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Experiências metodológicas para compreensão

da complexidade da cidade contemporânea


I . EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO
Paola Berenstein Jacques e Washington Drummond (Org.)
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
REITOR João Carlos Salles Pires da Silva
VICE REITOR Paulo César Miguez de Oliveira
Assessor do Reitor Paulo Costa Lima

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA


DIRETORA Flávia Goulart Mota Garcia Rosa

CONSELHO EDITORIAL
Alberto Brum Novaes
Angelo Szaniecki Perret Serpa
Caiuby Alves da Costa
Charbel Niño El-Hani
Cleise Furtado Mendes
Dante Eustachio Lucchesi Ramaccioti
Evelina de Carvalho Sá Hoisel
José Teixeira Cavalcante Filho
Maria Vidal de Negreiros Camargo

FACULDADE DE ARQUITETURA
DIRETORA Naia Alban Suarez

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO


COORDENADOR Luiz Antônio Cardoso

GRUPO DE PESQUISA LABORATÓRIO URBANO


COORDENADORA Paola Berenstein Jacques

secretaria de ciência,
tecnologia e inovação

PRONEM - Programa de Apoio a Núcleos Emergentes


Experiências metodológicas para compreensão
da complexidade da cidade contemporânea
I . EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO
Paola Berenstein Jacques e Washington Drummond (Org.)

SALVADOR . EDUFBA . 2015


2015, autores
Direitos para esta edição cedidos à Edufba.
Feito o Depósito Legal.

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de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.

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SUMÁRIO

PESQUISAS
CALEIDOSCÓPIO: processo pesquisa
11
Paola Berenstein Jacques,
Washington Drummond

SISMÓGRAFO: revista Redobra


29

Paola Berenstein Jacques, Fabiana Dultra


Britto, Washington Drummond
MONTAGENS
redobra 09

REDOBRA 10

REDOBRA 11

REDOBRA 12

REDOBRA 13

REDOBRA 14

64 84 98 112 130 142


Paola Berenstein Jacques,
Washington Drummond, Janaína Chavier,
Daniel Sabóia e Patricia Almeida
LABORATÓRIO:

159
desdobramentos defendidos
Eduardo Rocha Lima

DIAGRAMA

Daniel Sabóia
Janaína Chavier
172.

Patricia Almeida
PESQUISAS
CALEIDOSCÓPIO: PROCESSO PESQUISA

Paola Berenstein Jacques


Arquiteta-urbanista, professora PPG Arquitetura e
Urbanismo UFBA, pesquisadora CNPq, coordenadora
Laboratório Urbano, responsável institucional UFBA e
coordenadora geral PRONEM

Washington Drummond
Historiador, professor História e PPG Pós-Crítica
UNEB, professor PPG Arquitetura e Urbanismo UFBA,
membro Laboratório Urbano, responsável institucional
UNEB e coordenador atividades PRONEM

Eu sentia, ao caminhar, meus pensamentos se movimentarem como


um caleidoscópio, a cada passo uma nova constelação: antigos ele-
mentos desaparecendo; outros surgindo; muitas figuras.

Walter Benjamin

Nunca houve uma época que não se sentisse ‘moderna’ no sentido


excêntrico, e que não tivesse o sentimento de se encontrar à beira
de um abismo. A consciência desesperadamente lúcida de estar em
meio a uma crise decisiva é crônica na história da humanidade. Cada
época se sente irremediavelmente nova. O ‘moderno’, porém, é tão
variado como os diferentes aspectos de um mesmo caleidoscópio.

Walter Benjamin

11
Também chamado de “transfigurador” ou “óculos francês” (lunette
française), o caleidoscópio, esse instrumento ótico que também é
um tipo de brinquedo, faz parte tanto da cultura visual da moder-
nidade (um período ou tempo caleidoscópico1, segundo Ernst Blo-
ch) quanto de nossa própria infância, sua estrutura mais simples
é composta de um tubo formado por três espelhos laterais onde se
insere pequenos pedaços, fragmentos ou cacos de vidro, conchas
ou outros objetos, sobre um fundo translúcido. Esses objetos co-
loridos se refletem na tripla superfície espelhada e se combinam
quando se gira o instrumento, produzindo uma infinidade de com-
binações de imagens, que dependem também, obviamente, da luz
externa e do que observamos fora do instrumento. Os cacos, colo-
cados no seu interior, se transformam continuamente formando
uma série de montagens, desmontagens e remontagens de figuras
que se multiplicam. Basta o observador girar o instrumento, mu-
dar o ângulo de observação ou o que observa ao fundo para que
novas configurações, sempre provisórias, apareçam. A cada vez,
emerge um novo arranjo, surge outra composição, a partir da com-
binação ao acaso dos cacos erráticos, do ângulo da tríade de espe-
lhos internos ou do foco da observação e luz externa. A cada vez,
a partir da justaposição de múltiplos elementos, ângulos e focos,
o caleidoscópio mostra uma nova configuração mutante, uma or-
dem se desfaz e outra se forma. A cada mudança, em qualquer uma
dessas posições, surgem novas “com-posições”.
Nosso processo da pesquisa “Laboratório Urbano: Experiências
metodológicas para a compreensão da cidade contemporânea”,
do Programa de apoio a Núcleos Emergentes (PRONEM, Conse-
lho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/ Fun-
dação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia, doravante cha-
maremos a pesquisa simplesmente de PRONEM) foi, sem dúvida

12 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


alguma, um processo caleidoscópico, ao compormos uma mul-
tiplicidade de configurações momentâneas, sempre polifônicas,
sem qualquer possibilidade de algum tipo de síntese unitária final,
fixa. Nossas conclusões, portanto, foram sempre provisórias e efê-
meras. Mas um outro tipo de conhecimento é possível a partir do
caleidoscópio, antes de mais nada um reconhecimento de que para
se contemplar nosso múltiplo “objeto” – a compreensão da com-
plexidade da cidade – seria preciso aceitar a impossibilidade de
um só método, um só caminho, e também explorar uma multiplici-
dade metodológica e temática. O caleidoscópio, um brinquedo de
estrutura simples, que toda criança já experimentou, nos mostra
uma forma complexa de ver, de compor, de pensar, desmontando
qualquer tipo de unidade, qualquer tipo de certeza fixa, sedentária
ou sedimentada, e remontando, a partir da complexidade calei-
doscópica, uma multiplicidade de outras possibilidades compo-
sitivas, de outros pontos de vista, e também, de outras formas de
apreensão e outras maneiras de compreendermos a complexidade
da cidade contemporânea.
Desde seu projeto inicial, a pesquisa PRONEM se propunha a
investigar as relações entre experiências metodológicas e com-
preensão da complexidade da cidade. Assim, a metáfora do calei-
doscópio serve tanto para explicar minimamente os resultados
provisórios da pesquisa, a multiplicidade das experiências meto-
dológicas de apreensão urbana que esta publicação busca remon-
tar para trazer a público, quanto para mostrar, como um princípio
teórico-metodológico, nosso próprio processo, polifônico e dis-
sensual, de pesquisa coletiva. Ao longo da pesquisa, chegamos à
nossa tríade temática principal que funcionou como uma linha de
pesquisa transversal: experiência, apreensão, urbanismo. Esses
três temas são como nossos espelhos internos que formam o calei-

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 13


doscópio, os cacos de vidro internos são as contribuições de todos
pesquisadores e convidados da pesquisa, e o foco externo, a cidade.
Para tornar ainda mais complexo nosso processo, essa linha trans-
versal, que poderia ser vista agora também como o corpo do apare-
lho-brinquedo-caleidoscópio, foi constantemente atravessada por
outras três tríades, que também poderiam ser três espelhos mais
específicos (como novas camadas/filtros dos três espelhos ante-
riores) de nosso aparelho de apreensão: subjetividade, corpo, arte;
alteridade, imagem, etnografia; memória, narração, história. Nos-
so caleidoscópio podia tanto trocar de espelhos, ao especificá-los
com novas camadas, quanto os sobrepor.
A linha transversal principal – experiência, apreensão, urbanismo
– se desdobrou então, por uma necessidade de maior especificação
de nossos três temas ao buscarmos compreender a complexidade
de forma mais fina, em mais três linhas secundárias, mais espe-
cíficas. Afinal, foram três tipos específicos de experiência urba-
na que mais nos instigaram e interessaram ao longo do processo
de pesquisa, as experiências de subjetividade, de alteridade e de
memória. Três tipos de registro de apreensão foram também os
mais explorados: pelo corpo, pela imagem e pela narração. E, três
campos disciplinares externos foram os que mais nos ajudaram a
tensionar o campo do urbanismo, a partir de seus limiares: a arte
(e estética), a etnografia (e antropologia) e a história (e historio-
grafia). Assim, cada linha do espelho contém também sua própria
tríade interna, o que multiplica nossas possibilidades de reflexos,
de espectros, de sobreposições e, portanto, de novas configura-
ções, sempre transitórias.
Tanto em nossos estudos teóricos quanto em nossos trabalhos de
campo, ou ainda em nossos seminários de articulação e seminários
públicos2, ao longo dos três anos dessa pesquisa, buscamos con-

14 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


templar uma multiplicidade de vozes, falas, narrativas, autores,
interlocutores, debates e, também, uma multiplicidade de campos
e temas. A própria equipe da pesquisa foi variável, apesar de um
núcleo mais estável de pesquisadores professores, tivemos vários
pesquisadores estudantes e outros convidados que entraram e
sairam da equipe durante o processo. Essa profícua, mas também
por vezes pertubadora, polifonia, que atravessou vários campos
de conhecimento e temas distintos, foi devidamente registrada
em seis edições do que chamamos de nosso sismógrafo privilegia-
do da pesquisa, a revista Redobra, publicada semestralmente (ver
capítulo 2). O relato que se segue, busca trazer, de forma precária
e provisória, algumas das questões debatidas internamente pelo
grupo da pesquisa ao longo dos nossas reuniões da pesquisa. Este
relato deve ser visto também como polifônico e dissensual, e bas-
tante parcial, uma vez que também não chegamos, e nem buscáva-
mos chegar, a qualquer tipo de consenso ou, como já foi explicado
acima, a qualquer tipo de configuração fixa ou consolidada.
Inicialmente, na fase que chamamos de caracterização do proble-
ma (primeiro ano da pesquisa), problematizamos conceitualmen-
te os processos de privatização e espetacularização dos espaços
públicos e uma suposta deterioração da experiência corporal das
cidades3. Buscamos contextualizar histórica e teoricamente o
problema e também situar nossos pressupostos ao identificar as
conexões existentes entre todos os projetos já realizados e/ou em
andamento pelos integrantes de nossa equipe, de modo a permitir
o debate sobre a proposição de princípios capazes de avaliar a per-
tinência de diferentes metodologias de apreensão da complexida-
de das cidades contemporâneas. Partimos, assim, da hipótese mais
geral da pesquisa, segundo a qual as cidades contemporâneas pas-
sariam por dois processos simultâneos e complementares: por um

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 15


lado, um movimento de espetacularização, e privatização, do espa-
ço público e, por outro, um empobrecimento da experiência urba-
na ou das formas (e métodos) de experienciação da cidade. Assim
sendo, as três noções principais que foram discutidas giraram em
torno da “privatização do espaço público”, “experiência” e “méto-
do”, discutidos a partir dos conceitos de dobra, comum e exceção.
Em decorrência dos ricos debates, parte das hipóteses de trabalho
foram questionadas e reavaliadas, sobretudo a ideia de  “empobre-
cimento” da experiência urbana. O saudável dissenso permanente
entre os diferentes pesquisadores do grupo, nossos cacos erráticos
do interior do caleidoscópio, produziu debates frutíferos para o
andamento da pesquisa coletiva.
Neste momento, algumas questões importantes foram colocadas
para o grupo, dentre elas: como reformular as práticas da pesqui-
sa urbana que não seriam mais suficientes para compreender a
complexidade da cidade e, em particular, as formas de apreensão
da cidade, ou melhor, as formas de apreensão da experiência urba-
na contemporânea? Rapidamente percebemos que nossa hipótese
original era simplista demais – a relação direta entre espetaculari-
zação da cidade e empobrecimento da experiência urbana – além
da questão ser bem mais complexa, percebemos que seu foco de-
veria estar mais na própria noção de experiência e, sobretudo, em
suas formas de transmissão hoje. O que estaria empobrecida, desde
a modernidade, não seria a experiência em si, a vivência (Erlebnis)
da cidade, mas suas formas de transmissão, a experiência com-
partilhada (Erfahrung, como diria Benjamin), o que nos trouxe um
novo problema, o da narrativa e, em particular, do que chamamos de
narrativas urbanas. Como narrar nossa experiência urbana hoje?
Como considerar as pequenas narrativas cotidianas? Também per-
cebemos, e logo passamos a buscar evitar, tanto uma falsa dicoto-

16 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


mia entre prática e teoria, entre empiria e abstração, quanto uma
falsa autonomia da metodologia com relação ao próprio processo
de pesquisa e ao “objeto” estudado. Passamos, assim, a tentar enfo-
car mais criticamente a questão da narrativa (estética e científica)
ao tempo em que problematizávamos sua relação com o sujeito e a
experiência. Nos parecia claro, desde o princípio da pesquisa, que a
produção teórica e as experiências empíricas de campo (etnográfi-
cas ou artísticas) precisariam permanentemente se confrontar, se
atritar, se tensionar. Daí surgiram uma série de dissensos, dúvidas
e impasses, e nosso desafio, portanto, passou a ser buscar associar,
de maneira não dual ou simplista (de forma um pouco heterodoxa
talvez), a complexa trama entre experiência, sujeito e narrativa.
Passamos a nos questionar de forma mais radical sobre: a ex-
periência como dissolução do sujeito e sua reelaboração sob as
circunstâncias históricas; o apagamento do autor como forma
mesma de aparição; a narração compreendida como uma luta acir-
rada entre a expressão e o dispositivo que a possibilita. Tentamos
problematizar, sobretudo, “o que é narrado?” e, em particular, al-
guns sujeitos que pouco narram ou são narrados: os praticantes
ordinários (De Certeau), os homens infames (Foucault, Borges),
os anônimos (Magnavita), os errantes (Jacques), os sem nome
(Benjamin, namenlosen) etc. Como buscar uma forma mais alegre
(“Gai Savoir”, como diria Didi Huberman, a partir de Nietzsche),
como compreender o que não conhecemos ou desconhecer o que
pensamos compreender: as cidades, suas formas de apreensão,
suas formas de experiência, suas diferentes narrativas possíveis e
aqueles que as narram ou são narrados. Quem narra? O que narra?
Como narra? Alguns rastros de respostas surgiram quando nos in-
quirimos sobre a possibilidade mesma do ato de narrar, agora en-
tendido como imerso em um campo de forças: “quem narra” pode

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 17


ser um “isso”, não necessariamente um “eu”, que se desfaz e se re-
faz em moto contínuo no interior da história e dos “dispositivos”
que o interceptam, capturam, orientam; a narração/narrativa se
alimenta do jogo expressivo entre desaparecimento e aparição dos
seus personagens mais caros: os que mais transitam, acionam a ci-
dade como os anônimos ou os infames (alvos dos processos de es-
petacularização); a experiência historicizada pode passar, então, a
ser compreendida como estruturadora de um possível sujeito em
suspensão ou em elisão. No limite e de forma ainda mais radical:
qual seria a narração possível da experiência urbana de um sujeito
que se esvai na cidade (ou é removido de suas áreas mais centrais
e nobres)? Como a narração se abate sobre corpos em movimento
e os nomeia e classifica em suas variações? Quais seriam os acor-
dos e desacordos dessas práticas narrativas? Como entendê-las
não mais como um fluxo continuo e harmonioso entre o sujeito e
a experiência, mas como fruto de práticas disruptivas e instáveis?
Por outro lado, a questão estética (e artística) rondou nossas ações
desde os textos dos ou sobre os surrealistas como, também, os de
seus devedores, os situacionistas, até as recriações literárias. Mas
qual seria a mediação possível a partir de questões estéticas e teó-
ricas nas investigações sobre o urbano? Sobretudo, a muito evo-
cada condição criativa do homem contemporâneo, que para nós,
era o habitante ordinário da cidade. A primeira questão que nos
chegou foi o protagonismo do corpo, da experiência corporal, na
apreensão da cidade, o que nos debates indicaria não apenas um
vetor de diferenciação, mas a tentativa de superação de um exer-
cício investigativo que se caracterizaria, por um lado, pela postura
de “gabinete”, por uma excessiva aventura teoricizante e, por ou-
tro, pela inclusão do corpo no campo e da gestualidade, do ato de
pesquisa como ato de presença e, daí, seu primeiro viés “etnográ-

18 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


fico” e narrativo (também estético): uma etnografia mais  “selva-
gem” que complementaria e tensionaria as questões já elaboradas
pelos conceitos e pela abstração teórica. Um desafio permanente
era o de não negligenciar os possíveis perigos advindos de uma
“naturalização” ou de uma “heroicização” dessas práticas. As cir-
cunstâncias que nos ameaçavam, nesse momento em particular
sobretudo com relação ao papel e postura do pesquisador no cam-
po, nos incitaram a procurar outros caminhos de compreensão e
apreensão da cidade que não passassem ao largo de uma análise de
nossos principais enfrentamentos éticos e políticos.
A figura do homem urbano ordinário e sua experiência urbana co-
tidiana surgiu como um dos principais sujeitos de nossas investi-
gações, sendo travado um corpo a corpo teórico para estabelecer-
mos os quadros analíticos, seja de sua submissão às novas formas
de controle e assujeitamento, seja às novas táticas de enfrenta-
mento que esses mesmos homens não cessam de criar na cidade.
Nestas oportunidades, foi possível discutirmos aspectos impor-
tantes para a continuidade da nossa pesquisa, como: o problema
de metodologias e procedimentos fixados como “modelo” de mé-
todo; as possibilidades e limites do uso da cartografia como re-
curso de narração da experiência (que é processual) de apreensão
da cidade; os modos de apreensão da cidade possibilitados pelas
ações artísticas; as possibilidades e os limites das ações artísticas
como experiência crítica de apreensão da cidade; o problema da
formulação narrativa sobre a experiência e o debate sobre a função
e os modos do compartilhamento da experiência; as possibilidades
etnográficas ou artísticas de apreensão da cidade pelo uso de dife-
rentes dispositivos de registro, como câmeras (fotografia e filme/
vídeo), e os problemas éticos da sua interferência e do seu papel na
própria experiência de apreensão da cidade.

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 19


Um produtivo dilema surgiu: como abandonar os cânones das pes-
quisas urbanas e iniciar uma outra prática, que leve em conta tan-
to o fazer estético quanto uma adaptação/reinvenção do exercício
etnográfico? De qualquer forma, parte-se da arte e da etnografia,
uma arte que também faz tentativas no campo e busca o espa-
ço urbano como campo expandido, um exercício etnográfico que
também se aproxima da arte como as investigações dos surrealis-
tas e dos pesquisadores do Musée de l’Homme (Paris), que alguns
definem como uma etnografia  “selvagem”, assim como algumas
práticas narrativas antropológicas, que atuaram na indistinção
entre relato etnográfico e ficcionalização (literatura), entrando em
campo um conjunto de narrativas. Buscávamos articular também
as atividades experiênciais e metodológicos com a narração das
mesmas. Este foi o enfoque dado ao que chamamos de confronta-
ção do problema (correspondente ao segundo ano da pesquisa), as
possibilidades de articulação dos estudos teóricos, das formula-
ções produzidas por autores nacionais e estrangeiros4 seleciona-
dos por problematizarem conceitualmente os problemas a serem
confrontados pela pesquisa, com a prática empírica realizada nos
trabalhos de campo dedicados a experimentações metodológicas
de apreensão da cidade.
Algumas questões já trabalhadas retornaram como um ritornelo
(Deleuze/Guattari) e, em particular, as relações entre experiência,
sujeito e narrativa. Qual seria a experiência possível no âmbito da
apreensão da cidade contemporânea? Da hipótese inicial – o su-
posto “empobrecimento” da experiência – partimos para definir as
experiências formadoras do sujeito, contrapondo-a ao experimen-
to, e delimitando-a enquanto instância tanto formadora quanto
desconstrutora (um tipo de desmontagem) dos sujeitos históricos,
marcados pelo esquadrinhamento de saberes e poderes, imersos

20 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


em processos narrativos. Constatou-se que a análise da experiên-
cia nos lançava na redefinição do sujeito e da subjetividade, e dos
processos de subjetivação, como formas abertas marcadas pelas
circunstâncias frente aos dispositivos de regulação e de contro-
le – aqui flagramos as formações técnicas e seu uso nos níveis
do consumo e da submissão às estruturas dominantes. A própria
possibilidade da narrativa restava impactada por essa reavaliação
do sujeito e de sua experiência no processo de apreensão da vida
urbana contemporânea. Como o sujeito, através da narrativa, se
torna autor/ator se a própria experiência pode atuar como desre-
ferencializadora? O sujeito como aparição e precariedade narraria
o quê? Seu próprio desaparecimento? Como os processos brutais
de territorialização/desterriotrialização do sujeito implicaria nas
formas narrativas? Voltavam as perguntas: O que se narra? Quem,
e o quê, narra? Aproximávamos do entendimento do autor, assim
como do sujeito, não mais essencializado, mas como um lugar ocu-
pado, mediado pelos dispositivos, definidos enquanto conjuntos
heterogêneos de redes discursivas, aparatos técnicos etc. Fez-se
necessário um estudo mais aprofundado da constituição desse su-
jeito entre dispositivos.
As figuras do infame, do errante, do anônimo e dos sem nome sur-
giram como estratégias de caracterização de um tipo de indivíduo
urbano (ligado à experiência da alteridade) levando em conside-
ração os dispositivos que o constrangem a aparecer, deslocar-se,
narrar (e ser narrado), compartilhar e desaparecer. Os textos sobre
os infames, errantes, anônimos, sem nome, tanto literários quanto
filosóficos, contribuíram para que a pesquisa avançasse abrindo
importantes caminhos teóricos. Quem eram esses sujeitos? Como
nos auxiliariam na nossa pesquisa? Qual o seu caráter de infâmia
e que tipo de narração colocavam como problema? Um primeiro

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 21


problema suscitado pelos infames era a nossa própria posição éti-
ca enquanto pesquisadores, produtores de narrações sobre sujei-
tos que estavam fora do âmbito da pesquisa. O segundo momento
-problema seria a acuidade das caracterizações a que chegamos e
a fragilidade de sua aplicação, o que nos demandaria apontarmos
nossos esforços em defini-los melhor ao tempo que acompanha-
ríamos com bastante cuidado os desdobramentos dessas caracte-
rizações pelos pesquisadores do grupo. Ao menos duas vertentes
interpretativas, não excludentes, se delinearam estabelecendo im-
portantes vias comunicantes entre elas: uma, que procurava deli-
mitar esse sujeito, em seu envolvimento com os aparatos técnicos
urbanos de registro e vigilância, no âmbito da cidade e associado a
um conjunto de práticas sob normatização; e outra, que, assumin-
do a submissão generalizada aos dispositivos técnicos defendia a
condição de infame/errante/anônimo/sem nome como nossa pró-
pria condição contemporânea e, também, como uma forma de re-
sistência e de potência.
Os trabalhos de campo precisaram de uma outra temporalidade,
mais longa, e foi necessária uma maior experimentação de meto-
dologias de apreensão da cidade, de modo a permitir a compreen-
são das transformações ocorridas pela continuidade da própria
experiência metodológica ou experimento de campo. Foram es-
tabelecidos diferentes protocolos de ação/investigação em per-
cursos realizados em diferentes partes da cidade, em particular
onde estavam ocorrendo processos de privatização e espetacula-
rização do espaço público, e uma série de enfoques metodológicos
específicos foram “testados” como: cartografia da ação, cartografia
sensorial, etnografia “selvagem”, etnografia tradicional, ações ar-
tísticas, performances, história oral, micro-história, arqueologia,
errâncias, insistências urbanas etc.

