes existente.
Por outro lado, a percepção da dimensão coletiva subjacente aos direitos individuais
homogêneos ajuda a pôr em destaque um aspecto relevante para a definição da
adequação da tutela coletiva. O tema concerne ao interesse de agir, que é pressuposto
de admissibilidade da atuação jurisdicional: deve haver a necessidade de tutela, a
utilidade do instrumento processual eleito e uma efetiva relação de adequação entre um
e outro.
Esta extensão ultra partes, na disciplina atual, está restrita aos demais legitimados
coletivos. O princípio geral é o de que a coisa julgada da ação coletiva (em qualquer de
suas três modalidades) não prejudica o litigante individual, salvo quando ele houver
ingressado no processo como litisconsorte (CDC, art.103, III, e §§ 1.º a 3.º, e art. 104).
E essa é outra questão que se põe com premência. Cabe à sociedade brasileira definir
que funções prioritárias pretende atribuir ao processo coletivo: se apenas a de assegurar
o acesso à justiça sob uma perspectiva estritamente unilateral (do autor da demanda e
dos beneficiários individuais, pois o réu, mesmo em caso de vitória total, jamais tem
uma tutela estável e, portanto, plena) e a de dissuadir a prática do ilícito – eis os papéis
atuais desempenhados pela ação coletiva no Brasil; ou se, além disso, pretende-se que a
tutela coletiva propicie também economia processual e, mais do que isso, a isonomia, a
previsibilidade e a segurança jurídica.
Reitere-se que, tanto quanto o interesse difuso à dissuasão de ilícitos de massa (ora
tutelado pela ação de direitos individuais homogêneos), esses outros valores também
constituem interesses difusos no plano jurídico-substancial.
A ação coletiva, ao menos tal como regulada pelo Código do Consumidor e a Lei da Ação
Civil Pública, corre o risco de perder o papel de protagonista no desempenho destas
funções, em face de novos institutos que se estabelecem entre nós. É o que se vê a
seguir.
Esta tendência iniciou-se em 2003, quando o STF alterou seu regimento interno para
instituir um sistema de julgamento de recursos extraordinários repetitivos provenientes
dos Juizados Especiais Federais (ER 12, de 17.12.2003).
A exata dimensão deste mecanismo – sua natureza, função e pressupostos – ainda está
por ser inteiramente identificada pela doutrina e os profissionais do direito. Por conta
disso, soluções pouco satisfatórias foram adotadas, em mais de uma ocasião. Basta um
exemplo: em 2008 pôs-se em discussão pela primeira vez no STJ a questão da
possibilidade e dos efeitos da desistência do recurso “amostra” pelo recorrente. No caso
concreto, antevendo possível decisão desfavorável e sua subsequente aplicação a
inúmeros outros processos em que ele era parte, o recorrente pretendeu desistir de seu
recurso. Naquela oportunidade, o STJ reputou que a desistência seria impossível. Uma
vez afetado ao procedimento de repetitivos e estabelecido como caso representativo da
questão, o recurso tornar-se-ia indisponível.26
Por outro lado, a mesma técnica é estendida aos tribunais locais. É o incidente de
resolução de demandas repetitivas (IRDR): permite-se aos Tribunais de Justiça e aos
Tribunais Regionais Federais julgar por amostragem demandas repetitivas, que tenham
por objeto controvertido uma mesma questão unicamente de direito, sempre que houver
“risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica”.
Nem sempre isso ocorrerá – de modo que não se pode afirmar que o incidente de
resolução de demandas repetitivas e os demais meios de julgamento por amostragem
constituirão sempre e apenas um meio de tutela de direitos individuais homogêneos.
Afinal: (i) ao menos no caso dos recursos repetitivos nos tribunais superiores, os
mecanismos de julgamento por amostragem podem ser empregados também para a
solução de questões de cunho processual. Neste caso, recursos provenientes de
inúmeros processos com objetos (méritos) distintos podem ser submetidos ao mesmo
procedimento de repetitivos, por conta da identidade da questão processual; (ii) é
possível que uma mesma questão de direito ponha-se repetidamente em diversas ações
coletivas para tutela de direito difuso ou coletivo em sentido estrito (p. ex., seccionais da
OAB de diferentes unidades da Federação promovem ações coletivas para que se
reconheça determinado direito da classe dos advogados, no âmbito de suas respectivas
secções). Temos nesta hipótese algo que se poderia qualificar como direitos coletivos
homogêneos – e o incidente de resolução de demandas repetitivas será utilizável.
Tome-se como exemplo o caso em que o proprietário rural promove ação destinada a
impedir que uma fábrica continue despejando substâncias poluentes em rio que passa
por sua propriedade e lhe está contaminando o solo. O proprietário tem uma pretensão
individual a esta tutela específica, tanto quanto o tem à tutela ressarcitória dos danos
causados: não faria sentido afirmar que ele teria o direito de obter indenização, mas não
o de impedir a ocorrência do dano. Mas esta sua pretensão individual à tutela específica
coincide, quanto ao resultado, com a pretensão coletiva de tutela ao meio ambiente. São
direitos inconfundíveis, mas concorrentes.29
Pelo mecanismo instituído no Código de 2015, a ação individual pode ser convertida em
ação coletiva a requerimento de qualquer dos legitimados para esta última. O autor da
demanda individual poderá permanecer atuando como litisconsorte unitário para a
condução do processo coletivo.
Por força de expressa previsão, a conversão não pode ser utilizada para a tutela coletiva
de direitos individuais homogêneos (no exemplo dado, não poderia haver conversão em
ação coletiva para a formação de condenação genérica para ressarcimento dos danos de
todos os demais proprietários ribeirinhos potencialmente afetados). 30 Esta limitação, que
foi acrescida no curso do processo legislativo, teve uma justificativa. Reputou-se que,
diante dos mecanismos de julgamento de questões e causas repetitivas, haveria
sobreposição de instrumentos com finalidades equivalentes.
9. Conclusão
Como antes indicado, não há razão para não se estender aos colegitimados da ação
coletiva de tutela de direitos individuais homogêneos a coisa julgada da sentença de
improcedência (ressalvada a insuficiência de provas). A extensão ultra partes, no âmbito
dos legitimados coletivos, harmoniza-se com o caráter unitário, indivisível, do direito
coletivo ou difuso que está subjacente à ação coletiva para tutela de direitos individuais
homogêneos – tal como se dá nas demais ações coletivas.
Mas isso ainda não é tudo. A ação coletiva pode servir a diferentes fins – nem todos
compatíveis entre si. Um modelo que maximize a função de economia processual tende
a limitar o papel de facilitação do acesso à justiça ou de dissuasão do ilícito – e assim
por diante.
Um modelo mais completo e adequado de processo coletivo passa, de algum modo, pela
vinculação não apenas dos colegitimados coletivos, mas também dos legitimados
individuais na hipótese de improcedência da demanda coletiva. Obviamente, essa não é
uma equação simples.33 A pura atribuição de coisa julgada erga omnes (vinculativa dos
titulares de direitos individuais homogêneos) à sentença de improcedência da ação
coletiva, mantendo-se no mais a sua atual disciplina, geraria resultados incompatíveis
com as garantias do devido processo legal. Uma série de ressalvas e ajustes haveria de
ser incorporada ao modelo atual, para assegurar-se uma solução equilibrada
(instauração de um verdadeiro sistema de representatividade adequada em cada caso
concreto, aplicável sem exceções a todos os possíveis legitimados; eventual instituição
de sistemas de opt-in ou opt-out; ampliação dos mecanismos de publicidade da
litispendência coletiva; alargamento e flexibilização das modalidades de intervenção de
terceiros no processo coletivo etc.).
A ação coletiva para tutela dos direitos individuais homogêneos corre o risco de ficar em
segundo plano. Pode transformar-se em simples coadjuvante, se não um figurante. 35
Para que ela cumpra seu papel, deve ser reformulada – e esta reformulação, já ficou
claro, não consiste em apenas se lhe atribuir arbitrariamente mais força ou estabilidade.
A identificação do exato equilíbrio é tarefa digna de um Calder – e há de ser
desempenhada sempre se tendo em conta a coexistência, nos conflitos de massa, de
direitos individuais homogêneos e coletivos.
1. O pluralismo político implica o reconhecimento: (a) de que a sociedade moderna é
complexa e nela se formam esferas particulares mais ou menos autônomas, (b) da
possibilidade de tais esferas participarem direta ou indiretamente na formação da
vontade coletiva (BOBBIO, As ideologias e o poder em crise. Trad. [J. Ferreira da ed.
italiana de 1982 de Le ideologie e il potere in crisi]. 3. ed. Brasília, 1994. primeira parte,
p. 16).
2. A rebelião das massas. Trad. M. P. Michael e rev. trad. M. E. H. Cavalheiro, da ed.
esp. de La rebelión de las masas. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
3. Emblemática nesse sentido é a qualificada obra de Teori Zavascki. Processo coletivo:
tutela de direitos coletivos e tutela coletiva dos direitos. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2007.
4. V.g., não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam
tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS
ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente
determinados (parágrafo único do art. 1.º, da Lei 7.347/1985, acrescido pela MedProv
2.180-35/2001).
5. P. ex., nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os
Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar
instruída com a ata da assembleia da entidade associativa que a autorizou,
acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos
endereços (parágrafo único do art. 2.º-A da Lei 9.494/1997, acrescido pela MedProv
2.180-35/2001).
6. Veja-se, p. ex., a Súmula 629 do STF (“A impetração de mandado de segurança
coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização
destes”).
7. Por exemplo, a ADIn 2.251, que impugnava, entre outras normas, o art. 2.º,
parágrafo único, da Lei 9.494 foi extinta por motivos formais sem que nela, antes,
houvesse sido concedida medida cautelar (STF, Pleno, j. 15.03.2001, v.u., rel. Min.
Sydney Sanches, DJU 24.10.2003). Não se tem notícia de nova ação direta sobre o
mesmo objeto nem de uma declaração incidental de inconstitucionalidade, pelo STF, das
regras em questão.
8. As ações individuais correlatas não são afetadas (CDC, art. 103, § 1.º).
9. Hipótese em que, aliás, esta abrangência erga omnes da coisa julgada é
desnecessária: basta ela vincular o réu. Relevante é que os efeitos da sentença de
procedência sejam aproveitáveis por terceiros (notadamente, os titulares dos direitos
individuais homogêneos).
10. GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as
ações coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo: Ed. RT, 2007. n. 5.5.4, p.
283 e ss.; ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo da Silva. Comentários ao Código de Defesa do
Consumidor: direito processual. São Paulo: Saraiva, 2002. n. 4 ao art. 103, p. 180;
GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos
autores do anteprojeto. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. n. 7 aos arts.
103 e 104, p. 591-592.
11. E como também o fazem Aluisio G. de Castro Mendes. Ações coletivas no direito
comparado e nacional. São Paulo: Ed. RT, 2002. n. 19.3, p. 263-264; e Elton Venturi.
Processo civil coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007, n. 11.4.2, p. 393-394).
