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Ecologia e Evolução no Cinema

Marcos Aurélio da Silva


Karine Frehner Kavalco
Rubens Pazza
Araucária Comunicação Integrada
© Copyright 2016, Marcos Aurélio da Silva, Karine Frehner Kavalco
e Rubens Pazza

1ª edição

Edição eletrônica

(2016)

Todos os direitos reservados, protegidos pela lei 9.610/98.


Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou reproduzida - em
qualquer meio ou forma, nem apropriada e estocada sem a
expressa autorização dos autores.

Diagramação: Rubens Pazza


Revisão: Janaína Pazza

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S586e Silva, Marcos Aurélio da


Ecologia e Evolução no Cinema / Marcos Aurélio da Silva,
Karine Frehner Kavalco, Rubens Pazza . -– Rio Paranaíba, MG :
Araucária Comunicação e Editora, 2016.

61 p.

ISBN 978-85-65844-04-8

1. Cinema. 2. Biologia – evolução. 3. Biologia – ecologia. I. Silva,


Marcos Aurélio da. II. Kavalco, Karine Frehner. III. Pazza, Rubens.
IV. Título.

CDD (21. ed.) 791.4

Catalogação: Sibele Fausto - CRB 8/7055


Capa: Igor Henrique Rodrigues Oliveira
___________________________

Livro editado pela


ARAUCARIA COMUNICAÇÃO INTEGRADA
Rua Dona Maria Terta, 64, casa 03, Centro
Rio Paranaíba, MG, 38810-000
http://www.araucaria.net.br
À Darwin.
“A seleção natural é o maior guindaste de todos os tempos. Ela
elevou a vida da simplicidade primeva a altitudes estonteantes de
complexidade, beleza e aparente desígnio que hoje nos
deslumbram.”
Richard Dawkins

“O cinema é um modo divino de contar a vida.”


Federico Fellini
Sumário
Ecologia, evolução e cinema 6
2001: Uma Odisseia no Espaço (2001: A Space Odyssey,
1968) 11
Alien: O oitavo Passageiro (Alien, 1979/2003 Remastered
Edition) 14
Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros (Jurassic Park,
1993) 17
A Sombra e a Escuridão (The Ghost and The Darkness,
1996) 20
X-Men O Filme (X-Men, 2000) 23
A Máquina do Tempo (The Time Machine, 2002) 26
A Estrada (The Road, 2009) 29
Pandorum (Pandorum, 2009) 32
Distrito 9 (District 9, 2009) 35
Avatar (Avatar, 2009) 38
Planeta dos Macacos: A Origem (Rise of The Planet of The Apes,
2011) 42
Prometheus (Prometheus, 2012) 46
Godzilla (Godzilla, 2014) 50
Interestelar (Interstellar, 2014) 53
O Regresso (The Revenant, 2016) 57
Referências Bibliográficas 60
Ecologia, evolução e cinema

Hoje a Ciência tem ocupado o cotidiano moderno como a


mais efetiva ferramenta para manutenção do meio de vida humano
e de suas relações com o meio natural. Desde a revolução das
linhas de pensamento durante o período iluminista, o contexto lógico
e racional tem abrangido mais camadas da sociedade, e maiores
índices de educação mundial são geralmente observados à medida
que os séculos se acumulam desde então.
A divulgação científica é uma importante forma de informar a
maior quantidade possível de pessoas do que se faz em Ciência, de
como a mesma funciona e dos produtos que gera. A necessidade de
uma divulgação científica de qualidade se torna factual quando se
avalia o preocupante nível de desconhecimento frente às ciências
básicas, juntamente com o aumento do obscurantismo e crença no
sobrenatural como explicação aos eventos naturais, como foi bem
observado por Carl Sagan21.
A Teoria da Evolução por Seleção Natural, posta em rota de
colisão com os princípios anteriores de criação tais como geração
espontânea, imutabilidade e desenvolvimento dos seres por
transformismo, foi descrita por Charles Darwin na primeira edição de
A Origem das Espécies de 1859, talvez o mais importante e
elegante tratado biológico já escrito. Segundo observações de
Wilson27, o processo evolutivo, responsável pela modificação das
populações de organismos ao longo do tempo, ainda encontra
resistência tanto nas camadas populares quanto acadêmicas,
levando a uma disseminação incorreta ou equivocada da teoria.
Para Theodosius Dobzhansky, nada em Biologia faria sentido a não
ser à luz da Evolução, e isto exemplifica-se maravilhosamente
quando a diversidade terrestre é colocada em voga.
Um preocupante quadro se forma quando se verifica que
poucos programas de graduação em Ciências Biológicas utilizam
evolução como princípio organizacional; para a maior parte evolução
é apenas outro assunto7. Em todos os espectros do ensino em
biologia a evolução pode e, mais importante, deve estar presente.
Assuntos de estudos que utilizam diferentes métodos, foco em
diferentes ordens de magnitude, conceitos de natureza em
diferentes intervalos de tempo, ou em diferentes categorias
espaciais são unificadas pela teoria da evolução7. Ainda assim,
apesar do fato de que a teoria evolutiva seja bem suportada e não
controversa frente a comunidade científica, ela não é bem aceita
pelo público em geral20. Tem-se demonstrado a importância de
novos e esforçados meios de se ensinar Evolução e, ainda, houve
também uma relação entre raciocínio e ganho em conhecimento
declarativo da evolução como um resultado da instrução22.
A Ecologia também se põe entre as mais importantes
ciências, estudando as relações entre organismos e com o meio em
que vivem, e abrange tudo o que os seres vivos tem feito no planeta
desde o seu aparecimento. A compreensão destas relações serve
em grande parte para a manutenção de nosso próprio estilo de vida,
levando a formas menos danosas de exploração do ambiente por
nossa espécie. Essa importância é corroborada nos estudos sobre a
Educação Ambiental que, aos poucos, vem sendo percebida pelas
políticas e governos15.
Dentro desse contexto amplo, a divulgação científica entra
como importante meio de difusão do ensino e das teorias mais
refinadas. Há um gradiente de formas a se trabalhar com
divulgação: textos, palestras, vídeos, podcasts e outros. Dentre eles,
o audiovisual é um dos mais celebrados, seja pela forma de
documentários ou vídeos curtos educativos. Afinal, o que seria de
vários jovens aspirantes a uma carreira em Biologia não fosse, por
exemplo, uma sessão com os belos documentários (todos
recomendáveis) apresentados por Sir David Attenbourough?
Métodos alternativos para o ensino de ciências entram em
pautas de discussão desde os anos 80. Hoje, pela primeira vez na
história, nós estamos ensinando nossos estudantes para a vida em
um mundo sobre o qual sabemos muito pouco, exceto que ele será
caracterizado por substanciais e drásticas mudanças11.
O cinema é reconhecidamente uma das mais sublimes
formas de arte contemporânea. Tendo sua criação remetida aos
irmãos Lumière no final do século XIX, graças à invenção do
cinematógrafo, a primeira exibição se deu em um café francês no
dia 28 de Dezembro de 1895. Desde então a produção
cinematográfica tem apenas crescido, culminando nas centenas de
filmes (de diversos gêneros e locais) lançados a cada ano.
Com bilhões de arrecadação e movimentação, a arte de
fazer filmes tornou-se uma constante de nosso tempo, e tem sido
utilizada não apenas para entretenimento, mas para suscitar
discussões em todos os campos do cotidiano, desde movimentos
sociais à influência no público. O cinema, assim como o teatro e a
ficção, ensina e diverte. Frequentemente ensina verdades
importantes sobre a condição humana3.
Educadores estão constantemente em batalha para mudar
preconceitos de estudantes que são influenciados – e confundidos –
por filmes e programas de televisão que eles assistem4. Mas, filmes
também abrem uma maravilhosa oportunidade para engajar os
estudantes e encorajar compreensão e interesse4. Isto deixa a
nossa mercê uma excelente maneira de levar tanto estudantes de
escalas iniciais no ensino quanto de jovens indecisos e curiosos a
um maior entendimento de ciência e como a mesma funciona.
Os chamados “arrasa-quarteirões” (Blockbusters) são assim
nomeados devido ao seu impacto no circuito comercial e na
arrecadação. São filmes que abrangem um público amplo e se
tornam conhecidos como referência em seu gênero, estudiosos de
cinema e do público casual. São boas produções artísticas que
influenciam de diversas formas chamando a atenção das pessoas.
Portanto podem ser uma exímia ferramenta de ensino e despertar
de senso crítico.
A “diversão” seja talvez a melhor arma no arsenal de um
professor de ciências, já que Ciência é divertida e estimulante e os
estudantes precisam enxergar isto4. O tráfego entre ficção científica
e fatos científicos está crescendo e, com a proliferação deste gênero
entre os filmes mainstream, televisão e jogos de computadores,
pode-se especular que, para vários estudantes, um interesse em
ciência pode ter sido inspirado por ficção científica2.
Hoje, o rápido desenvolvimento em ciência e tecnologia está
mudando nosso estilo de vida24. Com o avanço da globalização,
aprimoramento das comunicações e comércio integrado entre
nações, a educação também necessitou de uma adequação à nova
rotina, algo que vem sendo modificado aos poucos. Há um
crescente reconhecimento entre educadores que a ciência é um
produto de seu tempo e lugar, intrinsicamente ligado à sua
localização sociocultural e institucional, e profundamente
influenciado por seus métodos de geração e validação11. Com isso
em mente, o método de ensino também visualiza sua modificação
de acordo com a época e área, de maneira que o ensino dinâmico
deve ter seu lugar.
Especificamente em “Evolução Biológica”, vários já
trabalham maneiras de aumentar o interesse pelo assunto - “o
principal problema com a aceitação da Evolução envolve
27
implicações, não fatos” . O tratamento de ideias e discussões tem
seu lugar, e o cinema age como poderosa ferramenta de reunião e
influência em vários casos. Um bom caso estudado recentemente
foi o do concorrente a Oscar de melhor filme em 2009, “Distrito 9”.
Produzida pelo neozelandês Peter Jackson e dirigida pelo iniciante
Neil Blomkamp, a fita aborda discussões de cunho social, além de
uma gama de pontos ecológicos que podem ser observados no
cerne do roteiro mesclado com ficção científica. O tema mutação e
competição podem ser trabalhados dentre alguns capítulos do filme.
Em outas áreas da ciência, professores e educadores já tem se
aproveitado dos temas e discussões que os filmes proporcionam23 e
educadores tem se beneficiado do conhecimento sintetizado nas
obras e incorporado atividades baseadas em filmes nas classes de
Física do ensino médio5.
Filmes de ficção científica geralmente se encaixam
imediatamente na discussão sobre ciência, até porque, desde cedo,
exploraram as novas descobertas e especularam tecnologias e
temas que, potencialmente, se tornariam realidade no futuro. De
Marte a carros voadores, droga digital, amigos robóticos,
teletransporte, comida inteligente e técnicas de reprodução
mitocondrial, estas ligações são muitas vezes atraídas entre ficção
científica e inovação tecnológica1. A melhor ciência e a melhor ficção
científica são as mais criativas e imaginativas 9. A figura do cientista
teve uma disseminação absurda com os sucessos de verão
holywoodianos ou com as produções B, muitas vezes atribuídas a
Roger Corman2. Isto contribuiu para o reforço uma gama de
estereótipos calcados desde os anos 30, a partir da adaptação de
Frankenstein, livro de horror da inglesa Mary Shelley. Entre eles, se
inclui a ciência reducionista, a figura solitária e obsessiva do
pesquisador e a aura divina, manipulativa e escandalosa que é
atribuída à atividade científica2.
Embora documentários sejam produzidos a cada ano, muito
do que as pessoas veem em termos de “entretenimento dramático”,
entretanto, são filmes de ficção científica, séries hospitalares ou
filmes mainstream25. Durante as duas últimas décadas, estudos de
mídia e filmes tem gerado o momentum decisivo para a pesquisa
em filmes como uma medida a ser aplicada às ciências 26.
O aproveitamento dessas mídias para o ensino é feito a
lentos passos, porém quando o é, pode render resultados
satisfatórios. Em suma, o cinema científico ficcional tem um efeito
dramático em como a Ciência é percebida pela população em
geral9.
O papel do professor como divulgador da Ciência deveria
ser indiscutível, e os métodos de ensino precisam se renovar a cada
descoberta. A investigação sobre os alunos e professores para
concepções e seus papéis no ensino e aprendizagem de Ciência
tornou-se um dos domínios mais importantes da pesquisa em
educação científica durante as últimas três décadas6. Por esse e
outros motivos, materiais e ferramentas diversas são necessários ao
ensino de ciências, e a reunião de dados culmina na discussão
proposta nesse livro, que poderá ser usado tanto por alunos,
professores e interessados por ciências biológicas e cinema.
Apesar de termos tratado nesta obra basicamente filmes de
ficção científica, não podemos deixar de destacar uma obra
imprescindível quando se trata de evolução biológica – a
dramatização dos eventos do julgamento de Thomas Scopes,
processado pelo estado do Tennessee nos Estados Unidos por
ensinar Evolução. “O Vento Será Tua Herança” teve quatro versões,
com a primeira sendo lançada em 1960, com direção de Stanley
Kramer e estrelando Spencer Tracy e Gene Kelly, ainda em preto e
branco e com roteiro simples, mas eficiente em manter a atenção do
espectador por quase duas horas. As refilmagens ocorreram
respectivamente em 1965, 1988 e 1999. O roteiro é uma adaptação
da peça concebida por Jerome Lawrence e Robert Edwin Lee. A
história acompanha os eventos do julgamento de um professor do
ensino público que foi acusado de violar leis no estado do
Tennessee ao ensinar a Teoria da Evolução à sua turma,
contrariando os preceitos bíblicos do criacionismo e levantando a
fúria de seus pares na pequena cidade onde os eventos se
desenrolam por vários dias. Obra de relevância até hoje, torna-se
imprescindível a qualquer um que se interesse ou venha a se
interessar por Evolucionismo e seu impacto social e no ensino.
2001: Uma Odisseia no Espaço (2001: A Space
Odyssey, 1968)

Direção: Stanley Kubrick


Roteiro: Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke
Produção: Stanley Kubrick e Victor Lyndon
Elenco: Keir Dullea, Gary Lockwood, William Sylvester, Leonard
Rossiter e Douglas Rain

“Agora, eu tenho certeza que todos estão cientes do


potencial extremamente grave para o choque cultural e
desorientação social previstas na presente situação, se os fatos
foram prematuramente e de repente tornados públicos sem
preparação e condicionamento adequado.” - Dr. Floyd.

