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Bruxaria e Satanismo no Estado do Paraná

Bruxas de CuritibaExistem poucos trabalhos sobre história da bruxaria em nosso país, sendo os mais
importantes os de Laura de Mello e Souza, Luíz Mott e Carlos Roberto Nogueira. No sul do Brasil
praticamente não existem estudos, apesar de inúmeras tradições de cultos mágicos por parte da
população. Apresentamos alguns elementos de uma pesquisa desenvolvida por nós em 1991 na capital
paranaense.

As praticantes de feitiçaria - denominação genérica para vários tipos de atividades mágico/religiosas -


recebiam várias designações pela sociedade curitibana: Megera, Górgona, Sibila, Mandraqueira,
denotando ao mesmo tempo repulsa e mau gênio. Típicas do estereótipo da bruxa, elaborado durante a
Europa Medieval. Mas seriam estas supostas mulheres realmente bruxas ou praticantes de magia? Ou
foram criações do imaginário? Segundo nossas investigações, baseadas em depoimentos policiais,
noticiários jornalísticos e outros documentos, essas misteriosas mulheres foram perpetuadoras de uma
tradição secular advinda do Velho Mundo.

A mais antiga referência que encontramos é de 1889, de uma senhora chamada Ana Formiga que residia
na rua Benjamin Lins. Era famosa por suas supostas ligações com o demônio. Após um incidente com um
cabo do exército, ela teria colocado um feitiço na porta da casa deste. Alguns dias depois, a esposa do
cabo adoeceu. Segundo um jornal local "ao abrir os batentes da janela de sua casa, encontrou entre
estas e a vidraça uma rã seca, que tinha presa às pernas uma rosa branca e na boca uma cruz formada
pela justaposição de dois pauzinhos. A um canto da janela foi encontrado um bilhete escrito com tinta
roxa".

Outros casos interessantes foram das "bruxas" Lucinda e Deolinda. A primeira teve em 1899 sua casa
investigada pela polícia. Além de diversos apetrechos de magia, foi encontrado um dedo humano seco.

Em 1919, na casa de Maria Jesuína de Carvalho, foram apreendidas "latas com terra de cemitério, ossos
de animal, sapos secos, cabeças de alhos cortadas em cruz, sal grosso torrado, sola de sapato de
defunto". Ambas as apreensões foram largamente comentadas pela imprensa. Essas três personagens
(todas descendentes de etnias européias) acabaram por desaparecer dos jornais alguns dias depois.
Mas nenhum caso de bruxaria ficou mais famoso na mídia curitibana quanto o incidente ocorrido na rua
Visconde de Guarapuava em 1934. A esposa de um importante juiz, D. Nair Ribeiro, teria sido enfeitiçada
pela bruxa Tiburcia e "começou a vomitar despachos contendo panos, cabelos, fumos, couro de sapos e
outros ingredientes de magia negra". A polícia, acompanhada de médicos e repórteres compareceu ao
local. Quando ela novamente começou a vomitar, foi retirada uma "bola" com os seguintes
componentes: "maços de cabelos atados, contas de colar, bilhetes amarrados". Por vários dias, os jornais
noticiaram o encontro de sapos e gatos pretos encontrados na frente da casa de dona Nair, ambos vivos
com os olhos e bocas costurados! Após alguns meses, Nair acabou falecendo e a notícia também
desapareceu aos poucos dos jornais. Hoje em dia, "coincidentemente" no mesmo local onde existia a
sua casa, foi construído o Instituto Médico Legal de Curitiba, e alguns metros dali funciona a Câmara
Municipal, onde dizem muitos funcionários, os casos de assombração são muito frequentes durante a
noite...

Durante a Idade Moderna, a figura da bruxa era sempre associada à mulheres sozinhas e velhas. Essa
herança cultural veio para o sul do Brasil com os portugueses, e posteriormente com os imigrantes. Um
dos aspectos frequentes do estereótipo da bruxa é a idéia da pobreza. A bruxa é pobre, do mesmo modo
que o mendingo. Em 1900, uma mulher morena e velha tinha por hábito andar esmolando pelo centro
de Curitiba com uma bandeja. Seria uma mendiga qualquer se não fosse o fato dela procurar as donas de
casa para promover rezas de curas.

É o suficiente para ela transformar-se em uma bruxa, aos olhos da sociedade de então.

