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SÃO PAULO
2010
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE
CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
SÃO PAULO
2010
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Banca Examinadora
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Ao meu pai.
“É verídico?”
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Agradecimentos
Protetores dos animais de todo o planeta, por praticarem a mudança. Meu orientador,
Professor José Luiz Aidar Prado, por ter feito este trabalho acontecer e pela compreensão
durante minhas hesitações e páginas em branco. Professora Leda Tenório da Motta, que deu
forma ao meu projeto e valiosas sugestões na qualificação. Professor Roberto Chiachiri, pelas
observações e percepções semióticas. Professora Lucia Santaella, por me mostrar a
importância dos aspectos qualitativos. Central Nacional Unimed, pelo incentivo. Meus
amigos, por me ouvirem. Minha prima Cristiana, por dar banho nos cachorros. Minha irmã
Renata, por sua colaboração jornalística. Meu irmão Fábio, que sempre sabe quando preciso
dele. Alexandre, pela companhia nas noites em claro. Goober, Kiko, Pirulito e Nina, pela
alegria que me dão. Minha mãe. Por tudo.
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Resumo
A pesquisa examina as campanhas em prol da proteção dos animais, de acordo com a análise
dos contratos de comunicação. Busca compreender como os emissores e os receptores dos
textos são construídos a partir do que é veiculado na mídia, e quais estratégias têm sido
empregadas para alterar a percepção do público em relação ao tema. Parte-se da hipótese
preliminar de que, muitas vezes, a comunicação utilizada nesse meio é ineficaz para a
mudança de comportamentos das pessoas que ainda não são sensíveis ao problema.
Geralmente, as entidades protetoras dos animais não dispõem de verbas para anúncios em
mídias tradicionais. Assim, as chamadas mídias alternativas são amplamente empregadas.
Entre elas, estão manifestações vistas como radicais: passeatas, boicotes e invasões a
estabelecimentos públicos e privados. Essa é uma das estratégias mais utilizadas pelo PETA -
People for the Ethical Treatment of Animals, maior grupo de proteção aos animais do mundo.
Para abordar o assunto, será utilizada a teoria de John Downing sobre mídias radicais. Neste
trabalho, serão analisadas campanhas publicitárias do PETA, assim como a repercussão de
seus movimentos na imprensa brasileira de 2004 a 2009. Os efeitos das campanhas serão
estudados a partir da semiótica peirceana, tendo como suporte as obras de Winfried Nöth, de
Lúcia Santaella e do próprio Charles Sanders Peirce. Os contratos de comunicação serão
levantados a partir da teoria de Patrick Charaudeau. A relação do homem com os animais será
analisada a partir de Keith Tomas, que fala sobre a história da domesticação. Para entender os
princípios que regem os discursos dos ativistas, adotou-se textos de Peter Singer e Mary
Warnock, que destacam ética, crença e ideologia. O objetivo é avaliar se os trabalhos dos
protetores dos animais para transformar discursos, por meio de campanhas de comunicação,
são bem construídos.
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Abstract
The research examines the campaigns for the protection of animals, according to the analysis
of their communication contracts. It aims to understand how senders and receivers of texts are
built from what appears in the media. And what strategies have been employed to change
public perception related to the subject. It starts with the preliminary hypothesis that usually
communication used in this area is ineffective in changing behaviors of people who are not
yet sensitive to the problem. Generally, animal rights organizations do not have money for ads
in traditional media. Thus, the called alternative media are widely used. Such as those events
viewed as radical: protest march, boycotts and invasions of public and private establishments.
This is one of the strategies used by PETA - People for the Ethical Treatment of Animals, the
largest animal rights organization in the world. To address the issue, we will use the theory of
John Downing on radical media. In this paper, will be analyzed PETA´s ad campaigns, as
well as the impact of their work in Brazilian press from 2004 to 2009. The effects of the
campaigns will be studied using Peircean semiotics, supported by Winfried Nöth and Lucia
Santaella´s work, as well as Charles Sanders Peirce´s writings. Communication contracts will
be analyzed with Patrick Charaudeau´s theory. The relationship between man and animals
will be examined from Keith Taylor, who talks about the history of domestication. In order to
understand the principles that involves activists´s discourse, it´s been adopted the writings of
Peter Singer and Mary Warnock, concerning ethics, belief and ideology. The objective is to
assess whether the work of animal protectors to transform discourses, through communication
campaigns, are well constructed.
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Sumário
INTRODUÇÃO 09
CONCLUSÃO 138
BIBLIOGRAFIA 155
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Introdução
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A Seção Guia (Veja, Edição 1852 - 05/05/2004), traz dicas simples e que intensificam
a forma humanizadora e humanista com que alguns animais são tratados, em especial o cão.
Em uma abordagem completamente diferente, na mesma seção, a revista editou, quatro meses
antes, “Carnes diferentes” (Veja, Edição 1837 - 21/01/2004): coelho, cervo, javali, marreco e
rã são alguns dos animais que, segundo Carlos Gabriel, autor do livro O Sabor das Carnes
Exóticas, estão entrando no cardápio dos brasileiros.
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No grupo de reportagens relacionadas à ciência, saúde e medicina, encontramos um
paradoxo nos relatos. Em “Estes bichos começam a ser salvos” (Veja, Edição 1843 -
03/03/2004) há uma abordagem que pode ser considerada em prol dos animais. Por meio de
números e estatísticas, é apontada a atual fase em que se encontram os testes de laboratórios
que utilizam cobaias. Como alternativa, o jornalista detalha as tecnologias que vêm
permitindo a substituição dos animais nos experimentos. No entanto, ainda em 2004, Veja
trouxe outras matérias que invalidam a afirmação colocada anteriormente. “Viver mais de
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boca fechada” (Veja, Edição 1837 - 21/01/2004) e “Este rato não precisou de um pai para
nascer” (Veja, Edição 1851 - 28/04/2004) são duas reportagens que tratam os testes em
animais de forma naturalizada e sem nenhuma alusão ao que foi proposto no artigo anterior.
Os experimentos realizados nos bichos são comentados dentro do contexto do tema central,
que é o resultado da pesquisa e os possíveis benefícios que as mesmas trarão à humanidade.
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Os animais também mereceram a capa da revista Veja em 2004, que veio em duas
versões. “Dez mil anos de amizade” (Veja, Edição 1881 - 24/11/2004) tem como ponto de
partida a expansão do mercado brasileiro de pet food para abordar a relação entre os homens e
os animais. Um resumo de tudo o que foi discutido nas matérias citadas anteriormente.
Enfoca, principalmente, o paradoxo existente: enquanto alguns animais - mascotes - são
tratados como membros da família, outros vivem confinados e têm como destino o prato.
A proximidade com grupos de defesa dos animais permitiu, ainda, que eu ouvisse
durante protestos e discussões com amigos frases como “É muito triste, mas eu adoro
rodeio”, “Se eu visse um animal no matadouro não o comeria, mas como não estou vendo...”,
“A tourada faz parte da cultura da Espanha”.
Este não é um problema exclusivo dos defensores dos animais. Empresas, governo e
ONGs que divulgam, por exemplo, a prevenção de doenças e acidentes também têm a mesma
dificuldade ao abordar esses assuntos, que estão diretamente ligados a hábitos. É o caso, por
exemplo, de pessoas que não dão atenção às fotos que estão nos maços de cigarro ou que não
se importam em dirigir após alguns drinques. Esse tipo de comunicação voltada para a
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mudança de hábitos, em especial as que tratam da defesa dos animais, é diferente, por
exemplo, de uma mensagem publicitária que estimula o consumo e que está ligada
diretamente ao desejo de status ou poder aquisitivo. Neste caso, as pessoas terão um retorno
imediato, elas ganharão algo em troca ao aderir ao que está sendo proposto nas mensagens,
seja por meio de uma satisfação por ter um produto ou pelo conforto e atenção que terão por
possuir determinado objeto. Inclui-se, aqui, a alimentação a base de carne, calçados e casacos
de couro, que têm como matéria-prima os animais, tornando esses produtos os principais
inimigos dos ativistas. Mas como veremos no decorrer da dissertação, uma vez que envolve
milhões de anos da evolução humana e animal.
A proposta desta pesquisa será analisar, sob a ótica do francês Patrick Charaudeau e
seu contrato de comunicação, o discurso dos protetores dos animais por meio dos textos
veiculados na mídia, de forma a entender em que condições estão inseridos os principais
atores que entram em cena para falar sobre a defesa dos animais. Incluem-se nesse rol os
próprios jornalistas, diretores, editores e demais envolvidos na construção da notícia, que são
responsáveis pelo produto final que será deixado à disposição dos públicos a atingir. Para
tanto, serão levados em conta três questões essenciais na elaboração do discurso: 1. Por que
informar? A informação pode ser tanto solicitada como imposta. No primeiro caso, o
indivíduo que a solicitou busca dados para nortear sua conduta, completar seu saber. Para
informações impostas, a origem pode ser uma gratuidade altruísta ao dizer, por exemplo, que
há uma ameaça ou algo que possa ajudar o receptor. O PETA está sempre disposto a explicar
as condições em que os animais são submetidos ao serem transformados em pratos
“saborosos” ou casacos de peles “valiosos”, sempre associando sua mensagem também ao
bem-estar do cidadão. Há eventualidades em que o informante é obrigado a falar, em que o
motivo pode ser um domínio político, chantagem ou outros casos em que o sujeito é
constrangido e forçado a dizer algo. 2. Quem informa? A credibilidade de uma informação,
ou o interesse que ela possa vir a despertar, depende, principalmente, da notoriedade do
informante. O receptor, baseado em seu repertório, fará o julgamento se a pessoa é digna de
fé. A credibilidade também pode ser baseada na representatividade do informante,
principalmente quando ele desempenha o papel de porta-voz de uma empresa ou entidade.
Nas matérias sobre o PETA, veremos casos em que são ouvidos porta-vozes do grupo, sem
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fazer menção ao nome da pessoa ouvida. Há casos em que a informação precisa de várias
fontes, várias testemunhas. Outra possibilidade é o informante ser um organismo
especializado. Por fim, há o grau de engajamento do informante, uma atitude psicológica que
pode fazer com que a informação seja passada como sendo evidente, sem contestação e de
forma implícita. A informação pode, ainda, ser passada como convicção, quando há uma
indução de que as fontes nas quais se baseia são as mais verdadeiras, caso típico das
entrevistas com defensores dos animais. 3. Quais são as provas? As provas pertencem ao
imaginário e cabe aos meios discursivos oferecê-las. “São baseadas nas representações de um
grupo social quanto ao que pode garantir o que é dito.” (Charaudeau, 2009:55). Isto poderá
ser feito mostrando sua autenticidade, sua existência e sua verossimilhança, no caso de uma
reconstituição dos fatos. O informante também poderá dar uma explicação com os motivos
que levaram ao evento noticiado. Aqui entram os vídeos produzidos pelo PETA em
matadouros, por exemplo.
Parte-se da hipótese de que muitas vezes a comunicação utilizada pelos protetores dos
animais é ineficaz na mudança de comportamentos das pessoas que ainda não são sensíveis ao
problema. O sujeito vê a campanha ou lê uma notícia sobre o assunto, sensibiliza -se, mas não
apreende sua mensagem e os apelos sugeridos pelas entidades protetoras dos animais. Se
houver alguma mudança, ela é apenas momentânea.
Vejamos a seguir as etapas seguidas na construção da pesquisa. O primeiro capítulo
fala sobre o especismo ou a discriminação do homem em relação aos seres de outras espécies,
teoria defendida pelo filósofo Peter Singer em seu livro Libertação Animal. No prefácio à
primeira edição da obra, em 1975, Singer chama a atenção para a “tirania de animais
humanos sobre animais não-humanos”.
“A dor e o sofrimento dessa prática são apenas comparáveis aos que resultaram de séculos
de violência de seres humanos brancos sobre seres humanos negros. A luta contra ela é tão
importante quanto qualquer uma das disputas morais e sociais que vêm sendo travadas em
anos recentes” (Singer, 2004: XVII).
Trata-se de uma afirmação que abre uma série de discussões entre aqueles que veem
os animais como seres que também têm sentimentos, e que por isso merecem ser respeitados,
e os que creem que os bichos são seres inferiores, portanto, devem servir ao homem. O
interesse pelo assunto fez com que a National Geographic trouxesse na sua edição de março
de 2008 a capa com o título: Ela pensa? - Como os cientistas estão decifrando a inteligência
dos animais. Em destaque, na imagem, uma cadela que compreenderia 340 palavras.
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No meio do debate, há quem defenda a capacidade dos animais de sentir, mas que não
questiona a origem de objetos e alimentos que consomem, posição que pudemos observar
também no que é divulgado pela imprensa. Para iniciar o tema, faz-se necessário mostrar o
processo de domesticação dos animais e como eles passaram a se relacionar com o homem.
Tal introdução é necessária para entender o percurso da defesa dos animais e para
situar a análise dos discursos dos protetores, tema do segundo capítulo, que é dedicado ao
estudo das principais entidades de proteção aos animais em atividade no Brasil e que traz o
resultado de uma pesquisa feita com 48 ativistas. Este capítulo refere-se, ainda, às ações do
mais visível grupo de proteção aos animais do mundo, o PETA - People for the Ethical
Treatment of Animals. A comunicação utilizada por essa organização costuma chocar o
público com imagens de animais aprisionados, feridos e com manifestações que são, muitas
vezes, de forte intensidade emocional, para não dizer “agressivas”. Embora suas ações sejam
concentradas, sobretudo, nos Estados Unidos e nos países da Europa, elas repercutem no
Brasil por meio dos veículos de comunicação jornalística. Para fechar o segundo capítulo,
serão analisadas as reportagens veiculadas na Folha Online de janeiro de 2004 a dezembro de
2009, e que fizeram menção ao PETA.
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Outro ponto importante no desenvolvimento deste trabalho é a leitura do que John
Downing define como mídia radical, que inclui passeatas, boicotes e outras formas de
expressão utilizadas por grupos que almejam chamar a atenção para sua causa social. Segundo
o autor, os meios radicais geralmente são reconhecidos por romperem regras. Acontecem em
uma escala menor, embora possam gerar interesse da imprensa, e tendem a causar raiva ou
repulsa.
No terceiro capítulo, a Semiótica Aplicada de Lúcia Santaella servirá como guia para
as análises de anúncios e imagens utilizados na comunicação dos protetores de animais e de
entidades privadas que usam esta estratégia na divulgação de seus produtos.
São inúmeras as peças utilizadas pelos protetores dos animais, principalmente na
internet. A maioria das entidades possui endereço eletrônico em que deixam disponíveis
materiais educativos como cartazes, cartilhas, apresentações em power point, folhetos e e-
mail marketing. Pela quantidade expressiva e diversificada de peças, faz-se necessário um
recorte para análise semiótica presente na dissertação: 10 anúncios impressos veiculados pelo
PETA.
Construção do público
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ESPECISMO E O MOVIMENTO
DE LIBERTAÇÃO ANIMAL
“No começo do Gênesis está escrito que Deus criou o homem para que
ele reine sobre os pássaros, os peixes e os animais. É claro, o Gênesis
foi escrito por um homem e não por um cavalo. Nada nos garante que
Deus quisesse realmente que o homem reinasse sobre as outras
criaturas. É mais provável que o homem tenha inventado Deus para
santificar o poder que usurpou sobre a vaca e o cavalo. O direito de
matar um veado ou uma vaca é a única coisa sobre a qual a
humanidade inteira manifesta acordo fraterno, mesmo durante as
guerras mais sangrentas.”
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Neste capítulo, examinarei o paradoxo existente na relação entre os seres humanos e os
não humanos, convívio antigo e que, de certa forma, marcou a evolução histórica da
civilização. Com base no movimento “Libertação Animal”, será enfocada a atitude do
homem, que ao mesmo tempo em que se identifica com suas mascotes, vê outros seres como
matéria-prima para os mais diversos produtos.
Para situar o tema deste capítulo, é importante comentar sobre o Neolítico, ou Nova
Idade da Pedra, período no qual os historiadores inserem a domesticação dos animais. Essa é
considerada uma das épocas mais importantes da história do mundo, quando as populações
passaram a ser mais sedentárias e descobriram novas formas de alimentos. Edward McNall
Burns, Robert E. Lerner e Standish Meacham, em História da Civilização Ocidental,
comentam que é impossível fixar com exatidão uma data para esta fase. Acredita-se que tenha
acontecido por volta de 7500 a.C. Ao encontrar uma forma inédita de moldar suas
ferramentas, por meio do polimento das pedras, o homem proporcionou o que os autores
definem como progresso material com novas culminâncias. A partir disso, os povos neolíticos
tiveram melhor controle sobre o seu meio ambiente, não perecendo tanto com mudanças ou
condições climáticas. É justamente neste período que ocorrem dois processos decisivos para
que o homem criasse vínculos com a terra e assumisse de fato a postura sedentária,
permitindo o aumento da população: o desenvolvimento da agricultura e a domesticação dos
animais, que inclui a manutenção de rebanhos e manadas. Um trecho do livro dos autores
norte-americanos resume bem este período, no que diz respeito ao foco deste capítulo.
Não só os instrumentos e utensílios eram mais bem feitos, como também apresentavam
maior variedade. Já não eram fabricados apenas com lascas de pedra ou, ocasionalmente,
uma haste de osso; outros materiais, sobretudo chifre de rena e marfim, eram usados com
abundância. (Burns e col., 1980:7)
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espécies de morcegos, cinco espécies de rinocerontes, duas espécies de hipopótamos e duas
espécies de elefantes. Mas somente uma espécie humana. (De Masi, 2002:31)
Quando, finalmente, tiver atingido este ponto, não mais se poderá falar de um animal, mas
de um homem. (De Masi, 2002:34)
A dieta variada, mais rica em proteínas e em gordura animal, juntamente com os esforços
criativos necessários à captura de presas, estimulava a seleção e o crescimento do seu
cérebro, tornando-o adequado a posteriores processos de criatividade e de programação
ainda mais complexos. (De Masi, 2002:52)
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Na Inglaterra dos períodos Tudor e Stuart1, a visão tradicional era que o mundo fora criado
para o bem do homem e as outras espécies deviam se subordinar a seus desejos e
necessidades. Tal pressuposto fundamenta as ações dessa ampla maioria de homens que
nunca pararam um instante para refletir sobre a questão. Entretanto, os teólogos e
intelectuais que sentissem a necessidade de justificá-la podiam apelar prontamente para os
filósofos clássicos e a Bíblia. A natureza não fez nada em vão, disse Aristóteles, e tudo teve
um propósito. As plantas foram criadas para o bem dos animais e esses para o bem dos
homens. Os animais domésticos existiam para labutar, os selvagens para serem caçados. Os
estóicos tinham ensinado a mesma coisa: a natureza existia unicamente para servir os
interesses humanos. (Thomas, 1988:21)
Em seu livro, Thomas mostra que a discussão sobre a relação dos homens com os
animais é antiga e sempre conflitante, envolvendo aspectos teológicos, filosóficos e culturais.
Ele resgata o pensamento do início do período moderno, por volta de 1450, que tinha no
primeiro livro da Bíblia, o Gênesis, o apoio e aval para a superioridade humana. Para eles, o
Jardim de Éden foi especialmente preparado para o homem, e Deus deu para Adão o poder
sobre todas as coisas vivas, o que inclui plantas e animais. No auge do paraíso, os homens não
comiam carnes e todos os animais eram mansos. Eles viviam pacificamente até o pecado
original, que ocasionou revolta no céu. Por ter se rebelado contra Deus, o homem perderia o
direito de fácil domínio sobre as outras espécies, o solo seria mais árido, as plantas teriam
espinhos e os animais se tornariam ferozes.
Em resumo, pelo pecado do primeiro homem, pagam até hoje todos os animais. Mas
uma coisa era certa e inquestionável para esses interpretadores do Gênesis: mesmo com o
pecado original, a supremacia humana sobre os animais não seria anulada e nem diminuída.
Apesar de estarem mais agressivos e ferozes, os animais ainda tinham lembranças de suas
obrigações. Thomas cita vários pensadores e todos com o discurso de que os animais, assim
como os vegetais, estavam ali para servir aos homens. No que toca os animais, eles foram
criados para satisfazer algum aspecto da vida humana: os animais selvagens serviam como
treino para guerras; os moscões para os homens aprenderem a se proteger; a lagosta era
alimento, exercício e objeto de contemplação, pois para chegar até sua carne é preciso quebrar
suas pernas e pinça; os gados e ovelhas foram criados antes dos homens para que suas carnes
1
Dinastias de monarcas britânicos, os Tudor, e escoceses, os Stuarts, que governaram o Reino Unido entre os séculos 15 e 17.
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permanecessem frescas até que surgisse a necessidade de se alimentar delas; o cavalo e o boi
nasceram para labutar por nós; o cão para demonstrar afeição; as galinhas para mostrar prazer
com o confinamento; e o piolho para reforçar nossos hábitos de higiene.
Não é de se negar a importância que os animais tiveram na evolução do Ocidente,
tanto para alimentação como para a construção de rotas e estradas, principalmente na
Inglaterra, cuja expansão foi significativa com o uso de cavalos para tração, ao invés de bois,
que foram restritos à alimentação.