Nos anos 60, Estados Unidos e União Soviética mediam seu


poder de fogo e ideológico no fenômeno conhecido como Guerra
Fria. Os dois países também se engajaram nesta época em uma
corrida para desenvolver as melhores tecnologias de satélites e
sondas espaciais. Até certa altura os soviéticos estavam à frente, já
com veículos tripulados na estratosfera. Obviamente os norte-
americanos não deixaram por menos e deram continuidade à seu
programa de lançamentos espaciais. Movido com o amor pela ficção
científica e pelas descobertas e desenvolvimento de novas
tecnologias, o escritor Arthur C. Clark se associou ao diretor Stanley
Kubrick, em alta na época, no projeto que daria origem a um dos
maiores clássicos do cinema contemporâneo e que dificilmente
encontra pares a altura, isto em mais de 40 anos. “2001: Uma
Odisseia no Espaço” pode parecer a princípio difícil de compreender
e acompanhar, já que não segue o estereotipado padrão
cinematográfico de narrativa linear ou repleta de obviedades na
condução da história.
O filme, desde sua concepção inicial, contou com massiva
consultoria científica de diversas áreas, desde ideias gerais de
engenharia aeroespacial, fenômenos físicos, comportamento animal
e, claro, Evolução. O processo exemplificado por Darwin, aliás, é o
mote principal de “2001”. O filme é dividido em tempos, sendo o
primeiro chamado de “A Aurora do Homem”. Nesse bloco da
película o roteiro trata de explorar a Terra em um período primitivo
da história dos hominídeos, em uma região savânica da África.
Populações de nossos ancestrais na árvore são observadas em seu
cotidiano durante 20 minutos, com suas atividades de alimentação,
reprodução e convívio social. Em certo ponto temos a
exemplificação de competição intraespecífica, em que duas
populações entram em choque pelo controle de um precioso recurso
na árida região: uma poça de água. A população pioneira na poça é
expulsa, já que não consegue sobrepor o fitness da população que
acaba de se aproximar. Posteriormente, a população perdedora é
confrontada com a materialização de um estranho objeto
geometricamente perfeito, um monólito de metal ou rocha
desconhecido. O grupo não compreende, mas permanece próximo
ao objeto (este que foi concebido por consultoria de Carl Sagan).
Este contato parece proporcionar um tipo de mutação na
programação gênica (mudança na expressão dos genes, como os
mesmos se comportam) que permite um insight aos membros do
grupo frente ao uso de ferramentas. Durante os anos 70 começou a
ficar bem claro que as características físicas e comportamentais de
Homo sapiens e de seus aparentados próximos, os grandes
macacos africanos em geral e o chimpanzé em particular, na nossa
saga evolutiva revelaram mais ou menos o que se segue (imagine
este ancestral como um animal muito mais parecido com um
chimpanzé moderno): fixação do bipedalismo; produção de
ferramentas de pedra; consumo expressivo de proteína animal; o
desenvolvimento de um grande e complexo cérebro; fixação da
capacidade mental para visão de significado, revolução criativa e
tecnológica; ocupação de todo o planeta17.
O uso de ferramentas permitiu às populações onde esta
característica surgiu independentemente o sucesso sobre as demais
no sistema. Consequentemente, o aumento de cognição,
potencialmente permitindo aos grupos hominídeos, a diferenciação
na dieta, a caça e a dispersão ampla pelo continente, desde o sul
até a África subsaariana. Após a chamada “Descida da árvore”, o
bipedismo foi fixado e as populações com esse caráter persistiram.
A primeira metade de “2001” toma lugar no período imediatamente
posterior à “Descida”. Os ancestrais humanos foram interpretados
por atores e dançarinos sob pesadas roupas e maquiagem, e
estudaram durante meses o comportamento de primatas e a
maneira como se moviam, trejeitos, em zoológicos e documentários
sobre a vida selvagem.
O restante do filme, através de um salto temporal, trata de
explorar as possibilidades da viagem espacial, e como isso afetaria
a vida de nossa espécie, já derivada daquelas basais e possui nas
duas horas seguintes de projeção temas para discussões filosóficas
profundas, com implicações bastante interessantes, o que o
posiciona como boa experiência no campo audiovisual, com a
possibilidade de ser utilizado na discussão em sala de aula ou em
grupos de estudo. E assim o legado de Stanley Kubrick e Arthur C.
Clark perdura e acerta em cheio para ser utilizado em divulgação.

Assuntos que podem ser trabalhados com este filme:

- Tipos de especiação
- Evolução Humana
- Competição intraespecífica
- Competição interespecífica
- Comportamento animal
Alien: O oitavo Passageiro (Alien, 1979/2003
Remastered Edition)

Direção: Ridley Scott


Roteiro: Dan O’Bannon e Ronald Shusett
Produção: Gordon Carrol, David Giler, Walter Hill e Ivor Powell
Elenco: Tom Skerrit, Sigourney Weaver, Veronica Cartwright, Harry
Dean Stanton, John Hurt, Ian Holm e Yaphet Koto

“Você ainda não compreende com o que está lidando, não


é? O organismo perfeito. Sua perfeição estrutural é comparável
somente à sua hostilidade.” – Ash.

O medo e fascínio por seres extraterrestres se encontra


presente no imaginário coletivo desde que a Astronomia ascendeu
como ciência. A partir do entendimento inicial da vida na Terra,
cientistas e entusiastas passaram a imaginar como a vida fora de
nosso planeta poderia ser e se desenvolver, sendo a faísca inicial
para um ramo das Ciências Biológicas e da Astronomia
relativamente novo: a Astrobiologia.
H.G. Wells se aproveitou das especulações acerca das
descrições e descobertas lentas sobre os corpos celestes e deu luz
a uma de suas obras mais faladas, Guerra dos Mundos. O livro foi
adaptado posteriormente para uma peça de rádio, que tinha o
intuído de soar como um anúncio jornalístico verídico, sob a voz
impactante de Orson Wells (Conhecido pela direção e protagonismo
do filme tido como um dos mais importantes na história do cinema,
Cidadão Kane). A peça gerou pânico e frenesi na população, sendo
um dos episódios, que quase sem querer, levou a um experimento
de como os humanos reagiriam, em um primeiro momento, a seres
provenientes do espaço (isto se deu na década de 50, e a situação
e conhecimento geral da população está hoje em patamar
diferente). Mas a partir desta obra, que pode ser considerada
seminal, o cinema foi abarrotado com produções sobre o imaginário
além da Terra e as criaturas que poderiam estar lá fora.
Fugindo do que se estabeleceu como clichê após quase três
décadas, Ridley Scott lançou em 1979 o filme que até o presente dia
é considerado um clássico da Ficção Científica e do Horror. Trata-se
de Alien, que conta no Brasil com o subtítulo “O Oitavo Passageiro”.
O plot de Alien leva o expectador a bordo da nave de carga USCSS
Nostromo, transportando minério de uma distante galáxia para a
Terra a serviço da Weyland-Yutani. A equipe é composta por sete
membros que, em determinado momento da viagem, são retirados
do hipersono pela inteligência artificial da nave (chamada “Mãe”).
Estranhamente, eles percebem que estão na metade do caminho, e
recebem um sinal binário de um frio planetoide próximo. Se o leitor
ainda não assistiu Alien, é altamente recomendado que o faça, já
que as possibilidades de discussão sobre as Ciências evolutiva e
ecológica presentes no filme são estimulantes e divertidas.
Observando o comportamento da criatura encontrada e
levada a bordo do rebocador comercial, pode-se perceber a certa
altura da projeção, que se trata de um ser que necessita de uma
fase intermediária assexuada para completar seu ciclo de vida. No
filme original não há menção a isso, mas na sequencia dirigida por
James Cameron o espectador fica sabendo que há uma única
fêmea que é fertilizada por machos que não foram produzidos pela
combinação cromossômica, portanto assexuados. No entanto,
durante a passagem do que pode se pressupor ser material gênico
para o hospedeiro da fase assexuada, bem como durante sua
estadia, a espécie parasitoide parece assimilar parte do DNA do
hospedeiro, não apenas os nutrientes disponíveis, já que no filme e
no restante da franquia, a criatura parece herdar traços de seu
hospedeiro. Estes traços não foram herdados pelo mecanismo que
chamamos de transferência vertical, processo que ocorre com a
reprodução assexuada, mas através de transferência horizontal de
genes, algo comum entre Archea e Bacteria. Tudo isso somado a
interessante constatação de que as criaturas geradas a partir dessa
incubação não são estéreis, podendo vir a fecundar uma rainha.
O parasitismo e o parasitoidismo são evidentes e bem
exemplificados visualmente ao público. Parasitoides são insetos
cujas fêmeas depositam seus ovos em outros invertebrados (na
maioria insetos) e suas larvas se alimentam do hospedeiro e
eventualmente o matam13.
Algumas inferências podem ser tiradas dessa parte do
roteiro, como a aparente alta adaptabilidade da criatura a diversos
hospedeiros, podendo assim se manter em diversos ambientes e
nichos, bem como comentários feitos pelos personagens durante a
película, ao chamarem o ser de “criatura perfeita”, e assim pode se
fazer um paralelo com organismos reais que possuem um alto
fitness ou se encontram em seu pico adaptativo. Outra pertinente
discussão que pode ser gerada pelo filme seria a necessidade da
fase assexuada/parasitoide da espécie. Uma vez que o organismo
alienígena pode infectar e assimilar características de muitos
hospedeiros, coloca-se em cheque os conceitos de espécie
utilizados na Ciência. Pode-se dizer, inclusive, que este grupo de
criaturas possui um alto potencial evolutivo.
O leitor pode questionar a fundamentação dizendo que se
trata de uma obra fantasiosa, no entanto, é plausível lembrar que há
exemplos na natureza que mimetizam algumas destas situações,
deriváveis da transferência gênica horizontal e de mutações que
persistem em populações dos mais diversos grupos, possibilitando
híbridos viáveis reprodutivamente. Em adição, estudos de genes e
genomas tem indicado que uma quantidade considerável de
transferência horizontal de genes tem ocorrido entre procariotos12.
Outros paralelos presentes na natureza, estes já referentes ao
modus operandi do ciclo de vida, seriam o protozoário transmissor
da Malária e alguns Trematoda9.

Assuntos que podem ser trabalhados com este filme:

- Ciclos de vida
- Herdabilidade e tipos de reprodução
- Transferências vertical e horizontal de genes
- Mutação
- Parasitismo e parasitoidismo
Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros
(Jurassic Park, 1993)

Direção: Steven Spielberg


Roteiro: Michael Crichton e David Koepp
Produção: Kathleen Kennedy, Gerald R. Molen, Lata Ryan e Colin
Wilson.
Elenco: Sam Neil, Laura Dern, Jeff Goldblum, Richard Attenborough,
Bob Peck, Martin Ferrero, Ariana Richards, Samuel L. Jackson, BD
Wong e Wayne Knight

“O mundo acaba de mudar tão radicalmente, e todos nós


estamos correndo para alcançá-lo. Eu não quero chegar a
conclusões precipitadas, mas olha... Dinossauros e Homem, duas
espécies separadas por 65 milhões de anos de evolução são
repentinamente jogados de volta ao mix juntas. Como podemos ter
a menor ideia do que esperar?” - Dr. Alan Grant.