12. Egas Moniz de Aragão aponta o “risco de violências (ou de chantagens)” a que o uso
indevido da “teoria da representação adequada” pode conduzir (Sentença e coisa
julgada. Rio de Janeiro: Aide, 1992, n. 209, p. 306, nota 723). E mesmo quando não há
abusos nem má-fé, “o réu coletivo jamais vence o processo, podendo, ao máximo, não
perdê-lo” (OSNA, Gustavo. Direitos individuais homogêneos: pressupostos, fundamentos
e aplicação no processo civil. São Paulo: Ed. RT, 2014. n. 5.2.1.a, p. 126).
13. Remeto ao exposto em oportunidade anterior (Coisa julgada e sua revisão, São
Paulo: Ed. RT, 2005. n. 2.5, p. 96 e ss).
14. Ver item 7.3, adiante.
15. A evolução das ações coletivas no Brasil. RePro 77/233-234. São Paulo: Ed. RT,
1995.
16. “Art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número
compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a
liquidação e execução da indenização devida. Parágrafo único. O produto da indenização
devida reverterá para o fundo criado pela Lei 7.347, de 24 de julho de 1985.”
17. Cuida-se de “não deixar impune o responsável pela prática lesiva” (Elton Venturi.
Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000. n. 6.5, p. 154). Mas não se
trata, como quer sugerir o autor, de um meio de se impedir o enriquecimento indevido.
O réu pode ter gerado dano a direitos individuais homogêneos sem ter com isso obtido
qualquer acréscimo ou vantagem patrimonial. O pressuposto legal para a incidência do
art. 100 do CDC não é a incompatibilidade entre o ganho tido pelo réu e o volume de
indenizações individuais efetivamente liquidadas e executadas, mas sim a desproporção
entre este volume e a gravidade da lesão causada pelo réu.
18. “Questa pur breve descrizione mette in evidenza come nella configurazione di tale
disciplina le funzioni di economia processuale tendano a cedere il passo a obiettivi, oltre
che di ampliamento dell’accesso alla giustizia, anche, e forse soprattutto, di deterrenza
delle condotte illecite” (Azione colettiva. Enciclopedia del Diritto. Anale I. Milão: Giuffré,
2007. n. 6 [versão digital em DVD]).
19. Nesse sentido, o STF editou a já citada Súmula 629.
20. STF, RE 210.029, Pleno, j. 12.06.2006, v.m., rel. Min. Joaquim Barbosa, DJU
17.08.2007; RE 193.503, RE 193.579, RE 208.983, RE 211.874, RE 213.111, RE
214.668, RE 214.830, RE 211.152 e RE 211.303, Pleno, j. 12.06.2006, v.m., rel. Min.
Joaquim Barbosa, DJU 24.08.2007.
21. Ver, entre outros, CANOTILHO. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina,
1993. Parte IV, cap. 6, C, II, n. 1.1, p. 541-542.
22. A “assimetria das controvérsias”, presente em muitos casos de lesão ou ameaça a
direitos individuais homogêneos, constitui grave obstáculo ao acesso à justiça: de um
lado, tem-se um litigante habitual, com vastos recursos e informações, para quem
aquele conjunto de conflitos homogêneos, na totalidade, representa um grande valor
econômico; do outro lado, tem-se uma pluralidade de litigantes inabituais, que se
inibirão com os custos do processo ou não terão informações suficientes para promovê-
lo ou levá-lo adiante ou, mais ainda, nem terão interesse na causa tendo em vista seu
valor individual diminuto.
23. STJ, REsp 620.622, 2.ª T., j. 04.09.2007, v.u., Min. Eliana Calmon, DJU 27.09.2007.
Posteriormente, por maioria, a mesma 2.ª T., decidiu no sentido oposto (j. 18.12.2008,
rel. Herman Benjamin, DJe 11.11.2009). Este segundo acórdão não parece correto. A
relevância jurídico-constitucional do bem discutido não justifica, por si só, o emprego da
ação civil pública.
24. Remeto ao que expus mais detalhadamente em Coisa julgada… cit., n. 2.5.12, p.
128-129.
25. Expressão empregada por Barbosa Moreira. Súmula, jurisprudência, precedente:
uma escalada e seus riscos. Revista Dialética de Direito Processual. vol. 27. n. 4. p. 53.
2005. A expressão já havia sido usada pelo Min. Pertence, em pronunciamento perante a
Câmara dos Deputados, por ocasião da discussão do Projeto da Emenda de Reforma do
Judiciário (cf. Gilmar Mendes e Samantha Pflug. Passado e futuro da súmula vinculante:
considerações à luz da Emenda Constitucional 45/2004. In: S. R. T. Renault e P. Bottini
(org.). Reforma do Poder Judiciário: comentários à Emenda Constitucional n. 45/2004.
São Paulo: Saraiva, 2005. n. 3.3, p. 351).
26. REsp 1.063.343 e REsp 1.058.114, Corte Especial, j. 17.12.2008, v.m., rel. Min.
Nancy Andrighi, DJe 04.06.2009. Tal entendimento foi reiterado em julgados
subsequentes do STJ (p. ex., REsp 1.102.473, Corte Especial, j. 16.05.2012, v.u., rel.
Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 27.08.2012; EDcl no REsp 1.111.148, 1.ª Seção,
j. 12.05.2010, v.u., rel. Min. Mauro Campbel Marques, DJe 21.05.2010).
27. Mais recentemente o STJ veio a admitir a desistência de recurso especial em caso
em que o recorrente assim pretendia, ao que se inferiu, impedir o estabelecimento de
orientação jurisprudencial que lhe seria contrária (Desistência no REsp 1.370.698, 3.ª T.,
j. 21.11.2013, v.m., rel. p/ ac. Min. João Otávio Noronha, DJe 01.04.2014; REsp
1.210.979, 3.ª T., j. 11.02.2014, v.m., rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe
19.05.2014). Mas, nestas oportunidades, a aceitação da desistência teve por um dos
fundamentos o fato de que o recurso não estava afetado ao procedimento de julgamento
por amostragem.
28. Não cabe aqui discutir a constitucionalidade e conveniência prática da atribuição
dessa eficácia. Remeto a anterior texto de minha autoria (Objetivação do controle
incidental de constitucionalidade e força vinculante (ou ‘devagar com o andor que o
santo é de barro’). In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; NERY JR., Nelson (orgs.).
Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: Ed. RT, 2011. vol. 12,
passim).
29. Sobre o concurso de direitos e de ações, veja-se LIEBMAN. Ações concorrentes.
Eficácia e autoridade da sentença. Trad. A. Buzaid e B. Aires; Notas de atual. Ada
Pellegrini Grinover. 3. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1984. p. 217 e ss.
30. No entanto, lembre-se que o § 3.º do art. 103 do CDC prevê que mesmo a sentença
de procedência nas ações coletivas que versem sobre interesses difusos e coletivos – e
não apenas aquelas sobre direitos individuais homogêneos – aproveitará aos sujeitos
pessoalmente prejudicados, que a utilizarão como base para suas ações individuais de
reparação de dano.
31. Aliás, o problema põe-se ainda antes da coisa julgada. Precisamente porque se parte
da premissa de que nenhum legitimado coletivo fica vinculado à derrota do outro, na
tutela dos direitos individuais homogêneos, concebe-se a multiplicação de ações
coletivas idênticas ou em relação de continência. Isso produz resultados práticos
despropositados. A regra do parágrafo único do art. 2.º da Lei da Ação Civil Pública, de
resto frequentemente desprezada na prática, não evita a reiteração das ações.
32. A este respeito, reporto-me ao exposto em Coisa julgada e sua revisão, cit., n.
2.2.2, esp. nota 44.
33. Um exemplo das dificuldades da tarefa tem-se no interessante ensaio de Fredie
Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. sobre “Processo coletivo passivo” (RePro 165/29 e ss. São
Paulo: Ed. RT, 2008). Eles propõem uma ação coletiva passiva, que poderia ser proposta
contra os legitimados coletivos e cuja procedência vincularia inclusive os legitimados
individuais. Para tanto, sugerem o estabelecimento de uma série de ressalvas, limites e
mecanismos – hoje não vigentes no processo coletivo brasileiro.
34. Restando definir quem estaria adequadamente legitimado em cada situação
concreta, conforme sugerido no parágrafo anterior.
35. Não deixa de ser interessante notar que, por razões absolutamente distintas, Linda
Mullenix cogita do esgotamento do modelo americano de class action para ressarcimento
de danos a direitos individuais homogêneos. Propõe que o processo coletivo seja limitado
à tutela específica, substituindo-se a via ressarcitória coletiva por um mais robusto
sistema regulatório impositivo (Ending Class Actions as We Know Them: Rethinking the
American Class Action. The University of Texas School of Law: Public Law and Legal
Theory Research Paper Series, n. 565, 2014, n. III.B, p. 42-43). Já ficou claro que não é
algo nestes termos que se está aqui a propor. Mas a proposta é interessante por realçar
a dimensão precipuamente intimidatória, dissuasória, que a ação coletiva americana, tal
como se dá na atual disciplina brasileira, acabou por assumir – a ponto de a autora
reputar que mecanismos executivos regulatórios cumpririam adequadamente (e melhor)
sua função…
A EFICÁCIA EPISTÊMICA DA FASE PREPARATÓRIA DO PROCESSO
BIFÁSICO
Riassunto: Il sudetto articullo fa la analise del processo bifasico come alternativa di più
capacità epistemica allo procedimento comune brasiliano.
Sumário:
- 1.Introdução - 2.O conceito de processo bifásico - 3.A importância da fase preparatória
como qualificadora da função epistêmica do processo - 4.Os articulados iniciais - 5.A
audiência preliminar - 6.A adaptabilidade in concreto e a organização da fase instrutória
- 7.O idealtypus de Michele Taruffo - 8.O projeto de Código de Processo Civil de Andrea
Proto Pisani - 9.Conclusão - 10.Bibliografia
1. Introdução
Dentro das limitações de extensão que um artigo encerra, debruçamo-nos sobre alguns
sistemas processuais estrangeiros, preponderantemente europeus, onde o processo
bifásico é utilizado, como também sobre algumas propostas procedimentais de autores
como Michele Taruffo e Andrea Proto Pisani.
Remetemos os leitores, por fim, à leitura das normas e das justificativas acerca do
processo bifásico, produto das discussões e dos debates havidos quando da formulação
do Anteprojeto de Reforma do Direito Probatório no Processo Civil Brasileiro do Grupo de
Pesquisa “Observatório das Reformas Processuais” da Faculdade de Direito da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, 3 coordenado pelo Professor Leonardo
Greco.
Quanto ao direito romano, Alfredo Buzaid, em outro sentido, recorda que havia a
distinção entre os provimentos da sententia e da interlocutio, que consista no
provimento do juiz prolatado antes do julgamento da causa e no qual o juiz decidia
“questões relativas ao expediente da demanda, à produção da prova e à realização de
alguma diligência”,6 mas como ressalta Buzaid, as interlocutiones eram proferidas ao
longo do processo de maneira esparsa.
Como destaca Alfredo Buzaid, esta “divisão do processo em duas fases” decorre do
próprio reconhecimento da existência de uma relação jurídica processual autônoma, a
partir de Bülow,9 e o consequente surgimento do despacho saneador,10 decisão limite
entre as duas fases.