22 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


No momento de sistematização do problema (terceiro e último
ano da pesquisa) buscamos organizar todas as resultantes da pes-
quisa alcançadas pela realização de suas atividades nos dois anos
anteriores, articulando os subsídios teóricos às experiências em-
píricas de apreensão da cidade contemporânea. Ao tentarmos uma
primeira avaliação do percurso da pesquisa para a possível iden-
tificação dos pontos de inflexão produzidos, começamos a tatear,
sem defini-las ainda, nossas tríades-espelhos do caleidoscópio já
citadas. Percebemos nesse momento também que tínhamos traba-
lhado mais nos campos da etnografia/alteridade e da arte/subjeti-
vidade do que naquele da história/memória.
Foi nesse momento que realizamos um dos mais prazerosos exer-
cícios dessa pesquisa, partindo de um texto de Willi Bolle, “Paris
na Amazônia: um estudo de Belém pelo prisma das Passagens”, em
que o autor desenvolve um estudo narrativo da cidade de Belém/PA
tomando o trabalho das Passagens de Walter Benjamin como “mo-
delo” de narração histórico-crítica da cidade, passamos a discutir
seus aspectos metodológicos de tratamento das categorias benja-
minianas na construção da apreensão histórica e mnemônica feita
sobre a cidade. Reconhecendo neste procedimento uma eficiente
metodologia para apreensão da cidade, que inclui a discussão da
tensão entre história e memória e, também, da polêmica do ana-
cronismo, decidimos realizar uma experiência semelhante sobre
a cidade de Salvador, contudo, tomando por base, outro texto do
mesmo Benjamin: “Paris, capital do século XIX”. Estabelecemos,
por ponto de partida, a frase de Michelet, citada por Benjamin,
segundo a qual “cada época sonha a seguinte”, para propormos ao
grupo um exercício de apreensão da cidade de Salvador, pelo que
foi sonhado na época/século anterior, mas que ainda sobrevive (a
ideia de Nachleben, de Aby Warburg, uma emergência, a partir de

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 23


detalhes ou lampejos, de um tempo em outro) no nosso presente.
Decidiu-se, então, partir das memórias do professor Pasqualino
Romano Magnavita (professor émerito da Universidade Federal
da Bahia e membro da nossa equipe de pesquisa) sobre sua própria
vivência de Salvador na primeira metade do século XX, para bus-
car articulá-las às percepções atuais da cidade pelos pesquisado-
res integrantes da pesquisa.
Ao trabalharmos a questão da narrativa histórica e, sobretudo, da
memória involuntária, sempre falha, incompleta, feita de cacos e
restos de vivências, várias questões importantes surgiram, alguns
temas benjaminianos já debatidos ao longo da pesquisa ressurgi-
ram, como a ideia de constelação de narrativas, de ficcionalidade,
de fragmentos, ideias que já tinham surgido nas tentativas, muitas
vezes frustradas, de narrar nossas experiência de campo. Podemos
claramente associar a ideia de constelação de narrativas ou frag-
mentos de narrativas (ou micronarrativas) à ideia de montagem e,
também, à ideia já citada aqui, de caleidoscópio. O caleidoscópio é
formado também pelos cacos erráticos feitos de restos de outros
materiais que, ao se associarem, formam outras e surpreendentes
imagens diferentes a cada vez que giramos o aparelho/brinquedo,
pode ser visto também como processo de criação ficcional. Não
podemos nos esquecer aqui da visão benjaminiana do historiador
como um tipo de trapeiro (Lumpensammler) que cria/narra a his-
tória com os próprios resíduos/detritos aliada a sua definição da
memória como campo de elaboração do passado. A história como
um conjunto “trabalhado” pelo historiador-trapeiro a partir de
uma coleção (ou constelação) de resíduos, de detritos, de restos,
de cacos, de fragmentos ou de pequenos detalhes, como diria Aby
Warburg, autor do famoso Atlas Mnemosyne (nome da deusa grega
da memória)5, que insistia: “o bom Deus [da memória?] mora nos

24 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


detalhes”. Como narrar, ou dar visibilidade, a todas esses minúscu-
los rastros de vida, essas breves frestas de resistências e potências,
essas poeiras de diferentes experiências urbanas, que ainda sobre-
vivem entre nós? Como esses fragmentos (rastros mnemônicos de
vivências e experiências da cidade) se insinuam em nossa própria
tessitura histórica provocando disrupções narrativas?
No mais simples caleidoscópio, os cacos ou fragmentos de vidro
coloridos, ao se refletirem nos três espelhos, formam uma míriade
de reflexos, provocados pela luz, criando várias imagens sempre
diferentes. Para isso, precisamos olhar pela abertura do aparelho,
do brinquedo, e girá-lo ou fazer um movimento qualquer, o que
mostra que sempre temos também diferentes temporalidades em
jogo, trata-se de uma questão de ritmo, que depende de uma mul-
tiplicidade de fatores. Não trata-se aqui exatamente de uma nova
forma de ver a cidade, de simplesmente olhá-la pelo prisma do
caleidoscópio, mas sim, de pensar o próprio caleidoscópio como
um paradigma teórico e metodológico, que possibilita sempre
múltiplas combinações a partir dos três espelhos, que são aqui,
no caso dessa pesquisa, como já explicamos antes, as nossas di-
ferentes tríades-linhas temáticas. Não nos interessa buscar uma
única “nova” metodologia a ser aplicada e replicada, também não
nos interessa engessar métodos ou outros procedimentos, mas
sim abrir o nosso campo de conhecimento, no nosso caso, o campo
do urbanismo, para uma pluralidade de possibilidades e de des-
vios. Acreditamos que o melhor caminho a se seguir (mét – hodos,
caminho que segue) seja exatamente multiplicar os caminhos
possíveis, refleti-los e tensioná-los/colidi-los uns nos outros, exa-
tamente como fazem os espelhos e os cacos de vidro do caleidos-
cópio. Ao contrário de uma única síntese, criar vários agregados,
justaposições ou conglomerados (para falar como o artista Hélio

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 25


Oiticica). O divertido jogo de reflexos do caleidoscópio permite
transformações permanentes, tanto de imagens quanto de nossas
certezas. Segundo Georges-Didi Huberman:

Essa estrutura caleidoscópica não pode de forma alguma se deixar


ser reduzida a um procedimento específico. O caleidoscópio, em
Benjamin, é um paradigma, um modelo teórico. Ele surge, de forma
significativa, no contexto onde é questionada a estrutura do tempo.
Sob o ângulo da variedade cintilante de suas combinações, o calei-
doscópio caracterizará, por exemplo, a modernidade segundo Ben-
jamin.6

Didi-Huberman, como Benjamin, sempre interessado nas possibi-


lidades infindáveis de montagens, desmontagens e remontagens,
nos fala da “magia” do caleidoscópio, que seria como uma caixa de
truques, um tipo de caixa mágica:

No caleidoscópio, a poeira de pequenos objetos continua errática,


mas ela é fechada em uma caixa de truques, uma caixa inteligente,
uma caixa para estrutura e de visibilidade. Lente ocular, vidro fosco
e pequenos espelhos habilmente dispostos dentro do tubo transfor-
mam assim a disseminação do material – disseminação portanto
reconduzida, renovada, confirmada a cada movimento do objeto –
em uma montagem de simetrias multiplicadas. Nesse momento, os
agregados se tornam formas, estas “formas brilhantes e variadas”, de
que falam todos os textos dessa época. Mas, nessa mesma varieda-
de, o espectador não pode se esquecer, balançando o aparelho para
uma nova configuração, que a própria beleza das formas se deve a sua
disseminação e ao agregado como princípio constitutivo, sua perma-
nente condição de negatividade dialética. A magia do caleidoscópio
depende disso: a perfeição fechada e simétrica das formas visíveis
devem sua riqueza inesgotável à imperfeição aberta e errática de
uma poeira de detritos. 7

26 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


Seguindo tanto Benjamim quanto Didi Huberman, podemos dizer
que o caleidoscópio proporciona essa montagem mágica e ana-
crônica, criada a partir das configurações, composições e ima-
gens sempre “sacudidas”, ou seja, imagens que são resultantes de
uma  “sacudida” que força uma colisão entre os espelhos e entre
esses e os pequenos cacos de vidro, “poeira de detritos”, que ficam
dentro do aparelho. Essas composições sempre renováveis são en-
tão resultantes de um tipo de “disseminação” errática, como diz
Didi Huberman, de uma desmontagem na própria estrutura do que
está sendo visto, e também, uma desmontagem das formas como
estas estão sendo vistas e, porque não, das formas de apreensão da
cidade contemporânea e também, das formas de criação de novas
metodologias e do próprio processo de condução de pesquisas .

NOTAS E REFERÊNCIAS
1_ Ernst Bloch, comentando um caleidoscópico, uma ‘revista’».
livro de Walter Benjamin que tinha Tradução nossa da edição inglesa
sido lançado naquele momento, (do original em alemão de 1935) do
em 1928, (Einbahnstraße), já via a prefácio do livro de Ernst Bloch,
própria modernidade das vanguardas Heritage of our times, Cambridge,
dos anos 1920 como um período Polity Press, 1992, p. 3
caleidoscópico : «É precisamente
aqui que está a riqueza de uma época 2_Coordenação dos estudos
em ruínas, um período notável que teóricos e seminários públicos em
mistura noite e manhã nos anos Salvador: Washington Drummond,
1920. Esse período abrange desde Fernando Ferraz e Luiz Antônio
a arte visual e conexões pictóricas de Souza. Coordenação dos
que dificilmente eram assim trabalhos de campo e seminários
antes, até Proust, Joyce, Brecht, e de articulação em Salvador: Thais
para além deles, seria um período Portela, Fabiana Dultra Britto e

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 27


Xico Costa. Coordenação geral Ribeiro. A.C.T., Britto F.D., Magnani
da plataforma e dos encontros J.G., Clifford J., Borges J.L, Basualdo
Corpocidade e coordenação editorial C., Bolle W. etc.
da revista Redobra: Fabiana Dultra
5_ Sobre Aby Warburg e seu Atlas de
Britto e Paola Berenstein Jacques.
imagens, ver o capítulo “Montagem
Coordenação dos trabalhos de campo
Urbana”, de Paola Berenstein
e seminários em Paris: Alessia de
Jacques, no tomo 4 – Memória,
Biase e Paola Berenstein Jacques.
Narração, História – da presente
3_ O projeto original da pesquisa coleção.
está disponível no site: http://www.
6_ Tradução nossa e livre de Georges
laboratoriourbano.ufba.br/pronem
Didi-Huberman, “Connaissance par
4_ Não caberia aqui citar todos le kaleidoscope. Morale du joujou et
os autores estudados ao longo da dialectique de l’image selon Walter
pesquisa, podemos citar de forma Benjamin”, Études Photographiques.
rápida, certamente com várias Par les yeux de la science/Surréalisme
lacunas, alguns dos autores lidos e et photographie, No 7, 2000, p. 10.
debatidos: Agamben G., Arendt H.,
7_ Tradução nossa e livre de Georges
Benjamin, W., Gagnebin J.M., Jacques
Didi Huberman, Devant le temps,
P.B., Magnavita P.R., Negri A.,
Paris, ed. Minuit, 2000, p. 135.
Drummond W., Deleuze G., Guattari
F., Foucault. M., Didi-Huberman G.,

28 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


SISMÓGRAFO: REVISTA REDOBRA

Paola Berenstein Jacques


Arquiteta-urbanista, professora PPG Arquitetura e Urbanismo
UFBA, pesquisadora CNPq, coordenadora Laboratório Urbano,
responsável institucional UFBA e coordenadora geral PRONEM

Fabiana Dultra Britto


Licenciatura Dança, PPG Dança UFBA, coordenadora Laboratório
Co-adaptativo LABZAT, coordenadora Plataforma Corpocidade,
coordenadora atividades PRONEM

Washington Drummond
Historiador, professor História e PPG Pós-Crítica UNEB, professor
PPG Arquitetura e Urbanismo UFBA, membro Laboratório Urbano,
responsável institucional UNEB e coordenador atividades PRONEM

A verdadeira destinação de uma revista é a de anunciar o espírito


da sua época. A sua atualidade é para ela mais importante do que a
sua própria unidade ou clareza, e com isso esta estaria – tal como o
jornal – condenada à superficialidade, se nela não ganhasse forma
uma vida com força suficiente para salvar também o que é questio-
nável e precário, pelo o fato dela o afirmar. De fato, uma revista cuja
atualidade renuncia à dimensão histórica não tem direito de existir.
[...] orientar-se por aquilo que emerge, como verdadeiramente atual,
sob a superfície estéril do novo ou da novidade cuja exploração deve
deixar aos jornais.1

Walter Benjamin

29
O que pode uma revista? A Redobra 2, em seu percurso editorial, foi
atraída para dentro do turbilhão caleidoscópico da pesquisa PRO-
NEM, que se propunha a investigar, desde seu início, as relações
entre experiências metodológicas e compreensão da complexida-
de da cidade. Sob o impacto de nossa tríade temática principal e
transversal: experiência, apreensão, urbanismo – que foi constan-
temente perpassada pelas três linhas, também triádicas: 1. subjeti-
vidade, corpo, arte; 2. alteridade, imagem, etnografia; 3. memória,
narração, história. A revista acompanhou as variações de foco e
de ênfase dos debates nesses três anos de pesquisa coletiva: des-
dobramentos, rebatimentos, superposições, abandonos, impasses,
rupturas, desvios, dissensos, linhas de fuga. Ela funcionou como
um sismógrafo ultra sensível dos movimentos, vibrações, desliza-
mentos, acomodações, atravessamentos e choques internos a cada
tema debatido ou nos embates e enlances externos em que as li-
nhas se propuseram como prática constitutiva do pesquisar. O sis-
mógrafo-revista buscava registrar as diferentes transformações
do caleidoscópio-pesquisa (ver capítulo 1).
A cada número da revista Redobra, ao final de cada semestre, um con-
junto de questões originárias dos diversos âmbitos da pesquisa, a sa-
ber, experiências de campo, oficinas, grupos de estudos, debates em
seminários, eram capturados pelo movimento centrífugo da publica-
ção que os editores procuravam complexificar ainda mais elencando
entrevistas e textos de pesquisadores associados e outros convida-
dos. Dessa maneira, cada número é o resultado dos nossos trabalhos
cotidianos, mas também uma produção polifônica, dissensual, con-
trapontística do que ali é exposto. A fuga no campo musical é um pro-
cesso de composição polifônica no qual, através do contraponto, se
desenvolve um tema que se replica em diferentes vozes como contra-
motivos, imitativos, entrelaçamentos e diferentes tonalidades.

30 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


O relato que se segue nos mostra que ao formularmos os números
da revista estávamos, de alguma maneira, tateando e reduplicando
vozes que dispersas só a posteriori se apresentariam como linhas de
força temáticas duplicada em vozes outras, inclusive provenientes
de campos disciplinares diversos, que atritavam os limiares ins-
titucionalmente estabelecidos de nosso campo principal, o urba-
nismo, que buscávamos ampliar a partir de tensões, cruzamentos,
dobras e redobras com outros campos: arte (e estética), etnografia
(e antropologia) e história (e historiografia). A Redobra, enquanto
metaforicamente tomada como um sismógrafo musical, entretan-
to, não se limitou a redobrar as vozes e os campos, buscando apre-
sentar sua singular contribuição, isto é, provocar outros desvios,
dissensos e dispersões.
---
Originalmente em formato eletrônico, a revista Redobra foi ideali-
zada em 2008 para atuar como campo de articulação pública para
o encontro Corpocidade 1. Naquele primeiro ano, suas quatro edi-
ções mensais corresponderam às sessões temáticas do encontro,
cumprindo função introdutória do tema geral sob as abordagens
específicas propostas pelos pesquisadores e artistas integrantes
do Comitê Artístico Científico em cada Sessão Temática – Cidades
Imateriais, Cidade Como Campo Ampliado da Arte, Corpografias
Urbanas e Modos de Subjetivação na Cidade – divulgando propo-
sições e ideias de diversos autores a um público mais abrangente
do que seus participantes presenciais. Ainda em formato eletrô-
nico, a revista desdobrou-se em experimentações editoriais mais
expandidas, a partir de 2010, quando foi realizado o Corpocidade
2. As três edições deste segundo ano ativaram laços de afinidade
colaborativa e de conexões temáticas propulsores de uma expres-
siva autonomia criativa que, no entanto, muito bem realçou sua

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 31


correlação ao tema do evento: conflito e dissenso no espaço públi-
co. A revista esteve diretamente atrelada à plataforma Corpocida-
de, um conjunto de ações e atividades desenvolvidas por artistas
e pesquisadores cuja atuação em diferentes campos de conheci-
mento dedica-se a abrir frestas de interferência crítica nas atuais
possibilidades de articulação entre corpo e cidade.
No seu terceiro ano, a revista iniciou outra fase, com formato im-
presso e propósito editorial dedicado a dar ressonância pública
ao processo de pesquisa proposto pelo grupo Laboratório Urba-
no (Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal da Bahia – PPGAU/UFBA) no projeto Expe-
riências metodológicas de apreensão da complexidade da cidade
contemporânea (PRONEM), contemplado pelo edital da Funda-
ção de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia como o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, em 2011.
Consolidamos parcerias com outros grupos como o Laboratório
Coadaptativo, do Programa de Pós-Graduação em Dança (PPG-
DANÇA/UFBA), Laboratório de Estudos Urbanos, do Programa
de Pós-Graduação em Urbanismo /Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), Laboratório da Conjuntura Social: Tecnologia
e Território – IPPUR/UFRJ, Laboratorio Arti Civiche (LAC/Itá-
lia), Laboratoire ArchitectureAnthropologie (LAA/CNRS/Fran-
ça) e Centre de recherche sur l’espace sonore et l’environnement
urbain (CRESSON/CNRS/França), e inauguramos também um
núcleo de articulação acadêmica com a Universidade do Estado da
Bahia (UNEB).
Para fazer esse acompanhamento da pesquisa, realizamos seis
edições (número 9 à 14) de 2012 à 2014 (uma revista por semestre
de pesquisa) que alternaram um duplo movimento de introdução
articuladora das questões discutidas no grupo de pesquisa e com-

32 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


partilhamento das narrativas críticas das ações realizadas nas
quatro atividades pelas quais o projeto se desenvolveu: estudos
teóricos, trabalhos de campo, seminários de articulação e seminá-
rios públicos, sempre com uma preocupação de levar o processo
da pesquisa para além de nosso próprio grupo e contando com a
participação de pesquisadores de Arquitetura e Urbanismo, Dan-
ça, Artes Visuais, Sociologia, Antropologia, História e Psicologia.
Na primeira edição impressa, número 9 (2012.1), a revista intro-
duz o campo de engendramentos temáticos da pesquisa em torno
de cinco diferentes nós/partes dessa tessitura:
Na parte Contraponto, que pretendia mapear o movimento de
construção de arranjos polifônicos superpostos e entrelaçados
num mesmo espaço de encontros, distensões e cruzamentos em
torno de ideias e discursos, publicamos diferentes narrativas em
torno da experiência de apreensão da cidade, sob aspectos da sua
realização e da reflexão crítica sobre seus pressupostos e impli-
cações epistêmicas e metodológicas: um workshop coordenado
pela socióloga francesa, pesquisadora do CRESSON, Rachel Tho-
mas, com estudantes da disciplina Ateliê 5 do curso de Arquitetu-
ra e Urbanismo da UFBA, ao longo de uma semana, em junho de
2011; outra realizada pelo artista Francesco Careri, pesquisador
do Laboratório Arti Civiche/Roma Tre, ao longo de uma tarde de
setembro de 2011, em Salvador, com três membros do corpo edi-
torial da revista; um artigo de Jean Paul Thibaud, pesquisador do
CRESSON, apresentado na mesa-redonda “Errâncias, Ambiên-
cias e Transurbâncias”, promovida pelo Programa de Pós-Gra-
duação em Arquitetura e Urbanismo da UFBA, em setembro de
2011, com a participação de Francesco Careri, Paola Berenstein
Jacques, Francisco de Assis Costa e Fabiana Dultra Britto (Dan-
ça/UFBA), além do autor; e uma outra narrativa referente ao de-

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 33


bate “Homens Lentos, rugosidades e espaços opacos”, promovi-
do pelo Laboratório Urbano em agosto de 2011, na Faculdade de
Arquitetura da UFBA, cujas participações aparecem em variados
formatos de registro: artigo derivado das falas de Ana Clara Torres
Ribeiro (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano/UFRJ) e
Cássio Eduardo Viana Hissa (Georgrafia/Universidade Federal de
Minas Gerais), texto de ignição para a fala de Cibele Saliba Rizek
(Instituto de Arquitetura e Urbanismo/Universidade de São Pau-
lo, São Carlos) e transcrição da fala da debatedora Ana Fernandes
(Faculdade de Arquitetura/UFBA), e das participações no debate
aberto ao público.
Na parte Ferramentaria, concebida como local e prática de expo-
sição dos recursos usados para construção de argumentos, for-
mulação de propostas e elaboração de projetos derivados de expe-
riências de apreensão da cidade, publicamos recortes de trabalhos
defendidos por integrantes do Laboratório Urbano, na graduação
(Jana Lopes e Rafael Luís Souza) e no mestrado (Carolina Fon-
seca, Clara Pignaton, Gabriel Schvarsberg e Thiago Costa) cujas
ideias tanto resultam quanto sugerem modos de discussão da ex-
periência urbana empreendidos no âmbito acadêmico.
Na parte Diagrama, usado como recurso de visualização panorâ-
mica do conjunto de relações componentes da teia de conceitos
e noções que estão sendo articulados nos Estudos Teóricos que
embasam do processo da pesquisa, publicamos uma composi-
ção de escritos e ditos dos autores estudados e dos participantes
que procura delinear os caminhos percorridos, interrompidos ou
desviados ao longo dos nossos encontros quinzenais de estudo
coordenados pelos pesquisadores Fernando Ferraz e Washington
Drummond.

34 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


Na parte Tumulto, pensada como um encontro de dissonâncias,
discordâncias, distensões, digressões e outros tantos modos de
desdobramento de sentido praticados sobre um mesmo foco dis-
cursivo, publicamos textos de Paola Berenstein Jacques, Pasqua-
lino Romano Magnavita e Washington Drumond sobre tipos de
experiência – errática, rizomática e impossível, respectivamente
– provocativas de compreensões menos consensuais sobre modos
de relação com a cidade e a vida.
Na parte Resenha, pensada como espaço de apreciação crítica so-
bre objetos artísticos, bibliográficos, acadêmicos e cotidianos, pu-
blicamos a apresentação feita por Joana da Silva Barros e Edson
Miagusko para o livro Saídas de emergência: ganhar/perder a vida
na periferia de São Paulo, recém-lançado pela Boitempo e organi-
zado por Robert Cabanes, Isabel Georges, Cibele Saliba Rizek e
Vera Telles.
Por fim, neste primeiro número da nova fase, a revista prestou ho-
menagem especial a Ana Clara Torres Ribeiro, socióloga pesqui-
sadora do IPPUR/UFRJ e parceira do Laboratório Urbano e do
projeto PRONEM cujo falecimento, em 9 de dezembro de 2011, in-
terrompeu um contundente, e raro, companheirismo acadêmico.
Além da sua fala no debate “Homens Lentos, rugosidades e espa-
ços opacos”, transcrevemos neste número da revista sua entrevis-
ta inédita, concedida em 2009, a Alessia de Biase, coordenadora do
Laboratoire Architecture Antropologie. Nesta conversa em torno
da noção de cartografia, Ana Clara apresenta sua ideia de cartogra-
fia da ação, que vinha desenvolvendo junto ao seu grupo de pesqui-
sa LASTRO cuja continuidade se expressa pelo seu espalhamento
singularizado nos projetos da sua equipe: Catia Antonia da Silva,
Luis Perucci, Ivy Schipper e Vinicius Carvalho, que assinam o ar-
tigo “Pensamento vivo de Ana Clara Torres Ribeiro”.

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 35


Entusiasta das ousadias desestabilizadoras de discursos e atos he-
gemônicos, sua contribuição sempre fez uma enorme diferença no
nosso trabalho pela compreensão do processo desavergonhado de
esvaziamento da esfera política da vida pública pela normatização
da sua potência criativa. Como certamente faria a sua obra ina-
cabada Teorias brincantes do Brasil no necessário enfrentamento
da espoliação dos sujeitos promovida pelas políticas urbanísticas
atuais. Esse número da revista foi lançado e distribuído no encon-
tro Corpocidade 3 que reuniu os Seminários Público e de Articula-
ção do projeto PRONEM em Salvador.
O número 10 (2012.2) da revista apresentou-se como um desdo-
bramento do encontro Corpocidade 3, que articulou-se direta-
mente com a pesquisa PRONEM. Inteiramente dedicado a Ana
Clara Torres Ribeiro, – integrante da equipe de pesquisa PRO-
NEM, membro do conselho editorial da revista Redobra e cola-
boradora do Corpocidade desde sua primeira edição em 2008 – o
Corpocidade 3 programou uma mesa especial de homenagem, em
que foram apresentados os princípios do seu método de pesquisa
denominado “Cartografia da Ação Social”, pelos membros do seu
grupo Lastro: Cátia Antônia da Silva, Luis Perucci, Ivy Schipper e
Vinicius Carvalho, cujo artigo correspondente fora publicado no
número anterior da revista. À esta aproximação entre a prática
geográfica da cartografia com os estudos sociológicos sobre a ci-
dade, tão singularmente formulada por Ana Clara Torres Ribeiro e
já adotada por alguns outros grupos de pesquisa brasileiros e lati-
no-americanos interlocutores do LASTRO, acrescentamos a apro-
ximação da Arquitetura e Urbanismo com o trabalho etnográfico
da Antropologia, já longamente praticada pelo Laboratório Arqui-
tetura/Antropologia –LAA/CNRS, para expandir esta constelação
cooperativa com um terceiro eixo aproximativo entre a crítica da
experiência urbana pela Arquitetura e Urbanismo e os estudos

36 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


sobre corporalidade e espacialidade pela Dança, instaurado pelos
Laboratório Urbano PPGAU/UFBA e o LabZat Laboratório Coa-
daptativo PPGDANÇA/UFBA.
Neste terceiro encontro Corpocidade, partimos do pressuposto (já
anunciado no primeiro e consolidado no segundo) de que corpo e
cidade estão coimplicados na formulação da vida pública e sua es-
fera política, para enfocar, como tema central, as possibilidades de
experiência corporal da cidade e seus modos de compartilhamen-
to e transmissão, tensionando as noções de corpo, cidade, cultura
e cartografia a partir da ideia de experiência. Retomamos aspectos
das versões anteriores que se consolidaram como uma ética da nos-
sa conduta e os tornamos princípios organizativos da programação,
tais como o enfoque processual, a simetria entre os participantes e
a coimplicação entre as experiências teórica e empírica para pensar
os agenciamentos entre corpo, cidade, politica e arte pelas práticas
de cartografia e narrativa. O encontro integrou três atividades dife-
rentes e complementares, com formas específicas de participação:
- Experiências Metodológicas: trabalhos de campo que chamamos
de “oficinas”, em áreas específicas da cidade de Salvador, destina-
das a testar procedimentos para apreensão da cidade;
- Seminário de Articulação: atividade conjugada e subsequente
às experiências metodológicas, destinada ao exercício de reflexão
crítica sobre as experiências vividas e as narrativas construídas
pelos grupos participantes;
- Seminário Público: atividade aberta à participação de demais inte-
ressados inscritos, destinada ao compartilhamento público das sín-
teses alcançadas no seminário de articulação bem como de relatos
previamente selecionados sobre outras experiências metodológicas
realizadas em outras ocasiões por pesquisadores ou artistas.

