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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO – UFOP

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – ICHS


PROF. DR.: MATEUS H. F. PEREIRA
SEMINÁRIO EM HISTÓRIA MODERNA E CONTEMPORÂNEA III - HIS 826
ALUNO: CARLOS NICOLAU GARCIA FREITAS MAT.: 17.2.3460

TRABALHO FINAL

O papel da violência na historiografia a partir da obra de Luiz Eduardo Soares “Elite


da Tropa”: História pública e mobilização de afetos em tempos contemporâneos.

Resumo

Este projeto pretende analisar a partir da obra “Elite da Tropa” 1 de Luiz Eduardo
Soares, a estetização da violência na história como crítica a uma dimensão pouco estudada:
uma estética que orienta a insensibilidade histórica para as violências contemporâneas,
discutir a respeito do papel ou função da violência na historiografia fora dos espaços de
regimes de exceção, apontando a História pública e a mobilização de afetos como possíveis
ferramentas de apreensão e acolhimento de passados denegados pertencentes as camadas mais
periféricas de nossa população, além de propor que a partir da percepção do papel da
violência independente de seu tempo, conjuntura ou espaço geopolítico para historiografia,
poderíamos reconfigurar o horizonte histórico que nos está disposto, obliterando
possibilidades de esquecimentos e apagamentos memoriais e historiográficos.

Palavras-Chave

Violência; História Pública; Mobilização de Afetos.

1 SOARES, Luiz. Eduardo; BATISTA, A.; PIMENEL, R. Elite da tropa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.
Adequação do projeto ao Programa e ao orientador indicado

O referido projeto se insere na linha 1 intitulada “Poder, Espaço e Sociedade”, pois visa
trafegar pela constituição social epistemológica de uma historiografia possível, a partir das
vozes denegadas, silenciadas e principalmente periféricas. Emular História, Temporalidades e
Ética em seus planos pragmáticos/epistemológicos e o conceito de passado irrevogável como
sugerido por Berber Bevernage, em História, Memória e Violência de Estado (2018) 2.
Neste contexto proferir um avivamento das memórias, reconhecer a incapacidade de “cura”
pela simples passagem do tempo ou opção pelo esquecimento(?), ou ainda um tempo como
“pacificador automático” (BEVERNAGE, p, 2018). O fazer-se pertencer a um tempo, história
e espaços reconhecíveis em seus coletivos e subjetividades dos menos privilegiados e
demonstrar que a não publicização sistemática das formas de violência institucionais cala e
silencia as vozes das camadas (ou classes) mais vulneráveis de nossa sociedade, ocultando
sujeitos e invisibilizando-os no tempo.
A função da violência sobre corpos e personas de menor valor e a ausência de um debate mais
profundo, sistematizado e tornado público, sobre o fenômeno da violência imposta as
camadas populares da população, naturaliza esta mesma violência lançando sobre ela uma
certa opacidade, sendo necessário relativizar a dicotomia entre democracia e autoritarismo
como marcos de um axioma conceitual que separa duas realidades. Tais violências atravessam
os tempos e regimes políticos se enraizando em nossa sociedade. A violência do estado não
precisou da ditadura para ser operada, precisou, assim nos parece, de um aparato institucional
e certa conivência “social”. Sendo mais claro, a violência contra as camadas mais
desassistidas de nossa sociedade faz parte de nossa contemporaneidade e até os dias de hoje,
assim se faz, um modo ou modelo de atuação de nossas instituições.
Da mesma forma como é apresentado na descrição da linha no sítio da pós-graduação3,
pretende-se investigar pela ótica da historiografia, os pressupostos e especificidades do jogo
de relações e posições que conduzem à configuração política e social, inscrita na experiência
dos sujeitos, nos campos da violência e sua contemporaneidade.
Este projeto se desenvolve a partir das leituras de dois livros do Professor; Doutor Marcelo de
Mello Rangel, proposto por nós como orientador do mesmo, sendo eles: Da ternura com o
passado: história e pensamento histórico na filosofia contemporânea4 e A História e o
2 Bevernage, Berber. História, memória e violência de Estado: Tempo e justiça: Edição do Kindle.2018

3 Programa de Pós-Graduação em História”. Disponível em: https://ppghis.ufop.br/linhas-de-pesquisa / acesso em 20/07/21 às 22:05


4 RANGEL. Marcelo de Mello. Da ternura com o passado: história e pensamento histórico na filosofia contemporânea. Rio de Janeiro: Via Verita, 2019.
Impossível: Walter Benjamin e Derrida4. A leitura dos demais textos e o retorno a elas, sempre
necessário, se deram sob a perspectiva proposta nestes dois livros.

