Você está na página 1de 84

DIRIGIR & FORMAR 1

2 DIRIGIR & FORMAR


EDITORIAL

E
ste número da Dirigir&Formar nosso país e a cidade do Porto, também
(D&F) retoma o tema da Europa, conhecida como a Cidade do Trabalho, à
abordado na anterior edição, e na vontade comum de construirmos uma
perspetiva do Pilar Social. Europa mais justa.
A abrir a reflexão sobre a compo- Queremos contribuir para a formação
nente social da União, contamos com de uma identidade europeia que não
ANTÓNIO LEITE uma entrevista concedida pela Senhora apague, antes reforce, as diversidades
Vice-Presidente do Conselho
Diretivo do IEFP, I.P. Ministra do Trabalho, Solidariedade nacionais, culturais e sociais, mas realce
e Segurança Social, Ana Mendes o que nos une, nomeadamente o apego
Godinho. Damos voz aos parceiros à Democracia e à criação de oportuni-
sociais, atores de sempre do diálogo dades equitativas para todas e todos e
social, mas temos também o contributo para cada uma e cada um.
de Paulo Azevedo, na sua qualidade de A Europa começou o seu caminho
membro da European Round Table que de integração pelo lado económico e
nos apresenta um ambicioso programa até de forma bem específica pela livre
de reconversão profissional dirigido a circulação de algumas matérias-primas.
um milhão de trabalhadores europeus Cresceu sempre em número de países
e que esperamos tenha um piloto em membros (pelo menos até recente-
Portugal. A importância da inclusão mente) e nunca lhe faltaram nem faltam
através dos espaços culturais é outra candidatos à entrada. Cresceu também
temática, abordada por Ana Alcoforado, em ambição e nas áreas que progressi-
Provedora para a Inclusão e Cidadania vamente passou a tratar como comuns.
da Direção-Geral do Património Cultural. Nos dias de hoje, sem uma componente
E ainda, no âmbito das atividades da social prioritária não haverá mais compo-
Presidência Portuguesa, um texto de nentes a desenvolver.
Ana Lima Neves sobre a Conferência Em quase 65 anos, muitos foram os
de Alto Nível sobre o Futuro do Trabalho. momentos em que parecia que se chegara
Finalmente, saliento o texto sobre a rein- ao limite da integração e da partilha de
dustrialização na Europa e em Portugal soberania e hoje vivemos, paradoxal-
da autoria de Miguel Pinto, Diretor-Geral mente, um desses momentos. A aposta
da Continental (Vila Real). nas medidas de apoio aos mais frágeis
Com estes dois números da D&F e pode ditar haver, ou não, Futuro para esta
a pretexto da Presidência Portuguesa, Europa. E convém lembrar que nunca na
procuramos refletir sobre a construção história do continente se viveu um período
europeia. Quisemos fazê-lo em linha de paz tão longo entre estes 27 países,
com as preocupações de carácter social mais habituados a combater do que a
presentes desde logo no lema adotado cooperar, a desconfiar do que a partilhar.
“Tempo de Agir. Por uma recuperação Não foi, não é e, seguramente, não
justa, verde e digital” e bem expressa será um caminho fácil, mas queremos
na realização da Cimeira Social da União que seja um caminho de democracia,
Europeia que aprovou o Compromisso de prosperidade e de justiça e, por isso
Social do Porto, associando assim o e para isso, é “Tempo de Agir”.

DIRIGIR & FORMAR 1


D&F
N.º 31

FICHA TÉCNICA

PROPRIETÁRIO/ EDITOR
SEDE DE REDAÇÃO IEFP
Instituto do Emprego
e Formação Profissional, I. P.
Rua de Xabregas, 52
1949-003 Lisboa
NIPC
501 442 600
DIRETOR
António Leite
RESPONSÁVEL
EDITORIAL
Maria Fernanda Gonçalves
COORDENADORA
Lídia Spencer Branco
CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA
Adélia Costa, Ana Cláudia Valente,
Angelina Pereira, António José de Almeida,
António Leite, António Travassos,
Conceição Matos, Fernando Moreira da Silva,
João Palmeiro, José Carlos Bravo Nico,
José Teixeira, Lucinda Dâmaso,
Luís Alcoforado, Madalena Feu,
Miguel Pinto, Nuno Gama de Oliveira Pinto,
Paulo Feliciano e Teresa Medina
REVISÃO
Teresa Souto
REDAÇÃO
Revista Dirigir&Formar
Departamento de Formação Profissional
PRESIDÊNCIA PORTUGUESA DO CONSELHO DA UE

Tel.: 215 803 000 / Ext.: 90011 e 90014


CONDIÇÕES
DE ASSINATURA
Enviar carta com nome completo,
data de nascimento, morada, profissão
e/ou cargo da empresa onde trabalha
e respetiva área de atividade para:
Rua de Xabregas, 52, 1949-003 Lisboa,
ou e-mail com os mesmos dados para:
dirigir&formar@iefp.pt
ESTATUTO EDITORIAL
https://www.iefp.pt/documents/10181/696230/
ESTATUTO_CE_vf_2021.pdf
DATA DE PUBLICAÇÃO
junho 2021
PERIODICIDADE
Trimestral
DESIGN e PAGINAÇÃO
TEMA DE CAPA
digiscript,lda
FOTOGRAFIA DE CAPA
PRESIDÊNCIA PORTUGUESA 2021
Shutterstock
IMPRESSÃO
OS DIREITOS SOCIAIS E O FUTURO DO TRABALHO
LIDERGRAF Sustainable Printing
Rua do Galhano, EN 13, 4480-089
Vila do Conde 6 Entrevista a Ana Mendes Godinho, Ministra do Trabalho, Solidariedade
TIRAGEM
16 250 exemplares
e Segurança Social: Portugal foi a "cola" que uniu a Europa
REGISTO
Anotada na Entidade Reguladora 11 Cimeira Social do Porto. A visão dos parceiros sociais
para a Comunicação Social
DEPÓSITO LEGAL: 348445/12
ISSN: 2182-7532
24 Reskilling 4 Employment - A transformação do emprego
29 Conferência de alto nível sobre o futuro do trabalho: “Trabalho
Todos os artigos assinados são de exclusiva responsa-
bilidade dos autores, não coincidindo necessaria-
Remoto: Desafios, Riscos e Oportunidades”
mente com as opiniões do Conselho Diretivo do IEFP, I.P.
É permitida a reprodução dos artigos publicados, para 34 Museu Fórum. A participação cívica
fins não comerciais, desde que indicada a fonte e
informada a Revista.
como estratégia integrada para a inclusão social

2 DIRIGIR & FORMAR


ÍNDICE

DOSSIER
PROMOVER A INCLUSÃO

42 Efeito da pandemia no perfil do desemprego registado.


As principais respostas de formação profissional

48 A avaliação das competências dos adultos


como forma de promover a inclusão

54 Educação de adultos e desenvolvimento comunitário

58 Entrevista a Priscila Soares: A importância da educação


de adultos para o desenvolvimento local

64 In-Visível. Pessoas em situação de sem-abrigo

GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS


70 TEMAS DE GESTÃO
Um novo renascimento industrial europeu

EUROPA
74 Competências para um mundo conectado

TOME NOTA
80 A crise e os riscos de desemprego

DIRIGIR & FORMAR 3


TEMA DE CAPA

PRESIDÊNCIA PORTUGUESA 2021


OS DIREITOS SOCIAIS E O FUTURO DO TRABALHO

PRESIDÊNCIA PORTUGUESA 2021

OS DIREITOS
SOCIAIS E O FUTURO
DO TRABALHO

A
Cimeira Social do Porto, que decorreu nos dias 7 e 8 de maio, assinalou
um momento crucial para os direitos sociais na Europa. Com a assinatura
do Compromisso Social do Porto, a presidente da Comissão Europeia, o
presidente do Parlamento Europeu, o primeiro-ministro português, que exercia à
data a Presidência do Conselho da UE, os parceiros sociais europeus e as organi-
zações da sociedade civil assumiram um Plano de Ação para a concretização do
Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Em conjunto, comprometeram-se a desenvolver
esforços para construir uma Europa mais inclusiva e mais social.
Como referiu o primeiro-ministro António Costa, “O compromisso do Porto é um
compromisso para com o futuro e para com a esperança”.
Numa edição dedicada a abordar os desafios de uma Europa mais inclusiva, as
preocupações sociais e de inclusão não podiam deixar de estar presentes. No Tema
de Capa que ocupa as páginas seguintes, ouvimos uma pluralidade de vozes: da
Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social às diferentes abordagens e
perspetivas dos Parceiros Sociais sobre como promover um novo ciclo económico
e de maior coesão social, preocupações que estão também presentes do lado
empresarial com a necessidade premente de reduzir o desfasamento entre quali-
ficações existentes e qualificações necessárias para novos empregos. Exemplo
destas preocupações é o programa Reskilling 4 Employment (R4E) – “Requalificar
para o Emprego”, uma iniciativa de formação europeia, promovida em Portugal pela
Sonae e que visa a requalificação profissional, preparando os trabalhadores para
as novas necessidades do mercado de trabalho europeu.

4 DIRIGIR & FORMAR


DIRIGIR & FORMAR
5
PRESIDÊNCIA PORTUGUESA DO CONSELHO DA UE
TEMA DE CAPA

ENTREVISTA

ANA MENDES GODINHO


MINISTRA DO TRABALHO, SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL

PORTUGAL
FOI A "COLA"
ENTREVISTA ANA MENDES GODINHO
PORTUGAL FOI A "COLA" QUE UNIUA

QUE UNIU
EUROPA

A EUROPA
AUTORA: Rita Vieira, jornalista FOTOS: Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia

“A Presidência Portuguesa fez história ao colocar a dimensão social na base da recuperação económica, como sendo
a 'cola' que une a Europa e que a diferencia de todos os outros continentes”. A convicção é da Ministra do Trabalho,
Solidariedade e Segurança Social. Na opinião de Ana Mendes Godinho, a retoma tem de assentar numa transição digital
e ambiental, mas deve, sobretudo, ser justa, garantindo uma real inclusão social e uma melhor distribuição da riqueza.

Dirigir & Formar: Portugal assumiu a que nos abalou a todos de uma forma de 8% do montante global do financia-
Presidência Portuguesa do Conselho da imprevisível e que será, porventura, mento do Portugal 2020, o que, tendo em
União Europeia em plena pandemia de o maior desafio da história da Europa conta o momento em que vivemos, se
Covid-19. Apesar de dossiers complexos, desde a Segunda Guerra Mundial. Apesar revela um instrumento muitíssimo impor-
como o da aprovação do Quadro disto, estabelecemos, desde logo, metas tante. O FSE+ vai abranger, para além do
Financeiro Plurianual e do Fundo de ambiciosas e imprimimos a grande preo- Fundo Social Europeu, a Iniciativa para o
Recuperação, terem sido fechados ainda cupação de colocar a dimensão social Emprego dos Jovens, o Fundo de Auxílio
durante a Presidência Alemã, coube-nos no centro das prioridades da recupe- Europeu às Pessoas mais Carenciadas,
também alguma responsabilidade na ração económica. Neste sentido conse- o Programa de Saúde da União Europeia
implementação destes acordos. Que guimos concluir o dossier do Fundo e o Programa da UE para o Emprego e
avanços ocorreram nestas matérias, ao Social Europeu Mais (FSE+), determi- Inovação social, passando a ser um
longo da Presidência Portuguesa? nante para a capacidade de implementar chapéu agregador de todos eles.
Ana Mendes Godinho: Portugal assumiu programas de resposta, quer ao nível do Conseguimos também fechar o dossier
a Presidência Portuguesa do Conselho da emprego quer das qualificações. Portugal da Política Agrícola Comum (PAC), o que
União Europeia num contexto especial- irá receber, deste fundo, cerca de 7,5 mil também foi muito importante porque,
mente difícil, a meio de uma pandemia milhões de euros, o que representa cerca pela primeira vez, passámos a ter como

6 DIRIGIR & FORMAR


requisito a este financiamento o cumpri-
mento da legislação laboral, o que repre-
senta um salto de gigante nesta matéria.
Aliás, este passo devia ser, a partir de
agora, assumido transversalmente nos
vários instrumentos de financiamento.
Por outro lado, a Presidência Portu­
guesa colocou também no centro das
suas prioridades a aceleração da apro-
vação dos Planos de Recuperação e
Resiliência de cada um dos Estados-
‑membros. Portugal foi o primeiro a
apresentar o seu plano de recuperação,
procurando garantir que a sua aplicação
chegasse rapidamente ao terreno.
Assim, apesar de vivermos tempos
difíceis, procurámos acelerar todos
os processos que ainda não estavam
concluídos, de forma a garantir que
estes instrumentos chegassem o mais
depressa possível aos diversos Esta­dos­-
-­membros, num momento em que o
investimento é crucial para responder
à crise económica e social, resultante da
pandemia.

D&F: «Tempo de agir: por uma recupe-


ração justa, verde e digital» foi o lema
da Presidência Portuguesa. Na prática,
quais eram os principais objetivos
nacionais?
A.M.G.: Assumimos o lema da neces-
sidade de passar da estratégia à ação,
tendo por base uma recuperação digital
e ambiental, mas sem nunca esquecer
a dimensão social. Foi, aliás, nesse
contexto que demos particular impor-
tância à aprovação do Plano de Ação do
Pilar Europeu dos Direitos Sociais, procu-
rando definir metas muito concretas no
que diz respeito ao investimento neces-
sário à melhoria das qualificações dos
trabalhadores e à definição de prioridades
para a criação de emprego. O país que
conseguir alcançar um nível de qualifi-
cação massiva nas áreas estratégicas da
transição digital e ambiental terá trabalha-
dores mais bem preparados, que serão
determinantes nesta retoma.

DIRIGIR & FORMAR 7


TEMA DE CAPA

Nós lançámos, por exemplo, um capacitação em termos de competências


programa dedicado à capacitação de digitais dos trabalhadores e a sustentabi-
competências digitais de trabalhadores lidade da relação laboral.
num modelo completamente inovador,
“A Cimeira Social do Porto
no qual foi assumido um compromisso D&F: Os temas da transição verde e
foi um momento único na entre as empresas, o Instituto do Emprego digital foram muito debatidos nestes
história europeia porque e Formação Profissional, as Instituições seis meses de Presidência Portuguesa.
tivemos, pela primeira vez do Ensino Superior e a Associação que Quais os consensos alcançados que
representa as empresas tecnológicas em considera mais importantes?
no palco das decisões, os
Portugal. Tendo como base este compro- A.M.G.: Foram dados passos concretos.
parceiros sociais europeus, misso, as empresas tecnológicas identifi- A Presidência terminou com a aprovação
a sociedade civil europeia, caram antecipadamente as necessidades de um compromisso, a nível europeu, de
as instituições europeias de competências digitais dos seus traba- metas verdes para o futuro. Por outro lado,
lhadores, e o IEFP e as Instituições do procurámos que as metas associadas a
e os Estados-membros
Ensino Superior desenharam, à medida, esta transição sejam acompanhadas de
a assumirem o compromisso o Programa Upskill para responder a objetivos do ponto de vista das qualifica-
de atingir, até 2030, estas necessidades. Em contrapartida, as ções. Exemplo disso é o Plano de Ação do
objetivos muito concretos empresas comprometeram-se a realizar, Pilar Europeu dos Direitos Sociais, que
no final do programa de formação, um procura ser a espinha dorsal desta tran-
e com metas quantificadas
contrato de trabalho permanente com sição ambiental e digital. Isto significa que,
e mensuráveis relativamente esses trabalhadores, com um vencimento ao assumirmos que pelo menos 60% dos
ao emprego, às qualificações que corresponde ao dobro do salário adultos têm de participar anualmente em
e ao combate à pobreza.” mínimo nacional. Com este compromisso ações de formação, de reskilling, upskilling
alcançamos dois objetivos: acelerar a ou de reconversão das suas competências,

8 DIRIGIR & FORMAR


Portugal foi a "cola" que uniu a Europa

estamos também a colocar nestas nossas concretos e com metas quantificadas e desemprego, medidas estas que abran-
prioridades a capacidade de alcançar uma mensuráveis relativamente ao emprego, geram cerca de um milhão de pessoas no
força de trabalho, ela própria a base desta às qualificações e ao combate à pobreza. nosso país, ou seja, uma em cada quatro
transição digital e ambiental e que, acima Por exemplo, ao definirmos que, em 2030, pessoas.
de tudo, não fica para trás. pelo menos, 78% da população entre os Estamos a preparar agora, no âmbito
A capacidade de acelerar a quali- 20 e os 64 anos tem de estar empregada, do Programa de Recuperação e Resiliência,
ficação das pessoas é determinante traduz a necessidade de implementarmos o Compromisso Emprego Sustentável, uma
para ganharmos competitividade. Há as medidas necessárias para o fazer, quer medida mais direcionada para os grupos
estudos que apontam para que cerca de sejam medidas regulatórias quer sejam mais afetados pelo desemprego durante
80 milhões de postos de trabalho desa- de financiamento. a pandemia, os jovens e as mulheres,
pareçam com estas transições e outros, que prevê a atribuição de um incentivo
ao mesmo tempo, dão conta de que adi­cio­nal a quem contrate colaboradores
cerca de 90 milhões de novas oportuni- “O país que conseguir sem ser a título precário e um nível de
dades de emprego surgirão associadas vencimento que valorize os trabalhadores
alcançar um nível de
a estas novas áreas ambientais e digi- qualificados.
tais. Quanto mais conseguirmos acelerar qualificação massiva nas
a capacitação dos trabalhadores e das áreas estratégicas da D&F: O Livro Verde sobre o Futuro do
empresas, mais bem preparados esta- transição digital e ambiental Trabalho é fundamental para a construção
remos para antecipar essas transições. de um caminho fundamentado e equili-
terá trabalhadores
São essas as grandes prioridades que brado na regulação das novas formas de
assumimos no Plano de Recuperação e mais bem preparados, trabalho. O que está a ser preparado para
Resiliência português, que tem uma área que serão determinantes responder a estes novos desafios?
dedicada às dimensões das qualificações nesta retoma.” A.M.G.: Nós procurámos que, a par das
e conta com 1,2 mil milhões de euros, e respostas de emergência, estivéssemos
no novo Quadro Comunitário, com uma a trabalhar do ponto de vista da identi-
enorme aposta nas dimensões digital e ficação daqueles que são os maiores
ambiental e respetivas necessidades de A preocupação de qualquer um dos desafios que temos face ao futuro do
qualificações. Estados-membros, ao longo destes trabalho, nomeadamente do trabalho
intensos meses, tem sido essencial- remoto. Assim, pretendemos que o Livro
D&F: A Cimeira Social do Porto teve como mente a de proteger o emprego. A capaci- Verde identificasse não só as oportuni-
principal objetivo reforçar o compromisso dade de resposta coordenada, por parte dades, mas também os riscos associados
dos Estados-membros, das instituições da Europa, em termos de disponibilização às novas formas de trabalho, seja ao nível
europeias, dos parceiros sociais e da de mecanismos de apoio ao emprego foi da utilização de dados pessoais, da orga-
sociedade civil com a implementação determinante. O SURE (Support to Mitigate nização dos tempos de trabalho, ao direito
do Plano de Ação sobre o Pilar Europeu Unemployment Risks in an Emergency), a desligar ou à necessidade de definir
dos Direitos Sociais. Os líderes europeus instrumento europeu de apoio temporário regras para delimitar a fronteira entre a
fizeram saber que, à medida que a Europa para atenuar os riscos de desemprego numa vida pessoal e a profissional.
se recupera gradualmente da pandemia, situação de emergência, é um exemplo de A consulta pública do Livro Verde já
a prioridade será passar da proteção à como se conseguiu esta grande capacidade terminou e estamos, neste momento,
criação de emprego. Que compromissos de articulação e de resposta conjunta e soli- a ultimar a versão final, integrando os
foram assumidos neste sentido? dária a este momento em que vivíamos. contributos que recebemos. A ideia é que
A.M.G.: A Cimeira Social do Porto foi um Assim, no segundo semestre de 2020, este constitua um pilar do ponto de vista
momento único na história europeia lançámos em Portugal um programa dedi- da regulamentação do trabalho e, nesse
porque tivemos, pela primeira vez no cado ao apoio da criação de emprego, o sentido, estamos a preparar um pacote
palco das decisões, os parceiros sociais ATIVAR.PT, que concede apoios à contra- de alterações legislativas que incorporem
europeus, a sociedade civil europeia, tação e a estágios profissionais. Ao mesmo estas várias dimensões nomeadamente
as instituições europeias e os Estados- tempo que lançámos estas medidas de no âmbito do Código do Trabalho.
‑membros a assumirem o compromisso apoio ao emprego, procurámos também Um exemplo concreto desta necessi-
de atingir, até 2030, objetivos muito criar medidas de resposta ao aumento do dade de regulamentação é o das empresas

DIRIGIR & FORMAR 9


TEMA DE CAPA

“A preocupação
de qualquer um dos
Estados-membros,
ao longo destes intensos
meses, tem sido
essencialmente a de
proteger o emprego.
A capacidade de
resposta coordenada,
por parte da Europa,
em termos de
disponibilização
de mecanismos
de apoio ao emprego
foi determinante.”

de transporte de refeições, no qual grande D&F: Apesar de todas as condicio- Combate à Situação de Sem-Abrigo, ou
parte dos trabalhadores não tem qualquer nantes resultantes da pandemia, que seja, colocámos os mais vulneráveis no
vínculo ao sistema de proteção social e em marcaram este primeiro semestre centro das decisões europeias, o que é
que as relações laborais escapam, muitas de 2021, poderemos dizer que a histórico.
vezes, ao enquadramento legislativo. Presidência Portuguesa definiu o início Durante a nossa Presidência, conse-
A pandemia veio, assim, acelerar a neces- de um novo ciclo na Europa, social- guimos também a aprovação da Garantia
sidade de reforçarmos o nosso sistema de mente mais justo e financeiramente Europeia para a Infância, ou seja, os 27
proteção social, tornando-o mais robusto, mais equitativo? Estados-membros assumiram o compro-
mais forte e, sobretudo, mais inclusivo. A.M.G.: Acredito que a Presidência misso de eliminar a pobreza infantil na
O teletrabalho tem gerado também Portuguesa fez história nesta viragem, Europa e a definirem, cada um deles, num
novas oportunidades. Basta pensar que ao colocar a dimensão social na base da prazo de nove meses, um plano de ação
as pessoas podem estar a trabalhar de recuperação económica, como sendo a com as medidas necessárias para garantir
qualquer parte do país para qualquer "cola" que une a Europa e que a diferencia o acesso gratuito de todas as crianças
sítio do mundo. E a qualidade de vida de todos os outros continentes. A base em risco de pobreza ou exclusão a
nacional pode constituir uma grande desta recuperação tem de ser digital e serviços considerados essenciais, como
oportunidade para atrair capital humano. ambiental, mas deve, sobretudo, ser justa a saúde, educação, habitação e a, pelo
Aliás, Portugal é, por isso mesmo, consi- assentando numa real inclusão social e menos, uma refeição por dia. Quando
derado um dos melhores países para numa melhor distribuição de riqueza, temos 18 milhões de crianças na Europa
nómadas digitais. A par da Europa, o garantindo uma Europa coesa e social- em risco de pobreza ou exclusão, perce-
nosso país enfrenta um grande desafio mente justa. bemos o alcance de um acordo destes.
demográfico, pelo que é fundamental Portugal colocou o pilar social no Medidas como esta teriam sido impen-
conseguirmos atrair e fixar jovens em centro das decisões políticas europeias, sáveis há dois ou três anos. Por isso,
Portugal. Por isso, também, aqui é deter- dando voz a quem tradicionalmente não acho que houve uma grande viragem
minante termos uma agenda do trabalho a tem. Por exemplo, terminámos a nossa na Europa, viragem essa que tem agora
que seja digna, garantindo que os jovens Presidência com a aprovação por unani- de ser consolidada, nomeadamente
olhem para Portugal como o melhor país midade, pelos 27 Estados-membros, do através da implementação de vários
para trabalhar. lançamento da Plataforma Europeia de instrumentos financeiros.

10 DIRIGIR & FORMAR


PRESIDÊNCIA PORTUGUESA DO CONSELHO DA UE

CIMEIRA SOCIAL DO PORTO


A VISÃO DOS PARCEIROS SOCIAIS

CIMEIRA SOCIAL DO PORTO

A VISÃO DOS PARCEIROS


SOCIAIS

A
grave crise social e económica, decorrente da situação de pandemia de
Covid-19, gerou um movimento solidário entre todos, ao nível dos governos,
das instituições europeias e das próprias pessoas. Uma solidariedade que
se tem afirmado das mais diversas formas.
Como referiu o Primeiro-Ministro António Costa na Cimeira Social do Porto,
“a pandemia colocou as questões sociais entre as maiores preocupações dos
nossos cidadãos” numa época em que “nove em cada dez europeus consideram
a Europa social uma prioridade”.
Nesta Cimeira foram alcançados importantes compromissos de ação relativamente
ao Pilar Europeu dos Direitos Sociais, tendo sido essencial o papel desempenhado
pelos Parceiros Sociais. Embora partindo de abordagens sociais diferentes, tiveram a
capacidade de encontrar, com base no diálogo e no princípio de concertação social,
uma forma de participação e de envolvimento ativo no compromisso final alcançado
para pôr em prática o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, como destacou a presidente
da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
De seguida apresentam-se as diferentes abordagens e perspetivas dos Parceiros
Sociais relativamente a como passar do Plano à Ação, de forma a assegurar um cres-
cimento económico sustentado e atingir uma maior coesão social.

