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BONECO DO Projeto de Serviço de Atenção à Saúde Mental

Apresentação
As demandas de saúde mental se apresentam frente a quaisquer situações
humanas de sofrimento, sejam fruto de relações pessoais das mais inevitáveis ao longo da
vida até situações extremas de violência e desamparo. Atender às necessidades básicas de
sobrevivência são por si só ações que agem sobre as necessidades psíquicas. Contudo,
existem demandas específicas que exigem distintos níveis de complexidade de atenção
para produzir uma emancipação qualificada. Como consta na apresentação da missão da
Cáritas em seu site, é prática da instituição:

“ouvir respeitosamente o sofrimento dos empobrecidos e dos que


estão em situação de vulnerabilidade e favorecer ferramentas para
transformar suas vidas” (https://caritas.org.br/missao, acessado em
08/11/2021)

Neste sentido, o oferecimento de atenção à saúde mental é mais um passo a mais na


qualificação das ações da Cáritas no sentido de favorecer a transformação da vida daqueles
e daquelas que a procuram através de uma escuta tecnicamente qualificada no âmbito da
saúde mental.
Convém destacar que agir desta maneira incorre em separar a Psicoterapia
propriamente dita de uma Atenção à Saúde Mental (ASM). Enquanto a Psicoterapia tem por
finalidade tratar um adoecimento psíquico específico, buscando esgotar as questões que
aparecem na clínica com o objetivo da cura possível de tal adoecimento, a ASM tem por
finalidade o auxílio do desenvolvimento da capacidade de lidar com o sofrimento para
transformar as situações que o produzem como fenômeno biológico, psicológico e social.
Faço uma distinção de métodos.
Enquanto as psicoterapias trabalham com a lógica diagnóstico, tratamento e
prognóstico, uma atenção à saúde mental aborda as demandas de tal maneira que um dos
encaminhamentos possíveis seja a psicoterapia ou mesmo a terapia psiquiátrica, mas sua
finalidade não é agir sobre os determinantes centralmente psicológicos ou neurológicos. O
interesse aqui é a dimensão psicossocial, ou seja, o interstício onde o sofrimento mental
individual encontra as relações que aquela ou aquele que sofrem estabelecem. O
adoecimento psíquico pode ou não ser evidentemente causado por uma relação, mas a
transformação da maneira como se relacionar com pessoas e situações é um caminho
inescapável para a transformação do sofrimento individual; seja por rompimento,
manutenção modificada ou mesmo aproximação com pessoas, grupos, ideias ou ideais.
Não é necessária que a intervenção seja feita com todas as pessoas envolvidas numa
relação para que essa se transforme. Basta que aquele que procura ajuda consiga tomar
outra posição frente a o que lhe adoece para que uma relação se transforme.
Neste sentido, a duração de uma intervenção num Serviço de Atenção à Saúde
Mental é pensada não apenas nas possibilidades individuais da pessoa diretamente
atendida, mas nas possibilidades da rede social de apoio a qual é possível mobilizar no
enfrentamento da demanda apresentada. Colocar este aspecto coletivo implica em tomar
como compreensão basilar de que a promoção da autonomia é sempre a promoção da
capacidade de desenvolver e fortalecer laços de interdependência que qualifiquem a vida
das pessoas.
Levando em conta tais distinções é cabível, o tempo de uma intervenção no âmbito
da atenção à saúde mental é medido de uma forma diferente. Não se trata de dizer que
uma ou outra forma de intervenção toma necessariamente um tempo maior ou menor, mas
sim que os critérios e os objetivos são distintos, levando a um manejo próprio, onde cada
passo, cada espectativa, deve ser avaliada pelos parâmetros dos seus objetivos.

Estratégias de atuação

Num primeiro momento, são elencadas duas formas de acolhimento do serviço.


Contudo é importante ressaltar que a dinâmica das demandas pode tanto favorecer a
eficácia de um ou outro, quanto pode indicar a necessidade de formas ainda não pensadas.

Matriciamento
A primeira delas é a escuta individualizada. Trata-se de uma conversa feita em
ambiente sigiloso, guiada primeiramente pela demanda trazida pela pessoa atendida. Já
aqui cabe traçar as fortuitas semelhanças e as sensíveis diferenças entre a escuta
individualizada feita por um profissional da psicologia e o atendimento regular de
assistência. É fundamental ressaltar que o atendimento regular, o auxílio a demandas
alimentares, de moradia e jurídicas de qualquer natureza tem efeitos importantes sobre a
saúde mental daqueles atendidos pela Cáritas. Neste entremeio, entender que há
intervenção em saúde mental para além da escuta individualizada feita por profissional da
psicologia, é entender que este atendimento é, muitas vezes, uma instância de
endereçamento de certas demandas. Sendo assim, parece desejável que as demandas as
quais entendamos como melhor atendidas por um profissional possam ser encaminhadas,
mas que aquelas que puderem ser acolhidas já no atendimento regular possam ser
acompanhadas indiretamente pela ou pelo profissional de Psicologia nos moldes daquilo
que na Atenção Básica à Saúde chama-se matriciamento1. Trata-se de uma espécie de
"consultoria" permanente, na qual saberes diversos procuram ocupar-se de uma mesma
demanda a fim de tentar abarcar o maior número de determinantes da sua ocorrência e
onde há um profissional de referência, que concentrará o cuidado.