Esta divisão em fases é o que caracteriza o processo bifásico, mas a fase preparatória
deste processo não se limita, modernamente, à mera análise da regularidade da relação
jurídica processual. Portanto, diz-se bifásico o processo de conhecimento de rito comum
dividido em duas fases distintas: uma preliminar, na qual, após a apresentação dos
articulados, as partes e o juiz resolvem as questões relativas à relação processual,
definem o objeto litigioso e as provas a serem produzidas, e outra fase para produção da
prova, apresentação de alegações finais e julgamento.
Para Nicolò Trocker processo bifásico é formado por “(… uno schema procedimentale a
due fasi, l’una destinata alla preparazione (ed eventuale risoluzione anticipata della
causa), l’altra destinata all’assunzione delle prove e alla decisione”. 11
Leonardo Greco define o processo bifásico como aquele “(… caracterizado pela criação de
dois momentos decisórios culminantes, a audiência preliminar e a audiência final de
instrução e julgamento, e a eliminação mais extensa possível da fragmentação do
procedimento em uma série infindável de decisões intermediárias”. 12
Oscar Chase,13 citando relatório de Rolf Stürner, demonstra que além do sistema
tradicional do trial da common law e da sequência de audiências da civil law, é possível
localizar um terceiro modelo, cuja descrição é francamente bifásica, atualmente em uso
na Alemanha,14 Espanha e Inglaterra:
“It could be described as the ‘main hearing model’. After a written introductory stage
(pleading stage) comes a period of preparatory clarification regarding the applicable law,
the factual basis of the case, and available means of evidence. This preparatory
procedural stage serves not only to inform the parties and to enable them to prepare for
the main hearing, it is also designated to inform the court or the judge and to anticipate
or replace in part the taking of evidence in the later main hearing (production of
documents to the opponent and the court, written expertises for the information of the
court and the parties, written statements of witnesses as a preparation or anticipation of
oral testimony, etc.) Only those relevant issues that remain unclarified during this
preparatory stage will be tried in the final concentrated main hearing, where evidence
not already received will be presented and taken and where the parties will make their
concluding arguments”.
O novo processo comum português15 também pode ser classificado como um processo
bifásico apesar de se estruturar em quatro fases distintas: dos articulados, da
condensação, da instrução e da discussão e julgamento. A primeira corresponde à parte
inicial do procedimento bifásico, destinada às alegações das matérias de fato e de direito
e ao requerimento dos meios de prova; entre petição inicial, contestação e réplica (arts.
147-I, 552, 203 e 572 e 584, do CPC português). A segunda, equivalente à audiência
preliminar, quando finda a fase preparatória da estrutura bifásica, objetiva identificar o
objeto litigioso e a enumeração dos temas da prova, saneamento do processo e preparar
as diligências probatórias (arts. 590, 220-1, 591, 595 e 596-1, do CPC português). A
terceira é direcionada à instrução propriamente dita e a quarta, por fim, para debates e
julgamento.
“Mais fácil de ocorrer, e sem dúvida mais pernicioso, é o perigo oposto: o de que se
amesquinhem, na prática, as dimensões da atividade programada pelo ordenamento. No
Brasil, desde a vigência do Código de 1939, sempre foi sensível a inclinação de muitos
juízes a relegar para a sentença final o exame de questões que, de acordo com o
sistema da lei, não devem sobreviver, pelo menos em princípio, ao despacho saneador.
Semelhante retraimento, as mais das vezes injustificável, respondeu pela desnecessária
e nociva dilatação de grande número de processo, fadados à frustração peja existência
de óbice irremovível à apreciação do mérito. O fenômeno subsiste no regime atual, em
desarmonia com o teor do art. 331, princípio, do Código de 1973, à luz da qual o juiz só
declarará saneado o feito e o impelirá em direção à audiência de instrução e julgamento
‘se não se verificar nenhuma das hipóteses previstas nas seções precedentes’, isto é, se
não ocorrer qualquer dos fatos conducentes à respectiva extinção nos termos do art.
329, nem concorrerem os pressupostos da emissão imediata da sentença de mérito,
conforme o art. 330 – o que implica para o órgão judicial, logicamente, o dever de
investigar previamente todas essas possibilidades, e portanto de examinar todas as
questões relevantes. O vezo de protelar a decisão acerca de matérias que o
ordenamento quer rapidamente liquidadas transmuda o ato em formalidade oca”.
A reflexão do presente artigo parte de dois fundamentos teóricos: a verdade como valor
fundamental do processo justo20 e o valor epistemológico da dialética e do contraditório.
Para tanto, passamos a tratar – nos limites que a forma de artigo impõe – de alguns
elementos básicos da epistemologia como conhecimento, proposição, verdade e
justificação, para observar até que ponto as normas da fase preparatória do processo
bifásico são capazes de melhorar a capacidade processual de gerar conhecimento.
Na aproximação proposta por Nicla Vassallo, 26 conhecimento é saber se a proposição p é
verdadeira, partindo da análise tripartida do conhecimento, ou seja, determinado sujeito
cognitivo S sabe que a proposição p é verdadeira com base em três condições:
(1) p é verdadeira,
“Se la finalità precipua del processo penale è l’accertamento della verità circa il verificarsi
di determinati fatti, per poter applicare ad essi (come conseguenza giuridica) specifiche
soluzioni normative, la prova deve essere considerata come il mezzo attraverso il quale il
diritto pretende di individuare la verità delle proposizioni storiche nell’ambito dell’atività
di giudizio: ‘p è vero’ come sinonimo di ‘p è provato’”.
“Nel contesto del processo è appropriato parlare di verità relativa e oggetiva. La verità
dell’accertamento dei fatti è relativa – nel senso che è relativa la conoscenza di essa –
perchè si fonda sulle prove che giustificano il convincimento del giudice e rappresentano
la base conoscitiva sulla quale trova giustificazione il convincimento che un certo
enunciato corrisponda alla realtà dei fatti della causa. La stessa verità è oggetiva in
quanto non è il frutto delle preferenze soggetive e individuali del giudice, o di altri
soggetti, ma si fonda su ragioni oggettive che giustificano il convincimento del giudice e
derivano dai dati conoscitivi che risultano dalle prove”.
Determinado que o processo deve ser o método epistêmico para produzir provas
confiáveis30 e hábeis a justificar o conhecimento da verdade dos fatos, é possível avaliar
quais processos, normas e práticas processuais, probatórias ou não, são epistêmicas ou
controepistêmicas, porquanto facilitam ou reprimem o fluxo de conhecimento.
Para Larry Laudan as escolas de Direito que separam, no estudo da legal epistemology,
as normas probatórias das outras normas, práticas e procedimentos processuais, se
equivocam, pois estes também podem se tornar obstáculos ao alcance da verdade e
causa de erros nas decisões judiciais.35
A garantia constitucional à motivação objetiva da sentença (art. 93, IX, CF), por
exemplo, é norma processual que, apesar de não ser probatória, é fundamental para um
processo epistêmico, pois o juiz vê-se obrigado a fundamentar suas razões nas provas
constantes dos autos. O juiz inicia e atravessa – ou deveria atravessar – a fase
instrutória mirando adimplir com a obrigação de justificar objetivamente sua decisão.36
A partir de seus estudos históricos acerca do processo, Nicola Picardi recorda que o
contraditório na concepção originária da ordo iudiciarius, compreendido como ordo
quaestionum, “era o eixo do processo comum europeu, considerado como metodologia
de procura da verdade”.39-40 Esta perspectiva também esteve presente nos projetos
processuais baseados na oralidade e no contraditório como o Código Austríaco de 1895, 41
as doutrinas de Chiovenda42 e de Cappelletti43 e, modernamente, a Ley de
Enjuiciamiento Civil espanhola de 2000.44
Para Taruffo as partes somente pretendem vencer mas não perseguir a verdade, função
titulada precipuamente pelo juiz. Para o autor peninsular, o juiz é o único destinatário da
prova e encarregado de perseguir a verdade,46 enquanto as partes, ou pelo menos uma
delas, não tem interesse na verdade. Assim, conclui, o “livre confronto dialético entre as
partes”47 não é um bom método epistêmico.
É certo que um enunciado fático pode ser verdadeiro ou falso, e que a verdade somente
será acertada na decisão final após a instrução.48 O interesse da parte é vencer, e isto
não é bom ou ruim, é justo.
A parte pode, ainda, acreditar que está dizendo a verdade e descobrir, ao final da
instrução, que sua proposição não era verdadeira, pois restou demonstrado que não há
justificativa para acreditar que o fosse. A representante legal da criança acreditava que o
pai era o homem com o qual teve duradouro relacionamento amoroso, mas após o
exame de DNA – feito com sua colaboração – teve conhecimento de que, em verdade, o
genitor é outro homem com o qual manteve efêmera relação sexual.
O juiz a priori não conhece os enunciados fáticos e as provas que podem qualificá-los
como verdadeiros, não tendo, na maioria das vezes, qualquer possibilidade de tomar
conhecimento de quais são os documentos ou as testemunhas que podem servir à
comprovação da verdade; simplesmente porque ele não pode ir em busca dos conflitos
no meio social, em respeito ao princípio da inércia. As diversas perspectivas acerca do
acontecimento fático e as provas relevantes lhe são trazidas preferencialmente pelos
enunciados fáticos das partes.50 Alguns fatos, por serem continuados e contemporâneos
ao processo, permitem que o juiz ateste a sua ocorrência diretamente, mediante
inspeção judicial, por exemplo, mas o conhecimento da sua existência virá,
irremediavelmente, da parte. Quando se afirma que a proposição p é verdadeira porque
está provada, não se pode esquecer que a fonte da proposição é a parte, especialmente:
o autor faz suas proposições na inicial, o réu na contestação e o juiz monta suas
proposições para decidir que provas serão produzidas e para ordenar sua fundamentação
e julgamento.
Esta afirmativa é reforçada quando observamos que a própria parte, através de seu
depoimento, além de exercício do direito de defesa, é fonte e meio de prova.51
Concluímos com Ferrua53 que a dialética instaurada pelo contraditório entre as partes é
método de maior eficiência epistêmica:
“Ora è evidente che per un’attività ri-costruttiva esistono buone ragioni per ritenere
superiore il metodo dialettico rispetto a quello dell’indagine unilaterale e quindi, nel
processo il metodo del contraddittorio. Dato che l’ipotesi da verificare è insuscettibile di
riscontro diretto nel reale, il mezzo più affidabile per saggiarne il fondamento è di
sottoporla sul piano argomentativo ai più severi tentativi di falsificazione; ed è solo dal
loro sistematico fallimento che l’ipotesi uscirà convalidata. Non senza ragioni si è scritto
che l’esame incrociato è il metodo migliore per l’accertamento della verità”.
4. Os articulados iniciais
Agregando atos orais e escritos, 54 o processo bifásico em vários sistemas, como ocorria
no próprio Código Austríaco de 1895,55 fundado filosoficamente na oralidade, se inicia
por atos escritos: os articulados das partes.