DIRIGIR & FORMAR 11


TEMA DE CAPA

O
Pilar Europeu, proclamado e assinado
em novembro de 2017 durante a Cimeira
Social de Gotemburgo para o Emprego
Justo e o Crescimento, teve por objetivo a
criação de uma Europa Social, Justa e Inclusiva,
extensível a todos os cidadãos europeus e
nacionais de países terceiros com direito de
residência na União. Este documento funda-
mental, materializado em 20 princípios e direitos
primordiais, tinha por objetivo principal alcan-
çarmos “o bom funcionamento dos mercados
de trabalho e dos sistemas de proteção social
na Europa do Século XXI”, face aos desafios
decorrentes da evolução social, tecnológica e
económica.
Quando o Pilar foi adotado, a rota do mundo
já se encontrava em processo de mudança, em
direção a um futuro mais verde e digital, mas
estávamos ainda longe de imaginar que o futuro
da União Europeia passaria principalmente
por estas duas linhas de ação e que seríamos
Eduardo Oliveira e Sousa, Presidente da CAP
assolados por uma pandemia. As modificações
operadas, entretanto, requereram a adoção de
processos de transição justa, auxiliando os

PILAR EUROPEU
países, as pessoas e as empresas a adaptarem-
-se a um mundo novo, com um especial enfoque
DOS DIREITOS SOCIAIS nas questões sociais.
Depois de três anos a dar alguns passos

DO PLANO
tímidos no sentido da concretização dos direitos
e princípios do Pilar, a União quer e precisa de
avançar com mais vigor no sentido da sua

À AÇÃO implementação.
Para combater a pandemia, adotamos
medidas de contenção sanitária e estamos a
imunizar as pessoas. A pouco e pouco, estamos
a conseguir debelar a doença, mas os efeitos que
ela provocou na economia irão perdurar ainda
AUTOR: Eduardo Oliveira e Sousa, Presidente da Confederação dos Agricultores de
Portugal (CAP) FOTOS: Cedidas pela CAP

12 DIRIGIR & FORMAR


Cimeira Social do Porto. A visão dos parceiros sociais

por alguns anos. Para reerguermos as econo- e locais uniram-se e associaram-se em torno
mias, ao mesmo tempo que caminhamos para da aceleração da concretização do Pilar. Houve
uma transição verde e digital, será necessário unanimidade em passar do Plano à Ação.
empreender reformas, ressuscitar empresas, No âmbito da Cimeira, a Comissão Europeia
reabilitar pessoas e competências. Esse trabalho avançou ainda com a definição de três metas
será desempenhado através dos Planos de (ambições comuns) nos domínios do emprego,
Recuperação e Resiliência, construídos em das competências e da proteção social: pelo
cada um dos 27 Estados-membros, atendendo menos 78% da população entre os 20 e 64
às especificidades de cada um e ao seu grau de anos deverá encontrar-se empregada até
desenvolvimento, mas balizados sempre pela 2030, redução do número de pessoas em risco
observância dos direitos e princípios sociais. de pobreza ou exclusão social em pelo menos
Assim sendo, somos convocados a adaptar 15 milhões até 2030, intensificar os esforços
os direitos e princípios sociais do Pilar à nova para aumentar a participação anual de todos os
realidade da economia ecológica e digital e aos adultos em ações de formação, devendo pelo
efeitos nefastos da pandemia na economia e menos 60% desses adultos participarem todos
na sociedade. Em suma, é-nos solicitada a os anos em ações de formação.
criação de um novo conjunto de “regras sociais”, E, por fim, definiu grandes objetivos em
tomando por base os 20 princípios do Pilar, mas torno do Pilar, mas agora reformulados à luz das
adicionando-lhes a transição para a neutralidade novas tendências, tais como: a criação de mais e
carbónica e para a digitalização e as alterações melhores empregos, a adequação da legislação
demográficas, sem perder de vista a recupe- laboral às novas formas de trabalho, o investi-
ração e reconstrução de uma Europa desfeita mento nas competências e na educação para
pela doença. criação de novas oportunidades, a promoção da
Para concretizar os princípios e direitos previstos inclusão social e combate à pobreza, a promoção
no Pilar, a Comissão Europeia adotou um Plano de da saúde e adequação da proteção social ao
Ação Sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, em trabalho do futuro.
complemento à ação dos Estados-membros, que No decurso do Plano apresentado, e que
são os responsáveis pelas políticas de emprego, será revisto em 2025, a Comissão Europeia
formação e proteção social. convidou as restantes instituições europeias,
A Cimeira Social do Porto, ocorrida em maio os parlamentos nacionais, os parceiros sociais
de 2021, representou o compromisso, que tive e a sociedade civil à promoção de debates polí-
oportunidade de testemunhar, de todos os ticos regulares, tendo em vista a monitorização
Estados-membros da União, no reforço e reno- dos resultados alcançados. Uma primeira fase
vação, ao mais elevado nível político, do Pilar desenrolar-se-á até 2025, e a partir desta e da
Europeu dos Direitos Sociais. Durante a sua reali- reformulação e revisão do Plano, poderemos
zação, os Estados-membros, os parceiros sociais estar em condições de concretizar uma Europa
europeus e nacionais, e as autoridades regionais Social forte e coesa até 2030.

DIRIGIR & FORMAR 13


TEMA DE CAPA

Os requisitos fundamentais
para o funcionamento correto
da área do euro

A
Confederação do Comércio e Serviços de
Portugal (CCP) acompanhou, no plano
nacional e europeu, os trabalhos conducentes
à consagração, em 2017, do Pilar dos Direitos Sociais.
Nessa altura, tivemos oportunidade de referir que
as políticas da União Europeia (UE) têm sido pouco
eficazes na promoção de uma convergência real ao
nível social e do emprego, conduzindo ao acentuar
das diferenças entre os Estados-membros. O papel
do Pilar só terá sentido se puder dar um contributo
efetivo para combater as assimetrias existentes no
seio da União Europeia, e principalmente no contexto
da União Económica e Monetária. Dito de outra forma,
tivemos algumas reservas sobre a existência de
instrumentos paralelos – por um lado, as restritas
João Vieira Lopes, Presidente da Direção da CCP
regras da União Económica e Monetária e, por outro,
os 20 princípios do Pilar Europeu dos Direitos Sociais
– para garantir um crescimento económico robusto,
fundamental para assegurar uma maior coesão
O PAPEL DO PILAR EUROPEU social no seio da UE.
É verdade que a concretização dos vários prin-
DOS DIREITOS SOCIAIS cípios do pilar depende da iniciativa dos Estados-
‑membros, mas também neste domínio a posição
COMO ELEMENTO DE UMA de partida dos vários Estados é muito desigual,
e se este facto não for adequadamente perce-
UNIÃO ECONÓMICA E bido no desenho das soluções, dificilmente será
possível diminuir o fosso económico e social que
MONETÁRIA MAIS PROFUNDA se continua a verificar entre os vários países da UE.
Reconhece-se que, recentemente, no contexto
E MAIS EQUITATIVA da crise, a UE adotou medidas que revelam uma
maior compreensão das assimetrias existentes
na capacidade de resposta dos vários Estados-
AUTOR: João Vieira Lopes, Presidente da Direção da Confederação do Comércio e Serviços
‑membros aos impactos da pandemia. Outro sinal
de Portugal (CCP) FOTOS: Cedidas pela CCP foi, sem dúvida, o da criação de condições para a

14 DIRIGIR & FORMAR


Cimeira Social do Porto. A visão dos parceiros sociais

celebração de um amplo compromisso tripartido realçou a existência de lacunas no acesso a apoios


em torno do Plano de Ação do Pilar Europeu dos sociais, nomeadamente em situações de suspensão
Direitos Sociais. da atividade empresarial e da prestação de trabalho.
Não sendo possível abordar a totalidade dos Em concreto, em Portugal, vimo-nos confrontados
princípios constantes do Pilar (e respetivas ações) com lacunas de proteção no desemprego em situa-
destacaria, pela importância que lhe atribuímos, o ções de empresas unipessoais e de trabalhadores
princípio 1 relativo à “Educação, formação e apren- independentes, o que obrigou à criação apressada
dizagem ao longo da vida” e, muito em particular, de medidas extraordinárias. É reconhecido que a CCP
a questão do desenvolvimento das competências se tem vindo a bater por uma significativa reforma
digitais. Neste domínio, a situação é muito diversa do Sistema de Proteção Social, nomeadamente,
entre os países da União Europeia. Em Portugal, do sistema de pensões, e esta crise comprovou a
registam-se muitas necessidades a suprir, desde necessidade de revermos os mecanismos de apoio
logo nos níveis mais básicos da literacia digital. existentes. Isto não significa quebrar a unidade e
Neste contexto, reconhecemos como muito posi- coerência do sistema, através da criação de medidas
tiva a recente iniciativa do Governo, através do específicas para “categorias avulsas” de trabalha-
Instituto do Emprego e Formação Profissional, dores, por exemplo, os das plataformas digitais,
I.P. e da Estrutura de Missão Portugal Digital, de como tem vindo a ser proposto, nomeadamente
criar condições para a celebração de protocolos, em Portugal. Precisamos de ter a capacidade de
nomeadamente com a CCP, visando a dinamização, garantir, para todos os cidadãos – empresários e
a promoção e a disseminação de um programa de trabalhadores – um rendimento digno em situações
formação, dirigido ao sector do comércio e serviços, adversas, garantindo a uniformidade do Sistema.
para a (re)qualificação de ativos empregados Ainda dentro deste capítulo, gostaria de destacar,
para a área digital, quer ao nível das Tecnologias agora pela negativa, a iniciativa da Comissão
da Informação e Comunicação quer ao nível da Europeia de propor uma Diretiva que visa criar um
operação digital de equipamentos e da sua manu- quadro para garantir “salários mínimos adequados”.
tenção. É matéria em que a CCP e as suas associa- Parece-nos que esta iniciativa é, desde logo, inopor-
ções estão profundamente empenhadas. tuna, e pode causar sérios prejuízos a um tecido
Ainda no que se refere ao acesso ao emprego, empresarial muito debilitado pelos efeitos da
gostaria de destacar que o conjunto de medidas pandemia.
ativas adotadas no período da pandemia foram Em síntese, as ações a promover no quadro do
fundamentais para manter o desemprego em níveis Pilar Europeu dos Direitos Sociais poderão dar um
muito inferiores aos da crise anterior. Contudo, é contributo importante no reforço do modelo social
fundamental garantir que, no período pós-crise, existente em Portugal, mas isso exige, no quadro
continuamos a ter uma estratégia coerente a este da Zona Euro e dos compromissos a que estamos
nível, pelo menos, para determinados públicos- obrigados, um conjunto de reformas que asse-
-alvo, designadamente, jovens e desempregados gurem um crescimento económico sustentado,
de longa duração, em especial os jovens cujos gerador de riqueza, sem o qual não é possível
níveis de desemprego são inadmissíveis. melhorar a coesão social. Mas exige também uma
No entanto, também vários dos princípios maior solidariedade entre os membros da União
incluídos no capítulo três “Proteção e inclusão Europeia e, nessa matéria, a história não nos deixa
sociais” são importantes para a CCP. A pandemia ser muito otimistas.

DIRIGIR & FORMAR 15


TEMA DE CAPA

P
ara avançar na conquista de direitos, para
defender e salvaguardar os interesses dos
trabalhadores, a CGTP-IN utiliza todos os
meios que tem à sua disposição, desde logo o
desenvolvimento da luta – seja nas empresas
e locais de trabalho, seja a luta convergente dos
diferentes sectores – que assume um papel
determinante.
Para além da organização, esclarecimento
e mobilização dos trabalhadores para a luta,
a CGTP-IN não abdica da ação no plano institu-
cional e de tirar o máximo partido de todos os
instrumentos que possam servir para sustentar
a elevação das condições de trabalho e de vida.
É a partir desta matriz que analisamos o Pilar
Europeu dos Direitos Sociais (PEDS), ou seja, em
que medida o seu conteúdo e as medidas que
dele emanam representam, ou não, um instru-
mento a usar na luta pelos direitos.
Uma visão objetiva ao PEDS e ao Plano de
Ação recentemente apresentado que lhe dá corpo
conduz-nos a uma posição crítica e a considerá-
Isabel Camarinha, Secretária-Geral da CGTP-IN
-lo até como um entrave à possível e necessária
promoção dos direitos sociais e laborais.
Uma primeira questão que se coloca prende-
-se com a soberania, que os próprios tratados
LUTAR PELOS DIREITOS e regras da União Europeia (UE) definem como
cabendo a cada Estado-membro determinar as leis
UMA NECESSIDADE laborais e a política salarial em cada país.
Com o PEDS há a tentativa de remeter para

DO PRESENTE.
a esfera europeia competências que são de
Portugal, afastando o centro de decisão para diluir
responsabilidades, uma prática bem conhecida

CONDIÇÃO dos trabalhadores portugueses que teve como


expoente brutal e paradigmático a intervenção

PARA O FUTURO
das instituições da UE e do FMI na denominada
troika, mas que diariamente condiciona o desen-
volvimento do país.
A ligação umbilical do PEDS com os meca-
AUTORA: Isabel Camarinha, Secretária-Geral da Confederação Geral dos Trabalhadores nismos que estrangulam o desenvolvimento
Portugueses - Intersindical Nacional (CGTP-IN) FOTOS: Cedidas pela CGTP-IN nacional, seja o Pacto de Estabilidade, o Tratado

16 DIRIGIR & FORMAR


Cimeira Social do Porto. A visão dos parceiros sociais

Orçamental ou o Semestre Europeu, é reveladora não desincentivar o regresso ao trabalho. Um


da incompatibilidade entre uma política que ao insulto para os que trabalharam toda uma vida e
longo dos anos gera e acentua desigualdades, para os desempregados no nosso país.
dentro e entre países, e uma pretensa promoção E é não só pelo que contém, mas também por
dos direitos sociais. aquilo que não é referido, que rejeitamos o PEDS.
Por outro lado, sobre o trabalho, o PEDS Sobre o pleno emprego, objetivo proclamado
introduz formulações e conceções estranhas ao longo dos tempos em documentos da UE, nada
às normas em vigor no nosso país. é referido, abandonando-se este desígnio para o
Ao trabalho com direitos, ao reconhecimento substituir pela meta de não ter mais de 22% da
na legislação laboral de uma relação desigual população entre os 20 e os 64 anos no desem-
entre trabalhador e patrão, em que o trabalhador prego ou como inativos em 2030.
tem uma posição de desvantagem, contrapõe o Sobre a erradicação da pobreza é apresen-
PEDS com a necessidade de assegurar “flexibili- tada uma meta que prevê chegar a 2030 com
dade para os empregadores”. Acresce ainda que, 76 milhões de pobres na UE, 13 milhões dos
num documento que apregoa o diálogo social, quais crianças, isto num espaço que é apresen-
se faça tábua rasa da necessidade de revogar tado como sendo a região mais desenvolvida em
normas que bloqueiam a negociação coletiva, termos sociais do mundo...
como acontece no nosso país com a caducidade Estes são exemplos, entre muitos outros com
das convenções coletivas, ou a não reintrodução que poderíamos ilustrar o carácter perverso do PEDS,
do princípio do tratamento mais favorável. como é o caso das áreas da saúde e da educação em
À premente necessidade de combater a que aparece o conceito dos “preços comportáveis”,
precariedade – autêntica chaga laboral que nega quando a CRP remete para o objetivo da gratuitidade.
e adia projetos de vida a centenas de milhares de Ou, na chamada “economia digital” que serve para
trabalhadores no nosso país – contrapõe o PEDS generalizar o teletrabalho sem direitos e para negar
com a sua admissão, caso não seja utilizada de a condição de trabalhador a quem trabalha para as
forma abusiva”. plataformas digitais. Também assim é com a deno-
Os despedimentos sem justa causa, que minada “economia verde”, ao abrigo da qual os acio-
a Constituição da República Portuguesa (CRP) nistas da GALP encerraram a refinaria de Matosinhos,
proíbe, são admitidos, bastando para tal “uma sem que com isso se beneficie o ambiente e com
compensação adequada”. grave prejuízo para a economia nacional, e que
Em termos salariais, o PEDS remete para uma apenas gerou mais desemprego e promoveu uma
diretiva que estipula a evolução do SMN tendo em ainda maior assimetria regional.
conta fatores económicos, quando a legislação Será da luta pelo cumprimento do projeto
nacional enquadra esta matéria no plano social, consagrado na CRP, e não no PEDS, que resultará
devendo o SMN garantir um nível de vida digno, a elevação das condições de trabalho e de vida
o que está longe de acontecer e que nunca seria no nosso país.
atingido com a aplicação da referida diretiva. E é este o compromisso que a CGTP-IN assume
Também no que respeita à idade de reforma, perante os trabalhadores, hoje como ao longo da
o plano de ação do PEDS refere a necessidade de ação que nos últimos 50 anos temos desenvol-
a aumentar e, sobre o subsídio de desemprego, é vido e que fazem desta Central Sindical a maior
dito que este não deve ser demasiado alto, para organização social em Portugal.

DIRIGIR & FORMAR 17


TEMA DE CAPA

N
os dias 7 e 8 de maio de 2021, realizou-se,
respetivamente, a Cimeira Social do Porto
e a reunião informal do Conselho Europeu.
Como resultado final a ressaltar, foi adotado o
Compromisso Social do Porto, o qual, em síntese,
reflete o empenho das partes na implementação
do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e em traba-
lhar em conjunto para promover uma recuperação
inclusiva, sustentável, justa e rica em empregos,
baseada numa economia competitiva que não
deixe ninguém para trás.
Quatro anos depois da Cimeira de Gotemburgo,
onde foi proclamado o Pilar Europeu dos Direitos
Sociais, a Cimeira visou reforçar o compromisso
dos Estados-membros, das instituições europeias,
dos parceiros sociais e da sociedade civil com a
implementação de um Plano de Ação apresentado
pela Comissão Europeia.
As empresas orgulham-se da Europa social
e do seu Modelo que, como sabemos, é um dos
António Saraiva, Presidente da CIP.
mais avançados do mundo.
O progresso social exige uma estratégia equili-
brada e coerente que dê resposta cabal e sustentada
no tempo aos muitos desafios sociais que enfren-
tamos, como o desemprego, a pobreza, a acessibi-

EDUCAÇÃO lidade a cuidados de saúde adequados, entre outros.


Na perspetiva das empresas, o progresso

E FORMAÇÃO
social, que todos desejamos, exige cresci-
mento económico, ou seja, a geração de riqueza.
Sejamos claros: os problemas sociais da Europa

ENQUANTO PILAR não se devem a um défice de política social, mas


sim, à falta de competitividade.

DO MODELO
As diferentes situações em matéria social e
de emprego na Europa radicam, em boa parte,
na ausência de implementação de verda-

SOCIAL EUROPEU deiras reformas estruturais em alguns Estados-


‑membros, com vista ao reforço da produtividade,
da competitividade, do crescimento e do emprego.
AUTOR: António Saraiva, Presidente da CIP - Confederação Empresarial de Portugal Entre os vários domínios que se podem iden-
FOTOS: Cedidas pela CIP tificar como promotores da sustentabilidade e

18 DIRIGIR & FORMAR


Cimeira Social do Porto. A visão dos parceiros sociais

do desenvolvimento do Modelo Social Europeu, Impõe-se, pois, sem hesitações ou rodeios, uma
destaca-se o da educação e formação profissional. forte aposta na educação e formação profissional, no
Para os empregadores, a qualificação da popu- contexto da aprendizagem ao longo da vida.
lação constitui um pilar essencial para o cresci- É, assim, necessário:
mento económico e para a promoção da coesão • Convencer os jovens sobre a vantagens de
social, uma vez que potencia o aumento da permanecerem no sistema de ensino, seja
competitividade, a modernização das empresas, o clássico ou o profissional, ficando poten-
a produtividade, a empregabilidade e a melhoria ciadas – e muito – as perspetivas de terem
das condições de vida e de trabalho. melhores condições de vida.
É fundamental interiorizar e reconhecer que • Incentivar a atualização de conhecimentos e
a sociedade e, designadamente, os mercados de requalificação dos recursos humanos ao longo
trabalho, estão em constante e rápida mutação, da vida, incutindo em todos os trabalhadores
e que a chave do nosso sucesso coletivo se uma mentalidade de formação contínua.
encontra na capacidade de adaptação das orga- • Incentivar modelos de educação e formação
nizações e das pessoas, desde o nível mais baixo flexíveis que sejam capazes de, rapida-
à gestão de topo. mente, dar resposta às necessidades das
É necessário que as empresas se adaptem empresas e dos trabalhadores.
a novos produtos, novos métodos de produção • Reformular os conteúdos programáticos,
e distribuição, novos mercados, novos padrões incutindo nas pessoas ou valorizando, para
de consumo e, especialmente, a um ainda mais além de novos saberes digitais, a impor-
acentuado crescimento da concorrência. tância da inovação e da capacidade de adap-
O reforço da concorrência promoverá uma tação a novos contextos, não esquecendo
nova dinâmica nas empresas e sectores, dado as soft skills.
que, para além da concorrência baseada nos • Assegurar o financiamento adequado dos
custos de produção, haverá ainda uma concor- diversos sistemas de educação e formação
rência motivada pela inovação. e incentivos às empresas para desenvol-
Por outras palavras, o presente e o futuro obri- verem formação.
garão a novos modelos de negócio. • Reforçar o papel das empresas e dos seus
Acresce que a transição digital e climática, que representantes enquanto elemento-chave
se quer adequada e benéfica para todos, implica para o sucesso dos sistemas de educação
a reformulação profunda dos atuais perfis profis- e formação.
sionais, bem como a criação de novos perfis, e, na
maioria dos casos, elevados níveis de competên- A importância da educação e formação é de
cias ou novos tipos de competências relacionadas tal forma reconhecida que um dos três objetivos
com avanços tecnológicos. mensuráveis do Plano de Ação da Comissão, a
A falta de profissionais com competências alcançar até 2030, é “Pelo menos 60% de todos
adequadas às necessidades das empresas é um os adultos deverão participar anualmente em
problema bem real – hoje, 70% das empresas ações de formação”.
europeias reportam que os seus trabalhadores A CIP está preparada para passar das palavras
não têm as competências necessárias. às ações.

DIRIGIR & FORMAR 19


TEMA DE CAPA

P
ortugal e o mundo atravessam um momento
crítico sem precedentes. Ainda a vivermos
em ambiente de pandemia, provocada pela
Covid-19, mas já com o processo de vacinação em
curso e em progressão, o mercado de trabalho
enfrentou no último ano grandes desafios em
várias esferas.
No domínio do emprego, apesar de não ser
possível contabilizar com rigor a perda de postos
de trabalho no Turismo, tendo em conta a trans-
versalidade do sector, não é difícil de perceber o
impacto negativo da pandemia. O Turismo era, em
2019, responsável por cerca de 340 mil empregos
diretos apenas nas atividades produtivas do
alojamento, restauração e agências de viagens
e turismo. Em 2020, foram registadas perdas de
62% em número de hóspedes, 63% em dormidas
e 66% em proveitos totais em estabelecimentos
de alojamento turístico. As consequências são,
pois, inevitáveis.
Apesar desta crise económica e sanitária,
os empresários mantiveram-se confiantes na
Francisco Calheiros, Presidente da CTP recuperação e empenhados em cumprir com os
seus compromissos económicos e sociais, tendo

PELA
como prioridade a sobrevivência das empresas e
a manutenção dos postos de trabalho.
Estamos agora na fase de desconfinamento

RECUPERAÇÃO
e com as atividades económicas a darem os
primeiros passos para a recuperação e a trabalhar
afincadamente para retomar o ritmo que tínhamos

ECONÓMICA atingido nos anos pré-pandemia.


O Plano de Ação sobre o Pilar Europeu dos
Direitos Sociais, que visa a construção de uma

E SOCIAL Europa social forte, justa, inclusiva e repleta de


oportunidades, mereceu da Confederação do
Turismo de Portugal (CTP) uma análise exaustiva
e, enquanto organismo de cúpula do Turismo,
AUTOR: Francisco Calheiros, Presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP)
FOTOS: Cedidas pela CTP

20 DIRIGIR & FORMAR


Cimeira Social do Porto. A visão dos parceiros sociais

assume também o seu compromisso para a inovação e das iniciativas de cocriação de valor
concretização das três principais metas a atingir e de trabalho em equipa, demonstrando a neces-
até 2030: taxa de emprego de pelo menos 78% sidade de desenvolver e consubstanciar uma
na União Europeia, participação de pelo menos cultura de inovação capaz de mobilizar a empresa
60% dos adultos em ações anuais de formação e os seus mais diversos recursos. É com base
e redução do número de pessoas em risco de nestas conclusões que a CTP está empenhada
exclusão social ou de pobreza em pelo menos em promover a formação dos profissionais do
15 milhões de pessoas. Turismo, apoiando, assim, os empresários nesta
A CTP, tendo como missão a afirmação do competência.
Turismo na economia portuguesa, tem como Assumindo as atuais dificuldades que grande
uma das suas prioridades o reforço da quali- parte das empresas turísticas ainda atravessam,
dade e da excelência do capital humano, com a compete-nos também alertar o Governo para a
aposta na capacitação de empresários e gestores, necessidade de reforçar as medidas de apoio à
na formação e incentivo a empreendedores e na economia que permitam acelerar esta transição
qualificação dos seus recursos. Neste âmbito, digital e ir ao encontro dos objetivos do Plano de
promove regularmente ações de formação por Ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais.
todo país em diferentes áreas, como Segurança Não falharemos esta missão. Por Portugal e pelos
e Saúde no Trabalho, Marketing Digital e Turismo portugueses.
Inclusivo.
Tendo também consciência do importante
papel que a transição digital assume na recu-
peração da economia social, a CTP tem vindo a
trabalhar, em conjunto com os seus associados,
neste importante campo que integra o lema da
presidência portuguesa da União Europeia.
Em 2020, a CTP apresentou, em conjunto
com a NOVA IMS - Information Management
School, o estudo “Impacto da Economia Digital
na Atividade Económica do Turismo”, através do
qual se concluiu que as empresas estão cientes
da importância da transformação digital.
Este estudo concluiu também que este cons-
titui um processo de desenvolvimento e não
algo que é simplesmente adquirido pelas orga-
nizações; apontou ainda para a necessidade
de requalificar colaboradores em competências
digitais, bem como os processos de gestão da

DIRIGIR & FORMAR 21


TEMA DE CAPA

O
s direitos sociais e a qualificação dos trabalhadores esti-
veram desde sempre nas prioridades da União Geral
de Trabalhadores (UGT) desde a sua primeira hora.
Recordamos as seguintes passagens nos documentos do 1.º
Congresso da UGT em 27-28 de janeiro de 1979:
“7.2.3- A UGT pretende negociar com o Governo uma política
de emprego, baseada, entre outras, nas seguintes medidas:
a).7 Criação do Instituto do Emprego e Formação
Profissional, com gestão tripartida...
7.2.4- (...) implantar centros de ensino profissional por todo
o país(...)”

Bastamo-nos, portanto, num breve bosquejo pela história
da UGT para podermos afirmar inequivocamente que a qualifi-
cação dos portugueses esteve e está no cerne da sua missão tal
como na do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP).
A proposta realista e inovadora do 1.º Congresso da UGT viu logo a
luz do dia em dezembro desse mesmo ano com a criação do IEFP.
Também na União Europeia a UGT tem estado na linha
da frente, desde a primeira hora, com os seus parceiros da
Confederação Europeia de Sindicatos, tanto na valorização como
na defesa da importância da formação profissional e na da criação
Carlos Silva, Secretário-Geral da UGT e fortalecimento do Centro Europeu para o Desenvolvimento da
Formação Profissional (CEDEFOP).
Sabemos, também, que tanto em Portugal como na União
Europeia no seu conjunto se continuam a enfrentar graves desafios
no que diz respeito à qualificação e formação, quer dos trabalha-

DIREITOS dores quer da população em geral. O investimento em formação e


uma ação política robusta revela-se fundamental numa sociedade

SOCIAIS,
em economia global e em rápida transformação, como nos vem
alertando a Organização Internacional do Trabalho (OIT) com as
questões da Agenda do Futuro do Trabalho.