Tratava-se da tese de que os animais são meras máquinas ou autômatos, tal como relógios,
capazes de comportamento complexo, mas completamente incapazes de falar, raciocinar ou,
segundo algumas interpretações, até mesmo de ter sensações. Para Descartes, o corpo
humano também é um autômato; afinal ele desempenha várias funções inconscientes, como
a da digestão. Mas a diferença está em que o seio da máquina humana há a mente e,
portanto, uma alma separada, enquanto os seres brutos são autômatos desprovidos de almas
ou mentes. (Thomas, 1988:39)
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Todas estas justificativas e distanciamento entre o homem e os animais eram, para
Thomas, a forma que os pensadores encontraram para legitimar a caça, a domesticação, o
hábito de comer carne e a vivissecção, experimentos científicos com animais. Ainda hoje
mantemos muitos dos pensamentos dos ingleses da era Tudor e Stuart, como veremos mais
adiante, como o especismo de Peter Singer e as controvérsias que surgem em relação ao que o
homem contemporâneo pensa sobre os animais. Naquela época, o valor dado aos animais era
extremamente negativo. Foi lá que surgiram expressões, conhecidas e utilizadas por nós,
como “bêbado como uma cabra”, “comer como um porco”. Enfim, foi uma época em que
todos os comportamentos tidos como brutos ou incorretos eram equiparados a um animal.
Não escapavam os bebês, cujos sons eram comparados aos de um bicho sagaz; nem os jovens,
tidos como burricos selvagens “sem modos e sem freios.” (Thomas, 198:51)
Xingar alguém de animal ainda faz parte do discurso humano. Mas isso perdeu a força que
teve numa época em que as bestas não gozavam de qualquer direito à consideração moral.
Com efeito, descrever um homem como um bicho era dizer que ele devia ser tratado como
tal. A história das perseguições religiosas no início do período moderno torna absolutamente
claro que, para aqueles que cometiam atos atrozes e sanguinários, desumanizar a vítima
reclassificando-a como animal era, muitas vezes, uma preliminar mental indispensável.
(Thomas, 1988:57)
Na corte real e nas grandes casas, os cães estavam por toda parte. Os livros de civilidade dos
fins da Idade Média recordavam ao pajem que, antes de seu amo ir para a cama, ele deveria
tirar os cachorros e gatos do quarto; e advertiam os convidados a banquetes para não
chutarem gatos e cães enquanto estavam sentados à mesa. (Thomas, 1988:125)
Thomas defende a tese de que por meio da observação dos animais de estimação foi
que se começou a discutir a inteligência dos animais. A partir de uma minoria que via
sensibilidade e emoção nos animais, iniciou-se um trabalho que parecia impossível, tendo em
vista que ainda mantemos muitos valores de décadas passadas.
É no quadro dessa tradição de estima pelos animais que devemos estudar como aumenta, no
início do período moderno, a tendência de cientistas e intelectuais a romper a rígida fronteira
que os teóricos anteriores procuraram construir entre animais e homens. (Thomas, 1988:146)
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Ainda há muita discussão sobre o assunto. Vinte anos depois da edição brasileira do
livro O homem e o mundo natural, Luc Ferry lança A nova ordem ecológica. O filósofo
francês inicia seu livro com diversos julgamentos que hoje causariam, no mínimo, estranheza.
Entre eles a de besouros que foram levados ao tribunal, em 1587, por causarem estragos em
diversos vinhedos na França. O veredicto chega a ser inusitado:
O caso foi resolvido com a vitória dos insetos defendidos, é verdade, pelo advogado
escolhido para eles como exigia o processo, pelo próprio juiz episcopal. Este último, usando
como argumento o fato de os animais, criados por Deus, possuírem o mesmo direito que os
homens de se alimentarem de vegetais, recusara-se a excomungar os besouros, limitando-se,
através de uma disposição datada de 8 de maio de 1546, a prescrever rezas públicas aos
infelizes habitantes, intimados a se arrependerem sinceramente de seus pecados e a invocar a
misericórdia divina. (Ferry, 2009:10)
certos animais se relacionam com elas de algum modo fabuloso e que toda a tribo é uma
tribo do lobo, do corvo ou da rã. Isso soa meio estranho, mas não devemos esquecer que
essas ideias não estão tão distantes dos nossos próprios dias quanto seria de imaginar.
(Gombrich, 1999:42)
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mais isolado e busca na convivência com os animais uma compensação de seu distanciamento
com a natureza, como já foi citado anteriormente. Assim, considerando que a mídia se ocupa
de temas ligados à ação humana, é esperado que os animais a frequentem, justificando,
inclusive, a existência de publicações específicas e programas de TV que abordam o tema de
maneira privilegiada. Um bom exemplo é o canal da TV paga, o Animal Planet.
Logo após eu ter começado a trabalhar nesse livro, minha esposa e eu fomos convidados
para um chá - morávamos na Inglaterra, na época - por uma senhora que ouvira dizer que eu
planejava escrever sobre animais. Ela própria tinha muito interesse por animais, disse, e uma
amiga sua, que havia escrito um livro sobre animais, gostaria muito de nos conhecer.
Quando chegamos, a amiga de nossa anfitriã já se encontrava lá, e estava, realmente, ansiosa
para conversar sobre animais. “Eu adoro animais”, ela começou. “Tenho um cachorro e
dois gatos, e eles se dão às mil maravilhas. Conhecem a Sra. Scott? Ela dirige um pequeno
hospital para animais de estimação doentes...” e continuou a falar sem parar. Parou enquanto
o chá era servido, pegou um sanduíche de presunto e perguntou-nos que animais de
estimação tínhamos. Dissemos não ter animais de estimação. Ela nos olhou um pouco
surpresa e mordiscou o sanduíche. Nossa anfitriã, que agora acabara de servir os sanduíches,
juntou-se a nós e retomou a conversa: “Mas o senhor se interessa por animais, não se
interessa, Sr. Singer?” (Singer, 2004:XVIII)
Ao mesmo tempo em que podem ser vistos como membros da família, os animais são
servidos como prato principal na ceia de Natal. Esse é um paradoxo que muitas pessoas nem
se dão conta, pois a separação entre animais domésticos, selvagens, entre outros, é
aparentemente muito natural. O tema estimulou o filósofo australiano Peter Singer a escrever
Libertação Animal, inaugurando um dos movimentos mais radicais de defesa dos animais.
Singer analisa, filosoficamente, esse paradoxo em seu manifesto. E propõe um
movimento que coloque um fim no preconceito do ser humano em relação às outras espécies.
O principal argumento é que os animais não existem para servir aos homens. A superioridade
que o ser humano pensa ter em relação aos outros seres é definida pelo filósofo como
especismo, termo que compara ao racismo - preconceito aos indivíduos de outras raças - e ao
sexismo - a discriminação sexual com as mulheres.
Para o autor, os diversos movimentos de libertação já enfrentaram, e de certa forma
superaram, várias batalhas, tais como a Libertação dos Negros, Libertação Gay e, ainda, a
discriminação sexual que colocava as mulheres em um nível inferior aos homens. Agora é a
hora da luta final, que é o fim do preconceito do homem em relação às outras espécies. Os
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animais, segundo Singer, devem ter os mesmos direitos concedidos aos seres humanos, uma
vez que também sentem dor - física e psicológica. A crueldade com os animais não pode ser
eticamente justificada, o que se constitui numa boa razão para reverter as práticas que as
perpetuam. A manifestação iniciada pelo filósofo teve grande repercussão no mundo inteiro.
Seu livro foi traduzido para praticamente todos os idiomas europeus, além do chinês, coreano,
japonês e, mais recentemente, também ganhou uma edição brasileira.
Contraponto à ideia de Peter Singer, a filósofa britânica Mary Warnock, aponta que os
seres humanos devem ser considerados uma raça particular. Ela também recorre à Bíblia e ao
Gênesis para falar sobre a origem da supremacia humana, e ao avanço da ciência para falar
sobre a crescente discussão acerca dos direitos dos animais. Para Warnock esta é uma
preocupação que surge nos filósofos da moral e que pode ser considerado um assunto da
moda, do qual muitos se ocupam como forma de autopromoção. A questão inicial para todos
os que se preocupam com a relação entre os homens e os animais deve ser o ato de comer
carne. E é com esta questão que ela iniciou seu debate: “devemos ser vegetarianos?”
(Warnock, 1994:20)
Ela rejeita a teoria de especismo com o argumento de que Singer, como utilitarista, se
prende à questão do prazer e da dor. Ele afirma que devemos ter uma dieta vegetariana porque
os animais são submetidos à dor ao serem criados e abatidos para se transformarem em nosso
alimento. Warnock contrapõe este argumento questionando se estaríamos de fato autorizados
a comer carne se a situação permitisse a criação de animais e seu abate sem nenhuma dor.
Eles defendem, de forma plausível, que deveríamos colocar um ponto final em práticas
como a criação industrial, através de quaisquer meios que estejam à nossa disposição - leis,
boicotes ou pronunciamentos. Entretanto, vamos supor que tivemos sucesso em nossos
esforços e que nenhuma galinha tenha sido criada fora dos terreiros de uma fazenda, nenhum
ovo de granja tenha sido vendido, nenhuma vitela, consumida, tampouco nenhuma carne de
carneiro, exceto aquela seguramente proveniente de ovelhas abatidas humanamente e sem
dor. Teríamos, então, novamente, permissão para voltar a comer carne? Parece que sim, de
acordo com Singer. (Warnock, 1994:24)
A filósofa enfatiza ainda que o fato de ser vegetariano não quer dizer que a pessoa
esteja preocupada com o sofrimento dos animais, pode ser simplesmente porque o gosto da
carne não a atraia, por questões religiosas ou mesmo por não ter acesso à carne por condições
financeiras. Mas o ponto não é este. O que Warnock aponta é o fato de Singer entrar em
contradição ao defender os animais ao mesmo tempo em que abre uma brecha em sua teoria
para que eles possam vir a fazer parte de nossa refeição. O especismo, para ela, deixa várias
28
lacunas em sua interpretação e uma delas é justamente a inerente ao direito que, em tese, eles
teriam de viver.
Warnock afirma que a noção de direito é por essência algo legal, ou seja, só podemos
reivindicar o direito de algo se, para isso, existir uma lei ou regimento, o que não acontece
com os animais. A sua defesa é moral e não legal. Para ela os impasses acerca dos direitos
humanos e morais já indicam que carecem de uma lei, e com os animais, consequentemente,
não poderia ser diferente.
Aqueles que afirmam que os animais têm o direito à vida podem, no máximo, ser
interpretados como se estivessem dizendo acreditar que deveria haver uma lei que criasse tal
direito. E este é claramente um julgamento moral, não um julgamento do que seja a
realidade. (Warnock, 1994:29)
Os que querem modificar a atitude dos homens em relação aos outros animais devem
apoiar-se em bases morais ou religiosas, e não ter como alicerce uma lei que não existe, ou na
pessoalidade, como Peter Singer faz ao dizer que muitos animais são como pessoas, por serem
conscientes. Este conceito se estende também para pesquisas científicas que utilizam os
animais como cobaias, as quais trazem regras contraditórias sob seu ponto de vista. Uma delas
é o fato de tolerar que os animais sofram durante todo o experimento, desde que ao final o
bicho seja sacrificado sem dor. Outra questão é: quanto menos cobaias forem necessárias,
melhor. Isso não quer dizer nada, pois se temos que utilizar uma única cobaia, não vai fazer
diferença se utilizarmos 500. O princípio é que os animais devem ser considerados em sua
individualidade: “porque cada rato sente sua própria dor, da mesma forma que cada ser
humano também a sente.” (Warnock, 1994:31)
Enfim, para ela o especismo não é uma forma de racismo plausível de ser discutida,
pois os seres humanos simplesmente fazem como as outras espécies, ao dar preferência aos
seus próprios membros, e o fato de esta afeição englobar outros animais não implica em
tratamentos idênticos.
29
O especismo não é o nome de um preconceito que deveríamos tentar riscar do mapa; não é
um tipo de injustiça. É a consequência natural da maneira como nós e nossos ancestrais
temos estabelecido a instituição da vida, dentro da qual os conceitos de certo e errado e de
lei têm seu significado. O mito da criação não formou nossas atitudes. Ele é, simplesmente,
uma expressão delas num livro de contos, como é o caso dos mitos. (Warnock, 1994:32)
Embora afirme que esta isenção de tratamentos idênticos a seres de outras espécies
não nos autorize a cometer atrocidades com elas, a filósofa deixa claro sua posição de que o
ser humano é único em suas características e evolução. Somente os humanos têm habilidades
e mecanismos para entender de forma abstrata o que é dor e sofrimento, e que mudar o
pensamento das pessoas em relação a este fato, fazendo-as crer que os outros animais devem
ser tratados da mesma forma, é algo praticamente impossível. Podemos até tentar evitar que
os animais sofram, mas não temos como evitar que eles morram.
O fato de pertencermos a uma espécie particular, a do homo sapiens, cria para nós, com
respeito aos demais animais membros desta mesma espécie, obrigações bem diferentes
daquelas para com os de outras espécies. (Warnock, 1994:35)
30
contexto, a proteção aos animais vem ganhando ampla repercussão, seja na imprensa ou
mesmo em discussões acadêmicas e empresariais.
É fato que condenamos a tortura de alguns animais. Cachorros, gatos, cavalos e
animais selvagens, quando vítimas de maus-tratos, podem virar notícia. A sociedade ocidental
repudia o hábito de coreanos de comer carne canina. Touradas, rodeios, farra do boi são alvos
fáceis de protestos que atraem a atenção dos veículos de comunicação. Já vimos famosas
modelos pedindo desculpas por terem eventualmente usado peles, notas explicativas de
diretores de filmes e programas de televisão justificando cenas que utilizaram animais e,
ainda, empresas inserindo em seus relatórios anuais a diminuição gradual de experimentos
com cobaias (a vivissecção).
Por outro lado, os animais nunca estiveram tão presos às necessidades dos seres
humanos. Uma matéria de capa sobre vegetarianismo publicada em 2002 na revista
Superinteressante, da editora Abril, mostrava a vaca como um ser onipresente: o texto elenca
todos os produtos que incluem animais mortos. São materiais de couro, seda, filmes
fotográficos e até extintores de incêndio, que trazem substâncias retiradas dos pés dos bois. O
sangue desse animal também é sugado e transformado em tintura, e sua gordura pode ter
como fim o pneu do carro que os defensores utilizam para ir às manifestações.
A afirmação é uma punhalada em muitas pessoas que defendem o direito dos animais,
mas que continuam saboreando pratos à base de carne. Ou que utilizam cosméticos testados
em cobaias. Ou que aquecem as mãos com luvas de couro. E, principalmente, aos que se
dizem vegetarianos, mas, por exemplo, vão ao cinema - os filmes levam a gelatina extraída
dos animais.
Enfim, embora não tenha se colocado contra aos adeptos do vegetarianismo, a matéria
dizia que é praticamente impossível, mesmo para os vegetarianos, viver sem digerir ou utilizar
restos mortais dos bichos. Postura reforçada pelo veículo em outra capa, que trouxe a
reportagem “Como Tratar os Animais?”, publicada em setembro de 2003. Ao concluir seu
discurso, o jornalista pergunta e responde:
Podemos viver sem eles? Não. Primeiro, por questões alimentares. É verdade que o consumo
de carne, que ao longo da evolução humana desempenhou um papel fundamental no
desenvolvimento de nosso cérebro potente, já não é mais fundamental. Apesar de sermos
onívoros por natureza (digerimos carne e vegetais), conhecemos hoje fontes protéicas
capazes de substituir o bife. Mas submeter uma criança a uma dieta vegetariana, como
sugere Peter Singer, seria no mínimo leviano.
31
Hoje, os animais garantem um alto faturamento às empresas relacionadas com
produtos voltados aos bichos de estimação. Segundo dados do Sindicato Nacional de
Alimentação Animal, o mercado brasileiro de ração animal movimentou cerca de US$ 17
bilhões em 2008. O setor saltou de uma produção de 5 milhões de toneladas para mais de 47
milhões de toneladas em 2005.
Serviços especiais também foram criados. Cachorros contam com lojas especializadas,
salões de beleza, psicólogos, clínicas, entre outras facilidades que visam a oferecer o melhor
conforto possível. Apenas para exemplificar, alguns números extraídos da edição de 24 de
novembro de 2004 de Veja:
Estados Unidos
Indústria de artigos para animais de estimação fatura US$ 30 milhões
8 bilhões de frangos são confinados e mortos
Alemanha
A Constituição obriga o Estado a respeitar e proteger a dignidade dos
homens e dos animais
Suínos vivem confinados a maior parte da vida, pois a carne de porco
ainda é a base protéica da população do país.
32
33
2
A PROTEÇÃO DOS ANIMAIS E SEUS
CONTRATOS DE COMUNICAÇÃO
34
Eu tinha treze anos quando Paul McCartney veio ao Brasil pela primeira vez, em 1990.
Junto com ele, toda a sua “ideologia” em torno da proteção dos animais ganhou destaque na
mídia brasileira. Comecei a ouvir os Beatles um pouco antes do estouro “Paul in Rio”, por
influência dos LPs que rodavam no aparelho de som do meu pai. As músicas da banda inglesa
me contagiaram, principalmente porque estavam inseridas num conjunto de discos que
ensinavam inglês, a coleção Curso de Inglês Pop Music, da Abril Educação, de 1977, que eu
adorava e, de fato, estudava a partir de suas lições. Vinham, com as letras das músicas,
exercícios e curiosidades sobre a Inglaterra, e as canções dos Beatles eram as mais fáceis de
acompanhar. Resultado: virei fã do grupo.
Quando vi que Paul McCartney era um defensor extremista dos animais, passei a rever
minha relação com os bichos. Influência do ídolo. Mas eu sempre tive um carinho especial
por todos os animais. Lembro muito bem dos momentos que passei com o Titico, meu
primeiro cachorro, vira-lata que ganhei quando tinha cinco anos. A partir daí, sempre tive
animais de estimação e meus pais sempre os trataram como membros da família. Meus irmãos
e eu sempre fomos incentivados a tratar bem os animais. No entanto, eu ainda comia carne.
Fazia parte do paradoxo citado por Peter Singer: uns animais são para comer, outros para
serem de estimação, outros apenas para termos pena.
Com as informações que li sobre o ativismo de Paul McCartney, acentuadas por causa
do primeiro show que um dos Beatles faria no Brasil, decidi: vou parar de comer carne. Mas
eu era daquelas vegetarianas falsas, pois ainda comia peixe. Em 1993, quando Paul
McCartney voltou ao Brasil, eu fui ao seu show em São Paulo. E uma revista, com o
programa da sua turnê 1992/1993, caiu em minhas mãos, a Paul McCartney - The New World
Tour. Além de detalhes sobre seus shows, trazia informações, e muitas imagens, sobre a
crueldade com animais, com destaque para duas entidades: Greenpeace e PETA: foi quando
tive contato, pela primeira vez, com a maior ONG de defesa dos animais do mundo. Fiquei
chocada com as fotos dos animais utilizados em testes pela Gillette.
35
Posso dizer, neste caso, que a mensagem causou um impacto positivo em mim e
alcançou seu objetivo inicial. Não posso afirmar que esta foi minha única influência, mas foi o
estopim para uma visão em prol dos animais. Mas eu já tinha um histórico que favorecia a
adoção dos hábitos sugeridos pela publicação, já havia referências que favoreciam a
construção de um protetor dos animais pela mídia. Como diz Charaudeau (2009:19):
36
2.1. O que pensam os protetores dos animais
“Desde criança eu já gostava dos animais.” É o que dizem 65% dos protetores dos
animais que responderam a pesquisa desenvolvida para esta dissertação, com base no modelo
de John M. Kistler, em seu livro “People Promoting and People Opposing Animal Rights. In
Their Own Words”. Lá o pesquisador entrevistou 44 pessoas, divididas entre aquelas que são
a favor e as que são contra aos movimentos de defesa dos animais. Para este trabalho, ouvi 48
brasileiros selecionados por meio de grupos de discussões na Internet e que são ativos em
seus propósitos de defender os animais. Os argumentos se assemelham 2:
Adoto animais de rua desde criança, mas em 2002, comecei a organizar um grupo. Em
Maceió não havia nenhum trabalho organizado, apenas protetores solitários.
Sempre amei animais, sempre tive galinhas, patos, porquinhos da índia, coelhos. Eles, na
verdade, sempre foram meus reais e grandes amigos. Tive uma infância e uma adolescência
de muita solidão, então, eles eram meus grandes amigos.
Desde pequena sempre amei os animais e, junto com minha mãe, recolhia bichos de rua.
Eu sempre gostei de animais e desde pequeno tive cachorro, cuidava de pássaros doentes etc.
Embora nosso objetivo não seja a área de Marketing propriamente dita, estamos
analisando ideias e pensamentos que regem um tema: a proteção dos animais, o que nos
permite aplicar esse conceito ao resultado ora apresentado.
Mattar fala em dois tipos de pesquisas: exploratória e conclusiva, que se divide em
descritiva e casual.
A pesquisa exploratória tem um tom informal e visa a dar os primeiros
direcionamentos sobre determinado tema ou problema, podendo auxiliar no levantamento de
2
Pelo sigilo que é próprio das pesquisas, não serão informados os nomes dos entrevistados.
37
hipóteses que serão posteriormente investigadas. Entre os métodos de coletas de dados estão:
“levantamentos em fontes secundárias, levantamento de experiências, estudo de casos
selecionados e observação informal” (Mattar, 1996:19).
Já a pesquisa conclusiva tem como principal característica a formalidade com que é
elaborada, a partir de objetivos claros e conhecimento profundo do problema a ser abordado.
Em sua forma descritiva determina tendência, comportamentos e suas possíveis relações com
o perfil populacional analisado. Já na casual, dá parâmetros entre causa e efeito, respondendo,
por exemplo, por que os resultados de uma campanha não foram satisfatórios. É realizada por
meio de amostras que representam o mais fielmente possível o universo abordado e estudos
estatísticos que embasam a análise dos resultados.