Outro aspecto do estereótipo é o referente a anti-sociabilidade das bruxas. Elas acarretariam uma série
de conflitos e hostilizações com a comunidade de sua época.

No bairro curitibano de Umbará, em 1906, um benzedor de 85 anos teve sua casa atacada por colonos
italianos, tendo sido espancado e suas vestes atiradas ao fogo. Posteriormente, uma senhora com 100
anos foi pelos mesmos colonos considerada uma bruxa, e para não ser morta mudou-se com a família
para o centro da cidade. As bruxas são personagens sociais que permanecem toleradas durante algum
tempo, sendo em determinada ocasião responsabilizadas pela grande maioria dos problemas vigentes
na ocasião. Na Europa esse fenômeno era muito comum: "os processos da inquisição revelam uma
acumulação de queixas aldeãs clássicas (...) revelam tensões internas dos camponeses" (Laura de Mello
e Souza).

Segundo pesquisa de História oral que efetuamos no mesmo bairro de Umbará (1991), as crenças na
feitiçaria são ainda muito comuns. Para grande parte dos moradores existe uma família de Umbará que
perpetua tradições de bruxaria européia desde o Oitocentos: a avó ou mãe transmite os conhecimentos
secretos para a filha. Em determinadas épocas do ano, principalmente em 22 de dezembro, as bruxas se
reuniriam coletivamente para realizar um Sabbat em volta do lago Azul, em uma área afastada do bairro.
Infelizmente não conseguimos evidências concretas desse suposto fato.

A bruxaria coletiva ou satanismo no estado do Paraná já havia sido documentada durante o século XIX,
segundo o pesquisador de ocultismo e grão-mestre maçônico Dario Vellozo (ver ref.). Uma seita teria
sido formada em 1870 por Manoel Antonio e reunia muitos membros, possuindo uma hierarquia
complexa, práticas de profecias, simbolismos e cultos de magia negra advindas da Europa. As atividades
desse grupo também eram conhecidas fora do Paraná, como comprovamos com o jornalista João do Rio
em 1904: ao entrevistar líderes luciferistas na então capital brasileira, reporta-se aos praticantes
paranaenses "que estão dans le train dos processos de crença na Europa".

Atualmente também temos notícias da existência de seitas satanistas no Paraná, inclusive com práticas
de sacrifícios humanos (ver ref. Genésio Pontóglio e jornais).

A mais recente das veiculadas pela mídia foi a LUS, Lineamento Universal Superior, seita comandada pelo
psicólogo argentino José Baamonde e a brasileira Valentina de Andrade. Em 1992 foram apreendidos na
rodoviária de Londrina diversos trajes ritualísticos (pelas fotografias, percebemos que são do estilo
tradicional inglês), apetrechos, armas, livros, fitas cassetes e vídeos, todos pertencentes ao LUS. Essa
seita foi envolvida com o assassinato em um ritual do menino Evandro Caetano, desaparecido em 6 de
abril de 1992 na cidade paranaense de Guaratuba.

Em todo o Brasil são encontrados restos humanos misturados a evidências de rituais das mais variadas
tradições mágicas, dos ritos afro-brasileiros à herança européia. Muitas vezes o ceticismo "apaga"
completamente os registros, impossibilitando os pesquisadores de definirem com maior precisão a
realidade da imaginação. E alguns seguidores de inocentes práticas mágico-religiosas (como a moderna
Wicca) são algumas vezes responsabilizados erroneamente por atos macabros que com certeza existem
pelo país. As bruxas e o satanismo ocorrem há muito tempo no Brasil, mas nem sempre constituem a
mesma coisa. Mas resta ao leitor decidir o que pensar.

REFERÊNCIAS:
LANGER, Johni. Feitiçaria em Curitiba: discurso e cotidiano, 1889-1945. Monografia de Bacharelado em
História pela UFPR. Curitiba, 1992, 122 p. Disponível para consulta na Biblioteca Pública do Paraná (Rua
Cândido Lopes n. 133, Curitiba);

RIO, João do. Satanismo. In: As religiões do Rio (1904). Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1976;

SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz. São Paulo: Cia das Letras, 1986;

VELLOZO, Dario. Ocultismo no Paraná. In: Esfinge, Curitiba, vol. 2, n. 11, 1900.

Por Johnni Langer

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