A PRIORIDADE
Em Portugal, mais de um quarto dos desempregados detém
baixas qualificações, sendo também neste grupo que se regista
uma das mais elevadas percentagens de desemprego de longa

DAS PRIORIDADES duração, situação que contribui muito para agravar os problemas
da pobreza. O desfasamento existente entre as competências dos
trabalhadores e as necessidades do mercado de trabalho é enorme,
e o mercado de emprego tem vindo a demonstrar continuadamente
lacunas persistentes ao nível das qualificações necessárias para
AUTOR: Carlos Silva, Secretário-Geral da União Geral de as exigências de crescimento e inovação económicas. A UGT tem
Trabalhadores (UGT) FOTO: Cedidas pela UGT vindo a alertar constantemente para a necessidade de adequação

22 DIRIGIR & FORMAR


Cimeira Social do Porto. A visão dos parceiros sociais

da formação à modernização do país e do modelo económico, Social do Porto de que pelo menos 78% da população entre os 20 e
tornando-se cada vez mais premente a necessidade de ultrapassar, os 64 anos deverão estar empregados até 2030; que pelo menos
de uma vez por todas, o paradigma dos baixos salários e da pobreza 60% de todos os adultos devem participar anualmente em ações
entre os trabalhadores. de formação até 2030, e o acesso a formação em capacidades
Para a UGT, a elevação das qualificações dos portugueses digitais básicas para 80% dos indivíduos entre os 16 e os 74 anos;
sempre constituiu, como já acentuámos, e sempre constituirá além de uma redução de, pelo menos, 15 milhões do número de
uma prioridade sindical, enquanto prevalecer o problema estrutural pessoas em risco de pobreza ou exclusão social, que, através
de défice de qualificações de que há muito o nosso país padece. Tal do Método Aberto de Coordenação, nos permitirá ir medindo os
défice é, nunca será demais sublinhá-lo, um obstáculo não apenas avanços que virão a realizar-se, mostram que queremos e conti-
à competitividade das empresas, em que a capacidade técnica nuaremos a ter a Europa como o diapasão das políticas sociais
continua a ser globalmente reduzida e em que o nível médio de para um mundo mais justo e equitativo, apesar das grandes dife-
qualificações permanece baixo, mas é também um obstáculo à renças que ainda persistem nos diversos países da própria União
modernização do país e uma pecha para o necessário aumento Europeia.
dos salários e dos rendimentos dos trabalhadores portugueses. Se nos focarmos no que concerne à formação profissional e
Os obstáculos de competitividade das empresas e de moder- nas nossas obrigações nacionais de que 60% de todos os adultos
nização do país só serão debelados se todos os atores sociais se devam participar anualmente em ações de formação até 2030
empenharem numa estratégia nacional e europeia que combata, e que pelo menos 80% das pessoas entre os 16 e os 74 anos
ao mesmo tempo, as baixas qualificações e a sua crónica desa- venham a adquirir competências digitais básicas, verificaremos
dequação às necessidades da modernização da sociedade e que temos um grande desafio à nossa frente, pois estamos abaixo
do mercado de trabalho. Para que tal se mostre eficaz, deverão da média europeia e temos um exigente caminho para trilhar, mas
ser dados sinais claros de incentivo à formação individual dos que não podemos nem perder nem soçobrar, sob pena de não
trabalhadores. se fomentar a aquisição de competências, a requalificação e a
Se a Europa está na vanguarda de uma sociedade à escala empregabilidade dos trabalhadores portugueses e a renovação
mundial mais justa e equitativa, onde os valores da cidadania, dos do sector empresarial nacional.
direitos humanos, da solidariedade social, entre outros, estão no A UGT esteve desde a primeira hora na origem da criação
âmago da própria construção da União Europeia, o Pilar Europeu do IEFP e, por isso, nunca será demais lembrar que ao acom-
dos Direitos Sociais (PEDS) é, em tal contexto, um farol para aquilo panhar os desafios que o país tem de suplantar nesta área de
que deve ser uma sociedade do diálogo, do compromisso e de intervenção do Plano de Ação do PEDS acompanhará o IEFP no
combate a muitas das, ainda existentes, iniquidades dos sistemas papel insubstituível que terá na concretização dos desafios
político-sociais que a compõem. ambiciosos lançados no Acordo alcançado pelos Parceiros
Ora é neste contexto que o PEDS é visto pelo movimento Sociais Europeus na área da formação, estando convictos de
sindical democrático e progressista da Confederação Europeia que através da formação também se atenuarão os problemas
de Sindicatos como um caminho para uma União Europeia mais crónicos de pobreza e do desemprego e se contribuirá posi-
justa e coesa. E é, também, em tal contexto que a UGT se sente tivamente para a prossecução destes dois outros objetivos.
embrenhada na execução dos 20 princípios plasmados no PEDS e, O princípio de que “Não pode ficar ninguém para trás” não
por maioria de razão, no compromisso que se alcançou, ainda que pode ser entendido como um mero slogan, mas exige-se que
timidamente, na Cimeira Social do Porto, no âmbito da Presidência seja encarado como uma exigência imposta pela realidade
Portuguesa do Conselho da União Europeia. Não esgota, é verdade, dos acontecimentos e, também por isso, se afigura como a
as áreas de intervenção do PEDS, mas é já um sinal inequívoco da prioridade das prioridades das políticas nacionais e europeias.
determinação dos parceiros sociais nacionais e europeus. O IEFP, enquanto organismo de gestão tripartida, tem um
Os três objetivos consolidados entre os Parceiros Sociais papel central para que os objetivos sejam alcançados com
Europeus – Comissão, Empregadores e Trabalhadores – na Cimeira sucesso, e a UGT não enjeitará, portanto, o seu papel.

DIRIGIR & FORMAR 23


TEMA DE CAPA

24 DIRIGIR & FORMAR


RESKILLING 4
EMPLOYMENT
A TRANSFORMAÇÃO
DO EMPREGO
RESKILLING 4 EMPLOYMENT
A TRANSFORMAÇÃO DO EMPREGO

AUTOR: Paulo Azevedo, Presidente do Conselho de Administração da Sonae FOTOS: Shutterstock

A Sonae é um dos promotores da nova verde trouxe também desafios ao nível das energias renová-
iniciativa de formação europeia intitulada veis e, com elas, a necessidade de novas funções. Os ritmos de
mudança a que atualmente estamos sujeitos obrigam-nos a uma
Reskilling 4 Employment (R4E), que tem adaptação mais rápida a novas formas de organizar o trabalho, a
como objetivo requalificar profissionais novas ferramentas e métodos, exigindo de todos novas aptidões
desempregados ou em profissões em risco, como a própria facilidade de adaptação à mudança e uma proa-
preparando-os para as novas necessidades tividade e predisposição para a aprendizagem ao longo da vida.
do mercado de trabalho europeu. À medida que se extinguem velhas profissões, novas ocupa-
ções emergem, com novas necessidades em termos de qualifi-
cação. Há uma década não seríamos capazes de prever a escala

O
mercado de trabalho na Europa está a transformar-se da necessidade de técnicos de instalação de painéis solares,
radicalmente. Estima-se que cerca de 20 milhões de ou de manutenção de parques eólicos, de cuidadores, na área
europeus terão de ser requalificados até 2030, para da saúde, que acompanhassem as necessidades resultantes
assumir novas ocupações, à medida que a Europa faz a sua do envelhecimento da população, ou de analistas de marketing
transição para uma nova economia, mais verde e mais digital. e especialistas em SEO (Search Engine Optimization), ou ainda
É por isso vital ajudar os cidadãos europeus no processo de de programadores e data scientists.
requalificação para se enquadrarem nas novas necessidades A transformação profunda ao nível do emprego tornou
do mercado, melhorando as suas vidas, reforçando a coesão premente a necessidade de se pôr em prática um modelo de
social e promovendo a competitividade europeia. reconversão profissional, de larga escala, com a capacidade
A pandemia de Covid-19 veio pôr pressão adicional na para requalificar e colocar em situação de empregabilidade
necessidade de transição, com cerca de 15 milhões de desem- cerca de cinco milhões de cidadãos europeus até 2030.
pregados desde já, alguns dos quais requerendo a necessidade Esse desígnio permitiu que, desde a primeira hora, os
de requalificação para poder encontrar um novo emprego. membros do European Round Table for Industry1 (ERT) tenham
Não é novidade que as competências digitais são hoje abraçado a ideia de mobilizar os seus esforços no sentido de
competências essenciais, disseminadas por todos os sectores promover a transformação do ecossistema da requalificação
de atividade, sendo vitais para a grande maioria de funções. profissional.
Observamos como os avanços da automação e da inteligência
artificial extinguem, todos os dias, mais postos de trabalho, sobre- 1  O ERT é um fórum que reúne líderes de empresas multinacionais de base europeia,
abrangendo um vasto leque de sectores industriais e tecnológicos. As empresas ERT
tudo os que implicam tarefas manuais e rotineiras. A transição representam cinco milhões de empregos diretos em todo o mundo.

DIRIGIR & FORMAR 25


TEMA DE CAPA

A população sobre a qual este projeto incide abrange todos


O objetivo do projeto é requalificar um milhão os trabalhadores, mais ou menos jovens, que se encontram
de adultos na Europa até 2025. desempregados ou em risco de perder o seu emprego.
O R4E vai ajudar a mobilizar instituições Estes são os primeiros passos do programa R4E, que se
apresenta com uma grande ambição.
dos sectores público, privado e social
Acreditamos que o nosso papel, enquanto empresas, é
no sentido de alcançar esta meta. o de fazer parte da solução, colaborando no esforço de rein-
venção de ferramentas e modelos que garantam a possibili-
dade de requalificação. O contributo que formos capazes de
dar para este desafio de requalificar será também a chave
para que a economia europeia se possa afirmar a prazo como
O programa Reskilling 4 Employment (R4E) altamente competitiva.
Reduzir o desfasamento entre qualificações existentes e quali-
ficações necessárias para novos empregos permitirá melhorar As sete dimensões
a empregabilidade e a segurança dos trabalhadores, e assim Na procura da melhor abordagem à questão da requalificação,
acelerar a transição verde e digital da economia europeia, o ERT fez uma análise comparativa de mais de duas centenas
contribuindo em simultâneo para a sua coesão social. de iniciativas de formação, qualificação e requalificação. Essas
Em conjunto com, e em apoio a, agências governamentais, iniciativas abrangeram um conjunto muito alargado de enti-
agências de emprego e instituições de formação, o projeto R4E dades, incluindo parceiros sociais, instituições públicas e
é um compromisso e um esforço lançado por empresas do ERT empregadores privados. Os resultados foram a lição mais
para promover a requalificação e reconversão profissional em importante para o R4E: requalificar a população desempre-
larga escala, procurando responder a um dos maiores desafios gada ou em risco de perder o emprego requer uma abordagem
que, como sociedades, enfrentamos atualmente. holística.

26 DIRIGIR & FORMAR


Reskilling 4 Employment – A transformação do emprego

A análise levada a cabo permitiu identificar que os modelos empresas, formadores, agências de emprego, trabalhadores
com maiores taxas de sucesso na colocação de candidatos e todo um conjunto de entidades públicas, privadas e sociais.
em emprego tendem a seguir uma abordagem end-to-end O desafio da reconversão profissional de uma importante
que compreende sete passos essenciais na cadeia de valor parte da população trabalhadora na Europa é um desafio
da requalificação: demasiado grande para qualquer entidade enfrentar sozinha.
1. Monitorização (local) da procura de emprego, incluindo Ensaiar a capacidade de harmonizar objetivos, partilhar conhe-
qualificações e atividades necessárias para o emprego; cimentos e experiências e trabalhar em equipa faz parte do
2. Desenho da formação – construção de programas feitos caderno de encargos deste piloto que agora iniciamos. O nosso
à medida, para ensinar todas as atividades e aptidões objetivo é somar a nossa experiência, conhecimento e capa-
necessárias ao desempenho da função para a qual o cidade de trabalho em equipa de todos os stakeholders que
trabalhador se reconverte; atuam neste domínio.
3. Mobilização dos candidatos, aconselhamento e avaliação Em Portugal, o IEFP, enquanto organismo responsável pela
das necessidades de formação para a requalificação execução da política de emprego e de formação profissional, é
na nova função; naturalmente a entidade-chave para qualquer parceria neste
4. Oferta de formação e certificação; domínio. Mais ainda, porque precisamente a vocação do IEFP
5. Colocação dos candidatos em situação de emprego, o dota da capacidade para uma abordagem end-to-end, da
incluindo formação e mentoria para apoio à procura de formação ao emprego, numa procura de respostas céleres
emprego e candidatura bem-sucedida; e ajustadas ao mercado. Por outro lado, porque o IEFP é um
6. Monitorização e avaliação do processo, medindo os resul- verdadeiro pivô na coordenação das medidas de formação
tados ao nível da empregabilidade (ex.: colocação efetiva a nível nacional, articulando diretamente com entidades
em emprego após três meses de treino), reunindo feed- públicas, sociais e de relevância socioeconómica.
back das entidades empregadoras e atualizando o desenho Para nós, enquanto promotores do projeto-piloto R4E em
da formação à medida que a função-alvo se transforma; Portugal, o empenho do IEFP significa agregar vontades e
7. Financiamento, assegurando a acessibilidade para o constituir momentum para reajustar a oferta da formação
candidato, e alinhamento de incentivos entre candi- profissional e o paradigma da empregabilidade.
datos, formadores e empregadores.
Um piloto, três países
Menos de 1% dos programas de formação avalia o seu No seu primeiro ano, o programa R4E começa com projetos-
impacto, quer ao nível da qualidade dos processos utilizados -piloto em três países europeus: Portugal, Espanha e Suécia.
quer ao nível da taxa de empregabilidade alcançada. Mas é As empresas que lideram o programa nesta primeira vaga
possível descortinar que a falta de incentivos, a fragmentação incluem, para além da Sonae, a AstraZeneca, a Iberdrola, a
da oferta, a ausência de financiamento para quem necessita Nestlé, a SAP, a Telefónica e o Grupo Volvo.
de se requalificar, ou não haver um horizonte de empregabi- O programa será lançado com uma série de iniciativas e
lidade, são algumas das razões do insucesso. Poucas são as potencial para ganhar escala e potenciar os ecossistemas
iniciativas que implementam uma abordagem end-to-end, e de reconversão profissional que já existem, a nível nacional,
aquelas que o fazem têm tipicamente uma escala pequena. desenvolvendo ferramentas e conhecimento, que podem ser
O que encontrámos nos programas de maior sucesso, objeto de partilha, e harmonizando objetivos.
e com melhores taxas de empregabilidade, permitiram O seu propósito traduz-se de forma simples: ajudar as
conclusões inequívocas. Essas conclusões, e em particular pessoas a fazer a requalificação necessária para reentrar no
a evidência de que as grandes empresas possuíam uma parte mercado de trabalho, melhorando as suas vidas, potenciando
essencial da informação atual e prospetiva sobre as necessi- a coesão social e ampliando a competitividade europeia. Só
dades e obsolescência de funções, tornaram-se o catalisador assim se poderá assegurar que a Europa tem o capital humano
do programa R4E e mobilizaram todos os stakeholders em e as qualificações necessárias para levar a cabo com sucesso
torno de objetivos comuns, orquestrando o alinhamento entre as transições verde e digital.
parceiros sociais, públicos e privados. A sua escala é também clara e ambiciosa: o programa
Um programa-piloto está a ser desenhado para, em conjunto R4E propõe-se requalificar um milhão de adultos de todas
com as entidades relevantes em cada país, testar uma abordagem as idades, na Europa, até 2025.
end-to-end da requalificação, no sentido de preparar uma trans- Para já, em Portugal, a ideia é a criação de três Reskilling
formação no ecossistema, alavancada pela capacidade de todos: Labs, que permitirão testar as premissas e a eficácia do

DIRIGIR & FORMAR 27


TEMA DE CAPA

As empresas partilham as suas vagas, as suas necessi-


Para nós, enquanto promotores do dades presentes e futuras, disponibilizam apoio na elaboração
projeto-piloto R4E em Portugal, o dos cursos de formação e no acompanhamento do processo.
empenho do IEFP significa agregar Trata-se de uma verdadeira jornada, que requer programas de
contornos muito particulares, orientação permanente dos candi-
vontades e constituir momentum para
datos em vários pontos do processo, bem como de ecossistemas
reajustar a oferta da formação profissional locais de emprego, que permitam aos formadores e empregadores
e o paradigma da empregabilidade. estabelecer um match de forma rápida entre candidatos e vagas.
O R4E é um projeto que beneficia da proposta de valor
europeia: conteúdos transversais, ferramentas tecnológicas
partilháveis, partilha de conhecimento e de experiência com
outras empresas, de outros países, em múltiplas áreas. Este
projeto recorre a elementos de facilitação que são críticos
para o seu sucesso:
1. Facilitador tecnológico: uma plataforma comum e reco-
mendações de matching desencadeadas por inteligência
artificial. Uma plataforma que crie o padrão de excelência
para os desempregados e todos aqueles em risco de
perder emprego, que ofereça uma experiência integrada,
end-to-end;
2. Rede de formadores de excelência: cuidadosamente
selecionados, não só os formadores, mas os próprios
programas de requalificação, tendo em conta as taxas
de colocação em emprego, apoiando os seus promo-
tores de forma a melhorar e ganhar escala nesses
programas em toda a Europa;
3. Criação de ecossistemas de emprego locais, que faci-
litem o matching: desenvolver e ampliar os ecossis-
temas locais, mobilizando o maior número possível de
empresas (pequenas, médias e grandes) de todos os
sectores de atividade para que partilhem as suas vagas
e promovam entrevistas a candidatos certificados por
programas de requalificação;
4. Apoio no desenho de esquemas de financiamento que
alinhem os incentivos para os formadores, empre-
novo modelo, alavancando uma fase posterior de expansão gadores e candidatos: é fundamental desenhar em
e desenvolvimento. conjunto, com as autoridades europeias e nacionais,
Este constitui-se como o primeiro passo de um ambicioso mecanismos de financiamento sustentáveis para
processo de transformação do capital humano da Europa. desbloquear a requalificação em larga escala na Europa.
Um projeto que convoca todos os stakeholders para a cons-
trução de um futuro de coesão social e competitividade. Acompanhar a transformação do emprego na Europa com
a requalificação dos seus trabalhadores é um desígnio que a
Como funciona o R4E todos toca: Estados, empresas e cidadãos. A transição para
Esta iniciativa começa por dotar os candidatos da consciência uma economia verde e digital está já em curso e é preciso
das ofertas e das oportunidades de emprego que lhe permitem antecipá-la, disponibilizando os recursos humanos necessá-
antecipar mudanças e a necessidade de se requalificar. rios. O mercado do emprego está a transformar-se e estamos
Os candidatos são sujeitos a formação específica, dese- comprometidos em não deixar ninguém para trás. Só acredi-
nhada à medida, e acompanhados a todo o tempo, por meio tamos num bom futuro para a Europa se este for pensado para
de mentores, até à sua colocação num emprego futuro. criar bem-estar e prosperidade aos seus cidadãos.

28 DIRIGIR & FORMAR


CONFERÊNCIA DE ALTO NÍVEL SOBRE O FUTURO DO TRABALHO
“TRABALHO REMOTO: DESAFIOS, RISCOS E OPORTUNIDADES”

CONFERÊNCIA DE ALTO NÍVEL SOBRE O FUTURO DO TRABALHO

“TRABALHO REMOTO: DESAFIOS,


RISCOS E OPORTUNIDADES”
AUTORA: Ana Lima das Neves, Equipa de Coordenação da Conferência de Alto Nível sobre o Futuro do Trabalho FOTOS: Presidência Portuguesa do Conselho da UE

O
Ministério do Trabalho, Solidariedade e “A transição digital tem um enorme potencial e
Segurança Social promoveu, no passado traz com ela inúmeras oportunidades, no acesso “Agora é tempo
dia 9 de março, no âmbito da Presidência ao mercado global, na melhoria dos processos de uma reflexão
Portuguesa do Conselho da União Europeia, produtivos, na desburocratização da vida dos conjunta, que
uma Conferência de Alto Nível sobre o Futuro do cidadãos”. Foi com estas palavras que o Primeiro- garanta que
Trabalho intitulada “Trabalho Remoto: Desafios, ‑Ministro António Costa conduziu a abertura da
os processos
Riscos e Oportunidades” com vista à discussão Conferência, enfatizando que “ninguém pode ficar
do tema com um conjunto alargado de peritos. para trás” nesta transição e que a resposta aos conjunturais
novos desafios deve articular diferentes níveis não se
Sessão de abertura e áreas das políticas públicas, envolvendo os transformam em
A Conferência contou com a abertura do Primeiro- parceiros sociais, as empresas e a sociedade civil. desigualdades
‑Ministro, António Costa, do Diretor-Geral da Defendeu que é “agora tempo de uma reflexão estruturais.”
Organização Internacional do Trabalho, Guy Ryder, conjunta, que garanta que os processos conjuntu-
e do Comissário Europeu para o Emprego e Direitos rais não se transformam em desigualdades estru- António Costa,
Primeiro-ministro
Sociais, Nicolas Schmit. turais”, sendo necessárias iniciativas concretas

DIRIGIR & FORMAR 29


TEMA DE CAPA

que permitam “dar confiança aos europeus de que


as mudanças que estamos a viver não são uma
ameaça, mas, pelo contrário, uma oportunidade”.
O Diretor-Geral da Organização Internacional
do Trabalho (OIT), Guy Ryder, salientou que
“o trabalho não é uma mercadoria. Os trabalha-
dores não são robôs nem computadores. Nem
devem ser geridos por eles”. Alertou também que
“os algoritmos incorporam as suposições, precon-
ceitos e interesses daqueles que os criaram e
fornecem pouco espaço para identificar e resolver
disputas e queixas. Essas questões precisam de
ser resolvidas, e rapidamente”. Reforçou igual-
mente que devemos seguir a abordagem centrada
no ser humano para o mundo do trabalho deli-
neada na Declaração do Centenário da OIT. E isso
“exigirá um diálogo social efetivo, em todos os
níveis; maior cooperação internacional, para criar
as políticas certas; e regulamentação interna-
cional que salvaguarde os direitos fundamentais
de todos os trabalhadores, independentemente
da sua situação laboral”.
O Comissário Europeu para o Emprego e
Direitos Sociais, Nicolas Schmit, evidenciou o
papel do teletrabalho durante a pandemia, ante-
vendo que esta modalidade de trabalho perma-
necerá após o período pandémico, ainda que com
menor intensidade. Frisou ainda que “existem
boas razões para reorganizar o trabalho, recor-
rendo a novas formas, mas temos de atentar a
alguns aspetos subjacentes a estas mudanças”,
como a conciliação entre a vida pessoal e profis-
sional, a noção do tempo de trabalho e a obri-
gação que muitos sentem em ter de estar sempre
ligados, por exemplo. Também deve ser tido em
consideração que não se pode permitir que as
novas formas de trabalho se tornem sinónimos de
precariedade, devendo “as condições de trabalho
dignas e a flexibilidade andar de mãos dadas”.
Referindo-se ao direito à desconexão, afirmou
que devem existir direitos claros, encontrando-se
um equilíbrio correto, sendo os parceiros sociais
atores fundamentais neste processo. Por último,
sublinhou que, num mercado laboral sem fron-
teiras e numa economia cada vez mais digitali-
zada, os sistemas de proteção social devem ser
adaptados a esta nova realidade e deve existir
igualmente um esforço de investimento nas
competências digitais.

30 DIRIGIR & FORMAR


Conferência de Alto Nível sobre o Futuro do Trabalho

Painéis de discussão teletrabalho, tendo sempre presente que tais desa-


O primeiro painel foi dedicado à discussão sobre as fios interpelam todos, não apenas os decisores polí-
“tendências, oportunidades, desafios e riscos” do ticos, mas também os parceiros sociais, a academia
trabalho remoto. e as pessoas.
A chefe da Unidade de Emprego da Eurofound, O segundo painel debateu os temas da “Conexão
Irene Mandl, introduziu o tema do painel, referindo e desconexão e o equilíbrio entre vida pessoal e
que o período pós-pandemia será provavelmente profissional”, sendo moderado pela Presidente do
caracterizado por um nível mais elevado de trabalho Comité Económico e Social Europeu (CESE), Christa
remoto, sendo necessário prever as implicações e Schweng.
desafios desta tendência em diferentes dimensões. Na introdução, Tina Weber, chefe de investigação
As questões relacionadas com as desigualdades da Eurofound, referiu que, embora o teletrabalho
e a segmentação do mercado foram evidenciadas tenha potencial para melhorar o equilíbrio entre a
por Ilze Zvidrina, presidente do Comité do Emprego. vida profissional e a vida pessoal, também acarreta
Também Stefano Scarpetta, Diretor da Direção de riscos significativos. Os dados mostram que os tele-
Emprego, Trabalho e Assuntos Sociais da OCDE, trabalhadores têm duas vezes mais probabilidade
afirmou que a pandemia tornou evidente que muitas de trabalhar no seu tempo livre e têm um tempo de
profissões podem ser exercidas a partir de casa, mas descanso insuficiente em comparação com os traba-
deixou o alerta quanto à disparidade de qualificações lhadores no local de trabalho.
entre aqueles que puderam recorrer a estas moda- Manuela Tomei, Diretora do departamento
lidades de trabalho e os que não o puderam fazer. WORKQUALITY da OIT, considerou que é importante
“O trabalho não
As origens do teletrabalho, bem como as suas esclarecer o que o direito à desconexão acarreta,
vantagens e desvantagens para empregadores, traba- devendo ser definidas as horas normais de trabalho é uma mercadoria.
lhadores e sociedade civil foram descritas pelos coor- e os períodos de disponibilidade e descanso, além Os trabalhadores
denadores do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho de ser disponibilizada informação sobre a maneira não são
em Portugal, Teresa Coelho Moreira e Guilherme Dray. como o tempo de trabalho é registado. Os perigos
robôs nem
Deixaram também uma mensagem sobre a impor- da conexão permanente foram reforçados por Alex
tância do direito à desconexão, para evitar o prolon- Agius Saliba, Membro do Parlamento Europeu, defen- computadores.
gamento da jornada de trabalho e assegurar uma dendo que devemos fazer do direito à desconexão Nem devem ser
boa conciliação entre a vida privada e profissional, um direito fundamental para proteger os trabalha- geridos por eles”.
bem como a necessidade de encontrar modelos de dores europeus.
trabalho remoto híbrido, que garantam o contacto O carácter voluntário e reversível do teletra- Guy Ryder, Diretor-Geral
físico e a proximidade com colegas de trabalho ou balho foi central na intervenção de Carlos Manuel da Organização Internacional
do Trabalho (OIT)
consumidores, evitando o isolamento. Neste quadro, Trindade, relator do parecer sobre Desafios do
o direito à privacidade e a salvaguarda da saúde e Teletrabalho do CESE, que afirmou igualmente a
segurança dos trabalhadores também não podem necessidade de uma garantia de que os direitos
ser esquecidos. individuais e coletivos permanecem intactos e que
O papel central dos parceiros sociais no desenho as despesas acrescidas por parte dos trabalha-
de soluções futuras que beneficiem trabalhadores dores com energia, consumíveis e comunicações
e empregadores foi referido por Martha Newton, são devidamente consideradas.
Diretora-Geral Adjunta de Política da OIT, partindo do A Diretora do Instituto Europeu para a Igualdade
exemplo da iniciativa do Acordo-Quadro Europeu de Género, Carlien Scheele, sublinhou que somente
sobre Teletrabalho de 2002. reconhecendo a importância do trabalho de cuidador
O Secretário de Estado Adjunto do Trabalho e da poderemos impedir o aumento da desigualdade
Formação Profissional, Miguel Cabrita, moderador entre homens e mulheres. A primeira mudança deve,
deste painel, concluiu com a afirmação da “urgência assim, ocorrer em casa, com mulheres e homens a
de regular velhos desafios em novos tempos, mas partilhar as tarefas e, para o conseguir, os países
também analisando os novos desafios”, procu- devem lançar campanhas de sensibilização para
rando maximizar o potencial e minimizar os riscos acabar com os estereótipos de género em torno do
das novas formas de trabalho, em particular do papel de cuidador.