Esta pesquisa feita com os protetores dos animais pode ser classificada, seguindo o
que diz Mattar, como sendo exploratória com levantamento de experiências. Ou seja,
perguntas abrangentes feitas a um pequeno grupo de pessoas que estejam envolvidas com o
tema a ser discutido.
Deve ficar claro que se trata de estudos exploratórios e não conclusivos, que seus objetivos
são o de aprofundar o conhecimento do assunto e gerar hipóteses explicativas sobre os fatos
e fenômenos em estudo e, finalmente, que as informações foram obtidas de uma amostra
casual ou intencional de pessoas com experiência nesse campo. (Mattar, 1996:22)
Foi justamente este o objetivo: verificar o discurso dos protetores dos animais quando
questionados sobre a causa que defendem: o posicionamento que têm sobre fatores de
oposições e as principais estratégias que utilizam para levar adiante seus trabalhos nesta área.
Discursos que podem se refletir no que é divulgado pela mídia.
A pesquisa foi realizada entre fevereiro e maio de 2010, no link
http://www.surveymonkey.com/s/5JGSVCR, com questionário autopreenchido, que além de
campos para os dados pessoais, trouxe as seguintes perguntas:
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QUESTIONÁRIO
Como você se envolveu com a questão dos direitos dos animais? Como se tornou um ativista?
Atualmente, você trabalha com algum grupo ou organização de defesa dos animais?
Conte uma ou duas questões, dentro do tema de defesa dos animais, com as quais você dedica mais o seu
tempo. Por que se envolve mais com esta ou com estas questões?
Quais são suas estratégias a curto e longo prazo para alcançar seu objetivo? O que você faz exatamente,
e de forma constante, para alcançá-lo? Você costuma escrever? Pesquisar?
Indique uma ou duas pessoas que você admira ou que lhe inspiram?
Quais tipos de grupos ou pessoas você considera como sendo “da oposição”?
Das 48 pessoas entrevistadas, 51% estão no Estado de São Paulo e 16% no Rio de
Janeiro. Os demais se dividem, na ordem, entre Minas Gerais, Estados Unidos, Rio Grande do
Sul, Alagoas, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo e Santa Catarina.
A idade média é de 41 anos e não há nenhuma predominância nas profissões que
afirmam ter, sendo que as que mais aparecem são:
PROFISSÃO
Aposentado 10,4%
Estudante 8,3%
Funcionário Público 8,3%
Professor 8,3%
Advogado 6,3%
Jornalista 6,3%
Psicólogo 6,3%
Administrador 4,2%
Biólogo 4,2%
Escritor 4,2%
Publicitário 4,2%
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Atuação
A questão que mais preocupa são os animais que vivem nas ruas. Somando os dois
primeiros itens, temos praticamente 94% dos entrevistados engajados com questões
relacionadas a animais domésticos abandonados, em especial cães e gatos.
Às vezes, vejo um cão chegar apenas com um problema na pata ou atropelado. Ninguém
quer dar uma chance de vida ao animal e se fala logo na eutanásia. É mais fácil para as
pessoas eliminar o animal do que passar o tempo todo cuidando.
Dedico-me a arranjar um lar para os que foram abandonados por seus “donos” ou aqueles
que sofreram maus-tratos. Porque são criaturas indefesas que não têm como pedir ajuda.
40
LINHA DE ATUAÇÃO NA DEFESA DOS ANIMAIS
Salvar animais na rua: adoção, abrigos 62,5%
Esterilização 31,3%
Educação, conscientização 22,9%
Vegetarianismo 8,3%
Entretenimento: touradas, caças, circos, vaquejada, rinha de
6,3%
galo, forra do boi
Legislação mais rigorosa 6,3%
Animais para produção de alimentos 4,2%
Adestramento 2,1%
Comércio de animais 2,1%
Contribuição com dinheiro 2,1%
Pombos 2,1%
Trabalho acadêmico 2,1%
Vivissecção 2,1%
Sobre as pessoas que admiram a proteção dos animais, 58,2% citaram voluntários
anônimos ou que representam alguma ONG no Brasil. As respostas foram bem diluídas, com
destaque para Nina Rosa, do Instituto Nina Rosa, com quatro menções, e a própria mãe, com
três.
ONG´s 7,6%
Ninguém 1,3%
Entre os famosos, as menções dividem-se entre Gandhi e Paul McCartney, com quatro
menções cada um, e Brigitte Bardot, que foi citada três vezes. Algumas respostas:
Acima deles, eu admiro pessoas anônimas, como Nice, da Ama, que cuida deles
incondicionalmente. Eles nunca aparecem no Jornal Nacional. Fazem desinteressadamente
o papel de protetor dos animais.
41
A proteção é podre. Muita gente está aqui pensando mais nas vaidades do que nos animais.
E tem aqueles que são “protetores de internet”. Ficam na frente do PC repassando pedidos
de socorro e xingando porque ninguém socorreu. Na verdade me inspiro muito naquilo que
não devo fazer. Não tenho ninguém em especial.
Para eles, as pessoas devem se importar com a proteção dos animais principalmente
porque os animais também são seres vivos, que sofrem e sentem dor, e que há muita
crueldade sendo praticadas contra eles. Alegam, ainda, aspectos éticos e pregam o fim da
violência. Chegam a apontar que as pessoas que convivem bem com os animais têm um
relacionamento melhor com outras pessoas.
A oposição
As pessoas que obtêm grandes lucros através da pecuária. Utilizam vaquinhas e porquinhos
felizes para vender a carne.
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OS OPOSITORES
Quem trata a defesa dos animais com indiferença 27,1%
Indústria de carne 22,9%
Todos que promovem ou apóiam rodeios, circos, vaquejadas, touradas, caças 14,6%
Governo, políticos, militares 12,5%
Quem comercializa ou compra animais 12,5%
Quem maltrata os animais 10,4%
Religião 6,3%
Estilistas e pessoas que utilizam peles de animais 6,3%
Todos que defendem a vivissecção 6,3%
Protetores fundamentalistas e exagerados 6,3%
Quem acha que defender os animais é inútil 6,3%
Jornalistas 4,2%
Quem é contra a castração 4,2%
Ninguém 2,1%
Empresas 2,1%
Carroceiros 2,1%
Asiáticos que comem animais domésticos 2,1%
Todos que acreditam que o animal deve servir ao homem 2,1%
Todos que doam animais sem castrá-los 2,1%
ONG´s falsas 2,1%
Tradicionalistas 2,1%
Elite 2,1%
Protetores que só querem aparecer 2,1%
Sociedade 2,1%
Quem não gosta de animais 2,1%
Veterinários do Centro de Controle de Zoonose 2,1%
43
dos artifícios que eles utilizam na tentativa de serem ouvidos. Em longo prazo, alguns
esperam criar santuários para abrigar os animais encontrados nas ruas.
De uma forma geral, pedem mais respeito e atenção aos animais. Neste aspecto, a
educação e conscientização surgem como uma das principais dificuldades, uma vez que as
pessoas têm dificuldades em ouvir o que eles têm a dizer.
A mídia deveria trabalhar mais esta questão assim como tantas outras. Divulgar a
necessidade de adoção, da esterilização, a posse responsável, enfim, atingir o maior número
de pessoas que for possível. As pessoas precisam aprender a ter atitude e não esperar que
uma força divina intervenha e faça algo. Rezar não salva ou enche barriga de ninguém.
As pessoas têm de perceber que animais são seres vivos, sentem dor, têm sentimentos, não
têm como se defender do maior predador de todos que é o homem. Não tem mais desculpa,
temos que parar de fingir e tentar protegê-los.
Esse movimento social de luta por direitos animais é algo que veio para ficar. É, acima de
tudo, uma luta pela não-violência. Acredito que a violência é algo que se aprende.
Infelizmente, aprendemos isso todos os dias quando comemos, vestimos e usamos outros
seres que possuem interesses como nós. Reconhecer os direitos desses seres não é nada mais
do que um dever ético.
É importante ressaltar que protetores dos animais não são pessoas que odeiam seres
humanos, que querem o extermínio da espécie. Além de trabalhos voluntários pelos animais,
também trabalho pelos direitos humanos. É possível conciliar a luta pelo fim de todas as
injustiças do mundo, tanto para humanos quanto para animais. E existem diversas áreas que
necessitam de trabalho voluntário e atuação. Se a pessoa quiser dedicar seu tempo por um
mundo melhor, ao invés de criticar aqueles que já fazem alguma coisa, trabalho e atividades
não faltam, tanto para humanos, quanto para animais e meio ambiente.
A UIPA é a mais antiga associação civil do País, sem fins lucrativos, que instituiu o
“Movimento de Proteção Animal” no Brasil no século XIX. Uma luta contra a exploração,
abandono e crueldade que afetam os animais. Por isso, a entidade briga não apenas pelo bem-
estar dos animais, mas busca também o reconhecimento dos direitos e cumprimento das leis
que os protegem. A entidade considera ultrapassada a política de saúde pública que submete
cães e gatos ao sistema de extermínio, ou seja, a eutanásia.
A UIPA foi fundada em 1895 e se situa em São Paulo, no bairro do Canindé.
Anualmente, mais de mil animais são encaminhados para a adoção. Hoje, mais de 1.500
animais que foram abandonados vivem no abrigo da ONG. Todos resgatados por terem
sofrido maus-tratos. Voluntários e veterinários cuidam desses animais que permanecem à
espera de adoção.
Em 2005, foram adotados 1.043 animais, sendo 297 cães adultos e 519 filhotes; 52
gatos adultos e 175 filhotes. Em 2006, 1.029 animais ganharam um novo lar, sendo 193 cães
adultos, 489 são filhotes; 94 gatos adultos e 253 filhotes.
45
As críticas contra os abrigos são bastante comuns, sob alegação de que “abrigo não é
solução”. Ainda que não solucione a questão dos cães abandonados, por não ter efetivos
programas de esterilização e de educação para a posse responsável, o abrigo é uma
necessidade na visão da UIPA, já que os bichos resgatados precisam de um lar para se
recuperar e aguardar um novo dono. O site da entidade reúne, ainda, notícias sobre doação de
medicamentos, parceiros e vídeos sobre maus-tratos.
A UIPA tem por objetivos institucionais:
I - zelar pela execução e pelo aperfeiçoamento da legislação pátria concernente aos animais;
II - reprimir danos ambientais consubstanciados em maus-tratos para com animais, ainda que
por meio de práticas institucionalizadas, e denunciá-los às autoridades competentes, que
serão devidamente instruídas sobre a matéria concernente ao fato;
III - pugnar contra a morte de animais, incluindo o extermínio de cães e de gatos praticado
pelo Poder Público, atuando para que a eliminação desses animais se restrinja aos
específicos casos de enfermidade incurável que provoque padecimento que não se possa por
outro meio atenuar;
VII - abrigar, sempre que possível e de acordo com sua capacidade, cães e gatos
abandonados, acidentados ou vítimas de maus-tratos, que serão recuperados, esterilizados e
encaminhados à adoção.
Em uma menção a frase de Charles Darwin “Os animais como os homens demonstram
sentir dor, felicidade e sofrimento”, a SUIPA resume a preocupação e a luta pelos direitos dos
animais.
A entidade é uma Sociedade Protetora de Animais contrária ao sacrifício de seres
vivos, discordando veemente da prática da eutanásia para acabar com a superpopulação de
bichos abandonados. Luta contra o uso de animais em pesquisas de laboratórios, rodeios,
circos, entre outras ações.
Primeira ONG de proteção aos animais fundada no Rio de Janeiro e a segunda mais
antiga do Brasil, a SUIPA nasceu em 1943 através do trabalho de um grupo de amantes dos
animais.
46
Inicialmente, a entidade se chamava Sociedade União Infantil Protetora dos Animais,
porque os ativistas traziam seus filhos para auxiliarem no tratamento de cães doentes
encontrados na região. Os abrigos sempre tiveram a superpopulação de cães e gatos. São
animais que chegam machucados, mas são tratados na SUIPA e encaminhados para adoções.
A ONG é mantida com contribuições de associados e trabalho de voluntários. Nunca
recebeu ajuda de autoridades. As despesas mensais englobam medicamentos, alimentos,
pagamentos, entre outros custos. Veterinários também dão assistência a preços populares para
animais de pessoas de baixa renda.
Além das dicas de feiras de adoção, desde 1996, a entidade realiza programas de
esterilização em comunidades carentes. A SUIPA também tem projetos em hospitais com
doentes terminais.
Casos dramáticos de animais abandonados e maltratados estampam o site da entidade:
“Cão queimado em Bangu, na zona Norte do Rio de Janeiro” e “Égua atropelada, resgatada
em 2005”.
Há ainda um serviço para animais perdidos, ou seja, as pessoas que procuram
desesperadamente o seu animal de estimação recebem auxílio da SUIPA.
O trabalho pelo bem-estar dos animais é uma luta diária da Sociedade União
Internacional Protetora dos Animais. Na palavra da Presidente da SUIPA, Bebel:
Este site é dedicado a cada pessoa, célebre ou desconhecida que, um dia, modificou seu
cotidiano para salvar uma vida - fosse ela humana ou não humana.
Seres vivos merecem respeito. Seres vivos, mesmo que sejam de outras espécies, têm o
mesmo direito à sobrevivência. Todos os seres vivos precisam da solidariedade e compaixão
dos mais estruturados psiquicamente, fisicamente, financeiramente e espiritualmente.
E, se alguma pessoa ainda não teve a chance de se doar, salvando uma vida, não perca
tempo!
Só depende de mudar as lentes de sua mente, de abrir seu coração e esticar sua mão em
direção ao seu próximo.
1 - Antes de adquirir um animal, considere que seu tempo médio de vida é de 12 anos.
Pergunte à família se todos estão de acordo, se há recursos necessários para mantê-lo e
verifique quem cuidará dele nas férias ou em feriados prolongados.
4 - Mantenha o seu animal sempre dentro de casa, jamais solto na rua. Para os cães, passeios
são fundamentais, mas apenas com coleira/guia e conduzidos por quem possa contê-los.
5 - Cuide da saúde física do animal. Forneça abrigo, alimento, vacinas e leve-o regularmente
ao veterinário. Dê banho, escove e exercite-o regularmente.
6 - Zele pela saúde psicológica do animal. Dê atenção, carinho e ambiente adequado a ele.
48
7 - Eduque o animal, se necessário, por meio de adestramento, mas respeite suas caracterís-
ticas.
49
A PEA pretende assumir o papel de uma entidade que gera mudanças e que faz com
que as pessoas realmente acreditem no trabalho desenvolvido a favor do bem-estar dos
animais.
Gabriela Toledo, presidente da PEA, redigiu o seguinte texto:
Animais sendo retalhados para fins “didáticos”. Animais sendo mutilados e torturados para
fins “científicos”. A nós não importa a finalidade, pois no final o resultado é o mesmo:
TORTURA e MORTE e NÓS LUTAMOS contra isso.
Animais sendo caçados, criados em gaiolas, esfolados vivos para suas peles virarem roupas e
souvenir. A nós não importa o produto, pois no final o resultado é o mesmo: TORTURA e
MORTE e NÓS LUTAMOS contra isso.
Animais sendo cruzados em busca da raça perfeita, visando ao lucro, sendo vistos como
meros produtos comerciais e descartados quando nascem com algum “defeito”. A nós não
importa a pureza da linhagem, pois no final o resultado é o mesmo: TORTURA e MORTE e
NÓS LUTAMOS contra isso.
Animais sendo treinados para matar, colocados em ringues para lutarem entre si. A nós não
importa se dizem que é divertimento, pois no final o resultado é o mesmo: TORTURA e
MORTE e NÓS LUTAMOS contra isso.
Animais sendo cruelmente torturados para aparentarem braveza, sendo montados, laçados,
derrubados em arenas. A nós não importa se consideram isso um esporte, pois no final o
resultado é o mesmo: TORTURA e MORTE e NÓS LUTAMOS contra isso.
Animais sendo espancados e atiçados para correrem entre milhares de pessoas e no final
serem cruelmente abatidos. A nós não importa se chamam isso de comemoração, pois no
final o resultado é o mesmo: TORTURA e MORTE e NÓS LUTAMOS contra isso.
Animais sendo criados e procriados aos montes, entupidos de hormônios, e abatidos para
virarem “banquetes”. A nós não importa o gosto desse alimento, pois no final o resultado é
o mesmo: TORTURA e MORTE e NÓS LUTAMOS contra isso.
Animais sendo executados a sangue frio, tendo suas entranhas dilaceradas para virarem
oferenda aos “santos”. A nós não importa se chamam isso de religião, pois no final o
resultado é o mesmo: TORTURA e MORTE e NÓS LUTAMOS contra isso.
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Associação Protetora de Animais São Francisco de Assis - APASFA
A Associação Protetora de Animais São Francisco de Assis é uma entidade sem fins
lucrativos e de utilidade pública que mantém um trabalho de dedicação à luta pelos direitos
dos animais desde 1982, data em que foi fundada em São Paulo.
Entre as ações, destaque para adoção, projetos educativos, de fiscalização de maus-
tratos, assistência veterinária a animais abandonados, campanhas de conscientização, menção
de livros e sites relacionados aos temas, entre outras.
Entretanto, os responsáveis pela APASFA lembram que a associação não tem um
abrigo para recolher animais abandonados. O trabalho da entidade está focado na luta pelos
direitos dos bichos e também em orientações para a sociedade.
No site da ONG é possível encontrar informações sobre diversos assuntos, dicas para
quem tem animais em apartamentos, adoções, doações e ainda consultas médicas. O site é
mantido por voluntários que moram no exterior.
A APASFA indica, ainda, diversas associações que oferecem bichos de estimação para
adoção. A preocupação com animais silvestres também é bastante expressiva por parte dos
ativistas da ONG.
Também podem ser encontradas no site apresentações voltadas para questões
polêmicas como Farra do Boi, carrocinhas e animais em circos. São Francisco de Assis, santo
também protetor dos animais, é o nome da Associação Protetora.
Pessoas para um tratamento ético aos animais. Esta é a tradução do nome da mais
estruturada organização em defesa dos animais do mundo. O grupo foi fundado em 1980 por
Ingrid Newkirk e desde então vem trabalhando em prol dos direitos dos animais. Parte do
princípio de que os animais não existem para serem transformados em comida, roupas,
cobaias ou para servirem como diversão, a exemplo dos animais em circo, touradas ou farra
do boi, no Brasil. Sua sede fica em Norfolk, no estado da Virginia, Estados Unidos, com
filiais no Reino Unido, na Alemanha, na Holanda, na Índia e na região do Pacífico. É um
grupo considerado extremista por suas ações e boicotes, o que pode ser observado na
interpretação que a mídia dá:
51
PETA, aquela ONG que em novembro de 2002 invadiu um desfile de Gisele Bündchen, após
a modelo fechar contrato com a grife Blacklama, que usa peles de animais em suas peças.
(“Líder do Coldplay é vegetariano mais sexy do mundo, diz grupo”, Folha Online,
25/07/2005)
Cerca de 500 mil animais foram mortos. Um grupo ocidental de defesa dos direitos animais,
chamado PETA, lançou campanha pelo boicote a produtos chineses. (“China quer criar
imposto do cachorro”, Folha Online, 13/03/2007)
Este trabalho parte da hipótese de que os discursos atualmente em voga dos protetores
dos animais não são tão efetivos, e que não mudam, efetivamente, a opinião de pessoas
indiferentes aos direitos dos animais e, principalmente, das que realmente não veem motivo
plausível para qualquer tipo de alarde. Em muitos casos, esse discurso é recebido com ironia,
o que pode ser consequência do tom agressivo que na maioria das vezes permeia as ações.
Comentários postados no site YouTube sobre o documentário “A Carne é Fraca”, da
ONG de proteção aos animais Instituto Nina Rosa, e que enfoca os maus-tratos aos animais
nos matadouros, também ajudam a entender a dificuldade:
Tanta coisa pra gente se preocupar... E ainda tem gente que sugere esse tipo de vídeo nos e-
mails! Por favor! Até respeito o esforço desses cidadãos, mas por que, afinal, eles tratam
desse assunto enfatizando como se este fosse o maior e principal problema da humanidade?
Falta um pouco de equilíbrio a essa gente.
Espero que todas estas pessoas não comam pães, bolachas, macarrão, ou seja, massas em
geral e derivados do leite e dos ovos, pois estes também são produtos animais. Os vegetais
também são seres vivos. O palmito, por exemplo, é uma árvore. Será que eles comem
palmito? A soja é um vegetal. Então, também possui vida. Só porque não fala “ai”, ela não
52
sente? Vamos parar com a demagogia. A solução é humanizar. Tratar com mais respeito
aqueles que se tornam o nosso alimento.
NUNCA vi ou ouvi tanta baboseira de uma vez só, tanto sensacionalismo junto. Não tem
um comentário de PROFISSIONAL de saúde de verdade neste vídeo. Só um bando de
idealistas que ACHAM que não devemos comer carne e acreditam que precisam converter
as pessoas.
Para mim existe um fetiche da dor, um fetiche da tortura que todo o vegetariano possui ao
querer mostrar essas imagens. Carne demais faz mal, todo mundo sabe. Mas pedir para o
mundo parar de comer carne? Olha, a alegria da classe media é o modismo, o novo
modismo agora é o vegetarianismo, nos anos 70 e 80 foi o orientalismo.
O PETA, a partir do que vemos nas notícias publicadas na Folha Online, se encaixa
em todos esses atributos. O grupo já foi alvo, inclusive do FBI que, em 2005, monitorou
vários grupos de ativistas sociais.