O procedimento ordinário italiano tem por seus atos introdutivos a inicial, citazione, e a
contestação, comparsa di risposta, depositadas antes da audiência preliminar, enquanto
os procedimentos trabalhista e sumário iniciam pelo ricorso.60
O réu apresenta seu fascicolo (art. 167) com sua comparsa di risposta, cópia da
citazione, da procuração e os documentos. A falta de indicação das provas na resposta,
por seu turno, não recebe o mesmo tratamento daquele dado a inicial. No entender de
Ricci,61 a sua falta na comparsa não importa em preclusão, permitindo o requerimento
tardio, depois da primeira audiência, pois o artigo não impõe expressamente tal pena
para este caso, mas somente para a falta de exceções processuais e materiais, da
reconvenção e da ação regressiva, não sendo possível, então, reduzir o direito de defesa
do réu, quando não previsto em lei. Taruffo interpreta a norma do art. 167 no mesmo
sentido.62
“If the case is prepared by written proceedings (schriftliche Vorverfahren), the parties
must be particularly careful to include in their pleadings all of the potentially applicable
legal contentions and claims as well as description of all potentially relevant facts and
sources of proof. Under the written preparatory procedure, the parties rely on the
exchange of their written pleadings and briefs to achieve the clarification and
simplification of issue which otherwise occurs at the preliminary hearing. The give-and-
take in written proceedings is necessarily somewhat less spontaneous then that which
occurs orally at the preliminary hearing. On the other hand, written exchanges can be
more considered and clearly stated than oral assertions at a conference or preliminary
hearing”.63
As partes apresentam ab initio suas alegações que serão vistas reciprocamente pela
parte contrária, de modo a possibilitar o conhecimento prévio das “armas” que
pretendem utilizar no processo e facilitar a consecução pelo juiz das funções que terá de
exercer na audiência da fase preparatória.
É o método consagrado no direito inglês pela expressão cards on the table approach,65
direcionado a evitar que as partes tratem o processo como um jogo, escondendo e
subtraindo suas intenções e provas, para apresentá-los ao longo do processo, quando se
mostrar estrategicamente interessante.
Larry Laudan,66 estudando a epistemologia no processo penal, afirma que a lei deve criar
normas que evitem o elemento surpresa, prejudicial à busca da verdade, como a pretrial
machinery americana: “With the growing recognition that this surprise element was not
conducive to finding out the truth, the rules of procedure were modified to put in place
pretrial machinery for preventing such grandstanding.”
“Art. 49. (…
Por fim, além da indicação correlacionada dos enunciados fáticos e das provas, a fase
preparatória deve incentivar ao máximo a troca de provas entre os litigantes, em
especial a documental, notadamente nos sistemas que não contam com a pretrial
discovery.73 Dentre as várias sugestões que configuram o desenho de um processo
bifásico, Leonardo Greco74 aponta:
“Poder-se-ia prever que as partes, nos articulados, trouxessem desde logo, declarações
escritas das testemunhas a serem ouvidas, o que permitiria avaliar com mais precisão a
relevância e utilidade do seu depoimento e facultaria ao adversário preparar-se para a
sua inquirição”.
5. A audiência preliminar
“Una inteligente y meditada dirección de la vista será de más valor en general, tanto en
los puntos de detalle como en las alegaciones de hechos demasiado extensas, que el
refuerzo de la vista oral por un procedimiento preparatorio”.
Forçoso notar que o direito austríaco, acabou por abolir a erste Tagsatzung, após a
Reforma de 2002,79 quando diversos sistemas vêm amplificando a oralidade ou optando
pelo misto de oralidade e escritura.80
Por seu turno, o processo civil alemão dá especial realce à necessidade deste diálogo
entre o juiz, as partes e seus advogados, através de um “ir e vir”, de modo a identificar
os reais contornos da disputa.81
“In many cases serious differences in the facts set forth in the parties initial submissions
tend to disappear or become narrower in scope after discussion and dialogue between
the court, counsel and the parties”.
“Quel che voglio dire è che, stabilita ex lege l’alternativa fra modelli di trattazione a
seconda della complessità della causa – e credo che la strada giusta sia quella del
progetto Proto Pisani –, la scelta dovrebbe derivare dalla collaborazione fra i difensori
delle parti costituite ed il giudice, da un contatto e colloquio fra loro, dopo la fase
introduttiva idonea a conoscere puntualmente i fatti, le allegazioni, le domande e le
istanze istruttorie. E non da una scelta autoritiva del giudice, al quale, peraltro, non può
di certo mancare l’ultima parola, la decisione”.
Barbosa Moreira88 prefere a solução adotada por alguns sistemas, como o alemão, que
deixam em aberto a possibilidade do juiz marcar a primeira audiência prévia (früher
erster Termin, ZPO, § 275) ou de prosseguir em um procedimento escrito (ZPO, § 272,
2.ª alínea), optando entre a oralidade ou a escritura de acordo com a natureza da
controvérsia.
No Direito processual espanhol, o art. 414.1.II da LEC 1/2000 prevê como finalidades da
obrigatória audiência preliminar ou de comparecencia previa, 1) a tentativa de
conciliação intraprocessual (arts. 414-415), 2) o expurgo de vícios processuais (art. 16-
425), 3) a complementação e a fixação definitiva do objeto processual (arts. 426 e 428),
bem como, 4) da prova a ser produzida (arts. 426 e 428), de modo a “evitar situaciones
de indefensión y a procurar que el juicio oral pueda desarrollarse sin la entrada de
objetos intempestivos, es decir, con unidad de acto”. 93 As partes, ainda, mediante
alegações complementares cumprem com a obrigação de esclarecimento
(Erklärungspflicht) e completude (Vollständigskeitspflicht).94
Em Portugal a audiência prévia (art. 591 do Código de Processo português) tem lugar
após os articulados e o despacho pré-saneador, 95 onde serão cumpridas as funções de 1)
tentativa de conciliação, 2) facultar as partes a discussão acerca da matéria de fato e de
direito, quando o juiz for apreciar exceção dilatória ou julgar o mérito, 3) delimitar o
litígio, 4) clarificar questões de fato ainda não esclarecidas, 5) sanear as nulidades
processuais, 6) proceder a adaptabilidade processual, 7) definir o thema decidendo e o
thema probandum e 8) definir o calendário processual, ou nos termos do legislador
lusitano “programar, após a audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência
final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as
respectivas datas”.
O ponto de maior sucesso na Reforma das Civil Procedural Rules inglesas de 1998 é a
chamada “case management conference” (Rule 29): audiência marcada no multi-track
para as partes e o juiz fixarem as principais questões controvertidas e a direção que o
processo deverá tomar, durante a instrução. Esta audiência, realizada com a ampla
participação dos advogados e das partes, é o momento especial do case management
quanto à preparação do desenvolvimento processual, possuindo os seguintes objetivos:
buscar o acordo acerca do maior número de questões controvertidas possível; propiciar
que as partes forneçam todas as informações relevantes, formando-se um case
summary, com o resumo da controvérsia; permitir a alteração da demanda ou da
defesa; identificar quais as provas serão necessárias; e, ao final, delimitar as directions
mais apropriadas para o processo, fixando o calendário.103
Importante ressaltar que ao final desta audiência e após a intensa imediatidade, o juiz
terá melhores condições de prolatar as decisões antecipatórias previstas no atual art.
273 do nosso Código de Processo Civil, de urgência ou de evidência.
“Art. 53. Na audiência preliminar, se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação,
o juiz, em diálogo e colaboração com as partes:
II – observará o cumprimento das exigências do art. 49, admitindo no seu curso que as
partes esclareçam, complementem e emendem as suas postulações e defesas,
apresentem ou retifiquem os formulários, bem como complementem ou retifiquem a
proposição de provas, nos termos do art. 20, indiquem peritos e assistentes técnicos e
formulem quesitos;
§ 1.º Se os fatos alegados pelo autor não estiverem explicitados ou as provas que lhes
correspondam não estiverem precisamente indicadas, o juiz extinguirá o processo sem
resolução do mérito.
§ 2.º Se os fatos alegados pelo réu não estiverem explicitados ou as provas que lhes
correspondam não estiverem precisamente indicadas, o juiz não poderá deferir as provas
requeridas para demonstrá-los, salvo se o interesse do réu for indisponível.
§ 3.º Se não houver necessidade de produzir novas provas, o juiz ouvirá as partes em
alegações finais orais, cada uma pelo prazo de vinte minutos, e proferirá em dez dias o
julgamento antecipado da lide.
§ 6.º O calendário é vinculativo e só poderá ser alterado por convenção das partes ou
por motivo alheio à sua vontade.
§ 7.º O juiz imporá multa, nos termos dos §§ 1.º e 3.º a 5.º do art. 6.º, à parte que der
causa ao adiamento injustificado do calendário, a qual também responderá pelas custas
do retardamento.
§ 8.º O juiz que alterar o calendário de forma injustificada responderá por perdas e
danos, nos termos da lei.
§ 10. Os tribunais deverão criar agendas ou sistemas eletrônicos em que sejam lançados
com facilidade e brevidade as datas para a prática dos atos previstos no calendário, nos
dias úteis disponíveis no juízo, adaptáveis de acordo com os prazos e a sequência que o
juiz fixar.
§ 11. O fato relevante sobre cuja existência uma das partes não se considerar
devidamente esclarecida será obrigatoriamente incluído no rol dos que devem ser objeto
de prova subsequente.
Importante frisar que não se confunde com a tutela diferenciada, como alerta Beatrice
Ficcarelli,105 pois a fixação de ritos especiais para a tutela de espécies de direitos
materiais também se funda na rigidez procedimental, o que se contrapõe frontalmente
ao sistema de adaptação concreta.
Mas, ironicamente, foi o mesmo Código que criou o référé, regulado nos arts. 806 a 811,
procedimento de vasta aplicação, que se tornaria, a partir da prática forense, a fonte
primordial para a institucionalização da flexibilização e da adaptabilidade. Nicolò
Trocker107 observa que, apesar do Código austríaco de 1895 não ter criado estruturas
procedimentais elásticas, o próprio Franz Klein já reconhecia a importância do modelo
processual do réfèrè.
O Nouveau Code de procédure civile de 1975 veio adotar, definitivamente, por princípio
primordial (arts. 1-13) a colaboração, além de seus consectários, como o dever de
clarificação (arts. 8 e 13 NCPC), de buscar a verdade e os princípios de lealdade e de
probidade, buscando o equilíbrio entre a iniciativa das partes e a direção pelo juiz na
condução do processo.
Partindo desta base ética, a definição do procedimento não é mais abstrata, mas
concreta, regulada pelo juiz e, portanto, capaz de adaptar-se às peculiaridades de
qualquer causa. Historicamente, não decorreu da mutação de tutelas diferenciadas e
sumárias em ordinárias – como ocorreu no processo brasileiro e italiano, com a
hipertrofia das cautelares –, mas originou-se da própria prática da tutela ordinária
modificada e adaptada.
O juiz da mise en état (art. 796) fixa os termos de desenvolvimento da causa levando
em consideração a natureza, a urgência, a complexidade e a opinião das partes (art.