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 37


Durante as experiências de campo e seminários muito se testou, se
discutiu e se compreendeu sobre os modos de apreensão da cidade
propostos pelos grupos de pesquisa e coletivos de artistas, quanto
aos seus argumentos justificativos e suas condutas de ação, con-
vívio, interlocução. Mas percebemos que a intensidade das expe-
riências mereceria maior extensão de tempo para ser assimilada e
as narrativas delas menor dispersão de sessões para serem debati-
das. Desejando oferecer um outro espaço para a continuidade das
reflexões instauradas naqueles dias, nos pareceu pertinente e ne-
cessário dedicar os números 10 e 11 da revista às ressonâncias do
Corpocidade 3, não como um catálogo ou relatório, mas como um
registro dos seus rebatimentos na pesquisa PRONEM que lhe fun-
damenta, mas também dele deriva. E nosso recorte editorial para
a definição da pauta foi “começar de dentro”: pela contribuição
dos integrantes da nossa equipe de pesquisa e dos grupo parceiros,
num gesto mais centrífugo do que endógeno com intenção de pon-
tuar eixos em torno dos quais outras contribuições poderiam ser
articuladas nos próximos números da revista.
Entendidas como nós de tessitura dos temas, cada parte da revista,
a partir de sua definição, se oferece como um diferente campo de
atravessamento das mesmas questões que tanto foram trabalhadas
na pesquisa quanto mobilizaram o encontro em Salvador: os modos
de apreensão da cidade e suas possibilidades narrativas como re-
curso de transmissão e compartilhamento.
Em Contraponto, tomamos por ponto de partida as comunicações
de Cibele Saliba Rizek (IAU/USP), Frederico Guilherme Bandei-
ra de Araújo (IPPUR/UFRJ) e Pasqualino Romano Magnavita
(PPGAU/UFBA) integrantes da mesa-redonda “Cidade, Cultura,
Corpos e Experiência”, ocorrida no segundo dia do Seminário Pú-
blico, para entrelaçá-las a outras distensões em torno deste tema,

38 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


produzidas por três narrativas de experiência de intervenção per-
formativa na cidade que, embora correlatas em suas escolhas pela
escala da corporalidade como forma de ação crítica-perceptiva so-
bre a cidade, praticam diferentes engendramentos entre experiên-
cia, narração e teorização. O “Chão nas cidades”, de Andrea Maciel
(Rio de Janeiro/RJ), narra a experiência de mesmo nome reali-
zada no Corpocidade 1 e incorporada à sua tese de doutorado (em
Artes Cênicas), tomando a polêmica situação do corpo deitado no
chão como uma perspectiva de apreensão da cidade. “Deriva pa-
rada”, de Janaína Bechler (Porto Alegre/RS), que também se arti-
cula a um doutorado acadêmico (em Psicologia), parte da ideia de
deriva para criar o paradoxo do corpo parado como mobilizador de
certa dinâmica sociourbana. E “Breve relatório sobre a primeira
de uma série de opacificações urbanas”, de Silvana Olivieri (Salva-
dor/BA), parte de provocação apresentada no Corpocidade 2 para
narrar a primeira experiência, no Carnaval de Salvador, em 2012,
de operação de um dispositivo criado pela autora para contrapor
a opacidade ao espetáculo. Também integra essa sessão, uma sín-
tese introdutória dos debates levantados pelas mesas-redondas e
comunicações ocorridos no Seminário Público, preparada pelos
seus coordenadores Washington Drummond, Fernando Ferraz e
Luiz Antonio de Souza, que tecem, ainda, algumas considerações
gerais sobre o processo de seleção das participações.
Na parte Ferramentaria, colocamos em pauta os aspectos mais di-
retamente relacionados com metodologias de apreensão da cidade,
conjugando dois tipos de matéria: as oficinas de trabalho de campo
realizadas no Corpocidade 3 e trabalhos acadêmicos de conclusão
de curso de integrantes do Laboratório Urbano. Começando pelas
sete oficinas que foram propostas por grupos parceiros na pesqui-
sa PRONEM, esta seção traz uma síntese das discussões havidas

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 39


no Seminário de Articulação sobre as experiências feitas nas ofici-
nas e algumas considerações críticas, preparada pelos seus coor-
denadores Fabiana Dultra Britto, Francisco de Assis da Costa e
Thais de Bhanthumchinda Portela; além da apresentação de cada
oficina preparada por seus próprios coordenadores, e das narrati-
vas sobre o processo de sua realização, elaboradas pelos seus res-
pectivos acompanhantes designados pelo Laboratório Urbano.
Assim, a oficina “Composição do Comum”, do Laboratório Coa-
daptativo LabZat – PPGDANÇA/UFBA, é apresentada por Tiago
Nogueira Ribeiro e Fabiana Dultra Britto, e narrada pelos par-
ticipantes Ana Rizek Sheldon, Isaura Tupiniquim Cruz, Thiago
Sampaio, Renata Roel e Cinira D’Alva. A oficina “Teatro do jor-
nal” do Laboratório da Conjuntura Social: Tecnologia e Território
LASTRO – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano IPPUR/
UFRJ, é apresentada por Ivy Shipper e narrada pela acompanhan-
te Ida Matilde. A oficina “Cidadeando: uma aventura poética com
som, imagem e movimento”, do Grupo de Pesquisa Modernidade e
Cultura – IPPUR/UFRJ, é apresentada por Frederico Guilherme
Bandeira de Araújo e narrada pela acompanhante Priscila Erthal
Risi. A oficina “Oficinar ao habitar”, do Laboratório de Estudos Ur-
banos (LEU/PROURB/UFRJ) é apresentada por Iazana Guizzo e
Cristiane Knijnik e narrada pela acompanhante Marina Cunha.
A oficina “Fazer corpo, tomar corpo, dar corpo às ambiências ur-
banas” do CRESSON/CNRS, é apresentada por Rachel Thomas
e narrada pelos acompanhantes Maria Isabel Costa Menezes da
Rocha e Osnildo Adão Wan-Dall Junior. E a oficina “Selva-quintal
comum”, do Laboratorio Arti Civiche – Roma Tre, é apresentada
por Francesco Careri, Giorgio Talocci e Maria Rocco e narrada por
Gabriel Schvarsberg e Janaína Bechler.

40 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


E, dentre os trabalhos acadêmicos, também com foco no debate
metodológico, esta seção traz dois artigos referentes a disserta-
ções de mestrado: Dos espaços de apropriação: o Minhocão de São
Cristóvão, de Clara Passaro, e Experiências urbanas: conclusões de
um processo no Aglomerado da Serra, de Carolina de Castro Ansel-
mo. E outros três referentes a trabalhos finais de graduação: Morar
na Carlos Gomes: possibilidades e limites para a habitação de interes-
se social no Centro, de Diego Mauro; Cine-teatro-rua: possibilidades
para o fim-de-linha do Uruguai, de Ícaro Vilaça, e Os usuários do Dois
de Julho: encarando o uso de crack no espaço urbano, de Jamile Lima.
Na parte Tumulto, colocamos em tensão ideias em torno do pro-
cesso de pesquisa sobre os modos de apreensão da cidade pelos
habitantes e em torno dos modos de ação na cidade pelos pes-
quisadores, a partir de três diferentes posicionamentos teóricos
e proposições metodológicas: o da arquiteta Alessia de Biase,
coordenadora do Laboratório Arquitetura/Antropologia (Paris),
apresentado em “Por uma postura antropológica de apreensão
da cidade contemporânea: de uma antropologia do espaço à uma
antropologia da transformação da cidade”; o da antropóloga Urpi
Montoya Uriarte, da UFBA, apresentado em “Podemos todos ser
etnógrafos? Etnografia e narrativas etnográficas urbanas”; e o da
socióloga Rachel Thomas, pesquisadora do Laboratório CRES-
SON (Grenoble), apresentado em “Crítica e engajamento – postu-
ras de apreensão sensível da cidade contemporânea”.
Na parte Resenha, o livro Elogio aos errantes, de Paola Berenstein
Jacques, publicado pela Editora da UFBA e lançado no Corpocida-
de 3, recebeu uma leitura crítica da professora Margareth da Sil-
va Pereira (UFRJ). Este número da revista, que publicou várias
narrativas entrelaçadas, incitações aos seus próprios desafios de

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 41


pesquisa e diferentes métodos de apreensão da cidade, foi lançada
e distribuída no seminário internacional Urbicentros 3, que acon-
teceu em Salvador e no XII SHCU, em Porto Alegre.
O número 11 (2013.1) da revista se apresentou com uma nova fei-
ção gráfica para marcar seu quarto ano de atuação, e seu segundo
ano como recurso de acompanhamento das atividades da pesqui-
sa PRONEM, do grupo Laboratório Urbano e como expansão das
suas interlocuções e debates. Com seções renomeadas para enfa-
tizar sua função articuladora entre as diferentes ações, posturas
acadêmicas e linhas teóricas dos pesquisadores envolvidos na
equipe, dos seus colaboradores circunstanciais e dos interlocuto-
res de outros Laboratórios e instituições, a edição número 11 mar-
cou a passagem para a segunda das três etapas da pesquisa PRO-
NEM, a que denominamos: confrontação do problema.
Na abertura desta edição, a Entrevista publicou uma conversa
de Paola Berenstein Jacques com o arquiteto, urbanista e artista
Francesco Careri, pesquisador convidado da pesquisa PRONEM,
professor da Università Degli Studi Roma Tre onde coordena o
curso de mestrado em Arte, Arquitetura e Cidade e o Laboratório
de Arte Cívica (LAC). Coincidindo com o lançamento da versão
brasileira do seu livro Walkscapes, o caminhar como prática esté-
tica, o diálogo que publicamos reascende o debate em torno das
ações artísticas como crítica urbanística, especialmente aquelas
realizadas como prática de errâncias e do andar pela cidade – que
delineiam campos de convergência entre os trabalhos de ambos e
a pesquisa PRONEM pelo grupo de pesquisa Laboratório Urbano.
Na seção Ensaios, seis autoras apresentaram diferentes perspec-
tivas de reflexão crítica sobre os usos de espaços públicos, espe-
cialmente as praças, como contextos pulsantes da vida urbana co-
tidiana e de mobilização civil. Márcia Ferran, Clara Luiza Miranda

42 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


e Milene Migliano trazem para a revista suas comunicações apre-
sentadas no encontro Corpocidade 3, em abril de 2012: a primeira
autora, praticando o que chamou de “delineamento afetivo-rizo-
mático”, toma o caso da reintegração de posse do Pinheirinho para
tratar dos protestos públicos que engendram ação social e ação/
performance artística, pensados sob a luz do trabalho da socióloga
Ana Clara Torres Ribeiro; a segunda autora, partindo dos relatos
produzidos pelos participantes e observadores das mobilizações
coletivas internacionais ocorridas em 2011, nas Praças Tahir
e Puerta del Sol, levanta questões sobre as noções de “comum”
e “protagonismo”; e a terceira autora traz um relato analítico da
sua própria experiência como protagonista do movimento de pro-
testo coletivo contra o cerceamento do uso das praças públicas,
contando como a Praça da Estação em Belo Horizonte, se tornou
praia. Formalizando uma cooperação editorial da revista Redobra,
já ensaiada anteriormente com as revistas Global (RJ) e Piseagra-
ma (BH), a seção tem ainda a participação de Barbara Szaniecki,
editora da Global, e Cristina Ribas, que focalizam o Movimento
OcupaRio citando algumas ações artísticas realizadas em favelas
cariocas ocupadas pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPP),
como forma de resistência aos projetos ditos de pacificação; e dos
editores da Piseagrama, Fernanda Regaldo, Renata Marquez, Ro-
berto Andrés e Wellington Cançado, que compõem um discurso de
imagens para o que chamaram de “campanha não eleitoral” pro-
pondo vínculos sugestivos de novos sentidos entre as palavras e
as coisas. Fechando o bloco dos Ensaios, Diana Helene, também
ressoando as ideias da professora Ana Clara Torres Ribeiro, situa
o tema da ação política nos espaços públicos delineado pela seção,
levantando questões sobre o corpo da mulher e a cidade, no con-
texto do movimento conhecido como “marcha das vadias”, inicia-
do no Canadá e desdobrado por diversas cidades no mundo e algu-
mas cidades brasileiras.

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 43


Dando continuidade à apresentação (iniciada no número 10 da re-
vista) das Oficinas de experiências metodológicas de apreensão da
cidade (trabalhos de campo) realizadas no âmbito do Corpocidade
3, a seção Experiências publicou nove duetos de autores formados
pelos proponentes das Oficinas e seus respectivos acompanhan-
tes, membros da pesquisa PRONEM, compondo pares de textos
que apresentam as propostas das oficinas e as narrativas do pro-
cesso de realização destas em Salvador. E complementam a seção
destinada a discutir aspectos metodológicos e procedimentais
envolvidos nas práticas de apreensão da cidade e suas possibilida-
des narrativas outras três experiências realizadas como objeto de
pesquisa acadêmica de estudantes de graduação e pós-graduação
integrantes do Laboratório Urbano: Amine Portugal apresentou
seu processo de percepção do contexto urbano da Avenida Sete de
Setembro, em Salvador, realizado ao longo de alguns meses, defen-
dido como trabalho final de graduação, embaralhando concepções
rígidas de processo/resultado e desafiando modelos de formulação
de projeto urbano; Milena Durante pontuou aspectos metodológi-
cos da sua dissertação de mestrado em que fez uma reflexão sobre
cultura e arte como forma de resistência ao processo de gentrifica-
ção estratégica no contexto macropolítico da cidade de São Paulo;
e Eduardo Rocha Lima também enfocou as questões metodológi-
cas levantadas em sua tese de doutorado, articulando as práticas
de caminhar e narrar as experiências urbanas em estudo das rela-
ções corpo e cidade em áreas de prostituição das cidades de Paris,
Fortaleza e Rio de Janeiro – objeto que une as pontas tanto desta
seção com a anterior quanto já introduzia a próxima.
Na seção Debates, continuamos a discussão aberta pela entrevis-
ta e apresentamos três diferentes abordagens sobre o tema do ca-
minhar como experiência perceptiva de apreensão da cidade, que

44 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


resumem pontos de vista e posicionamentos próprios às suas dis-
ciplinas e campos de ação pública: de um lado, o sociólogo Henri
-Pierre Jeudy e a escritora Maria Claudia Galera, em “Olhares per-
didos sobre uma cidade: Saint-Dizier”, levantaram provocações
sobre a pertinência dos juízos de valor sobre a beleza das cidades,
no contexto das suas andanças pela cidade francesa; de outro lado,
o arquiteto urbanista e artista Francesco Careri atualizou suas
reflexões sobre a prática da “transurbância” criada pelo seu grupo
Stalker, que integram, como epílogo, a edição brasileira do seu livro
Walkscapes, o caminhar como prática estética; e no terceiro lado
desta triangulação, a antropóloga Nadja Monnet teceu reflexões
sobre sua experiência etnográfica realizada na praça da Catalunha
em Barcelona, em torno da ideia de “flanâncias femininas”.
Encerrando esta edição, Thiago Costa assinou “O engajamento
dos corpos no percurso urbano”, sua resenha do livro  Walkscapes,
o caminhar como prática estética de Francesco Careri, cuja versão
brasileira foi lançada pela editora Gustavo Gili, dez anos após sua
primeira edição espanhola.
Neste exercício de confrontação do problema da formulação das
metodologias em adequação ao contexto da experiência e ao obje-
to de estudo, conforme proposto pela pesquisa PRONEM a revista
buscou oferecer um campo de ressonância aos debates acadêmi-
cos sobre a experiência urbana contemporânea lançando novos
olhares sobre as possibilidades e condições de suas formas narra-
tivas. Das frestas, entrevistas no diálogo de abertura, passando aos
espaços ensaiados e os modos experimentados nas narrativas cen-
trais, envoltos pelos conteúdos debatidos e pelo objeto resenhado,
esta edição compôs seu traço editorial e se ofereceu a outros e dife-
rentes gestos de interlocução. Este número da revista foi lançado
e distribuído no XV Encontro Nacional da Associação Nacional de

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 45


Pesquisa e Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional
(ENANPUR), que aconteceu em Recife, e o lançamento e distri-
buição em Salvador ocorreu durante o UrbBA 13.
A edição número 12 (2013.2) da revista deu continuidade ao pro-
pósito de trazer, à público, o processo de desenvolvimento da pes-
quisa PRONEM e suas atividades correlatas, com intuito de ex-
pandir os debates já travados e abrir outras frestas de interlocução
possíveis com outros grupos e iniciativas igualmente interessados
em compreender a complexidade da experiência urbana. Abrindo
esta edição, a seção Entrevista publicou uma conversa de Fabiana
Dultra Britto com Rachel Thomas, socióloga e coordenadora do
Laboratório CRESSON, de Grenoble (França), completando nos-
so ciclo de conversas com coordenadores dos grupos de pesquisa
estrangeiros parceiros do Laboratório Urbano na pesquisa PRO-
NEM, sobre seus modos de entender e lidar com procedimentos
metodológicos de pesquisa sobre a vida pública na cidade contem-
porânea.
A seção Ensaios publicou dois blocos de contribuição ao adensa-
mento dos enfoques críticos sobre a força normatizadora da ló-
gica de consumo e privatização que baseia nossa experiência do
espaço público e as formas cotidianas de resistência. No primeiro
bloco, publicamos o resumo das participações integrantes da Ses-
são Livre “Experiências metodológicas para apreensão da cidade
contemporânea”, uma atividade da pesquisa PRONEM que foi
coordenada por Paola Berenstein Jacques no XV ENANPUR, rea-
lizado em Recife. Além da apresentação introdutória do tema pela
coordenadora, em que questionou os limites do tradicional “diag-
nóstico urbano” pela ideia de “montagem urbana”, outras quatro
participações ofereceram diferentes enfoques ao tema proposto
nesta Sessão Livre: Margareth Pereira da Silva (UFRJ) respondeu

46 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


à provocação sugerindo a imagem de “nebulosas” para pensar as
narrativas históricas; Cibele Saliba Rizek (USP) enfocou a pesqui-
sa etnográfica como recurso de apreensão da dimensão urbana pe-
las suas formas de produção simbólica e cultural; Fabiana Dultra
Britto (UFBA) partiu do pressuposto de coimplicação entre corpo
e cidade para sugerir a noção de “corpografia” como pista de com-
preensão dos processos urbanos de formulação da esfera pública;
e Thais de Bhanthumchinda Portela (UFBA) retomou a ideia de
“cartografia da ação social”, desenvolvida por Ana Clara Torres
Ribeiro, para enfocar sua dimensão política como instrumento de
ação social.
No segundo bloco de Ensaios, Márcia Tiburi teceu uma reflexão
sobre o caráter estético e político da prática da pixação, apontando
a disputa pelo direito de impor uma aparência à cidade como uma
disputa pelo “muro como campo de experiência”, travada entre os
pixadores e os poderes instituídos da indústria cultural, da políti-
ca, da propriedade e da linguagem. Atribuindo o poder da pixação
ao seu potencial de “livrar-se da condenação” de tornar-se mer-
cadoria no mundo espetacular, a autora afirma desejar “praticar o
pensamento enquanto pixação”.
Em seguida, Daniela Brasil partiu do rebatimento do projeto peda-
gógico “autopoiético” da lendária Escola de Arquitetura de Valpa-
raíso na metodologia ciudad abierta – na chamada “utopia de Rito-
que” – para narrar sua memória de participação no 5º Encuentros
Latinoamericanos de Estudiantes de Arquitectura (ELEA), de
Valparaíso, numa espécie de elogio ao encontro e ao jogo como re-
cursos de intensificação da experiência urbana. Fechando a seção,
Clarissa Moreira e Nicolas Bautés assinaram um “relato experi-
mental” de suas caminhadas pela área portuária do Rio de Janeiro
– “um contexto em carne-viva”, tornado alvo de manobras atuais

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 47


das parcerias público-privadas que propiciam segregação social e
especulação financeira, resultantes do projeto Porto Maravilha.
Um ato/gesto de microrresistência ao argumento da suposta des-
vitalização e esvaziamento, que sustenta a política de remoções
em curso naquela cidade.
Na seção Experiências, apresentamos diferentes narrativas com-
postas pelos participantes da oficina de apreensão da cidade (tra-
balho de campo) da pesquisa PRONEM, realizada pela arquiteta
e antropóloga Alessia de Biase, em Salvador. Intitulada In-sistir
#1, a oficina complexificou os debates em curso desde edições an-
teriores da revista, quanto à experiência e suas possibilidades de
narração, propondo um modo de experienciar o espaço urbano que
vai na contramão das caminhadas e das tradicionais observações
à distância: insistindo longamente, sentado num mesmo lugar até
tornar-se paisagem. “Em Ensaio de insistência urbana # Salvador
de Bahia [abril 2013]”, Alessia de Biase resumiu a proposta da sua
oficina cujas considerações críticas acerca do exercício realiza-
do e suas implicações no debate sobre metodologia e postura de
pesquisa urbana, por sua vez, são tecidas em “Insistência Urbana,
ou como ir ao encontro dos ‘imponderáveis da vida autêntica’”. Na
sequência desse bloco, publicamos oito narrativas resultantes da
oficina, compostas por duplas de participantes cujas formações
disciplinares variavam entre Antropologia, Dança e Arquitetura e
Urbanismo: “Passarela do Iguatemi – uma narrativa em movimen-
to”, por Kelly Oliveira e Marina Cunha; “Rua Gregório de Mattos
em dia de São Jorge e no dia seguinte”, por João Mateus Virgens
Vieira e Osnildo Adão Wan-Dall Junior; “Dois dias e três tempos.
Preparação: construção da narrativa”, por Tiago Ribeiro e Jure-
ma Moreira; “O livro disfarçado”, por Eduardo Rocha e Luís Gui-
lherme A. de Andrade; “Oficina [In]sistir #1 – refluxo: palavras”,

48 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


por Cinira d’Alva e Sarah Nascimento dos Reis; “Entre os diver-
sos tempos: experiência-narrativa-proposição na Insistência Ur-
bana”, por Amine Portugal e George Hora Silva; “Plano de notas:
sobre como montar uma narrativa de chuva”, por Alexandre San
Goes e Priscila Erthal Risi; “Sobre acúmulos e sobreposições: um
pequeno recorte da Praça Cairu”, por Janaina Chavier e Joselinda
Maria Rodrigues.
Fechando esse bloco, Urpi Montoya Uriarte, antropóloga, tomou
as questões levantadas pela experiência coordenada por Alessia
de Biase, como provocação para refletir sobre modos narrativos
apropriados a trabalho de campo. Em “Como narrar o campo? Re-
flexões provocadas pela Oficina ‘Insistências urbanas’”, a autora se
admitiu surpresa com as narrativas resultantes da experiência de
trabalho de campo proposta pela Oficina, situando seus alcances
criativos e genuinamente renovadores de cânones narrativos da
Antropologia – como o apego ao formato tradicional da linguagem
acadêmica – no escopo de exigências que uma narrativa etnográ-
fica deve atender, reacendendo o debate já pautado em edições
anteriores da revista em torno da aproximação arte/etnografia,
considerada sob seus diferentes matizes de problemas e soluções.
E complementando a seção Experiências, destinada a discutir as-
pectos metodológicos e procedimentais envolvidos nas práticas
de apreensão da cidade e suas possibilidades narrativas, publica-
mos um resumo do trabalho final de graduação em Arquitetura e
Urbanismo de Daniel Sabóia e Fábio Steque e Patricia Almeida,
intitulado “ITAPAGIP3 – uma experiência metodológica colabo-
rativa sobre a Península de Itapagipe”.
Na seção Debates, confrontaram-se complementarmente três
narrativas em torno da mesma percepção crítica acerca do inten-

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 49


so processo de substituição das paisagens urbanas tradicionais
pelo “pacote” espetacularização urbana/especulação, imobiliária/
gentrificação e suas consequentes mazelas sócio-histórico-afeti-
vas, mencionadas em negativo pelos atos de resistência e gestos de
subversão à lógica homogeinizadora não somente da experiência,
mas também de sua memória e seu valor simbólico como objeto
de preservação patrimonial. Luis Antonio Baptista, em “Epifania
urbana sobre corpos imóveis”, Robert Moses Pechman, em “Inú-
til paisagem”, e José Tavares Correia de Lira, em “De patrimônio,
ruínas urbanas e existências breves”, transitaram entre “paisagens
suturadas” de uma “urbe maculada por narrativas em confronto”
para escavar suas múltiplas “camadas temporais” materializadas
em histórias narradas seja pela “pele suja de mundo” dos garotos
que dormem na rua; seja pela lembrança tornada “exercício de po-
lítica” na recuperação da saudade de cidade; ou seja, ainda, pela
reelaboração da noção de patrimônio que deriva das facetas da
“precariedade” e “fragilidade material” tomadas como “suporte de
poderosas estratégias retóricas, políticas e poéticas de resistência”.
Para fechar esta edição, a Resenha publicou uma síntese crítica
de Cibele Saliba Rizek do seminário de articulação “Apprehender
les transformations de la ville”, realizado em Paris, como parte das
atividades da Pesquisa PRONEM, com a participação dos quatro
grupos de pesquisa parceiros envolvidos no projeto: Laboratório
Urbano, Laboratoire Architecture et Anthropologie (LAA), Paris;
Laboratorio Arti Civiche (LAC), Roma e Centre de Recherche Sur
L’espace Sonore et L’environnement Urbain (CRESSON), Grenob-
le. Este número da revista foi lançado e distribuído no III Seminá-
rio de Integração do PPGAU/FAUFBA, que aconteceu em Salvador,
e também foi lançado e distribuído no XIII Seminário de História
da Cidade e do Urbanismo (SHCU), que aconteceu em Brasília.