O FBI (polícia federal dos Estados Unidos) monitorou vários grupos de ativistas que
trabalham com temas ecológicos, proteção de animais e alívio da pobreza, segundo
informações publicadas nesta terça-feira pelo jornal “The New York Times”.
Enquanto os funcionários do FBI afirmam que suas operações têm origem em evidências de
atividades violentas ou criminosas em protestos públicos, os grupos de direitos humanos
expressam preocupação com o fato de que o monitoramento de ativistas possa ser indevido.
(“FBI monitora grupos de ativistas sociais nos Estados Unidos”, Folha Online, 20/12/2005)
Em 2008, teve a ideia de lançar um caixão “protetor de animais perpétuo”, o que deu
visibilidade ao grupo e provocou certo riso dos receptores dessa informação.
53
Uma empresa do Novo México (EUA) está fabricando caixões em madeira para gente em
parceria com o PETA (Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais, da sigla em inglês). Eles
trazem slogans pintados, como “Membro eterno do PETA”, ou “Salvei 500 animais”. Outro
modelo proporciona um último riso com a frase: “Eu disse a você que pele nem morto!”
(“PETA lança caixão para protetor de animais perpétuo”, Folha Online, em 11/12/2008)
Dentro desta linha e partindo para o humor negro, o PETA fez uma paródia “sangrenta
de jogo culinário para promover vegetarianismo”. Transformou um game que ensina como
preparar alguns pratos num jogo em que o usuário depena e tira violentamente os órgãos de
um peru.
O PETA colocou em seu site um jogo on-line que faz paródia de “Cooking Mama”- em vez
de uma cozinheira feliz que prepara pratos divertidos, o game pede que o jogador depene
violentamente um peru e depois retire os órgãos do animal para preparar uma refeição.
(“PETA faz paródia sangrenta de jogo culinário para promover vegetarianismo”, Folha
Online, 21/11/2008)
Para Downing, a mídia considerada radical pode trazer consequências negativas, como
o exemplo abaixo.
Às vezes, e talvez na maioria dos casos, a mídia radical se atrapalha com a profundidade do
seu radicalismo e, ainda mais, com a eficácia da sua expressão. Um exemplo seriam os
cartuns da imprensa pró-sufragista nos Estados Unidos, em que as mulheres eram
invariavelmente retratadas como virtuosas, quase sempre como vítimas, raramente como
figuras dotadas de autoridade, quase exclusivamente como brancas e bem educadas; e quando
se retratavam mulheres influentes, estas apareciam como “amazônicas mulheres guerreiras
ou figuras alegóricas retiradas da cultura clássica”. Assim, embora exigindo direito de voto
para as mulheres, muitos desses cartuns reiteravam ao mesmo tempo os estereótipos
patriarcais. As definições estritamente binárias dos meios de comunicação radicais
simplesmente se afastam de seu verdadeiro espectro. (Downing, 2002:28)
54
O autor chega a admitir um dilema seu em relação à eficácia das mídias radicais, que
podem ser traduzidas em algumas ações do grupo PETA noticiadas na Folha Online:
Uma tendência geral, contra a qual travo constante batalha neste livro, é a de indagar se a
mídia radical tem algum impacto, afinal. Essa indagação a coloca na permanente situação de
oscilar à beira do vazio conceitual. (Downing, 2002:65)
Para compor o corpus da análise midiática sobre o tema, pesquisei todas as matérias
que traziam alguma referência ao PETA na Folha Online, de janeiro de 2004 a dezembro de
2009. Ao todo foram 69 notícias divididas em dez seções do jornal digital.
Optei por esse veículo por ele ser a versão online da Folha de São Paulo, jornal de
maior circulação no Brasil, com média diária de 287.873 exemplares em fevereiro de 2010, e
por ser o pioneiro em notícias em tempo real no idioma português. Além disso, também levei
em conta sua audiência, que chega a 9,5 milhões de usuários únicos por mês e 230 milhões de
page views. Apresenta a seção Bichos, que traz diariamente notícias de todo o mundo sobre o
reino animal e sua relação com os seres humanos. Tem como leitores pessoas jovens, 79% até
44 anos e 28% até 24. Seu público tem alto poder de consumo, 72% nas classes AB e 11%
com renda cima de R$ 9 mil.
O quadro de referência para a análise midiática proposto por Patrick Charaudeau será a
base para as colocações que serão feitas. Esse quadro consiste na troca entre duas instâncias: a
produção e a recepção. A produção entrega um texto, ou o produto midiático, que pode ser um
artigo de jornal, boletim radiofônico, telejornal, entre outros. A este estudo interessa,
principalmente, o “dito relatado” do PETA, obtido nas menções feitas ao grupo na Folha
Online nos últimos seis anos, e que mostra como a mídia interpreta e repassa o que os
membros do grupo defendem. Como levanta Charaudeau (2009:161), toda linguagem é
composta de pensamentos e palavras do outro. Desde que nascemos, estamos à mercê do
outro, que passa a se integrar a nós à medida que repetimos, imitamos, reconstruímos,
inovamos ou até mesmo nos apropriamos, como se fosse mesmo nosso, de um dito de outra
pessoa. E isso, não é diferente nos discursos midiáticos.
O discurso relatado caracteriza-se, então, pelo encaixe de um dito num outro dito, pela
manifestação da heterogeneidade do discurso. Essa heterogeneidade está marcada por índices
que indicam que uma parte, pelo menos, do que é dito, deve ser atribuída a um locutor
diferente daquele que fala. Por vezes essas marcas são discretas e surge, então, o problema da
fronteira entre “discurso relatado” e “interdiscursividade”, fenômeno geral de inserção de
fragmentos de discursos uns nos outros, não necessariamente explicitada. (Charaudeau,
2009:162)
55
2.3.1. Folha Online
A Folha Online é um jornal digital dentro do UOL, o portal de internet do Grupo Folha,
que também tem três jornais, quatro unidades de negócios, uma editora e gráfica. Nilton
Hernandes em A Mídia e Seus Truques traz uma análise da homepage do portal, capturada na
manhã do dia 10 de maio de 2005. Cinco anos depois percebemos que o UOL mantém
basicamente as mesmas disposições de informações. A alteração mais significativa foi na
barra de navegação principal, à esquerda, e que contém o que Hernandes chama de as
“estações” do portal. Hoje, ela não possui mais uma cor diferenciada do resto do site. O
branco predomina com a intenção de deixar o ambiente de navegação mais leve visualmente.
No mais, o UOL segue as descrições feitas por Hernandes (2006:240):
Podemos verificar que as “leis” dos impressos são aplicáveis para o estudo da primeira
página do portal. A manchete principal aparecer com um corpo de letra maior, ocupa mais
espaço e está na parte de cima. Entretanto, há pouca variação de corpos e espessuras de
letras nas contínuas atualizações da homepage. O potencial gráfico-plástico é pouco
explorado. Quase todas as manchetes, de uma tragédia à vitória de um time de futebol,
aparecem da mesma maneira. O retângulo central branco é o principal ponto de valorização
e captação da atenção para determinados assuntos. Lá estão as notícias mais quentes,
importantes e chamativas na ótica do enunciador.
A dinâmica da rede mundial criou um sujeito nervoso, pouco paciente. Se não encontra o
que quer com rapidez, tem sua autoimagem afetada, julga-se incompetente, assim como
também passa a julgar o site “ruim”. (Hernandes, 2006:247)
56
Home do UOL, www.uol.com.br, capturada em 25/04/2010, às 22h42
57
Seções da Folha Online
O menu do Folha Online traz doze opções para o internauta, todas com suas
subdivisões que levam, ora para outras seções, ora para outros sites. Os destaques de cada
uma delas são inseridos na página principal tanto da Folha Online quanto do próprio UOL.
São elas:
Notícias: em cima da hora, ambiente, bichos, Brasil, ciência, comida, cotidiano, dinheiro,
educação, equilíbrio e saúde, esporte, ilustrada, informática, mundo, turismo.
Especial: sites e seções especiais sobre temas relevantes e datas comemorativas e que são
agrupadas por ano, desde 2000.
Serviço: a cidade é sua, assinante, busca, classificados, comunicar erros, envie sua notícia,
Folha Online móvel, folha news, folhashop, folhainvest, fovest, horóscopo, indicadores
econômicos, loterias, manchetes, ombudsman, RSS, tempo.
Galeria: imagens divididas por temas.
Erramos: erratas. Apenas por curiosidade, de 09 de março a 17 de abril, foram divulgados
80 erros, uma média de dois por dia.
Colunas: blogs, colunas e multimídia de jornalistas e comentaristas.
Guia da Folha: cinema, teatro, criança, passeio, show, concerto e dança, exposições,
restaurantes, guloseimas, bares, noite.
Fale Conosco: expediente, fale conosco, mapa do site, novidades (notícias sobre a Folha
Online), relações com investidores.
Assinante: espaço restrito com senha aos assinantes.
Grupo Folha: assinante, clubefolha, publifolha, banco de dados, datafolha, ombudsman,
folhapress, treinamento, trabalhe na folha, publicidade, conheça a folha.
Assine Folha: opções de assinatura tanto do jornal impresso como da sua versão digital.
O que é isso: RSS (Really Simple Syndication), permite que o internauta receba alertas
sobre as atualizações que lhe interessa, desde que o serviço esteja disponível.
58
Notícias
Cotidiano 1 Ansa 1
Pensata 1 Pensata 1
*Produziram juntos uma matéria.
59
Pelo dinamismo da rede, não há registros de como a matéria foi divulgada nas portas de
entrada da rede e o destaque que teve. O histórico se perde, a não ser que se tenha um
acompanhamento minuto a minuto. Assim, o foco das análises deste trabalho está
concentrado, sobretudo, no texto midiático e não na forma como foi divulgado no momento
de sua publicação no site.
Antes, farei um panorama do modelo teórico de Charaudeau, que propõe uma análise
baseada no funcionamento do ato de comunicação, constituído por três lugares que, juntos,
vão construir o sentido midiático. São eles: a produção, a recepção e a construção da notícia..
2.3.2. Produção
60
A mídia confronta-se com o dilema de como passar uma informação para o público
considerado esclarecido, e que pode validá-la a partir de seu conhecimento e repertório, ao
mesmo tempo em que anseia por dados mais profundos; e o público de massa, cuja exigência
em relação à informação será menor e, por este motivo, preferirá estereótipos e efeitos
dramatizados. Para o francês Pierre Bourdieu, a comunicação jornalística presente nos
veículos de comunicação de grande audiência está carente de materiais voltados ao público
esclarecido. Privilegia o público de massa, afinal concentra maior número de pessoas, o que
garante espaços publicitários mais caros, fazendo com que a empresa, espaço externo-externo,
obtenha os lucros que vão garantir sua sobrevivência no mercado. A exceção são os veículos
dirigidos, como revistas e jornais mais segmentados, mas que, de qualquer forma, não
atingem a massa. O jornalismo é para o sociólogo um depósito de notícias de variedades
dentro de uma sociedade em que “o sangue e o sexo, o drama e o crime sempre fizeram
vender.” (Bourdieu, 1997:22). São notícias que elevam o índice de audiência e que distraem.
É o que o autor chama de fatos-ônibus, assuntos de interesse comum, que não envolvem
disputa e que geram consenso. Assim, não há o risco de o receptor não entender a mensa gem
e a comunicação, por consequência, torna-se mais instantânea, fácil e vazia, um verdadeiro
fast food cultural. Críticas à parte, não podemos esquecer que o público é coautor do produto
notícia ao mostrar interesse por determinado assunto, que consequentemente será explorado
pelos veículos de comunicação.
2.3.3. Recepção
A Folha Online apresenta várias seções, de forma que é elaborada para atingir todos
os públicos que tenham acesso à internet. O que vai nos interessar é ver como a instância da
produção trabalha as notícias voltadas à proteção dos animais e, a partir daí, indagar sobre os
possíveis comportamentos da instância da recepção. Patrick Charaudeau também dividiu esta
instância em dois espaços: interno-externo, o local dos efeitos esperados, onde está o
destinatário ideal, aquela pessoa para o qual o “produto” está sendo direcionado; e o interno-
externo, a esfera do receptor real, aquele que vai consumir as informações e interpretá-las de
acordo com suas próprias condições.
Para captar a atenção dessa instância, é preciso conhecer seus hábitos e direcionar o
produto de acordo com seus interesses. Para isso, os veículos de comunicação lançam mão de
dois tipos de técnicas: estudos de audiência, em que a Folha Online consegue medir quantas
pessoas acessam suas páginas e qual o perfil desse público, como mostrado anteriormente; há,
ainda, os estudos de impacto, que analisam os efeitos produzidos pela comunicação.
62
Para Charaudeau, a análise das mídias está restrita a observações empíricas que não
podem ser comprovadas com exatidão, isto é, estamos limitados a uma análise com base nos
efeitos visados e não nos efeitos efetivos.
É bem difícil medir a influência das mídias sobre a opinião pública. As sondagens não
trazem maiores contribuições. Podem medir apenas as “intenções” quando não há interesse
imediato envolvendo de alguma forma o informante (em que o candidato pretende votar?),
“índices de satisfação” que permitem estabelecer a aceitação dos políticos e que são
apreciações vagas ligadas ao inesperado dos acontecimentos políticos, “previsões” de
resultados eleitorais segundo as declarações dos eleitores ao sair dos locais de votação. Mas
de maneira alguma podem se medidos os motivos que estão na origem das declarações e dos
atos, nem as causas que poderiam explicar orientações ou mudanças de opinião.
(Charaudeau, 2009:261).
A opinião assemelha-se à crença, pelo movimento de ser a favor ou contra, mas dela se
distingue pelo cálculo de probabilidade que não existe na crença e que faz com que a opinião
resulte de um julgamento hipotético a respeito de uma posição favorável/desfavorável e não
sobre um ato de adesão/rejeição. Por outro lado, a opinião não deve ser confundida com o
conhecimento. Este é independente do sujeito que sabe; a opinião, ao contrário, revela um
ponto de vista do sujeito a respeito de um saber. A opinião não enuncia uma verdade sobre o
mundo, ela remete ao sujeito. (Charaudeau, 2009:121)
Já a apreciação corresponde a um ato reflexivo, onde o indivíduo vai avaliar sua conduta
a partir do que está sendo exposto. Mudar hábitos a partir de seus argumentos é o que
interessa aos protetores dos animais.
Opinião e apreciação são duas formas de “julgamentos reflexivos” que correspondem, cada
uma, a um tipo diferente de atividade linguageira, e procedem de dois momentos inversos: a
opinião sobre o fato como avaliação intelectivo, a apreciação a partir do fato como reação
afetiva. (Charaudeau, 2009:123)
63
2.3.4. Construção da notícia
O texto midiático é formado por uma combinação de formas, que inclui o sistema verbal
e diferentes sistemas semiológicos, tais como icônico, gráfico e gestual. A estruturação desses
componentes é o que vai determinar o sentido da mensagem. E, para que de fato haja a troca
comunicativa, é preciso que o receptor saiba como interpretá-las. Considera-se aqui que a
instância da produção não conhece o público real, restringindo-se apenas a imaginar o público
ideal, aquele que teoricamente deveria absorver a informação. Não dá para imaginar como os
efeitos serão percebidos por essas pessoas.
O texto produzido é portador de “efeitos de sentido possíveis”, que surgem dos efeitos
visados pela instância da enunciação e dos efeitos produzidos pela instância de recepção.
Com isso, toda análise de texto nada mais é do que a análise dos “possíveis interpretativos”.
(Charaudeau, 2009:28)
Em outras palavras, qualquer texto midiático traz dois tipos de efeitos, os iniciais
propostos no ato de sua criação e aqueles que foram construídos pelos receptores. Este é o
resultado da cointencionalidade, que abrange os efeitos visados, os efeitos possíveis e os
efeitos produzidos.
Vale ressaltar os gêneros midiáticos propostos por Charaudeau, formados a partir do
cruzamento da instância enunciativa, do modo discursivo, do conteúdo e do dispositivo. A
instância enunciativa caracteriza-se pela origem do sujeito falante. Pode estar na própria
mídia, no caso do jornalista, ou fora dela, um político, por exemplo. A origem é marcada pela
forma como o autor é identificado. Os textos que aparecem na Folha Online são produzidos
pelas “Redações da Folha Online, Agência Folha, FolhaNews, agências internacionais e
reportagem dos jornais Folha de São Paulo e Agora”, conforme informado no próprio site
(www1.folha.uol.com.BR/folha/conheça/folha_online.shtml, em 17/04/2010). Isto quer dizer
que são várias instâncias envolvidas com a construção do discurso apresentado pelo jornal
digital.
Já o modo discursivo é o responsável por transformar o acontecimento midiático em
notícia, que para Charaudeau é um emaranhado de informações dentro de um mesmo tema e
que seja considerado uma novidade. A notícia pode ser construída a partir de um ponto de
vista, seja do jornalista, das fontes, do editor ou de outros atores envolvidos na encenação
midiática, o que faz com que a realidade seja apresentada de acordo com interesses
particulares, como já colocado anteriormente.
64
O acontecimento nunca é transmitido à instância em seu estado bruto, para sua significação;
para sua significação depende do olhar que se estende sobre ele, olhar de um sujeito que o
integra num sistema de pensamento e, assim fazendo, o torna inteligível. (Charaudeau,
2009:95)
O tempo, a cotemporalidade do fato, quanto mais recente, melhor. Por isso, a notícia é
efêmera e a-histórica, não traz explicações históricas, ou como diz Charaudeau (2009:114),
“Dura tanto quanto um relâmpago, o instante de sua aparição.”
Outro fator é o espaço. Os veículos têm que dar conta dos fatos que acontecem em
locais próximos e afastados: fatos daqui e de lá. Para isso, utilizam correspondentes, agências
de notícias e diversas fontes oficiais e oficiosas. Explica-se o porquê de as notícias do PETA,
em sua grande maioria tendo o hemisfério norte como palco, tenham chegado até nós.
O terceiro componente é a hierarquia dos acontecimentos, constituída por critérios
externos e interiores. O externo fala da aparição do acontecimento, que pode simplesmente
surgir - é o caso das catástrofes naturais, acidentes e outros eventos inesperados. Pode
também ser programado, como campeonatos esportivos e demais eventos que estão no
calendário. O acontecimento pode ser, ainda, suscitado ou provocado, como as revelações de
escândalos ou quando o veículo chama a atenção de um fato para esconder outro.
Fontes
Para que haja notícia é preciso ter fontes e, mais que isso, alguém digno de aparição.
Esses atores sociais são ordenados e selecionados conforme sua notoriedade,
representatividade, expressão ou polêmica. Nesse último item é o lugar mais apropriado para
inserir o PETA, afinal mesmo com alguma liberdade de expressão, não é comum alguém sair
65
nu pelas ruas reivindicando o que quer que seja, como o grupo faz. Isso acaba dando um tom
cômico ao enunciado. Chama a atenção das pessoas, mas também pode fazer com que a
mensagem principal passe despercebida em prol de um assunto que, para muitos, possa ser
encarado como ridículo e arruaceiro.
As fontes são divididas conforme quadro abaixo (Charaudeau, 2009:148)
Modos discursivos
Relatar o acontecimento
Designação identificadora: é a prova de que o algo existiu, pode ser uma analogia,
quando não for possível mostrar o fato. Trabalha com descrições, reconstituições,
comparações, imagens, sempre mostrando o que não podemos ver a olho nu.
Toda imagem tem um poder de evocação variável que depende daquele que a recebe, pois é
interpretada em relação com outras imagens e relatos mobilizados por cada um. Assim, o
valor dito referencial da imagem, o valor de substituição da realidade empírica, é enviesado
66
desde a origem, pelo fato de uma construção que depende de um jogo de intertextualidade,
jogo que lhe confere uma significação plural, jamais unívoca. (Charaudeau, 2009:246).
Explicar um fato: a mídia tem que dar conta dos motivos e intenções dos atores,
explicitando as causas e as consequências sem análises ou comentários.
A reação-declaração consiste em emitir um julgamento que pode ser uma opinião pessoal ou
oficial (favorável ou desfavorável), em fazer uma confissão ou denúncia, se for o caso. Ela
pode converter-se num mini acontecimento associado ao precedente, e acabar por suplantá-
lo. (Charaudeau, 2009:155)
Para relatar um acontecimento, a mídia também faz uso do dito relatado ou palavras
com declarações e demais reações verbais dos atores da vida pública.
O discurso relatado caracteriza-se, então, pelo encaixe de um dito num outro dito, pela
manifestação da heterogeneidade do discurso. Essa heterogeneidade está marcada por
índices que indicam que uma parte, pelo menos, do que é dito, deve ser atribuída a um
locutor diferente daquele que fala. Por vezes essas marcas são discretas e surge, então, o
problema da fronteira entre “discurso relatado” e “interdiscursividade”, fenômeno geral de
inserção de fragmentos de discursos uns nos outros, não necessariamente explicitado.
(Charaudeau, 2009:162)
Citação
Integrando parcialmente, na terceira pessoa
Narrativizando (exemplo: ele declarou, confirmou, disse)
Evocando: apenas uma evocação do que o locutor de origem costuma dizer
Tendo em vista o número elevado de atores do espaço público que dão declarações ou são
suscetíveis de tomar a palavra, é preciso proceder a uma seleção. Esta se faz em função da
identidade do declarante e do valor de seu dito. (Charaudeau, 2009:168)
Efeito de decisão
Efeito de saber
Efeito de opinião
Efeito de testemunho
67
O dito relatado é passível de transformação por parte do locutor-relator, mesmo que
inconscientemente. Esta alteração pode ser feita por:
Comentar o acontecimento
A mídia constrói seus pontos de vista, levantando hipóteses e até mesmo conclusões
sobre os fatos relatados, o que gera controvérsias no meio jornalístico: cabe ao jornalista
apenas informar ou ele também pode expressar sua opinião? Charaudeau explica:
68
Avaliação: é o ponto de vista pessoal de quem informa. Pode acontecer de forma
inconsciente ou por meio de análise subjetiva, o que se dá principalmente nos
editoriais e nas crônicas.
