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LET1807

Prof. Cláudia Freitas

NEOLOGISMOS E MODERNIDADE:
A INEVITABILIDADE DA MUDANÇA
LUIZA KHOURY

Rio de Janeiro
Dezembro de 2020
Enquanto lia “Antes de nascer do mundo”, de Mia Couto, a percepção do autor
de criar uma nova realidade me encantou. A história não é uma distopia, mas três de
seus personagens, incluindo o protagonista, estavam em uma. Viviam o pai e os dois
filhos isolados na terra de “Jesusalém”, cruzamento lexical entre Jesus e além. Eles
habitavam, então, uma terra além de Cristo, onde não existia mais interferência divina.
O lugar fora batizado pelo pai, Silvestre, também inventor da realidade na qual inseriu
seus filhos. Em sua escrita, Mia explora pelos neologismos a necessidade de inventar
uma nova palavra, que é advinda da ânsia de expressar um significante para um
significado ainda não existente. Essa é a proposta de Ismael de Lima Coutinho para uma
das necessidades atendidas por essa categoria de palavras, cada vez mais presentes no
meio social e, consequentemente, na escrita criativa.
Tanto quanto quem a utiliza, a língua é viva e acompanha as mudanças sociais
sofridas por seus falantes. O léxico, estrutura fundamental do sistema, está sempre em
expansão, visto que as urgências comunicativas também estão. Novas palavras surgem
quando é necessário nomear algo ainda sem nome com propósito comunicativo ou,
como observado dentro da literatura, artístico. Os neologismos são estruturas essenciais
na construção do sentido e na adaptação cultural da sociedade. Quando um significante
passa a incorporar determinada cultura, ele pede por um significado.
Os neologismos têm papel de preencher vazios na língua. Não são um fenômeno
exclusivo da Língua Portuguesa, visto que os anseios comunicativos oriundos de
mudanças existem em todas as sociedades. Como bem colocado por Anne Curzan em
sua palestra TED, neologismos sanam as necessidades comunicativas que ainda
encontramos. Na Língua Inglesa, por exemplo, há casos de substantivos sendo
atribuídos com função verbal (impact, por exemplo) ou cruzamentos lexicais para
definir sensações previamente não nomeadas, como hangry (hungry + angry).
Há, ainda, a questão do Estrangeirismo. Para compreender melhor o fenômeno,
cabe relembrar a teoria fraca de Sapir-Whorf: cada idioma molda uma visão de mundo,
ainda que não a limite. Com a globalização e a modernização dos meios de
comunicação, as diversas realidades estão cada vez mais próximas. Portanto, é apenas
natural que, seguindo as visões de mundo, os idiomas também se sobreponham. Quando
um conceito de uma língua passa a incorporar a realidade dos falantes de outra, a
palavra tende a ser “importada”. Ainda que haja relutância por parte da população,
acredito que seja um processo inevitável, visto que a comunicação é o reflexo do que
vivemos. Uma vez “importado”, o neologismo “estrangeiro” não necessariamente
permanece estático, visto que a língua o incorpora, expondo-o a suas regras e possíveis
flexões. É o caso, por exemplo, da palavra blog. Desde que as redes sociais passaram a
operar também como uma profissão, o termo “blogueiro(a)” passou a designar uma
profissão que faz parte do dia-a-dia de todos aqueles com acesso à internet. Blogueiro
surgiu de um processo derivacional da palavra blog que, mesmo de origem inglesa,
sofreu alterações pelas normas da Língua Portuguesa. Mais do que uma incorporação
linguística, foi um processo cultural.
Como Silvestre no romance de Mia Couto, precisamos que o léxico acompanhe
nossa perspectiva de mundo. O romance me encantou justamente por ter, em nuances,
abordado tamanha necessidade. Neologismos, ainda que vítimas de muitos preconceitos,
são inevitáveis na construção de um idioma vivo, adaptável e compreensível. A língua
evolui da mesma forma que nossa espécie, hábitos e pensamentos. Com ela, a literatura
também acompanha a modernidade e suas necessidades, tornando a escrita mais
próxima do leitor e explicitando seu caráter nada passivo. Para acompanhar o mundo,
independente do impulso conservador de alguns, é necessário inovar – ou “neologizar”.

 Referências

1. COUTINHO, Ismael de Lima. Pontos de Gramática Histórica. Rio de Janeiro: Ao


Livro Técnico, 1976.

2. COUTO, Mia. Antes de nascer o mundo. São Paulo: Companhia da Letras, 2009.

3. CURZAN, Anne. What makes a word real?. TED Ideas worth spreading, 2014.
Disponível em: < https://www.ted.com/talks/anne_curzan_what_makes_a_word_real?
>. Acesso em: 8 dez 2020.

4. MIGLIORANZA, Vanessa Raquel Silvestre. Renovação Lexical – uma construção da


escrita. BIUS – Boletim Informativo Unimotrisaúde em Sociogerontologia, Amazonas,
v. 20, n. 14, junho de 2020.

5. SILVA, Maria Regina Vasconcelos da. NEOLOGISMOS EM TEXTOS


MIDIÁTICOS: CONSTRUÇÃO DOS SENTIDOS POR MEIO DA CRIAÇÃO
LEXICAL. Disponível em < http://alb.com.br/arquivo-
morto/edicoes_anteriores/anais14/Sem03/C03030.doc>. Acesso em 8 dez 2020.

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