50 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


Em seu terceiro ano de acompanhamento da pesquisa PRONEM
e quinto ano de existência, a revista Redobra inagurou uma nova
concepção gráfica com projeto concebido por Daniel Sabóia, Ja-
naína Chavier e Patrícia Almeida, integrantes da equipe PRO-
NEM do Laboratório Urbano (e também realizadores da proposta
gráfica desta publicação). Com enfoque voltado para a sistemati-
zação dos resultados alcançados até aquele momento pelos estu-
dos e atividades desenvolvidas ao longo da pesquisa PRONEM, a
edição número 13 publicou, em suas quatro seções, contribuições
preciosas como possíveis linhas de fuga no debate instaurado pela
pesquisa em torno das complexas imbricações entre experiência,
memória e narrativa nos processos de apreensão da cidade.
Para introduzir este tema a partir do campo disciplinar da histó-
ria, publicamos uma entrevista com a historiadora e coordena-
dora Centro Interdisciplinar de Estudos sobre as Cidades (CEC),
pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Maria Stella
Bresciani que, recentemente contemplada com o título de pro-
fessora emérita da mesma Instituição, respondeu às questões
colocadas por Fabiana Dultra Britto, Paola Berenstein Jacques e
Washington Luís Lima Drummond, acerca de sua trajetória in-
telectual nos estudos históricos sobre a cidade, de questões his-
toriográficas, das relações entre memória, narrativas históricas
e literárias, suas posições metodológicas e abordagens teóricas,
pontuando algumas questões sobre a interdisciplinaridade dos es-
tudos urbanos e também questões sociais, culturais e afetivas da
experiência urbana.
A seção Ensaios buscou abranger contribuições vindas de dife-
rentes campos disciplinares, oferecendo perspectivas variadas na
construção de sentido pela experiência urbana. Em “Derivas urba-
nas, memória e composição literária”, Fernanda Peixoto discutiu

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 51


os nexos entre cidade, imaginação e memória tomando uma narra-
tiva literária como fio condutor de uma instigante discussão sobre
a experiência urbana mediada tanto pelas condições de memória
particulares a cada indivíduo em sua situação de vida, quanto pelas
condições urbanas de inscrição da história na vida pública. Vagner
Camilo, partindo do seu estudo minucioso da obra poética de Car-
los Drummond de Andrade, apontou engendramentos sofisticados
e pouco reconhecidos entre os sentidos que a espacialidade, a con-
dição urbana e a consciência política assumem nos livros Senti-
mento do mundo, José e A rosa do povo, expressando “gradações do
impulso participante” que se constituem como “estratégia radical
de desalienação” do eu lírico. Em “Sob o signo do vagalume: artistas
observadores de cidades”, Lívia Flores tomou três artistas e um au-
tor como feixes de uma sugestiva “constelação mínima que se dese-
nha em torno de luzes-fogos que ardem na cidade”, como imagens
poético-políticas que amplificam a voz inaudível dos que vivem
como restos dos processos urbanos. Cristina Freire nos apresentou
um artista espanhol atuante na década de 1970, ainda quase des-
conhecido no Brasil, mas cuja obra enfocada tanto quanto a cura-
doria da sua exposição no Museu de Arte Contemporânea da USP,
em 2013, promoveram, a partir do artigo “A cidade e o estrangeiro:
Isidoro Valcárcel Medina em São Paulo”, uma contundente discus-
são sobre os limiares críticos entre as noções de projeto, processo,
composição e vida no campo artístico e as noções de história, acer-
vo e experimentação que se articulam em “uma sorte de arqueolo-
gia do contemporâneo” realizada pela autora no contexto híbrido
de um museu universitário de arte contemporânea.
A seção Experiências publicou um conjunto de narrativas de um
trabalho de campo realizado por alguns membros da pesquisa
PRONEM coordenados por Thais de Bhanthumchinda Portela

52 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


que introduziu a seção contextualizando a proposta geral e apre-
sentando os textos produzidos por cada participante, dentre os
quais, o seu próprio, “O Exu do percurso”, em que a pesquisadora
narrou sua experiência, tomando a cartografia da ação, desenvol-
vida por Ana Clara Torres Ribeiro, como método e o Exú como
sujeito da ação. Janaína Chavier, Blerta Copa, Igor Queiroz e Ma-
riachiara Mondini, em “Tarô de memórias: um jogo de recortes e
relações da cidade de Salvador”, ao narrar suas experiências, to-
maram como fio condutor um jogo inventado que mistura tarô e
jogo da memória: o tarô de memórias. Jurema Moreira Cavalcanti,
em “Uma esquina de permanências”, tomou a história oral como
ponto de partida, menos pelas suas proposições de método e mais
por sua ética de tratamento simétrico entre pesquisador e o “ou-
tro”. Luís Guilherme Albuquerque de Andrade enfocou as práticas
de lazer em espaços públicos em “O desvio através das práticas de
ócio/lazer”. Marina Carmello Cunha, por sua vez, em “A baixa da
costureira – reflexões de um fazer campo na Baixa dos Sapatei-
ros”, associou as noções de antropofagia e de paradigma indiciário.
Osnildo Adão Wan-Dall Junior fechou a seção com “Experiência
das ruínas: ou em busca dos mistérios nas ruas de Salvador”, que
integrou trechos de escritos seus produzidos a partir de sua expe-
riência das ruínas.
A seção Debates teve como proposta contrapor três diferentes
posições acerca do mesmo tema já esboçado na Entrevista acerca
da complexa articulação entre história, historiografia, memória
e narrativa. O texto de Allan Sampaio e Washington Drummond,
“Genealogia e historiografia: dissolução do sujeito, elisão da me-
mória”, se propôs a traçar, como o título indica, algumas relações
teóricas entre genealogia, história, historiografia, sujeito e memó-
ria. Em “Percursos topográficos e afetivos pela cidade de São Pau-

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 53


lo. Memorialistas, viajantes, moradores, literatos e poetas”, Maria
Stella Bresciani discutiu relações semelhantes, mas a partir de
experiências em diferentes percursos pela cidade de São Paulo. Já
Margareth da Silva Pereira realizou um trabalhoso exercício his-
toriográfico de composição de um panorama do pensamento urba-
nístico no Brasil, intitulado “O rumor das narrativas: A história da
arquitetura e do urbanismo do século XX no Brasil como problema
historiográfico – notas para uma avaliação”, buscando compreen-
der como se constituem as redes de conexão entre as ideias, que
chamará de nebulosas, pelos seus movimentos de condensação e
dispersão nos diferentes contextos acadêmicos brasileiros.
Encerrando esta edição, a seção Resenha publicou um texto críti-
co de Clarissa Moreira, “Da cidade cúmplice à cidade insurgente”,
sobre os violentos processos urbanos, “históricos” e em curso, na
cidade do Rio de Janeiro, partindo da Exposição Turvações Estrati-
gráficas, de Yuri Firmeza, ocorrida no Museu de Arte do Rio de Ja-
neiro (MAR), novo museu construído dentro do controverso con-
texto do projeto “Porto Maravilha”, operação urbana consorciada
da região portuária da cidade. Este número da revista foi lançado e
distribuído no VII ANPUH-BA em Cachoeira/Bahia e, na sequên-
cia, no III Encontro Nacional da Associação de Pesquisa e Pós-
Grauação em Arquitetura e Urbanismo (ENANPARQ) e no VII
SEPEPUR (ANPUR) que ocorreram em São Paulo e, finalmente, no
UrbBA 14, em Salvador.
Em sua última edição dedicada ao acompanhamento dos deba-
tes e atividades da pesquisa PRONEM, o número 14 da revista foi
preparado para ser lançado na ocasião do Corpocidade 4, que reu-
niu os últimos seminários da pesquisa (público e de articulação)
e buscou desdobrar questões já anunciadas no número anterior e,
em particular, as articulações entre narração, memória e história

54 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


como possibilidades de tensionar experiências metodológicas de
apreensão da cidade.
Seguindo a sugestão de Washington Drummond, estabelecemos
como fio condutor deste último número da revista a obra de Wal-
ter Benjamin, procurando algumas brechas na enorme produção
editorial sobre o ensaísta alemão. Nesse sentido, optamos por pu-
blicar textos que investigassem o trabalho teórico de pensadores
do ciclo de amizades de Benjamin ou de autores que exploram um
campo analítico próximo ao nosso autor, além de nossos próprios
esforços em atualizar algumas ideias benjaminianas. Buscamos
também contemplar práticas estéticas como a fotografia, o cine-
ma, a poesia e o desenho, sobre as quais Benjamin devotou grande
parte dos seus insights sobre os modernos e sobre a modernidade
urbana.
Para introduzir este tema a partir dos campos da Filosofia e da
Literatura, a revista publicou uma entrevista com uma das mais
importantes pesquisadoras da obra de Walter Benjamin no Brasil,
a professora de filosofia da PUC/SP e de teoria literária da UNI-
CAMP, Jeanne Marie Gagnebin, que respondeu as perguntas ela-
boradas sobre temas variados, como experiência, narração, his-
tória, memória, infância e cidades, propostas por Fabiana Dultra
Britto e Paola Berenstein Jacques, a partir das reflexões da pesqui-
sadora já publicadas, sobretudo, no livro de referência: História e
narração em Walter Benjamin.
A seção Ensaios, que já no título traz uma questão tão cara à Walter
Benjamin, o “ensaio como forma”, como escreveu Adorno, buscou
abranger contribuições vindas de diferentes campos e que usam
diferentes formas ensaísticas (desenhos, textos, fotografias).
“Anotações sobre a Paris de Benjamin”, com desenhos de Washin-

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 55


gton Drummond, fez alusão às anotações manuscritas feitas por
Benjamin nos diferentes cadernos que sobreviveram à guerra
demonstrando sua singular forma de trabalho, que opera a partir
de constelações de diferentes ideias, referências e citações bem
distintas. As anotações em forma de desenhos de Drummond se
referem ao texto fundamental de Benjamin para os estudos sobre
cidades: “Paris, capital do século XIX”. No texto “História e Dilace-
ramento”, Vera Casa Nova e Alexandre Rodrigues da Costa abor-
daram as relações entre o pensamento de Benjamin e o de Georges
Bataille, adentrando uma lacuna de alguns pesquisadores brasilei-
ros que ainda não exploraram as profícuas relações estabelecidas
no seio do mítico Colégio de Sociologia. Benjamin e Bataille, que
viveram a experiência das duas guerras sob os signos do tempo e
da ruína, evocaram a história como dilaceramento. Em “Benjamin
e Kracauer: algumas passagens”, Danielle Corpas e Carlos Leal tra-
çaram os caminhos cruzados desses dois importantes e pioneiros
pesquisadores das manifestações da cultura urbana sob o impacto
da produção de mercadorias em massa. Kracauer e Benjamin sur-
giram, no artigo, elaborando seus temas e pesquisas em diálogo
permanente e, sobretudo, muito próximos quanto à compreensão
da produção teórica como combate ao conformismo. No texto “Lo-
bisomem na cidade: exceção soberana e demissão subjetiva”, Fer-
nando Ferraz refez o caminho da melancolia na modernidade ben-
jaminiana entre a acedia e a depressão contemporânea. Trazendo
o famoso conceito de estado de exceção, explorado por Agamben
como leitimotiv contemporâneo, busca, ao lado da leitura benjami-
niana da psicanalista Maria Rita Kehl, aproximar política e sub-
jetividade. “Teses sobre Walter Benjamin”, do poeta Raimar Ras-
telly, cita o pensamento benjaminiano na mais sutil das formas: a
escrita. As frases curtas, o humor e a agudeza barroca estão espa-
lhadas no minimalismo e a paródia modernista se volta sobre o seu

56 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


mais instigante intérprete. Para fechar esta seção de ensaios com
imagens, em “Rastros do Flâneur”, fotografias de Paola Berenstein
Jacques, procuramos abarcar esse universo no qual Benjamin nos
legou o importante e instigante ensaio: “A pequena história da fo-
tografia”. As imagens atuais das passagens parisienses e de seu flâ-
neur espectral – como as mercadorias que lhe cercam ou mesmo a
própria arquitetura das passagens – cedem uma nebulosa visual ao
ensaio benjaminiano ao tempo em que acionam as fantasmagorias
provocadas pelo contrapelo da escrita e do visual. Como a técnica
fotográfica evoca esses rastros da modernidade urbana, tão bem
retratada por Benjamin, que ainda habitam nosso imaginário?
A seção Experiências publicou, em seu primeiro bloco, o resultado
de um exercício de apreensão de Salvador, desenvolvido por par-
te dos integrantes da pesquisa PRONEM, como um processo de
montagem de micronarrativas da experiência urbana soteropoli-
tana até meados do século XX. Livremente inspirados no texto de
Walter Benjamin, “Paris, capital do século XIX”, buscamos com-
preender a montagem literária do texto benjaminiano e, a partir
desta leitura, engendrar diferentes temporalidades históricas: as
memórias de juventude do professor Pasqualino Romano Mag-
navita foram articuladas à pesquisa histórica, teórica e/ou docu-
mental feita por cada um dos dez autores, integrantes da pesquisa
PRONEM, sobre os fatos narrados em entrevistas com o professor
emérito, mas também a partir de reflexões críticas sobre o mo-
mento presente da cidade. Fabiana Dultra Britto nos apresentou o
processo desse exercício experimental proposto dentro da pesqui-
sa e “Salvador, cidade do século XX: a partir das memórias de Pas-
qualino Romano Magnavita”, elaborado por Paola Berenstein Ja-
cques, Washington Drummond, Felipe Caldas, Milene Migliano,
Osnildo Wan-Dall Junior, Gustavo França, Maria Isabel Menezes,

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 57


Amine Portugal Barbuda, Breno Silva e Lutero Pröscholdt Almei-
da, que também inclui um caderno de imagens montado por Ami-
ne Portugal Barbuda atualizando desenhos de época de Pasquali-
no Romano Magnavita, constituindo um resultado transitório do
profícuo exercício realizado pelo grupo. O segundo bloco da seção
traz quatro artigos que apresentaram uma tese de doutorado e três
dissertações de mestrado defendidas por egressos do Laboratório
Urbano ou integrantes da pesquisa PRONEM, respectivamente:
“O artefato cenográfico na invenção do cotidiano espetaculariza-
do”, de Eliezer Rolim; “Dança e intervenção urbana: a contribuição
do regime dos editais para a espetacularização da arte e da cidade
contemporânea”, de Tiago Nogueira Ribeiro; “Quando o pornô vai
à cidade”, de João Soares Pena; e “Narrativas urbanas literárias
como apreensão e produção da cidade contemporânea: uma lei-
tura do guia de ruas e mistérios da Bahia de todos os santos”, de
Osnildo Adão Wan-Dall Junior.
A seção Debates se iniciou com um texto da pesquisadora entre-
vistada, Jeanne Marie Gagnebin, a partir de sua fala na 27ª Bienal
de São Paulo. “Como viver junto? Uma comunidade de estrangei-
ros” parte de um texto clássico de Georg Simmel, mestre de Wal-
ter Benjamin, para nos colocar questões que ainda reverberam na
cidade contemporânea como: a nostalgia comunitária, o distan-
ciamento do “homem blasé”, o “lugar” da alteridade e o papel dos
estrangeiros, dos nômades e demais errantes ou desviantes nas
cidades. Benjamin retomou estas questões sobre a modernidade
abordadas inicialmente por Simmel, tendo nas cidades seu prin-
cipal “laboratório” de estudos da modernidade. Neste momento
de modernização urbana também se desenvolvia o cinema filma-
do nas ruas e é exatamente esta relação entre cinema e cidade que
José Francisco Serafim buscou tratar em “A cidade no cinema

58 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


documental dos anos 1920”. Aprofundando a questão do cinema
e, em particular, a questão da montagem a partir de imagens, em
“Horizonte distante: Warburg, Glauber e a fabricação da história
dos afetos”, Ana Ligia Leite e Aguiar trouxe formulações sobre uma
historiografia imagética (ou historiografia das imagens) desenvol-
vidas por Benjamin e Warburg sob o impacto tanto das fotografias
quanto do cinema. A iconologia do intervalo e as imagens dialéti-
cas são duas possibilidades de investigar o tempo moderno da his-
toriografia desafiadas pelo imaginário das imagens reprodutíveis,
desafio tomado como programa pelo cineasta Glauber Rocha.
Encerrando esta última edição, na seção Resenha, publicamos a
resenha do filósofo Rodrigo Araújo sobre o livro Imagens de pensa-
mento – Sobre o haxixe e outras drogas, de Walter Benjamin. O texto
avançou uma análise da obra, generosamente excedendo a simples
resenha em direção a um estudo das concepções textuais benjami-
nianas. Esse número da revista foi lançado e distribuído durante o
Corpocidade 4, em Salvador, e no XVI ENANPUR (Encontro Na-
cional da ANPUR), em Belo Horizonte.
---
Como podemos ver ao longo do relato acima, apesar de sempre ex-
plorar a polifonia, o debate e a transdisciplinaridade, a revista Re-
dobra buscou manter seu foco central nos seis números que acom-
panharam a pesquisa PRONEM, na tríade principal trabalhada
pelo grupo – experiência, apreensão, urbanismo – perpassando a
cada edição por todas nossas três linhas temáticas: 1. Subjetivida-
de, corpo, arte; 2. Alteridade, imagem, etnografia; 3. Memória, nar-
ração, história, com menor ou maior ênfase em cada uma. Em cada
número da revista um campo foi privilegiado – arte, etnografia,
história - mas sempre em tensão com os demais e, sobretudo, com

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 59


o campo do urbanismo. A revista funcionou efetivamente como
um sismógrafo sensível, um tipo de sensor que detectou e regis-
trou os diferentes movimentos e oscilações no decorrer de nosso
longo processo, polifônico e caleidoscópico, de pesquisa.
A palavra “sismógrafo” surge duas vezes no último número publi-
cado da revista (14), na entrevista que abre a edição, Jeanne Marie
Gagnebin cita Paul Ricoeur, que dizia que as obras literárias fun-
cionam como um tipo de sismógrafo privilegiado, e no último arti-
go, Ana Lígia Leite e Aguiar cita Giorgio Agamben no seu famoso
artigo sobre Aby Warburg,3 onde o filósofo diz que o historiador da
arte considerava artistas, sábios e historiadores “como sismógra-
fos hipersensíveis que respondem ao tremor de agitações longín-
quas ou como “necromanes” que, de plena consciência, evocam os
espectros que os ameaçam”.  Warburg escreveu, sobre Burckhardt
e Nietzsche: “Os dois são sismógrafos muito sensíveis, cujas bases
tremem quando eles recebem e transmitem as ondas [de choque,
de memória]”. Georges Didi-Huberman considera que Warburg
fazia uma “Sismografia dos tempos moventes”, e explica que: “o
sismógrafo é um aparelho capaz de registar movimentos subterrâ-
neos – invisíveis ou até imperceptíveis”4.
Como sabemos, Warburg criou o Atlas Mnemosyne, entre 1924 e
1929, que restou inacabado, transformando para sempre a histó-
ria da arte e a iconografia (e a iconologia) ao incorporar a questão
da memória involuntária e do que ele chamava de sobrevivências
(Nachleben). Como diz Didi-Huberman: “Mnemosyne foi sua para-
doxal obra prima e seu testamento metodológico” pois reúne todos
os objetos de sua pesquisa em um dispositivo de “painéis móveis”
constantemente montados, desmontados, remontados. Seguindo
o mesmo princípio metodológico da montagem e de seu complexo

60 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


processo de contínuas desmontagens e remontagens, propomos
a seguir uma série de remontagens – como um tipo de Atlas dos
movimentos registrados pelo/no sismógrafo-revista – dos seis
números (também pensados originalmente como montagens) da
revista Redobra que acompanharam, como um sismógrafo sensível
e polifônico, a pesquisa PRONEM .

NOTAS
1_ Anúncio da revista Angelus Novus,
que nunca chegou a ver a luz do dia.

2_ Coordenação editorial: Fabiana


Dultra Britto e Paola Berenstein
Jacques. Todos os números da revista
estão disponíveis on-line em: www.
redobra.ufba.br

3_ Giorgio Agamben, Aby Warburg


e a ciência sem nome, Arte&Ensaios
19, 2009.

4_ Georges Didi-Huberman, A
imagem sobrevivente. História da
arte e tempo dos fantasmas segundo
Aby Warburg, Rio de Janeiro:
Contraponto, 2013.

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 61


MONTAGENS *
pré-seleção: Paola Berenstein Jacques, Washington Drummond e Janaína Chavier
*

montagens: Daniel Sabóia, Janaína Chavier e Patricia Almeida

Então, não é toda cartografia que Eu tenho uma leitura da cartografia como
devemos fazer. _ Ana Clara Torres
Se ela se apresenta como neutra
está seguindo a dominação.

sendo a construção do espaço realizada pelo


sujeito pelo ator e pelos gestos dele. En-
tão é essa cartografia que me interessa e
essa é uma cartografia da ação, ela não é
uma cartografia social. Porque a cartogra-
_R 9 P 16.

fia social está preocupada com os indicado-


res, com as desigualdades sociais, e no meu
caso é a construção do espaço pelos gestos.
Ribeiro

_ Ana Clara Torres Ribeiro _R 9 P 9

A cartografia é um instrumento de poder,


nós sabemos. _ Ana Clara Torres Ribeiro _R 9 P 16

A cartografia que me inte-


ressa apoia a ação. Então
um dos mapas mais lin-
dos pra mim, um dos mais
importantes, é o mapa da
resistência francesa que
está num livro que é so-
_R 9 P 7 bre Walter Benjamim, que
chama “Por Walter Benja-
min”, o livro tem um mapa
que pra mim é maravilho-
so, é o mapa da resistên-
cia que atravessa os Piri-
neus. _ Ana Clara Torres Ribeiro
REDOBRA 9

_R 9 P 10
_R 9 P 6

A cartografia fica,
entre aspas, como uma espécie
de suporte a uma narração.
_Ana Clara Torres Ribeiro _R 9 P 19

Digamos, um suporte a uma narração, a uma narrativa ou


a expressão dela, ao resultado dela, seja qual narrativa que
seja, porque pode ser a da imprensa, a do sujeito, a do Estado.
_ Ana Clara Torres Ribeiro _R 9 P 19

Por isso que tem que ver


sujeito da ação. A carta

_ Ana Clara
A finalidade é um entendimento,
no nosso caso aqui, da ação

simplesmente ela é ou para ajudar

ajudar o sujeito da ação se não for


a criar as problemáticas, ou é pra

qual é a cartografia que


é útil pra ação de quem.
Então quer dizer, quando
isso, não tem sentido.

tem essa do Walter


Benjamin, nós sabemos
Torres Ribeiro _R9P16.

pra quem ela é útil. Então


temos que ver qual é o
sujeito da ação que nós
vamos atender. Porque
ela não é neutra, nunca.
e do

_ Ana Clara Torres Ribeiro _R 9 P 16.


O espaço público é, fundamentalmente, lugar de conflito e dissen-
so desde a pólis grega onde a ágora era o lugar das discussões
dos assuntos públicos, da política. Do mesmo modo, há inúmeras
tentativas de expropriação desse caráter dos espaços públicos na
cidade contemporânea. _ João Soares Pena e Osnildo Adão Wan-Dall Junior
._R 9 P 47.

Há um diálogo interdisciplinar
em construção, nesses tempos
difíceis, que resiste a uma análise
sistemática. Essa resistência, creio,
origina-se do predomínio de acordos
tácitos, dos consensos muito
rápidos, da tentação pelas grandes
sínteses e das imagens impactantes
do presente, além da influência
do pensamento operacional e
pragmático, que desaconselha
investimentos intelectuais de maior
duração. _ Ana Clara Torres Ribeiro ._R 9 P 58.

A intenção, com ações deste tipo, é pacificar o espaço público. En-


tretanto, é possível minar essas tentativas e resistir à transforma-
ção do espaço público em lugar homogêneo, consensual e produto
midiático, pois “o desentendimento, a explicitação de dissensos,
seria uma forma ativa de resistência, de ação política” (JACQUES,
2009) _ João Soares Pena e Osnildo Adão Wan-Dall Junior _R 9 P 47
Vive-se, de forma silenciosa, um novo tipo de mal estar,
resultante de bloqueios não explicitados ao pensamento
radical e livre. Esse impedimento decorre de uma
verdadeira sobrecarga de senso comum e de informações
desconexas mantidas num plano pré-analítico. Com tanta
euforia participativa e tantos ativismos espetaculares,
define-se um período contraditoriamente marcado por
riscos de consenso aparente e carregado de violência
simbólica e, assim, de mecanismos de coerção que
desafiam, particularmente, a arquitetura e o urbanismo.
(…) Eis aqui, talvez, a última (e primeira) fronteira a ser
trabalhada pelo diálogo interdisciplinar. Trata-se da
necessidade de desencantar acordos tácitos; de conceber
novos objetos de estudo e de criar áreas mais sólidas para
a reflexão intersubjetiva e ética das condições de vida da
maioria. _ Ana Clara Torres Ribeiro _R 9 P 60
da resistência ao pensamento dominante.
perdas simbólicas relevantes para os que
ousam propor os conceitos e os métodos
navegação difícil e de altíssimo risco de

_Gabriel Schvarsberg _R 9 P 167.