Provocar o acontecimento
69
inscreve, então, num contrato que determina as condições de encenação da informação,
orientando as operações que devem efetuar-se em cada um desses processos. (Charaudeau,
2009:114)
O ato de informar participa desse processo de transação, fazendo circular entre os parceiros
um objeto de saber que, em princípio, um possui e o outro não, estando um deles
encarregado de transmitir e o outro de receber, compreender, interpretar, sofrendo ao mesmo
tempo uma modificação com relação a seu estado inicial de conhecimento. (Charaudeau,
2009:41)
É importante frisar que é a transação que dita a transformação. O homem não fala para
descrever, contar ou estruturar o mundo. Fala, sobretudo, para se posicionar em relação ao
outro. É disto que depende sua existência.
Informação e captação são as duas visadas que constituem mais um momento paradoxal
da comunicação midiática. De um lado o saber e de outro o consumo.
A finalidade do contrato de comunicação midiática se acha numa tensão entre duas visadas,
que correspondem, cada uma delas, a uma lógica particular: uma visada de fazer saber, ou
visada de informação propriamente dita, que tende a produzir um objeto de saber segundo
uma lógica cívica: informar o cidadão; uma visada de fazer sentir, ou visada de captação, que
tende a produzir um objeto de consumo segundo uma lógica comercial: captar as massas para
sobreviver à concorrência. (Charaudeau, 2009:86)
70
Em ambos os casos, a verdade é o problema central, pois visa à credibilidade. Por isso, vai
atrás de provas para autenticar o que está sendo dito.
71
imaginários de referências dos comportamentos, ou seja, o que devemos ou não fazer, e os
imaginários de justificativa, se as coisas são do bem ou do mal. Quando explícita numa
informação, permite com que os julgamentos sejam compartilhados.
Toda informação a respeito de uma crença funciona, ao mesmo tempo, como interpelação do
outro, pois o obriga a tomar posição com relação à avaliação que lhe é proposta, colocando-o
em posição reativa - o que não é necessariamente o caso da informação que se refere aos
conhecimentos. (Charaudeau, 2009:46)
72
Home do PETA, www.peta.org, capturada em 24/04/2010, às 16h50
73
O que vai determinar os discursos são as situações de troca, os quadros de referências
dos indivíduos. Este quadro é formado por dados que vão permitir a identificação, o
julgamento e a apreensão do que está sendo veiculado. Neste ato, o que conta é o repertório de
cada envolvido na troca comunicacional.
A PETA, uma ONG que defende o tratamento ético dos animais, tem, entre seus ativistas,
personalidade do mundo do espetáculo e da moda. (“Modelo brasileira convida Alonso a
correr nu em defesa de touros”, Folha Online, 23/10/2006)
Pamela e o grupo chamado PETA (sigla em inglês para Pessoas peloTratamento Ético dos
Animais) já fazem um boicote contra o KFC há dois anos. (“Pamela Anderson defende
frangos egípcios”, Folha Online, 19/04/2007)
74
“Assim, você poderá comprovar pessoalmente o impacto que provocam nos animais (...)
pessoas egoístas como você promovendo o negócio tão cruel que é a compra e venda de
peles de animais”, diz com rispidez a carta do PETA (“Naomi Campbell é convidada a
presenciar matança de focas, Folha Online, em 18/04/2004).
É incitativa, quando procura fazer com que o outro pense de determinada maneira.
“Ao vender apenas comida vegetariana, a liga de baseball vai se tornar líder no combate
contra o aquecimento global”, afirma a organização, em uma carta aos líderes da
modalidade no país. “Como os vegetarianos são menos propensos a doenças sérias, como
cardiovasculares, diabetes e obesidade, as pessoas vão ficar mais felizes e saudáveis
enquanto torcem por seu time”, diz a organização.” (“ONG pede que estádios sirvam
comida vegetariana para ajudar clima”, Folha Online, em 27/03/2007)
“Os frangos criados para a KFC são alimentados e drogados para engordar de tal maneira
que muitos terminam mancando ao peso de seus corpos. As aves são penduradas pelas patas
e estranguladas, o que lhes rompe os ossos e causa outros ferimentos”, afirma comunicado
da PETA. (“Pamela Anderson defende frangos egípcios”, Folha Online”, em 10/04/2007)
“Nesse processo, os criadores arrancam a parte traseira dos animais sem nenhum tipo de
anestesia”, afirma George Guimarães, representante da PETA (People for the Ethical
Treatment of Animals) no Brasil. (“Grupo protesta em São Paulo contra maus-tratos a
animais”, Folha Online, em 29/09/2005).
É quase sempre permeada pelo pathos, ou seja, transmite emoção ao instigar uma
sensação agradável ou desagradável.
Dirnt, que não é vegetariano, e mantém um restaurante que serve carnes na Califórnia, foi
eleito de maneira equivocada um dos vegetarianos mais sexies do mundo pela organização
em defesa dos animais, PETA.
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Número de
Tema
matérias
Contra o uso de peles 26
Incentivo ao vegetarianismo 13
Defesa dos animais de uma forma geral 10
Contra os maus-tratos de animais na China 3
Contra a KFC 3
Adoção de animais 2
Contra zoológicos 2
Pela liberdade de uma lagosta 2
Contra a corrida de touros em Pamplona 1
Contra rinha de galos 1
Contra circos 1
Contra o foie gras 1
Contra os maus-tratos de cangurus na Austrália 1
Abate humanitário 1
Contra a matança de focas no Canadá 1
Contra a morte ao vivo de uma mosca por Barack Obama 1
Das 69 matérias que trazem referência ao grupo PETA, 37 estão associadas a alguma
celebridade da música, TV ou cinema. Esse número aumenta se somarmos uma matéria que
associa o grupo a um atleta olímpico e quatro com políticos, especificamente o atual
presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Ou seja, são 42 menções do nome PETA
diretamente vinculadas a alguém que detém notoriedade mundial.
Isto explica porque somente cinco matérias com referência ao grupo de proteção dos
animais estejam na seção Bichos da Folha Online, contra 40 na seção Ilustrada, espaço
cultural do jornal Folha de São Paulo. Trata-se de uma estratégia de divulgação, adotada
explicitamente pelo PETA, que busca nas celebridades seu chamariz, não importa se o artista
em questão tenha uma postura favorável ou contra os direitos dos animais: se a pessoa for
favorável a causa, será convidada a dar depoimentos em nome do PETA; se for contra, entrará
em algum ranking proposto pelo grupo que desfavorecerá sua imagem. Em ambos os casos, a
associação será feita e o grupo encontrará seu espaço na mídia por meio dessas pessoas.
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Fazendo uma analogia com a própria Folha Online, que traz seções para vários tipos
de público, o PETA busca no sincretismo uma forma de se fazer visto por todos, por isso, está
sempre associado a um nome notório, a uma marca famosa ou a um evento de grande
visibilidade, mas sempre reforçando a mensagem de defesa dos animais, que pega carona com
os grandes eventos noticiados. Edgar Morin (1997:36) define muito bem este propósito ao
dizer que os grandes veículos de comunicação tendem ao sincretismo a fim de atender e
satisfazer a todos os interesses do público.
A partir dessas observações, uma das classificações possíveis da amostra estudada nos
leva a fazer uma relação do PETA com alguns grupos temáticos, considerando o foco
principal dado pela matéria e não seus cruzamentos, pois em alguns momentos uma matéria
pode abranger mais de dois temas. Chegamos a seis grupos:
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42. 16/04/2004 - 09h13: Naomi Campbell é convidada a presenciar matança de focas
2. PETA e a moda
1. 21/11/2008 - 14h36: PETA faz paródia sangrenta de jogo culinário para promover
vegetarianismo
2. 16/07/2007 - 08h17: Grupos pressionam por término da rinha de galo em Porto Rico
3. 29/09/2005 - 14h39: Grupo protesta em São Paulo contra maus-tratos a animais
4. 12/02/2004 - 14h04: Militantes contrários ao uso de peles protestam nus em Paris
5. 09/07/2008 - 12h16: Espanhóis tiram roupa contra uso de pele de urso em uniforme inglês
6. 30/12/2005 - 17h32: Ativista muda nome para atacar cadeia de restaurantes
7. 12/02/2004 - 14h04: Militantes contrários ao uso de peles protestam nus em Paris
O erotismo
Tanto em seus protestos como em campanhas publicitárias, que serão tratadas nas
análises semióticas no capítulo 3, o PETA lança mão do erotismo, associando corpos nus à
defesa dos animais. Essa sugestão pode ser dividida em duas abordagens: anúncios com
modelos, artistas considerados “sex-appeal” e ativistas que tiram a roupa em protestos.
Ambas têm a nudez e o corpo como convite ao vegetarianismo e como manifestação contra
roupas que têm como matéria-prima peles de animais. Essa estratégia foi repercutida em 14
notícias que fazem alusão ao PETA de 2004 a 2009.
No primeiro caso, a invocação é o desejo ou o eros cotidiano, como defendido por
Edgar Morin. O PETA apropria-se de corpos considerados belos pela sociedade para seduzir o
público em relação ao seu produto, que é a defesa dos animais, mensagem que pode ser
traduzida por “Olhe o corpo que você pode ter se aderir ao vegetarianismo” ou “Sou bela e
famosa e defendo os animais.”
É que se operou uma espantosa conjunção entre o erotismo feminino e o próprio movimento
do capitalismo moderno, que procura estimular o consumo. O dinheiro, sempre insaciável,
se dirige ao Eros, sempre subnutrido, para estimular o desejo, o prazer e o gozo, chamados e
entregues pelos produtos lançados no mercado. As mercadorias carregadas de um
suplemento erótico são também carregadas de um suplemento mítico: é um erotismo
imaginário, isto é, dotado de imagens e de imaginação, que embebe ou aureola esses
produtos fabricados; esse erotismo imaginário se adapta, aliás, ao erotismo vivido, que não é
somente multiplicação da estimulação epidérmica, mas também multiplicação dos fantasmas
libidinosos. (Morin, 1997:120)
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A injeção de erotismo na representação de uma mercadoria não erótica (as publicidades que
juntam uma atraente imagem feminina a uma geladeira, uma máquina de lavar roupa ou uma
soda) tem por função não apenas (ou tanto) provocar diretamente o consumo masculino, mas
de estetizar, aos olhos das mulheres, a mercadoria de que elas se apropriarão; ela põe em
jogo junto ao eventual cliente a magia da identificação sedutora; a mercadoria faz o papel de
mulher desejável, para ser desejada pelas mulheres, apelando para seu desejo de serem
desejadas pelos homens. (Morin, 1997:120)
É isso que o PETA faz ao chamar para seus anúncios mulheres com corpos
considerados perfeitos, como no anúncio que virou notícia e que será analisado no próximo
capítulo: “Atriz de „Crepúsculo‟ tira a roupa em defesa dos animais”, na Folha Online, de
09/11/2009. A matéria tem uma visada da captação, percebida no apelo comercial do título
que faz referência ao filme Crepúsculo, parte de uma série sobre vampiros que virou sucesso
em livros, e depois ganhou o cinema. Tem também o nudismo da atriz associada à defesa dos
animais, o que suscita curiosidade de um fã tanto da atriz, quando o da série da escritora
Stephenie Meyer.
A matéria é ilustrada com o cartaz em que a atriz Christian Serratos “tirou a roupa”
em prol dos animais. O cenário da foto é um ambiente sombrio, nebuloso com manchas de
sangue, referência direta ao filme que estrela. Não há nenhum dito do PETA ou outra
referência ao motivo que levou o grupo a elaborar tal peça publicitária. Apenas o texto curto:
“No cartaz, Christian aparece ao lado do já célebre slogan „Prefiro sair nua a usar peles‟ ”.
A nota se encerra com uma pequena referência a outros papéis que ela desempenhou na TV.
Pode-se dizer que é praticamente uma foto legenda, o que mais atrai o olhar é o tamanho da
foto dispensado pela Folha Online na diagramação, que destoa das outras imagens publicadas
nas matérias pelo site.
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A notícia sobre a adesão da atriz Pamela Anderson à luta contra a caça às focas no
Canadá tem o mesmo estilo de inserção de foto, muito maior que a grande maioria das
imagens que ilustram as matérias do site de notícias: “Pamela Anderson se junta a ONG
contra caça às focas”, Folha Online, em 23/10/2009. Mesmo não fazendo menção textual à
nudez, sugere o erotismo. A imagem mostra a atriz em pose sensual, vestida somente com
uma camiseta que marca as curvas de seu corpo e traz a ilustração de uma foca. Ao contrário
da nota sobre a campanha estrelada pela atriz do filme Crepúsculo, que não tinha muita
informação sobre a defesa dos animais, esta traz dados sobre o massacre de focas no Canadá,
comentando tanto o lado dos protetores dos animais, como dos defensores da caça. Cabe
ressaltar as aspas dadas ao dito relatado da atriz, que é uma porta-voz do PETA. As aspas têm
a conotação de que o que está sendo dito pode não ser verdadeiro ou deve ser observado com
ressalvas.
A caça às focas na costa oeste do Canadá é a maior do mundo, e mata uma média de 300 mil
focas por ano. A comunidade indígena Inuit, do Canadá, afirma que a caça provê empregos
cruciais e comida para habitantes de vilarejos isolados no norte do país. A atriz disse em um
programa de TV no Canadá que a caça anual às focas é “bárbara e cruel”, e “uma
vergonha” para seu país.
O que eu tenho em comum com Barack Obama, Vladimir Putin e Dalai Lama? Nós todos
nos opomos ao massacre de bebês focas. Está na hora de parar com o vergonhoso massacre
do Canadá.
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Em seu site, o PETA tem uma seção denominada “banned ads”, ou anúncios
censurados. É visível que a ONG tem orgulho de suas mensagens polêmicas e que exploram
essas censuras, utilizando-as a favor da marca, haja vista que isto gera mais mídia espontânea,
com interesse no motivo que levou a reprovação dos veículos de comunicação. É o caso de
“Comercial de ONG com Pamela Anderson é proibido”, Folha Online, em 10/09/2009; e
“Comercial sensual de entidade de defesa dos animais é censurado nos EUA”, Folha Online,
em 28/01/2009, ambos com conotação sexual.
“Alicia Silverstone diz que amigo a fez perder vergonha de posar nua”
“Modelos da “Playboy” aderem à campanha por vegetarianismo nos EUA”
“Líder do Coldplay é vegetariano mais sexy do mundo, diz grupo” e “Prince sucede
Chris Martin como vegetariano mais sexy do mundo”
Surge uma questão: o que chama mais a atenção? A celebridade ou a mensagem que ela
está passando?
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Página do PETA sobre os anúncios censurados, capturada em 25/04/2010, às 10h00
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Já os protestos com ativistas nus buscam atrair olhares para algo considerado
inesperado e, em alguns casos, bizarro. Mas o recorte feito pela mídia pode tender para uma
ridicularização do assunto.
Como no caso da notícia sobre um protesto em Paris: “Militantes contrários ao uso de
peles protestam nus em Paris”, Folha Online, em 12/02/2004. Trata-se de uma manifestação
contra o uso de peles que moveu ativistas em cinco cidades: Nova York, Toronto, Londres,
Glasgow e Paris. O holofote ficou sobre a capital francesa, até pelo contexto dado pelos
manifestantes, que definiram a cidade como sendo a mais romântica do mundo, ideal para
sensibilizar turistas sobre o sofrimento dos animais.
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Um detalhe importante é que o título “protestam nus” não condiz com a imagem que
mostra quatro manifestantes eufóricos carregando cartazes em forma de coração com a frase
“Não às peles. Sim ao amor.” As duas mulheres que aparecem na foto, reproduzida pela
Folha Online, cobrem os seios, que aparentemente estão nus, com as placas, mas estão de
calcinha. Assim como os homens vestem cuecas. Todas as peças íntimas usadas são
vermelhas, uma alusão ao amor erótico, conotação observada na cama inflável, cor-de-rosa,
montada em frente à loja Louis Vuitton, cenário do protesto. A foto traz a legenda “Membros
do grupo „antipele‟ durante protesto em Paris.” A nomeação do grupo aparece entre aspas, o
que já supõe um tom irônico dado à informação e à ação.
Parecida em sua proposta e veiculação midiática é o título “Manifestante nua invade
passarelas na Semana de Moda de Paris”, Folha Online, em 28/02/2007. Mais uma vez, o nu
não faz apelo ao sensual ou erótico e, sim, ao ridículo. Na foto, vemos uma manifestante
segurando um cartaz que cobre metade do seu corpo nu com os dizeres: “Prefiro andar nua a
usar peles”, sendo segurada por um segurança do desfile.
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O grupo PETA conseguiu seu objetivo que foi invadir a passarela de um importante
desfile e derramar sua mensagem de protesto. Mas não conseguiu dar credibilidade ao intuito
primário, que é incentivar a abolição total das peles de animais nos vestuários. A notícia traz
um dito relatado do estilista alvo do protesto, Christian Lacroix, que fala: “Não sou hipócrita.
Adoro peles. É um desafio. Estamos na vanguarda todos os dias. É questão de estar
sintonizado com o mundo. Não somos uma torre de marfim.” A matéria termina com a
informação que outros manifestantes tentaram, sem sucesso, invadir o desfile do estilista
italiano Valentino.
Com a afirmação de Lacroix e o desfecho da matéria, podemos dizer que os usuários
de pele ganharam pontos e um ótimo motivo para continuar usando-as.
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3
ANÁLISE SEMIÓTICA:
PROTEÇÃO DOS ANIMAIS NAS MÍDIAS
Goethe
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Neste capítulo analisaremos anúncios publicitários produzidos pelo PETA. Suas ações
ganham repercussão internacional por caracterizar-se, sobretudo, pela transgressão, o que
inclui boicotes a empresas e pessoas que maltratam os animais, passeatas com manifestantes
nus e anúncios publicitários polêmicos, alguns até censurados, como o vídeo VeggieLove, que
foi banido da programação da rede de TV NBC. A atitude da TV acabou dando mais
visibilidade para a ONG, que conseguiu mídia espontânea em todo o mundo, inclusive no
Brasil, como visto no capítulo anterior. Entender como se dá a semiose desse tipo de discurso
é o objeto das análises que se seguirão.
Para o estudo dos anúncios, adotaremos a semiótica de Charles Sanders Peirce (1839-
1914), especificamente o seu primeiro ramo, a gramática pura ou gramática especulativa, que
abrange os elementos que constituem os signos, como eles são classificados, de que forma
significam e como podem ser interpretados. A análise se dará por meio da aplicação do
conceito triádico de signo, considerando a relação do signo consigo próprio, com seu objeto e
com o interpretante; o roteiro a ser seguido é o proposto por Lúcia Santaella na sua Semiótica
Aplicada.
A semiótica peirceana é uma teoria lógico-filosófica: o próprio Peirce propôs
“semiótica” como outro nome para “lógica”, sendo o signo a representação de todas as
coisas presentes no universo e na mente, desde as mais complexas, como uma instituição, até
as mais imperceptíveis, como um suspiro, e é esta característica que faz com que de todas as
correntes semióticas, a de Peirce seja a única que não tem origem nos estudos linguísticos.
Para ele, o signo é o “axioma de que as cognições, as ideias e até o homem são
essencialmente entidades semióticas.” (Nöth, 2008:61).
Hoje, a semiótica faz parte de boa parte das grades curriculares dos cursos da área de
Comunicação e tem o intuito de dar conta das análises dos discursos veiculados pela mídia.
“A semiótica peirceana não é apenas uma semiótica teórica e filosófica, mas tem um amplo
potencial de aplicação na área dos estudos da comunicação.” (Nöth, 2008:95). Embora não
seja a principal proposta de Peirce, a semiótica pode nos ajudar a ver a linguagem naquilo que
a constitui, permitindo penetrar nos procedimentos e mecanismos que fazem com que uma
mensagem produza, ou não, algum efeito no receptor, como explica Lúcia Santaella:
A teoria semiótica nos permite penetrar no próprio movimento interno das mensagens, no
modo como elas são engendradas, nos procedimentos e recursos nelas utilizados. Permite-
nos também captar seus vetores de referencialidade não apenas a um contexto estendido,
pois em todo o processo de signos ficam marcas deixadas pela história, pelo nível de
desenvolvimento das forças produtivas econômicas, pela técnica e pelo sujeito que as
produz. (Santaella, 2008:5)
93
3.1. A semiótica de C. S. Peirce
A semiótica é uma das disciplinas que fazem parte da ampla arquitetura filosófica de Peirce.
Essa arquitetura está alicerçada na fenomenologia, uma quase-ciência que investiga os
modos como aprendemos qualquer coisa que aparece à nossa mente, qualquer coisa de
qualquer tipo, algo simples como um cheiro, uma formação de nuvens no céu, o ruído da
chuva, uma imagem em uma revista etc., ou algo mais complexo como um conceito abstrato,
a lembrança de um tempo vivido etc., enfim, tudo que se apresenta à mente. (Santaella,
2008:XII)
Um exercício muito moderado desta terceira faculdade basta para nos mostrar que a palavra
Categoria possui substancialmente o mesmo significado em todos os filósofos. Para
Aristóteles, Kant, Hegel, a categoria é um elemento dos fenômenos com uma generalidade
de primeira ordem. Segue-se daí que as categorias são poucas, como os elementos químicos.