DIRIGIR & FORMAR 31


TEMA DE CAPA

O terceiro painel foi dedicado ao “Acesso à pro- A Diretora do Departamento de Governança e


teção social, processos de representação e envolvi- Tripartismo da OIT, Vera Paquete-Perdigão, apontou
mento dos trabalhadores, diálogo social e negociação a Declaração do Centenário da OIT no combate
coletiva em novas formas de trabalho”, moderado pela à existente desintegração social através dos
Secretária-Geral Adjunta da Confederação Europeia locais de trabalho geograficamente dispersos e
de Sindicatos, Esther Lynch. processos de trabalho fragmentados, bem como
Manuel Carvalho da Silva, Diretor do COLABOR, às lacunas de proteção social e dificuldades no
introduziu o tema procurando respostas para ques- exercício da liberdade de associação e negociação
tões que ainda permanecem por responder, tais coletiva nas novas formas de trabalho.
como garantir a todos o direito à segurança social No final deste painel, a necessidade de respostas
sem as tradicionais relações de trabalho previstas aos desafios das novas formas de trabalho
na lei; como regular o trabalho da plataforma para como a das plataformas digitais foi evidenciada

“Qualquer iniciativa europeia nesta matéria deve ser edificada a partir de


um processo de diálogo com os Parceiros Sociais, como tem sido de resto
apanágio das iniciativas recentes da União Europeia em matéria laboral.”
Ana Mendes Godinho, Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

que seja garantido o direito de todos à organização, pela Ministra do Trabalho e Economia Social de
representação e negociação, ou como os sindicatos Espanha, Yolanda Díaz Pérez, que identificou a
e associações de empregadores podem participar na dimensão coletiva como fundamental.
regulamentação de formas emergentes de trabalho. A última sessão centrou-se na Regulação do
O Presidente do Comité de Proteção Social, Peter mercado de trabalho, eficácia dos direitos e obri-
Lelie, considerou que os Estados-membros devem gações legais e Segurança e Saúde no Trabalho,
fazer o melhor uso possível da oportunidade que moderada por Ana Olim, Diretora-Geral da DGERT.
é oferecida pela Recomendação do Conselho rela- Na introdução, a Chefe da Unidade de Vida
tiva ao acesso à proteção social dos trabalhadores Profissional da Eurofound, Barbara Gerstenberger,
por conta de outrem e por conta própria, para forta- referiu que a eficácia dos direitos e obrigações
lecer os sistemas de proteção social, ampliar a sua legais e da regulamentação do mercado, bem como
cobertura e torná-los à prova dos desafios do futuro. a aplicação das disposições de saúde e segurança
Já o papel central da tecnologia e das compe- de trabalho em geral, é uma questão transversal e
tências na transição digital foi abordado por Maxime desafiadora a nível nacional e europeu.
Cerutti, Diretor do Departamento dos Assuntos Joaquim Pintado Nunes, Chefe da Divisão de
Sociais da BusinessEurope, que deu nota dos impor- Administração do Trabalho, Inspeção do Trabalho
tantes Acordos-Quadro sobre teletrabalho e digitali- e Segurança e Saúde Ocupacional da OIT, deixou
zação, que procuram responder precisamente aos algumas sugestões para a melhoria da legislação
desafios do futuro do trabalho. Realçando também o e inspeção do trabalho, como o providenciar as
papel dos parceiros social, Rainer Ludwig, Presidente inspeções do trabalho com recursos tecnológicos
do CEEMET, referiu que os parceiros sociais cele- adequados e conhecimentos especializados em
braram importantes acordos coletivos para orga- informática, a inspeção virtual, a digitalização do
nizar o trabalho a fim de enfrentar a pandemia, cumprimento de obrigações ou a celeridade na
adotando diferentes soluções sobre a melhor forma autorização de acesso ao domicílio através de plata-
de organizar e gerir o trabalho, protegendo a saúde formas partilhadas entre inspeção e poder judicial.
e a segurança dos trabalhadores. Salientou ainda a As implicações de saúde e segurança do teletra-
importância de permitir um espaço de ação para que balho domiciliar, como os maiores riscos ergonómicos
os parceiros sociais possam fazer face aos desafios e psicossociais, foram apresentadas pelo Chefe da
de um mundo do trabalho digitalizado. Unidade de Prevenção e Investigação da Agência

32 DIRIGIR & FORMAR


Conferência de Alto Nível sobre o Futuro do Trabalho

Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho A garantia de que a reflexão sobre estas irá
(EU-OSHA), William Cockburn, que manifestou continuar, em particular sobre a conciliação da
também preocupação com o risco de acidentes, vida privada e profissional, o trabalho seguro e
sedentarismo e conflitos domésticos e violência. saudável ou a importância das competências, num
O coordenador da Equipa de Competências e contexto de digitalização, desafios demográficos
Emprego do Centro Comum de Pesquisa, Enrique e integração de género, foi deixada pelo Ministro
Fernández Macías, afirmou a necessidade de uma do Trabalho, Família, Assuntos Sociais e Igualdade
nova regulamentação do teletrabalho, bem como de Oportunidades da Eslovénia, Janez Cigler Kralj.
de uma coordenação transnacional para a regula- Ana Mendes Godinho, Ministra do Trabalho,
mentação desta forma de trabalho. Solidariedade e Segurança Social de Portugal, subli-
O papel da Autoridade Europeia do Trabalho nhou a importância do Livro Verde sobre o Futuro do
(ELA) e a cooperação entre os Estados-membros Trabalho enquanto peça fundamental para a cons-
na garantia de que mudanças na mobilidade laboral trução de um caminho fundamentado e equilibrado
na Europa ocorrem de forma justa, respeitando os na regulação das novas formas de trabalho. Também
direitos e obrigações estabelecidos pela legislação o Plano de Ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais
da UE sobre trabalhadores e empregadores, foi evi- se afigura central, na medida em que valoriza, não
denciado por Cosmin Boiangiu, Diretor Executivo apenas a dimensão quantitativa dos objetivos em
da ELA. matéria de emprego, mas, também, a dimensão
qualitativa do mercado de trabalho.
Sessão de encerramento Terminou garantindo que “as conclusões que
A sessão de encerramento contou com as interven- apresentaremos ao Conselho sobre o futuro do
ções dos Ministros do Trabalho do trio de presidên- trabalho e, em particular, sobre o trabalho remoto,
cias do Conselho da União Europeia. que emanarem desta conferência serão um contri-
O Ministro Federal do Trabalho e Assuntos Sociais buto importante para os nossos trabalhos e para o
da Alemanha, Hubertus Heil, referiu o debate, que trabalho do futuro” e considerando que “qualquer
acontece atualmente na Alemanha, sobre a necessi- iniciativa europeia nesta matéria deve ser edificada
dade de regras jurídicas vinculativas para o trabalho a partir de um processo de diálogo com os Parceiros
remoto e o estabelecimento de regras claras para a Sociais, como tem sido de resto apanágio das inicia-
proteção da saúde dos trabalhadores. tivas recentes da União Europeia em matéria laboral”.

DIRIGIR & FORMAR 33


TEMA DE CAPA

MUSEU FÓRUM
A PARTICIPAÇÃO CÍVICA COMO ESTRATÉGIA INTEGRADA PARA A
INCLUSÃO SOCIAL

MUSEU FÓRUM
A PARTICIPAÇÃO CÍVICA
COMO ESTRATÉGIA INTEGRADA PARA A

INCLUSÃO SOCIAL
AUTORA: Ana Alcoforado, Provedora para a Inclusão e Cidadania. Direção-Geral do Património Cultural FOTOS: Cedidas pela autora

P
ela voz dos mais influentes pensadores do Templo e fórum ainda coexistem no universo
século XX, os museus têm vindo a assumir museológico. Mas cada vez mais se concebe um
diversas e abrangentes dimensões. Walter museu voltado para o público, característica do
Benjamin acreditava nos museus como “espaços museu fórum: um museu dinâmico, inclusivo e
que suscitam sonhos”, André Malraux via-os como participativo.
locais que “proporcionam a mais elevada ideia do O fórum é um lugar de encontro, de troca
homem”, Duncan Cameron propõe, com alguma de experiências e de exercício de cidadania.
dose de humor, analogias com templos ou fóruns. É através do encontro que se produz transfor-
Como enfatiza, o “Museu Fórum”, por oposição mação. A aproximação ao público, a adoção de
ao “Museu Templo”, sem perder as suas especi- uma postura prática e participativa reforçam
ficidades, é um lugar de ação: “o fórum é onde se a memória e a identidade coletiva e estimulam a
ganham as batalhas, o templo é onde se encon- repensar o papel social do museu, como espaço
tram os vencedores”. transformativo.

34 DIRIGIR & FORMAR


“In my view,
it is clear that
there is clear
and urgent
need for the
re-establishment
of the fórum as
an institution in
society.”
Cameron, D. F. (1971)

Já no século XXI, Nina Simon, ativista por catalisadores na comunidade e como espaços
instituições culturais mais abertas, inclusivas e públicos por excelência.
eficazes, recentra a sua atenção no conceito de A inclusão social e a acessibilidade cultural,
Museu Fórum e numa arquitetura de participação. direcionando a cultura, história e identidade
Pensa o Museu como um lugar de ação, espaço de social, valores estabelecidos que os museus já
fórum de discussão, onde se pode criar, partilhar e perseguem, podem ocorrer através de uma pers-
interconectar uns com os outros, em torno de um petiva de Museu Fórum, priorizando o foco nas
conteúdo (património/coleções), reafirmando a pessoas e a interação com a comunidade.
identidade do espaço e, agindo em rede, tornando- Observando os desafios que se colocam
-o relevante para cada vez mais pessoas. à gestão destes espaços de memória, baseia-
Se os museus almejam tornar-se inclusivos -se a presente reflexão na experiência vivida e
têm de agir como fórum, espaço ou plataforma na estratégia implementada, ao longo de mais
de diálogo, constituindo-se como verdadeiros de uma década, na direção do Museu Nacional

DIRIGIR & FORMAR 35


TEMA DE CAPA

de Machado de Castro (MNMC), funções que ante-


cederam e propiciaram as atualmente assumidas.
O processo de requalificação e mudança levada
a cabo nesse Museu determina a busca da identi-
dade do lugar, do ponto de vista da evolução urba-
nística e arquitetónica do espaço, da sua génese e
história, e da comunidade que o acolhe.
Situado no centro histórico de Coimbra, em área
classificada como Património da Humanidade, o
complexo arquitetónico em que o Museu está insta-
lado é, sem dúvida, um dos lugares mais emblemá-
ticos e aliciantes da cidade. Trata-se de um lugar
fundacional, pois nele se ergueu o Fórum, no cruza-
mento dos dois eixos principais da urbe romana.
O conjunto integra a maior estrutura de arquitetura
civil romana que se conserva em território nacional,
sobre a qual assenta o edifício do Museu, no espaço
originalmente ocupado pelo Fórum da cidade de
Aeminium, e posteriormente vocacionado a templo
cristão e a Paço Episcopal, antecedendo a atual
função museológica.
A requalificação, respeitando a autenticidade
e a identidade do monumento, procurou solidificar
o seu valor unitário como Museu, estabelecendo

36 DIRIGIR & FORMAR


Museu Fórum – A participação cívica como estratégia integrada para a inclusão social

hierarquizada com diferentes níveis e perspetivas


e informação multimédia interativa, com diferentes
vozes e narrativas –, testemunham as preocupa-
ções com a acessibilidade sensorial, intelectual,
cultural e emocional, o espírito de inclusão e o obje-
tivo de reforçar a identidade do museu enquanto
espaço acessível e participado por todos.
Réplicas de algumas obras, percursos táteis,
maquetas acessíveis e multissensoriais, audiodes-
crições são alguns dos exemplos de instrumentos
que o museu vem desenvolvendo, em parceria com
outras instituições, no âmbito de projetos especí-
ficos (demência, deficiência mental, visual, audi-
tiva, motora, exclusão social) que promove, ou de
projetos de investigação-ação que vem orientando.
No domínio da inclusão social, e uma vez
mais inspirado pelo conceito de Museu Fórum e
o diálogo entre o edifício, as coleções que alberga numa arquitetura de participação, o espaço em
Templo e fórum e a cidade. Um traço inovador reside justamente que o museu se tem movido é feito de pontes e
ainda coexistem nesse diálogo e na conquista de uma dimensão assumido, tanto numa dimensão mais pública e
no universo de proximidade com o público, aproximando esse cadenciada, através da programação regular para
lugar do que terá sido o Fórum inicial. públicos diferenciados, habitualmente mais visível
museológico. Mas
Essa vocação original, que orientou o programa na agenda, como numa dimensão de bastidores,
cada vez mais e o projeto de requalificação e inspirou a atuação mais alargada e experimental, feita de colabora-
se concebe um programática concebida para a instituição, foi forta- ções/parcerias e da participação com comunidades
museu voltado lecida pela génese do próprio museu, cujo decreto específicas. Ambas cumprem uma visão de museu
de criação enuncia, desde logo, a ambição de se como entidade viva, atenta, interveniente e diversa,
para o público,
tornar um espaço educativo e comunitário. em escalas e tempos diferentes.
característica do Colocando as pessoas no centro da sua ativi- Em sincronia com a reflexão e as políticas cultu-
museu fórum: um dade, o Museu tem procurado manter sempre atual rais contemporâneas, a inclusão é uma área de
museu dinâmico, a missão traçada pelo seu fundador e, simbolica- intervenção a que o Museu tem dado particular
mente, o espírito cívico do Fórum, aí instalado há destaque, no âmbito da sua ação, contando com
inclusivo e
mais de dois mil anos. diversas referências consolidadas de boas práticas
participativo. Reconhecem-se, a priori, como princípios e com grande potencial de expansão.
estruturantes do projeto arquitetónico, para além
da autenticidade, a monumentalidade e a acessibi- Parcerias inovadoras
lidade física ao espaço, garantida por equipamentos no âmbito da inclusão
e serviços próprios, tendo em conta aspetos físicos Estabelecendo parcerias, designadamente com
e arquitetónicos, segurança, mobilidade e sinalética diversas instituições da comunidade e da socie-
(rampas, plataformas e elevadores, instalações dade civil, com a cumplicidade e o envolvimento
sanitárias, cadeiras de rodas, corrimãos, balcões de volitivo da Liga de Amigos do MNMC (AMIC), identi-
atendimento). No projeto museográfico, como prin- ficando reflexivamente boas práticas, as dinâmicas
cipais características, ressaltam os efeitos de trans- colaborativas em projetos inovadores, cruzando as
parência entre espaços, o cruzamento e a multipli- artes, o património e a cultura, com as diferentes
cidade de olhares e de abordagens e a atualidade áreas científicas, são já estruturantes.
de conceitos e de equipamentos (quiosques multi- Destaca-se simbolicamente e pelo trabalho
funções, audioguias). As vertentes comunicativas de continuidade que representam, entre outros
(multimodais e multissensoriais) e informativas prémios concedidos a projetos de inclusão desen-
(multiformato) apresentadas – informação escrita volvidos, o “Prémio Acessibilidade Integrada”,

DIRIGIR & FORMAR 37


TEMA DE CAPA

18 anos, cumprindo medidas de internamento no


O que torna este projeto deveras inovador é Centro Educativo dos Olivais/Coimbra (CEO), esta-
o seu carácter intrinsecamente colaborativo, belecido através de protocolo com a Direção-Geral
constituindo um exemplo da capacidade de de Reinserção Social (DGRS-MJ), desde 2010 – ou
do “Nós no Museu”, um projeto “chapéu” de inter-
funcionar fora das fronteiras institucionais,
venção comunitária para pessoas institucionalizadas
com objetivos mobilizadores, com e em risco de exclusão social, desenvolvido desde
coordenação técnica interna e coordenação 2013 em colaboração com a Faculdade de Psicologia
científica da principal instituição parceira. e Ciências da Educação (FPCEUC), e que conta já
com mais de uma dezena de instituições associadas
(APPACDM, APCC, INTEGRAR, Cais e CAFAP, Farol, Casa
Abrigo Padre Américo, ERGUE-TE, Instituições para
atribuído em 2019, pela Acesso Cultura, à prática Crianças com Multideficiência, Casa dos Pobres,
inclusiva implementada nas três dimensões da ACREDITAR, Ninho dos Pequenitos).
acessibilidade (física, intelectual e social) e os Atendendo ao crescente envelhecimento da
três projetos: “EU no museu” (Alzheimer Portugal), população mundial e tendo em conta a realidade
“Tateando o Museu” (ACAPO), “Construa Pontes e nacional e local (a região centro é uma das mais
Não Barreiras” (APPACDM) consecutivamente refe- envelhecidas do país), foi desenvolvida uma
renciados, desde 2012, no Manual de Boas Práticas estratégia integrada, sustentada no diálogo inter-
Artísticas e Culturais da Associação Nacional de Arte geracional, de promoção do envelhecimento ativo
e Criatividade de e para Pessoas com Necessidades e saudável e de voluntariado, visando estimular a
Especiais – ANACED (p. 103, 105 e 118). criação de um lugar de aprendizagem pela partilha
No âmbito do programa de inclusão social, o de afetos, sensações e vivências entre gerações,
Museu vem desenvolvendo uma estratégia de através da arte. Neste âmbito surgiu o projeto “Os Avós
promoção do acesso, fruição e participação cultural do Museu”, um espaço de partilha dialógica entre
para pessoas em situação de vulnerabilidade. É o gerações, que contou com o apoio da Comissão
caso dos projetos “A Arte, o Tempo e o Homem” – que de Coordenação e Desenvolvimento Regional do
promove a formação cultural de jovens menores de Centro (CCRDC) e do consórcio Ageing@Coimbra

38 DIRIGIR & FORMAR


Museu Fórum – A participação cívica como estratégia integrada para a inclusão social

– um dinâmico ecossistema que envolve múltiplos maiores identificar, implementar e replicar projetos e
atores, desde a universidade, empresas, institui- programas de boas práticas inovadoras no domínio
ções públicas e sociedade civil, partindo do reco- do envelhecimento ativo, veio trazer uma nova visão
nhecimento, pela Comissão Europeia (CE), em 2013, e ambição ao programa, que se encontra já replicado
como primeira Região Europeia de Referência para o noutras instituições museológicas nacionais.
Envelhecimento Ativo e Saudável em Portugal. Percebe-se, aliás, que o que torna este projeto
O trabalho em rede e as instituições envol- deveras inovador é o seu carácter intrinsecamente
vidas nesta área de intervenção não deixaram de colaborativo, constituindo um exemplo da capaci-
crescer, tendo contribuído para o fortalecimento dade de funcionar fora das fronteiras institucionais,
do programa que o museu vinha já implemen- com objetivos mobilizadores, com coordenação
tando com grande sucesso. É o caso do projeto/ técnica interna e coordenação científica da principal
programa “EU no museu”, desenvolvido desde instituição parceira. A mobilização de um elevado
2011, que partindo da proposta de um voluntário, número de pessoas, a maioria das quais aposen-
se estabeleceu através de um protocolo com a tadas da área da saúde, em regime de voluntariado,
Associação Alzheimer Portugal. Relacionado com e a eliminação de barreiras institucionais na compo-
o crescente envelhecimento da população e o sição das equipas, a sua natureza transversal e a
consequente aumento de perturbações neurocog- capacidade de auto-organização para a execução
nitivas, este programa visa a estimulação cognitiva das tarefas, constituem uma forma inovadora de
e a promoção da qualidade de vida e do bem-estar trabalhar.
de pessoas com demência e dos seus cuidadores, Neste campo de ação, reconhecendo o poten-
em contexto museológico, proporcionando a um cial de aplicação ao público-alvo do “EU no museu”,
público socialmente excluído e autoexcluído novas foi encetada a participação numa plataforma de
formas de socialização e de cidadania. Trata-se de treino cognitivo online Intellicare – Intelligent
um projeto inovador em Portugal, tendo como refe- Sensing in Healthcare, Lda., no desenvolvimento
rência o Meet Me, desenvolvido desde 2007 pelo de jogos neurocognitivos com forte componente
Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA). de socialização e divulgação cultural, associada
A relação simbiótica estabelecida com o a técnicas de gamificação e inteligência artificial,
consórcio Ageing@Coimbra, que tem como objetivos que através de estímulos e respostas promove
comportamentos, hábitos e estilos de vida saudá-
veis, sendo direcionada às motivações e aos inte-
resses seniores.
Em comum, todos estes projetos têm um modelo
participativo e colaborativo de trabalho, e a intencio-
nalidade de ouvir e fazer acontecer diferentes vozes
no espaço do museu. É desta trama que é feita a
diversidade. Alguns deles sobreviveram ao encer-
ramento dos museus em 2020 e no 1.º trimestre
de 2021, reinventando formatos e meios para a
continuidade do encontro, relembrando-nos conti-
nuamente da profunda relevância de continuarmos
(sermos) abertos.
Se entendemos o Museu como lugar de atua-
lização de memórias e (re)construção da iden-
tidade coletiva, então ele tem de ser um lugar de
ação, de democracia cultural, onde se ganham
batalhas, como a batalha da humanização e da
cidadania crítica e ativa ou, relembrando a metáfora
de Boaventura Sousa Santos (2012), da criação de
laços de pertença, que nos prendem e protegem.

DIRIGIR & FORMAR 39


DOSSIER

PROMOVER A INCLUSÃO

PROMOVER A

INCLUSÃO
A
presente edição da revista está, como já foi
referido, centrada nas questões sociais e nas
diversas formas de promover a inclusão.
Os artigos deste Dossier procuram refletir sobre
toda a problemática recentemente acentuada pela
crise pandémica que veio colocar no centro das
preocupações as questões sociais, com todas as suas
fragilidades gravemente acentuadas.
Urge desenvolver novas estratégias e soluções
revigoradas que permitam encontrar oportunidades
onde agora nos deparamos com dificuldades. E estas
passam, certamente, por promover a requalificação
e a formação da população ativa, por promover o
crescimento do emprego, aumentar a competitividade
das nossas empresas, desenvolver de forma
equilibrada as nossas regiões, mas encontrar formas
de o fazer sem esquecer os mais vulneráveis, em
situação de pobreza e de exclusão.
Uma sociedade verdadeiramente desenvol­
vida é uma sociedade mais coesa e socialmente
responsável. Como refere um dos autores deste
Dossier, queremos uma “socie­dade mais Justa, mais
Desenvolvida e mais Democrática”. Este é o grande
desafio em que todos contamos, todos temos um
papel a desempenhar e todos devemos responder de
forma ativa.

40 DIRIGIR & FORMAR


DIRIGIR & FORMAR 41
DOSSIER

42 DIRIGIR & FORMAR


EFEITO DA PANDEMIA NO PERFIL DO DESEMPREGO REGISTADO
AS PRINCIPAIS RESPOSTAS DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL

R P O IL

L
IO S
P ES AD RF

A
SS TA
N
O R IST PE

FI OS
ÇÃ IS G O
A A RE N
M IP O IA
R C EG EM

O
FO IN PR ND
M A

AUTOR: António Leite, Vice-Presidente do Conselho


DE S P SE A P

Diretivo do IEFP, I.P. FOTOS: João Vasco dos Santos

A
partir de março de 2020, a pandemia
A DE O D

de Covid-19 afetou todo o normal


funcionamento da sociedade portu-
DO EIT

guesa. O impacto fez-se sentir a todos os níveis


R
EF

da vida de cada pessoa e de cada entidade pública


ou privada. Uma das consequências mais dramáticas e
imediatas foi a interrupção abrupta de um longo período de
crescimento do emprego e de recuo do desemprego. Estes movi-
mentos vinham ocorrendo já desde 2014 e conheceram especial
impulso a partir de 2016. Este texto procura refletir sobre o impacto
no desemprego registado, entendido como o número de pessoas
inscritas nos centros de emprego do Instituto do Emprego e
Formação Profissional (IEFP, I. P.), e sobre as respostas
de formação que se desenvolveram a partir do
serviço público de emprego e de formação.

DIRIGIR & FORMAR 43


DOSSIER

55 anos foi de 13%, mas entre os menores de 25 foi de 37%


e na faixa dos 25 aos 34 atingiu os 52%; entre os detentores
de habilitação inferior ao 1.º Ciclo do Ensino Básico (CEB) o
aumento foi de 16%; porém, para os detentores do 3.º CEB,
foi de 38% e atingiu os 44% para os diplomados com o ensino
secundário; as discrepâncias por género, embora bastante
menos significativas, foram ainda assim assinaláveis com a
particularidade de o desemprego ter atingido, nesse período,
mais os homens do que as mulheres (aumentos, respetiva-
mente, de 35% e de 28%); também a desagregação por região
mostra fortes assimetrias, com as Regiões Alentejo, Centro e
Norte a crescerem 23%, 24% e 26%, respetivamente, enquanto
o aumento em Lisboa e no Algarve atingia 41% e 44%.
Naqueles três meses, os grupos mais atingidos foram,
assim, os homens, os jovens, os detentores do ensino secun-
dário, os lisboetas e os algarvios.