764),115-116 para garantir em tempo razoável, o pleno exercício do direito de ação e de
defesa. Estes, portanto, são os critérios de complexidade do processo francês: a
natureza, a urgência, a sua complexidade 117 e a opinião das partes. A definição recai,
basicamente, sobre o prazo para troca de articulados (memoire), a data do fim da
instrução, a data de discussão da causa e a data da pronúncia da decisão.
Em regra é utilizado como meio organizacional da instrução probatória, mas deve incluir
em seus termos a data da decisão final, como sugere o documento fruto do encontro dos
magistrados de Bolonha Novità legislative e giurisprudenziali nel processo civile.120
Conforme Maria Francesca Ghirga:
“Sul punto occorre rilevare che trattandosi di un accordo di natura processuale, concluso
tra giudice e parti, esso ha ad oggetto non solo i tempi di adempimento degli oneri
processuali riconducibili alle parti, ma anche dei doveri del giudice: il calendario si
referisce infatti non solo ai termini relativi allo scambio delle memorie difensive, ma
anche alla fissazione della data prevista per la chiusura dell’istruzione, a quella per la
discussione e a quella per la decisione della causa”.121
“Siamo lontani dal vincolo negoziale del contrat de procedure francese, ostacolato per
alcuni dalla riserva di legge di cui all’art.11 cost. Tuttavia, ciò non toglie che si tratti di
un elemento importante, sia perché, nel favorire un approcio collaborativo e dunque una
reciproca consapevolezza, incide su quell’elemento culturale che va visto come fattore
decisivo per il mutamento del processo in termini di efficienza, come già argutamente
notava Calamandrei, nel suo scritto su Delle buone relazioni fra i giudici e gli avvocati
nel nuovo processo civile; sia perché si attua una reciproca responsabilizzazione, che
trova il suo riflesso sulle conseguenze disciplinari che possono derivare
dall’inadempimento del calendario; sia perché, infine, permette di realizzare un aspetto
fondamentale del giusto processo tagliato su misura, vale a dire le esigenze ed i diritti
delle parti”.127
O objetivo primordial da regra 1.1 das Civil Procedural Rules – CPR inglesa, após a
Reforma de 1998,129 foi capacitar as cortes de julgamento para lidarem com os processos
de forma justa, mediante o tratamento igualitário das partes e o processamento
proporcional das causas, através da utilização dos custos de acordo com a complexidade
da causa.130 Os Relatórios sobre os quais se baseou a Reforma de 1988, de autoria de
Lord Woolf of Barnes encarregado pelo Lord Chancellor,131 identificaram como o maior
problema da Justiça inglesa naquela altura, o seu elevado custo, 132 e apontaram como
solução para tanto, a retomada pelo juiz, pelas cortes, do controle do andamento do
processo, através dos the courts case management powers.
O sistema inglês crê que a forma eficiente de gerir os recursos alocados para a
administração da justiça, gerando economia, exige a adoção de procedimentos elásticos,
adaptáveis às diversas controvérsias.133 Para tanto as CPRs preveem uma série de
procedimentos, de ritos, chamados tracks: small track, fast track e multi track.134
O small track é utilizado para as causas abaixo de 5.000 libras ou para determinadas
causas especificas, caracterizado por um processo veloz e informal, podendo ser
proposto inclusive sem representação por advogado. O fast track está limitado, a partir
de 06.04.2009, a alçada de 25.000 liras e prevê pelo menos uma audiencia no trial, não
superior a um dia. O multi track aplica-se residualmente a controvérsias de alçada
superior, de maior complexidade e importância, que não se adequam aos outros tracks.
A identificação do track cabe ao juiz (procedural judge) com base nas informações
prestadas pelas partes em questionários (allocation questionnaire), depois da troca de
atos introdutivos entre as partes.
Como a decisão de definição do track, por vezes, mostra-se muito complexa, o juiz pode
determinar uma audiência específica para tanto, a allocation hearing, que pode servir
também para obter o consenso das partes quanto a utilização de um fast track, quando
a causa foi, originariamente, endereçada para o multi track.
Definido o track, o juiz e as partes vão fixar depois, na audiência (case management
conference), o calendário processual, acordando às direções que o processo deverá
tomar.
A reforma do processo inglês reforçou de tal modo o case management que o calendário
vem sendo aplicado inclusive na fase do pre-trial, em algumas controvérsias específicas,
antecedida dos pre-action protocols.135
De acordo com Nicolò Trocker,136 o processo civil alemão, a partir de 1976, também
instituiu o modelo flexível de processo através da norma da § 272 ZPO, com ampla
possibilidade de adaptação às controvérsias específicas. O juiz define se remete
diretamente à primeira audiência imediata (§ 275 ZPO) ou ao procedimento preliminar
escrito (§ 276 ZPO) se a controvérsia for de maior complexidade.137
O juiz na primeira audiência (art. 2.19), 142 após a tentativa de conciliação, qualifica a
controvérsia como sendo simples ou complexa, considerando como standards de
complexidade, “a identidade e qualidade dos fatos controvertidos, e portanto a serem
provados, e às exigências da instrução”.143
O segundo livro do projeto institui o processo de cognição plena: 144 possui uma fase
introdutiva, que se inicia por meio de ricorso e com a constituição do réu antes da
primeira audiência. Andrea Proto Pisani opta por um sistema de preclusões rígido, que
recai inclusive sobre as exceções de direito material reconhecíveis de ofício.
9. Conclusão
Quer estejamos em tempos de reforma, quer estejamos em tempos de segurança
jurídica, sempre se faz necessário relembrar que a reflexão para a melhora da qualidade
da prestação jurisdicional deve se iniciar pelo seu instrumento básico, mas próximo dos
seus destinatários: o processo de conhecimento comum ordinário.
Cremos, por fim, que deitar luz sobre o processo bifásico pode contribuir, em alguma
medida, como forma de caminharmos no debate para a melhora da prestação
jurisdicional, não na sua perspectiva industrial e autoritária, mas na sua visão qualitativa
e humana.
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1. “La tendenza evolutiva dei sistemi processuali contemporanei va verso l’adozione di
uno schema procedimentale a due fasi, l’una destinata alla preparazione (ed eventuale
risoluzione anticipata della causa), l’altra destinata all’assunzione delle prove e alla
decisione” (TROCKER, Nicoló. La formazione del diritto processuale europeo. Torino: G.
Giappichelli, 2012. p. 321).
2. PICARDI, Nicola. Jurisdição e processo. Trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Rio de
Janeiro: Forense, 2008. p. 130.
3. Versão preliminar publicada na Revista Eletrônica de Direito Processual 13/487-551.
Disponível em: [www.redp.com.br/arquivos/redp_13a_edicao.pdf].
4. CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de derecho procesal civil. Trad. espanhola da 3. ed.
italiana de José Casais y Santaló. Madrid: Instituto Editorial Reus, 1922. t. I, p. 127.
5. Segundo Nicola Picardi a “praeparatoria iudicii tinha caráter preclusivo e era dedicada,
dentre outras coisas, à delimitação dos fatos constitutivos em contraditório entre as
partes e, assim, à determinação do próprio thema probandum. Somente post litem
contestatam se procedia à realização probatória e, por fim, à decisão” (PICARDI, Nicola.
Op. cit., p. 130).
6. BUZAID, Alfredo. Origem do despacho saneador. Estudos de direito. São Paulo:
Saraiva, 1972. p. 9.
7. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Saneamento do processo e audiência preliminar.
RePro 40/109-135. São Paulo: Ed. RT, out. 1985. Também publicado em: Temas de
direito processual – Quarta série. São Paulo, 1989. p. 105-145.
8. Idem, p. 109.
9. BUZAID, Alfredo. Origem do despacho…cit., p. 1-2.
10. Para Buzaid o “despacho saneador é instituto do processo civil, criado pelo direito
português moderno”, mas precisamente pelo Dec. 12.353, de 22.09.1926 (idem, p. 15-
16).
11. TROCKER, Nicoló. La formazione…cit., p. 321.
12. GRECO, Leonardo. Novas perspectivas da efetividade e do garantismo processual.
In: MITIDIERO, Daniel; AMARAL, Guilherme Rizzo (coord.). Processo civil: estudos em
homenagem ao Professor Doutor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. São Paulo: Atlas,
2012. p. 273-308, especialmente p. 300.
13. CHASE, Oscar; HERSHKOFF, Helen. Civil litigation in comparative context. St. Paul:
Thompson/ West, 2007. p. 242.
14. “A modern German civil law suit has two main phases, the initial preparatory phase
(Vorbereitungsphase) and the plenary phase of the main oral argument
(Hauptverhandlung)” (MURRAY, Peter L.; STÜRNER, Rolf. German Civil Justice. Durham,
Carolina do Norte: Carolina Academia Press, 2004. p. 191).
15. FREITAS, José Lebre de. A ação declaratória comum à luz do Código de Processo
Civil de 2013. 3. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 2013. p. 29-32.
16. TARUFFO, Michele. Cultura e processo. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
Civile. ano LXIII. p. 77.
17. Idem, ibidem.
18. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Saneamento do processo…cit., p. 123.
19. De acordo com Beatrice Ficcarelli: “Il punto delicato dell’organizzazione di
qualsivoglia modello processuale consiste nella disciplina della sua ‘fase preparatoria’. È
ben noto, infatti, che il processo, in tanto può svolgersi in modo rapido ed ordinato, in
quanto la trattazione iniziale induca le parti ed il giudice a fissare, in modo
tendenzialmente definitivo, i fatti e le questioni controverse, eliminando tutto ciò che non
costituisce oggetto di reale conflitto” (FICCARELLI, Beatrice. Fase preparatoria del
processo civile e case management giudiziale. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane,
2011. p. 11).
20. TARUFFO, Michele. Verità negoziata? In: CIPRIANI, Franco (coord.). Accordi di parte
e processo. Milano: Giuffrè. 2008. p. 69-98. ______. La semplice verità. Il giudice e la
costruzione dei fatti. Bari: Editori Laterza, 2009. VASSALLO, Nicla. Contro la verofobia:
sulla necessità epistemologica della nozione di verità. In: AMORETTI, Maria Cristina;
MARSONET, Michele (coord.). Conoscenza e verità. Milão: Giuffrè, 2007. GOLDMAN,
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Efficiency in Civil Proceedings on construction of the truth-postulate by the mainstream
german doctrine of civil procedure. RePro 206/135; TUZET, Giovanni. Filosofia della
prova giuridica. Torino: Giappichelli, 2013.
21. “O conhecimento e julgamento da lide (processo de cognição) e a atuação da sanção
(processo de execução) são duas formas igualmente importantes da atividade
jurisdicional, que se complementam, estando uma a serviço da outra. Julgamento sem
execução significaria proclamação do direito em concreto sem sua efetiva realização
prática; e, por sua vez, execução sem cognição poderia resultar no arbítrio mais
evidente” (LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. São Paulo: Saraiva, 1986. p.
4).