Em 1993, Steven Spielberg lançou aos cinemas outra


daquelas que seria uma obra arrebatadora em seu currículo, e isto
logo após o inquestionável sucesso do drama infanto-juvenil “ET: O
Extraterrestre”. O enredo de Jurassic Park baseia-se no livro
homônimo de Michael Crichton, e como toda boa adaptação
também compartilha dos erros e acertos deste.
O leitor provavelmente não desconhece a sinopse do filme,
que até o lançamento de “Titanic” (1997) por James Cameron, se
manteve na colocação de maior bilheteria do planeta.
Falemos primeiro do bom e mau aproveitamento da imagem
do cientista evolutivo no filme. Ao início, somos apresentados aos
paleontólogos Alan Grant (Sam Neil) e Ellie Sattler (Laura Dern),
que encontram ossadas de Velociraptor em uma escavação de
Montana. Aqui já se inicia um erro, já que esta espécie, Velociraptor
mongoliensis, está com seus achados fosseis restritos à região do
norte da China e Sul da Mongólia. Possivelmente, Crichton não
achou que o nome Deinonychus fosse chamativo ou assustador o
suficiente para adentrar a mente do público médio, portanto resolveu
inverter as nomenclaturas, causando com isso certa confusão entre
os não estudiosos durante muito tempo. Em 1995 Stephen Jay
Gould relata em um de seus ensaios - “Do ponto de vista de um
paleontólogo profissional, eu poderia relacionar um compêndio de
erros factuais, para começar observando que a maioria dos
dinossauros mostrados em “O Parque dos Dinossauros” data do
final do Período Cretáceo”10 e não do que é chamado de Jurássico,
esse sendo anterior na escala geológica. Gould continua -
“Perguntei à Michael Crichton por que havia posto na capa da
versão em livro um Tyrannossaurus, dinossauro cretáceo, e ele
respondeu: 'Ah, meu Deus, jamais pensei nisso; estávamos só
brincando com as imagens, e aquela me pareceu boa.'’10.
Avançando a película, uma das cenas mais interessantes do
filme se traduz nas explicações de uma animação desenvolvida pelo
dono do parque, John Hammond (Attenborough), sobre como o
processo de fossilização funcionaria e como o DNA de organismos
do Cretáceo seria extraído do interior de mosquitos do período
preservados em âmbar. Como não conseguiram extrair sequencias
completas, precisaram completar as lacunas. Com isso realizaram
um mix de genoma de saurópodes e terópodes com anfíbios... Por
que não aves? - Já que este grupo é mais próximo
filogeneticamente dos dinossauros, mesmo na época isto já estava
estabelecido. Esta solução canhestra (para um problema real)
encerra o pior estereótipo da ciência, o de uma iniciativa
reducionista; acontece que os organismos não são entidades
discretas e indissolúveis, não simples somatórios de partes
(imperfeitas)10.
O filme, apesar dos equívocos, suscita discussões
interessantes no próprio roteiro. Como o ambiente pode ser recriado
corretamente se não se conhecia à fundo a fitofisionomia do
ambiente quando aqueles animais viviam sobre a Terra, bem como
demais condições recursos? Fosseis vegetais deveriam também ser
levados em conta, no entanto dificilmente conseguiriam trazer
plantas pré-históricas à vida, pela dificuldade vívida de preservação
de tecidos moles e moléculas como DNA e RNA, que acabam se
degradando ao longo do tempo. Esta última argumentação também
se aplica nas sequencias animais extraídas do âmbar.
O comportamento e cores dos animais tenta ser o mais
próximo do que as descobertas na época permitiam ser possível, já
que a AMBLIN, produtora de Spielberg, não poupou despesas com
animatrônicos ou efeitos especiais, vistos em massa durante a
corrida do imenso grupo de Gallimimus. Outro ponto de acerto foi no
comportamento de caça dos Deinonychus, que presumivelmente
atacavam sua presa pelos lados, rasgando sua couraça com seu
aparato de garras, presentes nas patas traseiras.
A questão da domesticação também é abordada, mesmo
que rapidamente, já que o parque é tratado pelos executivos da
INGEN como um simples zoológico em maior escala, e esperam
que aqueles seres sejam controlados, em um curto espaço de
tempo. Tal coisa seria difícil, já que mesmo a domesticação de lobos
em cães e gatos selvagens nas variações domésticas, levaram
centenas de anos de cruzamentos entre os indivíduos com
características mais desejáveis.
A manipulação gênica seria uma saída, mas os indivíduos
dispostos no meio natural poderiam sofrer mutação, o que de fato
acontece no filme. Controle populacional através do sexo de um
organismo é comum, e esse aspecto é feito nos dinossauros9 e isto
é visto já que os animais do parque foram todos concebidos como
fêmeas, mas em determinado momento se descobre que já estão
procriando assexuadamente, caráter herdado das sequencias
anfíbias e que foi assimilado pelo mecanismo principal de
reprodução. Essa eventualidade foi traduzida para a frase mais do
que clichê: “A natureza encontra um meio”, o que não deixará de ter
ponta de verdade, já que variações pré-existentes poderão levar à
mudança.
Jurassic Park estava à frente de seu tempo como produção,
é verdade, e levou uma geração de crianças e jovens a se
interessarem por ciência e biologia, mesmo que fazendo uso de
preceitos muitas vezes errôneos, porém foi o primeiro filme com o
escopo científico dentro da ficção fantástica a ter um alto índice de
atenção, tanto do público quanto da crítica, auxiliando na
disseminação de pontos evolutivos com base em seus
acontecimentos, acertos e erros cometidos.

Assuntos que podem ser trabalhados com este filme:


- Tafonomia
- Biogeografia
- Eras geológicas
- Ancestralidade de aves
- Princípios de Biologia Molecular
- Carnivoria
- Domesticação
A Sombra e a Escuridão (The Ghost and The
Darkness, 1996)

Direção: Stephen Hopkins


Roteiro: William Goldman
Produção: Gale Anne Hurd, Paul B. Radin, A. Kitman Ho
Elenco: Val Kilmer, Michael Douglas, John Kani, Bernard Hill, Tom
Wilkinson, Brian McCardie, Emily Mortimer

“Leões não fazem isto. Leões... nunca mantém um covil


como esse. Eles estão fazendo por prazer.” - Charles Remington.

Leões ainda estão presentes no imaginário popular como os


reis das savanas africanas e um dos mais temíveis carnívoros. Sua
imagem amplamente explorada trouxe diversas obras com eles em
foco ou em papel de coadjuvantes, vide obras literárias e/ou
cinematográficas como Tarzan, de Edgar Rice Burroughs, a
passagem bíblico-cristã de Daniel na cova dos leões etc. Na era
atual, seriam tidos como topo da cadeia alimentar, ultrapassando
mesmo Homo sapiens sapiens, no papel de predador implacável.
Porém, apesar de sua fama, muitos poucos casos de ataques a
comunidades humanas modernas são conhecidos. Um dos mais
proeminentes assolou uma região próxima à fronteira do Quênia
com Uganda, ao final do período colonial europeu no continente
africano.
Os leões de Tsavo foram um par de animais machos da
espécie Panthera leo, que habitavam os arredores do rio Tsavo,
Quênia. Em 1898, os britânicos levaram a cabo um projeto de
ferrovia, com uma ponte férrea passando pelo rio Tsavo. Casos de
ataques de feras aos trabalhadores começaram a ser relatados e o
pânico se espalhou pela área18. Trata-se de um caso real, um dos
mais famosos, e os leões se encontram hoje taxidermizados no
Chicago’s Field Museum.
Em 1996 foi lançado um dos filmes baseados no evento
(outros já haviam abordado a matança), protagonizado por Val
Kilmer como o coronel John Henry Patterson e Michael Douglas
como o instável caçador Charles Remington, responsável por
planejar e supervisionar a construção da ponte. Por ser um caso tão
específico do comportamento destes leões, mais de um filme
abordou o que aconteceu, e vários estudos foram feitos para
delimitar razões ecológicas que possam ter influenciado os
assassinatos de vários homens e mulheres, já que os leões não
estavam se alimentavam em todas as ocasiões, agindo apenas por
“esporte” em algumas.
Cooperação é a pedra angular do comportamento social de
leões (...), e com os leões de Tsavo, as mudanças ambientais
somadas ao contato com humanos ao final do século XIX podem ter
levado à dieta fora do local comum28.
Registros dos relatos da época, provenientes principalmente
do testemunho de Patterson, estimam a morte de 135 pessoas. No
entanto, de acordo com dois pesquisadores do ponto de vista
ecológico e comportamental do evento, Patterson e Yakel, a média
documentada atinge 28, bem menos do que se imaginava.
A mudança drástica na dieta do pequeno grupo de leões,
vivendo em um relativo isolamento reprodutivo, demonstra uma
certa plasticidade nos machos dessa espécie e a complexa
interconexão de custo e benefício que governa os carnívoros
sociais18 e 28.
Estudos posteriores no esqueleto dos dois leões mortos pelo
coronel Patterson, revelam deformidades na caixa craniana, que
inferidos a estudos neurológicos, também atua como hipótese à
fúria dos animais em suas caças que fugiam do padrão dietético da
espécie. O filme é o que, dos três, melhor exemplifica o período
histórico, e junto à fotografia avermelhada e trilha sonora, se torna
uma experiência bela e tensa ao mesmo tempo.
A cooperação entre os dois leões é bem demonstrada, e
mostra o que concluiu Yeakel em seu estudo: especialização
dietética com grupos cooperativos pode ser comum em populações
de leões bem como benefícios cooperativos transcendendo a
obtenção de alimento. Isto implica em outros benefícios do
comportamento cooperativo que ainda não estão bem claros, visto
que a reprodução também não foi o foco no restrito grupo, que
também mantinha uma caverna com restos de carcaças humanas,
talvez servindo como prêmio de caça (esta cena é vista no filme,
onde Remington e Patterson encontram a cova ao rastrear os leões
durante a tarde).
Stephen Hopkins se mantém firme na direção e não se
dispersa do ponto principal do filme, a relação entre os leões e a
comunidade humana adjacente. A película permite a inferência de
algumas discussões, tais como a redução de habitat influencia as
comunidades naturais, como predadores se aclimatam a um
ambiente com pouco recurso e como as mudanças de condições
afetam a distribuição de predadores. Kilmer e Douglas oferecem
atuações convincentes, junto às participações mais que especiais
de Tom Wilkinson e Bernard Hill.
“A Sombra e a Escuridão” pode não apenas auxiliar em
discussões acerca do comportamento social de grupos carnívoros,
como também pode jogar luz na questão da influência antrópica,
negativa ou positiva, sobre um ambiente antes intacto. Endogamia
acumulando genes deletérios e causando deformidades futuras
também pode ser contemplada, visto os problemas físicos, como
patologias craniodentárias28 que afligiam os dois leões de Tsavo, e
talvez o restante da população da área.

Assuntos que podem ser trabalhados com este filme:

- Carnivoria
- Redução de habitat
- Comportamento social
- Cooperação
- Isolamento reprodutivo
X-Men O Filme (X-Men, 2000)

Direção: Bryan Singer


Roteiro: David Hayter
Produção: Lauren Shuller Donner, Avi Arad, Stan Lee, Richard
Donner, Tom DeSanto
Elenco: Patrick Stewart, Hugh Jackman, Ian McKellen, Halle Berry,
Famke Janssen, James Marsden, Bruce Davison, Rebecca Romijn,
Ray Park, Anna Paquin e Tyler Mane

“Mutação: é a chave para a nossa evolução. É o que nos


permitiu evoluir de um organismo unicelular até a espécie dominante
do planeta. Esse processo é lento, levando normalmente milhares e
milhares de anos. Mas a cada centena de milênios, a evolução dá
um salto” – Charles Francis Xavier.