Aumentar e diversificar as respostas formativas

O
maior crescimento no desemprego registado, a partir de Passado um ano, e considerando os números desagregados de
março de 2020, ocorreu precisamente nos meses de abril de 2021 (os últimos disponíveis à data em que escrevo)
março, abril e maio (tendo passado de 296 016 inscritos verificamos que, com exceção das habilitações escolares mais
no fim de fevereiro de 2020 para 384 504 no final de maio do baixas nas quais se verificou um crescimento acima da média,
mesmo ano), fazendo-se sentir em todas as cinco regiões do as tendências gerais estabilizaram, ainda que com algumas
continente (a área de intervenção do IEFP) e foi acompanhado nuances. A diferença entre homens e mulheres manteve o
por fortíssima redução das ofertas de emprego. A partir de maio
de 2020 e até dezembro desse ano, o número de inscritos foi
variando, subindo umas vezes e descendo outras, até terminar
o ano nos 375 150. Com o recrudescimento da pandemia e o
segundo confinamento, aquele número subiu até 405 374,
em março deste ano, para, já em abril, recuar novamente para
396 707. Em resumo, verifica-se que desde fevereiro de 2020
a abril de 2021 o número de inscritos cresceu 103 691 e que
nos três primeiros meses desse período o crescimento foi de
88 488 (85% do total). Muitos são os fatores que explicam esta
relativa estabilidade a partir de maio de 2020, nomeadamente,
a dimensão dos apoios disponibilizados às empresas, permi-
tindo, conjuntamente com o esforço daquelas, não chegar aos
números apocalípticos que muitos temeram que pudéssemos
atingir. Esse, porém, não é o objeto desta reflexão.
Temos, portanto, que o primeiro facto foi o da dimensão
inicial da onda, sendo esse o mais visível, mas sob a super-
fície da onda escondia-se um outro facto muito relevante: as
características dos novos desempregados quanto a idade,
género, habilitações escolares ou sectores de origem.
Podemos salientar alguns pontos: entre o fim de fevereiro
e o fim de maio de 2020, o número de inscritos aumentou
31%, mas esse crescimento foi muito assimétrico quando o
desagregamos por idade e habilitações escolares e, em menor
grau, por género. Assim, o crescimento entre os maiores de

44 DIRIGIR & FORMAR


Efeito da pandemia no perfil do desemprego registado

padrão de março a maio de 2020, ainda que com uma diferença em fevereiro de 2020. Pessoas com perfis diferentes, mas a
progressivamente menor entre os géneros; o aumento entre os acrescer aos que já estavam na situação de desemprego. Uns
mais jovens acentuou-se e para uma média global de 35%, os e outros a necessitar de respostas.
menores de 25 anos aumentaram em 45% e na faixa seguinte o Esta nova realidade tornava claro que era preciso conti-
aumento foi de 55%; quando olhamos para a desagregação por nuar a responder aos inscritos pré-Covid e aos novos inscritos.
escolaridade, verificamos um aumento de 42% entre os menos A intervenção do IEFP desenvolveu-se e desenvolve-se ao
qualificados (coerente com o aumento dos maiores de 55 anos, longo de dois eixos, a saber: aumentar e diversificar a nossa
que cresceram 26%) e de 39% entre quem estudou até ao 3.º CEB atuação. Aumentar a oferta formativa. Diversificar os modos,
e de 47% para os habilitados com o ensino secundário. Assistiu-se as parcerias, os conteúdos, as modalidades, as metodologias.
também a um aumento nos diplomados com o ensino superior No Eixo Aumentar, foi visível o incremento do número de
(28%, quando nos três meses atrás mencionados tinha sido de cidadãs e de cidadãos abrangidos em formação profissional,
20%). Por Região, mantêm-se e aprofundam-se as diferenças, com promovida pela rede de serviços de formação do IEFP. De facto,
o Alentejo a aumentar 18%, o Centro 20%, e o Norte 26%, enquanto e apesar das extraordinárias dificuldades operacionais que
em Lisboa o aumento atingia 52% e no Algarve 68%. a pandemia provocou, o ano de 2020 foi mesmo aquele que
Considerando, então, os meses de março de 2020 a conheceu o maior número de formandas/os desde 2015. O desen-
abril de 2021, os grupos mais atingidos continuam a ser os volvimento do plano de 2021 vai já no sentido de se garantir que
homens, os jovens, os detentores do ensino secundário e um número ainda superior de formandos frequentará formação
agora também os menos habilitados escolarmente e os que profissional, contribuindo assim para que se caminhe para os 60%
se situam no outro extremo. de adultos anualmente envolvidos em atividade de educação/
Para se ter uma noção do número de pessoas inscritas formação ao longo da vida, um dos objetivos do Compromisso
em abril, lembro que são 45 mil com menos de 25 anos; 84 mil Social do Porto, aprovado no passado dia 7 de maio.
situados entre os 25 e os 34; 165 mil entre os 35 e os 54; Para que o Eixo Aumentar fosse bem-sucedido em muito
e 102 mil acima dos 55 anos de idade. Por habilitações, são contribuiu a execução do Eixo Diversificar.
30 mil com menos do que o 1.º CEB; 54 mil com o 1.º CEB; A diversificação fez-se e faz-se com programas articulados
entre si, mas com grande plasticidade e amplitude, por vezes
dirigidos a grandes grupos de pessoas, outras com aplicação
prática a poucas dezenas de cidadãs/ãos, programas total-
mente desenvolvidos na rede de centros do IEFP ou em enti-
A intervenção do IEFP
dades formadoras externas e em estreita colaboração com
desenvolveu-se e desenvolve-se entidades públicas, privadas ou do terceiro sector, em áreas
ao longo de dois eixos, a saber: de forte inovação tecnológica e digital ou em alguns dos mais
aumentar e diversificar a nossa tradicionais sectores económicos portugueses. A diversifi-
cação assim conseguida procura cumprir sempre o objetivo de
atuação. Aumentar a oferta
responder às necessidades de formandas/os, de empresas,
formativa. Diversificar os modos, da sociedade e da economia e adaptando a nossa atuação a
as parcerias, os conteúdos, as essas novas e preexistentes necessidades. A título meramente
modalidades, as metodologias. exemplificativo, lembro que temos mais 51 mil inscritos com
pelo menos o ensino secundário e, a esses, a nossa oferta não
pode assentar em respostas de dupla certificação. Contudo,
como temos outros 53 mil sem esse grau escolar (desde há
mais de uma década, a escolaridade obrigatória em Portugal),
55 mil com o 2.º CEB; 81 mil com o 3.º CEB; 125 mil com o não podemos deixar de o fazer também.
ensino secundário e 51 mil com o ensino superior. Procuro referir de seguida alguns exemplos dessa diversifi-
Mais de 396 mil pessoas, não números, mas pessoas, com cação sem pretender ser exaustivo, mas procurando deixar um
necessidades, com aspirações, com famílias a cargo ou sem panorama geral da nossa atividade ao longo do Eixo Diversificar.
elas, mas sempre olhando para o IEFP como uma possível porta O primeiro programa que menciono é o UPskill, porque foi
para sair da situação em que se encontr(av)am. o primeiro a ser operacionalizado, concebido ainda em período
Para o IEFP, trata-se de uma nova exigência, ao ver crescer anterior à eclosão da pandemia, mas cujo acordo de colaboração
em três meses um terço do número de inscritos existentes haveria de ser assinado no dia a seguir àquele em que foram

DIRIGIR & FORMAR 45


DOSSIER

O UPskill, o Emprego Mais Digital e o são escolas do ensino superior politécnico e universitário. Decorre,
neste momento, a fase final da sua primeira edição que abrange
Jovem Mais Digital são exemplos de
cerca de 400 formandas e formandos e tem por ambição envolver
programas operacionalizados em três mil pessoas até ao final de 2022.
situação de pandemia com o objetivo O Programa UPskill reconhece a crescente incorporação de
de apoiar as pessoas desempregadas no conhecimento e de tecnologia nos processos produtivos, nos
bens e serviços e, naturalmente, nas profissões, mesmo em
desenvolvimento das suas competências
algumas insuspeitas, e que vem reclamar a correspondente
e facilitar a sua reinserção profissional. necessidade de atualização, requalificação e reconversão profis-
sional dos trabalhadores.
Na mesma linha de necessidade encontramos o Programa
Emprego Mais Digital (E+D) que pretende contribuir para o robus-
tecimento do tecido empresarial português, garantindo formação
profissional numa área estratégica para a economia como um
todo e para cada empresa em particular. O Programa resulta da
articulação entre entidades públicas e privadas como o próprio
IEFP, a Equipa de Missão Portugal Digital e as Confederações
Empresariais, nomeadamente a Confederação Empresarial de
Portugal (CIP), a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal
(CCP) e a Confederação do Turismo de Portugal (CTP), com as quais
foram já estabelecidos os protocolos de cooperação, estando a
iniciar, com as suas associadas, a formação no terreno.
Para a execução do plano de formação está mobilizado
um amplo leque de entidades formadoras, a saber: os centros
de gestão direta e os centros de gestão protocolar do IEFP e as
próprias associações, desde que devidamente certificadas para
o efeito. Apesar de lançado nos últimos dias de 2020 e da grave
situação de crise que vivemos, a ambição é de abranger, em 2021,
pelo menos 42 mil trabalhadoras/es em formação nas diferentes
áreas da economia.
Não estando destinado a desempregados, mas sim aos ativos
de cada empresa, o E+D procura antecipar necessidades e mitigar
riscos quer para as/os trabalhadoras/es quer para as empresas.
No mesmo quadro de esforço coerente de desenvolver
competências digitais, surge o Programa Jovem Mais Digital
(J+D). Este programa insere-se na conceção e operacionali-
confirmados os primeiros dois casos de infeção por SARS-Cov-2 zação de medidas de formação profissional com destinatários
em território nacional. Refiro este facto porque é o melhor exemplo específicos, adequando conteúdos, durações, modalidades,
de um programa criado de forma totalmente exógena à crise sani- localizações. Destina-se a jovens até aos 35 anos e com, pelo
tária, mas que haveria de sofrer o impacto imediato da mesma, menos, o 12.º ano de escolaridade. Ainda em 2020, foram
quer em termos de formandas/os abrangidas/os quer no modo abrangidas/os 2130 formandas/os e, em 2021, mais de 5000
de realização do programa. jovens já frequentam um dos 15 percursos diferentes criados
O UPskill é um programa de requalificação de desempregados em articulação com os principais intervenientes no sector.
com longos percursos escolares (pelo menos 12 anos), que Esperamos ainda garantir que o J+D chegue a mais 5000
incorpora formação, formação prática em contexto de trabalho ainda neste ano. Este Programa teve a particularidade de
e colocação em empresas aderentes. Foi concebido entre o incorporar o contributo direto de algumas empresas de topo
IEFP e a Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das no desenvolvimento dos percursos formativos, garantindo a
Comunicações que agrega as maiores empresas tecnológicas e sua adequação e atualização face ao que são as necessidades
de comunicação a operar em Portugal. As entidades formadoras desse mesmo mercado de trabalho.

46 DIRIGIR & FORMAR


Efeito da pandemia no perfil do desemprego registado

Aqui chegados, importa lembrar que a tecnologia e o organização, da qual o nosso país é membro fundador com
digital não resolverão os nossos problemas, nós resol- participação ativa e ininterrupta desde 1950.
veremos (ou não) os nossos problemas. A questão, como Com este conjunto de programas pretendemos responder
sempre em momentos passados, é de sabermos utilizar às cidadãs e aos cidadãos que, enfrentando uma situação difícil,
bem todos os instrumentos que se encontram ao nosso olham para o IEFP como uma entidade capaz de lhes propor-
dispor para melhorar as nossas vidas. Este é um caminho cionar ferramentas que os ajudem a mudar de ciclo. Mas também
que pretendemos prosseguir e aprofundar. queremos garantir que o tecido empresarial português se forta-
Não se constituindo como uma oferta formativa, não quero lece apoiando a criação de emprego, através da capacitação dos
deixar de referir o primeiro Campeonato Digital das Profissões, seus atuais e futuros trabalhadores, cumprindo a nossa missão
realizado integralmente em modo remoto e envolvendo várias de potenciar a criação de mais riqueza, permitindo a sua redis-
centenas de jovens e adultos de todo o país. Trata-se de uma tribuição de forma mais justa e equitativa
iniciativa totalmente inovadora e sem precedentes no âmbito Por isso, estes programas não são substitutivos da
da Worldskills International e constitui um marco importante formação mais tradicional que oferecemos, mas antes um
do ponto de vista simbólico e da afirmação de Portugal naquela desenvolvimento da nossa atividade. Por outro lado, o envolvi-
mento das mais diversas entidades (instituições de ensino supe-
rior, associações empresariais e outras) acresce em capacidade
de resposta e de adequação às necessidades reais da economia.
A questão, como sempre em Estamos muito cientes da importância do serviço público
momentos passados, é de sabermos de emprego e de formação profissional, no atual contexto e,
utilizar bem todos os instrumentos em boa verdade, em qualquer contexto. Para cumprirmos esse
serviço público, envolveremos todos com pertinência, relevância
que se encontram ao nosso dispor
e vontade no processo, sem exclusões e sem preconceitos.
para melhorar as nossas vidas. Este No fundo, estamos todos a construir uma sociedade mais
é um caminho que pretendemos Justa, mais Desenvolvida e mais Democrática.
prosseguir e aprofundar. Nada menos nos é exigido, nada menos exigimos de nós
próprios.

DIRIGIR & FORMAR 47


DOSSIER

A AVALIAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS DOS ADULTOS COMO FORMA DE


PROMOVER A INCLUSÃO
A AVALIAÇÃO
DAS COMPETÊNCIAS DOS ADULTOS
COMO FORMA DE PROMOVER
A INCLUSÃO
AUTORES: Luís Rothes, Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto e inED – Centro de Investigação & Inovação em Educação.
Coordenador Nacional do PIAAC e João Queirós, Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto e Instituto de Sociologia
da Universidade do Porto. Subcoordenador do PIAAC. FOTOS: Shutterstock

O
Programa Internacional para a Avaliação competências dos adultos e permite analisar em
das Competências dos Adultos profundidade o modo como estes são capazes
(Programme for the International de mobilizar, na sua vida quotidiana, os conhe-
Assessment of Adult Competencies, PIAAC) cimentos e as capacidades que adquiriram ao
é um programa internacional multiciclo de longo da vida em três domínios distintos: literacia,
avaliação das competências dos adultos promo- numeracia e resolução de problemas, nomeada-
vido pela Organização para a Cooperação e mente em ambientes tecnologicamente desa-
Desenvolvimento Económico (OCDE). Constitui o fiantes. O questionário inclui ainda um importante
estudo internacional mais abrangente sobre as módulo de caracterização do inquirido, onde se

48 DIRIGIR & FORMAR


O PIAAC é o estudo internacional mais abrangente sobre as competências dos
adultos e permite analisar em profundidade o modo como estes são capazes
de mobilizar as capacidades e os conhecimentos adquiridos ao longo da vida

interrogam, entre outras, as dimensões relativas à para concretizar tarefas de complexidade limi-
caracterização demográfica e socioeconómica dos tada) e pontuações altas dizem respeito a níveis
respondentes, trajetória e participação educativa de proficiência altos (capacidade para realizar
e formativa, e uso de competências nos diferentes tarefas diferenciadas e complexas). Para ajudar
espaços sociais da vida quotidiana (OECD, 2013c; a interpretar as pontuações, a escala é dividida
2019b). em níveis de proficiência. Existem seis níveis de
literacia e de numeracia (de “Abaixo do Nível 1”
O PIAAC: dados relevantes para as políticas – o mais baixo – até ao “Nível 5” – o mais alto) e
europeias de educação e formação quatro na resolução de problemas em ambientes
A proficiência dos adultos em cada um dos ricos em tecnologia (de “Abaixo do Nível 1” – o
três domínios avaliados é assumida como um mais baixo – até ao “Nível 3” – o mais alto).
contínuo e medida em escalas; de acordo com os Estão já disponíveis os resultados obtidos no
resultados obtidos nos testes, os participantes no 1.º Ciclo do PIAAC, desenvolvido em 37 países
estudo são posicionados ao longo de escalas de ao longo de três rondas, em 2012, 2014 e 2017.
500 pontos, em que as pontuações baixas repre- No total, foram entrevistadas cerca de 250 mil
sentam níveis de proficiência baixos (capacidade pessoas, representativas de 815 milhões de

DIRIGIR & FORMAR 49


DOSSIER

adultos com idades entre os 16 e os 65 anos. • os adultos com baixa proficiência revelam
A coleta de dados para o 2.º Ciclo do PIAAC começa menos probabilidade de participar em ativi-
em 2021, prevendo-se que os dados sejam dispo- dades de aprendizagem;
nibilizados a partir de 2024. Portugal participa • 25% dos adultos não possuem as competên-
neste 2.º Ciclo, depois de, por decisão do XIX cias, designadamente de literacia, essen-
Governo Constitucional, ter interrompido a sua ciais para fazer uso eficaz das tecnologias
participação na primeira edição deste programa de informação e comunicação;
(Ávila et al., 2011). • a posse de competências está clara e signifi-
Os dados apurados permitem recolher infor- cativamente correlacionada com resultados
mação essencial para a definição das políticas euro- económicos e sociais positivos.
peias de educação e formação de adultos (OECD,
2013a; 2013b; 2016; 2019a). Neste texto, subli- Os resultados obtidos confirmam, de forma clara,
nhamos alguns que nos parecem especialmente a existência de importantes diferenças no espaço da
relevantes: União Europeia. Quando se olha, por exemplo, para
• quase 20% da população em idade ativa da os dados relativos às competências de literacia, são
União Europeia possui baixa literacia e poucas bem evidentes as variações significativas entre os
competências numéricas; países europeus: 38 pontos separam o país com a
• as diferenças entre os indivíduos com quali- pontuação mais elevada (Finlândia, com score médio
ficações semelhantes são muito significa- de 288) do país com a pontuação mais baixa (Itália,
tivas entre Estados-membros; por exemplo, com score médio de 250). Dentro de cada país, os
os portadores do ensino secundário em níveis de literacia dos adultos variam também consi-
alguns países revelam competências seme- deravelmente: em média, mais de 60 pontos marcam
lhantes ou até superiores aos licenciados de a diferença entre os 25% mais proficientes e os 25%
outros países; menos proficientes. Um aspeto decisivo a considerar
• as competências tendem a deteriorar-se é que a magnitude das diferenças nas pontuações
com o tempo, se não forem usadas com obtidas pelos adultos de cada país é maior nos países
frequência; com os menores valores médios.

Gráfico 1 – Dificuldades de literacia - Adultos com Nível 1 e Abaixo do Nível 1


(abaixo de 225 pontos em 500), nos países europeus, no 1.º Ciclo do PIAAC (%)

30
25
20
15
10
5
0
Itália
Espanha
Grécia

França
Polónia
Hungria
Alemanha
Irlanda

Média

Chipre
Eslovénia

Dinamarca
Áustria
Lituânia

Suécia
Estónia
Noruega
Flandres (B)

R. Checa
Países Baixos
Eslováquia
Finlândia
Inglaterra & Gales

Fonte: OECD, 2019a

50 DIRIGIR & FORMAR


A avaliação das competências dos adultos como forma de promover a inclusão

Gráfico 2 – Pontuação média em literacia, por nível ISCED,


nos países europeus, no 1.º Ciclo do PIAAC

Fonte: OECD, 2019a

Em cada país, os níveis de literacia e de nume- ISCED4, pontuação de 285,4. Os inquiridos que
racia variam consideravelmente entre adultos com detêm os níveis ISCED5 e ISCED6 apresentam um
diferentes características sociodemográficas, score médio de 302 pontos.
havendo uma associação clara entre a proficiência Uma relação clara pode ser também encon-
e a idade, o nível de educação dos próprios adultos trada entre emprego e literacia. Assim, por
e o dos seus pais, e também com a condição de exemplo, os europeus empregados a tempo
imigração. Em contrapartida, não é evidente a asso- inteiro obtêm, em média, 277,7 pontos, os traba-
ciação com o género dos inquiridos. lhadores a tempo parcial 270,7 e os desempre-
Em termos etários, os europeus com idades gados 255,4. Igualmente significativo é o facto
entre 26 e 35 anos têm a pontuação média de lite- de, em média, os adultos testados na sua língua
racia mais elevada (282,6 pontos), seguindo-se os nativa apresentarem uma pontuação muito
adultos com idades entre os 16 e os 25 (278,1); mais elevada (274) do que a dos adultos para
depois, surgem os inquiridos com idades entre os os quais a língua em que foram testados cons-
36 e os 45 anos (277,1 pontos). Os europeus acima titui a segunda língua (245,9). Já em termos
dos 46 anos têm as pontuações médias mais baixas: de género, as diferenças são pouco relevantes:
os de 46 a 55 anos têm pontuação média de 266,3 os homens europeus têm um nível de literacia
pontos e os de 56 a 65 anos de 253,6 pontos. apenas ligeiramente mais alto (271,9) do que as
Os dados
Igualmente relevante é a relação dos níveis de mulheres europeias (270,3). Os dados relativos apurados no
literacia com o percurso educativo dos europeus. à literacia encontram, regra geral, paralelo nos PIACC permitem
As diferenças, como evidencia o gráfico 2, são dados da numeracia, tanto mais que os dois domí- recolher
muito significativas. Os adultos sem educação nios apresentam associação em matéria de profi-
formal ou com nível de escolaridade abaixo de ciência: habitualmente, adultos mais proficientes
informação
ISCED11 apresentam uma pontuação média de em literacia são também mais proficientes em essencial para
198,8 pontos; para os que possuem o ISCED1, numeracia (e, por maioria de razão, na resolução a definição
a pontuação média é de 225,3; os que têm o de problemas). das políticas
ISCED2 registam uma pontuação de 251; com
o ISCED3, pontuação de 272,1; e os que têm o Baixos níveis de competências
europeias de
dos adultos e exclusão social educação
1  Classificação Internacional Normalizada da Educação (do inglês:
Os níveis de competências dos adultos europeus e formação
International Standard Classification of Education -ISCED) é uma
classificação dos níveis educativos destinada a permitir a comparação de
estão claramente relacionados com os rendimentos de adultos.
estatísticas e de políticas educativas entre sistemas educativos diferentes. e o capital cultural das suas famílias e, portanto,

DIRIGIR & FORMAR 51


DOSSIER

também com os riscos de pobreza e exclusão. Os resultados do PIAAC revelam ainda que as
Os dados do PIAAC revelam, por exemplo, que o dificuldades sentidas pelos adultos com baixos
salário por hora está fortemente associado à profi- níveis de competências podem gerar, de múltiplos
ciência em literacia: o salário médio por hora dos modos, processos sérios de exclusão social. Para
trabalhadores com pontuação alta em literacia isso contribui o facto de, para muitos, esta situação
(Níveis 4 ou 5) é 94% maior que o dos trabalhadores tender a ser encarada como uma fatalidade, o que
com pontuação baixa (Nível 1 ou inferior). Além dificulta o seu envolvimento em processos forma-
disso, os trabalhadores mais bem pagos (no 75.º tivos. Estes adultos envergonham-se, amiúde,
percentil) entre os que têm uma pontuação alta de das suas fragilidades e acreditam que estão muito
literacia ganham mais do dobro dos trabalhadores velhos para aprender, considerando impossível
mais bem pagos que, todavia, apresentam baixas melhorar a sua situação ou receando fracassar no
competências de literacia. Os dados recolhidos no caso de se envolverem em percursos formativos.
âmbito do PIAAC apontam, de uma forma expec- Este sentido de fragilidade da sua situação revela-se
tável, mas que deve ser assumida com preocu- igualmente no facto de estes adultos considerarem
pação, para uma relação forte entre os baixos níveis ter mais problemas de saúde, quando comparados
de competências dos adultos e a sua pobreza. com adultos com os níveis de competências mais
É, de resto, um problema que tende a reproduzir-se, elevados.
pelo impacto que esta situação tem nas gerações Por outro lado, os dados do PIAAC revelam que
seguintes, uma vez que os pais pobres têm menos os adultos com menor proficiência têm menor
probabilidade de apoiar os filhos na escolaridade, probabilidade de confiar nos outros e de acreditar
em virtude dos seus baixos níveis educativos e que um indivíduo pode ter impacto no processo
de literacia. político. Com efeito, quando comparados com os

52 DIRIGIR & FORMAR


A avaliação das competências dos adultos como forma de promover a inclusão

mais proficientes, estes adultos têm apenas metade


da probabilidade de confiar nos outros e acreditam A menor capacidade de alguns adultos
pouco na possibilidade de influenciarem o processo resolverem problemas em ambientes
político. No mesmo sentido, os dados revelam que tecnologicamente desafiantes cria novas formas
os adultos situados nos níveis mais baixos de profi-
de desigualdade, polarização e exclusão social.
ciência fazem menos uso de informações governa-
mentais que lhes poderiam ser úteis na sua vida
quotidiana. Tudo isto tem impacto no modo como
as pessoas com menos competências se envolvem
na vida comunitária. Assim, os resultados do PIAAC estigmatização, visível e assumida, de certos grupos
apontam para que pessoas com níveis mais baixos sociais dos estilos de vida valorizados socialmente,
de proficiência tenham menos probabilidade de assim como por uma corrente falta de participação nos
participar em atividades voluntárias e associativas. processos económicos, sociais, culturais e políticos.
Há ainda que considerar o modo como a menor Um dos sintomas mais dramáticos e reprodutores
capacidade de alguns adultos resolverem problemas da exclusão social é, precisamente, a descrença dos
em ambientes tecnologicamente desafiantes cria grupos sociais atingidos na possibilidade de contri-
novas formas de desigualdade, polarização e buírem para a solução dos problemas que enfrentam.
exclusão social. Assim, como nota Castells (2012), Entretanto, os resultados do PIAAC mostram que
para além de ser necessário distinguir, mesmo entre vários países europeus foram bem-sucedidos no
os que estão conectados em rede, as pessoas e alargar das oportunidades de aprendizagem aos
instituições que acedem e processam a informação adultos com baixos níveis de proficiência. São, em
daquelas que têm o poder fundamental de a elaborar, geral, países que apresentam também altos níveis
é necessário considerar uma outra distinção funda- de participação nos diferentes percursos em que a
mental: entre estes que, em ambas as circunstâncias, educação de adultos se concretiza. O compromisso
estão conectados, por se encontrarem em posições, político sustentado e o apoio financeiro estável, ao
instituições e empresas preparadas e mais bem nível da União Europeia e de cada um dos Estados
situadas na economia informacional, e aqueles, nacionais, são cruciais para promover a formação
em número ainda muito elevado, que, no mundo e a promoção de competências, dentro e fora dos
atual, permanecem simplesmente desconectados. contextos laborais, tomando como princípio o treino
de competências com base em atividades e tarefas
Formação, promoção das competências da “vida real” e como prioridade os grupos sociais
dos adultos e inclusão social mais vulneráveis e habitualmente mais excluídos
Os dados do PIAAC confirmam, pois, que os baixos das atividades de formação. O direito de todos os
níveis de competências dos adultos se fazem sentir, adultos à educação e à formação é uma dimensão
em boa medida, junto de algumas das categorias essencial do esforço, que a todos nos desafia, de
sociais mais vulneráveis a situações de pobreza e de promover a inclusão social.
exclusão social. No caso português, numa situação
semelhante ao que se passa no resto da Europa,
Referências bibliográficas:
essas categorias mais vulneráveis tendem a ser as ÁVILA, P., COSTA, A. F., RAMOS, P., BOTELHO, M. C., MAURITTI, R., & RODRIGUES, E.
seguintes: os idosos pensionistas, os agricultores (2011). Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos
Adultos (PIAAC): Relatório de Atividades 2010. Lisboa: CIES ISCTE.
de baixos rendimentos, os assalariados de baixo CASTELLS, M. (2002). A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura
- Vol. I - A Sociedade em Rede (A. Lemos, C. Lorga & T. Soares, Trad.). Lisboa:
nível de remuneração, os trabalhadores precários Fundação Calouste Gulbenkian.
OECD (2013a). Skilled for Life? Key Findings from the Survey of Adult Skills.
e da economia informal, as minorias étnicas, os Paris: OECD Publishing.
desempregados e os jovens com baixa escolaridade OECD (2013b). OECD Skills Outlook 2013: First Results from the Survey of Adult
Skills. Paris: OECD Publishing. http://dx.doi.org/10.1787/9789264204256-en
e qualificação. OECD (2013c). The Survey of Adult Skills: Reader’s Companion. Paris: OECD
Publishing. http://dx.doi.org/10.1787/9789264204027-en
Como é bem conhecido, a exclusão social apre- OECD (2016). Skills Matter: Further Results from the Survey of Adult Skills.
Paris: OECD Publishing. http://dx.doi.org/10.1787/9789264258051-en
senta um carácter estrutural e multidimensional. OECD (2019a). Skills Matter: Additional Results from the Survey of Adult
Ela manifesta-se não apenas através da carência Skills. Paris: OECD Publishing. https://doi.org/10.1787/1f029d8f-en
OECD (2019b). The Survey of Adult Skills: Reader’s Companion, Third Edition.
de recursos disponíveis, mas igualmente pela Paris: OECD Publishing. https://doi.org/10.1787/f70238c7-en