A tarefa da fenomenologia é traçar um catálogo de categorias, provar sua eficiência, afastar
uma possível redundância, compor as características de cada uma e mostrar as relações entre
elas. As categorias particulares formam uma série, ou conjunto de séries, estando presente
num fenômeno apenas uma de cada vez, ou ao menos nele predominando. As categorias
universais, de seu lado, pertencem a todo fenômeno, talvez uma sendo mais proeminente que
a outra num aspecto do fenômeno, mas todas pertencendo a qualquer fenômeno. Não estou
muito satisfeito com esta descrição de duas ordens de categorias, mas acho bom que as duas
existam. Não as reconheço em Aristóteles a não ser que categorias e atributos sejam as duas
ordens. Mas temos em Kant, Quantidade, Pluralidade e Totalidade não presentes todas ao
mesmo tempo; Inerência, Causação e Reação não presentes todas ao mesmo tempo;
Possibilidade, Necessidade e Atualidade não presentes todas ao mesmo tempo. Por outro
lado, as quatro grandes categorias de Kant, Quantidade, Qualidade, Relação e Modalidade,
formam o que chamaria as Categorias Universais de Kant. Na comprida lista de Hegel que
fornece as divisões da Enciclopédia são as suas categorias particulares. Os três estágios do
pensamento, embora Hegel não lhes aplique a palavra Categoria, seriam as suas Categorias
Universais. (Peirce, 1974:17)
94
Peirce buscava a verdade nos fenômenos, queria entender como eles se dão e quais são
suas interferências nos processos cognitivos. Ele não usa a linguagem verbal para pensar.
Queria criar uma teoria geral e tão abstrata que pudesse servir para qualquer outra teoria,
desde a matemática até um jogo de cartas, indo mais longe, ele almejava descrever conceitos
muito simples que pudessem ser aplicados a qualquer coisa.
Em Peirce, termos como “mente” ou “pensamento” devem ser encarados numa perspectiva
mais ampla (“mente” pode ser entendida como “semiose”, ou processo de formação das
significações; “pensamento” pode ser substituído por termos como “signo” ou “símbolo”
ou “interpretante”), seu método consistia em desenvolver uma concepção da mente derivada
de uma análise do que está implícito na tendência humana para a procura da verdade. E para
ir mais adiante é necessário entender o que Peirce concebia como “verdade”. Uma descrição
de sua concepção de “verdade” poderia dizer que, para Peirce, a “verdade” apresentava-se
como uma atividade (dirigida para um objetivo) capaz de permitir a passagem de um estado
de insatisfação para um estado de satisfação). (Coelho Netto, 1990:53)
“Abrir os olhos do espírito, olhar bem os fenômenos e dizer quais são suas
características” (Peirce, 1974:17), este é o chamado de Peirce para extrairmos o pensamento
cartesiano da mente ao adentrarmos nos estudos da fenomenologia, a base de sua semiótica.
Ao nos concentrarmos no pensamento proposto por Descartes, tendemos a ver os fenômenos
apenas sob dois aspectos: o bem e o mal, o belo e o feio, o certo e o errado e assim
sucessivamente. Toda a base do pensamento de Peirce é triádica, permitindo a análise dos
signos em todos os seus aspectos e dimensões.
São três as faculdades com que devemos munir-nos para esta tarefa. A primeira e principal é
a qualidade rara de ver o que está diante dos olhos, como se apresenta, não substituído por
alguma interpretação (...). É esta a faculdade do artista que vê as cores aparentes da natureza
como elas realmente são (...). O poder observacional do artista é altamente desejável na
fenomenologia. A segunda faculdade com que devemos armar-nos é uma discriminação
resoluta que se pendura como um bulldog daquela característica que estamos estudando, (...).
A terceira faculdade de que necessitamos é o poder generalizador do matemático que gera a
fórmula abstrata que compreende a verdadeira essência da característica em estudo,
purificada de toda mistura adventícia. (Peirce, 1974:17)
São três os ramos que dividem a semiótica ora estudada: 1) gramática especulativa ou
pura, que investiga todos os signos e os modos de pensamento que eles tornam possíveis; 2)
lógica crítica, que abrange os tipos de inferências, raciocínios ou argumentos estruturados
pelos signos (abdução, indução e dedução); 3) retórica especulativa ou metodêutica, análise
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dos métodos que cada um dos tipos de raciocínio dá origem. Na verdade, este foi o nome dado
por Peirce para metodologia (Santaella, 2008:4).
Para a investigação a que se propõe este trabalho, vou me focar na gramática
especulativa, que está na base das outras duas, e que pode ser definida como a teoria geral de
todas as espécies de signos, suas propriedades, como eles se comportam, denotam e como se
dá sua interpretação.
Apesar de haver outros dois ramos na semiótica peirceana, a gramática especulativa
tem características que permitem sua autonomia.
Para Peirce, signo não é somente linguagem, daí a origem de sua teoria não estar
alicerçada na linguística. Signo também pode ser uma ação ou reação, tudo o que aparece à
mente é signo, desde uma imagem de um pôr do sol que salta aos nossos olhos, a emoção de
reencontrar alguém querido depois de muito tempo, lembranças que vão e voltam sem o nosso
controle, ideias que permeiam nosso pensamento. Desta forma, o signo tem um aspecto social,
comunica mesmo quando a comunicação é consigo mesma. O signo tem uma natureza
triádica e a gramática especulativa permite analisá-lo sob seus três diferentes aspectos:
Em si mesmo, nas suas propriedades internas, ou seja, no seu poder para significar; na sua
referência àquilo que ele indica, se refere ou representa; e nos tipos e efeitos que está apto a
produzir nos seus receptores, isto é, nos tipos de interpretação que ele tem o potencial de
despertar nos seus usuários. (Santaella, 2008:5)
Como o signo está alicerçado nas três categorias da fenomenologia, para algo
funcionar como signo, é preciso ter algumas propriedades: mera qualidade, sua existência e
caráter de lei. Por isso, Peirce deu à sua definição de signos as três categorias: significação,
objetivação e interpretação. Apesar de se basear em conceitos abstratos, eles devem conter:
Os elementos que nos permitem descrever, analisar e avaliar todo e qualquer processo
existente de signos verbais, não-verbais e naturais: fala, escrita, gestos, sons, comunicação
dos animais, imagens físicas e em movimento, audiovisuais, hipermídia etc. (Santaella,
2008:4)
Peirce propôs dez tricotomias e 66 classes de signos. Para este trabalho serão
consideradas apenas três tricotomias. São elas: o signo a partir dele mesmo, o signo com seu
objeto e o signo com seu interpretante.
97
O anúncio de Pedigree é um conjunto de signos.
98
3.1.3. O signo a partir de si mesmo
Pela qualidade, tudo pode ser signo, pela existência, tudo é signo, e pela lei, tudo deve ser
signo. É por isso que tudo pode ser signo sem deixar de ter suas outras propriedades.
(Santaella, 2008:12)
Qualissigno é uma qualidade que é um signo. Não pode, em verdade, atuar como um signo
enquanto não se corporificar; contudo, a corporificação nada tem a ver com seu caráter como
um signo.
Sinsigno (onde a sílaba sin significa “uma única vez”, como em “singular”, “simples”, no
latim “semel” etc.) é uma coisa existente ou acontecimento real, que é um signo. Só pode
sê-lo através de suas qualidades; de sorte que envolve um qualissigno ou, antes, vários
qualissignos. Contudo, esses qualissignos são de tipo especial e só constituem um signo
quando efetivamente corporificados.
Legissigno é uma lei que é um signo. Tal lei é comumente estabelecida por homens. Todo
signo convencional é um legissigno (porém a recíproca não é verdadeira). Não é um objeto
singular, mas um tipo geral que, há concordância a respeito, será significante. Todo
legissigno ganha significado por meio de um caso de sua aplicação, que pode ser
denominado de Réplica. Assim, a palavra “o” comumente aparecerá de 15 a 25 vezes numa
página. Em todas essas ocorrências é uma e a mesma palavra, o mesmo legissigno. Cada
ocorrência singular é uma Réplica. A Réplica é um sinsigno. Todavia, estes não são
sinsignos ordinários, uma vez que são ocorrências peculiares, encaradas como revestidas de
significação. Nem a Réplica seria revestida de significação, não fosse a lei que lhe confere
tal significação.
Um signo, em relação a seu objeto, pode ser chamado de ícone, índice ou símbolo.
Vale ressaltar que o signo não é o objeto, ele apenas está no lugar do objeto. Portanto, só pode
representar esse objeto de um certo modo e numa certa capacidade. Neste sentido, é possível
que o signo ao representar aquilo que ele pretende representar, pode representá-lo falsamente,
como os discursos políticos demagógicos.
O ícone é o signo que tem como fundamento um qualissigno, isto é, só pode sugerir ou
evocar algo, como uma mancha, uma cor por ela mesma, uma música. O índice é o existente,
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indica o objeto real, é o caso da fotografia. Já o símbolo tem como fundamento uma lei, um
hábito, algo que podemos prever. Voltando ao anúncio “Adotar é tudo de bom”, da Pedigree,
o signo, como já dito é o anúncio em si. Os aspectos qualitativos-icônicos podem ser
observados nas cores, traços, volume e formas que compõem a peça publicitária: o amarelo
em primeiro plano, o preto que se mistura ao fundo da imagem e com o pelo do cachorro, a
parede manchada. Já o índice está no olhar triste do cachorro, na grade e paredes envelhecidas
que indicam que ele está numa prisão. Como símbolo, temos a afeição das pessoas por
animais de estimação e que seriam sensibilizadas pelo pedido de socorro do bicho. O texto faz
alusão aos “benefícios” que o cão oferece: “Eu sei deitar, deitar e rolar. Só não sei como vim
parar aqui”. Utilizando uma frase senso comum, o cão é considerado o melhor amigo do
homem e é nisto que a marca Pedigree se fixa para vender suas rações. Em letras menores,
temos a informação de que a pessoa poderá ajudar o cão dos olhos tristes “apenas”
comprando a ração. A aplicação da logomarca Pedigree também se constitui num legissigno.
Peirce também estabeleceu duas distinções de objetos: o dinâmico, definido como o
acontecimento em si, o fato; e o imediato, a forma como este fato é representado. Desta
forma, a adoção dos animais é o objeto dinâmico. A foto do cão, o objeto imediato. Como
explicou Santaella (2008:15): “A frase é o signo e aquilo sobre o que ela fala é o objeto
dinâmico.”
O interpretante é a reação que o signo provoca no receptor. Há três passos para que
essa interpretação se realize:
100
3. interpretante final: é o extremo da interpretação, quando o interpretante dinâmico vai
até seu limite final. “Como isso não é jamais possível, o interpretante final é um limite
pensável, mas nunca inteiramente atingível.” (Santaella, 2008:26). Também tem três
níveis:
A noção de interpretante não significa, porém, que não existem atos interpretativos
particulares e individuais. É evidente que sim, e cada pensamento nosso, na cadeia de
pensamentos que somos nós, é um atestado disso. A interpretação de um signo por uma
pessoa é primariamente uma atitude de contemplação, alerta e observação do interpretante
ou interpretantes que o signo é capaz de produzir. É por isso que um mestre taoísta dizia que
uma pessoa sábia nunca sente ressentimento ou frustração porque alguém não lhe disse a
verdade; para aquele que sabe ler signos, todos os signos só revelam a verdade. (Santaella,
2004:63)
Em seu site, www.peta.org, o PETA possui o espaço “PETA Media Center”. Lá são
depositados releases, contatos publicitários, notícias do grupo nos mais variados jornais, link
para a TV PETA e todo o seu material publicitário.
101
Página do Media Center do PETA, www.peta.org/mc/index.asp, capturada em 23/05/2010
102
Os anúncios publicitários, objetos de nosso estudo, podem ser pesquisados conforme o
meio ao qual foram destinados: outdoor, mídia impressa, rádio, TV e banners para internet.
Para nós, o que interessa são os impressos, que também têm sua subdivisão dentro do macro
tema abordado pelo PETA: direitos dos animais.
Quantidade de
Tema
anúncios no site 3
Animais usados para o vestuário 106
Vegetarianismo 72
Animais de estimação 71
Teste em animais, vivissecção 26
Animais usados para entretenimento 9
PETA em espanhol 30 (apenas traduções do inglês)
Antes, porém, como estamos falando de anúncios publicitários de uma ONG, convém
abordar o tema da pretensa diferença que pregam entre publicidade e propaganda. Para isso, é
pertinente recorrer a Roberto Chiachiri, que ao levantar a mesma questão, defende que ambos
os termos têm o mesmo significado.
Costumo dizer sempre que adotaremos os termos como sinônimos. Não simplesmente por
comodismo, mas, sim, por sabermos que estes termos, no Brasil, são utilizados
indistintamente. (Chiachiri, 2006:22)
3
Os anúncios foram pesquisados entre junho e agosto de 2009, no site do PETA, seção Media Center:
www.peta.org/mc/index.asp.
103
ressaltar é a defesa dos animais figurativizada pelos corpos nus. Ao ser questionada sobre o
processo de criação das peças, a organização informou que não trabalha com nenhuma
agência de publicidade. Todas as peças são criadas in house, ou seja, pelos próprios membros
do grupo que atuam no setor de publicidade da ONG.
Ao optar pela semiótica peirceana, eu quis entender como se dá o potencial
comunicativo de suas campanhas e os possíveis efeitos que elas surtem no público.
Quando aplicada ao design ou à publicidade, a análise semiótica tem por objetivo tornar
explícito o potencial comunicativo que um produto, peça ou imagem apresenta, quer dizer,
explorar através da análise, quais são os efeitos que um dado produto está apto a produzir em
um receptor. Esses efeitos podem ser de várias ordens, desde o nível de uma primeira
impressão até o nível de um julgamento de valor que o receptor pode e, muitas vezes, é
levado a efetuar. (Santaella, 2008:69)
A relação do signo com o objeto significa que algum tipo de informação a respeito de algo é
fornecida pelo signo. Quando se trata do ícone, a informação nasce de uma relação de
comparação entre qualidades. Algumas qualidades que o signo apresenta assemelham-se,
para algum intérprete, a qualidades de alguma outra coisa que passa, assim, a funcionar
como o contexto ao qual o signo se refere. Situações indiciais são aquelas em que as
referências são situadas no tempo e no espaço, pois o índice aponta existencialmente para o
seu objeto referencial dentro de um contexto que é próprio desse objeto e do qual não apenas
o signo, mas também o intérprete é parte. No caso dos símbolos, como são as palavras, sem
campo referencial depende dos índices de que os símbolos se fazem acompanhar, pois são os
índices que se responsabilizam pelas ligações do signo com o seu contexto. (Santaella,
2010:176)
Corpus
3 peças: Here´s the rest of your fur coat. (Aqui está o resto do seu casaco de pele).
Mostram artistas bem vestidas e indignadas segurando um animal morto, alusão ao
que sobrou de um casaco de peles.
1 peças: I´d rather go naked than wear fur. (Prefiro andar nu a usar pele). Mostra
uma atriz nua no cenário de um filme que fez.
104
3 peças: I am... and I am a vegetarian. (Eu sou… e sou vegetariano). Nesta série,
artistas dão seus depoimentos sobre o vegetarianismo.
1 peça: Spice up your life. (Apimente sua vida). Tem uma atriz e cantora inglesa
deitada numa cama de pimentas.
1 peça: Get a taste for foie gras. (Experimente foie gras). Imagem da miss do Reino
Unido se submetendo ao mesmo procedimento que os gansos sofrem para que o foie
gras seja feito.
1 peça: All animals have the same part. (Todos os animais têm as mesmas partes).
Mostra a imagem de Traci Bingham, atriz norte-americana, com o corpo dividido,
referência direta aos cortes utilizados pelos açougues.
105
Here´s the rest of your fur coat
Anúncio 1
106
Anúncio 2
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Anúncio 3
108
Os três anúncios tematizam e figurativizam a crueldade que envolve a fabricação de
casacos de pele. Para isso, utilizam artistas que são ativistas em prol dos animais a fim de
estabelecer uma conexão com a mensagem que o grupo quer passar. Foram convidadas
Sophie Michelle Ellis-Bextor, cantora inglesa; Shirley Manson, vocalista da banda Garbage; e
Persia White, atriz e cantora. Chama a atenção nas imagens os animais mortos nas mãos das
modelos. Eles tiveram suas peles supostamente arrancadas para a fabricação de casacos.
Os aspectos qualitativos do anúncio com Shirley Manson estão no fundo branco, que
se expande ainda mais com a brancura da tez da artista. Podemos dizer que, num primeiro
momento, nossos olhos transitam pelo vermelho que está na boca da cantora, nas
extremidades do animal e nas palavras “FUR COAT” (casaco de pele), parando por um
instante na assinatura do anúncio e descansando no azul do vestido leve que ela veste. A pele
exposta do animal apresenta um brilho excessivo.
O segundo anúncio é marcado pelo preto, presente no vestido que se funde com o
fundo da imagem, criando um grande contraste com a palidez dos braços, colo e rosto da
cantora. Também contrasta com as partes mais claras do corpo do animal, em especial seu
focinho. O preto está presente nas unhas da atriz, nas extremidades e em algumas escoriações
do animal.
O terceiro anúncio também é escuro, há variações do preto utilizado no cabelo da
modelo, no vestido e no fundo da imagem. O braço esquerdo tem uma faixa preta
aparentemente tatuada, o que pode sugerir um símbolo de luto. Em seu pulso, também há uma
tatuagem, lembrando uma pulseira.
Os três anúncios trazem personalidades conhecidas e engajadas na proteção dos
animais. O índice para esta afirmação se dá pelo slogan da campanha, assinado por elas nos
anúncios 1 e 2: “Shirley Manson for PETA” e “Persia White for PETA.” Isso já determina as
primeiras características de sinsigno das peças. Em todas, a mensagem é explícita: “here´s the
rest of your coat”, na tradução, “aqui está o resto do seu casaco”, isto é, o que sobrou do
casaco foi apenas um corpo de um animal morto, sem pele e vítima de crueldade. Em
contraste, temos três modelos, elegantemente vestidas, que não precisaram de casacos de pele
para aumentar a beleza e status.
No anúncio 1, temos uma personagem que tem estampado no rosto um misto de
indignação e questionamento. Parece dizer: “Depois do que estou mostrando, vai continuar
vestindo peles?”. O azul do seu vestido traz a denotação da frieza que envolve este ato de
crueldade, mas também é um convite a reflexão. O azul contrasta sobriamente com o
109
vermelho do sangue do animal e está incorporado num vestido elegante, que mostra o
refinamento da modelo, que contrasta com a crueldade da matança.
O anúncio 2 apresenta o olhar intimidador da modelo. Ela acusa: “Olhe o que você
fez!”, postura reforçada pela mão direita na cintura e esquerda no alto, segurando o animal
morto na frente de seu corpo. Uma mulher elegante, forte e que não precisa de peles para
ganhar espaço no mundo glamoroso das celebridades. A cabeça da raposa despenca,
mostrando toda a sua fragilidade diante do que lhe foi feito. O slogan da campanha está
alinhado à esquerda na base do anúncio, em branco, seguida do site www.furisdead.com, em
vermelho. A logomarca do grupo PETA aparece no lado superior esquerdo, numa pequena
caixa azul. O animal, uma raposa, está evidentemente morto, com a carne exposta, em virtude
de a pele ter sido arrancada.
A expressão da modelo do anúncio 3 indica uma raiva que percorre todos os músculos,
mas que é contida, ou seja, não há explosão. Ela mantém a postura firme, embora não consiga
disfarçar completamente, principalmente pela força com que sua mão direita segura a raposa
morta. Ao mesmo tempo, ela parece oferecer o animal para o público ao qual se dirige, como
se o usuário do casaco tivesse se esquecido de levar algo que faz parte do produto adquirido.
O slogan da campanha está na base do anúncio: “Here´s the rest of your coat”, seguido da
assinatura, em vermelho, “Persia White for PETA. Furisdead.com”, em que “PETA” aparece
com sua logomarca.
Sob o ponto de vista convencional simbólico, podemos dizer que os três anúncios
representam a crueldade envolvida na utilização de peles de animais. Generalizam todas as
pessoas que usam peles, simbolizando o ato de violência no qual todos são cúmplices. Como
apontou Santaella (2010:184), “quando a singularidade se generaliza, adquire traços de
símbolo.” Explicitam o destino dos animais que são mortos, exclusivamente, para vestir
pessoas que buscam na pele desses bichos status e beleza. É direcionado, principalmente,
para o público feminino. Lembramos que pessoas que compram peles de animais são os
principais alvos de ataque do grupo. Basta compararmos a quantidade de anúncios feitos e a
repercussão que esse tema gera na mídia em relação aos outros, como o vegetarianismo.
Diante deste contexto, temos como objeto imediato a foto das mulheres com os
animais mortos, que representam o objeto dinâmico, ou o ato cruel daqueles que compram ou
usam casacos de pele.
Corpos dilacerados sempre chocam. Aqui o corpo dilacerado é o “resto”, que nunca
aparece e é colocado no centro da cena, para chocar. É este o interpretante imediato: a morte
110
neste estado tende a causar horror, náusea. Muitas pessoas alegam que comem carne sem
pensar nos animais, mas que seria diferente se presenciassem o animal sendo morto. É a isso
que o PETA se apega ao jogar nos olhos dos consumidores uma imagem que demonstra a
elevada crueldade contra os animais. Contudo, sabemos que, apesar de vários estudos
mostrarem e compararem a inteligência dos animais em relação aos seres humanos, eles ainda
são tidos como irracionais, o que pode fazer com que uma pessoa mais preocupada com a
moda e com a beleza não se deixe abalar por essa crueldade e pelo apelo em prol dos animais.