Os X-Men – também conhecidos como filhos do átomo - são


uma equipe de heróis de quadrinhos da Marvel Comics, criados por
Jack Kirby e Stan Lee sendo publicada em seu título homônimo em
1963. Usando seus dons gerados por uma mutação no gene X
(poderia ser uma analogia ao cromossomo humano X?), eles lutam
para proteger um mundo que os odeia.
O título atingiu seu auge quando o argumento estava à
cargo de Chris Claremont no roteiro e John Byrne na arte, chegando
a vender milhares de exemplares somente nos Estados Unidos.
Entre as sagas de sucesso estão Fênix Negra e Dias de Um Futuro
Esquecido.
Após o fracasso retumbante de Batman e Robin em 1997
(Joel Schumacher chegando ao “fundo do poço”), o gênero de
heróis nos cinemas parecia encontrar seu fim. Porém um jovem
diretor desconhecido, Stephen Norrington obteve sucesso com sua
adaptação do caçador de Vampiros da Marvel, Blade, em 1998.
Com o sucesso deste título, houve o gatilho inicial para que Bryan
Singer e a 20th Century Fox (Que detém o direito dos personagens
até hoje, comprados na quase falência da Marvel como editora ao
final dos anos 90) levassem os mutantes ao cinema.
Com um baixo orçamento em relação a outros filmes de
verão da época, Singer conseguiu elevar o status daqueles
personagens e até alavancar suas vendas nos quadrinhos,
influenciando esteticamente o escritor Grant Morrison na fase New
X-Men. Contando com um competente elenco, que também levou
atores relativamente desconhecidos, como Hugh Jackman, ao
estrelato absoluto, o filme agradou uma boa parte dos fãs, e
abordou na mídia cinematográfica assuntos que os quadrinhos já
colocavam em pauta desde os anos sessenta: segregação,
preconceito, lutas sociais e pasmem, Evolução!
Stan Lee já comentou certa vez em entrevista que não
conhecia a fundo ciência ao criar seus personagens, que via de
regra sempre estavam atrelados a algum aparato ou princípio
científico válido, e mesmo assim foi o responsável por levar certos
conceitos científicos ao conhecimento do público consumidor de
quadrinhos e posteriormente de filmes. “X-Men, O Filme”, começa
com explicações básicas já respeito de Evolução Biológica e
mutação, sob a narração de Jean Grey (Famke Janssen),
conclamando a importância da mutação no mecanismo evolutivo.
De fato a mutação é de suma importância para a mudança
evolutiva, assim como outros pontos. Sabidamente, os quatro pré-
requisitos da mudança evolutiva são: variação pré-existente,
herdabilidade, reprodução e fitness diferencial19. Em “X-Men”, os
mutantes são separados em uma nova espécie de hominídeo, os
Homo superior, nome que já denota vaidade e ilusões de
superioridade pelas habilidades incríveis (quase sempre variadas)
que atingem os afetados pela mutação, com genes que já estavam
presentes no pai (segundo explicação dada pelo personagem Pyro,
de Shawn Ashmore, no segundo filme da franquia) e foram
expressos na prole, produzindo os nomeados poderes.
A sobreposição de espécies aparentadas em um mesmo
nicho é explícita, devido à guerra ideológica e física perpetrada
entre “humanos” e “mutantes”. Tal evento já ocorreu na história dos
hominídeos, com duas populações dividindo nicho e a seleção
retirando uma do ambiente, em um beco sem saída evolutivo, com a
outra população se mantendo.
Tomemos o exemplo mais conhecido, que também foi
utilizado em uma sacada de roteiro em um dos filmes da franquia,
Homo sapiens e Homo neanderthalensis no continente europeu, e
seu contato, tanto hostil quanto gentil, havendo indícios até mesmo
de transferência gênica entre populações das duas espécies. Uma
população de espécie com exploração de nicho semelhante poderá
se sobressair em relação à outra no âmbito da pressão seletiva
sofrida, e com isso afirmar seu domínio naquele local.
Este é o planejamento do vilão principal do filme, Erik
Lensherr/Max Eisenhardt/Magneto, ao querer afirmar o poderio e
substituição de Homo sapiens por uma espécie, nas palavras da
personagem, superior. Isto se constitui de um dos principais erros
quando se fala em Evolução, por sinonimizá-la como progresso ou
melhora, quando evolução é tão somente a mudança ao longo das
gerações. Esta mudança pode ser benéfica ou não, já que isto é
consequencial e não objetivista, de acordo com Ridley (2004).
Mesmo acadêmicos cometem este erro, e esse ponto no filme pode
ser muito bem trabalhado na luta contra as “misconceptions” acerca
de biologia evolutiva. As teorias do equilíbrio pontuado e
gradualismo nos processos evolutivos também podem ser
levantadas, utilizando a ascensão dos mutantes como salto
“discrepante” ou “monstros esperançosos” na evolução de uma
espécie.
Outro ponto extremamente válido para discussão é o fato de
a irmandade de mutantes, e mesmo Charles Xavier, considerarem
uma espécie com base em uma simples mutação de ponto. Este
pressuposto se ampara em qual dos inúmeros conceitos de
espécie? Uma única mutação, ou mesmo poucas, não seriam
suficientes para estabelecer uma nova espécie segundo qualquer
conceito de espécie em voga, mesmo em duas ou três gerações,
como exemplificados no filme (embora a existência de mutantes no
cânone seja descrita desde a aurora da agricultura, mas apenas no
final do século 20 tiveram sua expansão).
Mesmo que os conceitos de espécie ainda não sejam
capazes de explicar exatamente os limites específicos, visto que
nenhum conceito abrange toda a variação da vida, umas poucas
características ou mudanças gênicas que são ou não expressas no
fenótipo, poderiam levar à especiação? Este permanece como uma
das questões em aberto de Lee na concepção dos mutantes e
afiliados e de Singer, adaptando e seguindo a história, uma vez que
o objetivo não era acurácia científica. Tal falha repete-se no primeiro
filme e no restante da franquia, que passaram por outros diretores,
mas mantiveram sua assessoria e produção.

Assuntos que podem ser trabalhados com este filme:

- Papel da mutação
- O que é mutação
- Conceitos de espécie
- Arquitetura gênica
- Expressão gênica
- Gradualismo e equilíbrio pontuado
A Máquina do Tempo (The Time Machine, 2002)

Direção: Simon Wells


Roteiro: H.G. Wells, David Duncan e John Logan
Produção: Arnold Leibovit, David V. Lester, John Logan, Laurie
MacDonald, Walter F. Parkes, Jorge Saralegui, David Valdes
Elenco: Guy Pearce, Mark Addy, Phylida Law, Sienna Guillory, Laura
Kirk, Max Baker, Jeremy Irons, Orlando Jones, Samantha Mumba e
Omero Mumba

“Quem é você para questionar 800 000 anos... de


evolução?” – Über-Morlock.

Viagens temporais aparentemente têm fascinado gerações


de escritores e cientistas, fascínio este que cresceu com as
possibilidades oferecidas ao se conhecer mais sobre a estrutura do
espaço e do tempo. Ainda no século XIX (1895), H.G. Wells publica
um de seus mais conhecidos livros, A Máquina do Tempo, onde um
cientista da era vitoriana consegue desenvolver um meio de se
mover através do tempo, tanto para o futuro quanto para o passado.
Apesar do forte aspecto voltado à Física, logo mais na história o
leitor é jogado em um ambiente hostil onde os seres humanos se
dividiram em duas espécies que compartilham território (condição de
simpatia) milhares de anos após um grande cataclismo. O livro
ganhou sua primeira adaptação para os cinemas em 1960 sob
direção de George Pal, onde o cientista Rod Taylor viajava ao futuro
e encontrava a espécie humana agora subdividida em duas: os
muito pacíficos e camponeses Eloi e os monstruosos e guerreiros
Morlocks. Esse filme é tido como referência no gênero e configura-
se como uma admirável adaptação do material original, ao lado de
“Guerra dos Mundos” (1953) - filme esse que também ganhou nova
roupagem em 2005 nas mãos de Steven Spielberg – e povoou os
sonhos do público durante a segunda metade do século XX, que
imaginava como tudo mudaria em algumas eras.
Em 2002 foi lançada uma nova versão dessa história, com
todos os efeitos especiais de primeira geração que Hollywood
pudesse pagar. Com algumas modificações pontuais, como nomes
de personagens e lugares (Londres sendo substituída pela Nova
York de 1890), o cerne do enredo permanece o mesmo. Após ver
sua amada Emma (Sienna Guillory) ser morta, o físico Alexander
Hartdegen (Guy Pearce) resolve arriscar tudo em uma empreitada
para salvá-la retornando ao fatídico dia. Hartdegen é bem sucedido
na construção de uma máquina que permite viajar na dimensão
tempo, mas não em salvar Emma, que de uma maneira ou de outra
acaba falecendo. Depois de assistir a morte da moça em diversos
ângulos, o cientista imagina que a resposta possa não estar no
passado, mas no futuro. Com esse pensamento em mente, ele
começa sua jornada, para ao final encontrar duas espécies
hominídeas compartilhando o planeta.
Essa versão de “A Máquina do Tempo” não foi bem aceita
criticamente, no entanto a forma como os efeitos foram trabalhados
e exibidos em tela chamam a atenção por mostrar a mudança
através dos tempos em que a máquina de Hartdegen viaja. Durante
aquela que pode ser considerada a cena mais impactante da obra,
Alexander desmaia e vemos como a topografia e ambiente mudam
conforme a passagem de tempo é geológica, com o clima moldando
o ambiente e a vegetação variando de acordo com a época e
condição da Terra. Por exemplo, uma visão rápida de sucessão
ecológica, fito-fisionômica é vista, com plantas pioneiras aparecendo
antes e sendo substituídas por vegetais cada vez maiores e
massivos. Antes disso, durante uma visita ao início do séc. XXI,
Hartdegen presencia as consequências da exploração antrópica
pelas ruínas da Lua saindo de órbita após escavações espaciais
malfadadas, dando margem à uma discussão de cunho
conservacionista e de consequências da super exploração de
recursos, ao mesmo tempo em que mostra a lenta recuperação do
ecossistema após esse tipo de eventualidade que pode levar à
extinção de vários grupos de organismos que não foram capazes de
se manter no sistema.
Após viajar 800 000 anos no futuro, nosso protagonista
encontra uma região de Nova Jersey bem diferente e agora distante
do oceano - aliás, o roteiro poderia ter estendido esse tempo para
que as mudanças a nível geológico fossem mais críveis - além de
populações humanas distintas, exatamente como na história
original. Os Eloi vivem em cidades suspensas de bambu
(possivelmente outro vegetal semelhante, mas consideremos assim)
e os Morlocks no subsolo, tendo estes evoluído a partir da
população de Homo sapiens sapiens que se refugiou nas
profundezas da terra depois da quebra do satélite natural do
planeta. A equipe de efeitos práticos e maquiagem tomou o cuidado
de representar os Morlocks com características troglomórficas, que
remetem ao tipo de ambiente que habitam, como a pele indo do
branco ao translúcido e uma visão falha, já com os demais sentidos
mais aguçados. E a superfície pode ser considerada a barreira
geográfica que permitiu a diferenciação das duas espécies, vindo a
um caso virtual de vicariância. Morlocks se alimentam de seus
aparentados e mantém essa relação já há certo tempo. O filme
extrapola ao final com algumas ideias sobre pensamento conjunto e
comportamento de colmeia com os Morlocks, mas guardadas as
devidas proporções, essas são ideias advindas de comportamentos
realmente presentes na natureza, observadas principalmente em
populações de invertebrados amplamente comunitárias (abelhas,
vespas, formigas e cupins, por exemplo). Todas essas ideias são
arranhadas pelo roteiro, mas não chegam a ser desenvolvidas
plenamente, o que sem dúvidas deixaria a película mais
interessante, mas talvez didática demais para uma parte do público
que não tolera isso em algo que consideram puro entretenimento.
“A Máquina do Tempo” é um filme subestimado na
profundidade de suas discussões, talvez em função de como sejam
apresentadas pelo diretor Simon West. Sob um olhar mais clínico,
se revela uma obra de ficção ímpar em suas camadas de subtexto,
que se derivam do livro de Wells. Ao final merece ser vista, mesmo
que para conhecer as demais obras do autor.

Assuntos que podem ser trabalhados com este filme:

- Extinção
- Taxas de evolução
- Barreiras geográficas e vicariância
- Predação
- Eras geológicas
- Sucessão ecológica
- Fitofisionomia
A Estrada (The Road, 2009)

Direção: John Hillcoat


Roteiro: Comarc McCarthy e John Penhall
Produção: Marc Butan, Mark Cuban, Erik Hodge, Paula Mae
Shwartz, Rudd Simmons, Mike Upton, Todd Wagner e Nick
Wechsler
Elenco: Viggo Mortensen, Kodi Smith-McPhee, Robert Duvall, Guy
Pearce, Molly Parker, Michael Kenneth Williams, Garret Dillahunt e
Charlize Theron

“Eu sabia que isso ia acontecer. Isso ou alguma coisa assim.


Houve avisos. Alguns pensaram que fosse uma farsa. Eu sempre
acreditei.” – O Velho.

Comarc MacCarthy é um dos mais premiados escritores


norte-americanos e sabe como cativar leitores utilizando-se de uma
dinâmica que o faz aventurar-se em diversos gêneros. Um de seus
livros mais elogiados, “Onde os Fracos não têm vez” (No Country for
Old Men), ganhou uma ótima adaptação homônima para as telas
pelas mãos dos aclamados Ethan e Joel Cohen em 2007, obra
ganhadora do Oscar de melhor filme no ano seguinte.
Outra excelente história de MacCarthy, cujo livro foi lançado
em 2006, é “A Estrada” (The Road), que apesar do teor diferente do
livro antecessor, mantém o clima de obscuridade e desesperança
que identificam o autor, aqui alçados a níveis altíssimos. A
adaptação para os cinemas foi lançada em 2009, contando com
Viggo Mortensen protagonizando ao lado de grandes nomes como
coadjuvantes passageiros.
A história do filme não difere do apresentado no livro,
tratando-se de um drama ecológico, familiar e intimista situado em
um cenário pós-apocalíptico. Um pai e seu filho lutam para
sobreviver e perdurar em um ambiente que já se tornou inóspito a
inúmeras formas de vida. A sociedade declinou e os recursos
naturais também, em grande escala. Perigosas gangues de
assaltantes e canibais permeiam as estradas aguardando pelos
incautos, e aqui o conceito de sobrevivência do mais apto é bem
evidenciado no jogo de tensas cenas construídas pelo competente
diretor John Hillcoat.
A competição intraespecífica é praticada em seu limite; com
escassos recursos o consumo de aparentados deixa de ser uma
opção pouco ortodoxa e se transforma em lugar comum. Alguns
grupos de vertebrados e invertebrados sofrem essa pressão durante
períodos de escassez e se voltam para a predação da prole,
assegurando sua própria sobrevivência, e não puramente de seu
pool genético por mais algum tempo.
Eventos de endogamia também são deixados implícitos na
projeção, com possíveis famílias seminais se cruzando e, com
efeito, alelos deletérios são acumulados naquela pequena
população.
Um dos pontos interessantes que podem suscitar uma
discussão no trabalho de MacCarthy/Hillcoat é o desmoronamento
da teia trófica a partir da extinção dos organismos produtores.
Apesar de o cenário no filme não ser real, ele é análogo a muitas
ambientações terrestres durante e após grandes mudanças
climáticas e extinções. Levando-se em conta que o planeta pode
estar próximo de uma sexta grande extinção em massa (ou oitava,
segundo alguns acadêmicos), o que se poderia visualizar em um
futuro provável não seria muito diferente do ambiente gerado pelas
locações e fotografia de “A Estrada”. O evento de extinção que
antecede a narrativa jamais é explicado, e a maior parte dos
sobreviventes encontrados pelos protagonistas durante o avançar
da história também o parece desconhecer. O que permanece
evidente é sua relação direta com o aumento de temperatura,
incêndios e movimentação tectônica atípica.
Como todas as árvores da terra no filme estão caindo
sucessivamente, até não restar nenhuma em pé, há a consequente
poluição das águas pela fermentação da massa vegetal, liberando
etileno e outras substâncias, por mecanismos de anaerobiose nos
cursos, e a lixiviação intensa que pode ocorrer pela total falta de
cobertura vegetal, acusando já alguns sinais da exacerbada
exploração antrópica na agricultura latifundiária (como em nosso
próprio país e no cinturão agrícola dos EUA) bem como em diversas
propriedades de pequeno porte, marcadas pela erosão advinda do
manejo inadequado do solo.
Todo este teor de ameaça, somado à lamúria dos poucos
humanos restantes no globo, induz a uma desesperadora sensação
de impotência e o genuíno desejo de que estes cenários ou
semelhantes se concretizem. A mensagem de preservação é bem
explorada, além de questões sociais profundas que por ora serão
ignoradas.
Pequenas referências de cooperação intraespecífica a
princípios de “altruísmo” (que do ponto de vista acadêmico não tem
o sentido de bondade intencional, chegando a ser considerada por
algumas escolas como um disfarce do egoísmo/vantagem pessoal)
podem ser abordadas em uma ou duas cenas, mostrando de
maneira aplicada como isso pode auxiliar na sobrevivência da
população e na passagem de alguns genes que consigam se fixar
nas populações que permanecerem no sistema. E, mesmo que o
incidente que tenha levado ao início da extinção exibida aqui tenha
sido engatilhado devido à ação antrópica, este não deixará de atuar
sob a perspectiva da seleção natural, afinal o mal uso de cognição
para a autodestruição também é, para todos os efeitos, natural, de
maneira que uma pautada discussão sobre seleção natural vs
seleção artificial também pode ser levantada com a utilização desse
filme.
Se há algo que podemos observar com o auxílio da
paleontologia e história da vida, é a de que o planeta se recupera e
a diversidade irradia após um evento de extinção, de maneira que,
após o malfadado destino dos protagonistas e demais
remanescentes da espécie humana e de todas as demais no filme,
todo um nicho ficaria vago e acabaria sendo ocupado por aqueles
organismos que houvessem passado pelo crivo da seleção natural e
se reproduzissem o suficiente para fixar seus genes em populações
subsequentes. Romanticamente falando, e parafraseando o
personagem de uma obra diferente, oportunamente também
analisada neste trabalho, “a vida sempre dará um jeito.” (Dr.
Malcom, interpretado por Jeff Goldblum com uma de suas
espirituosas frases em “Jurassic Park”).