22. Adota-se a finalidade da Jurisdição como em Leonardo Greco: “A definição da
jurisdição como atuação da vontade concreta da lei, embora aparentemente sedutora
como fruto da supremacia do legislador representativo da vontade popular, é
insatisfatória na medida em que conduz à errônea conclusão de que a sua finalidade
precípua seja efetivar o cumprimento e a observância da lei. Sem dúvida, o exercício da
jurisdição pressupõe a busca, no ordenamento jurídico do Estado, das regras de
comportamento que este estabeleceu para regular a vida em sociedade; mas a
finalidade da jurisdição não é preservar ou aplicar essas normas, embora indiretamente
o faça. Se a finalidade da jurisdição fosse a de assegurar a eficácia das normas estatais,
ela deveria ser exercida de ofício, para que todas as violações daquelas normas fossem
devidamente coibidas e reparadas pelos juízes. (… Na verdade, seja resolvendo litígios,
seja tutelando interesses privados não litigiosos, mas que dependem da intervenção do
juiz, a jurisdição está sempre tutelando interesses particulares. (… Essa é a verdadeira
finalidade da jurisdição: a tutela dos interesses particulares juridicamente relevantes”
(GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009. vol. 1,
p. 71-73).
23. A precedência da cognição à execução é dogma do processo produto da justiça, do
contraditório, da razão como também da história, que pode ser afastado em hipóteses
excepcionais como na tutela de urgência. “Reafirmaram eles (os juristas da Idade
Média), em primeiro lugar, o princípio da necessária precedência da cognição; o credor
devia sempre submeter suas pretensões à apreciação do juiz em processo contraditório
para que fossem julgadas procedentes, ou improcedentes: primo intentanda est actio
(Glosa); non est incoandum ad executionem (Bartolo)”. LIEBMAN, Enrico Tullio. Op. cit.,
p. 11.
24. Sobre a diferença entre reconstrução da verdade e descoberta da verdade vide
FERRUA, Paolo. Il ‘giusto processo’. Bolonha: Zanichelli, 2012. p. 31-34.
25. TARUFFO, Michele. La semplice verità… cit., p. 135.
26. VASSALLO, Nicla. Op. cit., p. 3.
27. Idem, p. 6.
28. CALLARI, Francesco. Op. cit., p. 1350.
29. TARUFFO, Michele. La semplice verità…cit., p. 83.
30. Neste ponto, reside a importância do affidabilismo ou reliabilism como teoria da
justificação, quando afirma que conhecimento é crença verdadeira justificada, e que a
justificação deve ser confiável, baseada em fontes confiáveis: “Per l’affidabilismo, nella
sua versione più semplice, abbiamo allora che S è giustificato a credere che p sia vera se
e solo se la credenza che p sia vera viene prodotta da un processo cognitivo, o da un
metodo, affidabile, ovvero da un processo o metodo che tende a produrre molte
credenze vere.” VASSALLO, Nicla. Op. cit., p. 17. GOLDMAN, Alvin I. Op. cit.
31. TARUFFO, Michele. La semplice verità…cit., p. 146 e 148.
32. Para o estudo mais aprofundado da classificação, da legitimidade ou da ilegitimidade
das limitações probatórias vide GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Rio de
Janeiro: Forense, 2010. vol. 2, p. 137-181 e TUZET, Giovanni. Op. cit., p. 95-96.
33. A preclusão é legítima quando serve à duração razoável do processo equilibrada ou
ponderada com o direito autônomo a prova e a busca da verdade, sendo ilegítima a sua
exigência como regra absoluta. De acordo com o Jean-Claude Magendie, Presidente da
Corte de Apelação de Paris, no Relatório acerca da celeridade e da qualidade da Justiça
francesa de 15.06.2004, conhecido como Rapport Magendie I: “La célérité n’est qu’un
élément parmi d’autres qui favorise une justice de qualité. Elle n’est pas une valeur en
soi; elle ne constitue pas un objectif en soi. C’est presque le contraire: la justice est
rendue à l’issue d’un processus juridictionnel. Le procès est un processus qui réclame du
temps. Ce temps este nécessaire” (Célérité et qualité de la justice davant la cour
d’appel. Rapport au gard de Sceaux, ministre de la Justice. Paris: La Documentation
Française, 2008. nota 5, p. 25).
34. TARUFFO, Michele. La semplice verità…cit., p. 139.
35. Analisando o processo penal o autor exemplifica como regras processuais que
influenciam uma boa prestação jurisdicional a forma como os jurados são selecionados,
que espécies de julgamentos são passíveis de recurso, quem pode interrogar quem, que
instruções o juiz deve dar aos jurados, que parâmetros o juiz deve utilizar para suas
várias decisões etc. (LAUDAN, Larry. Op. cit., p. 117 e 141).
36. Por outro lado é evidentemente controepistêmica a orientação do STJ que permite ao
órgão julgador fundar sua decisão em uma justificativa somente, não estando obrigado a
valorar as outras alegações (AgRg no REsp 1437063/RS, AgRg no AREsp 447165/RS e
AgRg no AREsp 139280/TO). A contrario senso o Direito Processual italiano civil e
criminal exige que a motivação enfrente todas as questões e provas constantes do
processo (art. 115 do CPC e art. 546, comma 1.º, e, do Código de Processo Penal). A
norma processual penal exige inclusive tanto a demonstração das “prove poste a base
della decisione” como “ragioni per le quali il giudice ritiene non attendibili le prove
contrarie”.
37. “(… le garanzie di indipendenza della magistratura sono la condizione base perché la
decisione del giudice sia il più possibile oggetiva, ossia conforme a quanto risulta dalle
prove e dalla legge” (FERRUA, Paolo. Op. cit., p. 35).
38. “E così nel processo è indispensabile il contraddittorio: non per inasprire la litigiosità
delle parti o per dare occasione di sfoggiare all’eloquenza degli avvocati, ma
nell’interesse della giustizia e del giudice, che proprio nella contrapposizione dialettica
delle opposte difese trova senza fatica il miglior mezzo per vedere dinazi a sè, illuminata
sotto i più diversi profili, la verità tutt’intera” (CALAMANDREI, Piero. Processo e
democrazia. Opere Giuridiche. Nápoli: Morano, 1983. vol. 1, p. 682).
39. PICARDI, Nicola. Op. cit., p. 60-61.
40. A concepção de contraditório, nesta altura, representava a solução entre duas
hipóteses argumentativas dialéticas apresentadas pelas partes, dentro de uma
perspectiva de “ordem isonômica”, que admitia a prova na sua função argumentativa
necessária para alcançar uma verdade provável, não objetiva. As limitações naturais do
presente texto impossibilitam que, por ora, façamos a ponderação adequada entre os
conceitos de “ordem isonômica” e “ordem assimétrica” de Alessandro Giuliani e a função
epistêmica do processo.
41. RECHBERGER, Walter H.; KODEK, Georg E., Introduzione. In: PICARDI, Nicola;
GIULIANI, Alessandro. Ordinanza della Procedura Civile di Francesco Giuseppe, 1895.
Testi e Documenti per la Storia del Processo. Milão: Giuffré Editore, 2004. vol. VIII, p.
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Storia del Processo. Milão: Giuffré Editore, 2004 vol. VIII. p. 5. TROCKER, Nicolò. La
concezione del processo di Franz Klein e l’attuale evoluzione del diritto processuale civile
europeo. Rivista Trimestrale Il Giusto Processo Civile. ano VII. n. 1. A cura de: CIPRIANI,
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42. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Notas de Enrico Tullio
Liebman. São Paulo: Livraria Acadêmica – Saraiva e Cia., 1943. vol. 1 e 2, p. 91-92.
Lembremos que o autor do nosso Código de Processo Civil de 1973, Alfredo Buzaid,
também indicava como um dos princípios fundamentais do processo civil brasileiro, a
oralidade a partir das lições de Chiovenda: “Um dos princípios fundamentais do processo
civil brasileiro é a oralidade. O ideal seria atingir a oralidade em toda a sua pureza. Mas,
quando isso não é possível, ‘o que importa’, assinala Chiovenda, ‘é que a oralidade e a
concentração sejam observadas rigorosamente como regra’” (BUZAID, Alfredo. Linhas
fundamentais do sistema do Código de Processo Civil brasileiro. Estudos e pareceres de
direito processual civil. Notas de adaptação ao Direito vigente de Ada Pellegrini Grinover
e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Ed. RT, 2002. p. 35.
43. CAPPELLETTI, Mauro. Valor Actual del Principio de Oralidad. La oralidad y las
pruebas en el proceso civil. Trad. Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Ediciones
Juridicas Europa-America. 1972. p. 85-91.
44. AROCA, Juan Montero Aroca; MATÍES, José Flores. Tratado de juicio verbal. Navarra:
Aranzadi. 2004. p. 65-67.
45. TARUFFO, Michele. La semplice verità…cit., p. 168. O mesmo alerta é feito por Mauro
Cappelletti: “Ma se da un lato la parte è di regola, per informazione, teoricamente la
megliore (quando non addirittura l’unica possibile) fonte di prova, essa però, d’altro lato,
per l’interesse personale che porta ai fatti, sulla base dei qualli chiede al giudice un
provvedimento, è al contrario o può essere la fonte di prova meno fidata” (CAPPELLETTI,
Mauro. La testimonianza della parte nel sistema dell’oralità. Milano: Giuffrè, 1974. p. 4).
46. TARUFFO, Michele. La semplice verità…cit., p. 172.
47. No original “libero scontro dialettico fra le parti” (idem, p. 171).
48. “Soto il profilo epistemico, ciò che viene affermato è un enunciato ipotetico: esso può
essere vero o falso in sé, ma nel momento in cui viene espresso, e sino a che non venga
formulata la decisione finale, esso non è né vero né falso.” TARUFFO, Michele. Verità
negoziata? cit., p. 87.
49. “(… il metodo di accertamento della verità sta nella congruenza della proposizione da
provare rispetto alle proposizioni che descrivono le prove legittimamente acquisite ed
assunte. È questa la verità del processo.” (CALLARI, Francesco. Op. cit., p. 1350).
Também reconhecendo a verdade como correspondência TUZET, Giovanni. Op. cit., p.
99-102.
50. “Il soggetto meglio informato della fattispecie dedotta in giudizio è, normalmente, la
parte.” (CAPPELLETTI, Mauro. La testimonianza della…cit., p. 3).
51. “Di qui la inderogabile necessità, sentita da tutti gli ordinamenti civili, di utilizzare le
parti come fonti di prova” ( idem, ibidem).
52. TUZET, Giovanni. Op. cit., p. 240-248.
53. FERRUA, Paolo. Op. cit., p. 34.
54. A prevalência do Princípio da Oralidade nunca excluiu a convivência entre atos orais
e escritos, mesmo entre os maiores defensores do sistema oral, como Chiovenda e
Cappelletti: “Ma il vero è che il principio dell’oralità non è affatto in contrasto, come
invece i riformatori del’50 hanno provato di credere, con la facoltà delle parti di produrre
memorie scritte in giudizio.” (CAPPELLETTI, Mauro. La testimonianza dela…cit., p. 38-
40). Taruffo também considera saudável a convivência de atos escritos com atos orais
(TARUFFO, Michele. Oralidad y escritura como factores de eficiência en el proceso civil.