DIRIGIR & FORMAR 53


DOSSIER
EDUCAÇÃO DE ADULTOS E DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO

EDUCAÇÃO
DE ADULTOS
E DESENVOLVIMENTO
COMUNITÁRIO
AUTOR: António Fragoso, CEAD – Centro de Investigação em Educação de Adultos e Intervenção Comunitária, Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais, Universidade do Algarve, Campus de Gambelas FOTOS: Shutterstock

54 DIRIGIR & FORMAR


U
ma das particularidades interessantes da Educação de Desde os anos 80 do século passado que se têm vindo a repetir
Adultos portuguesa radica na expressão significativa quatro ou cinco ideias até à exaustão, mudando-se pouco ou nada
que o desenvolvimento comunitário tem assumido nas em formulações tradicionais que hoje se tornam tão-somente
últimas décadas. Podemos dizer que a sua importância cresceu estranhas – como é possível ir passando estas noções de publi-
grandemente a partir da nossa entrada na então Comunidade cação em publicação, sem um exame crítico à sua validade?
Económica Europeia. Sobretudo a partir do início dos anos 90 Por exemplo, é habitual considerar-se que uma comunidade existe
do século XX, alguns programas europeus (como, por exemplo, num espaço geográfico bem definido, habitado por um conjunto
o LEADER) estruturados a partir de grupos de ação locais, permi- de pessoas mais ou menos homogéneo, que partilham objetivos
tiram que se evitasse a burocracia e a centralidade do Estado. e aspirações comuns, para lá de um sentimento de pertença.
Estes grupos coordenavam as candidaturas de projetos de Se alguém conseguir olhar para uma comunidade, hoje em dia,
desenvolvimento comunitário nas áreas de intervenção prioritária e vislumbrar algumas destas características, por favor, avise-me.
(distribuídas pelo interior desertificado), conseguindo-se algo que Embora o espaço sociogeográfico continue a ser importante,
hoje vai sendo uma raridade: construir-se o desenvolvimento de muitas comunidades estabelecem-se para lá dos limites rígidos
baixo para cima. As associações da sociedade civil, mais próximas de um qualquer território; as comunidades são e serão crescen-
da realidade das comunidades, podiam trabalhar com as pessoas temente heterogéneas e é bom que assim seja; os objetivos
para atingir uma visão de futuro. Isto signi- e as aspirações das pessoas são diversos
fica acreditar que através da educação de Para trabalhar (porque variam em função de fatores múlti-
adultos, especialmente das suas vertentes plos) e uma arena de negociação constante,
não formais e informais, é possível construir
no desenvolvimento que se quer democrática e viva. Mais, se há
comunidades mais justas e mais inclusivas. comunitário é preciso algo que pode caracterizar as comunidades
A utilização de metodologias participativas compreender é o conflito, não o consenso.
ocupava e ocupa um lugar de destaque os espaços simbólicos Contrariando a nossa cultura comum,
neste cenário, destinado, também, a tornar que parece fazer de tudo para evitar o
os grupos comunitários mais autónomos e
mais significativos conflito, sou de opinião que devemos
interventivos. para as pessoas. enfrentá-lo como algo natural, desde que
Parece-nos não restarem dúvidas de munidos de uma imensa capacidade de
que o desenvolvimento e a educação comunitária atingiram um diálogo que, de inspiração Freiriana, significa compreender o
grau de evolução e diversidade que não é comum no nosso país. Outro nos seus próprios referenciais culturais. É nestas comuni-
De Norte a Sul é possível identificar experiências emblemáticas, dades vivas, diversas e vibrantes, às vezes contraditórias e cheias
passadas e presentes – umas mais inovadoras do que outras – e das tensões naturais do quotidiano, que a maioria de nós vive.
iniciativas de modelos e inspirações diversas. Mas, durante mais Os consensos são enganadores e, infelizmente, mais reveladores
de duas décadas, o sector mostrou sinais de imensa vitalidade, acerca dos aparelhos que os produzem, do que sinais de uma
que só começaram a abrandar quando as políticas europeias vivência democrática.
sofreram mudanças assinaláveis. E, também, quando se tornou É apenas nestas comunidades reais em que vivemos que
claro que a sociedade civil estava a ficar crescentemente empare- podemos compreender a importância dos espaços políticos e
dada entre o Estado e o Mercado – reduzindo-se, cada vez mais, o educativos, plurais e ativos. Mas há algo que não tem mudado
seu espaço de autonomia e de capacidade crítica de intervenção. no conceito e nos significados múltiplos da comunidade, ao
Mas será melhor voltar ao desenvolvimento comunitário, na sua longo de larguíssimas décadas: a centralidade do sentimento
especificidade. de pertença, que está no cerne da nossa própria identidade. Onde
pertencemos? Somos capazes de responder a esta pergunta?
Refletindo sobre o conceito de comunidade Numa investigação que fizemos há uns anos, uma equipa mista
É importante dizer, em primeiro lugar, que estamos a falar de portuguesa/espanhola olhou para os dois lados do rio Guadiana,
comunidades como se fosse líquido ou universal o significado do no Sul, tentando compreender como se construía a identidade
conceito. Paradoxalmente, este é um conceito muito maltratado. em grupos de idade e gerações diferentes.

DIRIGIR & FORMAR 55


DOSSIER

Há algo que não tem mudado no conceito e significados múltiplos


da comunidade, ao longo de larguíssimas décadas: a centralidade
do sentimento de pertença, que está no cerne da nossa própria identidade.
Onde pertencemos? Somos capazes de responder a esta pergunta?

Numa altura em que uma presumível identidade europeia de espaços simbólicos, e esta ideia, que pode parecer fugidia
se desejava como se fosse um alicerce inevitável da vida ou menos visível, parece-nos fundamental.
moderna, as respostas eram muito diversas e nada alinhadas
com a “simplicidade” da pergunta. Muitas pessoas tinham Educação de adultos – um eterno errante
identidades locais bem firmadas e afirmavam pertencer Para trabalhar no desenvolvimento comunitário é preciso
com orgulho à sua aldeia, vila, bairro, etc. Outras possuíam compreender os espaços simbólicos mais significativos para
identidades regionais, mais alargadas, ou até nacionais, e as pessoas. Se se trabalhar a partir da educação de adultos, há
uma minoria mostrava construir, até, identidades globais. outros princípios que aparecem quase como tacitamente assu-
Também não faltava o fenómeno das identidades híbridas e midos. É curioso, até, como a “comunidade dos educadores de
múltiplas. Mas todos pertencemos a algum lado, ao sítio que adultos” consegue falar, às vezes, com tanta fluidez, a partir de
chamamos e sentimos como casa. E o sentimento de pertença um campo que alguns designam de fraco.
está, muitas vezes, relacionado com diversos aspetos simbó- É que a educação de adultos não tem um campo teórico
licos da comunidade. próprio. A Sociologia e a Psicologia, por exemplo, têm desenvol-
O que significa uma ponte sobre um rio? Algo que une as vido há bastante tempo as suas próprias teorias e avançado ao
duas margens? Ainda que essa imagem possa prevalecer na abrigo desse espaço protegido. É a partir dessa herança dinâmica
nossa mente, a ponte pode representar, igualmente, um sítio de construída que analisam o mundo, vão fazendo a sua investigação
passagem que, longe de aproximar as duas margens, as torna e propondo as suas soluções para os problemas que encontram.
incomensuravelmente distantes, numa espécie de ironia do Mas a educação de adultos funciona como um eterno errante,
progresso. Um mesmo símbolo pode significar dois sentidos buscando aqui e ali o que precisa, no momento determinado, para
opostos, portanto. Muitas comunidades constroem-se em torno operacionalizar os seus princípios de eleição a favor dos adultos.

56 DIRIGIR & FORMAR


Educação de adultos e desenvolvimento comunitário

Este campo fraco significa, também, o carácter eclético que Não sabemos. Participámos e fomos para casa a seguir. Isso
orienta a sua investigação e a ligação permanente dessa mesma não é participação.
investigação com as práticas e as experiências concretas. É assim Para participar, as pessoas e os grupos comunitários têm de
que a comunidade de educação de adultos se propõe melhorar a ter capacidade de decisão no processo para o qual se convidam.
vida das pessoas, tendo uma atenção constante aos mais desfa- Este tipo de participação tem uma consequência que é angus-
vorecidos, tantas vezes lutando pela inclusão e por noções de tiante para muitos: é imprevisível. Não são os trabalhadores comu-
justiça e responsabilidade social. Assim será no desenvolvimento nitários, educadores adultos, educadores sociais, ou outros que,
comunitário: queremos caminhar com as pessoas, tentando iden- donos de alguma verdade relativa, são capazes de prever os
tificar o que queremos do nosso futuro comum, teimosamente resultados de uma decisão coletiva. Como tal, temos de aceitar
acreditando que no processo se pode aspirar à mudança social. que os resultados práticos das dinâmicas comunitárias nem
Para fazer este caminho, a educação de adultos e o desenvol- sempre são o que eu, enquanto indivíduo, poderia eventualmente
vimento comunitário acreditam na participação não paternalista. esperar. Faz parte de um jogo democrático.
A própria participação tem tido muitos sentidos diversos. Tempos Finalmente, a análise de muitas situações e dinâmicas parti-
houve em que foi vista como ingerência ou como subversão e cipativas, em contextos muito diferentes, revela alguns enganos
utilizada por militantes nesse sentido, em lutas muitas vezes comuns que se encontram à volta deste tema. Um deles diz
desiguais. Já foi apanágio de determinados sectores políticos e respeito à confiança quase cega que depositamos nos “diag-
temida pelos adversários correspondentes. Mais recentemente, nósticos” que efetuamos sobre as “necessidades comunitárias”,
tem sido usada como cooptação e destituída dos seus signifi- ou sobre os “problemas comunitários”.
cados originais. Muitos políticos entenderam que a participação Usamos uma panóplia de instrumentos afinados para que,
pode render votos e determinar eleições com um risco mínimo. depois de tudo analisado, possamos triunfantemente declarar
Toda esta diversidade de sentidos e usos requer que quem que fomos capazes de “capturar” os ditos problemas e necessi-
trabalha no desenvolvimento comunitário saiba como gerar dinâ- dades. O que obtemos, na grande maioria das vezes, é apenas
micas participativas, mas, simultaneamente, seja orientado por a perceção das pessoas com base nas suas condições estrutu-
um sentido ético maior. Alguns factos práticos são muito impor- rais, que frequentemente lhes limitam o horizonte dos possíveis,
tantes, porque orientam a ação. diminuindo a sua capacidade de ação e reação.
Por exemplo, hoje em dia, as pessoas participam quando Mas se em vez de olharmos apenas para a descrição da infor-
veem nisso alguma vantagem para si, em termos pessoais, ou mação que as pessoas nos deram, tentarmos compreender o
para a sua comunidade, em termos concretos e não abstratos. que isso significa, talvez possamos concluir que qualquer “diag-
Segundo, a participação anda de mãos dadas com a consciência nóstico” nada mais é do que uma construção social – subjetiva-
de que mudar é possível, numa espécie de mini-espirais que mente construída na inter-relação entre as pessoas. Não há nada
tanto funcionam num sentido como noutro. Se um grupo de a capturar; há, sim, muito a construir em conjunto com as pessoas
pessoas se mobilizar e empreender alguma ação que tenha e para que as pessoas consigam imaginar um futuro em que as
um resultado visível positivo, isso alimenta a participação e a suas vidas sejam melhores.
capacidade subsequente de as pessoas enfrentarem desafios Muito provavelmente, o desenvolvimento comunitário estará
de complexidade crescente. a mudar em Portugal. Precisamos de mais investigação para
Trabalhando numa comunidade, é então fundamental entender, claramente, o que se está a passar. Mas enquanto
garantir que de uma determinada ação conjunta possam sair isso não acontece, podemos não perder de vista alguns destes
alguns resultados a breve trecho, alimentando a capacidade princípios centrais – que têm servido de inspiração em muitas
coletiva de esperar, mais algum tempo, por outros resultados experiências de mudança social comunitária.
mais demorados.
Mas se a participação for realmente não paternalista, isso Agradecimentos:
significa que as pessoas da comunidade têm, efetivamente, Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através da FCT
capacidade de decidir em todas as etapas do processo. Este – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do Projeto
facto muito simples distingue, tantas vezes, a verdadeira UIDB/05739/2020.
participação da auscultação. Para quantas reuniões já fomos
convidados porque as pessoas (ou instituições) queriam
“ouvir as nossas opiniões”, “ouvir as nossas vozes”, ou outras Referências bibliográficas:
expressões semelhantes, sempre apresentadas como a última FRAGOSO, A. (2009). Desarrollo comunitario y educación. Xàtiva: Diálogos.
MELO, A. (2012). Passagens Revoltas. 40 anos de intervenção por ditos e escritos. Lisboa:
novidade da participação? O que fazem das nossas ideias? In Loco.

DIRIGIR & FORMAR 57


DOSSIER
ENTREVISTA PRISCILA SOARES
A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO DE ADULTOS
PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL
ENTREVISTA

PRISCILA SOARES
A IMPORTÂNCIA
DA EDUCAÇÃO DE ADULTOS
PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL
AUTORA: Rita Vieira FOTOS: Cedidas pela entrevistada

T
rabalhou na área do desenvolvi- prossecução do programa que equi- de animação territorial como condição
mento local na serra do Caldeirão valia ao LEADER, um projeto de iniciativa primeira para que possam emergir
(Algarve) durante mais de 30 anos, comunitária. Este já foi “nacionalizado” e projetos locais. Infelizmente, o programa
concebendo e coordenando projetos nas chama-se atualmente Desenvolvimento DLBC não comporta, em termos finan-
mais diversas áreas: formação profis- Local de Base Comunitária (DLBC). ceiros, essa componente, pelo que
sional, apoio à criação de empresas, Trata-se de um dos projetos estruturantes tentamos implementá-la através de
valorização e promoção de produtos da Associação IN LOCO, que continua a ser outros programas.
agroalimentares de pequena escala, aplicado na serra do Caldeirão e tem, entre Temos um trabalho muito forte na
preservação e valorização do património outros objetivos, reforçar e diversificar o área da promoção dos produtos locais.
natural e cultural, entre muitas outras. tecido económico do território. Foi uma coisa feita logo no LEADER I,
Foi um dos elementos responsáveis pela em 1992, e que ainda hoje se mantém.
criação do Projeto RADIAL e, mais tarde, D&F: Os propósitos do DLBC são os Estamos a falar do apoio aos produ-
da IN LOCO, organização à qual presidiu mesmos que os do programa LEADER? tores locais e da valorização dos seus
durante 11 anos. P.S.: São idênticos, mas há uma grande produtos, hoje, mais na vertente da
Aos 72 anos, Priscila Soares faz o alteração relativamente ao que foi a inter- construção de cadeias curtas, através
balanço destas três décadas e traça venção inicial, uma vez que esta tinha da ligação direta entre o produtor e o
aquele que deve ser o futuro da educação uma componente fortíssima de animação consumidor, nomeadamente através
de adultos em Portugal. territorial. A animação territorial é um da entrega de cabazes, no caso dos
processo dinâmico de intervenção social, produtos agrícolas, e das feiras e
Dirigir & Formar: Neste momento, está que pressupõe uma atitude reflexiva ativa mercados locais, no caso dos produtos
reformada, mas mantém-se ligada e cooperativa, com o intuito de responder agrícolas e dos transformados.
à Associação IN LOCO e aos projetos a um conjunto de problemas específicos Existe também uma grande aposta
de educação de adultos que estão a de um determinado território, mas preser- no que diz respeito à promoção da
decorrer... vando sempre a sua identidade. dieta mediterrânica. Esse projeto que
Priscila Soares: Faço parte da Mesa da Nós estamos a trabalhar numa lançámos, e em que estivemos profun-
Assembleia-Geral da IN LOCO e mantenho- zona muito carenciada e, portanto, damente associados à Câmara Municipal
-me a par dos atuais projetos como a privilegiamos sempre a componente de Tavira, está, neste momento, a ser

58 DIRIGIR & FORMAR


DIRIGIR & FORMAR 59
DOSSIER

“Em alguns casos, começámos a trabalhar


com os pais, já trabalhámos com os filhos
e já estamos a trabalhar com os netos.”

Registo de várias
décadas de intervenção
na serra do Caldeirão.

assumido por outras regiões do país. e os próprios produtores. Portanto, o consciencializem de que têm de mudar
E nós já somos consultores das Direções- Prato Certo e a componente de apoio à os seus hábitos de consumo por uma
‑Regionais de Agricultura dessas regiões Valorização dos Produtos Locais acabam questão de saúde, de preservação do
para tentar promover também uma abor- por se interligar, conduzindo à mudança ambiente e de desenvolvimento local,
dagem idêntica nesta matéria. dos hábitos de consumo das pessoas, e comprando os produtos da região.
Na serra do Caldeirão, já estamos a essa mudança passa também pela aqui- Na componente de criação de emprego
trabalhar a questão da introdução da dieta sição de produtos locais. destacaria, por um lado, o DLBC, uma
mediterrânica nas cantinas escolares, vez que muitos dos projetos que vão
através do projeto Prato Certo. Portanto, D&F: Dos projetos que estão a decorrer, sendo aprovados preveem a criação de
já estamos um passinho mais à frente, quais é que destacaria em termos de emprego: de restaurantes, atividades de
uma vez que começámos este projeto educação de adultos e de criação de animação turística, alojamentos locais, etc.
há mais tempo. O Prato Certo consiste autoemprego? Por outro, o programa +CO3SO Emprego.
na educação de grupos muito diversi- P.S.: No que diz respeito à educação Neste âmbito, fomos a entidade que mais
ficados nas escolas para a adoção de de jovens e de adultos, destacaria o candidaturas apresentou aqui no Algarve
uma alimentação saudável: os profes- Prato Certo porque, em conjunto com e temos já mais de 20 projetos aprovados
sores, os responsáveis das cantinas, os o projeto de Valorização dos Produtos nas mais diversas áreas, que vão permitir
encarregados de educação, os alunos Locais, vai permitir que as pessoas se criar 54 postos de trabalho. Os projetos vão

60 DIRIGIR & FORMAR


A importância da educação de adultos para o desenvolvimento local

entrar agora em fase de execução, ou seja, que ocupa mais de um terço de toda Podiam ser recolhidas às 7h30 e só ter
as pessoas vão receber apoios financeiros a região e com situações económicas aulas no final da manhã. E, nesse caso,
para criarem o seu próprio emprego. e sociais muito diferentes. Surge em estavam ali uma manhã inteira sem terem
1985, com o objetivo de criar novas onde se abrigar, sem qualquer apoio em
D&F: O Projeto RADIAL e, mais tarde, a atividades económicas e contribuir termos alimentares, sem atividades, sem
Associação IN LOCO têm procurado, ao para a melhoria da qualidade de vida nada. E o mesmo se passava de tarde.
longo dos anos, melhorar a vida das das populações... Acabámos por perceber que se trata de
pessoas, capacitando-as de maior P.S.: A equipa inicial da RADIAL contava um excelente ponto de entrada numa
autonomia... com três elementos que não conhe- comunidade porque, atrás das crianças,
P.S.: Nós começámos em 1985, com o apoio ciam a região, nem a realidade da serra vêm as mães, os pais, os irmãos mais
de uma Fundação holandesa, lançando do Caldeirão, pelo que era necessário velhos, as tias, os avós...
um projeto comunitário que se chamou conquistar a confiança das pessoas.
D&F: E conseguiram conquistá-los.
P.S.: Conseguimos, sobretudo, pô-los
“Nós trabalhamos a trabalhar e a pensar em conjunto.
para que as pessoas Optámos, desde o início, por contratar
percebam que animadores locais nos centros de
animação infantil porque sabíamos que a
podem criar futuro,
escola local chegava a ter 15 professores
criar economia, criar diferentes num ano letivo. Os professores
a possibilidade de iam trabalhar para a serra como quem vai
permanecer no local para o desterro. Se não apostássemos em
animadores locais, aconteceria o mesmo.
com qualidade de
Por outro lado, era importante trabalhar
vida. O sentimento com pessoas que conhecessem bem
de pertença é as localidades e as crianças e tivessem
essencial nisto.” vontade de permanecer na região.
A formação dos animadores locais
foi sempre feita em contexto de trabalho.
Isto é, os animadores dos centros de
animação infantil começaram logo a
trabalhar com as crianças e vinham
Rede de Apoio ao Desenvolvimento D&F: Presumo que não tivesse sido fácil. fazer formação a Faro um dia por mês
Integrado do Algarve (RADIAL) e foi P.S.: Não foi nada fácil. As pessoas com professores do Instituto Politécnico.
ainda, nesse âmbito, que lançámos estavam convencidas de que quem vinha E, todas as semanas, os professores iam
os primeiros cursos de Conservação do exterior só ia para a serra do Caldeirão lá acima e participavam num dia de ativi-
do Património Cultural (CPC). Eu nem porque ganhava ajudas de custo. O que dade normal no centro, vendo até que
diria que nós ajudamos as pessoas a nós tivemos de fazer foi criar um espaço ponto eles estavam a conseguir aplicar
melhorar a sua qualidade de vida, nós de comunicação que nos permitisse, as aprendizagens.
criamos processos que permitem às pouco a pouco, criar laços de confiança. Fizemos o mesmo, por exemplo,
pessoas melhorar a sua qualidade de Por isso, criámos centros de animação com as mulheres em todos os Cursos de
vida porque são elas as autoras dos infantil, uma vez que esta era uma das Património Cultural (CPC). Começaram a
percursos que realizam. grandes necessidades apresentadas trabalhar, desde o primeiro dia, como se
pela comunidade local. Na altura, só se tratasse de uma unidade produtiva e
D&F: No fundo, concedem-lhes os havia escolas do 1.º ciclo, e o 2.º ciclo era todas as matérias dadas correspondiam
instrumentos. O projeto RADIAL partiu dado através da televisão. Além disso, as às necessidades do dia a dia. Portanto, a
da ideia de que uma grande parte do crianças não tinham onde ficar. Eram arre- metodologia de projeto foi qualquer coisa
Algarve (4/5) era constituído por uma banhadas por aqueles montes dispersos que nós utilizámos em todas as inicia-
ruralidade profunda, com uma serra e trazidas para a Sede de Freguesia. tivas, colocando as pessoas em situação

DIRIGIR & FORMAR 61


DOSSIER

criar produtos esteticamente modernos,


que se adequassem ao consumidor
atual?
P.S.: Sim, no caso da oficina A Lançadeira,
trabalhou-se muito o padrão das mantas
tradicionais, que viemos a descobrir
que existia numa série de outras coisas:
nos ferros forjados das varandas, nos
desenhos das platibandas e até nos
recortes inseridos na cauda dos burros.
As pessoas começaram a perceber que há
um padrão que se repete, que há algo que
não aparece por acaso, que faz parte da
sua identidade, e passaram a olhar para
essa realidade de uma forma completa-
mente diferente. Isso permite criar um
produto que tem raízes, mas que pode,
simultaneamente, ter uma nova funcio-
nalidade. As pessoas já não vão utilizar
aquela manta na cama, já não vão utilizar
um paninho para comer à mesa porque,
hoje em dia, existem muitas outras
ofertas, mas aquele padrão pode ser
integrado num tecido que é utilizado em
decoração ou num fato, por exemplo.
Portanto, sempre procurámos
perceber que saberes ou tradições são
passíveis de ser conservados e como
podem ser integrados em produtos que
correspondem a necessidades atuais.
E nesse trabalho, as formandas, foram
profundamente implicadas. Não é o
de desenvolver uma empresa que assu- projeto... Hoje, as coisas estão padroni- designer que cria algo para elas depois
miam como sua e de fazer a formação em zadas de norte a sul do país e isso faz reproduzirem. Elas são envolvidas no
função dos problemas que iam surgindo uma diferença enorme. As realidades são processo criativo. Eu fui coordenadora
na concretização desse projeto. distintas. Não é a mesma coisa trabalhar do curso de tecelagem e lembro-me bem
na Beira Alta ou no Algarve. Mesmo no de andar com as senhoras pela aldeia a
D&F: Acha que, nos últimos anos, houve Algarve, a realidade do Algarve Central recolher padrões de cores, para depois
uma redução drástica, em termos de ou do Baixo Guadiana é diferente. aplicarmos nos tecidos que íamos fazer.
apoios? Estamos a falar de mulheres que tinham
P.S.: Sim, mas houve, sobretudo, uma D&F: A Associação IN LOCO tem sempre entre quatro e seis anos de escolaridade
redução drástica da nossa autonomia. a preocupação de pegar no saber local e que conseguiram receber conteúdos que
Nós concebíamos a estratégia de inter- e adaptá-lo à modernidade. Por exemplo, correspondiam ao 12.º ano. Por exemplo,
venção de raiz e em completa autonomia. em Cachopo foram lançados dois pro- na área do debuxo, elas aprenderam a
Agora, os programas são completamente gramas de formação para a criação representação gráfica dos tecidos que,
formatados: definem quais as áreas de autoemprego, que culminaram na na António Arroio, era dada ao nível do
abrangidas, qual o montante que vai criação de duas microempresas de lan- último ano do secundário. Para elas, era
para cada uma delas, qual é o mínimo e çadeiras e malhas. O desafio era manter fundamental fazer debuxo porque lhes
o máximo que pode ser atribuído a cada elementos culturais tradicionais, mas permitia criar novos padrões, ao passo que

62 DIRIGIR & FORMAR


A importância da educação de adultos para o desenvolvimento local

as tecedeiras tradicionais se limitavam a D&F: De que forma a educação de vieram pedir-nos apoio para concretizar
memorizar os padrões já existentes. adultos contribuiu para melhorar a vida o projeto. Portanto, há uma evolução, são
As formandas perceberam que isto lhes das pessoas ao longo destes 36 anos? elas as promotoras da ideia. Aqui vemos o
abria portas espantosas: estavam a P.S.: Tudo o que fizemos até agora foi percurso que foi feito e o crescimento que
aprender a ser produtoras e empresárias. educação de adultos porque a vertente houve por parte daquelas pessoas. Aliás,
da formação pessoal dos participantes uma das formandas é, neste momento,
D&F: Qual a importância do sentimento está presente em qualquer iniciativa. Presidente da Junta de Freguesia. Era
de pertença à comunidade nestas Mesmo quando se vai a uma feira, trata-se uma pessoa que estava frequentemente
experiências? de formação porque as pessoas fazem- à beira da depressão e, hoje em dia, não
P.S.: É essencial. Daí que seja tão impor- -no para vender um produto e precisam tem tempo para isso porque transborda
tante ter animadores locais. A pertença de aprender a fazê-lo. Portanto, nós de projetos.
ao local, a identificação com o local, o tentamos em todas as atividades criar No caso dos cursos CPC, eram
desejo de contribuir para a sua melhoria condições e fornecer informação às mulheres que estavam em casa, muito
é fundamental. pessoas para que possam realizar essas isoladas, os maridos trabalhavam no
No caso dos cursos, a componente aprendizagens. exterior e elas passavam semanas sozi-
local é muito forte também porque se nhas com a responsabilidade de tudo:
aproveita, por um lado, a cultura local das crianças, dos mais velhos, da casa,
para desenvolver os produtos de uma da horta. E, naqueles meios, as mulheres
determinada empresa, mas também as “Nós criamos processos nem sequer iam ao café.
ligações existentes à Junta de Freguesia, que permitem às pessoas
que apoia a participação numa feira, ou D&F: O que é que ainda falta fazer na
à Câmara que pode, por exemplo, pagar
melhorar a sua qualidade área da formação de adultos?
a despesa da eletricidade da pequena de vida porque são elas P.S.: É um trabalho que tem de ser pros-
unidade em que se trabalha, particular- as autoras dos percursos seguido. Isto é como a história da demo-
mente na fase de arranque. que realizam.” cracia. Tem de se continuar a trabalhar
Quando cheguei ao Algarve e fui lá porque as pessoas muito facilmente
acima à serra, sempre que perguntava adormecem. É preciso manter uma
onde é que ficava a serra do Caldeirão, atitude de aprendizagem, o que exige
diziam-me que ficava mais à frente ou um esforço constante e esse esforço
mais atrás, nunca era no sítio onde as D&F: Que balanço faz destas quase exige formação. Nós só temos pena
pessoas estavam. Ninguém queria quatro décadas? que os programas atuais estejam tão
estar ligado àquela realidade. O território P.S.: Há alturas em que estou pessimista e formatados.
apresentava uma conotação negativa penso que aquilo não é um oásis e que as
porque tinha sido completamente aban- pessoas continuam a abandonar a serra D&F: Deviam ser mais flexíveis, de
donado, tinha perdido mais de metade do Caldeirão. Mas quando paro para fazer forma a poderem adaptar-se às dife-
da população, não tinha luz, não tinha o balanço é que me dou conta da quanti- rentes realidades?
escolas... A partir do momento em que as dade de coisas que fizemos, a quantidade P.S.: Isso era essencial. Não é através
pessoas começam a reivindicar a quali- de pessoas que pusemos em movimento. da formatação que se consegue impedir
dade serrenha, demo-nos conta de que a Em alguns casos, começámos a trabalhar os abusos. Tem é de haver um acompa-
situação está a inverter-se, surgiu o licor com os pais, já trabalhámos com os filhos nhamento real dos projetos e, dessa
da serra, a lojinha de produtos locais, a e já estamos a trabalhar com os netos. maneira, conseguir manter o nível de
promoção da região nas festas popu- Por exemplo, no caso das mulheres exigência e os padrões de qualidade.
lares, etc. de Cachopo, começámos a fazer formação As entidades, quando têm uma maior
Nós trabalhamos para que as para criarem pequenas empresas. Mais autonomia, são capazes de produzir
pessoas percebam que podem criar tarde, elas próprias tiveram a ideia de muito melhor do que quando têm de
futuro, criar economia, criar a possibili- fazer, na freguesia, uma feira de artesanato trabalhar no interior de coisas completa-
dade de permanecer no local com quali- porque os outros artesãos da freguesia mente formatadas, que não se adaptam
dade de vida. O sentimento de pertença também queriam ter uma oportunidade. de maneira nenhuma à realidade com a
é essencial nisto. Associaram-se à Junta de Freguesia e qual trabalham.