Quem trabalha
Ainda, não é menos importante, ater-se à condição mental daqueles que trabalham
no atendimento, planejamento e realização de tudo o que é necessário para que a Cáritas
realize seu intento. Conviver com situações de precariedade evoca o que há de melhor em
nós, mas os limites em auxiliar as pessoas e mesmo transformar a realidade na qual se faz
necessário serviços como os que presta a Cáritas, pode por vezes requerer elaborações
complexas e dolorosas que muitas vezes podemos postergar nos determos. Promover
momentos de elaboração coletiva ou mesmo espaços individualizados para tratar aquilo que
do próprio fazer do trabalho cotidiano pesa para a saúde mental também é um espaço
oportuno para a qualificação da atuação de maneira geral.

Escuta individual e coletiva


Feito o decurso sobre a similaridades e a oportunidade de relação entre atendimento
de assistência regular e de atenção à saúde mental, passo agora à diferenciação.
O atendimento regular auxilia as pessoas com suas necessidades objetivas.
Contraditoriamente, é no momento em que buscamos auxílio material que podemos nos
encontrar mais fechados para sermos ajudados do ponto de vista subjetivo. É evidente que
para algumas situações demonstrar a fragilidade é uma maneira de sensibilizar o outro e
assim conseguir ajuda material. Contudo, em certas situações, a busca por ajuda já é por si
só uma grande concessão subjetiva, já é abrir-se à fragilidade; abrir mão de uma imagem
de potência individual, da consistência da suposta autonomia plena para resolver todo e
qualquer problema. Manter minimamente a imagem de si como sujeito dotado de
independência e autonomia é um aspecto fundamental da ideologia capitalista que nos joga,
quando não conseguimos manter esse supostamente mínimo de autonomia, para
categorias sub-humanas.
Nesta dinâmica psíquica ideologicamente dominada a apresentação da necessidade
material pode ter por finalidade não a busca por emancipação, mas a busca pela
reconstituição da condição exigida pela sociedade do Capital para que o sujeito possa ser
reconhecido como dotado de valor social, como detentor das consignas que o colocam

1
Para uma apresentação extensa do dispositivo do matriciamento ver GONÇALVES, D. A. et al. Guia
prático de matriciamento em saúde mental. Brasília: Ministério da Saúde: Centro de Estudo e
Pesquisa em Saúde Coletiva, 2011.
como membro de uma sociedade como a nossa, ou seja, o sujeito buscará reconstituir sua
condição de consumidor, mesmo que de consumidor empobrecido. Assim, demandas de
ordem emocional como a saudade de familiares, sofrimento no trabalho, dificuldades de
relacionamentos e outras tantas que podem produzir adoecimentos ou prejuízos psíquicos
para cada pessoa, podem aparecer mascaradas como demandas de ordem material. Em
alguns casos, uma escuta feita por profissional da psicologia, realizada sob sigilo clínico,
pode convocar essas pessoas a falarem não apenas do lugar do imigrante ou do
empobrecido, mas do lugar de quem tem uma vida e que tem algo a falar sobre si.
A escuta do sofrimento feito no contexto do auxílio material, mais do que em
qualquer outro contexto, encaminha as elaborações sobre o sofrimento social para o campo
coletivo. Deve-se ter em mente que sempre existirá algo de irresolutamente singular na
maneira como cada uma e cada um se coloca no mundo, na maneira como põe seus afetos
em circulação, como os recolhe e como encaminha seus desejos. Saber disto não põe
obstáculo para o entendimento de que dialogar sobre estas maneiras distintas em lidar com
as dificuldades objetivas principalmente auxilia cada pessoa a ter reconhecida a sua dor
como algo que não pertence apenas a ela e assim abre espaço para o desenvolvimento de
maneiras próprias — construídas a partir da sua experiência conjugada com a de outros
comuns — e novas para si, para lidar com aquilo que faz sofrer.
Fomentar a criação e a manutenção de espaços de partilha que visem o
estabelecimento de um ambiente de reconhecimento mútuo de cada história, de cada forma
de lidar com aquilo que não se resolve facilmente, que não tem protocolo ou fórmula
mágica, é uma estratégia de extrema consequência com a intenção de favorecer a
autonomia, visto, como já dito em outros momentos deste texto de outras formas, que a
autonomia mais qualificada é a autonomia e fazer, desfazer e refazer laços.

Objeto geral do serviço de atenção à saúde mental2

2
Guardadas as devidas diferenças e perspectivas, os objetivos aqui traçados buscam referência nas
Referências Técnicas para atuação do(a) psicólogo(a) no CRAS/SUAS/ Conselho Federal de
Psicologia (CFP). -- Brasília, CFP, 2007.
Oferecer espaço de acolhimento de demandas em saúde mental visando o
desenvolvimento de capacidade de transformação possível daquilo que produz a demanda
através de acompanhamento dos atendimentos regulares e atendimentos psicológicos.

Objetivos específicos
● Prestar auxílio à equipe que faz atendimento ao público acompanhando
casos.
● Prestar auxílio a todas e todos os envolvidos no trabalho da Cáritas
promovendo espaço para elaboração coletiva e individual sobre a relação do
trabalho com a saúde de quem realiza o trabalho.
● Oferecer espaço de escuta individualizada sob sigílo.
● Fomentar a construção de grupos de apoio e/ou grupos terapeuticos.

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