É importante notar que esses anúncios são feitos pelo PETA nos Estados Unidos, país
com regiões frias e que, por consequência, pedem roupas mais quentes. Neste contexto, as
“belas” peles de animais são usadas pelos estilistas de moda para criar roupas finas, que são
usadas pelas celebridades e pela elite. É a este público que os anúncios se dirigem. Mas como
disse Edgar Morin (1997:142), “a moda desce das elites para as massas femininas”, isto é,
cria-se, então, no imaginário popular a associação de peles com glamour e dinheiro. Contra
isso, o PETA luta, armando-se de belas mulheres que mostram justamente o oposto. Elas
trazem todos os atributos que Morin aponta como necessários para a sedução. No caso dos
anúncios, reforçam que as peles são completamente desnecessárias, para isso usam belas
mulheres para atrair o olhar das belas mulheres que usam peles.
A mulher modelo desenvolvida pela cultura de massa tem a aparência da boneca do amor.
As publicidades, os conselhos estão orientados de modo bastante preciso para os caracteres
sexuais secundários (cabelo, peito, boca, olhos), para os atributos erógenos (roupas de baixo,
vestidos, enfeites), para um ideal de beleza delgado, esbelto - quadris, ancas, pernas. A boca
perpetuamente sangrenta, o rosto pintado seguindo um ritual é um convite permanente a esse
delírio sagrado do amor que embota, evidentemente, a multiplicidade cotidiana do estímulo.
(Morin, 1997:141)
Como veremos nas próximas análises, o PETA joga muito com este arquétipo de
beleza, lidando com o imaginário de corpo perfeito e sedução, sempre mostrando que muitas
beldades dispensam produtos de origem dos animais, o que poderiam torná-las ainda mais
belas. Ou seja, beleza não depende de pele de animal.
E a cultura de massa, no plano da moda feminina, revela sua função própria: dá acesso aos
grandes arquétipos “olimpianos”, procura os prestígios da alta individualidade e da sedução.
Ela permite a identificação mimética. Ao mesmo tempo, mantém uma obsessão consumidora
das roupas, do enfeite, dos objetos de padrão social cuja importância como estimulante
econômico se torna cada vez maior nas sociedades ocidentais. (Morin, 1997:142)
111
I am… and I am vegetarian
Anúncio 1
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Anúncio 2
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Anúncio 3
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Os três anúncios trazem celebridades afirmadas vegetarianos. Conjuga-se aí a fama e o
fato de ser vegetariano. Com exceção de Paul McCartney que não é mais considerado, hoje,
um símbolo sexual, os outros dois têm forte apelo sexual, mostrando corpos bonitos e
desejados.
Vamos começar a análise pelo sinsigno, que dá vida e corpo ao anúncio. Todos estão
no site do PETA e foram reproduzidos em veículos de comunicação, inclusive com mídia
espontânea. Fazem parte de uma série de criações para associar personalidades famosas ao
vegetarianismo, uma forma de fazer com que o público se espelhe em seus ídolos e que
descarte o consumo de carne.
Somente essas características já fazem deles um existente, cabe agora analisar as
características que lhes dão o caráter singular.
As imagens podem ser analisadas em seu aspecto singular como algo que existe, concreto,
aqui e agora, em um determinado contexto, mostrando-se à nossa percepção. Aqui devem
ser observadas as particularidades da mensagem. Analisamos o signo como um existente
concreto no seu caráter singular. (Perez, 2004:155)
Quando lemos, o olhar se move do canto superior esquerdo para o canto inferior direito da
página - e essa diagonal constitui, na verdade, uma dimensão extremamente importante de
muitas pinturas e do desenho publicitário. (Vestergaarde e Schrøder, 2000:41)
115
Seguindo a logomarca, a indicação de um endereço da internet: goveg.com.
Traduzindo, virevegetariano.com.
O segundo anúncio é com o ator britânico Owain Yeoman, considerado sex-appeal e
famoso atualmente pelo seriado The Mentalist. O anúncio tem a imagem do ator olhando-se
no espelho, com o peito nu, mãos apoiadas no cós da calça, cabeça levemente inclinada e
olhos fixos na imagem refletida, como se estivesse admirando o seu corpo. Este jogo de
imagens permite que ele seja visto sob dois ângulos diferentes, de costas e de frente. Há
índices que nos permitem dizer que ele está num quarto: a porta, o cabide com uma camisa
pendurada na maçaneta da porta, à esquerda na imagem. Além da imagem do ator, vemos,
pelo reflexo do espelho um pedaço de uma roupa de cama. Também faz parte da imagem o
texto verbal “I´ve seen how violently animals raised for food are treated, and I don´t want to
support that.”, em português: “Eu vi a violência com que os animais criados para serem
alimentos são tratados, e eu não quero contribuir para isso.” A assinatura do PETA vem logo
em seguida. Abaixo, temos outro texto, “I am Owain Yeoman, and I am a vegetarian”, “Eu
sou Owain Yeoman e eu sou vegetariano”.
O terceiro é com Paul McCartney, ex-Beatle, aparece sentado num banco, estufando o
peito e apontando para a camiseta que tem as palavras “eat no” seguida de um desenho de
uma vaca. Ou seja, “não coma vacas”. “I am Paul McCartney, and I am a vegetarian”
aparece na parte de baixo do anúncio, seguido da assinatura PETA.org. Há um texto verbal na
parte superior direita, ao lado da cabeça do cantor com um depoimento sobre como ele se
tornou vegetariano:
Many years ago, I was fishing, and I was reeling in the poor fish. I realized, “I am killing
him - all for the passing pleasure it brings to me.” And something inside me clicked. I
realized as I watched him fight for breath, that his life was as important to him as mine is to
me. (Muitos anos atrás, eu estava pescando e olhei chocado para o pobre peixe. Pensei “eu o
estou matando - tudo pelo prazer fugaz que me traz.” Então algo dentro de mim estalou. Eu
percebi enquanto via a sua luta para respirar que sua vida era tão importante para ele, como a
minha é para mim.)
O objeto dinâmico pode também possuir um caráter abstrativo (a ideia de amor, por
exemplo) ou um caráter coletivo (qualquer palavra). É ele, pois, que determina o signo e que
neste está, em parte representado. (Chiachiri, 2006:55)
Este objeto dinâmico é representado pelo seu objeto imediato, discurso dos artistas
sobre o vegetarianismo, por meio da imagem deles e das frases que compõem o anúncio, em
especial “I am..., and I am a vegetarian”. Em dois casos, como já visto, temos ainda o
depoimento que reforça o texto verbal principal da campanha.
117
Peirce também atribuiu divisões para os interpretantes. Num primeiro momento, temos
o interpretante imediato, os efeitos que o signo está apto a produzir no receptor, ou seja, todo
seu potencial interpretativo.
O processo interpretativo implica um interpretante imediato, que permite que o signo tenha
sua própria interpretabilidade mesmo antes de ter um intérprete, ou seja, toda a apresentação
de imagens, toda relação imagem-palavra que o torna apto a produzir um efeito em uma
mente interpretativa. (Chiachiri, 2006:56)
118
I´d rather go naked than wear fur
119
São vários os anúncios, todos bem indiciais, feitos pelo PETA e que envolvem
artistas. Este anúncio, com Christian Serratos, faz parte de uma série que também aborda o
uso de peles de animais, colocando a nudez como chamada principal. O anúncio foi tema de
uma reportagem do Folha Online, sob o título “Atriz de “Crepúsculo” tira a roupa em defesa
dos animais”, em 09/11/2009.
O sinsigno é a atriz num ambiente sombrio, com neblinas, árvores, cascalhos e
manchas de sangue que remetem ao cenário de Crepúsculo, filme que estrelou. Traz o texto
impresso “Animals killed for their fur are electrocuted, drowned, beaten and often skinned
alive. Please don´t wear fur.” (Animais que são mortos por causa de sua pele são
eletrocutados, afogados, surrados e, frequentemente, têm sua pele tirada enquanto ainda estão
vivos). A atriz está nua encostada na árvore maior e em destaque no canto esquerdo, uma mão
acima da cabeça apoiada levemente na árvore e a outra cobrindo os seio, boca entreaberta,
cabelos compridos. Tudo isso denota a sensualidade de sua pose. Em estilo gótico, temos
outro texto verbal que reforça o contexto da campanha: “I´d rather go naked than wear fur”
(Prefiro andar nua a vestir peles), seguido do nome da atriz - “Christian Serratos for PETA”,
como se fosse um depoimento dela. Seus aspectos qualitativos estão na tonalidade cinza
esfumaçada, na textura rochosa da árvore, nos respingos de vermelho que cortam o texto, na
luz que incide em suas costas e nas linhas dos textos.
Como legissigno temos a assinatura e logomarca do PETA. Embora a análise da série
“I´d rather go naked than wear fur” tenha se concentrado somente no anúncio com Christian
Serratos, é importante mostrar outras peças que fazem parte desta campanha e que seguem o
mesmo caminho, configurando uma lei das campanhas do PETA.
120
Michelle Manhart é sargento da força aérea norte-america. Também já pousou nua
para a revista Playboy.
121
Joanna Krupa é modelo polonesa. Também já foi capa da revista Playboy.
122
Steve-O é dublê.
123
O que queremos mostrar é que, embora não haja padronização visual, os anúncios
transitam pela nudez dos artistas que estão inseridos cada um em seu contexto, em seu
cenário. Esta preocupação já se configura como um legissigno: a sargento aparece com a
bandeira norte-americana, a modelo numa vitrine e o dublê fazendo peripécias no ar.
Voltando ao primeiro anúncio, o cenário sugere uma floresta sombria, nebulosa, um
filme de terror, com manchas de sangue que tanto podem aludir ao filme Crepúsculo, que
trata de vampiros, como à matança dos animais para que suas peles sejam transformadas em
casaco, objeto dinâmico desta peça. O objeto imediato é, justamente, toda a contextualização
que pega carona no sucesso do filme, reforçada pela nudez da atriz, cujo padrão de beleza é
almejado e desejado; a própria floresta, além de remeter ao filme, também é habitat desses
animais. Tudo isso tem a finalidade de atingir o público-alvo a pensar como a atriz, de corpo
escultural e com carreira de sucesso, que afirma repudiar o uso de peles de animais. A mesma
abordagem consta nos demais anúncios, chamariz duplo para um público que idolatra essas
personalidades e procura seguir seus passos. A premissa é que diante do anúncio, o público
pense: “se ela protege os animais, eu também vou proteger”. Para um defensor dos animais,
chamará a atenção a logomarca do PETA e o título da campanha que, no entanto, pode ficar
em segundo plano para o público em geral. O interpretante dinâmico focará a atenção na
nudez velada da atriz.
Para Baudrillard, a sedução é o oposto da verdade. Ao utilizar jogos de sedução,
abrimos mão de um discurso mais interpretativo. “A sedução é aquilo que desloca o sentido
do discurso e o desvia de sua verdade.” (Baudrillard, 1992:62). Com isso, ele argumenta que o
discurso na sedução beira o superficial, como observado no interpretante dinâmico deste
anúncio.
A profundidade sempre emerge oblíqua por trás do corte, o sentido sempre emerge oblíquo
por trás do corte, o sentido sempre emerge oblíquo por traz do traço. O discurso manifesto
tem estatuto de aparência trabalhada, atravessada pela emergência de um sentido.
(Baudrillard, 1992:61)
124
Get a taste for foie gras
125
Aqui, temos uma mulher amarrada ao que parece ser uma mesa de um restaurante
sofisticado. Índice dado pela disposição do prato e talheres, perfeitamente arrumados diante
dela, além da taça de vinho branco e do encosto dourado e rebuscado da cadeira. O vestido
preto que ela usa combinado com o colar e com o penteado mostram tratar-se de um jantar
especial. Supõem-se pela imagem e por todos os índices que veremos a seguir que o prato
solicitado contém justamente o foie gras. Veio, então, a condenação: ela está sendo
violentamente induzida a engolir ração através de um funil, como se alguém a interrogasse:
“Você sabe como fazem a comida que pediu? Não? Então, veja!” O algoz é um garçom. A
cena é bem indicial e demonstra de que maneira esta iguaria francesa é fabricada. O sangue na
boca da modelo e seu olhar assustado reforçam a imposição. O anúncio tem o texto verbal que
explica o procedimento e objetivo do anúncio:
Foie gras is made by force-feeding terrified ducks until their livers become painfully
diseased and engorged. Please call 311 to urge your alderman to keep this cruel product
banned in Chicago. (O foie gras é feito com alimentação forçada de gansos aterrorizados até
o fígado ficar dolorosamente doente e empanturrado. Por favor, ligue para 311 e peça para
seu vereador manter este produto cruel proibido em Chicago.)
O foie gras é um inimigo antigo dos protetores dos animais, em especial do PETA.
Para banir o produto, eles alegam, sobretudo, os maus-tratos aos gansos criados para o abate.
Abaixo, texto publicado na Folha Online, em 14/05/2009, sob o título “Caviar, foie gras e
palmito integram cardápio „ecologicamente controverso‟ ”.
A prática de forçar a alimentação de patos e gansos para extrair seu fígado gordo remonta à
época dos romanos. Em pequenas propriedades da França, a ave passa seus últimos dias
confinada e recebe uma alimentação semilíquida através de um cano de metal.
No Brasil, a “gavage”, como esse método é conhecido, não é adotada. Em vez disso, os
patos que fornecem o fígado gordo são presos em galpões com iluminação artificial nas duas
últimas semanas de vida, com alimentos energéticos à disposição. “Os animais entendem
que, por ser dia, é hora de comer”, afirma Martha Autran, professora de gastronomia da
Universidade Anhembi Morumbi. Sem espaço para se exercitar, engordam e acumulam
gordura no fígado - que cresce até dez vezes em comparação ao tamanho normal.
Segundo Marcondes Moser, sócio da Villa Germania, produtora de Indaial (SC), a gordura
que se acumula no fígado da ave diminui quando a alimentação é reduzida. “O fígado volta
ao normal. Se estivesse doente, não teria esse retorno nem o pato chegaria vivo ao abate.
Isso é fiscalizado pelo SIF [Serviço de Inspeção Federal]”, diz.
126
Para a WSPA (World Society for the Protection of Animals, Sociedade Mundial de Proteção
Animal, em inglês), os efeitos físicos nas aves são incontestáveis e há fortes evidências de
que esse procedimento causa sofrimento aos animais. “Se o fígado não funciona
corretamente, todas as toxinas fluem pelo sangue, prejudicando a função de vários órgãos e
causando estresse e sofrimento. A respiração torna-se difícil devido à pressão do fígado
contra outros órgãos”, dizem os representantes da entidade.
Todas as características citadas acima são aspectos singulares indicativos. Elas estão
dentro de um contexto, no caso o que deveria ser uma alimentação socialmente responsável, e
indicam de forma inequívoca o objeto ao qual o signo, ou melhor, o conjunto de signos, trata,
que é de um modo geral a proteção aos animais.
Os aspectos qualitativos estão, principalmente, no jogo das cores preto e vermelho. O
preto presente no fundo da imagem se mistura com o colete do garçom e vestido da modelo.
O vermelho ao fundo por vezes se funde com o preto e está fortemente presente nos lábios da
mulher, desde o batom até o sangue que escorre de sua boca, na toalha da mesa e em alguns
pontos no prato. Outros aspectos qualitativo-icônicos estão no branco da luva e camisa do
garçom, na transparência da taça e no dourado que aparece no encosto da cadeira e no cabelo
da moça.
Sob o ponto de vista convencional-simbólico, notamos que nesta peça, ao contrário
das outras, não há associação da modelo como sendo protetora dos animais. Também não há
apelo à nudez. Ela é apenas uma personagem da encenação, proposta pelo PETA, para mostrar
como o patê é fabricado, e está no papel dos consumidores da iguaria, isto é, pessoas de alto
poder aquisitivo que não abrem mão de um bom restaurante e acompanhamentos caros, como
é o foie gras. O objeto dinâmico é manter o foie gras proibido em Chicago, nos Estados
Unidos, como está bem indicado no texto verbal no canto superior esquerdo, além de dar
informações sobre a tortura que os gansos sofrem para que as pessoas saboreiem o patê. Tudo
isso é representado pela modelo sendo forçada a ingerir algo contra sua vontade, em castigo
ao prato que acabara de pedir. O potencial interpretativo está em mostrar, utilizando o ser
humano como exemplo, como os gansos são tratados e, assim, criar na mente do público
repulsa por este alimento, considerando tudo o que ele envolve. O horror na expressão da
modelo reforça a comunicação. Sob o interpretante dinâmico, temos uma imagem que chama
a atenção pela violência num primeiro momento, mas com um tom que pode soar cômico e
caricato, com o olhar assustado da mulher dirigido para o garçom e para o grande funil que
ocupa boa parte da cena.
127
Spice up your life
128
“Apimente sua vida. Vire vegetariano.” Um dos anúncios punidos do PETA, pela rede
de TV norte-americana NBC, já comentado anteriormente, é o vídeo VeggieLove. O discurso
da peça é que vegetarianos são melhores no sexo. E é esta metáfora que está presente neste
anúncio com Sophie Monk, atriz, cantora e modelo inglesa-australiana. Como outros anúncios
do grupo, tem fortes aspectos singulares indicativos. Em primeiro lugar, remete diretamente à
cena mais famosa do filme “Beleza Americana”, de Sam Mendes, como pode ser observado
na imagem abaixo.
129
assim como o uso de mulheres sensuais convidando as pessoas a aderirem à causa dos
animais.
O objeto dinâmico é o incentivo ao vegetarianismo, representado pela imagem da
modelo deitada numa cama de pimentas. Tudo isso leva ao interpretante imediato, ou seja, a
premissa de que ser vegetariano faz bem ao sexo. E quem diz, mais uma vez, é uma bela
mulher. Apimentar significa tornar melhor, mas um melhor que foge às convenções. Espera -
se incitar o público-alvo a aderir à campanha por um sexo mais “apimentado” por meio de
uma mudança na dieta alimentar, para isso eles utilizam uma mulher totalmente vestida de
pimenta. Aos carnívoros, resta apreciar a beleza da fotografia, deixando para um segundo
olhar a chamada principal do anúncio “Go vegetarian!”.
130
All animals have the same parts
131
Para finalizar as análises, escolhi esta peça do PETA que reflete a opinião da maioria
dos protetores dos animais: todos os animais são iguais e todos têm sentimentos, o que inclui
o próprio homem. É comum ouvir este tipo de argumento, como observado na pesquisa
realizada com um grupo de 48 ativistas.
Na opinião dos ativistas, os animais merecem ser respeitados simplesmente porque são
seres vivos. Em todo momento, enfatizam o fato de os animais sentirem dor e sofrerem,
palavras muito utilizadas em seus discursos..
A carne vermelha apresenta uma quantidade abundante de toxinas liberadas pelo sistema
orgânico do animal desde o momento em que é agredido até o instante de sua morte. Tal
acontece como um processo automático de defesa de seu organismo em resposta ao
sofrimento que lhe é imposto. Por mais que essas toxinas sejam porventura neutralizadas
com substâncias químicas artificiais, seus resquícios não desaparecem. (Trivinho, 1998:64)
O vegetarianismo não é o principal objetivo dos defensores dos animais no Brasil, que
têm nos animais de ruas abandonados sua principal preocupação, como observamos no
Capítulo 2. Entretanto, como diz Singer, é durante as refeições que mais nos aproximamos
dos animais, argumento que faz com que a campanha represente muito bem a bandeira
levantada em toda a defesa dos animais.
Para a maioria dos seres humanos, sobretudo os que vivem em centros urbanos e suburbanos
modernos, a forma mais direta de contato com animais não-humanos ocorre nas refeições:
quando os comem. Esse simples fato está no cerne de nossas atitudes para com outros
animais, e é, também, a chave do que cada um de nós pode fazer para mudar essas atitudes.
Levando-se em conta o número de animais afetados, o uso e o abuso de animais criados para
servir como comida excede, em muito, quaisquer outras formas de maus-tratos. (Singer,
2004:108)
“All animals have the same parts” mostra uma modelo nua com riscos por todo o
corpo, indicando os cortes mais utilizados nos animais que viram alimentos. Em letra s pretas,
maiúsculas e em negrito, podemos ler pelo seu corpo: chuck, rib, loin, rump, round, breast,
shouder, que no Brasil equivalem a: acém, filé, costela, alcatra, picanha, peito, paleta.
À direita da mulher há o desenho de um boi, com um coração no meio, envolto pelo
texto verbal “have a heart, go vegetarian” (tenha coração, vire vegetariano). Logo abaixo da
chamada principal do anúncio, também escrito em letras maiúsculas: em português, “todos os
animais têm as mesmas partes.”
132
Os aspectos qualitativos podem ser sentidos nas várias tonalidades do marrom, em
degradê no fundo da imagem, combinando com o tom de pele da mulher, marcado por brilhos
e feixes de luzes que percorrem o corpo e cabelo. A pele apresenta uma superfície lisa, rígida.
Como lei temos neste anúncio e nos demais apresentados pelo PETA, a posição das
modelos, sempre em poses sensuais, cuidadosamente ajeitadas para o clique da máquina
fotográfica. Outra lei são os corpos esculturais e perfeitos, almejados por muitas garotas. É o
tipo de aparência considerada ideal de beleza. Somam-se a isto os cabelos lisos, sedosos e
brilhantes, além, é claro, de um belo rosto com discreta maquiagem. Como legissigno também
temos a assinatura do PETA, antecedida pela assinatura da celebridade que aparece no
anúncio, neste caso, Traci Bingham.