Páginas sobre justicia civil. Madri: Marcial Pons, 2009. p. 260-264). Montero Aroca
afirma “la impossibilidad prática de configurar un procedimiento de manera totalmente
oral o escrita. De ahí que no se trate de exclusividades sino de prevalecimientos”
(AROCA, Juan Montero Aroca; MATÍES, José Flores. Op. cit., p. 125).
55. CAPPELLETTI, Mauro. Proceso oral y proceso escrito. La oralidad y las pruebas en el
proceso civil. Trad. Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-
America, 1972. p. 50.
56. O art. 147-1 do novo Código Processual português conceitua os articulados como “as
peças em que as partes expõem os fundamentos da ação e da defesa e formulam os
pedidos correspondentes”.
57. Em Portugal a contestação tem por conteúdo as impugnações de fato e de direito, as
exceções processuais dilatórias e peremptórias, a reconvenção e o chamamento (art.
318-1, c, do Código de Processo Civil português) (FREITAS, José Lebre de. Op. cit., p.
95-134). Na Espanha, além das alegações fáticas, das exceções processuais e materiais,
a contestação também veicula a reconvenção e todas as formas de intervenção
provocada, como, por exemplo, na hipótese de evicção (arts. 14.2, 405, 406.1 da LEC)
(GIMENO SENDRA, Vicente. Derecho procesal civil, 1. El proceso de declaración. Parte
general. 3. ed. Madri: Constitución y Leys, S.A., 2010. p. 335). Na Itália o réu deve
veicular na resposta todas as defesas processuais e de mérito, indicar os meios de prova
e sob pena de preclusão, deduzir reconvenção e propor intervenção contra terceiro (art.
167 do Código de Processo Civil italiano).
58. AROCA, Juan Montero Aroca; MATÍES, José Flores. Op. cit., p. 127. GIMENO
SENDRA, Vicente. Op. cit., p. 381.
59. PATTI, Salvatore. Codice di Procedura Civile Tedesco, Zivilprozessordnung. Trad.
Milano: Giuffrè, 2010. p. 181 e MURRAY, Peter L.; STÜRNER, Rolf. Op. cit., p. 230-231.
60. O ricorso é utilizado para o processo de trabalho, de primeiro e segundo graus, para
o juízo de legitimidade perante a Corte de Cassação, para os procedimentos especiais,
para o processo executivo e para a oposição à execução, dentre outros. A diferença,
menos de conteúdo, refere-se mais à forma, à técnica de efetivação do contraditório: na
citazione, primeiro ocorre a notificazione do réu e depois ela é depositada. O ricorso
deve ser primeiro depositado na cancelleria, o juiz fixa a data de audiência e depois
ocorre a notificazione (COMOGLIO, Luigi; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Lezioni sul
processo civile. Il processo ordinário di cognizione. 5. ed. Bologna: Il Mulino, 2011. vol.
1, p. 368-370).
61. RICCI, Gian Franco. Diritto processuale civile, il processo di cognizione e le
impugnazioni. Torino: G. Giappichelli, 2009. vol. 2, p. 105.
62. COMOGLIO, Luigi; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo civile. Il
processo ordinário…cit., p. 373-375.
63. MURRAY, Peter L.; STÜRNER, Rolf. Op. cit., p. 229-230.
64. GRECO, Leonardo. Novas perspectivas…cit., p. 26.
65. ZUCKERMAN, Adrian. V. Learning the facts – discovery England. In: CHASE, Oscar
G.; HERSHKOFF, Helen. (coord.). Civil litigation in comparative context. St. Paul:
Thomson/West, 2007. p. 208.
66. LAUDAN, Larry. Op. cit., p. 142 e 143.
67. PATTI, Salvatore. Op. cit., p. 189-190.
68. TROCKER, Nicolò. La concezione del…cit., p. 45.
69. “Articolo 244. Modo di deduzione. La prova per testimoni deve essere dedotta
mediante indicazione specifica delle persone da interrogare e dei fatti, formulati in
articoli separati, sui quali ciascuna di esse deve essere interrogati” (CONSOLO, Cláudio.
Codice di Procedura commentato, Artt. 1 – 286. 4. ed. Milão: IPSOA, 2010. t. I, p.
2504).
70. TARUFFO, Michele. Lezioni Sul Processo Civile, vol. I, Il processo ordinario di
cognizione. 4. ed. Bologna: Il Mulino, 2006. Cap. 12. p. 448.
71. “A proposição de cada prova deverá ser correlacionada com os fatos que com ela se
pretende demonstrar. Para auxiliar na objetividade das alegações e da proposição de
provas, acompanharão a inicial e a contestação formulários que sintetizarão os
elementos da demanda e os fundamentos da defesa, resumirão o conteúdo previsto de
cada prova requerida, vinculando-a ao fato a que ela corresponde e apresentarão um
índice dos documentos anexados (art. 44, §§ 3.º a 5.º)” (GRECO, Leonardo.
Apresentação ao anteprojeto de reforma do direito probatório no processo civil brasileiro
do grupo de pesquisa “Observatório das Reformas Processuais” da Faculdade de Direito
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Versão preliminar publicada na
Revista Eletrônica de Direito Processual 13/321. Disponível em:
[www.redp.com.br/arquivos/redp_13a_edicao.pdf]).
72. Versão preliminar publicada na Revista Eletrônica de Direito Processual 13/510.
Disponível em: [www.redp.com.br/arquivos/redp_13a_edicao.pdf].
73. “German civil procedure does not know the kind of ‘pretrial discovery’ practiced by
parties and their counsel in American and English litigation. On the other hand, German
civil procedure does provide for considerable production and exchange of factual
information, especially documents, during the preparatory phases of the litigation prior
to the taking of evidence in the plenary hearing. The practical effect of these activities is
in many respects similar to that fulfilled by Anglo-American discovery, although the
formal purposes of the activity may be somewhat different” (MURRAY, Peter L.;
STÜRNER, Rolf. Op. cit., p. 239).
74. GRECO, Leonardo. Novas perspectivas…cit., p. 26.
75. Para Alfredo Buzaid a origem da audiência preliminar foi o Regolamento Legislativo e
Giudiziario per gli Affari Civili, de 10.11.1834, do Papa Gregório XVI, de acordo com o §
551: “Tutte le controvesie relative all’indole e qualità del giudizio introdotto, alle qualità
che vengono atribuite alle parti nell’atto di citazione, alla legitimazione delle persone,
saranno proposte e decise nella prima udienza” (MENESTRINA. Il Processo Civile nello
Stato Pontificio. Turim. p. 68-118, apud BUZAID, Alfredo. Origem do despacho…cit., p.
14).
76. “Contribuye además a la preparación del acto de la vista en el derecho austríaco, la
llamada primera audiencia. Ésta no se halla destinada a tratar del fondo, sino más bien
sirve para separar de los restantes los puntos litigiosos. En la primera audiencia ha de
intentar-se una sentencia contumacial, de allanamiento o de renuncia”. SCHÖNKE,
Adolfo. Derecho procesal civil. Trad. L. Pietro Castro e Víctor Fairén Guillén. 5. ed.
Barcelona: Casa Editorial Bosch, 1950, p. 194. CONSOLO, Claudio. Introduzione. In:
PICARDI, Nicola; GIULIANI, Alessandro. Ordinanza della Procedura Civile di Francesco
Giuseppe, 1895. Testi e Documenti per la Storia del Processo. Milão: Giuffré Editore,
2004. vol. 8, p. LIII-LIV. GIMENO SENDRA, Vicente. Op. cit., p. 343.
77. Nos comentários ao art. 183 do CPC italiano, Claudio Consolo destaca: “Lungo la
seconda linea direttrice, è stato potenziato il principio dell’oralità della trattazione, là
dove il legislatore del 2006 ha notevolmente ridotto l’attività difensiva scritta delle parti
(sul potere del giudice do concedere comunque memorie scritte, cfr. il commento agli
artt. 180, 170 e 175, nonchè infra, par. 12)” (CONSOLO, Claudio. Codice di Procedura…
cit., p. 2169).
78. Apud SCHÖNKE, Adolfo. Op. cit., p. 194.
79. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Vicissitudes da audiência preliminar. Temas de
direito processual – Nona série. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 135.
80. Barbosa Moreira, por seu turno, entende que é tendência no “mundo anglo-saxônico:
o reforço dos poderes judiciais de direção do processo e certo declínio da oralidade”
(idem, p. 135-136).
81. “There may be a good deal of ‘back and forth’ between judge, parties and counsel in
an effort to shape the case for settlement or decision, if at all possible at a single plenary
hearing. The effort is to eliminate the unclarity and narrow the issues in dispute”
(MURRAY, Peter L.; STÜRNER, Rolf. Op. cit., p. 227).
82. Idem, p. 263.
83. TARUFFO, Michele. Cultura e processo cit., p. 77.
84. A reforma de 2005 unificou as audiências prévia e de trattazione em uma única
maxiaudiência.
85. FICCARELLI, Beatrice. Op. cit., p. 179.
86. CARPI, Frederico. La semplificazione dei modelli do cognizione ordinaria e l’oralità
per un processo civile efficiente. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. ano
LXIII. n. 4. p. 1283-1300. dez. 2009.
87. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Vicissitudes da audiência…cit., p. 136-138.
88. “A técnica da audiência, bem manejada, pode revelar-se superior, por mais de um
prisma, à do procedimento escrito. Antes de mais nada, ela permite que se estenda o
objeto da atividade realizável a aspectos naturalmente excluídos do outro modelo.
Deixando de lado, por demasiado óbvio, o exemplo da tentativa de conciliação,
mencione-se o da colheita de provas que só oralmente se possam produzir. Fácil
compreender que isso abre perspectivas mais amplas na direção do eventual julgamento
“antecipado” do mérito, com manifesto proveito pelo ângulo da economia processual. Por
outro lado, conquanto não seja essencial, segundo já se assinalou, à salvaguarda do
princípio da oralidade, afigura-se mais conveniente, de certo ponto de vista, que se
suscitem e se discutam de viva voz, na presença do juiz, as próprias questões de direito
ou relativas a documentos e, sobretudo, as preliminares. (… Seja como for, uma coisa é
certa: a consciência de existirem prós e contras vem sugerindo, aqui e ali, a preferência
por uma disciplina em alternativa, que permita, no particular, conforme as
peculiaridades do caso concreto, a opção entre o procedimento oral e o escrito. Como
oportunamente se recordou, para esse ponto de convergência marcharam, por diferentes
itinerários evolutivos, o direito alemão e o austríaco” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos.
Saneamento do processo…cit., p. 21).
89. CONSOLO, Claudio. Codice di Procedura…cit., p. 2165-2166.
90. TARUFFO, Michele. Cultura e processo cit., p. 77.
91. COMOGLIO, Luigi; FERRI, Corrado; Michele, TARUFFO. Lezioni Sul Processo Civile.
Procedimenti speciali, cautelari ed esecutivi. 4. ed. Bologna: Il Mulino, 2006. vol. 2, p.
105.