DIRIGIR & FORMAR 63


DOSSIER

IN-VI
IN-VISÍVEL
PESSOAS EM SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO

PESSOAS EM SITUAÇÃO
DE SEM-ABRIGO

64 DIRIGIR & FORMAR


VISÍVEL
AUTORES: Florbela Nunes, Socióloga e Técnica Superior no Serviço de Emprego de Évora; Amélia Vieira, Assistente Social e Técnica Superior no Centro Distrital
de Segurança Social de Évora; Ana Martins, Assistente Social na Associação Pão e Paz, de Évora; e Sofia Martelo, Assistente Social e Técnica Superior no
Centro de Respostas Integradas de Évora. FOTOS: Shutterstock e cedidas pelas autoras

N
as sociedades modernas assiste-se à afirmação do • Reforço de uma intervenção promotora da integração das
diverso – humano, cultural, religioso, linguístico – a pessoas em situação de sem-abrigo: visa assegurar a quali-
par de um individualismo crescente, sendo urgente dade e eficácia das intervenções técnicas e garantir que
dar visibilidade às causas estruturais de fenómenos de desi- ninguém tenha de permanecer na rua mais de 24 horas.
gualdade e marginalização inscritas nas trajetórias individuais • Coordenação, monitorização e avaliação: procura incluir
das pessoas em situação de sem-abrigo. Afirma-se, assim, a indicadores sobre as pessoas em situação de sem-abrigo
necessidade de proteção social, garantindo não só o acesso nos instrumentos de planeamento da rede social do
a condições mínimas de sobrevivência, mas também a opor- concelho e fomentar a coesão no NPISA.
tunidades que conduzam a um exercício de cidadania de
pleno direito. Importa referir que um dos primeiros compromissos assu-
Em Évora, a intervenção dirigida às pessoas em situação midos pela ENIPSSA diz respeito ao conceito de pessoa em
de sem-abrigo surgiu há cerca de cinco anos, no âmbito do situação de sem-abrigo a utilizar de modo comum a nível
acompanhamento aos beneficiários do Rendimento Social nacional e por outros países europeus, com vista à facilidade
de Inserção (RSI) efetuado pelas entidades com assento no da sua aplicação e operacionalização. “Considera-se pessoa
Núcleo Local de Inserção. Tendo por base a identificação de 16 em situação de sem-abrigo aquela que, independentemente
pessoas nessa condição, em 2017, foi constituído um grupo da sua nacionalidade, idade, sexo, condição socioeconómica
de trabalho, a Unidade de Rede Sem Abrigo de Évora (URSA), e condição de saúde física e mental, se encontre: sem teto,
com dois objetivos muito claros: intervir para que ninguém vivendo no espaço público, alojada em abrigo de emergência ou
tenha de permanecer na rua por ausência de alternativas e com paradeiro em local precário; ou sem casa, encontrando-se
caracterizar a problemática, contribuindo para o diagnóstico em alojamento temporário destinado para o efeito.”
social do concelho. Trata-se de um conceito, cujas categorias se enquadram
No alinhamento com a Estratégia Nacional para a Integração na European Typology of Homelessness e que traduzem um
de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (ENIPSSA 2017-20231) conjunto de necessidades: (i) espaços de habitação privados
em julho de 2020, a URSA passa a designar-se Núcleo de e seguros, (ii) estatutos legais de ocupação, (iii) condições
Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA) que, com base de habitabilidade e (iv) capacidade financeira autónoma.
num protocolo de parceria e com os mesmos objetivos, procura Esta abordagem assumida pela Comunidade Europeia,
desenvolver um trabalho assente em três dimensões: vem alargar o leque de dimensões associadas ao fenómeno,
• Promoção do conhecimento do fenómeno das pessoas alertando para a sua complexidade e dificuldade ao nível
em situação de sem-abrigo, informação, sensibilização das estratégias e modelos de intervenção social. Em simul-
e educação: configura a consolidação da utilização do tâneo, alerta para a desfiliação social das pessoas em situação
conceito e a prevenção do fenómeno. de sem-abrigo, revelando que o processo se inicia antes da
situação visível de rua, personificado nas pessoas sem-teto.
1  RCM 107/2017 de 25 de julho.

DIRIGIR & FORMAR 65


DOSSIER

Intervenção e Acompanhamento saúde, emprego, formação profissional, educação, capaci-


O NPISA de Évora segue os pressupostos do Modelo de tação, proteção social, etc. O objetivo é proporcionar todos os
Intervenção e Acompanhamento Integrado definidos pela recursos necessários à concretização dos planos individuais
Estratégia Nacional, o qual, centrado nas pessoas em situação de integração construídos com as pessoas em situação de
de sem-abrigo, adota uma abordagem multidimensional e sem-abrigo.
holística de prevenção e intervenção. Esta metodologia
assenta na relação entre essas pessoas e o/a gestor/a de A população sem-abrigo em Évora
caso, consistindo na elaboração do diagnóstico das situa- – breve caracterização
ções e no acompanhamento das mesmas, procurando dese- Entre 2017 e 2020, o NPISA Évora sinalizou e acompanhou um
nhar um projeto de vida com vista à autonomia e de apoio e total de 119 pessoas em situação de sem-abrigo, sendo o ano
à integração social. “É um modelo aberto, que implica uma de “arranque” marcado pelo maior número de sinalizações.
sequência de procedimentos, implementados de acordo
com as necessidades diagnosticadas, sendo a intervenção
baseada num continuum entre a prevenção, a intervenção e
a integração comunitária.” (ENIPSSA, 2017-2023).
Organizado em três domínios base – a prevenção, a inter- Quadro 1
venção e a integração comunitária –, está estruturado a nível Pessoas em situação
sociopolítico, organizacional e individual. de sem-abrigo
sinalizadas, por ano

2017 47
2018 32
2019 21
PREVENÇÃO 2020 19
Total 119

NPISA
INTEGRAÇÃO Foram quatro anos marcados por diferentes movimentos,
INTERVENÇÃO ocorrências e intervenções, sendo de destacar: o internamento/
COMUNITÁRIA
institucionalização temporária (sobretudo em comunidade
terapêutica), as saídas do concelho, a recusa da intervenção
e falta de colaboração.
No final de janeiro deste ano temos 26 pessoas em acom-
No domínio da prevenção, o modelo preconiza a monitori- panhamento (24 portugueses e dois migrantes), que embora
zação contínua do fenómeno, incluindo indicadores de risco invisíveis aos olhos da maioria, vivem na cidade de Évora.
das situações de sem-abrigo e de precariedade habitacional. Da análise dos quadros 2, 3, 4 e 5 salienta-se:
A dimensão de intervenção contempla a emergência e o • Estamos perante uma população de meia-idade, a
acompanhamento. A emergência compreende um conjunto média de idades é de 54 anos, variando entre os 34
de procedimentos que permitam retirar a pessoa da condição e os 80 anos.
de sem-teto e inicia-se com a sinalização e encaminhamento • Quanto ao género, predomina o masculino, verificando-
para serviço/unidade de atendimento de emergência do NPISA. -se a existência de 21 homens e cinco mulheres.
A partir desta sinalização, é realizado um diagnóstico multidis- • A maioria (13 pessoas) tem o ensino básico.
ciplinar e definido o plano individual de intervenção. • Muitas destas pessoas apresentam problemas de
Por sua vez, a dimensão da integração comunitária procura saúde, verificando-se uma predominância da doença
mobilizar um conjunto alargado de áreas de intervenção, como mental e dos comportamentos aditivos.

66 DIRIGIR & FORMAR


In-Visível – Pessoas em situação de sem-abrigo

Quadro 2
• No que respeita a rendimentos auferidos, verifica-se Pessoas em situação
que a maioria é pensionista ou beneficiária de RSI, de sem-abrigo
sendo que seis pessoas não têm qualquer rendimento. por local de pernoita

Centro de Alojamento Temporário 7


Poucas destas pessoas têm disponibilidade e/ou capaci-
dade para o trabalho e/ou formação profissional, não obstante Casa/edifício abandonado 7
dez estarem inscritos no Serviço de Emprego de Évora. Destes, Ruas da cidade 5
salientam-se os seguintes aspetos: Contentor 4
• as idades variam entre os 33 e os 64 anos, sendo a Automóvel 2
média de 52 anos; Pensão 1
• três não têm grau de ensino, cinco possuem o 4.º ano de Total 26
escolaridade e dois têm, respetivamente, o 6.º e o 9.º ano;
• todos eles são desempregados de longa duração e
inscritos em profissões indiferenciadas, havendo um Quadro 3
caso de deficiência com incapacidade. Pessoas em situação
de sem-abrigo
por nível de escolaridade
Trajetórias e respostas
O tempo de permanência na situação de sem-abrigo faz variar as Sem grau de ensino 4
atitudes, os comportamentos, as estratégias de sobrevivência 4.º Ano 13
e o relacionamento com as instituições. As causas para essa 6.º Ano 2
condição são diversas, mas o desemprego, os consumos de 9.º Ano 5
álcool e drogas e as ruturas familiares são apontadas pela maioria. 12.º Ano 1
A doença ou condição física e psicológica podem estar,
Não sabe 1
elas próprias, na origem de um processo de deterioração das
Total 26
competências pessoais, sociais e profissionais do indivíduo,
logo da sua capacidade para se manter relacionado de modo
eficaz, nas diversas dimensões da vida: emocional, familiar
e com a comunidade. Assim, fatores físicos, psicológicos e Quadro 4
Pessoas em situação
sociais entrelaçam-se, alertando para a complexidade das de sem-abrigo
causas que levam as pessoas a entrar e a manter-se numa por problemas de saúde
condição de sem-abrigo.
O referido sublinha a necessidade de aumentar a comple- Sem problemas 10
xidade das respostas institucionais, especializadas, e, em Doença mental 7
simultâneo, torná-las mais flexíveis e diferenciadoras para Dependências – álcool e drogas 13
as pessoas sem casa ou sem teto. Doenças incapacitantes 3
Embora conscientes da necessidade de trabalhar a nível Total1 26
preventivo, o NPISA Évora para já trabalha essencialmente na 1
Cada pessoa pode ter mais do que um problema de saúde.
emergência. Não obstante, procura responder de forma flexível
e integradora, pautando-se por um modelo de intervenção e
acompanhamento territorializado, com base na concretização Quadro 5
Pessoas em situação
de sem-abrigo
por rendimento
É urgente dar visibilidade às causas
Pensionistas 10
estruturais de fenómenos de
Beneficiários de RSI 8
desigualdade e marginalização inscritas Beneficiários de subsídio de desemprego 2
nas trajetórias individuais das pessoas Sem qualquer rendimento 6
em situação de sem-abrigo. Total 26

DIRIGIR & FORMAR 67


DOSSIER

As respostas que em cada território possam


alterar a situação desta população, identificar
TESTEMUNHOS
(NOMES FICTÍCIOS)
precocemente novas situações e prevenir
recaídas, serão promotoras da construção de Gertrudes (49 anos) e Vítor (35 anos) são portugueses,
territórios humanizadores, com espaço para naturais de concelhos situados a mais de 100 quiló-
metros de Évora. Companheiros, vivem em situação de
desenhar um conjunto de inserções à medida sem-teto há um ano e meio.
e potenciar trajetórias ascendentes.
Gertrudes: Tenho família, irmãos, filhos, mas estão
lá na vida deles e eu aqui na minha. Vivia com o meu
de diagnósticos interinstitucionais e multidisciplinares, que antigo companheiro, perto da minha terra. Ele começou
orientam as necessidades de intervenção para os reais a bater-me, apresentei queixa e fiquei com o estatuto de
problemas sentidos pela população sem-abrigo. Em conso- vítima. Vim para aqui, para uma casa-abrigo (...), mas
nância, tem desenvolvido uma atividade com base no contributo depois de uns dias tive um conflito com outra mulher, fui
técnico das entidades que integram esse Núcleo. No horizonte da expulsa e fiquei na rua. Já tinha estado nesta situação,
qualificação das intervenções, do respeito pela especificidade do com o meu segundo companheiro (...), conflitos com a
fenómeno e da necessidade de lhe dar visibilidade, preconiza a família, violência doméstica, e separei-me. Quero uma
criação de um conjunto de respostas necessárias para promover vida melhor, trabalhar e tirar um curso de auxiliar. Gosto
percursos alternativos e identitários. Destacando-se: de ajudar idosos, tenho muita paciência. O que queria
• Equipas técnicas de rua, para assegurar o acompanha- mesmo era uma casa minha, trabalhar para conseguir
mento psicossocial e o acesso aos recursos existentes pagar a renda.
na comunidade;
• Espaço diurno de acolhimento, para proporcionar um Vítor: Tenho os meus pais, mas com quem falo, ainda,
espaço de confiança, que responda no curto e médio algumas vezes é com a minha irmã. Não sei ler nem
prazo às diferentes necessidades; escrever (...) só sei assinar o meu nome, mas conheço
• Alternativas de alojamento/habitação (e.g. aparta- muito bem o dinheiro. Já tinha estado num Centro de
mentos partilhados e housing first), para garantir o Alojamento Temporário, noutra cidade. Depois vivi com
direito à habitação. um amigo, quando nos juntámos fiquei assim, na rua
(...) nunca tinha estado nesta situação. Recebo RSI, mas
As respostas que em cada território possam alterar a o dinheiro nem dá para pagar uma renda. Gostava de
situação desta população, identificar precocemente novas trabalhar na agricultura, no campo, tenho experiência a
situações e prevenir recaídas, serão promotoras da construção podar, com flores, cortar relva, vindima. Precisávamos
de territórios humanizadores, com espaço para desenhar um mesmo era de uma casa.
conjunto de inserções à medida e potenciar trajetórias ascen-
dentes, com a participação dos sectores público e privado.

68 DIRIGIR & FORMAR


In-Visível – Pessoas em situação de sem-abrigo

Ivo (54 anos). Natural de um país do leste da Europa, vive NÚCLEO DE


em Portugal há quase 14 anos. Esteve em situação de sem-
-abrigo entre 2015 e o início de 2021, quando lhe foi atri-
PLANEAMENTO
buída habitação social. E INTERVENÇÃO
Vim para Portugal em 2007 através de um amigo que traba-
SEM-ABRIGO
lhava cá e me dizia que o tempo aqui era ameno e havia DE ÉVORA
muito trabalho. Fiz a viagem de autocarro e quando cheguei
à Gare do Oriente, pensei logo que aqui, em Portugal, era o Pauta-se por uma abordagem
meu lugar. Em Lisboa, trabalhei em jardinagem e, apesar sistémica de combate à pobreza e
da minha deficiência – não tenho uma perna desde os à exclusão social e por uma inter-
15 anos –, fazia tudo, ou até mais do que os outros. venção centrada nas pessoas,
Em 2015, trabalhei na Construção Civil com um patrão considerando-as no seu contexto e
que roubou todo o dinheiro daquele trabalho, o meu e o de circunstância.
mais cinco rapazes (...), ficámos apenas com o dinheiro
que tínhamos no bolso. Comprei uma bicicleta (...), pedalei Missão: Contribuir para promover a
mais de um mês entre o Alentejo e o Algarve, até chegar a dignidade humana.
Évora. Na noite em que cheguei, chovia muito e aguardei
que a chuva parasse debaixo de um chaparro. Recolhi-me Visão: Consolidar uma abordagem
numa casa abandonada, onde, depois de perceberem que estratégica e holística de prevenção
eu lá estava, fui abordado pela PSP, pela Segurança Social, e intervenção, centrada nas pessoas
pelo INEM, pois, pela minha deficiência física, pensavam em risco e/ou situação de sem-abrigo.
que estava doente(...).
Com indicações de várias pessoas que me ajudaram, Estratégia: Promover condições da
comecei a receber apoio na comida e, ainda mais impor- autonomia e exercício pleno de cida-
tante, na prótese para a minha perna (...) O meu irmão dania das pessoas em situação de
também veio para Portugal, mas com o problema de sem-abrigo.
bebida não se aguentou cá. Recebi RSI, mas, assim que
pude, comecei a trabalhar por conta própria e até me coletei Valores: Respeito pelos direitos
(...) Não quero ser um custo para o Estado português que humanos, justiça social, equidade,
me recebeu tão bem (...) O apoio que tenho recebido foi responsabilidade e colaboração.
fundamental, ajudou-me a reunir papelada para inscrição na
habitação social e, no início deste ano, deram-me uma casa. Parceria: APPACDM de Évora |
Associação Pão e Paz | Câmara
Municipal de Évora | Cáritas
Arquidiocesana de Évora | Centro
Humanitário de Évora da Cruz
Vermelha Portuguesa | CRI do Alentejo
Central | Centro Social e Paroquial de
S. Brás | Habévora | IEFP, I.P. – Serviço
de Emprego de Évora | ISS - Centro
Distrital de Évora | Santa Casa da
Misericórdia de Évora
Entre 2017 e
2020, o NPISA
Évora sinalizou Contacto: npisaevora@gmail.com
e acompanhou
119 pessoas
em situação de
sem-abrigo.

DIRIGIR & FORMAR 69


GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS | TEMAS DE GESTÃO

UM NOVO
UM NOVO RENASCIMENTO INDUSTRIAL EUROPEU

RENASCIMENTO
INDUSTRIAL
EUROPEU
AUTOR: Miguel Pinto, Managing Director da Continental Advanced Antenna Portugal FOTOS: Shutterstock

N
este preciso momento em que a pandemia ocupa grande revolução foi impulsionada pelo carvão, a segunda teve na
parte do foco mediático, e em que todos olham com sua génese a descoberta da eletricidade, do gás e do petróleo
apreensão para a terrível crise sanitária existente, que e a consequente invenção do motor de combustão tendo por
começa a dar lugar a uma não menos terrível crise económica e base estas fontes de energia. Ao mesmo tempo, o desenvol-
social, julgo não ser novidade para ninguém afirmar que esta irá vimento da tecnologia de comunicação deu um salto com o
ser foco de todas as atenções num futuro próximo. Por esta razão, telefone. Todos estes fatores aceleraram o processo produtivo
pareceu-me pertinente olhar para a Reindustrialização como em massa permitindo a novas “legiões” de consumidores o
foco de criação de riqueza e qualidade de vida no nosso país. acesso a produtos que até então lhes tinham sido vedados.
A Terceira Revolução Industrial começou nos anos 70
As três revoluções industriais passadas em pleno século XX e pautou-se pela introdução do uso de
– breve caracterização tecnologia e do sistema informático na produção industrial, do
Começo por apresentar uma breve descrição das três revolu- desenvolvimento da robótica, do uso da engenharia genética
ções industriais passadas até àquela com que hoje nos depa- e da biotecnologia, da capacidade de armazenar, processar e
ramos e que está a revolucionar os últimos anos da economia transmitir informações em formato digital, que levou à recon-
em geral e particularmente a do sector industrial, apelidada versão de quase todos os sectores de atividade e, consequen-
como Indústria 4.0. temente, da nossa vida profissional e social.
A Primeira Revolução Industrial, ocorrida no final do
século XVIII em Inglaterra, foi caracterizada por duas impor- A Quarta Revolução Industrial
tantes invenções que transformaram, de forma significativa, o A Quarta Revolução Industrial teve início na segunda década
sector produtivo e dos transportes. A descoberta do potencial do nosso século e continua a decorrer nos nossos dias, tendo,
do carvão, como fonte de energia, que permitiu a criação da na minha opinião, sido brilhantemente descrita por Klaus
máquina a vapor e da locomotiva, promovendo a dinamização Schwab, Economista e fundador do Fórum Económico Mundial
do transporte de pessoas, matéria-prima e distribuição de da seguinte forma: “Estamos à beira de uma revolução tecno-
mercadoria, estabelecendo assim novos paradigmas no que lógica que modificará a forma como vivemos, trabalhamos e
à produção e locomoção diz respeito. Com esta transformação nos relacionamos. Numa escala de alcance e complexidade, a
iniciou-se uma transição de enorme quantidade de mão de transformação será diferente de qualquer coisa que o género
obra da agricultura para a indústria e, consequentemente, a humano já experimentou antes”.
deslocação da mão de obra dos campos para as cidades. Em todos estes momentos da história, a nossa sociedade
A Segunda Revolução Industrial viria a ocorrer cerca de sofreu alterações que permitiram inovação, desenvolvimento,
cem anos mais tarde, no final do século XIX. Se a primeira crescimento económico e bem-estar social, mesmo que por

70 DIRIGIR & FORMAR


vezes com “dores de crescimento” inerentes a mudanças que (PRR + QFP 2021-2027) à economia portuguesa no curto e
foram disruptivas em relação ao statu quo existente em cada médio prazo.
um desses momentos históricos. Deveremos também ter mecanismos capazes de promover
Não podemos, por isso, perder o comboio desta nova revo- e dinamizar a entrega destes fundos às empresas, de modo a
lução industrial que se nos impõe rapidamente pelo receio evitar baixos níveis de execução como por vezes tem aconte-
das dificuldades. A Europa já deu o primeiro passo, com o cido. Um outro aspeto essencial é a necessidade de uma lógica
recurso àquilo que em Portugal alguns apelidam de “Bazuca integrada nos mecanismos de capitalização, recapitalização,
Europeia”, ou seja, fundos muito significativos que irão fazer de apoio à concentração empresarial e às fusões e aquisi-
face à erosão da atividade económica provocada pela Covid- ções em que, com toda a certeza, o banco do fomento terá um
19, mas que acima de tudo possam servir para criar condições papel preponderante, mas que per si não será suficiente se os
estruturais que nos permitam convergir com as economias restantes sinais da política económica forem contraditórios rela-
mais desenvolvidas da Europa, alavancando-nos. tivamente a estes Macro-objetivos para a economia nacional.
No caso específico de Portugal, sabemos nesta altura que
irá ascender a um valor total de 13,9 mil milhões de euros
(considerando a parte de subvenções) que deverá não só
permitir uma recuperação, mas acima de tudo consolidar uma A Reindustrialização não é apenas
economia que deve ter uma estrutura mais equilibrada e, por necessária e urgente por uma questão de
isso, mais baseada num modelo industrial de valor acrescen- crescimento económico equilibrado com
tado, com capacidade de colocar Portugal a confluir econo-
micamente com as economias mais fortes do nosso globo.
maior capacidade de criação de riqueza, mas
Naturalmente que estes fundos não serão por si só suficientes também por uma questão de gestão de risco
para uma alteração estrutural da nossa economia, pelo que relativamente à excessiva concentração do
temos forçosamente de associar uma visão estratégica e sector produtivo no mercado asiático.
integrada na alocação dos vários fundos de financiamento

DIRIGIR & FORMAR 71


GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS | TEMAS DE GESTÃO

Temos de saber criar as condições


necessárias para que a inovação tecnológica
e o upskilling e reskilling dos nossos recursos
humanos aconteça de forma rápida e ágil.