Delimitação do tema

“Todavia, o homem também se admira de si mesmo por não


poder aprender a esquecer e por sempre se ver novamente
preso ao que passou: por mais longe e rápido que ele corra, a
corrente corre junto”. (NIETZSCHE, 2003,P.7) 5

O tema da violência sua temporalidade e contemporaneidade no Brasil é algo complexo e


desafiador de se debater, entretanto fundamental para entendermos as experiências temporais
de sujeitos violados e apagados das história. As operações de silenciamento e naturalização
destes modos (violentos) institucionais de se relacionarem com as camadas carentes das
populações brasileiras e necessitam de uma análise mais profunda e sistêmica de modo que
assim possamos, através da possibilidades de desenvolvimento de afetos com passados
recuperados, o resgatar outras verdades próprias a este mesmo sujeito e inserir estas camadas
de nossa sociedade em nossas histórias.
Oportunizar aos sujeitos o reconhecimento de suas histórias, coloca em xeque estratégias de
apagamento memoriais e restabelece a relação temporal, mesmo que em uma tênue fronteira,
entre passados, presentes e futuros em suas experiências cotidianas e nas relações dialéticas
entre temporalidades vividas e viventes.

“...E isto porque, quando estes passados obscurecidos são


acolhidos no presente, surge a oportunidade de evidenciar o
caráter de possibilidade e de contingência de toda e qualquer
realidade, e a própria possibilidade de reconstituição do
presente (e do futuro) a partir de determinados passados que
se explicitam e se oferecem como repertórios de sentidos,
significados e sentimentos ideais à negação de determinada
realidade sedimentada.”. (RANGEL, 2019. p, 40) 6

A partir da leitura de um texto da antropóloga argentina Ludmila Catela no livro Ditadura e


Democracia na América Latina chamou-nos atenção a percepção por ela demonstrada das
memórias e histórias em espaços e temporalidades variadas dos muitos “povos” argentinos,
urbanos e rurais anteriores e posteriores a regimes ditatoriais, onde a clara demonstração da
violência, grosso modo, ultrapassa ou ao menos se iguala ao valor que lhe é atribuído em
5 NIETZSCHE.Friedrich. Segunda consideração intempestiva: da utilidade e desvantagem da história para vida Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003.
6 RANGEL. Marcelo de Mello. A história e o impossível: Walter Benjamin e Derrida. Rio de Janeiro: Ape’ku, 2020.
tempos de ditaduras onde são estudadas e combatidas. Cabe-nos perguntar: “e as outras tantas
violências e tantas épocas e espaços distintos?”. A violência institucional, a violência de
Estado e mais quantas forem suas formas de manutenção e legitimação do poder, quais pesos
devemos atribuir a violência em seu espaço tempo outro que não ditatorial?

“En el miedo y la falta de respeto, tan recurrentes en las


narrativas de los moradores, así como en los relatos de
esperanza sobre el futuro de los jóvenes, se observa una lucha
constante que no pasa tanto por el sentido del pasado sino por
la indignación con la represión incesante, tanto pasada como
presente.”(CATELA, 2008. P.187)7

A questão que se apresenta é: sobre a violência em tempos ditatorias ou de exceção não


teríamos criado alguns pontos cegos?

Justificativa

Por que o debate sobre o papel da violência na historiografia: História pública e mobilização
de afetos em tempos contemporâneos? A análise sobre o papel e a naturalização da violência,
justificada como educadora, exemplar e necessária ao “bem viver”, e a constatação de que
essas mesmas violências vem sendo ressignificadas e acomodadas em nossas casas como
parte constituinte do mundo contemporâneo se apresenta como imprescindível para uma
retórica conservantista, e em contraponto que a partir destes debates historiográficos podemos
reconstruir e constituir possibilidades de afetos ligados aos passados tanto pelo
reconhecimento destes, quanto pelo devoluto lugar a que pertencem. Ademais construirmos
possibilidades de publicização para estes passados nos parece eficaz no sentido de
restabelecimento e pertença destes passados negligenciados, possibilitando uma atmosfera de
acolhimento para histórias e sujeitos. Tornar pública a história dos sujeitos sociais em suas
classes e encantos, em seus espaços e ambiências nos parece uma vereda a ser cruzada ou
caminho a ser percorrido no sentido de resgate, de pertencimento a um passado obscurecido,
talvez negligenciado. Para além de outras definições do que seria a história pública, aqui nos
interessa, principalmente, comunicar a história para audiências mais amplas, propor ou
interpor maior sentido de pertença das histórias e memórias individuais às histórias eruditas e
acadêmicas, assim inculcando a difusão, circulação, apropriação e recepção dos passados,
7 CATELA, Ludmila da Silva. Violencia política y ditadura em Argentina: de memorias dominantes, subterrâneas y denegadas. In: FICO,
Carlos; FERREIRA, Marieta de Moraes; ARAUJO, Maria Paula Nascimento; QUADRAT, Samantha Viz (Org). Ditadura e Democracia na
América Latina. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.
reafirmando as funções sociais da historiografia.
Em fim contribuir, apesar da alta complexidade do tema, para a discussão sobre o papel da
violência na historiografia: História pública e mobilização de afetos em tempos
contemporâneos.