Este é, portanto, um período de

_R9P61

Para Milton Santos, os espaços opacos,


representados como feios, sem
interesse ou perigosos pelo pensamento
_ Ana Clara Torres Ribeiro.

dominante, oferecem materializações


de racionalidades alternativas e saberes
relacionados a apropriação socialmente
necessária dos recursos disponíveis,
possibilitando a sua multiplicação.
_ Ana Clara Torres Ribeiro _R 9 P 68
Em vez da ação que preserva a espontaneidade e que
procura compreender os muitos outros em suas próprias
circunstâncias, adotam-se intervenções que buscam a
rendição do Outro, envolto ideologicamente nas proprie-
dades consideradas mais relevantes de um determinado
território. Em acréscimo, a redução de sentidos da ação
social, que atinge a qualidade da política, traduz-se em
militarização do cotidiano, independentemente dos ato-
res sociais envolvidos. (...) Do lado da sociologia, cabe
a valorização dos muitos outros do território usado. Do
urbanismo crítico, podem ser esperadas contribuições
dirigidas a valorização do espaço socialmente apro-
priado, do território usado, das rugosidades, do homem
lento. Esta soma não significa uma segura decodifica-
ção do poder, ao contrário. Ainda caberia acrescentar
que a redução do espaço ao território, juntamente com
a redução da ação social aos termos da ação estratégi-
ca, estimula a difusão, sem maiores críticas, de um dis-
curso maniqueísta da experiência coletiva, que opõe o
bom e o mau, o amigo (ou irmão) e o inimigo, o eficiente
e o amador, o “antenado com o mundo” e o superado.
_ Ana Clara Torres Ribeiro _R 9 P 64
_ Gabriel Schvarsberg _R 9 P 162.
_ Pasqualino Magnavita _R 9 P 190 e 191.
A rugosidade, como acúmulo de tempos que con-
forma o espaço, condiciona os futuros possíveis.
Interfere na disputa entre futuros que acontece
a cada momento, para aqui recordarmos a leitu-
ra de Lefebvre do devir social. (...) A rugosidade
é vinco, conjunto de rugas, marcas, memórias.
Sem ela, não existiriam sobrevivências que parti-
cularizam e singularizam as formações sociais e,
especialmente, os lugares. _ Ana Clara Torres Ribeiro
._R 9 P 68 e 69

A cidade como lugar do estranho e do di-


verso, para além da comunidade de iguais,
a cidade como testemunho dos aconteci-
mentos – vistos como diferença – assim
como possibilidade do encontro com outros
tempos, para além da memória oficializada,
para além da musificação e patrimonializa-
ção, para além da repetição cotidiana e da
produção de uma presentificação do tempo,
pode testemunhar por seus espaços e por
sua duração, nas suas dobras e opacidades,
nas suas rugosidades, uma lentidão que re-
siste ao ritmo voraz de uma transformação
que torna translúcidos os processos de pro-
dução do mesmo, de extensão e de duração
como uma espécie de esfacelamento e apa-
gamento. _ Cibele Rizek _R 9 P 73
_ Jana lopes _R 9 P 104
_ Francesco Careri et alli _R 9 P 42 e 43
No que tange a sociologia, proponho,
recordando Guimarães Rosa, que a sua
contribuição seja compreendida como uma
especie de Terceira Margem. A sua relação
com a questão do poder é profundamente
diferente da relação historicamente
mantida pela geografia e pelo urbanismo.
_ Ana Clara Torres Ribeiro _R 9 P 70

Talvez o pressuposto não seja o sujeito, mas essa dinâmica que se


instaura e que não é o sujeito. Que não é ele que instaura sozinho.
É nessa outra dimensão que eu estou querendo pensar, de um
sujeito que talvez não seja o parâmetro. _ Fabiana Britto _R 9 P1 70

A construção da proposta partiu do de-


senvolvimento de uma metodologia com
passos genéricos que levam a uma inter-
venção urbana baseada em premissas
inspiradas nos próprios moradores de
rua como flexibilidade, movimento, im-
proviso, reciclagem, adaptação, novas
experiências, desvios de função, diver-
sidade e heterogeneidade. Desse modo,
elaborou-se estruturas-base, interativas
e flexíveis, que funcionam como supor-
te a realização das diversas atividades,
adotando como escala referencial a es-
cala micro, do detalhe, dos gestos e da
experiência corporal que fazem o espaço
acontecer. _ Jana Lopes _R 9 P 98
Pensando na sobreposição das esferas, públi-
co x privado, as redes sociais, como já fora ci-
tado, não seriam também um espaço político,
além da “exposição da intimidade no social”
_ Ícaro Vilaça _R 9 P 135

O lugar do discurso na pólis


A experiência interior, ou mística, em Battaille, é a da dissolu-
ção do indivíduo. Quando ela se esgota a sociedade recupera,
dá ao indivíduo nome, lugar, função etc. Mas o momento em que
ela acontece é do apagamento. _ Washington Drummond _R 9 P 157 .

era fundamental, o lugar da


fala, mas principalmente o
da escuta. Quando algum
cidadão assumia o lugar da
fala e não se afirmava efe-
tivamente enquanto uma
individualidade que mere-
cesse a escuta, os demais
tampavam os ouvidos para
não escutá-lo. E neste sen-
tido, questiono a aproxima-
ção das redes sociais com
a esfera pública de Arendt
(referenciada na experiên-
cia grega), pois, neste dis-
positivo não há escuta, todos
falam ao mesmo tempo. Não
dá pra escutar todo mundo.
_ Thais Portela _R 9 P 144

Sugiro pensar a rede (internet) como um dis-


positivo técnico, que cria uma esfera oscilan-
te, ora pública, ora privada, ora social (ou ain-
da da intimidade). _ Fernando Ferraz _R 9 P 135.
Considero muito simplória a
associação direta entre esfera
públicas e as redes, pois tal
mecanismo de não acessar
conteúdos não tem nenhuma . R 9 P 159_. Por sermos um
correspondência com a em- grupo de pesquisa, penso que
bate entre discurso e escuta a preocupação não seja a de
relatado por Arendt. Internet encontrar uma metodologia.
não é o espaço do debate, é Talvez o reconhecimento da
um dispositivo de exposição. complexidade da cidade con-
Entendo que sem o temporânea seja já um indicati-
debate não há esfera vo da impossibilidade de definir
pública. _ Fabiana Britto uma metodologia de apreensão.
_R 9 P 124. Este um enfoque necessário
para pensar em que medida
precisamos de metodologias.
_ Fabiana Britto

As experiências de apreensão e investigação do espaço ur-


bano pelos errantes e, em particular, as narrativas errantes
resultantes – artísticas, literárias, etnográficas, cinematográ-
ficas ou cartográficas – apontam, portanto, para uma possibi-
lidade de urbanismo mais incorporado. Estas narrativas fun-
cionam como um tipo de contra-produção de subjetividades
que embaralha um pouco algumas certezas, preconceitos e
estereótipos do pensamento urbanístico. A experiência erráti-
ca da cidade, como possibilidade de experiência da alteridade
urbana, e as narrativas errantes, como sua forma de trans-
missão, podem operar como um potente desestabilizador das
partilhas hegemônicas do sensível e das atuais configurações
anestesiadas dos desejos. _ Paola Berenstein Jacques _R 9 P 200.
A Cidade para nós arquitetos e urbanistas se situa na forma
de pensar e criar da Arte, um bloco de sensações constituído
por criativas percepções (Perceptos) e Afectos (não meros
sentimentos, afeições), e isso, enquanto “Lógica dos senti-
dos”. (…) A Cidade, através das práticas de seus cidadãos,
pressupõe essas três formas de pensar e criar e, portanto,
constituem uma realidade onde os conceitos, as funções e
as sensações se cruzam se entrelaçam e fazem do pensa-
mento sobre a cidade e suas criações (Acontecimentos) uma
Heterogênese. Sendo a Cidade uma obra de arte, um bloco
de sensações, outro eixo “metodológico” a ser evidenciado
seria o Corpo e seus sentidos, mas também, um corpo afeti-
vo, desejante (desejo não como falta, mas enquanto criação,
um Corpo sem órgãos). Corpo não apenas como compor-
tamento normativo, mas de movimentos, gestos, posturas
capazes de afetar o espaço urbano com atitudes singulares,
criativas, praticas dissensuais e que permitem novas per-
cepções e afetividades urbanas, e isso, enquanto “Figuras
Estéticas”. _ Pasqualino Magnavita _R 9 P 209
_ Jana lopes _R 9 P 104

estar ligado ao fazer experimento. Mas também, pode


ser algo “sempre por terminar”, da ordem do inacabado,
cidade, portanto o espaço público. Nós estamos aqui
A nossa experiência tem como campo investigativo a

discutindo o “experienciar”. Algo experimental pode

ou “sempre em aberto”. _ Fernando Ferraz. ._R 9 P 171.

A cidade viva e experimental, e plena de rugosidades,


não morreu. Apesar dos impactos da crise societária,
esta cidade permanece ativa na tessitura do cotidiano.
Dai a importância do reconhecimento da ação possí-
vel ao sujeito social. E este o sujeito da cartografia da
ação, que habita (e produz) território usado. Sem esta
cartografia, viabiliza-se a afirmação de leituras da ex-
periência urbana que, em vez da negociação, propõem
idealmente a rendição (ou eliminação física) dos muitos
outros. _ Ana Clara Torres Ribeiro _R9P66
_ João Sores Pena e Osnildo Adão Wan-Dall Junior _R 9 P 50

Mesmo proporcionada pela cultura,


a experiência do impossível em Ba-
taille rompe com ela no momento
de sua realização, explodindo em
mil intensidades que se reagrupam
e escapam do imaginário ou discur-
sivo e só reconhece a sua própria
forca, expansão e apagamento. Im-
possível de conduzi-la a uma finali-
dade, aos desejos prosaicos da vida
em comum, pois ela atua como uma
ameaça no proscênio da constitui-
ção do social e da cultura. _ Washington
Drummond ._R 9 P 216 e 217
Mais do que definir um objeto de estudo, o trabalho procurou confi-
gurar-se como um exercício de experimentação desta operação que
se faz com objetos, sobre objetos, contra objetos: o movimento como
desvio, ou os desvios pelo movimento. O desvio qualifica este movi-
mento, colocando-o sempre em relação a algo com o que não pode
ou não quer estar conforme. Apresenta-se, portanto, como elemen-
to critico que, por estar em movimento, já aponta sempre outra di-
reção. Os objetos aqui submetidos a esta operação são: o urbanismo
enquanto pensamento e prática; a cidade, como campo de forcas;
e as ruas, como experiência vivida e cotidiana. _ Gabriel Schvarsberg
._R 9 P 160 e 161.

Errar, ou seja, a prática da errância, pode


Colocar-se como sujeito político é

num lugar de segurança, de abrigo


ou de conforto. _ Washington Drummond
uma coisa “tensa”, não nos coloca

ser um instrumento da experiência de


alteridade na cidade, uma ferramenta
subjetiva e singular – o contrário de um
metodo tradicional. A errância urbana é
uma apologia da experiência da cidade,
que pode ser praticada por qualquer um,
mas que o errante pratica de forma vo-
luntária. O errante, então, é aquele que
busca um estado de corpo errante, que
experimenta a cidade através das errân-
cias, que se preocupa mais com as prá-
_R 9 P 171

ticas, ações e percursos, do que com as


representações, planificações ou proje-
ções. _ Paola Berenstein Jacques _R 9 P 197
Em meio a tal contexto de produção de cidade, fica
evidente que signos e códigos aos quais são submeti-
dos os territórios são cruciais para facilitar sua leitura
por parte daqueles que vivenciam o espaço urbano,
bem como para seu controle pelo aparelho de Estado
que salvaguarda os interesses do capital imobiliário,
turístico e etc. O espaço urbano é ordenado, regula-
mentado, museificado para ser apreendido como uma
unidade discursiva coesa, do qual se espera que algo
seja dito, do qual se espera uma única verdade que eli-
mina as ambigüidades, as confusões e as incongruên-
cias da cidade vivida. Através dos dispositivos criados
entorno dos ‘re’, operam-se campos de visibilidade
– museus, monumentos, patrimônios, dentre ou-
tros – capazes de sedimentar saberes que garantem
a manutenção dos interesses da ordem dominante.
_ Clara Pignaton _R 9 P 147

Entretanto, retomemos um ponto precioso das refle-


xões foucaultianas acerca do sujeito e sua indicação
de que talvez não nos seja permitido pensar qualquer
experiência que seja sem colocar sobre fogo cerrado
o estatuto do sujeito e sua função fundadora, do con-
trário estaríamos sempre no espaço viciado da filoso-
fia do sujeito. Nos termos evocados por Foucault será
preciso, com a proveitosa leitura de Nietzsche, Blan-
chot, Bataille, submeter a questão do sujeito a uma
experiência que “chegaria a sua destruição real, a sua
dissociação, a sua explosão, o seu retorno como qual-
quer outra coisa”. _ Washington Drummond ._R 9 P 216.
_ Rafael Luís Souza _R 9 P 114.
Então me interessava esse sentido de ter na mão, ter entre as
mãos, não num sentido demiúrgico, do demiurgo que tem as
mãos sobre a cidade, mas mais no sentido do artesão que faz
as coisas com as mãos, entre as mãos. Herdar é prendre dans
les mains (pegar nas mãos), apreender é primeiro saisir entre
les mains (apanhar entre as mãos) e, em seguida, saisir (apren-
der) intelectualmente, compreender. _ Alessia de Biase . _R 10 P 6.

Então eu pensava que, em francês,


Eu gosto muito da palavra apreender que existe em português mas que não exis-

ação, como verbo, apreender. Quando eu descobri essa palavra foi muito impor-
tante para mim, porque apreensão em italiano está somente relacionado com
te em italiano, existe como nome, substantivo, apreensão, mas não existe como

appréhender (apreender) e apprendre


(aprender) era a mesma coisa, e quando
eu descobri que não era a mesma coisa,
porque em italiano não tem essa ação e
medo, qualquer medo, uma angústia. _ Alessia de Biase _R 10 P 5 e 6

não tem esse segundo significado, para


mim importantíssimo, quando eu des-
cobri isso, eu disse: é isso que nós esta-
mos fazendo! O que eu gosto muito em
apreender, é o sentido de pegar com as
mãos. _ Alessia de Biase _R 10 P 6

Por isso que digo que a grelha ajuda a


se perder, porque na nossa maneira
de caminhar nas ruas da cidade, nós
sabemos, de forma consciente ou não,
onde estão algumas fronteiras, só ca-
minhando... Essa é uma herança dos
situacionistas, dos jogos psicogeográ-
ficos, como, por exemplo, ao caminhar,
pegar a primeira rua à direita e depois a
primeira rua à esquerda, essa era tam-
REDOBRA 10

bém uma maneira de desvia. _ Alessia de


Biase _R 10 P 10
_R 10 P 99

A grelha não é parecida em lugares dife-


rentes, o tamanho da grelha é algo que o
pesquisador trabalha mesmo corporal-
mente na cidade. Fizemos experiências dis-
so entre Paris e Bordeaux. Quando fizemos
a experiência em Salvador fizemos a grelha
do mesmo tamanho de Paris, mas isso foi
logo no início. Agora, depois da experiência
em Bordeaux, seria bom ver o tamanho da
grelha em Salvador. Porque o tamanho é
ligado à experiência urbana que você tem.
_ Alessia de Biase _R 10 P 9

Pensando a cidade como um ambiente que tanto


promove quanto resulta de processos que se instau-
ram pelas dinâmicas de negociação cotidiana dos seus
habitantes nos espaços públicos, a oficina Composição
do Comum propôs aos participantes uma experiência de
apreensão da cidade pela prática de percepção das suas
próprias condutas de convívio, num exercício coletivo de
composição coreográfica com objetos e pessoas, para
testar, em estúdio, modos de elaboração de um sistema
organizado a partir da contínua negociação entre os
propósitos individuais das ações dos participantes e os
propósitos coletivos de uma composição do comum –
como é a própria vida pública.
_ Fabiana Dultra Britto _R 10 P 113
Após este longo percurso que nos

estratégias e quais as estratégias institucionais? Pois, se um dia pautaram-se pelo domínio discursivo, impondo

trans disciplinaridade, no caso sob os auspícios do estético, numa gestão dessa diferença que espelha a sua pró-
e restringindo, hoje se recompõem numa virada astuciosa, a saber: incorporar a diferença enquanto multi/inter/
Se uma análise institucional indicaria as formas pelas quais são garantidas a sobrevivência dos seus regimes de

pria face: a falsa dicotomia entre prática e teoria, a autonomia da metodologia, a recusa à abstração. _ Fernando
produção de saber, a circunscrição dos discursos aos modos estabelecidos de enunciação, quais seriam nossas
levou da Antropologia do século XIX
à questão da narrativa etnográfica
urbana atual gostaria de voltar à per-
gunta que deu título a este trabalho:
podemos todos ser etnógrafos? A
rigor, fazer etnografia não consiste
apenas em “ir a campo”, “ceder a pa-
lavra aos nativos” ou ter um “espírito
etnográfico”. Fazer etnografia supõe
uma vocação de desenraizamento,
uma formação para ver o mundo de
maneira descentrada, uma prepara-

_R 10 P 24
ção teórica para entender o “campo”
que queremos pesquisar, um “se
Ferraz, Luiz Antonio de Souza e Washington Drummond

jogar de cabeça” no mundo que pre-


tendemos desvendar, um tempo pro-
longado dialogando com as pessoas
que almejamos entender, um “levar
a sério” sua palavra, um encontrar
uma ordem nas coisas e, depois, um
colocar as coisas em ordem median-
te uma escrita realista, polifônica
e intersubjetiva. _ Urpi Montoya Uriarte
. _R10P187
É isso, mas só para concluir sobre as
biografias das pessoas, quando você faz
esses mapas, são mapas maravilhosos,
mas são objetos singulares, o problema é:
comoeufaçopassardosingularaocoletivo?
Esse é um problema da Antropologia,
como faço esse salto trabalhando
com esse coletivo que não esquece o
singular? _ Alessia de Biase ._R 10 P 12.
A postura antropológica é intimamente ligada à maneira
de se perguntar incansavelmente sobre a realidade
que está na nossa frente e, por isso, o detalhe ganha
significado. _ Alessia de Biase _R 10 P 13 e 14

_ Janaína Bechler _R 10 P 61
Não se tem nunca uma só ma-
neira de ver, por isso eu falo
de uma postura antropológi-
ca, que é mais uma maneira
de estar aberto – como um
bom antropólogo ao fazer et-
nografia – ao fazer um traba-
lho de campo, é estar aberto
para compreender como fun-
ciona o mundo e compreen-
der todas as relações que os
outros estão contando para
nós. _ Alessia de Biase .._R 10 P 14.
tudo nós vamos tocar as coisas [bate na mesa],

[bate na mesa] também é uma maneira im-


Sim, é isso, por isso que empiria impertinente

a realidade, e depois falamos entre nós, só

pertinente, como nos colocamos, trabalhamos


seria uma empiria na frente de tudo, antes de

depois... Mas como nós tocamos a realidade

juntos etc. _ Alessia de Biase _R 10 P 19


Agora, é muito confortável se

acadêmicos ou não, lamenta-se o “em-


pobrecimento da experiência”, frente

da, mas criar eticamente algo na varia-


Em narrativas históricas da moder-
nidade, e em diferentes textos atuais,

ao condicionamento dos atuais modos


(...). O importante não é lamentar a per-

ção contínua da existência. _ Pasqualino


fazer só teoria: você está bem
confortável na sua casa, sozi-
nho, ninguém lhe chateia, você
e seu computador, fantástico!
Então, você escreve, você se lê,
uma ligação amorosa entre você

_R 10 P 30
e você... [risos] Não estou dizen-
do que isto não seja necessário,
é importante que tenha gente

Magnavita
que faça isso, mas para o Labo-
ratório a empiria é necessária,
tem que antes de se sentar, cor-
rer um pouco pela cidade, suar
um pouco antes de se sentar, e o
Pode-se lembrar ainda com
impertinente é o lado indiscipli-
Benjamin, um Proust descre-
nado, você pode fazer empiria,
vendo o acordar e o adorme-
trabalho de campo, sem seguir
as regras mais rígidas de fazer cer – um estar adormecendo
o trabalho de campo. _ Alessia de e acordando – momentos de
Biase _R 10 P 18 indecisão, de indecidibilidade,
matrizes de uma outra expe-
riência de tempo e de memó-
ria, que embaralham sonho
Nos dias atuais, a apreensão urbana
traduz simplesmente em medo: es-

vez mais, um espaço do medo do

do qual precisamos nos defender e


paços públicos não são mais lugares
de encontro com o outro e sim, cada

outro - um diferente ou um estranho

proteger. _ Francesco Careri, Giorgio Ta-

e vigília, realidade e ficção.


Seria então necessário recu-
perar como alvo e objeto de
_R 10 P 95

reflexão e como possibilidade


de pensar e nomear os terri-
tórios do indeterminado, da
locci e Maria Rocco

suspensão, da hesitação, do
tatear, contra as classifica-
ções apressadas. _ Cibele Rizek
._R 10 P 34
Valeria, num seminário como este, procurar relacionar não o que
pode o corpo, mas, o que podem multidões de corpos que habitam e
agem numa rede aberta de cidades, enquanto experiências urbanas
contemporâneas, (...) pois, a atual dinâmica planetária do capitalis-
mo, vem determinando o que podem os corpos. _ Pasqualino Magnavita
._R 10 P 30 e 31.

Os limiares são zonas menos definidas que


as fronteiras. Lembram fluxos e contraflu-
xos, viagens, desejo. A confusão linguística e

do social com práticas de sobrevivência e pactos de confiança frente aos


medos e fantasmas de violência do cotidiano. _ Andrea Maciel ._R 10 P 54.
eles se revelaram como artérias responsáveis por irrigar um frágil teci-
ce O Chão nas Cidades revelou na sua precariedade potências vitais. De fato,
A dimensão política desse corpo das margens catalisado pela performan-
semântica entre limite e limiar faz esquecer
que esse último aponta para um lugar e um
tempo intermediários e indeterminados que
podem ter extensão indefinida. _ Cibele Rizek
._R 10 P 34

A questão não é apenas lamentar o empo-


brecimento da experiência, mas, reconhecer
a riqueza e potencialidade das novas tecno-
logias e que, dependendo da criatividade da-
queles que as usam, elas podem se tornar
instrumento de resistência ao controle social
existente. Pois, se o empobrecimento da ex-
periência refere-se à real possibilidade dos
sentidos enquanto organismo (visão, audição,
olfato, paladar e pele), e que continuam inalie-
náveis nos corpos, o importante é reconhecer
que a desterritorialização dessa estratificação
orgânica, não é propriamente um empobre-
cimento, mas, uma maior possibilidade de
criar (…) enquanto corpos desejantes, em que
o desejo não é carência, mas Acontecimento,
Criação. _ Pasqualino Magnavita _R 10 P 30 e 31
“Cotidianidade não é evidência,
mas opacidade”. Esta “constatação
elementar” do escritor e ensaísta
As apresentações conseguiram Georges Perec – que já há algum
explicitar (às vezes mais nos com- tempo me instigava – foi o ponto de
portamentos do que nos discursos) partida para compreender a opa-
dificuldades e problemas na arti- cidade como uma qualidade ine-
culação entre a experiência vivida rente, intrínseca e intermitente dos
e as formas de compartilhamento espaços urbanos, que se manifesta
delas, trazendo à tona, a já clássica até mesmo naqueles mais espeta-
– embora ainda mal resolvida – se- cularizados e “luminosos”, pois o
paração entre as práticas teórica e que conta para essa manifestação
empírica, juntamente com todo o é sobretudo o regime temporal da
seu corolário de subtemas ainda re- experiência no espaço, através do

ideias ou teorias... _ Alessia de Biase _R 10 P 201


correntes: a noção de sujeito, a no- espaço – não o espaço em si. _ Silvana
ção de autonomia e de independên-
Olivieri _R 10 P 65
cia, a noção de hierarquia (seja ela
de situação, de função, de poder ou
outra), a noção de experiência e de
participação, a noção de público e de
coletivo, entre outras... _ Fabiana Dultra
pedaços de pensamento colados uns aos outros e não por grandes
urbana feita por pequenos gestos, ensaios, materiais recosturados,
A Antropologia da transformação é uma exploração da metamorfose

Britto _R 10 P 75 e 76
A primeira imagem que nos chega é o protagonismo
do corpo (já delimitado pelo tipo de prática artística
contemporânea escolhida: body art, performance,
intervenção) que condiciona sua potência ao estatuto do
corpo como suporte, o que na visão dos pesquisadores
poderia dar não apenas um vetor de diferenciação,
mas a superação de um exercício investigativo que se
caracterizaria tanto pela postura de “gabinete”, quanto por
uma excessiva aventura teoricizante, inócua e árida. Por
outro lado, a inclusão da gestualidade e da “incorporação”
do ato de pesquisa a qualificaria como ato de presença
e daí seu primeiro viés “etnográfico”, o espontaneísmo
e todos os correlatos russeístas: os perigos de uma
etnografia selvagem como paradigma de um contato mais
profundo do que aquele propiciado pelo conceito e pela
abstração teórica. A membrana estética recobriria então
a investigação urbana, numa dupla crítica aos fazeres dos
pesquisadores agora prosaicos e ultrapassados, com os
dons de uma partilha cristã do sensível (a teoria é cinza e
mefítica!) e uma nova abordagem metodológica afinada aos
tempos, posto que colaborativa (o conceito parece ainda
muito próximo do nome próprio e da tradição moderna!).
Eis sem delongas, a nossa zona de risco. _ Fernando Ferraz, Luiz
Antonio de Souza e Washington Drummond _R10P23

_ Silvana Olivieri e Amine Portugal _R 10 P 66 e 67.


_ Ícaro Vilaça e Amine Portugal _R 10 P 142
Mas se consideramos – reenvindi-

tornou então um dos nossos desafios: se desarmar, parafraseando Georges Didi Huberman,
Aprender a olhar, falar e trabalhar juntos em torno de um objeto, como a transformação, se

de seus habitus disciplinares (sem nunca renunciar a suas próprias ferramentas) – processo

de paciência – para se rearmar de um novo olhar e uma nova linguagem em comum.


extremamente complicado e longo de se colocar em prática, um verdadeiro exercício
cando uma filiação e a herança esco-
lhida – a “arquitetura”, não somente
como um objeto mas também como
um processo de produção espacial
coletiva em contínua negociação, en-
contraremos campos que se abrem
para uma antropologia de novos e
interessantes objetos. _ Alessia de Biase
._R 10 P 197

A empiria e a experiência são


entretanto fundamentais para
aprender e apreender as coi-
sas, para estar no mundo. Nes-
te sentido, o que nos interessa
é explorar no “fazer a cidade”
_R 10 P 199

no seu ato, no seu processo de


construção material que colo-
ca em ação uma abordagem que
_ Alessia de Biase

poderíamos definir como arte-


sanal de apreensão do mundo.
_ Alessia de Biase _R 10 P 201
Como apreender a cidade contempo-
rânea? Quais metodologias utilizar?
Em qual filiação teórica e segundo
quais noções conceituais ancorar esta
apreensão? O tema é ambicioso. Ele
também é bastante vasto, muito com-
plexo e oferece de fato múltiplas pistas

Uriarte
_ Carolina de Castro Anselmo _R 10 P 166

de reflexão.._ Rachel Thomas _R 10 P 207.


precisamos

_R 10 P 184
aprender

aprender a narrar. _ Urpi Montoya


o fugaz, são características

considerar objetos, além de


a
de fenômenos urbanos que
O passageiro, o emergente,
_ Ana Rizek Sheldon, Renata Roel, Thiago Sampaio, Isaura Tupiniquim,

Cinara d’Alva e Maíra Spanghero _R 10 P 113.