Reindustrialização, uma nova oportunidade


A Reindustrialização não é apenas necessária e urgente por
uma questão de crescimento económico equilibrado com
maior capacidade de criação de riqueza, mas também por uma
questão de gestão de risco relativamente à excessiva concen-
tração do sector produtivo no mercado asiático. Pretende-se
que esta Reindustrialização tenha um foco nos bens e serviços
transacionáveis, potenciando o crescimento das exportações,
o aumento da incorporação nacional e, simultaneamente, a
substituição (competitiva) de importações, de bens intermédios
e de consumo final. O objetivo é, assim, reforçar e diversificar a
produção e oferta portuguesa com elevado grau de incorporação
nacional, elevando o Valor Acrescentado Nacional e, ao mesmo
Com base no acima exposto e sendo a Indústria por exce- tempo, retirar o país de uma excessiva dependência de outros
lência um sector de bens transacionáveis que permite elevar mercados de abastecimento, nomeadamente fora da Europa.
a intensidade exportadora da economia, através da elevada Por outro lado, é notório que com a digitalização da
capacidade para induzir um efeito impulsionador na produção economia e o advento da quarta revolução Industrial (Indústria
e no emprego nos vários sectores da atividade económica 4.0) a atividade produtiva vai aproximar-se dos consumidores
(a montante e a jusante), e de em conjunto com as entidades do finais, encurtando, assim, as cadeias logísticas atualmente
Sistema Científico e Tecnológico criar ecossistemas de inovação existentes. Esta situação acontecerá porque a digitalização e
sustentáveis capazes de incorporar cada vez mais valor acres- automatização das fábricas irá alterar as estruturas de custo,
centado nos bens produzidos, aumentando assim a criação de diminuindo a importância do custo da mão de obra. Assim,
riqueza, temos por isso de rapidamente colocar este tema como indústrias fortemente baseadas em mão de obra intensiva irão
um imperativo na agenda nacional, com vista a um desenvolvi- deixar de o ser, permitindo que alguns países com mão de obra
mento económico mais sustentado, robusto e equilibrado. Nas mais cara sejam novamente interessantes para a atividade
últimas décadas, assistimos a uma economia nacional assente industrial de baixo valor acrescentado.
essencialmente no sector terciário (quase 70% em número Este processo acima descrito pode ser percebido como
de empregos). Este modelo que foi seguido levou a que hoje uma ameaça ou como uma oportunidade para Portugal, depen-
sejamos um país de salários baixos quando comparado com dendo da forma como soubermos fazer uso da “Bazuca” ante-
outros países europeus e que tenhamos vindo nos últimos riormente referida. Temos por isso de saber criar as condições
anos a descer no ranking dos países da UE em termos de PIB necessárias para que a inovação tecnológica e o upskilling e
per capita. Entre os 19 países da Zona Euro, Portugal situou-se, reskilling dos nossos recursos humanos aconteçam de forma
no ano passado, na 16.ª posição. rápida e ágil.
Agora, mais do que nunca, esta temática ganha maior rele- As exigências implícitas da quarta revolução industrial
vância e sentido de urgência. A pandemia veio demonstrar a são substancialmente diferentes para os profissionais que
excessiva “vulnerabilidade”, muito devido à dependência da estão agora a entrar no mercado de trabalho. Terão de ser,
atividade produtiva em relação ao continente asiático e em necessariamente, mais qualificados e capazes de resolver
particular à China, que em alguns sectores monopoliza quase problemas mais complexos, pois serão obrigados a coexistir
na totalidade a atividade produtiva (tanto ao nível de produtos numa simbiose constante de integração das novas tecnolo-
com menor valor acrescentado, como a produção de calçado, gias no seu dia a dia (Internet das coisas, manufatura aditiva,
mas também, em indústrias de elevado valor acrescentado, inteligência artificial, Big data, realidade aumentada, robôs
como a produção de computadores ou telemóveis). autónomos, entre outros).

72 DIRIGIR & FORMAR


Um novo renascimento industrial europeu

A par de toda esta complexidade, deparamo-nos com a aos produtos, muitas vezes de elevada complexidade. Esta
necessidade urgente de protegermos o nosso planeta! Temos mudança de paradigma tem o poder de fazer crescer as expor-
assim como missão torná-lo ecologicamente sustentável tações nacionais de bens transacionáveis, mas também de
para as gerações futuras, exigindo que a descarbonização e criar ecossistemas de conhecimento transformacionais para
a implementação de práticas sustentáveis sejam imediatas a nossa economia. Neste sentido, passaremos a assumir uma
e irreversíveis. economia com empresas de dimensão global de capital portu-
Não há dúvidas de que temos em mãos um grande desafio, guês, em que temos sido muito humildes nos últimos anos
que só será possível ultrapassar com a consciência da neces- (com exceção de alguns bons exemplos, estas empresas de
sidade de uma estratégia sólida e robusta baseada nestes três dimensão global não abundam no nosso país).
grandes vetores: inovação tecnológica, recursos humanos Conscientes de que este processo de Reindustrialização
qualificados e sustentabilidade ambiental. irá transformar as nossas fábricas num conceito de produção
A industrialização que precisamos de trazer para o nosso industrial suficientemente amplo, holístico e integrado, abran-
país não é a que se deslocou para países de mão de obra mais gendo a incorporação de serviços de apoio à atividade industrial,
barata em finais do século passado, mas sim uma indústria de com valor acrescentado, que inclui a inovação e a tecnologia,
elevado valor acrescentado, capaz de fornecer cada vez mais nomeadamente as tecnologias digitais, assim como o design
bens e serviços de forma integrada. Trata-se de uma mudança e outros fatores que imprimam competitividade. Não poderia
significativa de paradigma, deixar de oferecer exclusivamente ser de outra forma, sob pena de se excluir à partida uma vertente
produtos industriais para passar a vender serviços associados que é atualmente crucial: a integração entre o físico e o digital
(Sistemas ciberfísicos, que combinam máquinas com
processos digitais, sendo capazes de tomar decisões descen-
tralizadas e de cooperar entre eles e com humanos).
Obviamente que isto irá obrigar a que as unidades indus-
triais integradas tenham profissionais mais qualificados (bem
remunerados) e ágeis, onde diariamente lhes é exigido a reso-
lução de problemas multifatoriais de elevada complexidade,
muitas vezes tendo de ter por base soluções mais automati-
zadas com suporte à inteligência artificial capaz de analisar
os dados de forma a melhorar a produtividade e, consequen-
temente, a competitividade.
Não será certamente um processo fácil, pois, conforme
todos sabemos, as revoluções implicam mudanças e estas,
apesar de permitirem sempre melhorias das condições econó-
micas, são processos disruptivos, mas não me parece que
tenhamos outro caminho. Apesar da forte pressão social, a
crescente digitalização e automatização dos processos não
implicará o desaparecimento de empregos per si, mas cons-
tituirá, acima de tudo, uma oportunidade única na criação de
empregos mais qualificados, ágeis e versáteis. Como aliás
aconteceu em revoluções industriais anteriores.
Em todos estes momentos da
Acredito que dada a vontade demonstrada pelos líderes
nossa história, a nossa sociedade europeus em promover a Reindustrialização, “Uma Nova
sofreu alterações que permitiram Estratégia Industrial para a Europa” (março de 2020), os fundos
inovação, desenvolvimento, europeus disponíveis (PRR + QFP 2021-2027), associada à
vontade política dos nossos decisores políticos nacionais e
crescimento económico e
a planos estratégicos da parte das associações empresariais
bem-estar social, mesmo que por e empresários, em que saliento o “Portugal Industrial 5.0”
vezes com “dores de crescimento” apresentado pela Associação Empresarial de Portugal, temos
inerentes a mudanças disruptivas. condições para implementar no nosso país e na Europa “Um
novo renascimento Industrial Europeu”!

DIRIGIR & FORMAR 73


EUROPA

74 DIRIGIR & FORMAR


COMPETÊNCIAS PARA UM MUNDO CONECTADO

COMPETÊNCIAS
PARA UM MUNDO
CONECTADO
AUTORA: Ana Nogueira, Comissão do Controlo Orçamental do
Parlamento Europeu FOTOS: Shutterstock

N
estes últimos tempos, muitos adultos e crianças foram
confrontados, pela primeira vez, com a literacia digital
básica, a ciber-higiene, a privacidade e a literacia mediática,
a proteção de dados, o ciberassédio e os jogos em linha perigosos.
A desinformação (fake news) constituiu igualmente um desafio
particular durante a crise sanitária.
Mais do que um instrumento, a educação digital tornou-se uma
necessidade e uma solução generalizada para fazer face ao confi-
namento, proporcionando educação ao maior número de alunos
possível e permitindo o teletrabalho. Esta nova realidade acentuou
a necessidade de adotar uma abordagem europeia da educação
digital e de a União Europeia (UE) trabalhar em conjunto com insti-
tuições e intervenientes globais, como as Nações Unidas, o Banco
Mundial e o Conselho da Europa, na identificação de soluções adap-
tadas aos novos desafios.

DIRIGIR & FORMAR 75


EUROPA

O Plano de Ação para a Educação Digital (2021-2027) propõe um conjunto de iniciativas para
uma educação digital de elevada qualidade, inclusiva e acessível na Europa, no sentido de uma
cooperação reforçada a nível europeu entre os Estados-membros, e também entre as partes
interessadas, para garantir que os sistemas de ensino e de formação estejam verdadeiramente
preparados para a era digital.

Na Resolução do Parlamento Europeu (PE), de uma educação digital de elevada qualidade, inclu-
25 de março de 2021, sobre a definição da polí- siva e acessível na Europa. Trata-se de um apelo
tica para a educação digital1, sublinha-se a neces- à ação no sentido de uma cooperação reforçada
sidade de um Plano de Ação para a Educação a nível europeu entre os Estados-membros, e
Digital ambicioso, que permita desenvolver uma também entre as partes interessadas, para garantir
abordagem coerente e integrada da educação que os sistemas de ensino e de formação estejam
digital, com objetivos claros, apoio financeiro e verdadeiramente preparados para a era digital.
um calendário, conducente a uma abordagem No entanto, à semelhança do que aconteceu
comum a nível europeu envolvendo todas as com o primeiro plano de ação para a educação
partes interessadas. digital, adotado em janeiro de 2018, mantém-se
a ausência de medidas destinadas a aprendentes
Adultos pouco qualificados adultos pouco qualificados e a pessoas de idade
– os eternos esquecidos mais avançada. Esta lacuna prejudica a dimensão
Em 2019, mais de 75 milhões de adultos euro- essencial da aprendizagem ao longo da vida no
peus em idade ativa não possuíam, pelo menos, domínio da educação digital e mina os esforços
competências digitais básicas, com especial para assegurar que todas as pessoas tenham
destaque para os indivíduos mais velhos, os competências digitais para a vida.
indivíduos com baixos níveis de escolaridade e A crise que atravessamos sublinhou a necessi-
os desempregados. dade de os Estados-membros coordenarem de forma
A clivagem digital entre adultos com e sem mais eficaz as políticas e medidas em matéria de
competências digitais básicas varia considera- educação digital e partilharem as melhores práticas
velmente entre os Estados-membros. através de uma abordagem multilateral da política
A média para a UE-27, de acordo com dados de educação, a fim de garantir que esta satisfaça
do Eurostat de 20192, é de 56%, no entanto, nos as necessidades dos cidadãos da UE e coloque os
Países Baixos é de 79%, em Portugal é de 52% alunos no centro das atenções.
enquanto na Bulgária é de 29%. E não se trata Temas até agora pouco discutidos, como, por
apenas de competências, mas também de acesso exemplo, a influência que o design da sala de aula
a equipamentos e infraestruturas digitais que tem nos processos de aprendizagem (e comporta-
podem ajudar muito na aquisição de competên- mento) dos alunos, fazem agora parte dos debates
cias: na Suécia, quase todos os alunos têm acesso sobre “a escola pós-Covid” – o design da sala de
a escolas altamente equipadas e conectadas digi- aula pode aumentar os níveis de interação entre
talmente, enquanto, por exemplo, na Roménia a alunos e (entre estes e os) professores por meios
percentagem é inferior a 20%. formais e informais, melhorando envolvimento/
O Plano de Ação para a Educação Digital (2021- empenho e a aprendizagem. Acresce que salas
‑2027)3 propõe um conjunto de iniciativas para de aula confortáveis, física e psicologicamente,
promovem uma sensação de bem-estar, mantêm
a mente focada e limitam as distrações.
1    https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2021-0095_
PT.html Caminhando no sentido de promover um
2    https://appsso.eurostat.ec.europa.eu/nui/show.do?dataset=isoc_sk_
dskl_i&lang=en processo de criação conjunta e um sistema de
3   https://ec.europa.eu/education/sites/default/files/document-library-
docs/deap-communication-sept2020_en.pdf
acompanhamento contínuo ao nível da educação

76 DIRIGIR & FORMAR


Competências para um mundo conectado

digital, a UE assumiu o compromisso de criar uma nos Estados-membros não melhoraram signifi-
Plataforma Europeia da Educação Digital, que visa cativamente nos últimos anos.
estabelecer uma ligação entre as estratégias de Em conformidade com o Acordo-Quadro dos
educação digital nacionais e regionais e envolver as Parceiros Sociais Europeus sobre Digitalização,
principais partes interessadas e peritos, incluindo as empresas que utilizam tecnologias novas e
as organizações da sociedade civil, com o objetivo emergentes têm a responsabilidade de propor-
de incluir abordagens diferentes vindas de dentro cionar oportunidades adequadas de requali-
e fora do ensino regular (aprendizagem não formal ficação e melhoria de competências a todos
e informal). Mais concretamente, a iniciativa visa: os trabalhadores em causa, para que estes
• estabelecer uma ligação entre as iniciativas e possam aprender a utilizar as ferramentas digi-
os agentes nacionais e regionais em matéria tais, adaptar-se à evolução das necessidades do
de educação digital; mercado de trabalho e permanecer no mesmo.
• favorecer a colaboração intersectorial e novos Segundo um inquérito europeu de 2014 sobre
modelos para o intercâmbio de conteúdos de as competências e o emprego4, mais de 70% dos
aprendizagem digital, abordando questões trabalhadores da UE declararam necessitar de
como normas comuns, interoperabilidade, competências de nível básico (19%) ou médio
acessibilidade e garantia da qualidade. (52%) no domínio das Tecnologias de Informação
e Comunicação (TIC) para desempenharem as
Mais de 90% dos empregos já exigem, no suas funções5. A Figura 1 mostra a situação de
mínimo, competências digitais básicas. No entanto, cada um dos Estados-membros da UE.
de acordo com os indicadores utilizados pela
4 European skills and jobs survey (ESJS), Cedefop.
Comissão, os níveis de competência digital básica 5  Cedefop (2016), “The great divide: Digitalisation and digital skill gaps in
the EU workforce”, #ESJsurvey Insights, No 9, Salónica, Grécia.

Figura 1 - Nível de competências em TIC necessário para a atividade profissional1

1   Nota: os níveis de competências em TIC foram definidos da seguinte forma: nível básico (utilizar um computador,
tablet ou dispositivo móvel para enviar emails ou navegar na internet); nível médio (utilizar programas de
processamento de texto ou criar documentos e/ou folhas de cálculo); nível avançado (desenvolver software,
aplicações ou programar e utilizar sintaxe de computador ou pacotes de análise estatística). Fonte: Cedefop, European Skills and Jobs Survey, 2014.

DIRIGIR & FORMAR 77


EUROPA

Iniciativas da UE visando as competências diferentes de proficiência, que vão de “básico” a


Ações-chave
digitais “altamente especializado”.
eficazes O inquérito europeu sobre as competências digitais6
que podem concluiu que, em 15% dos locais de trabalho da UE, Tirar partido da inteligência artificial
impulsionar as competências digitais do pessoal eram defici- Na Resolução de 25 de março de 2021, o PE salienta
tárias. As lacunas relacionadas com as competên- a importância de a União assumir a liderança no
a adoção de
cias básicas concentravam-se mais nas profissões domínio da educação digital, facilitando o acesso às
IA nas PME técnicas (22%) e elementares (21%), nos vende- inovações e tecnologias para professores, alunos e
começam com o dores (20%) e nos empregados administrativos pais, apelando, neste contexto, a novas iniciativas no
apoio a sistemas (17%), o que ilustra a importância das compe- domínio da educação que tirem plenamente partido
tências digitais básicas para uma vasta gama de das novas tecnologias, como a inteligência artifi-
de educação
profissões. cial (IA) e a robótica, o que também contribuirá para
e formação A UE reconheceu o défice de competências no sensibilizar para as oportunidades e os desafios que
para garantir domínio das TIC há quase duas décadas7. lhes estão associados em contextos educativos.
que as novas Desde 2010, a União lançou diferentes inicia- Recordando que deve ser garantida uma abor-
tivas visando as competências digitais, muitas dagem ética e centrada no ser humano para o uso
competências
vezes no âmbito de medidas mais abrangentes, da IA e da robótica, sublinha que uma utilização inte-
exigidas pelo resultando numa série de ações e iniciativas, reali- ligente da IA pode facilitar e diminuir o volume de
mercado de zadas em paralelo e parcialmente interligadas. trabalho, tornar os conteúdos educativos mais atra-
trabalho sejam O Quadro 1 apresenta uma síntese dessas tivos, facilitar a aprendizagem numa série de disci-
ações e iniciativas8. Como já referido, observa-se plinas e apoiar métodos de ensino mais adaptados
adquiridas.
que desde 2016, apesar de ter sido dada maior às necessidades individuais dos alunos.
ênfase às competências digitais ou básicas, as Nesse sentido, o PE manifesta a sua preocu-
ações continuam frequentemente a incidir noutras pação com a falta de programas de ensino superior
competências, níveis de competências ou grupos- e de investigação específicos em matéria de IA na
-alvo e “esquecem” as competências digitais União, apelando a um maior investimento público
básicas dos adultos. na IA, de forma a aumentar a competitividade da UE.
Em 2013, a Comissão publicou o Quadro Com o intuito de reforçar esse objetivo e de trans-
Europeu de Competências Digitais para os Cidadãos formar a Europa no centro mundial de Inteligência
(DigComp)9, que define o que significa ser “compe- Artificial (IA) confiável12, a Comissão apresentou, no
tente em termos digitais”. A versão mais recente passado dia 21 de abril, o primeiro quadro jurídico de
do DigComp10 apresenta uma descrição porme- sempre sobre IA, que aborda os respetivos riscos e
norizada dos conhecimentos, aptidões e atitudes posiciona a Europa para desempenhar um papel de
de que as pessoas necessitam em cinco domí- liderança a nível mundial. Apresentou igualmente
nios de competências: literacia de informação e o Plano Coordenado (revisto)13 com os Estados-
de dados; comunicação e colaboração; criação ‑membros que, segundo a Comissão, é o próximo
de conteúdos digitais; resolução de problemas; passo na criação de uma liderança global da UE
segurança. Com base na estrutura e na termino- em IA confiável. Assenta na forte colaboração entre
logia do Quadro Europeu de Qualificações (QEQ)11, a Comissão e os Estados-membros estabelecida
o DigComp estabelece também oito níveis durante o Plano Coordenado de 2018.
O novo regulamento da IA ​​garantirá que os euro-
6   ICT for work: Digital skills in the workplace, Relatório final, 2017, ISBN
978-92.79.67761-8. peus possam confiar no que a IA tem a oferecer. Regras
7  Ver eEurope 2002: Impacto e prioridades – Comunicação ao Conselho
Europeu da Primavera, em Estocolmo, de 23 a 24 de março de 2001 proporcionais e flexíveis abordarão os riscos especí-
(COM(2001) 140 final) ou a Declaração Ministerial de 11 de junho de
2006, Riga, Letónia. ficos representados por sistemas de IA e definirão os
8  Para informacao mais detalhada, ver o documento de análise n.º 2
do Tribunal de Contas Europeu, Ações da UE para colmatar o défice de
mais altos padrões de excelência e confiança em todo
competências digitais. o mundo. O Plano Coordenado descreve as mudanças
9   Ferrari, A., DIGCOMP: A Framework for Developing and Understanding
Digital Competence in Europe, JRC, 2013.
10  Carretero, S.; Vuorikari, R. e Punie, Y. (2017), DigComp 2.1: The Digital
Competence Framework for Citizens with eight proficiency levels and 12   https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_21_1682
examples of use, EUR 28558 EN, doi:10.2760/38842. 13   https://digital-strategy.ec.europa.eu/en/library/coordinated-plan-
11  O Quadro Europeu de Qualificações (QEQ) | Europass. artificial-intelligence-2021-review

78 DIRIGIR & FORMAR


Competências para um mundo conectado

Quadro 1 - Ações em curso na UE e respetivos domínios de competências, níveis de competências e grupos etários

Ação da UE Domínio de competências Nível de competências Grupo etário

Sete domínios prioritários,


Agenda Digital para a Europa
incluindo as competências Todos os níveis Dos 16 aos 74 anos
(2010)
digitais e a inclusão
Quadro de competências Digitais Todos os níveis de
Competências digitais Todos os escalões etários
para os Cidadãos (2013) competências
Competências e conhecimentos
especializados na área digital Todos os níveis, mas as
Estratégia para o Mercado Único
referidos especificamente, mas competências básicas são Todos os escalões etários
Digital (2015)
abrangendo também outros referidas especificamente
domínios
Digitalização da Indústria
Foco na digitalização Todos os níveis Todos os escalões etários
Europeia (2016)
Percursos de melhoria de Todos os domínios de
Nível básico<?> Adultos<?>
competências (2016) competências
Coligação para a criação de
Todos os níveis de
competências e emprego na área Competências digitais
competências Jovens e adultos
digital (2016)
Recomendação do Conselho
Oito competências, incluindo a Ênfase nas competências
sobre as competências essenciais Todos os escalões etários
competência digital básicas
para ALV (2018) <?>

políticas e investimentos necessários a nível dos preparando e consolidando o terreno de desen-


Estados-membros para fortalecer a posição de lide- volvimento da IA.
rança da Europa no desenvolvimento de IA centrada São vários os desafios que as MPME enfrentam,
no ser humano, sustentável, segura, inclusiva e fiável. desde os relacionados com a falta de competências
A proposta regulamentar visa fornecer a todos (skills) na equipa técnica ao desconhecimento por
os stakeholders obrigações e requisitos claros em parte da gestão dos benefícios da IA ou até dados
relação a usos específicos de IA. Ao mesmo tempo, (informação) ausentes ou inacessíveis.
a proposta visa reduzir os encargos administrativos Ações-chave eficazes que podem impul-
e financeiros para as empresas, em particular as sionar a adoção de IA nas PME começam com o
pequenas e médias empresas (MPME)14. apoio a sistemas de educação e formação para
De acordo com um estudo recente15, os garantir que as novas competências exigidas pelo
Estados Unidos lideram o futuro digital, com uma mercado de trabalho sejam adquiridas, permitindo
pontuação geral de 44,6 pontos numa escala de que membros da sociedade civil sejam usuários
100 pontos, seguidos pela China com 32 e a União responsáveis e​​ informados de dispositivos de IA e
Europeia com 23,3. respetivos aplicativos.
Não há empresa na Europa que não compreen-
da a necessidade de promover o mercado da União Referências bibliográficas:
https://www.euractiv.com/section/digital/interview/mep-europes-digital-
para difundir globalmente a abordagem da UE à education-strategy-is-key-to-future-recovery/
regulamentação da IA. Se a Europa quiser acom- https://pt.unesco.org/covid19/educationresponse
https://ec.europa.eu/education/education-in-the-eu/digital-education-
panhar a corrida à IA e​​ m todos os sectores econó- action-plan_pt
https://www.sulinformacao.pt/2020/12/europa-digital-apostar-na-decada-
micos, deve ser célere a criar e promover políticas da-educacao-digital/
e iniciativas concretas que, neste âmbito, apoiem CURTARELLI, M. e GUALTIERI, V. com SHATER JANNATI, M. e DONLEVY, V., ICT
for work: Digital skills in the workplace, Relatório final, 2016.
as MPME, a espinha dorsal da economia da UE, deap-factsheet-sept2020_en.pdf (europa.eu)
TRIBUNAL DE CONTAS EUROPEU, Ações da UE para colmatar o défice de
competências digitais - Documento de análise PT n.º 2.
14  Regulatory framework on AI | Shaping Europe’s digital future (europa.eu) Rethinking the classroom after COVID-19: Insights and innovations from
teachers. www.globalteachinginsights.org
15  https://itif.org/publications/2021/01/25/who-winning-ai-race-china- Rethinking the Classroom - Research - Herman Miller
eu-or-united-states-2021-update

DIRIGIR & FORMAR 79


TOME NOTA
TOME NOTA
A CRISE E OS RISCOS DE DESEMPREGO
A CRISE E OS RISCOS DE DESEMPREGO
AUTOR: Nuno Gama de Oliveira Pinto, Professor Universitário e Investigador Sénior (CEI-IUL; IPRI-NOVA; UAB) FOTOS: Shutterstock

tempo de trabalho reduzido. Este apoio relatórios subsequentes que deverão ser
ajudará as empresas e contribuirá para apresentados semestralmente.
manter postos de trabalho”, referiu a
presidente da Comissão Europeia, Ursula
von der Leyen.
Recentemente, a Comissão Europeia
publicou a primeira avaliação preliminar
sobre o impacto gerado pelo instru-
mento SURE, estimando que este possa
ter permitido aos Estados-membros Cooperação inter-regional
pouparem cerca de 5,8 mil milhões de Duas regiões portuguesas, Norte de
euros em juros devido à elevada notação Portugal e Médio Tejo, estão envolvidas
de crédito da União Europeia. em projetos promovidos pela Comissão
“Pela primeira vez na história, a Europeia que visam apoiar o desenvol-

O
instrumento europeu de apoio Comissão emitiu obrigações sociais vimento de parcerias inter-regionais
temporário para atenuar os riscos nos mercados para mobilizar fundos em quatro domínios considerados
de desemprego numa situação que contribuíram para manter postos de prioritários:
de emergência, denominado SURE, já trabalho durante a crise. Como demonstra • soluções inovadoras relacionadas
disponibilizou mais de 94 mil milhões de o relatório sobre o Instrumento Europeu com o coronavírus;
euros a 19 Estados-membros da União de Apoio Temporário para Atenuar os • economia circular na saúde;
Europeia (UE), entre os quais Portugal. Riscos de Desemprego numa Situação • turismo sustentável e digital;
Os empréstimos concedidos por este de Emergência, o impacto positivo sobre • tecnologias do hidrogénio em regiões
novo instrumento de apoio criado pela as empresas e os respetivos trabalha- com utilização intensiva de carbono.
Comissão Europeia destinam-se, sobre- dores é concreto e tangível”, salientou
tudo, a cobrir os custos diretamente Johannes Hahn, comissário responsável A parceria RegioTex, em que parti-
relacionados com o financiamento pelo Orçamento e a Administração. cipam 16 regiões com projetos na área
dos regimes nacionais de redução do O documento de avaliação, publi- da inovação têxtil, é liderada pela região
tempo de trabalho, assim como de cado pela Comissão Europeia, sobre Norte de Portugal. Por seu lado, a região
outras medidas com vista a preservar o instrumento SURE é o primeiro rela- do Médio Tejo é uma das 12 regiões que
o emprego que tenham sido adotadas tório semestral dirigido ao Conselho, integram a parceria europeia dos vales
em resposta à pandemia de Covid-19, ao Parlamento Europeu, ao Comité do hidrogénio, inserida no domínio das
nomeadamente dirigidas aos trabalha- Económico e Financeiro e ao Comité do tecnologias do hidrogénio em regiões
dores independentes. Emprego. Nos termos do artigo 14.º do com utilização intensiva de carbono.
“A nossa prioridade é salvar as vidas regulamento deste novo instrumento Com o lançamento desta iniciativa, a
e também os meios de subsistência das de apoio, a Comissão estava legalmente Comissão Europeia pretende incentivar
pessoas. A União Europeia está a mobi- obrigada a apresentar o primeiro rela- a cooperação inter-regional no domínio
lizar até 100 mil milhões de euros em tório de avaliação sobre o SURE no prazo da inovação como forma de responder à
empréstimos concedidos aos países da de seis meses a contar da data da sua crise económica e social provocada pelo
UE, para ajudar a financiar regimes de ativação, o mesmo sucedendo com os novo coronavírus.

80 DIRIGIR & FORMAR


DIRIGIR & FORMAR 81
Estamos
online e mais
perto de si.
Encontre o melhor
para si no IEFP,
o seu serviço público
de emprego.

ligue-se a nós em iefponline.iefp.pt

Sempre consigo.
82 DIRIGIR & FORMAR

Você também pode gostar