Objetivos

O objetivo geral do presente projeto é analisar a estetização da violência na história como


crítica a uma dimensão pouco estudada: uma estética que orienta a insensibilidade histórica
para as violências contemporâneas. O objetivo específico pretende demonstrar que a
recuperação desses passados e sua publicização (história pública), ao reconhecer seus
sujeitos como sujeitos históricos (r)estabelece, através de movimentos afetivos alguma
ternura por passados e histórias, além de contribuir para o debate sobre a perda de
confiança em passados, histórias e futuros.

Fontes

Na intenção de compreender as modulações e operações da violência em cotidianos


contemporâneos a obra “Elite da Tropa” de Luiz Eduardo Soares e seu posterior
desdobramento filmográfico “Tropa de Elite” pelo diretor Alexandre Padilha servirão como
representação literária e imagética dessas relações. Autores como bell hooks, Marilena Chaui,
Byung-Chul Han, Carlos Fico, Achille Mbembe, Reinhart Koselleck, François Hartog, Walter
Benjamin, Berber Bevernage e Friedrich Nietzsche dentre outros serviram e servirão como
fontes de apoio e arcabouço teórico para esta tarefa. Fontes documentais, tais como a
imprensa nas suas diversas manifestações e publicações científicas contribuirão para o
desenvolvimento desta pesquisa.
As condições de exequibilidade deste projeto estão apresentadas no “cronograma de
execução”.

Hipóteses

A hipótese inicial do presente projeto é que: mantida a insensibilidade histórica para as


violências, simbólicas e institucionais, contemporâneas perpetradas as camadas mais
vulneráveis de nossa sociedade em tempos “democráticos” amplificam-se as formas de
silenciamento e apagamento de sujeitos e suas experiências, desta forma, cancelando suas
existências historiográficas.

Perspectivas Teórico-metodológicas

Ao pensar este projeto me deparei com algumas inquietações no que diz respeito ao
desencantamento ou perda de confiança em passados e futuros, passados não reconhecidos e
futuros aniquilados sob a perspectiva do (des)respeito, do (não)conhecimento e (in)alteridade
sobre os indivíduos e coletivos em suas temporalidades.
De acordo com Koselleck 8, as categorias de experiência e expectativa se equivalem as de
espaço e tempo para demonstrar, ainda que antropologicamente, como nos mobilizamos a
partir destas mesmas categorias. Os passados não nos orientam somente em conteúdos, mas
também em afetos com os quais podemos reorganizar expectativas. Destarte apreender suas
durações, mudanças, rupturas e permanências mobiliza melhores condições de
desenvolvimento e amadurecimentos afetivos ligados as temporalidades de passados e
futuros.
As “memórias” sobre violências institucionais contemporâneas são constantemente
adormecidas pelas objetividades cotidianas e seus instrumentais. Apesar de não haver simetria
entre o espaço de experiência e o horizonte de expectativa o obscurecimento destas
experiências influi e impede, de alguma forma, possibilidades de futuros, ou seja uma
dificuldade coletiva e singular de projetar futuros.

“Sou grata a muitas mulheres e homens que ousam criar a


partir do lugar e da luta... nos oferecer sua experiência como
mestra e guia, como meio para mapear novas jornadas
teóricas.” (hooks, 2017, p.103) 8

Assim demonstrado pela citação a bell hooks, as experiências precisam ser reveladas,
cogitadas como possibilidades para novas jornadas e posições. Os espaços para “quebra” da
insensibilidade histórica para as violências contemporâneas perpetradas as camadas mais
vulneráveis de nossa sociedade precisa ser apontado, demarcado e tornado público em suas
histórias. Deste modo a articulação pelo reconhecimento destas experiências vividas e
8KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro:
Contraponto; Puc-Rio, 2006.
8hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: WMF Martins Fontes.
2017
viventes perpassa pela conquista dos espaços da História Pública para grandes e maiores
audiências possíveis, ocupando para além dos espaços escolares e acadêmicos os habitats
possíveis as divulgações de histórias obscurecidas, “assombradas” e denegadas de nossas
populações em maior vulnerabilidades socioeconômicas.

“Com efeito, existem dois tipos de história, conforme


prevaleça a atenção a uma destas posições do real. Mesmo
que as imbricações dessas duas espécies predominem nos
casos puros, elas são facilmente reconhecíveis. Um primeiro
tipo de história se interroga sobre o que é pensável e sobre as
condições de compreensão; a outra pretende encontrar o
vivido, exumado graças a um conhecimento do passado”.
(CERTEAU, 1982, p. 40) 9

9 CERTEAU, Michel de. A escrita da história. tradução de Maria de Lourdes Menezes ;*revisão técnica [de]
Arno Vogel. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.

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