Neste contexto do trabalho a


ruptura com o campo só tem
necessariamente sentido quando
ela conduz em direção a formas
de diálogo entre os pesquisadores
implicados e favorece debates
contraditórios entre seus diferentes
modos de inteligibilidade do
sensível. _ Rachel Thomas _R 10 P 213
Usamos então a caminha-
da como metodologia para
se dar a possibilidade do
acaso, de tropeçar em al-
gum lugar, de ter um tipo

Atualizamos o “O divisor”, obra de Ligia Pape, 1968, em uma

confeccionado observando as singularidades do trabalho original

Sete, localizada a 300 metros da Praça da Estação e o mar então


desceu a Avenida Amazonas desaguando na Praia da Estação.
performance pelas ruas da cidade. O tecido que une as pessoas foi

mas mudando a cor para um azul profundo. Foi vestido na Praça


de ancoragem com a reali-
dade, com alguém, com um
Stalker local para nos fazer
compreender melhor,
(…)
e a caminhada como ins-
trumento para diminuir o
medo, a apreensão, você
está sempre em um estado
de apreensão mas não tão
aterrorizado, não é mais o
medo que paralisa...
_ Francesco Careri _R 11 P 14
_R 11 P 49
_ Milene Migliano

A caminhada surgiu de um
desejo de conhecermos o que
existia do outro lado, além da
cidade que nos contavam os
nossos professores (Faculda-
REDOBRA 11

de de Arquitetura de Roma).
_ Francesco Careri _R 11 P 9
Conformam uma prática es-
pacial que aplica a palavra
na paisagem política árida e,
ao mesmo tempo, reivindica
o uso coletivo e público do
espaço cada vez mais privati-
zado. _ Piseagrama ._R 11 P 64.

A construção de uma rede metropolitana de afetos enquanto prática de


resistência cultural e artística às receitas globais de revitalização das
metrópoles parece ser o caminho indicado por essas recentes expe-
riências. _ Barbara Szaniecki e Cristina Ribas _R 11 P 61

Leitor e autor do mapa são sujei-


nal íntimo de Lorenzo, tínhamos vários materiais que eram
Havia todo um problema sobre a representação, como re-

testemunhas do que fizemos que poderiam ser vendidos,


vídeo de Aldo, as belas imagens de Romolo e Giovanna, o jor-
presentar, já falei disso, da cartografia, o Planisfero Roma, o

comprados pelo mercado de arte. _ Francesco Careri _R 11 P 11

tos ativos na comunicação carto-


gráfica, devem lutar para isso. É
preciso, na montagem ou leitura
de um mapa, estar à espreita,10
reparar, espiar, reinventar e, de
alguma forma, sentir a vida que
passa por ali. Cartografias do
“para-formal” são experiências
de coleta de dados, de análise
e de visões de futuro para essas
atividades realizadas no centro
das cidades e em muitos outros
locais da vida contemporânea.
_ Eduardo Rocha Lima ._R 11 P 86
Queríamos mostrar isso, que era possível
fazer uma caminhada dessa forma, que
era possível viver de outra forma a cidade,
era como uma construção de situações,
construir uma outra situação, uma outra
forma de habitar, outro ponto de vista.
_ Francesco Careri _R 11 P 9

_ Milene Migliano e Luiz Navarro _R 11 P 46


Foi aí que compreendi a existência do Outro,
normalmente pensamos um outro que é
pacificado, que podemos entrar em acordo,
com os ciganos era impossível, eles nos
escapam. E vão continuar escapando.
A única forma de sobrevivência deles é de
nos escapar, é assim. _ Francesco Careri ._R 11 P 16.
A complexidade da abordagem lefebvriana do espaço
se consolida pelo foco na simultaneidade de forças
de ordens distintas que atuam ativamente na produ-
ção material da cidade. Forças, muitas vezes opos-
tas, que se interpõem e não que se sobrepõem que
se interconectam e não se digladiam, como podería-
mos pensar num jogo. _ Eduardo Rocha Lima _R 11 P 92

Relativização e desenraizamento garan-


_ Milene Migliano e Flora Rajão _R 11 P 50

tem, com certa facilidade, identificar o


Outro, senti-lo, se familiarizar e se co-
municar com pessoas diversas, porém
não são suficientes quando se trata de
capturar a complexidade do espaço, en-
tendido como conjunto de relações entre
elementos, tais como ambiência, histó-
ria, sistema econômico, usuários, usos,
significados etc. _ Milton Júlio Carvalho Filho e
Urpi Montoya Uriarte _R 11 P 104
Utilizei o fio condutor a questão da simultaneidade de tem-
pos e de espaços. Os usos, apropriações e ressignificações.
Os “gestos-fios”, que marcam essa escala do cotidiano, e
que muitas vezes passam despercebidos pela lógica global.
Eles nos conduziram nesse caminho. _ José Clewton do Nasci-
mento _R 11 P 93

A experiência do caminhante que se propõe metodologica-


mente a apreender o espaço urbano por onde ele perambula
exige deste sujeito um estado corporal específico, ou (extra)
ordinário, no qual o presente que o rodeia captura tal corpo
– impregna a superfície de toda sua pele – em uma vivência
reflexiva que fábula questões (e não respostas!) sobre o que
presencia. Comunicar tal experiência, após vivê-la, exige
criação sobre a reflexão. _ Eduardo Rocha Lima _R 11 P 96

_ José Clewton do Nascimento _R 11 P 95


Em um mundo que valoriza a per-
formance, a “exatidão”, a “objetivi-
dade”, a “cientificidade”, propomos
a utilização de um dispositivo que
possui, nele próprio, o erro, a impre-
cisão, a brincadeira, o desvio, o jogo. A Oficina se aproxima de
O tecnológico aqui tem o papel não uma experiência errática, ao
de corroborar teorias pré-estabele- distanciar quem a pratica da
cidas, mas sim induzir um jogo, uma maneira habitual de se lo-
brincadeira. _ Aline Couri _R 11 P 125. comover na cidade, pois ao
mirar na direção do trajeto já
percorrido, a impossibilidade
de premeditar o caminho se
ri-Pierre Jeudy e Maria Claudia Galera
Em que ordem praticar o olhar?
Se os espaços urbanos são dis-
tintos, eles se sobrepõem e nos
convidam a seguir um cami-
nho mais caleidoscópico. _ Han-

torna uma condição do per-


curso, assim como a recon-
figuração do que é percebido
pelo sistema sensório-motor
pela inversão de orientação
do corpo. _ Ana Rizek Sheldon
._R 11 P 213

._R 11 P 137

A busca de vestígios de construções antigas seria uma obsessão con-


temporânea como se fosse necessário tornar visíveis os fragmentos
do que já foi? Eu me perguntei se o olhar de um cidadão não seria mais
estimulado pelo desvelar da imaginação do que não é visível, mas que
poderia ser. O que já está lá, em potência, e que forma uma represen-
tação possível da história da cidade pelos relatos fantasiosos e singu-
lares de seus habitantes. O olhar dado para uma paisagem urbana se
alimenta dos enigmas que produz o que não é visível e, que cada relato
torna, à sua maneira, “quase visível”. _ Hanri-Pierre Jeudy e Maria Claudia Ga-
lera _R 11 P 214
Há de se pensar o método de pesquisa como um instrumento, inde-
pendente do seu campo de origem ou da atuação de seu pesquisador.
Uma metodologia não precisa ser rígida, mas sim adaptável, de acordo
com a situação, os critérios do pesquisador e as necessidades de seu
objeto. _ Luís Guilherme Albuquerque de Andrade _R 11 P 111

_ Amine Portugal _R 11 P 182

Fugindo do determinismo tecnológico procuramos compreender até


que ponto as tecnologias podem nos auxiliar ou nos atrapalhar, per-
guntamos: é possível, através de alguns recursos tecnológicos, cha-
mar a atenção para a subjetividade, para o acaso, para o desvio, nos
modos de vida e apreensão das cidades? _ Aline Couri _R 11 P 124 e 125.
A proposta é resistir à nulidade atribuída ao corpo nos
espaços públicos contemporâneos, fenômeno oriundo
de diversas estratégias de anestesiamento que o
planejamento urbano opera e que tem tornado a cidade um
campo de falta. _ Thiago de Araujo Costa _R 11 P 134 e 135

ria pensarmos algumas táticas para isso e, ainda, em como


lidades que provoquem experiências limites, afetivas. Cabe-
Colocando-se em risco na cidade, indo de encontro a espacia-

comunicar o que foi experimentado? _ Breno Silva _R 11 P 145

_ Barbara Szaniecki, Cristina Ribas e Marcos Chaves _R 11 P 62


_ Eduardo Rocha Lima et alli _R 11 P 87.

Para achar um cotidiano “semeado de


maravilhas” (CERTEAU) teria de adaptar a
metodologia do trabalho à invenção da rua do
praticante, por isso criei narrativas que chamo
de narrativas antropofágicas: fabulações das
ruas que encontrei no fazer cotidiano destes
praticantes, como esta potencialidade de revide;
a rua incorporada, a fábula de cidade, a invenção;
estas que se contrapõem a uma realidade
hegemônica proposta por macro-estratégias. As
narrativas antropológicas são uma reinvenção da
produção de cidade para e com o Outro.
_ Amine Portugal _R 11 P 185
_ José Clewton do Nascimento _R 11 P 95
Caminhar pela cidade, eis a proposta de
apreensão do espaço urbano que é en-
carado, nesta abordagem da cidade con-
temporânea, como método e “fonte de
informações” para a reflexão crítica. A
proposta aqui é que a prática de atraves-
sar a cidade explane ao pesquisador-ur-
banista as questões a serem exploradas
pelo seu “fazer” criativo. _ Eduardo Rocha
Lima _R 11 P 203

Uma cidade heteróclita,


caleidoscópica, só pode ter um
simulacro de centro, ela não precisa
de um umbigo a partir do qual a
cidade se desenvolveria no espaço.
_ Henri-Pierre Jeudy e Maria Claudia Galera _R 11 P 215

Flanar, é passear, sem pressa, se deixar guiar pelo acaso das cir-
cunstâncias e pelos eventos do momento. Para Régine Robin, flâneu-
se das megalópoles contemporâneas, trata-se de explorar a cidade
em todas as direções e através de diferentes meios de locomoção,
para apreendê-la plenamente. Realizar uma etnografia em um con-
texto urbano, seria partir em busca de urbanidade, se transformar
de alguma forma em um catador ou uma catadora de pistas para se
compreender aquilo que faz de uma cidade, cidade. _ Nadja Monnet
._R 11 P 218
Qual seria esta maneira “tipicamente”
feminina de apreender a cidade? (...) Quais
são então essas experiências femininas? E
como elas são vividas? _ Nadja Monnet
_R 11 P 223

_ Piseagrama _R 11 P 67.

A cidade nômade vive em osmose com a cidade sedentária, nutre-se


dos seus resíduos, oferecendo em troca a própria presença como nova
natureza, é um futuro abandonado produzido espontaneamente pela
entropia da cidade. _ Francesco Careri _R 11 P 240
Tentemos entender o que nos diz a dança dos corpos
no espaço público, e nos perguntemos como esses
corpos estão mudando com a aceleração generaliza-
da da mobilidade. Examinemos as lógicas sociais que
permitem que um lugar público seja algo mais que
um mero território de acessibilidade e de circulação,
uma rede de relações instáveis entre desconhecidos,
ou recém conhecidos, uma proliferação constante e
mutante. _ Nadja Monnet _R 11 P 230

Na América do Sul, caminhar significa enfrentar muitos medos:


medo da cidade, medo do espaço público, medo de infringir as
regras, medo de apropriar-se do espaço, medo de ultrapassar
barreiras muitas vezes inexistentes e medo dos outros cidadãos,
quase sempre percebidos como inimigos potenciais. Simples-
mente, o caminhar dá medo e, por isso, não se caminha mais;
quem caminha é um sem-teto, um mendigo, um marginal.
(…)
Que tipo de cidade poderão produzir essas pessoas que têm
medo de caminhar? _ Francesco Careri _R11P241

Pôr em crise as poucas certezas mal alcançadas per-


mite que se abra a mente a mundos e a possibilidades
antes inexplorados, convida a reinventar tudo: a ideia
que se tem de cidade, a definição que se tem de arte
e de arquitetura, o lugar que se ocupa neste mundo.
Ocorre a libertação de convicções postiças e começa-
se a recordar que o espaço é uma fantástica invenção
com a qual se pode brincar, como as crianças. Um
mote que guia as nossas caminhadas é “quem perde
tempo ganha espaço” _ Francesco Careri _R11P241
A pesquisa toma a noção de experiência e de
sua transmissão em forma narrativa, como
princípio norteador de nossa investigação
metodológica. _ Paola Berenstein Jacques _R 12 P 13

_ Thais Portela _R 12 P 32

Eu implementei esta metodologia do fazer corpo/ tomar cor-


po/ dar corpo depois de uma década de trabalho sobre a
acessibilidade dos pedestres ao espaço público urbano e o
caminhar cidade. _ Rachel Thomas _R 12 P 9

Surge uma questão fundamental que para nós está dire-


tamente relacionada com a apreensão da cidade: como
REDOBRA 12

narrar nossa experiência urbana hoje? _ Paola Berenstein Ja-


cques _R 12 P 13
A cidade é soma de memórias, algumas feitas história: aquelas
que se constroem como narrativas compartilhadas, como me-
mórias coletivas. Pensar cidades sem considerar suas memó-
rias – institucionalizadas e naturalizadas ou apagadas e silen-
ciadas – é subtrair-lhes o espaço de desejo,de ação, de utopia,
de convergência e confronto. _ Margareth da Silva Pereira ._R 12 P 16.
Memória e História são narrativas que evocam experiên-

ação evocativa de reminiscências, a historiografia busca

coletivos sobre o vivido quanto às suas lacunas e, assim,

riografia nem a posição do historiador são neutras. São


cias e temporalidades que não são nem lineares, nem
cíclicas, mas também não são aleatórias e relativas. Na

práticas e lugares discursivos situados que, por sua vez


aos seus modos de legitimação. Entretanto, nem a histo-
tomar distância crítica em relação tanto aos discursos

configuram formas de linguagens e de leituras. _ Marga-


A metodologia do
fazer corpo/ tomar
corpo/ dar corpo (…)
considera que o cor-
po do pesquisador ou
do usuário constitui
– como o discurso,
o levantamento ou
_R 12 P 17

a observação – um
instrumento de inte-
reth da Silva Pereira

ligibilidade dos pro-


cessos em curso no
cotidiano. _ Rachel Tho-

mas _R 12 P 9

Nuvens e conjunto de nuvens (aqui chamadas de nebulosas) não


tem limites e sim, contornos. As nebulosas são metáforas das
configurações precárias, contingentes que são possíveis ser pen-
sadas e propostas no campo coletivo por cada historiador a partir
dos fragmentos que reúne em seu esforço de objetivação dos dis-
cursos do outro e em relação ao próprio exercício de dotação de
sentido que empreende. _ Margareth da Silva Pereira _R 12 P 18
_ Thais Portela _R 12 P 33
A corpografia urbana nos parece uma precio-

ralidades de seus habitantes não como causas


contemporânea, por nos impedir leituras sim-

constituição separadamente fazendo-nos, ao

mo conjunto de condições mobilizadoras dos


processos que se podem instaurar envolvendo
ambos, cujas resultantes serão sempre transi-
sa pista de análise da complexidade da cidade

plificadoras centradas em cada aspecto de sua

contrário, compreender a cidade e as corpo-

ou efeitos uma da outra, mas como um mes-

tórias. _ Fabiana Dultra Britto _R 12 P 38

Mas, e Exu? Porque Exu? (…) se urbanista entendesse de Exu que é


o orixá dono dos caminhos, das ruas as cidades não estariam nessa
situação de hoje (…) como cartografar mundos outros cujo modo de
ser é tão distinto do vivido pelo pesquisador? _ Thais Portela _R 12 P 31

As recentes aproximações entre dança, estudos do


corpo e estudos da cidade se, por um lado, sugerem
interessantes reconfigurações dos seus respectivos
modos de problematização das relações corpo/am-
biente, por outro, requerem procedimentos de expe-
rimentação, análise e formulação narrativa sobre o
tema mais apropriadas à natureza processual dessas
interações, de modo a evitar o risco tanto da sua sim-
plificação determinista quanto do seu esvaziamento
crítico pela estabilização de metodologias como nor-
ma institucionalizada. _ Fabiana Dultra Britto _R 12 P 37
A cartografia sensorial, desenhada por
Suely Rolnik, é apontada como a ferra-
menta teórica e metodológica de apreen-
são da cidade na medida em que instaura
uma dinâmica relacional corporal com
o espaço-mapeamento do mundo pelo/
com/no corpo. (…) Para além da carto-
grafia sensorial, fomos experimentando
no espaço procedimentos metodológicos
de apreensão da cidade que partiam da
cartografia da ação, da etnografia, histó-
ria oral, micro-história, narrativas urba-
nas... mas todos a partir da experiência
do corpo vivenciando o percurso escolhi-
do da cidade. _ Thais Portela _R 12 P 26

_ Clarissa Moreira, Nicolas Bautès e Amadei Machado _R 12 P 76.


_ Clarissa Moreira, Nicolas Bautès e Amadei Machado _R 12 P 70
A ideia de montagem como uma forma de conhecimento criada a
partir da reunião de narrativas/imagens bem distintas e por ve-
zes paradoxais, a partir do choque entre elas, poderia ser pensada
também como um modo de apreensão e compreensão da cidade.
_ Paola Berenstein Jacques _R 12 P 15

Quem é que vive a experiência? Quais são

de lugar é construída sempre que o vivemos. Arquitetu-


O que aprendemos, antes de mais nada, é que a noção

ra não é, ela se torna, num desdobramento de espaços

reinventam e as transformam. _ Daniela Brasil _R 12 P 67.


e tempos, de acordo com os corpos que as habitam, as
seus condicionamentos, quais são seus
modos de sentir? Como as suas predis-
posições corporais e mentais reagem à
situação criada? Construir uma situa-
ção não é suficiente. O quanto aberto à
participação, interação e interpretação
faz diferença: quem participa, o quan-
to a pessoa está aberta a se engajar, a se
abrir e a de fato entrar na experiência?
É o participante que deseja se transfor-
mar e transformar a experiência com a
sua participação. _ Daniela Brasil _R 12 P 57.

Caminhar por esse lugar, percorrê-lo com passos firmes ou delica-


dos, é uma forma de micro-resistência: ação modesta, sensível aos
desafios e ameaças colocados hoje, diante do apagamento em curso
de suas rugosidades- a passagem do tempo, as camadas de história- e
de suas características, sejam sociais ou topográficas. Ato micro-po-
litico de resistência (…). Caminhar é então uma forma de contato com
um contexto urbano histórico “vivo” ou em carne-viva. _ Clarissa Moreira e
Nicolas Bautès _R 12 P 71
Nesta antropologia da cidade em transformação,
três tempos e três escalas de análise de cruzam
sem cessar: a cidade herdada do século XX; a
cidade habitada ou a cidade do presente que se
faz e desfaz cotidianamente e, enfim, uma cidade
projetada que se confronta constantemente com
seu horizonte futuro. _ Alessia de Biase _R 12 P 79

A insistência sobre lugares nos levará


a compreender e a interrogar detalhes
com os habitantes e, também, questio-
nar o fato de estar presente em algum
lugar? O que esta ação comporta? O
que significa tal presença corporal e
que efeitos ela pode produzir no es-
paço e no encontro com as pessoas?
_ Daniela Brasil e Archivo Histórico José Vial Armstrong _R 12 P 63

_ Alessia de Biase ._R 12 P 78


Mas o que quer dizer, neste mun-
do que caminha, parar? Estar fixo?
Olhar a cidade sentado em algum
lugar? Podemos falar em “falar
a cidade” se não a percorremos?
_ Alessia de Biase _R 12 P 81

A insistência – estritamente herdada da práti-


ca etnográfica iniciada pela Escola de Chicago,
que levará ao que conhecemos como “obser-
vação participante” – pretende que na ação de
se posicionar em um lugar se inicia toda uma
compreensão das situações espaciais e sociais.
_ Alessia de Biase _R 12 P 82

_ Alessia de Biase_R 12 P 85.


A pixação é simplesmente o fim da estética da
fachada, uma estético-política da sinceridade e,
como tal, o fim da pura estética que é a estéti-
ca da fachada, o fim da estética como elogio da
superfície acobertadora, da enganação com que
costumamos confundir o mundo do aparecer.
_ Marcia Tiburi _R 12 P 43

Nós sabemos, por nossa experiência


cotidiana, que os “quase-nada” contri-
buem para a construção da imagem e
do imaginário de um lugar, e que se-
quências de pequenos gestos quase
inúteis mais necessários preenchem
a nossa vida urbana de todos os dias.
._ Alessia de Biase _R 12 P 83

Para chegar a fazer “pequenas arqueologias dos


lugares”, pois trata-se exatamente de buscar os
vestígios, recompor gestos, posturas, olhares e
pedaços de narrativas, para compreender como
os lugares funcionam ou as lógicas de certas si-
tuações, é preciso se dar um tempo, não ser im-
paciente. Se sentar e olhar. Perder tempo, muito
tempo (...). O lento passar dos dias, passados a
olhar ou a se impregnar, permitem começar a
apreender como se organiza e quais são os rit-
mos de um espaço, como as pessoas ficam ali,
agem e se apropriam, ou o evitam. _ Alessia de Biase
._R 12 P 84 e 85
O fenômeno da pixação” em grandes
cidades, tais como São Paulo, é tanto
estético quanto político. O gesto esté-
tico transformado em arma de comba-
te social pode fazer da pixação a mais
potente forma de arte de nosso tempo.
(…) O que os praticantes da pixação
põem em cena é um radical questio-
namento sobre o espaço urbano, um
questionamento que é teórico e prá-
tico, artístico e retórico. _ Márcia Tiburi.
._R 12 P 39

_ Janaína Chavier_R 12 P 123.


_ ITAPAGIP3 _R 12 P 139

Nas primeiras tentativas de definir uma metodologia inicial


para o desenvolvimento do trabalho, esbarramos na dificul-
dade de traçar previamente um caminho a ser percorrido.
Resolvemos então assumir a ideia de que cada etapa indicaria
o passo seguinte e que cada uma delas deveria resultar do
acúmulo de questões e reflexões levantadas até então. Outro
aspecto metodológico importante adotado foi a constante
busca pela desestabilização das questões teóricas de onde
partíamos e das conclusões a que chegávamos, através das
experiências que realizávamos na cidade. Esta postura pos-
sibilitava a visualização de desvios aos rumos inicialmente
pensados para cada etapa, mostrando alternativas de prosse-
guimento mais coerentes com o processo e com o lugar.
_ Daniel Sabóia, Fábio Steque e Patrícia Almeida

_R 12 P 138
A transformação das cidades, a destruição das paisa-
gens tradicionais é um fenômeno recorrente, desde
meados do século XIX. A partir daí nenhuma cidade
escapou ao cutelo de reformadores, higienistas e ur-
banistas. O que vamos ensaiar aqui é a dor experimen-
tada com essa perda, que se manifesta na forma da
saudade. (…) Assim sendo, podemos tentar capturar
nas “narrativas saudosas” algo daquela dor do vazio
de uma destruição. _ Robert Moses Pechman _R 12 P 158
Ruína e ebulição: há sempre
em toda grande cidade tempos
e presenças diferentes coabi-
tando no espaço, sobretudo em

moso artigo de Clifford Geertz.


seus centros históricos. _ José Ta-

A distinção destes dois proce-

rar – foi bastante nova, pelo


dimentos – descrever e nar-

menos para os antropólogos,


acostumados com a “descri-
ção densa”, tornada quase
uma obrigação a partir do fa-
._R12P172.

_R 12 P 131
_ Urpi Montoya Uriarte
vares Correia de Lira

Apontando essa diversidade de olhares, afirmava-se


também a questão da construção da diversidade das
narrativas, bem como a necessidade de construção
das categorias de análise que compreendessem e
descrevessem essas diversidades – de olhar e de nar-
rativas. _ Cibele Rizek _R12P184
A saudade, destilada pela memória, é, pois, um sintoma do processo
de transformação da cidade e também de perda do sentido de imorta-
lidade com que a cidade contempla a sociedade. Estamos aqui no reino
da narrativa, no plano da História. A saudade se historiciza, e podemos
vê-la como uma narração. _ Robert Moses Pechman ._R 12 P 159

_ Marina Cunha
_R 12 P 89
floresciam
sem parar, num regi-
me de imaginário onde

_ Robert Moses Pechman


Lembrar se tornou um
exercício de política, ali
onde novas paisagens

a palavra de ordem
era a racionalidade, a
técnica, o maquinário,
a produtividade, o flu-
xo, o ritmo, a mudan-
ça, a transformação.

._R 12 P 161
urbanas
riam falar, provocá-las transformando seu caráter de máquinas
de guerra em textos, em descrições e sentidos – talvez aqui se
condições, comodidades e realizações.

racionais e do imprevisível das ações,

Fazer os mapas e as cartografias falarem o que elas não pode-

ções entre a pesquisa de campo e a apreensão das transforma-


possa encontrar uma das questões mais interessantes das rela-
cinéticas e emocionais, de consciência
e desorientação, de comportamentos

._R 12 P 168.
Lugar da política, a cidade é atravessada
por disputas incessantes acerca de suas

Lugar da vida nervosa, de excitações

ela é um universo privilegiadopara a


emergência de novas subjetividades.