Assuntos que podem ser trabalhados com este filme:


- Extinções em massa
- Teias tróficas
- Canibalismo
- Cooperação
- Altruísmo x egoísmo em populações animais
Pandorum (Pandorum, 2009)

Direção: Christian Alvart


Roteiro: Travis Milloy
Produção: Paul W.S. Anderson, Jeremy Bolt, Robert Kulzer, Astrid
Kühberger, Travis Milloy, Dave Morrison e Martin Moszkowicz
Elenco: Dennis Quaid, Ben Foster, Cam Gigandet, Antje Traue,
Cung Lee e Norman Reedus

“Não é nada pessoal. É apenas a “sobrevivência do mais


forte” ... Ou talvez seja a do mais brilhante.” – Leland.

No amplo campo da ficção científica, o horror e o medo são


bem explorados e colocados em diversos tipos de contexto,
deixando histórias com grande potencial na história do cinema
fantástico. Algumas obras se sobressaem imediatamente e caem no
gosto do grande público, outras são descobertas após seu
lançamento humilde (mesmo dentro do cinema blockbuster, mas
que não alcançam um público suficientemente grande no nicho de
fãs do gênero). Entre essas obras encontra-se “Pandorum”. Com um
orçamento, linha narrativa e efeitos até decentes, o filme foi exibido
durante pouco tempo, mas se sustenta com uma história no mínimo
curiosa que consegue fugir dos clichês já estabelecidos na ficção
científica.
Em “Pandorum”, acompanhamos a última nave terrestre em
busca de alcançar um planeta tido como adequado à vida animal e
vegetal conhecida após o declínio do planeta natal e, embora o filme
não deixe claro, é quase certo de que seja por ação antrópica. Bem
Foster faz às vezes do Cabo Bower, que desperta depois um
prolongado hipersono e não encontra sinais da tripulação a não ser
seu superior imediato em outra câmara de hibernação. Logo fica
claro que algo aconteceu e eles parecem estar à deriva, mas algo
espreita nas sombras e nossos protagonistas terão de sobreviver
para chegar ao fundo do mistério.
Com algumas interessantes reviravoltas, o filme usa como
temas de fundo o papel migratório como motor de sobrevivência e
algumas consequências evolutivas a partir do isolamento e
endogamia (Naquelas que inicialmente seriam consideradas
criaturas alienígenas). A nave serve como um nicho, com recursos
esgotando após um incidente envolvendo a doença Pandorum (daí
o nome do filme), uma espécie de Febre da Cabana, porém no
espaço. O filme passa brevemente a palavra para a bióloga
interpretada por Antje Traue, que explica que através de transgenia
a tratamentos hormonais foi possível preservar todo um banco de
germoplasma e DNA para iniciarem uma nova vida em Tanis (o novo
exoplaneta que sustenta a vida e seu destino final). Aqui a evolução
age, durante um período relativamente curto de milhares de anos.
De acordo com Moran (1996), bactérias e outros organismos que
realizam endossimbiose já exibem taxas de evolução rápidas no
meio natural, mas como sugerido, as mudanças seriam catalisadas
pelo produto utilizado na conservação à longuíssimo prazo.
Uma amostra da população humana que não foi morta entra
em processo de cruzamentos endogâmicos e mudanças causadas
pelo ambiente começam a reverberar em nível fenotípico, levando à
seleção de características que em consequência aumentam o seu
fitness no ambiente, lembrando que o gatilho para estas variações já
deve estar presente no genoma da população ancestral. A escassez
de alimentos leva o grupo a desenvolver a alimentação direcionada
ao disponível organicamente. Neste caso, algum desperto incauto,
que vez ou outra surge das câmaras de hipersono remanescentes
em decorrência da morte das células de energia da nave, e se
direcionando a um estado de “caçadores-coletores” cruéis, resultado
da forte pressão seletiva.
O filme também acerta ao abordar o comportamento grupal
da população caçadora e como eles se organizam de uma forma
análoga aos humanos pós-descoberta do fogo e ferramentas,
aclimatando-se ao ambiente para garantir a passagem dos
caracteres adiante. O questionamento que fica é sempre o mesmo
nesse tipo de filme, que embora não entre no assunto que tento
desenvolver, é incomodo: como manter a nutrição de milhares de
pessoas em sono induzido durante tanto tempo? Jamais é posto em
pauta um argumento que responda a essa pergunta e para garantir
a fluidez na história da película, tal questão é simplesmente
ignorada.
Finalizando, a panspermia e vida além da terra são
fortemente encorajadas aqui, além de um pouco de biogeografia de
ilhas, que abordaria o movimento populacional de um ambiente
desfavorável para outro mais adequado à reprodução e
alimentação. É crível e possível que nem Travis Milloy tenha se
dado conta desses paralelos ao escrever o roteiro deste pequeno
grande filme.
Assuntos que podem ser trabalhados com este filme:

- Isolamento reprodutivo
- Especiação
- Panspermia
- Cooperação
- Biogeografia de ilhas
- Mutação
Distrito 9 (District 9, 2009)

Direção: Neil Blomkamp


Roteiro: Neil Blomkamp e Terri Tatchell
Produção: Bill Block, Philipa Boyens, Carolynne Cunningham,
Trishia Downie, Elliot Ferweda, Paul Hanson, Peter Jackson, Ken
Kamins, Michael S. Murphey e Mpho Gift Twala
Elenco: Sharlto Copley, Jason Cope, Nathalie Boltt, Sylvaine Strike,
John Sumner, William Allen Young, Vanessa Haywood, Mandla
Gaduka, David James e Eugene Khumbanyiwa

“Ele era um homem honesto, e não merecia nada do que


aconteceu com ele.” – Fundiswa Mhlanga.

2009 foi um ano prolífico para a ficção científica e para o


sentimento de preservação e alarde perpetrados pela ameaça
iminente do aquecimento do planeta (que ainda hoje possui vários
negacionistas) e outras engajadas no combate ao preconceito e
segregação. Duas obras que chegaram aos cinemas com força total
abordando ambos os temas foram “Avatar”, maior bilheteria
cinematográfica da história e de forma mais sorrateira, mas que
surpreendeu ao público e a crítica, “Distrito 9”, do estreante diretor
sul-africano Neil Blomkamp.
Blomkamp acabou apadrinhado por Peter Jackson, notório
por filmes neozelandeses de baixo orçamento e pelo estrondoso
sucesso “O Senhor dos Anéis”, e de sua produtora: Wingnut Films.
Tendo quase carta branca após o sucesso de um curta que
mostrava uma população alienígena inofensiva e faminta chegando
aos céus de Johanesburgo, o diretor pode desenvolver ao máximo
sua ideia dentro do amplo orçamento, chegando a concorrer ao
Oscar de melhor filme em 2010.
Fazendo uma polida mistura de crítica social ácida e ação
com suspense, o filme acerta ao fisgar o telespectador para a
trágica história do protagonista pateta Wikus Van Der Merwe
(Sharlto Copley), que se vê em perigo extremo após inalar uma
substância derivada dos aparatos alienígenas que se encontram no
distrito que se transformou em favela, com “Prawns” (como os seres
extraterrestres são vulgarmente chamados no filme, significando
grilos, mas traduzidos erroneamente como camarões na versão
nacional de exibição) lá vivendo há 20 anos, após o primeiro contato
em 1982.
Iniciado sob a forma de Mocknumentary (falso
documentário) nos são apresentados os aliens vivendo no chamado
Distrito 9 sob condições desfavoráveis e expostos à muita violência
e sujeira, em mais uma cutucada do roteiro acerca das camadas
mais pobres de nossa sociedade e do preconceito que sofrem,
somado ao intenso paralelo feito com o Aparthaid no século
passado. A pressão internacional faz com que o governo contrate
uma multinacional para construir um novo assentamento fora dos
limites da cidade e realocar a imensa população alienígena que
ocupa o mesmo espaço com hostilidades de ambos os lados.
No roteiro podem-se verificar situações que acometem o
meio natural ou que já acometeram com contatos entre populações
de nichos semelhantes que competem por recursos e entrem em
choque, seja físico ou de medidas de força. Poder-se-ia dizer que as
características do ambiente o tornam altamente seletivo, embora a
reprodução de ambas as espécies humanoides esteja à todo o
vapor, principalmente considerando os índices de um país em
desenvolvimento.
A questão da transferência horizontal, já levantada em
ensaios anteriores, é relativamente bem didática aqui: determinado
material contendo DNA alienígena entra em contato com o
protagonista e rapidamente ele começa a manifestar mudanças
fenotípicas da espécie não terrestre. Tais mudanças incluem o braço
onde mais cedo sofrera um ferimento e outros caracteres, como
compreensão da linguagem utilizada pelos seres alienígenas (em
cliques). Há até mesmo uma explicação midiática usada pela MNU
(multinacional mercenária da obra) que faz alusão à maneira como a
transferência horizontal de genes (na mesma geração de espécies)
funcionaria: através do sexo – pausa para ressaltar que a
promiscuidade entre espécies já ocorria, chamada na película de
“prostituição interespécies”.
De fato, cruzamentos interespecíficos ocorreram e ocorrem
até hoje, dificultando a elaboração de uma árvore filogenética
padrão para toda a biodiversidade, evidenciando o dinamismo da
passagem gênica e consequentemente da evolução, visto que nada
em biologia está sujeito às regras operantes. O ponto incorreto do
filme seria a velocidade com que os genes dos Prawns são
expressos morfológica e fisiologicamente em Wikus, de 24 a 72
horas. Não há precedentes na literatura em que espécies distantes
e altamente complexas tenham passado por situação comparável.
As armas aliens, interessantemente, são aclimatadas ao
genoma Prawn, de maneira que funcionam apenas sob seu
manuseio. Assim, humanos não conseguem se apoderar do
potencial bélico da espécie. Com a descoberta do que houve à Van
Der Merwe, a empresa faz de tudo para aproveitar-se do recurso
biotecnológico que possui em mãos, e assim que consegue o testa.
Posteriormente, os pesquisadores retiram tudo o que podem dos
tecidos da agora cobaia, para estudo de sua composição molecular,
a fim de replicar o funcionamento em, possivelmente, voluntários
militares, bem como fins para venda. Os experimentos com
exemplares extraterrestres não são incomuns na MNU, mas Wikus é
o primeiro humano a adquirir caracteres alienígenas com
representativo sucesso, embora ao final do filme, o espectador
possa observar que ocorreu um tipo de substituição genômica e/ou
proteômica, e não mescla fenotípica, já que Wikus perde qualquer
traço de Homo sapiens sapiens em sua morfologia externa.
Distrito 9, apesar de não ter ganho o prêmio de melhor filme,
é um excelente exercício de responsabilidade social e caráter
ecológico, embora este último precise de maior análise e
conhecimento de fundo para identificação. Alguns pontos acerca de
evolução podem ser vistos, ao menos de forma sucinta, bem como o
paralelo histórico com grupos de hominídeos que compartilharam
nicho e o que pode ter ocorrido entre as duas populações de
espécies ao se encontrarem. Os processos experimentados por
nossos ancestrais podem ter sido análogos à situação que envolve
a linha narrativa da obra.

