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PRODUZIR E DESCONHECER
O reconhecimento é algo fundamental em qualquer grupo humano.
Seja para separar quem está dentro de quem está fora ou seja para
estabelecer que lugar cada um ocupa dentro de uma determinada
estratificação social (hierarquizada ou não), são distribuídos elementos
simbólicos a fim de produzir uma diferença. Esses elementos, mesmo os
mais intangíveis (um cargo, uma outorga, um posto de influência ou
destaque) sempre têm um lastro material; e daqueles francamente
materiais (uma casa, uma viagem ou um carro) deve ser destacado o
caráter social, das inúmeras mãos marcadas no curso de sua produção.
Para compreender a lógica dos sentimentos resultantes da
iniquidade, da diferença entre ter e não ter acesso a tal riqueza como
símbolo distintivo, é fundamental atentar para o feitiço lançado sobre tais
elementos que os transforma em objetos de fetiche. O feitiço é um feitiço
de apagamento das marcas das mãos daqueles e daquelas que
trabalharam na produção do objeto. O que destacarei aqui é que, para
que o feitiço funcione, o que deve ser apagado é fundamentalmente
aquilo que liga a marca das mãos que produzem com as mãos que detém
o objeto.
Importante ressaltar que não apenas aquilo que é inanimado pode
ser tomado como objeto. A história de vida de uma pessoa, ao longo da
qual teve oportunidades de acumular conhecimento e experiências,
também é um objeto, materializado na sua compleição neuronal:
cognitiva, afetiva e intelectual. Não raro, o feitiço da mercadoria opera na
forma do academicismo, dos arrotos de títulos, da grandelouquência, de
códigos de conduta, como se quaisquer um destes elementos pudesse
produzir por si só o efeito de distinção de uma história de construção de
estudo e produção de conhecimento junto aos semelhantes. Ninguém
jamais aprendeu nada só. Seja pelo acesso ao ensino formal, pelo acesso
a condições de aprendizado (ideais ou extremamente dificultosas), toda
pessoa aprende por meio do trabalho de outras pessoas, pois, no limite,
só se aprende através de uma linguagem construída histórica e
socialmente. Para o materialismo o autodidatismo sempre precisa ser
relativizado.
Retornando ao reconhecimento, devemos nos atentar para o fato de
que todo reconhecimento é reconhecimento de uma história singular e
toda história singular é uma história coletiva, pois um outro tanto
participa objetivamente quanto um outro é necessário para reconhecê-la
como tal. Seja a alteridade absoluta e material, seja a alteridade que nos
habita enquanto instância psíquica, sempre nos constituímos em relação a
outrem.