92. Idem, ibidem.
93. GIMENO SENDRA, Vicente. Op. cit., p. 344.
94. Idem, p. 381.
95. “Apresentado o último articulado do processo ou terminado o prazo para o
apresentar, o processo é concluso pela secretaria ao juiz, que, sendo caso disso, profere
despacho destinado a providenciar pela sanção da falta de pressupostos processuais e
(ou) a convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados (art. 590-2).” (FREITAS,
José Lebre de. Op. cit., p. 155).
96. TARUFFO, Michele. Oralidad y escritura…cit., p. 260.
97. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Vicissitudes da audiência…cit., p. 135.
98. MURRAY, Peter L.; STÜRNER, Rolf. Op. cit., p. 225.
99. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Breve notícia sobre a reforma do processo civil
alemão. RePro 111/104.
100. MURRAY, Peter L.; STÜRNER, Rolf. Op. cit., p. 227.
101. Idem, ibidem.
102. Idem, ibidem.
103. FICCARELLI, Beatrice. Op. cit., p. 120-122.
104. TROCKER, Nicolò. La concezione…cit., p. 41.
105. “(… giova rimarcare che la differenziazione dei modelli di trattazione in funzione
delle caratteristiche delle controversie, e quindi dettata da ragioni di razionalità, va
tenuta distinta dalla c.d. tutela differenziata dettata dalla volontà di attribuire un
trattamento differenziato (o preferenziale) a una data categoria di diritti o interessi
sostanziali portati in giudizio; tutela differenziata che sfocia nella logica dei procedimenti
speciali e che, oltre alla proliferazione dei riti, comporta il pericolo di una
frammentazione delle tutele” (FICCARELLI, Beatrice. Op. cit., p. 72). Também
diferençando a adaptabilidade da tutela diferenciada italiana, TROCKER, Nicolò. La
concezione…cit., p. 43.
106. Sobre a história da fase preparatória do processo civil francês vide FICCARELLI,
Beatrice. Op. cit.
107. TROCKER, Nicolò. La concezione…cit., p. 41.
108. FICCARELLI, Beatrice. Op. cit., p. 60.
109. Também exerce uma série de atividades: 1) tenta a conciliação, 2) observa a
presença de demanda incidental; 3) a necessidade de deferimento de prova documental
e, principalmente, 4) se é o caso de remeter o processo ao juge de la mise en état para
início da instrução ou diretamente à audiência de discussão (audience des plaidoiries),
quando a causa estiver pronta para julgamento (idem, p. 73-74).
110. CADIET, Loïc. Les conventions relatives au procès en droit français, Sur la
contractualisation du règlement des litiges. Accordi di parte e processo. Quaderni della
Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile 11. Milão: 2008, p. 7-36.
111. GHIRGA, Maria Francesca. Le novità sul calendario del processo: le sanzioni
previste per il suo mancato rispetto. Rivista di Diritto Processuale. ano LXVII. n. 1. p.
166-187. Padova: Cedam, 2012.
112. De acordo com o art. 764, alínea 3 do Novo Código de Processo Civil francês, o juiz
de la mise en ètat “peut, après avoir recueilli l’accord des avocats, fixer un calendrier de
la mise en état” (Disponível em:
[www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do;jsessionid=241353C902016E399326CBA264DC26
44.tpdjo15v_3?
idSectionTA=LEGISCTA000006181696&cidTexte=LEGITEXT000006070716&dateTexte=2
0140904]. Acesso em: 04.09.2014).
113. Nesse sentido o Relatório Magendie I, segundo o qual: “Il diritto processuale
sarebbe generalmente presentato come ‘un droit relationnel, de coopération das lequel
la loyauté assure le passage de la sphére privée, morale, á la sphére sociale pour
l’équilibre des interéréts antagonistes en présence”. Apud GHIRGA, Maria Francesca. Op.
cit., p. 171.
114. CADIET, Loïc. Les conventions relatives…cit., p. 24.
115. “Le juge de la mise en état fixe, au fur et à mesure, les délais nécessaires à
l’instruction de l’affaire, eu égard à la nature, à l’urgence et à la complexité de celle-ci,
et après avoir provoqué l’avis des avocats” (Disponível em: [www.legifrance.gouv.fr/].
Acesso em: 19.05.2014).
116. FICCARELLI, Beatrice. Op. cit., p. 68.
117. O legislador não afirma o que vem a ser complexidade. Para Cadiet a complexidade
pode advir da relação processual – como a pluralidade de partes e de demandas – ou da
matéria controvertida em si, como propõe o próprio art. 764 (CADIET, Loïc. Complessità
e riforme nel processo civile francese. Trad. italiana de D. Torquato. Rivista Trimestrale
di diritto processuale civile. p. 1303-1326. Giuffrè: 2008. p. 1316).
118. GHIRGA, Maria Francesca. Op. cit., p. 172.
119. Idem, p. 166-187.
120. FONSECA, Elena Zucconi Galli. Il calendario del processo. Rivista Trimestrale di
Diritto e Procedura Civile. ano LXVI. n. 4. p. 1395-1410. Milão: Giuffrè, dez. 2012. p.
1393.
121. GHIRGA, Maria Francesca. Op. cit., p. 173.
122. FONSECA, Elena Zucconi Galli. Op. cit., p. 1406.
123. “Art. 81-bis. (Calendario del processo) Il giudice, quando provvede sulle richieste
istruttorie, sentite le parti e tenuto conto della natura, dell’urgenza e della complessità
della causa, fissa, nel rispetto del principio di ragionevole durata del processo, il
calendario delle udienze successive, indicando gli incombenti che verranno in ciascuna di
esse espletati, compresi quelli di cui all’articolo 189, primo comma. I termini fissati nel
calendario possono essere prorogati, anche d’ufficio, quando sussistono gravi motivi
sopravvenuti. La proroga deve essere richiesta dalle parti prima della scadenza dei
termini. Il mancato rispetto dei termini fissati nel calendario di cui al comma precedente
da parte del giudice, del difensore o del consulente tecnico d’ufficio può costituire
violazione disciplinare, e può essere considerato ai fini della valutazione di professionalità
e della nomina o conferma agli uffici direttivi e semidirettivi.” (Disponível em:
[www.altalex.com/index.php?id-not=33898]. Acesso em: 04.09.2014).
124. FONSECA, Elena Zucconi Galli. Op. cit., p. 1402.
125. CONSOLO, Claudio. Introduzione cit., nota (59). p. LIII. TROCKER, Nicoló. La
concezione…cit., p. 43.
126. FONSECA, Elena Zucconi Galli. Op. cit., p. 1396.
127. Idem, p. 1393.
128. CADIET, Loïc. Complessità e riforme…cit., p. 1326.
129. TROCKER, Nicoló. La formazione…cit., p. 313.
130. “The overriding objective 1.1. – (1) These Rules are a new procedural code with the
overriding objective of enabling thecourt to deal with cases justly. (2) Dealing with a
case justly includes, so far as is practicable – (a) ensuring that the parties are on an
equal footing; (b) saving expense; (c) dealing with the case in ways which are
proportionate to the amount of money involved; (i) to the importance of the case; (ii) to
the complexity of the issues; and (iii) to the financial position of each party; (d) ensuring
that it is dealt with expeditiously and fairly; and (e) allotting to it an appropriate share of
the court’s resources, while taking into account theneed to allot resources to other
cases” (In Statutory Instruments, 1998, N. 3132 (L.17), Supreme Court of England and
Wales, County Courts).
131. Disponível em:
[http://webarchive.nationalarchives.gov.uk/+/http://www.dca.gov.uk/civil/final/].
Acesso em: 05.09.2014.
132. “The defects I identified in our present system were that it is too expensive in that
the costs often exceed the value of the claim; too slow in bringing cases to a conclusion
and too unequal: there is a lack of equality between the powerful, wealthy litigant and
the under resourced litigant. It is too uncertain: the difficulty of forecasting what
litigation will cost and how long it will last induces the fear of the unknown; and it is
incomprehensible to many litigants. Above all it is too fragmented in the way it is
organised since there is no one with clear overall responsibility for the administration of
civil justice; and too adversarial as cases are run by the parties, not by the courts and
the rules of court, all too often, are ignored by the parties and not enforced by the
court.” Lord’s Woolf Access of Justice – Final Report. Disponível em:
[http://webarchive.nationalarchives.gov.uk/+/http://www.dca.gov.uk/civil/final/overvie
w.htm]. Acesso em: 05.09.2014. (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O problema da
duração dos processos: premissa para uma discussão séria. Temas de Direito Processual
– Nona Série. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 72).
133. “The technique for implementing this strategy consists of a three-tier system: an
increase in the small claims jurisdiction to &3,000 (which has already been
implemented), a new fast-track procedure for claims up to 10,000, and a new multi-
track procedure for the remaining cases. The proposed structure is admirable in both its
simplicity and flexibility. It establishes a mechanism, so far absent in our procedure, for
husbanding procedural resources. The existence of different modes of processing
disputes and the ever-watchful eye of the judiciary will aim to ensure that the course of
litigation adopted in any given case will be in reasonable proportion to the complexity
and importance of the dispute. But judicial control, simplified rules and standardised
procedures do not remove the incentives that lawyers have for complicating and
protracting litigation. They merely aim to curb the scope for generating unnecessary
litigation processes” (ZUCKERMAN, A.A.S. Lord Woolf’s Access to Justice: Plus ça
change…The Modern Law Review. vol. 59. n. 6. p. 773-796. nov. 1996).
134. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A revolução processual inglesa. Temas de direito
processual – Nona série. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 75-76.
135. FONSECA, Elena Zucconi Galli. Il calendario del…cit., p. 1405.
136. TROCKER, Nicoló. La concezione…cit., p. 42-43.
137. CORRÊA, Fábio Peixinho Gomes. Direito processual civil alemão. In: CRUZ E TUCCI,
José Rogério (coord.). Direito processual civil europeu contemporâneo. São Paulo: Lex,
2010.
138. TARUFFO, Michele. Oralidad y escritura…cit., p. 260-264.
139. Idem, p. 263.
140. PISANI, Andrea Proto. Per un nuovo Codice di Procedura Civile – Libro Primo. RePro
188/205-252. Per un nuovo Codice di Procedura Civile – Libro Secondo. RePro 189/193-
265. Per un nuovo Codice di Procedura Civile – Libro Terzo. RePro 190/277-298. Per un
nuovo Codice di Procedura Civile – Libro Quarto. RePro 191/211-274. Per un nuovo
Codice di Procedura Civile – Libros Quinto e Sesto. RePro 192/301-306.
141. CARPI, Frederico. Op. cit., p. 1298-1299.
142. PISANI, Andrea Proto. Per un nuovo Codice di Procedura Civile – Libro Secondo.
RePro 189/201-202.
143. “Art. 2.22. Ai fini degli articoli seguenti a semplicità o complessità della controversia
è determinata dal giudice in base alla entità e qualità dei fatti controversi, o comunque
da provare, e alle esigenze di trattazione” (CARPI, Frederico. Op. cit., p. 1298).
144. PISANI, Andrea Proto. Per un nuovo Codice di Procedura Civile – Libro Primo. RePro
188/207-208.
145. Idem, p. 205-252. ______. Per un nuovo Codice di Procedura Civile – Libro
Secondo. RePro 189/204-205.