Assuntos que podem ser trabalhados com este filme:

- Transferência horizontal de genes


- Competição interespecífica
- Expressão gênica
- Diferenças entre genótipo e fenótipo
- Condições e recursos
Avatar (Avatar, 2009)

Direção: James Cameron


Roteiro: James Cameron
Produção: Brooke Breton, James Cameron, Laeta Kalogridis, John
Landau, Josh McLaglen, Janace Tashjian, Peter M. Tobyansen e
Colin Wilson
Elenco: Sam Worthington, Zoe Saldana, Sigourney Weaver,
Stephen Lang, Michelle Rodriguez, Giovanni Ribisi, Joel David
Moore, CCH Pounder, Wes Studi, Laz Alonso, Dileep Rao e Matt
Gerald

“Então você decidiu vir até aqui, o ambiente mais hostil


conhecido pelo homem, sem nenhum tipo de treinamento, e ver o
que acontece? O que estava passando pela sua cabeça?” – Dra.
Grace Augustine.

James Cameron é conhecido por dar suporte às campanhas


contra o aquecimento global e para questões ambientalistas,
colaborando com fundações e realizando palestras em todo o
mundo. O diretor também é o responsável por obras reconhecidas
na sétima arte, como os dois primeiros filmes da franquia “O
Exterminador do Futuro” e dois dos maiores sucessos em bilheteria
mundial: Titanic, que dominou o primeiro lugar durante 14 anos e
aquele que viria a tomar sua posição, Avatar.
Concebido em uma aura de megalomania, “Avatar” drenou
fundos da 20th Century Fox, em orçamento oficializado em 273
bilhões de dólares segundo o IMDB, ao mesmo tempo em que
revolucionou o campo dos efeitos especiais e da
tridimensionalidade, batendo recordes de audiência e de perfeição
técnica. Cameron o tomou como seu projeto mais ambicioso e até a
finalização deste manuscrito, ainda não dirigira nenhum outro filme,
se concentrando em pré-produzir as sequências do que considera
sua obra máxima.
A história de Avatar acompanha o ex-fuzileiro naval Jake
Sully (Sam Worthington), que se voluntaria para um programa
científico e de exploração na distante lua “Pandora”, de superfície
rochosa e repleta de orgânicos e que orbita um grande planeta
gasoso em Alfa Centauro. O recrutamento do protagonista se dá
após o assassinato de seu irmão gêmeo e biólogo, que estava de
passagem marcada para a expedição. Se passando em um futuro
ficcional não muito distante, onde a viagem e exploração espaciais
são viáveis há certo tempo, o protagonista é levado ao principal
ponto de extração de um raro minério, chamado no filme de
“Unobtainium”. A principal companhia mineradora a cargo da
personagem Parker Selfridge (Giovanni Ribisi) emprega centenas
de cientistas e alguns milhares de militares como mercenários para
a continuidade da exploração pandoriana, que aparenta já ter
algumas décadas. O departamento de biologia desenvolveu o
programa Avatar hibridizando DNA de uma espécie humanoide
nativa, os Na’vi, com o humano, conseguindo gerar corpos híbridos
viáveis que são utilizados como Mechas (cascas ou trajes dirigíveis),
inicialmente para pesquisar a biodiversidade do planetoide, porém
contando com objetivos secundários de se aproximar dos pioneiros
para coleta de informações que auxiliem a companhia a retirá-los da
zona de concentração de minério.
O papel dos cientistas é um pouco diminuto, mas os
momentos em que são mostrados em campo ou no laboratório são
bem exemplificados, tentando mostrar uma rotina de trabalho
baseada no método e experimentação e tentando não demonstrar
os estereótipos comuns delegados a um personagem que toma por
seus princípios os da Ciência.
O roteiro faz analogias a vários eventos de exploração
ambiental pelo qual nosso próprio planeta passou e continua
passando, tocando em temas pertinentes, tais como a ação
antrópica molda negativamente a superfície terrestre e como a
movimentação de forrageamento humana é demasiado predatória,
causando problemas quando os efetivos populacionais são altos
demais.
A história poderia ter sido mais bem explorada, mas vários
tópicos importantes surgem como pano de fundo, entre eles a
relação animal/vegetal e sua coevolução, características de
manuseio sustentável do meio natural, bem como a alta
interdependência dos organismos, criando um ecossistema estável
ante os mecanismos de seleção, que via de regra estarão ativos no
mundo visto no filme. De maneira análoga, a fitofisionomia de
Pandora, com uma grande massa de densas florestas e cursos
fluviais amplos, lembra bastante o ambiente que se manteve
durante o final do período Devoniano e todo o Carbonífero,
caracterizados pela dominância de plantas vasculares e avasculares
na superfície, que, de acordo com Gibling e Davies (2012)
moldaram a paisagem fluvial e estabeleceram planícies úmidas e
lamacentas do Devoniano tardio ao Pensilvaniano, permitindo
acesso a uma nova cadeia de nutrientes à plantas e animais e uma
mudança no paradigma fitofisionômico da Terra até então. Em
Pandora também se observa a adaptação dos organismos aos
diferentes tipos de ambientes apresentados, e pode-se especular
como eles acompanharam e se diversificaram de acordo com
eventos cataclísmicos ou graduais na superfície daquela lua.
Relações ecológicas são jogadas na tela a todo o momento,
como no ataque de um grande predador a uma manada de
herbívoros, que já possuem todo um aparato de defesa em seu
plano corporal, e na caça bem articulada de pequenos, mas ferozes,
predadores ao protagonista, onde o diretor parece ter se inspirado
no comportamento especulado de raptores e no observado de
hienas modernas. Junte isso a ângulos de câmera eficientes, alguns
animatrônicos e CGI (Computer-generated imagery, ou imagens
geradas por computador) de ponta.
O objetivo de Cameron de chamar atenção para a causa da
preservação ambiental surte efeito, mesmo que ao final, os temas
globais de romance e drama exacerbado tomem conta da projeção.
Entretanto, estes não chegam a atrapalhar o pensamento de
preservação causado pela quase destruição de um belo
ecossistema alienígena da ficção.
“Avatar” se posiciona como um bom filme que pode e deve
ser trabalhado em sala de aula, aproveitando o alto potencial não
apenas de entretenimento da obra, mas de utilização em discussões
pautadas na importância das Ciências Biológicas na manutenção de
um ambiente sustentável e no suporte à compreensão de como o
ambiente influencia os mecanismos evolutivos, isto sem parecer
alegórico. O teor de acusação frente às grandes corporações é
evidente e o filme se utiliza das ações dos vilões do filme para
sugerir até onde a ganância das atividades lucrativas humanas pode
levar, gerando consequências negativas no ambiente, que afetam
toda uma hierarquia de organismos vivos que compartilham o nicho
degradado.

Assuntos que podem ser trabalhados com este filme:

- Coevolução
- Cooperação
- Predação
- Consequências da atividade orgânica na biosfera e
sustentabilidade
- Educação ambiental
- Hibridismo
- Teias tróficas
- Biotecnologia
- Bioética
- Seleção natural
Planeta dos Macacos: A Origem (Rise of The
Planet of The Apes, 2011)

Direção: Rupert Wyatt


Roteiro: Rick Jaffa e Amanda Silver
Produção: Peter Chernin, Dylan Clark, Thomas M. Hammel, Rick
Jaffa, Mike Larocca, Amanda Silver e Kurt Williams
Elenco: Andy Serkis, James Franco, Karin Konoval, Terry Notary,
Richard Ridings, Christopher Gordon, Devyn Dalton, Jay Caputo,
John Lithgow, Brian Cox e Tom Felton

“Por que não começamos? Conheçam o chimpanzé Nove.


Nós o submetemos a uma terapia gênica que permite que o cérebro
crie suas próprias células a fim de se reparar. Nós chamamos de a
cura para o Alzheimer.” – Will Rodman.

Em 1968, outro filme atípico além de “2001” fora lançado, e


assim como este se utilizava de atores trajados de símios em um
belo trabalho de maquiagem, e trazia um ícone dos westerns,
Charlton Heston, em seu elenco. “O Planeta dos Macacos” chegava
aos cinemas e dava o vislumbre de um distópico futuro dominado
por nossos aparentados símios. Com um razoável sucesso para a
época, o filme gerou mais quatro sequências; em média inferiores
ao original. No ano de 2001, o diretor Tim Burton ofereceu aos
aficionados pela franquia uma nova visão da história, com algumas
modificações pontuais e melhorias gráficas consideráveis, em
comparação ao trabalho de maquiagem de 1968, hoje tido como
obsoleto.
Já em 2011, completando 10 anos de aniversário do
fracasso do remake, é lançada nos cinemas comerciais um
recomeço para a franquia, “Rise of The Planet of The Apes”
nomeada no Brasil com o título “Planeta dos Macacos: A Origem”. O
filme se situa em um presente levemente alterado (viagens tripulada
para Marte já são possíveis), e acompanha a rotina de um cientista
desenvolvendo uma pesquisa que visa cessar os sintomas e
proporcionar a total regressão da Doença de Alzheimer. O cientista
é vivido por James Franco e sua luta possui caráter pessoal, já que
seu próprio pai se encontra em estágios avançados da doença. O
composto desenvolvido chama-se ALZ-112 e age como terapia
gênica estimulando a neogênese para repara/substituir conjuntos
celulares cerebrais que estejam defeituosos. Um chimpanzé fêmea
nomeado como “9” é a cobaia que exibe os resultados mais
promissores, como aumento cognitivo acima do normal e melhora
nas habilidades motoras e de manuseio de ferramentas. Após um
incidente, “9” é sacrificada e deixa um filhote, e nele Will (Franco)
observa inconfundíveis manchas verdes na íris, que a mãe também
exibia depois de ser exposta aos testes com o ALZ-112. Neste ponto
pode-se analisar como funciona o mecanismo de herdabilidade e
como uma característica se fixa na população, podendo levar esta a
mudanças ao longo das gerações.
O pequeno filhote, atendendo agora pelo nome Caesar,
cresce e em 18 meses já possui um vocabulário com 24 palavras na
linguagem de sinais, ensinada a ele por Will. Nos anos seguintes a
capacidade cognitiva e motora de Caesar cresce exponencialmente
e, através de alguns testes, Will consegue verificar que os genes
transferidos para a mãe de Caesar através do tratamento com o
ALZ-112 estão agindo no surgimento de mais células do tronco
cerebral, levando consequentemente à alta na inteligência exibida
pelo chimpanzé. Durante o tempo em que esteve observando
Caesar, Will também medica seu pai ilegalmente com a droga (já
interditada) e vê uma significativa melhora e regressão da doença
para a qual, primeiramente, o composto serviria. Neste ponto
podem-se considerar arguições em bioética e até quando a ciência
pode servir como ferramenta de modificação e amortecimento da
seleção natural em populações. Pontos para Amanda Silver e Rick
Jaffa em seu roteiro.
A franquia sempre trabalhou diretamente com o choque de
espécies que se encontravam dividindo nicho e em local-chave da
teia alimentar, além de levantar pontos de discussão acerca de
inclusão social, preconceito pelo diferente e hierarquias evolutivas,
fazendo certa piada com a analogia progressista que é confundida
com evolução. Aqui a espécie humana (considerada no patamar
evolutivo pelos membros da mesma e colocada frente a frente com
a possibilidade de substituição em seu nicho), depara-se com uma
competição interespecífica acirrada (exposta em beleza na tela
grande no final e na sequencia deste filme).
Em “Planeta dos Macacos: A Origem”, os mecanismos
básicos do surgimento de uma nova espécie são abordados, mesmo
que superficialmente, e despertam a curiosidade do espectador, que
poderá vir a desejar saber mais sobre os processos que levam à
evolução das populações. Caesar deliberadamente induz a mutação
(ou simplesmente expressão de genes já existentes - o filme não
deixa claro) em seus colegas de jaula durante seu tempo no centro
de cuidado para primatas de San Bruno, e prepara uma fuga em
massa que resulta em confronto direto com representantes
humanos na ponte Golden Gate, palco de outros inúmeros
desastres e cenas de ação do cinema hollywoodiano. Ao término,
encontram um verdadeiro santuário no parque nacional ao norte de
São Francisco, se abrigando entre as imensas sequoias da área,
demonstrando um comportamento altamente cooperativo. Ali
possivelmente terão um tempo hábil para se reproduzir e em
algumas gerações já terem fixado modificações suficientes para
colocá-los em pé de igualdade com comunidades humanas pré-
agriculturais, levando em conta a velocidade irreal com que as
novas características se expressaram nos primeiros indivíduos
mutados.
Ao final do filme nos deparamos com uma interessante cena
pós-créditos, onde um problemático vizinho de Will, mostrado como
piloto de voos comerciais vai iniciar sua jornada de trabalho e
infectado com uma nova fórmula do ALZ-112 (toda a cena com seu
processo de infecção é vista na última metade do filme). O efeito da
nova configuração do composto aparenta ser nociva em humanos,
sendo contagiosa e destrutiva. Esta cena pode especular o que
acontecerá a seguir, com uma possível extinção de Homo sapiens
(causada não unicamente pela competição com a espécie
aparentada) e ascensão de uma nova espécie de símio tomando
seu lugar no nicho vago.
Este filme representa uma ferramenta de bom calibre para a
quebra de misconceptions em evolução, bem como o levantamento
de algumas relações ecológicas que podem ser analisadas com as
ações dos personagens símios, magistralmente encaixada na
técnica de captura de movimentos colocada em voga por Andy
Serkis em O Senhor dos Anéis (Serkis, inclusive, é o interprete do
líder da nova comunidade de símios, Caesar).