ções da cidade contemporânea. _ Cibele Rizek _R 12 P 184 e 185


_ José Tavares Correia de Lira

Ali todo luto pela perda de experiências


que foram interrompidas na cidade por
interesses comerciais, industriais, imo-
biliários ou financeiros, é patético. Por
entre os condomínios fechados e os
shoppings, a cidade se desfaz diante da
privatização do espaço. Nesse sentido, a
própria saudade da cidade se torna pa-
tética. Pode ser que ali a vida urbana se Apesar de uma ênfase
reinvente algum dia, pode ser que sin- bastante frequente na
tam saudade de ser cidade. _ Robert Moses continuidade dos pro-
Pechman ._R 12 P 167 cessos sociais e urba-
nos no mundo contem-
porâneo, parece claro
As cidades não acabam, mes- que há dimensões iné-
mo quando são destruídas por ditas e desconhecidas,
bombas ou demolidas por pi- ainda opacas, mais do
caretas. Elas resistem, mesmo que simples reitera-
que só na saudade. _ Robert Moses ções e continuidades.
Pechman ._R12P160 _ CibeleRizek ._R 12 P 188
Lugar, portanto, de progresso É sintomático que hoje, quan-
e ruína, de abandono e cria- do as políticas de revitalização
ção, de permanência e demo- de centros históricos e bairros
lição, a materialidade urbana centrais parecem ter se afir-
emerge como campo histórico mado na agenda patrimonial
abalado pelas forças produ- brasileira, personagens como
tivas, a conflagração dos ho- esses venham sendo identi-
mens e o peso da natureza. ficados entre seus principais
_ José Tavares Correia de Lira obstáculos. Prostitutas da Lapa
_R12P169 no Rio, viciados em crack na
Luz em São Paulo, trombadi-
nhas, mendigos e moradores
de rua de toda grande cidade
Será que é possível a pesquisadores e artistas par-
tilharem práticas de trabalho de campo? O que se

protocolos, método, para o trabalho estético e para


conforma como trabalho de campo, procedimentos,

o trabalho de pesquisa etnográfica e antropológica?

brasileira tornaram-se fre-


quentemente o alvo de ações
urbanísticas, higienistas, poli-
ciais, comunitárias e criminais.
_ José Tavares Correia de Lira

._R12P173
_R 12 P 186 e 187

Como intervir na cidade enquanto artistas,


sem provocar gentrificação ou enobrecimen-
to? Como intervir e desaparecer depois da
intervenção? Essas questões que aliam as di-
_ Cibele Rizek

mensões éticas e estéticas das intervenções


artísticas no espaço e nos territórios da cida-
de. _ Cibele Rizek _R 12 P 186

É interessante notar como essa atenção aos homens comuns, à cultura


popular, às minorias sociais e étnicas e aos marcos anônimos da histó-
ria nacional coincide no tempo com o interesse pelo tema do patrimô-
nio urbano e das áreas centrais. _ José Tavares Correia de Lira ._R 12 P 176
Uma palavra parece saltar como necessidade e
como imperativo: articulação. Colocava-se então
como questão a articulação entre objetos de pes-
quisa, práticas e atividades, quadro conceitual e
trabalho empírico. Dentro desse escopo de di-
mensões, a questão da experiência se configura-
va em diferentes níveis: o do corpo, o do urbano e
a experiência dos sujeitos concebidos como su-
jeitos não essencializados, sem substância fixa
– isto é, esses sujeitos não são entidades, mas
processos e nessa condição se constituem como
tema, como eixo, ao mesmo tempo teórico e de
pesquisa empírica. _ Cibele Rizek _R12P189

_ ITAPAGIP3 _R 12 P 140.
_ Livia Flores e Fernell Franco _R 13 P 70 e 71

Os textos literários fornecem insights e por vezes


longas descrições da percepção do autor sobre o
ambiente construído, ruas e praças, monumentos;
enfim, sobre o mobiliário urbano e a parte interna
das moradias com a distribuição de cômodos, mo-
veis e sua disposição. Nos introduzem à percepção
das subjetividades e dos corpos em espaços diferen-
ciados, o a vontade em ambientes internos e a apro-
priação de ruas, praças, jardins. Minha opinião: não
é possível conhecer o século XIX, arriscaria incluir
o XX, sem os textos literários. Literatura e história –
fronteiras instáveis que desafiam o historiador a ter
presente esta instabilidade, num jogo de aproxi-
mações e afastamentos. Um desafio difícil, porém
REDOBRA 13

indispensável, além de profundamente sedutor.


_ Maria Stella Bresciani _R 13 P 18
Não é fácil conciliar as duas narrativas: historiográfica e literária. En-
quanto a escrita historiográfica nos mantém em confortável distância
dos personagens e suas vidas, a escrita literária nos seduz, nos faz vo-
yeurs. Ela é permissiva ao nos convidar, e até empurrar para a vida dos
personagens, seus bons e maus momentos, suas dúvidas, os maus
caminhos que tomam; enfim, nos envolve na rede de intrigas presente
na boa literatura. A literatura é fonte, documento para o historiador.
_ Maria Stella Bresciani _R 13 P 18

Há vozes menos ouvidas a exigirem serem ouvidas, mas a meu ver,


não podemos tomar a polaridade vencedor-vencidos como modelos
explicativos, sob pena, tal como exposto em questões anteriores, de
anteciparmos as conclusões já na proposta ou na hipótese do trabalho.
_ Maria Stella Bresciani _R 13 P 24

nares, entretanto, depende da orientação dada pelo pes-

diferentes se dispõem como possibilidades ao historia-


Os estudos urbanos deveriam ser sempre interdiscipli-

quisador ao seu trabalho. Na disciplina história, posições

dor interessado em pesquisar dimensões da vida urbana.


_R 13 P 21
_ Marina Cunha _R 13 P 134

_ Maria Stella Bresciani


O estudo dos grandes temas – as interven-
ções em cidades de antiga formação, sedi-
mentadas em várias camadas superpostas, e
nas cidades de formação mais recente e a im-
plantação das novas cidades – induz sempre
e nos conduz a seus protagonistas, coletivos
alguns, anônimos outros, ou ainda precisa-
mente definidos. _ Maria Stella Bresciani _R 13 P 23

A cidade entendida como entida-


de política, agonística, em per-
manente disputa por territórios e
imaginários. _ Livia Flores _R13P67

_ Osnildo Adão Wan-Dall Junior _R 13 P 141


Note-se aqui a solidariedade entre cidades e homens, ambos
atingidos por essa mesma potência, a violência, disseminada num
vasto território que nos inclui: América Latina. Coincidências não
implicam necessariamente em semelhanças, coincidências são
aproximações móveis, pontuais e efêmeras, pequenos choques
que fazem o pensamento mover-se. _ Livia Flores _R13P69

Tanto a arquitetura quanto a paleon-


Existem sempre os errantes”, esses seres obscurecidos no dia
a dia, periodicamente colocados sob o foco da administração

o dos consumidores de drogas. Podem ser apreendidos em in-


sights, brechas entreabertas que nos deixam, mas nosso olhar
pública, da polícia, das ONGs quando se trata de “revitalizar”
uma área ou de erradicar um problema sanitário-social, como

nossos olhares bem fincados em campos conceituais precisos.


pode fazer essa análise em contrapelo, mas nunca se desfaz de

tologia fornecem metáforas-chave


para os trabalhos de rememoração:
memória como construção (a arqui-
tetura); memória como escavação
(a paleontologia e/ou a arqueologia).
_ Fernanda Arêas Peixoto _R 13 P 31

Não creio que haja só vencedores


nesse campo de disputas entre urba-
nistas bastante acirrado e fortemen-
_R 13 P 24

te marcado por injunções políticas.


Trata-se, certamente, da parcela le-
trada da população com acesso a sa-
beres especializados e formada por
_ Maria Stella Bresciani

profissionais fincados em territórios


abertamente defendidos contra in-
trusos. Há vencedores e vencidos em
todos os quadrantes da sociedade.
_ Maria Stella Bresciani _R 13 P 23

O procedimento composicional, posto a nu, evidencia os proces-


sos criadores da memória, aproximando-os da criação literária. (…)
Além disso, ambas as criações – memorialística e literária – só se
realizam no ouvinte das experiências vividas, ou no leitor dos textos.
_ Fernanda Arêas Peixoto _R 13 P 33
Sem estabelecer regras primárias, logo a re-
lação entre pesquisador e cidade impulsionou
uma maneira de estar no espaço urbano. Por-
tanto, a percepção da metodologia só aconte-
ceu no meio do processo: basicamente encon-
tramos um composto, uma catação de métodos
que poderiam ser úteis, cada um a sua maneira,
para o entendimento deste trecho de bairro e
sua relação com a espetacularização da cidade.
A percepção de que esse fazer campo passava
por uma maneira peculiar de seguir pequenos
detalhes e fontes, nos fez chegar ao paradig-
ma indiciário, método proposto pelo historia-
dor Carlos Ginzburg. Essas pequenas fontes,
então, passaram a ser tomadas enquanto pis-
tas, indícios, sinais e vestígios sobre os quais
muitas vezes fizemos uso de intuição e sensi-
bilidade para encontrar o caminho da pesquisa.
_ Marina Carmello Cunha _R13P132

Nas teses [Benjamin] e em Proust, a aparição


da memória dá-se num campo de dissociações,
disrupções e surpresas, seja num relampejar,
acionando a visão, ou na degustação, quando o
paladar insta a cena. Em ambos, o memorialis-
mo é deslocado para um sujeito disperso que é
assaltado pela memória involuntária e enviesa-
da. _ Washington Drummond e Alan Sampaio _R 13 P 166
Poderíamos indagar a que ponto percursos Como me deslocar da A infância como dispositivo narrativo
individuais relacionados à classe social e a trajetória do apren- para dissolver o sujeito a uma ins-
grupos específicos forneceriam um indica- dizado pessoal para tância de descobertas e associações
dor estável para desenharmos nos mapas o conjunto de tra- quase mágicas: a experiência his-
os limites, as camadas arqueológicas, as jetórias de pessoas tórica, sua memória, torna-se efe-
cidades justapostas? E o quanto, para uma plurais e às suas tiva na constituição de uma escrita
classe social ou um grupo, a cidade seria, intransferíveis afini- encenada pelos olhos absurdos de
para além desses limites, uma nebulosa, dades e identidades uma criança reescrita pelo homem.
territórios desconhecidos, alguns focos afetivas com uma A impossibilidade de recuperação do
mais iluminados sob um pano de fundo, ou cidade? Walter Ben- passado “como ele aconteceu” des-
ainda lugares entrevistos numa rápida pas- jamin compôs a nar- loca-se para a efetividade de quadros
sagem? A cidade assim percorrida e reme- rativa de sua infância urbanos (como o estratego Baudelai-
morada expõe o elemento estruturante do berlinense compondo re já havia feito com sua lírica sobre
urbano; permite assinalar no mapa o “efeito um quebra-cabeças Paris e traduzida por Benjamin para
constitutivo do tempo”. Cidade que se apre- algo disparatado e o alemão) entre a análise sociológi-
senta escandida, recortada em numerosos incompleto de lu- ca (aqui um componente irônico para
detalhes de tempos de aprendizado e de gares, momentos, uma criança em plena desorientação
trabalho, de sucesso e de derrotas. Escan- eventos, objetos, sen- urbana!) e os textos quase parábo-
dida em gestos de apropriação dos espaços. sações. _ Maria Stella las à maneira kafkiana. _ Washington
_ Maria Stella Bresciani _R 13 P 176 e 177. Bresciani _R 13 P 175. Drummond e Alan Sampaio ._R 13 P 165.
Os vaga-lumes da experiência das ruínas só existem porque
existe sua própria noite, um coexistindo na exceção do outro,
pois ambos – noite e alteridade – são muitas vezes “esque-
cidos” pelos planos e planejamentos urbanos mais tradicio-

._R 13 P 203
nais. Acreditamos, por fim, que a potência resistente desta
mesma noite torna a alteridade tão vaga-lume quanto notí-
vaga em meio às ruínas da cidade. _ Osnildo Adão Wan-Dall Junior
._R 13 P 145

Há de fato uma dubiedade entre a nostalgia do sujeito que


narra sua experiência e as novas possibilidades de narração
e circulação inauguradas pelo romance e seguida pela im-
prensa diária. _ Washington Drummond e Alan Sampaio ._R 13 P 165.

Como o que interessava era a apreensão do outro – parti-

perspectivas e pontos de vistas. _ Janaina Chavier et alli


cularmente a relação do outro com a cidade – a etnografia
mostrou-se como um método de apreensão a ser explora-
do. O desafio metodológico então era o de adotar uma nova
postura ao observar essa cidade, indo além do meu campo

textos em circulação nos últimos 30 anos, por exemplo, o passado ga-


_R 13 P 100.

muitas vezes,como um tempo morto e estéril. _ Margareth da Silva Pereira


e aqui escolhemos Salvador, pode ser vista por diferentes ângulos,

e trajetórias se completam ou se hibridizam. No conjunto profuso de


se contrapõem ou são mantidas e leituras e interpretações de obras
O campo intelectual dos pesquisadores que praticam hoje a história de
O texto-jogo que se inicia parte do entendimento de que as cidades,

arranjos. Em consequência, diferentes visões de história, e da história,

nhou possibilidades de sentido cultural e social mas também se revela,


tura e/ou do urbanismo, se organizou em diferentes temporalidades e
cidades ou da arte, e com elas ou a partir delas a história da arquite-
de formação. _ Luís Guilherme Albuquerque de Andrade ._R 13 P 127.
_ Blerta Copa, Igor Queiroz, Janaína Chavier e Mariachiara Mondini _R 13 P 103.

A proposta foi, portanto,


trabalhar com a “ética” da
história oral, muito mais que
com o método. O desejo era
trabalhar “com” e não “o”
outro. É disto que eu parto.
_Jurema Moreira Cavalcanti

_R 13 P 120
A memória, nossas memórias, diz Cauquelin,

Vaga e incerta luz que vaga - a palavra vagalume é poética, por si


só. Mas não desprezo o pirilampo. É nele que penso aqui, apesar
da sua sonoridade, talvez infantil, talvez antiquada, ou justamen-
te por isso, porque essa palavra exige um salto no tempo (urs-
prung): em direção à infância, ao antigo. _ Livia Flores _R 13 P 72.
não se nutrem do saber erudito que permite a
escavação arqueológica imaginária de Freud;
elas dispõem de limites fluidos, de detalhes que
adquirem significado por se mesclarem a um
conjunto de memórias outras. Apresentam-se
como “pequenas memórias”, expõem como vi-
vemos nossos espaços, fragmentariamente,
com esquecimentos, lacunas, submetidos à for-
ça de opiniões das quais ignoramos, por vezes, a
origem. _ Maria Stella Bresciani _R13P176

De Benjamin, “Sobre alguns temas em Bau-


delaire”, revelou-se fundamental para uma
aproximação sensível à memória, aos es-
tímulos dos choques nas cidades e, para
a imprescindível passagem pelos litera-
tos para compreendermos o século XIX.
_ Maria Stella Bresciani _R 13 P 17

Ao trazer à luz partes


conhecidos de forma singular: são detalhes,
O sentimento de liberdade se dispõe in-

voluntária, entre experiência, vivência e


recordação. Palmilhar caminhos os torna

pequenos pormenores – um pedaço que-


brado de calçamento, uma vitrine convidati-

a direita na calçada, o poente na traves-


deciso entre a memória voluntária e a in-

va, um som inesperado, desvios a explorar


e encompridar caminhos, o tomar sempre

sia do viaduto do Chá, a chuva fina nos fins


de tarde de inverno – é como puxar um fio
sem fim. _ Maria Stella Bresciani _R 13 P 25.

ocultas e subterrâneas
da cidade, o que se re-
cupera é a memória viva
dos processos – de todo
o processo histórico.
Mais que simplesmen-
te lembrar, a operação
atualiza esses acon-
tecimentos – não só
lembrar, mas verificar,
constatar, “sentir” as
forças em jogo. _ Claris-
sa Moreira ._R 13 P 252.
A presentificação da experiência da arte, o anacronismo da própria po-
sição do historiador entre o saber e o sentir ou os modelos de tempo
que faz seus, mereceriam, por exemplo, serem examinados. Além dis-
so, na medida em que a forma de pensar o tempo e a história ganham
singularidades, no caso do Brasil, a historicidade de certas perspecti-
vas e modos de temporalização necessitariam ser ainda mais debati-
das, desconstruídas. _ Margareth da Silva Pereira _R13P238

É o tempo que “insufla” tanto a história quanto a arquitetura e


suas práticas. É uma visão de tempo e sua pontuação que está im-
plícita nos modos de temporalização abstratos das periodizações
que cada um adota ou cria com maior ou menor consciência. Na
cultura ocidental esta é uma relação que parece tão evidente que
a própria arquitetura é vista como o suporte privilegiado da his-
tória e da memória, isto é como a pontuação do próprio tempo.
_ Margareth da Silva Pereira _R13P238

Essa amplitude e diversidade dos estudos históricos na área da arqui-


tetura e do urbanismo nas últimas décadas é de tal ordem que pode-
ríamos imaginar várias nuvens de pesquisadores, professores, insti-
tuições com orientações teóricas específicas, formando configurações
gasosas e moventes. Pareceria que estamos diante de uma série de
nebulosas, entendendo-se o termo nebulosas menos em seu senti-
do corrente de algo pouco claro (embora não deixe de sê-lo) do que
no sentido arcaico de nebulae – nuvens ou conjunto de nuvens que se
articulam ou entrechocam. A metáfora parece útil para evocar essas
formas vaporosas que se agregam para se constituir de modo den-
so em certas zonas, fluído e esgarçado em outras, se consolidando ou
se diluindo a partir da interação de umas com outras ou francamente
em situação de isolamento. Contudo, se olharmos estas configurações
ainda mais de perto, suas formas exibem diversas camadas mais ou
menos etéreas, com seus pontos de concentração ou esgarçamento.
_ Margareth da Silva Pereira _R13 P202
No período de menos de vinte anos novas orientações teóricas foram formula-
das, incidindo assim, primeiramente, no próprio exercício reflexivo e crítico do
campo dos estudos históricos. Modificaram-se seu vocabulário, seus objetos

_ Marina Cunha
de estudo, o processo de construção de suas categorias e ferramentas e, de
início, seu próprio diálogo com outros campos disciplinares. (…) É nesse qua-
dro que, como se sabe, a circulação do termo historiografia ganha espaço ou

_R 13 P 130
passa a circular em muitos países latinos, inclusive no Brasil, sublinhando e
designando os estudos voltados para a própria história das práticas históricas.
._ Margareth da Silva Pereira _R 13 P 204 e 205.

No acervo do museu, o trabalho do artista requer também esforços


de quem lida com seus testemunhos materiais. Torna-se mais uma
vez requisito fundamental abandonar o conforto das certezas e
buscar outros referenciais teóricos e metodológicos. Os processos
de catalogar, preservar e exibir são disparadores de dúvidas, e aí
mesmo, onde não se sabe o que fazer, naquilo que necessariamente
escapa à institucionalização e a ela resiste, reside a atualidade de
seu potencial crítico. _ Cristina Freire _R 13 P 89
A filósofa Anne Cauquelin afirma ser a cidade memória do passado
que permanece na pedra, nos arquivos, nos documentos, nos es-
critos diversos, no estoque de modelos que alimentam o trabalho
dos arquitetos e urbanistas, nas memórias compósitas dos que nela
vivem. O tempo se mostra constitutivo do espacial, não um mero
elemento de decoração, mas a dimensão precisa de uma particular
urbanização. (…) Tudo está no presente tal como um amálgama vivo
da diversidade das memórias, de práticas pretéritas dos habitantes
sob o ângulo de memórias ativas. _ Maria Stella Bresciani _R 13 P 175.

Está claro que suas propostas interpelam o


interiores e exteriores. (…) Essa tensão entre o interior burguês e a reali-
de cidade, além de explorar o contraponto evidente entre os espaços
O poeta [Drummond] acede à consciência de sua posição social atra-
vés da articulação dos espaços materiais, promovendo, em Senti-

dade das ruas marcada pelos conflitos político-sociais da época já compa-


mento do mundo, um verdadeiro mapeamento lírico-social da gran-

recia na poesia da grande cidade de Baudelaire. _ Vagner Camilo _R13P35.

Outro; isto é, o desconhecido, e para tanto o


artista [Valcárcel Medina] inventa diferen-
tes exercícios nos quais investiga as formas
possíveis de comunicação, considerando,
ainda, em cada lugar, seus costumes e
suas práticas sociais. “A arte é um exercício
e não uma obra”, explica. A viagem é esse
potente dispositivo de percepção, cada vez
mais desvirtuado pela indústria do turismo.
_ Cristina Freire _R13P86

Assim residual, a memória é um campo


devastado, no qual o óbvio e o necessário
cedem à melancolia das ruínas: para Ben-
jamin, não seria essa a definição da expe-
riência urbana contemporânea? Como des-
crever, como narrar essa experiência? Em
Benjamin, a narração, sobretudo escrita,
precisa estar em perigo e só sobrevive a ele
numa forma ruinosa. _ Washington Drummond e
Alan Sampaio ._R 13 P 167
REDOBRA 14

Essa aceleração se torna universal,


também em relação aos processos de
narração, de escrita (Twitter!), de trans-
A dinâmica do pensamento de Benjamin se
missão e de experiência: a vivência (um orienta a contrapelo de uma história oficial,
termo introduzido no fim do século XIX) cronológica, e se realiza através do fragmento.
designa uma experiência individual, não _ Alexandre Rodrigues da Costa e Vera Casa Nova _R 14 P 43
mais ancorada numa experiência cole-
tiva, geralmente ligada a um presente

pas
fugidio, não mais ancorado numa tradi-

futura.
ção comum. Portanto, uma experiência
vivida, certamente real, mas evanescen-
te e difícil de ser realmente transmiti-

_R 14 P 53
da como um bem comum. Aliás, quem
ainda tem tempo para ouvir de maneira
gratuita, pelo simples prazer de ouvir?
Esse ritmo acelerado transforma a co-
municação cotidiana e as formas artís-
_ Carlos Leal e Danielle Cor-
construção de uma redenção
contrapelo, como esforço de
de uma leitura da história a
tinuam, lampejantes, no pre-
emanam do passado e con-
contradições em aberto que
seria desestabilizada pelas
racterística do positivismo,
sucedem linearmente, ca-
tes unidimensionais que se
sequência de determinan-

sente. (...) Daí a possibilidade


ria como resultado de uma
A compreensão da histó-

ticas de comunicação e de pensamento.


_ Jeanne Marie Gagnebin _R 14 P 14
É importante notar que a apreensão da dimensão histórica das fa-
culdades cognitivas e sensíveis do homem é central na argumenta-
ção de Walter Benjamin. Assim como as estruturas da sociedade se
transformam ao longo do processo histórico, também as formas de
experimentar, apreender e entender o mundo; em resumo, as formas
de sensibilidade não são um dado humano a priori (como se supõe na
filosofia de cunho idealista), mas se encontram em relação intrínseca
(ainda que não linear) com a mutabilidade das estruturas sociais.
_ Carlos Leal e Danielle Corpas _R14P52.

A história também seria


“método” em Walter Benjamin, como se ele pro-
pusesse uma nova epistemologia. O que ele, como
outros pensadores, tipo Deleuze, Adorno, os sur-
Receio bastante tentar elaborar uma teoria do

realistas, Didi-Huberman, Warburg etc, de fato


ressaltam, é a insuficiência de métodos engessa-
dos para apreender buscas artísticas e, também,
político-sociais. _ Jeanne Marie Gagnebin _R14P15.

informe, sem etapas


privilegiadas, não pensada
sob a forma teleológica,
mas aberta, cega e sempre
possibilitando a desconstrução.
Conceber a história como
um corpo cego é romper
com a uniformidade, ou seja,
instituir a heterogeneidade,
em contraste com a
continuidade, perseguida
pelo discurso como ideal.
_ Alexandre Rodrigues da Costa e
Vera Casa Nova _R 14 P 45.

Não nego as diferenças entre literatura, história e filosofia, mas tais


diferenças devem, também, ajudar a pensar melhor os diversos as-
pectos e os diversos modos de aproximação de uma problemática
comum. Por exemplo, da problemática da história, da narração e da
memória. _ Jeanne Marie Gagnebin _R 14 P 17
_ Washington Drummond _R 14 P 32 e 33.
Devemos partir da distinção que vocês conhecem
bem, entre Erfahrung e Erlebnis, que podemos tra-
duzir, respectivamente, por experiência e vivência
ou experiência vivida. O primeiro conceito, Erfahrung,
é o mais antigo; ele remete no seu núcleo etimoló-
gico (fahren, viajar, atravessar um país) às errân-
cias e provações de Ulisses, esse primeiro viajante
de nossa tradição ocidental. Aliás, as provações de
Ulisses, em grego, seus sofrimentos e suas vitórias,
são ditas no radical grego “peiran” que, depois, pas-
sando pelo latim, dá nossa palavra “experiência”.
_ Jeanne Marie Gagnebin _R 14 P 13 e 14

Em Benjamin, história e memória vão de mãos dadas


com a exploração do passado. A palavra chave, aqui,
parece ser escavação. _ Alexandre Rodrigues da Costa e Vera Casa Nova.
_R 14 P 44
dade moderna são as relações de dis-
O que, com efeito, muda drasticamente

distâncias muitas vezes são encurtadas,


as proximidades tendem a aumentar pe-
rigosamente. (…) o maior perigo da vida

temporaneidade jaz, curiosamente, mui-


to mais numa destruição da intimidade

que num isolamento espacial e social


por excesso de distâncias: as análises de
Adorno e Horkheimer da indústria cul-
na organização espacial da grande ci-

tância e de proximidade. Enquanto as

em comum na modernidade e na con-

por excesso de proximidades invasoras

tural deverão confirmar essa hipótese.