Ele é permeado de índices que nos levam ao objeto dinâmico, que é incentivar o
vegetarianismo com o apelo de uma modelo famosa e nua. O objeto imediato é este: a foto da
modelo com riscos pelo corpo indicando partes dos animais que costumam ficar expostas em
açougues, reforçado pelos textos verbais que apelam para a comparação, a fim de mostrar que
não devemos nos alimentar de animais. Este é o interpretante imediato, que também tem o
potencial de comunicar que os animais são como os humanos.
Uma versão deste anúncio com Pamela Anderson causou polêmica em julho de 2010
por ter sido proibida no Canadá. Segue exatamente o mesmo conceito, com a diferença de
tender mais para o vulgar, destoando da sensualidade presente no anúncio ora estudado. A
repercussão na mídia foi grande.
Atriz Pamela Anderson, de biquíni, em uma pose sensual e marcada no corpo com os nomes
das partes de uma carcaça de carne, como se estivesse sendo vendida em um açougue.
Polêmico? Foi o que os canadenses acharam sobre o novo anúncio do PETA, a People for the
Ethical Treatment of Animals, que defende o não maltrato a animais, incluindo o não
consumo de carne. As informações são do site Pop Crunch. A comissão responsável pela
distribuição de anúncios na TV e cinema de Montreal se recusou a exibir a propaganda, por
considerar “contra os princípios” e por condenarem a atriz, que também foi flagrada fazendo
sexo com o ex-marido Tommy Lee e teve a fita divulgada ao redor do mundo. (“Anúncio
polêmico com Pamela Anderson é vetado no Canadá”, eBand, em 15/10/2010)
133
Com essas campanhas, o PETA chama a atenção para a causa que defende. No
entanto, a repercussão pode focar-se somente na celebridade, sem dar atenção aos motivos
que levaram o grupo a criar tal comunicação. Um exemplo é o caso abaixo, publicado pelo
site Globo.com em 17/08/2009: “Modelo nua é estrela de campanha em defesa dos animais”,
em que o enfoque está somente na modelo. A defesa dos animais é um fator secundário e não
há menção à crueldade, maus-tratos e ao vegetarianismo.
134
As celebridades estão muito presentes na campanha do PETA e parecem não hesitar
em tirar a roupa para incorporar o contrato de comunicação do grupo.
Vestergaard e Schroder alertam que a comunicação pede a colaboração do público
para alcançar seus objetivos. Os meios fornecem a informação e o leitor precisa ter o interesse
em ver e interpretar essa informação, e isso só se concretizará se lhe for oferecido algo. Trata-
se, portanto, de uma troca.
135
O PETA oferece isso nos anúncios que acabamos de ver. Dão ao leitor a possibilidade
de ver famosos ou quase famosos em momentos inerentes aos papéis que desempenham na
ficção.
Mas o que são as celebridades senão artistas que vivem sempre entre dois mundos,
como apontou Roland Barthes ao falar sobre o ator de Harcourt? Barthes diz que não é
celebridade quem não tiver sido fotografado pelo Studio Harcourt. A frase foi tão bem
repercutida que hoje também faz parte do material de divulgação do estúdio.
Fundado em 1934 pelos irmãos Lacroix e por Cosette Harcourt, em Paris, o Studio
Harcourt até hoje convida celebridades e “outros clientes” para serem fotografados e
vivenciarem um tempo entre sonho e realidade, conforme informações de seu site. Entre as
celebridades fotografadas está Brigitte Bardot, atriz francesa e uma das mais engajadas na
defesa dos animais.
A questão é até que ponto essas personalidades são solidárias à proteção dos animais.
Ou não estariam, como apontou Barthes, mais uma vez interpretando. “O ator de Harcourt não
abandona de forma alguma o „sonho‟ pela „realidade‟ ”. (Barthes, 2007:27).
É assim que Barthes aborda o mundo de falsidade no qual vivem as celebridades.
Independente do papel que venham a desempenhar no palco, elas têm que aparecer sempre
como anjos na vida real. Em outras palavras, elas são o que os outros acreditam e esperam que
sejam, moldadas de acordo com o momento e a expectativa do público. Talvez em cena o ator
seja mais verdadeiro.
Dando um novo sentido à frase do filósofo francês, podemos deixar a questão: não é
celebridade quem não tiver uma causa para defender?
136
137
Conclusão
A FORRA DO BOI
138
Nas semanas que antecederam o fechamento desta dissertação, duas notícias sobre
touradas ganharam destaque na mídia: a primeira falava sobre a proibição de eventos deste
tipo na Catalunha, Espanha. O Estado de São Paulo, no dia 28/07/2010, trouxe um artigo “Os
últimos olés da Catalunha”, que claramente se posicionava a favor da decisão do Parlamento
catalão:
Tradições não são eternas, nem sagradas. Se o fossem, ainda estaríamos queimando
feiticeiras e empalando gatos pretos ou sacrificando viúvas, como se fazia na Índia, e os
criados, como se fazia no Egito.
A segunda notícia foi sobre um touro enfurecido que atacou a plateia, ferindo 30
pessoas e que foi, em seguida, sacrificado. A foto do animal com os chifres ensanguentados
estampou metade da página, também do Estado de São Paulo, desta vez no dia 22/08/2010,
sob o título “A forra do boi”.
139
140
Poucas pessoas, hoje, se questionadas, afirmarão que são a favor de touradas. Assim
como são poucas as pessoas que dirão que apóiam a farra do boi, em Santa Catarina, ou que
são adeptas ao uso de peles de tigres, onças ou outro animal tido como exótico. A mídia
favorece esta opinião, fomentando a ideia de que não devemos maltratar os animais e, sim,
preservar as espécies, sobretudo as que estão em extinção.
Mary Warnack, em seu ensaio sobre os animais, em que critica o especismo de Peter
Singer, afirma que os animais só poderão ter direitos se os mesmos estiverem previstos numa
Lei. No Brasil, temos a Lei de Crimes Ambientais nº 9605, de 1998, cujo artigo 32 prevê
multa e prisão para quem a infringir, maltratando os animais. Ela nem sempre é cumprida com
exatidão, assim como muitos outros parágrafos previstos em nossa legislação. O fato é que ela
existe, embora com lacunas. Sobre quais tipos de maus-tratos estamos falando? Alguns são
facilmente identificados, como o caso do “Queimadinho”, um cavalo da Baixada Fluminense
141
que foi vítima de queimaduras graves. O animal “trabalhava” carregando uma carroça na
época em que o agressor atirou álcool e fogo contra seu corpo. A história foi acompanhada
pela autora deste trabalho por meio da TV Record, que diariamente em seus telejornais
noticiava a recuperação do cavalo, que quase morreu. Ele ficou sob tratamento no Batalhão da
Polícia do Rio de Janeiro e ganhou apoio e prestígio da população local, e também do resto do
País após virar notícia. Uma reportagem especial, “A História de Queimadinho”, ocupou
mais de dez minutos do Domingo Espetacular de 20/04/2010. A história segue esse enredo: o
cavalo foi vítima de uma crueldade, pessoas próximas, inclusive crianças, sofrem por vê-lo
neste estado. Mas o fim é feliz, com a recuperação gradual do animal. Na reportagem, o
animal tem sentimento, sente dor e espera por apoio, carinho e compaixão.
142
143
Outro caso: passeando pelo Mercado de São Paulo, vejo pedaços inteiros de porcos,
peixes, aves e bois dispostos pelas barracas. Chama a atenção o ponto “Porco Feliz”, que
vende “carnes nobres e exóticas”. Não vejo ninguém questionando como os animais foram
parar ali ou em que condições foram abatidos. Aliás, não há nenhuma preocupação sobre o
fato de um dia eles terem tido uma vida fora das prateleiras.
144
Mais um ato: a nova vacina contra a gripe H1N1, ou suína como ficou conhecida, foi
testada primeiramente em furões. Sem entrar no mérito do alarde feito pela Organização
Mundial da Saúde sobre a provável epidemia, tido depois como um exagero, o que vimos foi
grande parte da população ser vacinada e protegida. Os animais foram necessários para o
desenvolvimento da medicina, conforme informa o Portal Terra, em 19/08/2009, “Gripe:
teste com animais valida nova vacina, diz laboratório”:
O Novavax disse que a vacina protegeu furões contra a nova cepa pandêmica. Os furões
são os animais mais parecidos com os humanos no que diz respeito à contaminação por
gripes.
“Os furões receberam uma dose de 3,75, 7,5 e 15 microgramas da partícula semelhante ao
vírus H1N1 de 2009, ou um placebo, e receberam o reforço de uma segunda dose após três
semanas”, disse a empresa em nota.
145
Ligando a TV durante o almoço num sábado à tarde, vemos num destes programas que
traz estrelas do show business ensinar um dos pratos favoritos de uma atriz: lombo de porco.
Seria o “Porco Feliz”?
É justamente disso que trata Peter Singer quando inaugurou a “Libertação Animal”, o
paradoxo na relação do homem com os animais, a facilidade com que o ser humano tem de,
mesmo inconscientemente, separar e classificar os bichos. Pode ser que muitas pessoas não
comeriam o porco exposto no Mercadão se o tivessem visto brincando em vida, como o
personagem principal de Babe, o porquinho atrapalhado, filme de 1995. Como vimos, o
porco está sempre presente, seja no prato ou no dito: no “espírito de porco”, em “ser porco”
ou “comer como um porco”. Outros bichos também serviram para rotular os maus hábitos
humanos, se transformando em expressões populares herdadas de nossos antepassados, como
bem explicou Keith Thomas, ao citar o manual de boas maneiras de Erasmo 4:
4
De civilitate morum puerilium (Da civilidade em crianças), de 1530, e que inaugurou o conceito de civilité,
segundo Norbert Elias, em O Processo Civilizador (1990). O manual mostra como as pessoas devem se
comportar em sociedade.
147
Não mexa os cabelos, como um potro; não relinche ao ri, como um cavalo, ou mostre os
dentes, como um cachorro; não balance o corpo inteiro ao falar, como uma lavandisca; não
fale pelo nariz: isso é próprio das gralhas e dos elefantes. (Thomas, 1988:44)
A verdade é que isso não importa. Somos carnívoros, o que é inquestionável. “Como
você consegue ficar sem carne?” é uma pergunta que sempre ouço, principalmente durante as
refeições. Às vezes, finjo que não escuto o questionamento e fica por isso mesmo. Comer
carne é normal. Viver a base de vegetais é o incomum.
Por muito tempo se tentou justificar a soberania humana tendo a Bíblia e o mito da
criação como álibi. Vimos isso nos relatos de Keith Thomas sobre a Inglaterra dos séculos
XV a XVIII. Pensadores, pesquisadores e teólogos sempre tinham um argumento para mostrar
o porquê de os homens poderem utilizar os animais a seu favor.
No século XVIII, Philip Doddridge5 considerava que, como os animais são “capazes apenas
de níveis limitados de felicidade, em comparação com o homem, é “adequado que os
interesses deles cedam ao da espécie humana sempre que, em algum artigo considerável,
surgir competição entre uns e outros.” (Thomas, 1988:27)
Como ele mediu este nível de felicidade, não sabemos. Mas alguém que tem um
animal de estimação poderia questionar. Alguém como uma das mulheres da reportagem
“Filhos de quatro patas”, do Estado de São Paulo, também do dia 22/08/2010, e capa do
suplemento Feminino do jornal. O texto fala sobre mulheres que tratam seus animais de
estimação como filhos.
Criados com regalia pelas irmãs Selma, uma professora aposentada de 57 anos, e Márcia
Hage, biomédica, de 50 anos - as “mães” -, o casal de cães Schnauzer tem de tudo: ração e
xampus especiais, gargantilhas de pelica, roupinha de plush para o inverno com direito a
capuz e detalhes em strass, cobertor, frasqueiras para carregar seus kits de banho e de
higiene bucal, além de visitas corriqueiras ao veterinário. A cama fica ao lado da delas. Nas
noites frias, não hesitam em pular para cima e, ainda, dormem com a cabeça no travesseiro.
Ah, também adoram passear de carro. E há cinto de segurança para a dupla. O perfume? É
francês!
Exagero? A matéria tem por vezes um tom irônico e por meio de depoimentos de
psicólogos alerta sobre os limites da relação com os bichos de estimação. Cita, ainda, os casos
raros de heranças que foram deixadas para os animais.
5
Pastor inglês que viveu entre 1702 e 1751.
148
Limites à parte, mesmo nestes casos extremos podemos dizer que há uma divisão que
separa os animais dos seres humanos. Para começar, muitos deles são de “raça” e muitos
deles são “comprados”. Excluindo o contrabando de crianças, que é outro debate e outra
dissertação, não compramos filhos. Podemos adotá-los, mas não os escolhemos em vitrines de
pet shops, como fazemos com os animais.
O cachorro custava R$ 900, dinheiro que não dispunham naquele momento, em que o saldo
bancário estava no vermelho e não havia trabalho em vista. Eduarda sabia que aquela raça
trazia sorte, e a lenda foi comprovada. “Enquanto ele preenchia o cheque desesperado, o
telefone tocou e fechamos um contrato com o ator e produtor Paulo Betti.”
A cena acima foi narrada por um casal de músicos que comprou um cão da raça lhasa
apso. Será que um vira-lata não merecia a mesma atenção e poderia ser, também, um amuleto
da sorte? O mesmo suplemento que traz esta matéria sobre o amor exagerado pelos animais
indica, na seção Modas, sapatos e bolsas de couro que chegam a custar mais que o cachorro
dos músicos. Nenhuma menção ao boi que serviu de matéria-prima. Continuando a folhear o
mesmo suplemento, nos deparamos com um anúncio da ração “Premier - Raças Específicas”.
Com certeza, não é para qualquer cachorro. Mas pode ter sido feita com qualquer vaca.
Merece o jornal uma carta agressiva de algum protetor citando a Lei nº 9605/98, artigo 32?
149
Enfim, esta é a discussão dos protetores dos animais. Mas aqui também temos outro
paradoxo. Esta é a discussão dos protetores dos animais mais ortodoxos. Aqueles que levam a
sério os questionamentos de Peter Singer. Os que responderam sem hesitar o questionamento
inicial de Warnock: “devemos ser vegetarianos?” Sim, eles respondem, sem piscar o olho.
Mesmo dentro da defesa dos animais, temos voluntários que se dedicam apenas a
cuidar de animais domésticos abandonados. Temos aqueles que lutam contra caça ou em
defesa dos que estão em extinção. E temos os que atacam todos os lados. Numa tentativa de
entrevistar a Nina Rosa, presidente do Instituto que leva seu nome, ouvi:
150
Não adianta falar com a imprensa, não adianta falar com os estudantes. Já fiz muito isso e
não virou nada. Só atrapalha. Tenho muito o que fazer aqui, minha filha, tenho que cuidar de
muitos bichos. Todos, inclusive das moscas.
O PETA, neste contexto, surge como um dos grupos mais radicais do mundo. Ganha
muita mídia espontânea com seus protestos que trazem pessoas nuas, anúncios com conotação
sexual e artistas famosos ou quase famosos. Somente na Folha Online, estudada para o corpus
deste trabalho, foram identificadas 69 matérias com referência direta ao PETA, de 2004 a
2009.
Embora eu mesma tenha sido seduzida por uma das ações do PETA, dentro de uma
revista sobre um ídolo, o Paul McCartney, não posso afirmar que seja uma regra. Talvez uma
regra dentro da exceção. A pesquisa feita para embasar a hipótese do trabalho, de que os
discursos dos protetores dos animais muitas vezes não são efetivos, mostra que 65% dos
ativistas ouvidos já tinham uma predisposição para a defesa dos animais antes de levarem a
sério este trabalho. “Desde criança já gostava de animais.” Então, faltava pouco para eles
adentrarem na luta em prol dos seres não humanos. Bastou um animal específico que viram
sofrendo, informações na imprensa sobre a crueldade ou contato com alguma ONG, entre
outras observações, para se tornarem ativistas da causa.
Ao falar sobre campanhas anti-drogas, Eduardo Furtado Leite analisa as campanhas
preventivas e a real eficácia delas. Termina dizendo que elas não podem garantir que o
consumidor de drogas abolirá o consumo. Ele fala, acima de tudo, em educação e em deixar o
usuário ter acesso a outras práticas que venham a substituir a eventual fuga da realidade que a
droga proporciona (Leite, 2005:107).
Para os animais, não é diferente. Por isso, questionamos alguns artifícios utilizados
pelos defensores dos animais. As campanhas mostram animais mortos, feridos, sem pele e
ensanguentados. Como apontou Barthes em “Mitologias”, isto pode não chocar, porque não
estamos diante da cena, não estamos presenciando e vivenciando o fato. Alguém já viu e
sofreu por nós, diz o filósofo francês ao comentar uma exposição de fotografias para “chocar
o público”, como soldados mortos amontoados.
Ora, nenhuma dessas fotografias, excessivamente hábeis, atinge-nos. É que perante elas
ficamos despossuídos da nossa capacidade de julgamento: alguém tremeu por nós, refletiu
por nós, julgou por nós; o fotógrafo não nos deixou nada - a não ser um simples direito de
uma aprovação intelectual: só estamos ligados a essas imagens por um interesse técnico;
carregas de sobreindicações pelo próprio artista, para nós não têm história, e não podemos
inventar a nossa aceitação a essa comida sintética já perfeitamente assimilada pelo seu
criador. (Barthes, 2004:107)
151
Outro ponto controverso é o engodo artístico. Fernando Pessoa já dizia que “O poeta é
fingidor. Finge tão completamente. Que chega a fingir que é dor. A dor que deveras sente.”
Pois o artista também é um fingidor. Finge tão completamente que podemos não acreditar na
causa que deveras defende.
As celebridades fazem parte do contrato de comunicação do PETA. Estão fortemente
presentes nos anúncios e são responsáveis por grande parte do espaço que o grupo consegue
nos veículos de comunicação por meio de mídia espontânea. Porém, a presença de famosos
não é exclusividade do PETA. Eles estão presentes em muitos anúncios publicitários. Vendem
de tudo e para todos, inclusive ideias, porque os fãs costumam copiar o estilo dos ídolos. Os
roqueiros fãs do vocalista do Guns n´Roses, Axl Rose, saíam pelas ruas com uma faixa na
cabeça, como o cantor, exemplo simplista, mas que retrata uma realidade de cópias e
espelhos.
A diferença para ações e discursos voltados às ONG´s, contrapondo a venda de bens
de consumo, é que partimos do pressuposto de que as celebridades são realmente engajadas na
causa que estão defendendo. Principalmente porque muitas vezes há a divulgação de que não
estão ganhando cachê para expor suas imagens em anúncios, vídeos ou outros tipos de
propagandas que levam o nome dos grupos que apóiam. Afora, muitas delas, falando
especificamente sobre as que aparecem no PETA, dão depoimentos e entrevistas sobre os
direitos dos animais, criticando maus-tratos e fazendo campanhas pelos bichos, mesmo sem
fazer referência direta ao grupo.
Por outro lado, também podemos questionar até que ponto o engajamento não é uma
forma desses artistas se aproximarem dos mortais, de mostrar que também são sensíveis a
causas comuns. Muitos deles precisam estar próximos e presentes, e enfatizar que também são
humanos. Como fizeram condes franceses e príncipes espanhóis no “Cruzeiro do Sangue
Azul”, que Barthes descreve. “Os reis brincavam de homens” (Barthes, 2204:36). Trata-se de
umas férias que apenas reforçam que eles são diferentes. Eles têm que entrar no cotidiano dos
mortais para enfatizar sua origem sangue azul e posição que ocupam no universo dos seres
sobre-humanos.
Temos, ainda, um longo caminho a percorrer até o ponto em que será possível pressionar
restaurantes e fabricantes de alimentos a eliminarem por completo os produtos de origem
animal. Esse momento chegará quando uma parcela significativa da população estiver
boicotando a carne e outros produtos de granjas industriais. Até lá, a coerência exige apenas
que não contribuamos significativamente para a demanda de produtos de origem animal.
Dessa forma, podemos demonstrar que não temos necessidade de produtos de origem
animal. É mais fácil convencer os outros a adotar nossa atitude temperando nossos ideais
com o senso comum do que lutando por um tipo de pureza mais próprio de regras
alimentares religiosas do que um movimento ético e político. (Singer, 2004:264)
153
Singer propõe o abate humanitário, um primeiro passo para diminuir a dor dos
animais. Warnock condena esta posição entrando com um pensamento cartesiano: é ou não
defensor dos animais? Para ela, não pode haver meio termo.
Tendemos a defender o ponto de vista de Singer, pois o ativista ortodoxo e fiel ao
extremo a seus princípios pode afastar as outras pessoas, que passam a vê-lo como alguém
inconveniente que só quer pregar seu ponto de vista. Isto vale para religião, política e não
poderia ser diferente na defesa dos animais.
Equilibrar os dois pontos, vendo que a utilização de animais pelos seres humanos é
muito mais que um hábito e se constitui em algo antropológico, surge como a melhor forma
de dirigir os caminhos a serem percorridos rumo a políticas mais justas para ambos: homem e
não homem.
De degrau em degrau, sem passar por cima de ninguém. Esta é “minha dureza”6,
como disse Nietzsche, num de seus aforismos:
Ninguém abre mão do que conquistou. E a conquista do reino animal e vegetal faz há
muito tempo parte das vitórias humanas. Quem sabe, neste caso, não seja necessário descer
um degrau?
6
“Minha dureza” (Nietzsche, 2005:29)
154
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