Assuntos que podem ser trabalhados com este filme:

- Mutação
- Bioética
- Terapia gênica
- Macroevolução
- Seleção artificial
- Herdabilidade
- Cuidado parental
- Cooperação
- Sistema de castas em primatas
- Competição interespecífica
- Extinção
- Introdução de espécies exóticas em ambientes naturais
Prometheus (Prometheus, 2012)

Direção: Ridley Scott


Roteiro: John Spaihts e Damon Lindelof
Produção: Michael Costigan, Michael Ellenberg, David Giler, Walter
Hill, Mark Huffam, Teresa Kelly, Damon Lindelof, Mary Richards e
Ridley Scott
Elenco: Noomi Rapace, Michael Fassbender, Charlize Theron, Idris
Elba, Guy Pearce, Logan Marshall-Green, Sean Harris, Rafe Spall,
Emun Elliot, Benedict Wong, Katie Dickie e Patrick Wilson

“Grandes coisas tem pequenos começos.” – David.

Ridley Scott é considerado um cineasta de altos e baixos.


Após seu inegável sucesso com Alien e posteriormente com “Blade
Runner”, ele diminuiu um pouco o ritmo na ficção científica, se
dedicando a outros projetos, entre eles “Falcão Negro em Perigo” e
“Hannibal”. No entanto os fãs sempre aguardaram seu retorno ao
gênero que o consagrou, e eles puderam ter esse prazer finalmente
quando em 2010/2011 surgiram os primeiros indícios de seu novo
projeto, que de uma maneira ou de outra abordaria a mitologia
criada com “Alien: O Oitavo Passageiro”. O material de pré-
produção deu a entender que se trataria de uma prequel (sequência
que conta as origens) do filme original de 1969. O público finalmente
saberia como surgiu a criatura xenomórfica e de onde havia vindo
aquela estranha nave de uma civilização desconhecida, que a
tripulação da Nostromo havia encontrado em uma pequena lua
distante da Terra.
“Prometheus” se encaixa melhor como um spin-off e, apesar
de mal recebido por fãs e crítica, possui uma das mais belas
fotografias já apresentadas em um filme do gênero, além da
adequada utilização de ambientes inóspitos terrestres a fim de
representar um ambiente alienígena pré-biótico. Grande parte das
tomadas externas foi filmada utilizando a paisagem islandesa, com
suas altas montanhas ao lado de planícies cobertas de musgos e
líquens.
O filme toma lugar em um futuro não muito distante, mais
precisamente 2089, quando dois arqueólogos, analisando pinturas
em escavações espalhadas pelo mundo, encontram um tipo de
mapa estelar padronizado indicado por seres gigantes a tribos
humanas. Tais pontos imitam os mesmos marcos em culturas
distantes geograficamente e culturalmente umas das outras. Aqui o
filme tenta incutir um sistema de crenças metafísicas exacerbadas
em nossos protagonistas, aonde os mesmos chegam a deixar o
método científico em segundo plano por alguns momentos. Os
doutores conseguem convencer um rico executivo, Peter Weyland
(Guy Pearce), a financiar uma expedição estelar ao local que
coincide com os pontos encontrados nas diferentes escavações. A
nave Prometheus (dada em homenagem ao conhecido personagem
da mitologia grega) leva uma pequena equipe de cientistas,
tripulantes e pessoal de segurança a um planetoide orbitando um
gigante gasoso, em uma viagem de dois anos.
Durante o sono criogênico da tripulação humana, um
androide da companhia, David (Michael Fassbender), toma conta da
manutenção da nave e se ocupa assistindo filmes e estudando
linguagens, modernas e antigas. Ao se aproximar de LV-223 (nome
dado ao planetoide fictício) em 2093, a tripulação desperta do
hipersono e com alto ânimo em encontrar sinal de vida ou de seus
criadores (aqui vale ressaltar que uma das inspirações de Scott foi o
livro “Eram os Deuses Astronautas?” - livro pseudocientífico e de
misticismo escrito por Erich von Däniken).
Para entender o que acontece na película na sequência, é
necessária uma informação dada no início do filme, antes do
expectador ser apresentado ao título do mesmo. Nestas cenas, um
desses seres alienígenas idolatrados pelos dois arqueólogos ingere
um líquido negro que desmantela sua estrutura corporal a nível
molecular. Seus restos caem e entram em reação com a água e
com os outros compostos presentes, e dão início à reestruturações
e tentativas de biogênese no ambiente aquoso, que leva à origem
dos primeiros replicadores terrestres (RNA e DNA) e das primeiras
células. De fato, a origem da primeira célula é uma das questões
centrais na evolução molecular e história da vida, e há um debate
sobre a questão de termos tido um único ancestral celular/espécie
única ou toda uma comunidade de ancestrais comuns14. O roteiro
acerta neste ponto de especulação, mas erra cientificamente ao
atribuí-lo ao desígnio de um ser extraterrestre (ou neste caso um
acidente que causou o desenvolvimento e evolução de vida na terra,
não muito diferente conceitualmente do que pode ter vindo a
ocorrer). Não há qualquer evidência a origem da vida na Terra tenha
sido programada ou direcionada por evento qualquer.
No planeta isolado, a equipe encontra uma estrutura
enterrada na rocha que dá pistas do paradeiro dos ditos
“Engenheiros”, além de toda uma câmara contendo material
orgânico e possíveis organismos vivos. Todo o ambiente parece
uma verdadeira câmara de seleção para seres parasitas que
infectam o hospedeiro com quem tomam contanto e induzem
mutação por transferência horizontal rapidamente, o que não pode
acontecer em organismos multicelulares complexos na vida real,
dado o tempo de geração e o tempo necessário para se expressar
novas características na população (e não em um só indivíduo, visto
que indivíduos não evoluem). Após um acidente envolvendo
contaminação induzida por David, curioso e impassível com todos
os acontecimentos a sua volta, o Dr. Holloway, (Logan Marshall-
Green) acaba infectado, sofrendo uma imprevisível mutação que
não demorará a expressar-se fenotipicamente, ao mesmo tempo em
que copula com sua parceira, passando seus gametas já com os
genes mutantes, o que causará mudanças na embriogênese
(desenvolvimento) do feto proveniente do relacionamento sexual.
Em uma das melhores cenas já produzidas, a Dra. Elisabeth Shaw
(Noomi Rapace) dá à luz, por meio de uma cesariana forçada, a
uma criatura com forma primitiva aos seres parasitas apresentados
nos demais filmes da longa franquia. Mais à frente na projeção
descobre-se que as criaturas funcionam como armas biológicas de
destruição em massa e que a espécie ancestral que compartilha
genes com humanos e todas as demais criaturas terrestres estava
levando-as para a Terra para causar uma extinção planetária. A
motivação para isto, entretanto, não é explicada.
O filme possui um momento cômico e ao mesmo tempo
contemplativo que se apresenta quando vemos o questionamento
do biólogo pateta, Milburn (Rafe Spall), durante a apresentação
inicial da expedição, de como os doutores Shaw e Holloway
pretenderiam refutar mais de 3 séculos de Darwinismo com uma
simples crença. Esta cena é oportuna, pois é o mesmo que
negacionistas de Evolução Biológica tentam exasperadamente fazer
ao tentar incluir a possibilidade do ensino de criacionismo no
sistema de ensino de vários países como alternativa à evolução, e
na dificuldade de grande parte das pessoas em compreender que a
evolução não necessita de uma mente projetista para guiar a
mudança e dos processos que levam a ela.

Assuntos que podem ser trabalhados com este filme:

- Parasitismo
- Parasitoidismo
- Princípios de evolução molecular
- Extremófilos e sua ecologia
- Origem da vida
- Mutação
- Expressão gênica
- Taxas de evolução
- Extinção
- Papel do acaso na evolução
Godzilla (Godzilla, 2014)

Direção: Gareth Edwards


Roteiro: Max Borenstein e Dave Callaham
Produção: Yoshimitsu Banno, Martin Cohen, Bob Ducsay, Alex
Garcia, John Jashni, Kenji Okuhira, Mary Parent, Brian Rogers,
Leeann Stonebreaker, Shannon Triplett, Thomas Tull e Patricia
Whitcher
Elenco: Aaron Taylor-Johnson, CJ Adams, Ken Watanabe, Bryan
Cranston, Elizabeth Olsen, Carson Bolde, Sally Hawkins, Juliette
Binoche, David Strathairn, Richard T. Jones, Victor Rasuk e Patrick
Sabongui

“A arrogância do homem é pensar que tem a natureza sob


controle e não o contrário. Deixe-os lutar.” – Dr. Ichiro Serizawa.

A criatura Godzilla já se tornou um marco da cultura pop,


tendo sua introdução feita no debut japonês de 1954, refletindo o
medo da população oriental a respeito dos testes atômicos nos atóis
do pacífico, anos após os bombardeios atômicos por forças norte-
americanas em Hiroshima e Nagasaki, ao final da Segunda Guerra
Mundial. A Toho, produtora do primeiro e de todos os outros filmes
com a criatura reptiliana gigante, teve um reconhecimento grande
com a franquia e no final dos anos 90, a primeira adaptação
ocidental surgiu sob as mãos do cineasta Rolland Emerich (O Dia
Depois de Amanhã, Independece Day). Essa versão ainda hoje é
quase execrada pela crítica e pelos fãs do mostro original por sua
destruição desmedida em maquetes emulando Tóquio.
Eis que em 2014 é apresentada a nova versão norte-
americana, com supervisão próxima da Toho, custando um total
aproximado de 225 milhões de dólares. O novo filme foi dirigido
Gareth Edwards e apresenta ao público uma nova origem para a
criatura, além de elaborar algumas interessantes características de
comportamento e ecologia do ser, o remanescente de uma
população de predadores alfa da era Mesozóica, que obtinham
energia em uma cadeia trófica que incluía muito mais radiação no
ambiente, segundo o filme.
A história se passa em três períodos distintos; o último
sendo em 2011 onde o expectador acompanha a conturbada
relação de Ford (Aaron Taylor-Johnsson) e Joe Brody (Bryan
Cranston), pai e filho, já que o pai é obcecado com o acidente que
ocorreu na usina em que trabalhava em Janjira – Japão, ao final dos
anos 90. Este acidente custou a vida da mãe de Ford, mais tarde
descobrindo-se que acontecera pela entrada de um organismo
invertebrado e parasita antigo que se encasulou no reator da usina,
a fim de completar seu desenvolvimento corporal e passar à
próxima fase, a reprodutiva. Quando Ford e seu pai descobrem o
que realmente ocorreu, o casulo se rompe e o Muto (designação da
criatura no filme), após se defender de alguns ataques diretos de
forças de segurança do projeto Monarca na usina, levanta voo (com
design e tipo de forrageamento muito influenciado por formigas e
zangões). Neste ponto o filme faz várias observações bem pautadas
a respeito do comportamento do organismo baseado em seu tipo de
hábito e outros pontos ecológicos, como fases de vida, eco
localização e cortejo sexual.
O Muto se desloca pelo pacífico até as ilhas havaianas,
emitindo um chamado para acasalamento para a fêmea (cujo casulo
inerte fora encontrado na época do desastre em Janjira em uma
mina filipina), através de pulsos eletromagnéticos.
Concomitantemente, outro ser ouve o chamado e se põe em caça
aos Mutos, cumprindo o papel ecológico consequente no controle
populacional do parasita. Após buscar por alimentação em um local
próximo à Honolulu, o Muto é atacado por forças militares humanas
ao mesmo tempo em que tem seu primeiro encontro com Gojira,
com o qual após um embate inicial, fica em perseguição até a costa
oeste norte-americana. Neste ponto, ignorando a população de
humanos, ambas as criaturas entram em conflito do tipo predador-
presa. Os dois Mutos se acasalam em meio à confusão, e com a
fertilização dos ovos da fêmea, esta constrói um ninho em
Chinatown, e Gojira se aproxima por água para mais um embate.
As cenas são glamourosamente filmadas e os efeitos
práticos e visuais são estonteantes, associados à trilha sonora
orgânica presente. Edwards e sua equipe observaram por algumas
semanas a maneira como ursos e outros predadores de topo com
porte avantajado lutam e isto os auxiliou a deixar os movimentos de
Gojira mais palpáveis e realistas, bem como o bom trabalho de som
na vocalização das duas espécies presentes no filme. As críticas
foram positivas na época, embora a bilheteria não tenha sido
exatamente um sucesso, mas “Godzilla” é um filme (e franquia) que
permanecerá na memória por exibir uma preocupação com a
biologia sólida dos seres fictícios com sua inspiração em populações
reais de organismos, além de deixar uma mensagem de
preocupação ecológica, preservação ambiental, e de condenação à
exploração do ambiente por parte da população humana.

Assuntos que podem ser trabalhados com este filme:

- Parasitismo
- Reprodução
- Comunicação animal
- Predação
- Controle biológico
- Eras geológicas
- Ciclo de vida
- Seleção natural
- Fossilização
Interestelar (Interstellar, 2014)

Direção: Christopher Nolan


Roteiro: Jonathan Nolan e Christopher Nolan
Produção: Jordan Goldberg, Jake Myers, Christopher Nolan, Lynda
Obst, Emma Thomas, Kip Thorne e Thomas Tull
Elenco: Matthew McConaughey, Mackenzie Foy, John Lithgow,
Jessica Chastain Timothée Chamalet, Anne Hathaway, Wes Bentley,
David Gyasi, Bill Irwin, Josh Stewart e Michael Caine

“Nossa atmosfera é 80% nitrogênio. Nós não respiramos


nitrogênio. A praga sim, e enquanto se espalha, nosso ar fica com
menos oxigênio. Os últimos a morrerem de fome, serão os primeiros
a sufocar. E a geração de sua filha será a última a sobreviver na
Terra.” – Dr. Brand.

“Não entres docilmente nessa noite serena,


porque a velhice deveria arder e delirar no termo do dia;
odeia, odeia a luz que começa a morrer.

No fim, ainda que os sábios aceitem as trevas,


porque se esgotou o raio nas suas palavras, eles
não entram docilmente nessa noite serena.

Homens bons que clamaram, ao passar a última onda, como podia


o brilho das suas frágeis ações ter dançado na baia verde,
odiai, odiai a luz que começa a morrer. [..]”
Dylan Thomas.
O grande cinema de ficção científica tem os nomes de seus
principais títulos, aqueles que continuam a ser lembrados como
paradigmas e clássicos intransponíveis, ecoando na história do
cinema. Linhas narrativas fascinantes que permitem ao expectador
refletir por um bom tempo após uma primeira sessão, e por que não,
nas que podem se seguir. Filmes que necessitam de uma segunda
ou terceira análise para ficarem totalmente compreendidos dentro
de sua proposta.
“2001: Uma Odisseia no Espaço” de Stanley Kubrick foi um
desses filmes, que soube aproveitar de maneira ótima o silêncio e a
aparente monotonia cenográfica ao contar a história, sua versão da
história, do cerne original de Arthur C. Clark. “2001” teve sua
sequência, não tão celebrada quanto a película original, agora sem
Kubrick e com diversos filmes que se inspiraram nele.
Interstelar, sucesso de bilheteria em 2014 e ganhador do
Oscar de melhores efeitos visuais, possui um pouco da veia de
“2001” em levar o expectador a uma viagem pelos frames
deslumbrantes de um espaço vazio e a maravilha de corpos
estelares, como planetas e estrelas distantes. Christopher Nolan
soube incutir uma alta seriedade em seu trabalho com o desejo de
deixa-lo mais próximo dos princípios científicos vigentes, tanto em
Física (contando com a consultoria e produção do físico Kip Thorne)
quanto, de uma forma mais tímida, biologia, ao abordar questões de
preservação embrionária e de genes.
O filme tem seus acontecimentos em um futuro onde a Terra
está em processo de morte por degradação ambiental e proliferação
de doenças em culturas vegetais. O fazendeiro e ex-piloto Cooper
(Matthew McConaughey) tenta manter sua extensa plantação de
milho, a única que ainda suporta a praga que respira nitrogênio
atmosférico. As pessoas lutam para sobreviver em um ambiente
onde o processo de desertificação está em estado avançado e a
poeira domina toda a paisagem, inclusive com imensas
tempestades. E para poupar orçamento, programas científicos foram
desativados e a comunidade humana retornou a um sistema de
operariado sem pensamento construtivo e visionário. Cooper é
ressentido com essa situação e por ser um homem educado preza
pelo caráter de exploração científica e mudança do ambiente a favor
do bem estar social e da preservação ambiental.
Com caráter de amor ao método cientifico que se faz
presente durante toda a projeção e constitui um dos diferenciais do
filme (apesar da acusação de que ele se foca em didatismos
desnecessários, o que não é verdade, visto que as explicações
possuem um papel fundamental no contexto do filme e não
atrapalham de forma alguma seu andamento) as quase três horas
de projeção são deslumbrantes. A consistência do trabalho nas
representações de conceitos físicos e astronômicos é indiscutível,
incluindo aí a melhor representação visual e técnica do horizonte de
um buraco negro. Mas o objetivo aqui será levantar alguns pontos
de ecologia terrestre e astrobiologia demonstrados nas discussões
entre a equipe de cientistas da NASA (Agência Espacial Norte
Americana) e nas tomadas ambientais.
Aborda-se a relação entre diminuição de nicho para
organismos-chave da teia alimentar básica a partir de infecção nas
culturas e a baixa resistência destas devido à pouca diversidade
presente nas populações. Um processo de extinção se instaura e
toda uma gama de organismos é afetada negativamente, os quais
possuem pouca variação nas frequências alélicas. Além disso, não
há tempo suficiente para adaptação ao longo das gerações.
Ao adentrarem um sistema distante pelo buraco de minhoca
próximo ao planeta Saturno, Cooper e sua equipe entram em
contato com exoplanetas que podem ser viáveis para a manutenção
de vida. Um deles possui água em estado líquido, solvente
necessário para reações que produzem compostos orgânicos, e
mesmo a presença de alguns compostos orgânicos básicos. No
entanto, a superfície do mesmo é tão instável que parece não
permitir que algo evolua e se fixe naquele ambiente (isto se deve, de
acordo com o roteiro do filme e estudos de oscilação próximos a
buracos negros, ao fato de o horizonte de tal evento estimular em
demasia o planeta que está próximo a ele). Outro planeta
considerado viável possui níveis altos de amônio na atmosfera, além
de uma baixíssima temperatura, que chega até mesmo a congelar
as nuvens que pairam sobre a superfície. Tais características
também barram a possibilidade da manutenção e mudança de
populações de organismos vivos. Pode-se dizer que a pressão
seletiva nesses ambientes é tão alta que não há permissividade
para que vida como a conhecemos se estabeleça com sucesso
neles.
Curiosamente, a NASA mantém seu próprio programa
análogo à “Arca”, onde material genético e embrionário do maior
número de espécies possível é mantido em estado de preservação
para uma possível colonização de novos planetas, o que seria a
única opção para driblar a seleção natural e evitar a extinção em
massa que se aproxima. O filme usa um paralelo com o provável
sétimo (ou nono, dependendo dos autores) evento de extinção em
massa pelo qual a Terra poderá passar nos próximos séculos. E já
existem trabalhos assim em andamento, como o banco de sementes
e germoplasma norueguês, abrigando várias espécies vegetais de
todo o mundo.
O roteiro também se ocupa em deixar uma mensagem de
aviso, mas ao mesmo tempo de esperança, de que o único planeta
realmente sustentável para a vida seja o nosso. O recado de que
não podemos “espremê-lo” indefinidamente, acelerando processos
de extinção e reduzindo nosso tempo de permanência no em um
ambiente adequado, algo que já começa a demonstrar sinais com
leves aumentos na temperatura global e oscilações maiores nos
processos climáticos são passado. Estes eventos afetam toda a
estrutura do ecossistema terrestre, e cabe às comunidades
humanas se utilizar de sua cognição para manter um relativo
equilíbrio ecológico que sustente as próximas gerações.

Assuntos que podem ser trabalhados com este filme:

- Extinção
- Migração
- Redução de habitat
- Origem da vida
- Mundo pré-biótico
- Evolução das primeiras linhagens celulares
- Preservação ambiental
- Princípios de astrobiologia
O Regresso (The Revenant, 2016)

Direção: Alejandro G. Iñárritu


Roteiro: Mark L. Smith, Alejandro G. Iñárritu e Michael Punke
Produção: Markus Barmetter, Micaela Buye, Alexander Dinelaris,
Nicolás Giacobone, Steve Golin, Alejandro G. Iñárritu, Douglas
Jones, David Kanter, Jennifer Davisson Killoran, Philip Lee, Arnon
Milchan, Jake Myers, James Packer, Mary Parent, Brett Ratner,
Keith Redmon, Scott Robertson, Alex G, Scott e James W.
Skotchdopole
Elenco: Leonardo DiCaprio, Tom Hardy, Domhnall Gleeson, Will
Poulter, Forrest Goodluck, Paul Anderson, Kristoffer Joner, Joshua
Burge, Duane Howard, Melaw Nakehk’o, Fabrice Adde, Tyson
Wood, McCaleb Burnett e Grace Dove

“Vocês roubaram tudo de nós. Tudo! A terra. Os animais.” –


Elk Dog

A conquista do território americano por nossa espécie


envolve uma cascata de eventos que tem origem na passagem de
povos asiáticos pelo estreito de Bering e sua subsequente
exploração da costa até chegar ao extremo sul, em sucessivas
migrações, até o período que podemos chamar de contemporâneo
em nossa história, com culturas do velho mundo tomando contato
com esses povos, causando o choque cultural e facetas de relações
amigáveis e violentas que expressam consequências até nossos
dias.
Após vários séculos de colonização, os povos indígenas
tiveram uma redução em seu número em todas as Américas, seja
por retirada de seu território, seja por assassínio direto. Todo esse
desdobramento sempre foi campo fértil para obras de ficção e
semificção, inicialmente na literatura e, claro, com o cinema desde
seu estabelecimento.
Michael Punke é um dos autores que exploraram relatos
vívidos de aventuras e acontecimentos no período pré-industrial nas
Américas. Em seu livro, O Regresso, Punke romantiza a história de
Hugh Glass, caçador e guia, que após um ataque de uma tribo
indígena, é pego pelo infortúnio sendo atacado por um urso
cinzento, sendo posteriormente abandonado por seus companheiros
às portas da morte. Glass sobrevive e persistindo no ambiente hostil
do norte dos EUA (possivelmente Dakota do Norte, em razão do rio
Missouri preencher a paisagem) em 1823, realiza sua vingança
pessoal contra aqueles que o deixaram para a morte.
Em 2016, o reverenciado diretor Alejandro G. Iñárritu lança
sua adaptação dessa história para as telas, com Glass sendo vivido
por Leonardo DiCaprio, papel que rendeu o primeiro Oscar na
categoria principal de atuação para o ator. Emannuel Lubezki,
colaborador de Iñárritu em outras produções, assumiu a direção de
fotografia e conferiu à produção um belo aspecto palpável das
locações e elementos ecológico em cena.
Acompanhando a história de Hugh Glass e seus dilemas, o
telespectador é exposto ao clima cadenciado e de cunho
conservacionista no tema biodiversidade. Assuntos ecológicos
surgem a cada movimento de câmera na obra, seja explorado
puramente por imagens estáticas da paisagem, seja pela interação
entre os organismos que podemos identificar ao longo das quase
três horas de duração da película. Na cena de abertura já é possível
identificar, apesar do caráter antropomórfico, predação e estratégias
de forrageio por meio de alguns caçadores, comportamento esse
que se repete em nossa própria história evolutiva e de vertebrados
mais derivados na árvore da vida, que em resposta à pressão do
ambiente, tiveram caraterísticas selecionadas ao longo de várias
gerações.
A cena talvez tida como a mais importante do filme acontece
quando Glass é violentamente atacado por uma ursa. O ataque não
é de forma alguma aleatório, sendo justificado como um mecanismo
de defesa da fêmea para com seus filhotes, que também são vistos
brevemente no enquadramento. Esse padrão é conhecido como
cuidado parental em Ecologia e é observado em diversos grupos de
animais, desde peixes até mamíferos – incluindo a espécie humana
e seus ancestrais – sendo uma característica, que selecionada,
confere melhores chances na manutenção da prole e uma garantia
de que os organismos jovens cheguem à fase reprodutiva.
Durante as passagens da equipe do Capitão Andrew Henry
(Domhnall Gleeson) e do solitário Glass pela paisagem - bem como
na cena do embate final entre Glass e seu nêmesis, Fitzgerald (Tom
Hardy) – o figurino dos atores revela um hábito de caçadores da
época: a utilização de casacos de pele de mamíferos que se
mimetizavam com o ambiente; escolha consciente ou não, isso
também permitia a alguns dos homens se camuflarem junto ao
ambiente e assim ter mais sucesso em sua atividade. Vários grupos
de organismos tiveram características selecionadas que permitiram
sua sobrevivência no ambiente por mais tempo que a parcela da
população onde genes que expressam mimetismo não foram
fixados. Os casos mais estudados e conhecidos utilizam alguns
modelos, como borboletas do gênero Heliconius a fim de explanar
como o ambiente influencia a presença e ausência de caracteres
miméticos.
Glass passa sua viagem de volta ao forte buscando
vingança contra aqueles que o abandonaram e no plano de fundo
presencia eventos naturais e ecológicos que são bem transpostos
para a tela, como a manada de búfalos sendo atacada por uma
alcateia na metade da película e os desafios de se sobreviver com
pouca quantidade de alimento (recursos) e na paisagem gélida
(condições).
Por fim, o filme começa e termina com a velha, mas
pertinente, discussão de competição entre populações migrantes
humanas – nesse caso descendentes europeus e indígenas – em
sua competição por território e na diminuição de habitat de espécies
pela exploração do meio. Essa situação é bem exposta tanto pela
construção de cenas quanto pelos vários diálogos contemplativos e
em monólogos de alguns personagens.
Iñárritu e equipe entregaram um bom trabalho em termos de
experiência cinematográfica de entretenimento, e até o discurso de
DiCaprio ao ganhar sua estatueta emanava preocupação com o
ambiente e ecologia. Além de entretenimento de qualidade, o filme
proporciona vislumbres e discussões acerca do equilíbrio e relações
de ecossistema que são pertinentes em discussões e
complementação de conhecimento.

Assuntos que podem ser trabalhados com este filme:


- Cooperação
- Condições e recursos
- Migração
- Pressão seletiva
- Cuidado parental
- Competição inter e intraespecífica
- Conservação
- Mimetismo
- Condições e recursos
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