_R 14 P 206
_ Jeanne Marie Gagnebin
_ Paola Berenstein Jacques _R 14 P 69.
O utilitarismo da arte, o sentido de um dado de verdade, vali-
dado por tantas coisas e tantos discursos; além de forjar luga-
res de enunciação e identidades, coloca costumes e práticas
cotidianas como souvenirs a serviço dos interesses capitais e
acaba por transformar o potencial da arte de afetação, sem um
sentido utilitário ou causal, num potencial que hoje está fora
de controle: o publicitário. _ Amine Portugal Barbuda _R 14 P 127.

Situo as cenografias urbanas inseridas num


mercado de competitividade entre cidades ali-
mentadas por essa produção de imagens ins-
tantâneas, que são vivenciadas com intensa si-
multaneidade ao criarem uma rede rizomática
Uma questão ainda se formula sobre a reincidência desse ges-
to, ou de todos os outros que, alinhados entre si, se lançam na
fabricação dessa história não evolutiva: O que esses gestos

de imagens virtuais que desmaterializa o tempo


real e reforça o urbano como espaço germinador
no qual a ideia de cenário, cenografia, realidade,
cópia, verdade ou falso se desmaterializa em
imagens eletrônicas. _ Eliézer Rolim _R 14 P 157.
querem? _ Ana Lígia Leite e Aguiar _R 14 P 233

Em grego, método quer dizer com (met)


caminho (hodos). E desvio, em alemão é
umweg, um caminho (weg) que dá volta
(prefixo um-). Benjamin simplesmente
lembra que o caminho não é sempre reto e
direto (como propunha Descartes quando se
trata de adquirir certezas no conhecimento),
mas que há outras formas de caminho e de
caminhar, dependendo do projeto de busca e
de investigação ou de “exposição”, como ele
também diz. _ Jeanne Marie Gagnebin
_R 14 P 15.
Benjamin sugere um caráter fugidio e indomável da verdade, e
a forma que ele encontra para lidar com esta natureza esquiva
é aquela identificada nos fragmentos e na forma do ensaio. Im-
porta ao autor uma escrita descontínua, vacilante, dotada de ce-
suras, tal como a encontramos em Imagens de pensamento. Se
podemos, ainda, falar de verdade, falamos somente de manei-
ra ensaiada, num movimento de infatigável retorno ao princípio,
sempre passível de renovação, realçando o estado de ruínas e
inacabamento das coisas, bem como, de maneira indireta e não
linear, uma escrita do desvio, nômade, que sonda, perscruta o
objeto nos seus diferentes extratos de sentido, sem, contudo,
entrar num estado de indiferenciação, já que marcada pela so-
briedade reflexiva de cada ir e vir do pensamento. O caminho, ou
melhor, o método benjaminiano se constitui de maneira interde-
pendente com a linguagem e se apresenta na sua escrita com
a intermitência que caracteriza a natureza vacilante da própria
verdade. _ Rodrigo Araújo _R 14 P 248 e 249

_R 14 P 82 e 83
_ Paola Berenstein Jacques
_ Amine Portugal e Pasqualino Magnavita _R 14 P 143
O tempo como transformador das relações humanas e da
percepção dos objetos que nos cercam é trabalhado por
Bataille e Benjamin de uma forma crítica que foge ao sen-
so comum, sobretudo pela visão que altera a linearidade.
Prova disso é a forma como se constituem as obras desses
dois filósofos. A concepção de ruína parece invadi-las a todo
instante, como é o caso da obra Passagens, constituída de
fragmentos, e a obra de Bataille, constituída de repetições,
verbetes que vão configurando um verdadeiro labirinto. De-
ve-se entrar nesse labirinto como um trapeiro (chiffonnier)
que sabe que vai ficar perdido e sem saída, pois rastros e
restos que se encontram não produzem um conhecimento
uniforme e homogêneo, mas heterogêneo, capaz de colocar
em questão a realidade histórica. _ Alexandre Rodrigues da Costa
e Vera Casa Nova _R 14 P 42

Em Bataille, observamos a história se tornar obliterada, ou


seja, o tempo que se inscreve em sua obra se move contra
a história oficial. Uma das chaves de interpretação da his-
tória passaria por um novo entendimento da antropologia.
_ Alexandre Rodrigues da Costa e Vera Casa Nova _R 14 P 45
A pesquisa partiu da evolução

mundo urbano contemporâneo.


A sua evasão do teatro e sua exi-

pontes criou uma revolução es-


pacial imagética. Tal fenômeno
da cenografia do teatro para o

bição em praças, monumentos,


memoriais, museus, viadutos e

pode ser chamado também de:


cenografias urbanas, arquitetu-
ra dos sentidos, alegorias pós-
modernas ou espaços espetacu-
lares. _ Eliézer Rolim _R 14 P 156
_ Jeanne Marie Gagnebin
_R 14 P 209 e 210
_ Jeanne Marie Gagnebin
les que se movem?
no mesmo lugar? O
to a outra continua
paço social – quando

necem e para aque-


grupo social – e no es-

aqueles que perma-


que acontece para
se desloca enquan-
uma parte do grupo
O que acontece num

_R 14 P 204.
mum, uma reflexão socio política,
mente, uma teoria da vida em co-
específico de uma teoria das artes

nas se transformam mutuamente.


ria estética também é, necessaria-
thèsis) e no sentido moderno mais

já que percepção e história huma-


e das práticas artísticas. Essa teo-
de uma teoria da percepção (ais-
vra: no sentido etimológico amplo
estética no sentido duplo da pala-
Trata-se, portanto, de uma teoria
Imagens disparadas há tanto tempo, despertadas por nos assombrar em alguma medida, surgem
para ser redimidas. Mas não é a redenção em que as salvamos delas mesmas ou as livramos
de algum arrependimento. A começar, a libertação é antes a nossa, pelo apoio oferecido pelo
intervalo entre o que vemos e o que nos olha. O retorno de um objeto, assim como a sua latência,
e a demora em que podemos nos manter em um intervalo, é já a construção de uma história dos
sentimentos e é a essa redenção a que faço referência anteriormente. As imagens retornam para
que dialoguemos com elas de outra maneira, frontal ou tangente que seja. Como um fóssil vivo,
esse retorno reanima a memória coletiva (…). _ Ana Lígia Leite e Aguiar _R 14 P 240 e 241
_ Amine Portugal e Pasqualino Magnavita _R 14 P 134.
A zona informe de temporalidades
e imagens diferenciadas propicia
ações e fusões de ambientes que
interagem e se replicam, tornando-
se indistintas as linhas divisórias
entre as diversas cenas urbanas,
seus atores e as imagens daí pro-
venientes. Nela, tanto vivemos as
imagens urbanas quanto elas nos
habitam como fantasmagorias
– aqui, no sentido benjaminiano.
._ Washington Drummond. _R14P96

_ João Soareas Pena _R 14 P 172


e similares e aparecem outros sujeitos que também têm a rua
como local de trabalho, como os michês, os travestis e as garotas
interesses são diferentes e a ambiência já é outra. Saem os tra-
Todo esse movimento que acontece durante o dia vai cessando
e, ao cair da noite, não o observamos mais. Então, as ruas es-
tão mais vazias (menos carros e pedestres), as lojas fechadas;
as pessoas que procuram o Centro não são as mesmas ou os

balhadores de rua que comercializam eletroeletrônicos, CDs


Podemos resumir essas
análises em dois pontos
chaves: a grande cidade
representa a vitória
do racionalismo e do

de programa. _ João Soares Pena _R 14 P 175


individualismo em detrimento
de relações sociais mais
orgânicas, mais afetivas, mais
comunitárias que pertencem
ao passado e que, apesar
do seu encanto, também
representavam uma ordem
coercitiva e autoritária.
_ Jeanne Marie Gagnebin

._R14P205.

A vida na grande cidade potencializa esses efeitos de aceleração


e de anonimato pela rapidez dos transportes, dos encontros, e
pela aglutinação de pessoas em espaços apertados de trabalho
e de moradia. Georg Simmel, de quem Benjamin foi aluno,
descreve essas mudanças já no início do século XX, em Berlim.
Benjamin percebe em Baudelaire a transformação necessária
da lírica: o poeta não é mais um enviado dos deuses (tema da
perda da auréola), mas um transeunte anônimo, que deve cuidar
para não ser atropelado (tema do choque), que troca olhares
apaixonados com uma mulher que nunca mais virá (À une
passante), que erra na cidade grande e não descansa mais numa
natureza que perdeu seu caráter idílico.
_ Jeanne Marie Gagnebin _R14P14 e 15

amante.
da Bahia.

_R 14 P 67
_Raimar Rastelly
_ Osnildo Adão Wan-Dall Junior
também é terrível.

e Acervo da Fundação Casa de


(...) “saudade” através

suplanta o olhar do
o olhar do crítico não
o anjo da história

Jorge Amado _R 14 P 188

Opta-se, portanto, por uma iconologia do intervalo, e esta é uma expressão cara à propos-

tica da intervenção urbana. _ Tiago Nogueira Ribeiro _R 14 P 168


ta warburguiana, uma vez que a iconologia seria uma historiografia das imagens a partir
de alguns gestos, sempre observados de modo intervalar, no detalhe, fazendo com que
os espaços entre um campo e outro do Atlas pudessem ser preenchidos pelas indicações

artística por meio de editais, a aliança entre arte, cidade e Estado como
condição para criar compromete o “viver junto”, pressuposto básico
No atual contexto de espetacularização das cidades e da especulação

para qualquer tipo de criação ou pensamento crítico a respeito da prá-


que a própria memória faria emergir. _ Ana Lígia Leite e Aguiar _R 14 P 226
Simultaneamente, trata-se de poder, segundo Certeau, distinguir
com clareza entre o domínio dos mortos e o domínio dos vivos,
isto é, ajudar os vivos a não ficarem presos do medo ou da melan-
colia, mas a viver no presente. E a inventar o futuro.
Talvez possamos dizer, aproveitando algumas reflexões tanto
de Ricoeur quanto de Benjamin, que, para isso, a literatura é de
grande auxílio. Ela aponta para o futuro, ela é “profética” (Ben-
jamin) ou comparável a um “sismógrafo” (Ricoeur) que diz que
a terra está por tremer. A filosofia (e certamente a história tam-
bém), como o pássaro de Minerva, a coruja; olha mais para trás,
no crepúsculo; ajuda a refletir sobre o dia que passou. Ambas são
imprescindíveis. _ Jeanne Marie Gagnebin _R14P17.

Benjamin, certamente como Warburg, que conheço pouquíssimo, tam-


bém tentava pensar relações entre elementos artísticos e, igualmente,
momentos da memória, que não podem ser explicitadas por relações
lineares de causa/efeito ou de anterioridade cronológica constitutiva.
No campo das artes, a linearidade temporal é um modelo muito limi-
tado. Fala-se em influências, por exemplo, mas se sente a insuficiência
dessa categoria. Benjamin lança mão de várias metáforas que permi-
tem pensar essas relações de maneira mais livre e mutante. Assim,
como as próprias práticas artísticas também o revelam, o sentido
muda segundo a ordem de montagem dos diversos elementos, a cons-
telação permite nomear um conjunto (como o faz a constelação com as
estrelas) sem fixá-lo de maneira definitiva. Certamente, essas metáfo-
ras, que permitem uma inventividade lúdica, participam das mesmas
tentativas de estranhamento e de reorganização que propuseram os
surrealistas. Em termos emprestados a Bertold Brecht, tão importan-
te para Benjamin, trata-se sempre de Versuchsanordnungen, isto é, de
“ordenações experimentais”, de uma série de exercícios (o conceito de
exercício é essencial em Benjamin) que visam a uma nova apreensão e
a uma transformação do “real”. _ Jeanne Marie Gagnebin _R14P16.
LABORATÓRIO:
DESDOBRAMENTOS DEFENDIDOS

Eduardo Rocha Lima


Arquiteto - urbanista, pós-doutorando PPG
Arquitetura e Urbanismo UFBA, membro
Laboratório Urbano e equipe PRONEM

Fragmentar o arquivo. Eis o método escolhido para o mergulho na


produção de teses, dissertações e trabalhos finais de graduação
– 29 no total – defendidos por membros do Laboratório Urbano,
durante o último triênio (2011-2014), período em que estivemos
na pesquisa “Experiências Metodológicas para a Compreensão da
Complexidade da Cidade Contemporânea” (PRONEM). Mais do
que nos apresentar um resultado da pesquisa, posto que optamos
por incluir trabalhos defendidos desde os seus primórdios, em
2011, o arquivo vasculhado fala dos desdobramentos de um pro-
cesso de investigação sobre a cidade – no campo disciplinar do Ur-
banismo, conectado com diversos outros campos e saberes – que
vem sendo fabulado desde o ano de 2002, momento de criação do
grupo de pesquisa Laboratório Urbano,1 vinculado ao Programa de
Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Fe-
deral da Bahia (UFBA).

159
Longe de querermos apresentar os procedimentos de uma pesqui-
sa, afirmando-a enquanto ciência, na qual a “cidade” seria o objeto
central da investigação, a fragmentação de cada trabalho do arqui-
vo em palavras, parágrafos, conceitos, citações/autores, imagens,
tira o foco dos temas e questões centrais de cada defesa e faz desse
arquivo um ficheiro de dados diversos e desprendidos de seus au-
tores individuais, dentro do qual, com a pretensão de expor o pen-
samento que parte de um grupo de pesquisa, precisamos criar ne-
xos, encontrar pontos de conexões e de inflexões ainda invisíveis,
articulando a multiplicidade de suas peças.
Embaralhados e espalhados sobre uma mesa, as conexões aos
poucos emergem entre os fragmentos.2 A ideia de “experiências
metodológicas de apreensão da cidade”, mote da Pesquisa PRO-
NEM, claramente aparece em várias peças na mesa, as quais nos
guiam numa miscelânea de fragmentos em ligações improváveis
e temporárias, construindo desenhos que configuram a produção
de pensamento do grupo. Desta forma, em mosaico de peças soltas
formulada em torno de experiências metodológicas, é perceptível
certo modo de fazer pesquisa pelo grupo, não único, mas em desta-
que numérico em relação aos outros.
Enuncio este modo de fazer pesquisa como “experimentações
etnográficas da cidade”. Torna-se legível, a partir dos fragmentos
analisados, a experimentação3 como modus operandi do grupo,
pois a etnografia nas pesquisas do Laboratório Urbano se cons-
titui mais como um desafio à presença do pesquisador na cidade
de seu interesse – um colocar-se em copresença com os atores do
seu cotidiano – do que como um método aplicado com categorias
e protocolos práticos previamente delimitados a serem seguidos,
específicos de determinada produção científica.

160 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


Caminhadas, derivas, deambulações, pedaladas, travessias, traje-
tos e percursos por entre ruas e bairros assumem ponto central na
fabulação do conhecimento sobre o espaço. Imerso no frenesi das
ruas, no corpo a corpo aberto ao entrelaçamento de trajetórias, a
experiência compartilhada, físico-sensorial e subjetiva do pesqui-
sador (sujeito que caminha e vivencia a cidade) é justificada, con-
ceituada e discutida em diversos trabalhos do grupo no afã da cria-
ção de discursos sobre a cidade onde sujeito e objeto se entrelaçam
na narração de espaços vividos. A ideia de “Experiência” presente
nos trabalhos analisados do Laboratório Urbano trata do estado
e da condição de um pesquisador imerso em ambiências urbanas
para se distanciar do olhar totalizante oriundo do olho demiurgo,
como diz Michel de Certeau (1994), aquele que opta por ver a cida-
de de cima – do alto de um edifício ou de um satélite, pelas imagens
do Google, ou por meio de mapas substanciosos em dados numé-
ricos – acreditando na leitura do “texto claro da cidade planejada
e visível”.4
A experiência do pesquisador no entremeio das relações difusas
do espaço praticado. Experiência e prática do espaço são duas no-
ções que se comunicam diretamente e são explicitamente caras a
este grupo. No entanto, se distinguem entre si pelo sujeito da ação:
pela via da experiência, o pesquisador se coloca em campo e assu-
me sua presença – e consequente posição endógena na produção
do seu pensamento sobre a cidade – em relação imbricada à prá-
tica dos muitos outros urbanos, dos sujeitos ordinários da rua que
espacializam e significam o território por meio de suas ações. Com
a ideia de “prática urbana”, os usos e apropriações dos espaços são
investigados e, em alguns casos, mapeados. Assim, a cidade em
movimento, que se constrói por entre a fixidez da cidade planeja-
da, ganha o status de um “espaço etnografado”, espaço entendido

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 161


e exposto pelas relações sociais que nele se estabelecem, engen-
drando a política da rua tramada pelo choque entre os corpos que,
no presente de suas ações, delimitam os contornos conflituosos da
forma espacial.
Pelo exercício de uma experiência da cidade, o pesquisador do
Laboratório Urbano problematiza os modos de ação do arquite-
to-urbanista – sua maneira de fazer – e a concepção de políticas
públicas de intervenção sobre a cidade que o envolve, assim como
questiona o papel social deste profissional, numa construção crí-
tica à prática do pensamento urbanístico contemporâneo. Vale
ressaltar a existência de trabalhos com teor historiográficos, nos
quais tanto ações urbanísticas do passado – planos urbanísticos
desenvolvidos para Salvador, por exemplo – como espaços urba-
nos são discutidos por meio do levantamento de documentos his-
tóricos e de produções estéticas que falam de práticas do espaço e
configuram um tempo outro da cidade, pelos quais se busca a ela-
boração de um entendimento possível do presente urbano.
Intervenções artísticas sobre a cidade também são discutidas na
produção do grupo, o qual tem em sua formação um número va-
riado de pesquisadores oriundos de áreas distintas do conheci-
mento – historiador, sociólogo, geógrafo, urbanista, filósofo, advo-
gado, psicólogo, antropólogo, artista, arquiteto-urbanista – o que
caracteriza pesquisas individuais atravessadas em multidiscipli-
naridade praticada pelo compartilhamento semanal das leituras
programadas, oriundas dos diversos campos do saber, durante as
tardes de reuniões do grupo dentro da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da UFBA.
Apreender as práticas urbanas que conferem vida e movimento ao
espaço citadino e, assim, explanam o confronto com as estratégias

162 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


do poder que são expressas pelo controle urbanístico, constan-
temente intensificador da segregação social. “Ações astuciosas”,
“práticas sociais reputadas indignas de uma cidade civilizada”,
“práticas sexuais dissidentes no espaço público”, “atividades con-
sideradas subversivas na rua”, “prática cotidiana do homem co-
mum”.5 Ações, práticas, modos de ser e de estar de sujeitos infor-
mes que desviam as regras verticais do jogo urbano pelo exercício
de suas presenças, de suas corporalidades criativas e muitas vezes
monstruosas, avessas à pretendida pacificação homogeneizante e
enobrecedora da cidade. A política do presente urbano que deriva
da densidade social e histórica constituinte do espaço citadino é
um elemento que, de diferentes formas e com o auxílio de um va-
riado leque de conceitos e autores, é discutido e investigado em
diversas pesquisas do Laboratório.
Por meio de sua experiência da cidade, o pesquisador deste gru-
po levanta – faz aparecer – o que Georges Didi-Huberman (2011)
chama de um “saber vaga-lume. Saber clandestino, hieroglífico,
das realidades constantemente submetidas à censura [...] saber de
uma humanidade descartável, como papéis que vão para o lixo”.6
Saber apreendido de maneira direta pela prática da copresença
com os sujeitos de rua – “sujeitos que vivem dos restos”, “atores
urbanos ambulantes”, “sujeitos sexualmente desviantes”, “sujei-
tos que articulam a cotidianidade do espaço”, “sujeitos ordinários
urbanos”.7 Saber potente de formas de vidas que, ao acontecerem
na sarjeta da rua, questionam e subvertem lógicas hegemônicas da
reprodução capitalista do espaço urbano.
Eis o caminho crítico traçado por este grupo de pesquisa aos pen-
samentos urbanísticos que remodelam as cidades, seja pela valo-
rização histórica de sua concretude – patrimônio arquitetônico

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 163


como dispositivo de regulação urbana –, pela criatividade pro-
jetiva que concebe áreas prenhes de ícones arquitetônicos pós-
modernos enquanto chamariz de turistas e investidores, ou pela
lógica da cidade dos semelhantes, fechada em si sob a marca do
condomínio residencial. Ideário dos urbanismos hegemônicos
que transformam áreas urbanas em cenários para a livre fruição
de interesses privados em detrimento de muitas outras formas
de vidas comunitárias que se articulam nessas áreas. Vidas estas
obrigadas, então, a resistir, produzindo uma cidade-outra, possí-
vel pelo movimento, pela prática espacial e pela força astuciosa
do sujeito que a produz cotidianamente, no embate com o outro,
o diferente.
É neste modo de produção de cidades – “cidade resto”, “cidade nô-
made”, “cidade incomensurável”, “cidade sensual”, “cidade do infa-
me”, “cidade da fábula” – onde se fixam os olhos, as curiosidades e
os desejos de vários pesquisadores do Laboratório Urbano. O urba-
nismo apresentado e defendido por este grupo tem o espaço vivido
como seu fundamento. Nas cidades narradas pelo grupo, a produ-
ção do espaço é diretamente imbricada aos conflitos humanos que
o permeiam, o poluem, o erotizam: o animam. Por este caminho é
estruturada a crítica ao pensamento urbanístico positivista que
tem a cidade enquanto objeto técnico, apto a ser investido pelo
saber científico-tecnológico, na ânsia da potência máxima do seu
rendimento financeiro, equalizando, em devaneios prospectivos e
pouco convincentes, as distâncias sociais.
No Laboratório Urbano, o Urbanismo antes de ser científico é
experimental. Os escritos que dele partem não se pretendem en-
quanto proclamadores de um método ou de uma teoria. Na verda-
de, estes escritos expõem leituras específicas de espaços singula-

164 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


res, produzindo um conhecimento incorporado de cidade, o qual
esperamos que sirva de estímulos e de fontes para outras experi-
mentações, que farão surgir outras cidades narradas de dentro. É
por esta maneira de fazer que entendemos que é preciso fabular
conhecimentos sobre o espaço urbano.

Teses, dissertações, trabalhos de graduação


defendidos (2011-2014)
1. Construções subjetivas no centro de Salvador: a vida 100 museu
e a memória. Clara Bonna Pignaton (Mestrado Arq/Urb, orienta-
dor Pasqualino Magnavita), 2011.
2. Deambulações pelo aglomerado da Serra: lentidão, corporeida-
de e obliteração em favelas de Belo Horizonte. Thiago de Araújo
Costa (Mestrado Arq/Urb, orientador Paola Berenstein Jacques),
2011.
3. Rua de contramão: o movimento como desvio na cidade e no
urbanismo. Gabriel Schvarsberg (Mestrado Arq/Urb, orientador
Paola Berenstein Jacques), 2011.
4. Dos espaços de apropriação: o Minhocão de São Cristóvão. Cla-
ra Passaro (Mestrado Arq/Urb, orientador Paola Berenstein Jac-
ques), 2011.
5. Espaço-Movimento: desestabilizações arquitetônicas na produ-
ção da cidade contemporânea. Mariana Ribas (Mestrado Arq/Urb,
orientador Pasqualino Magnavita), 2011.
6. Cine-Teatro-Rua: possibilidades para o Fim-de-linha do Uru-
guai. Ícaro Vilaça (TFG Arq/Urb, orientador Paola Berenstein Ja-
cques), 2011.

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 165


7. Morar na Carlos Gomes: possibilidades e limites para a Habita-
ção de Interesse Social no Centro de Salvador. Diego Mauro (TFG
Arq/Urb, orientador Paola Berenstein Jacques), 2011.
8. Dobras de Deleuze, desdobramentos de Lina Bo Bardi: as dbras
deleuzianas nos desdobramentos éticos-estéticos de Lina Bo Bar-
di. Lutero Pröscholdt (Mestrado Arq/Urb, orientador Fernando
Ferraz), 2011.
9. Os usuários do Dois de Julho: encarando o uso do crack no es-
paço urbano. Jamile Santana (TFG Arq/Urb, orientador Paola Be-
renstein Jacques), 2011.
10. Cidades-Sensuais: práticas sexuais desviantes X renovação do
espaço urbano. Eduardo Rocha Lima (Doutorado Arq/Urb, orien-
tador Paola Berenstein Jacques), 2012.
11. Ações coletivas na cidade: desejo e resistência. Milena Durante
(Mestrado Arq/Urb, orientador Paola Berenstein Jacques), 2012.
12. Corpo de prova: a análise de um processo como produção de ci-
dade. Amine Portugal (TFG Arq/Urb, orientador Paola Berenstein
Jacques), 2012.
13. O artefato cenográfico na invenção do cotidiano espetacula-
rizado. Eliézer Rolim (Doutorado Arq/Urb, orientador Paola Be-
renstein Jacques), 2013.
14. Espaços de confinamento: fronteiras e permeabilidades. Rena-
to Wokaman (Mestrado Arq/Urb, orientador Washington Drum-
mond), 2013.
15. Das narrativas literárias de cidades: experiência urbana atra-
vés do Guia de ruas e mistérios da Bahia de Todos os Santos. Osnil-
do Adão Wan-Dall (Mestrado Arq/Urb, orientador Paola Berens-
tein Jacques), 2013

166 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


16. Espaços de excitação: cines pornôs no Centro de Salvador. João
Pena (Mestrado Arq/Urb, orientador Washington Drummond),
2013.
17. ITAPAGIP3. Daniel Sabóia, Fábio Steque, Patrícia Almeida
(TFG Arq/Urb, orientador Paola Berenstein Jacques), 2013.
18. Dança e Intervenção Urbana: a contribuição do regime dos edi-
tais para a espetacularização da arte e da cidade contemporânea.
Tiago Ribeiro (Mestrado Dança, orientador Fabiana Dultra Brit-
to), 2013.
19. Dança como campo de ativismo político: o bicho caçador.
Verusya Santos Correia (Mestrado Dança, orientador Fabiana
Dultra Britto), 2013
20. Cidade resto: o espaço (da) roupa e o que (sobre)vive entre Bai-
xa dos Sapateiros e Parque Novo Mundo. Marina Cunha (Mestra-
do Arq/Urb, orientador Thais Portela), 2014.
21. Da cidade do governo dos homens: imunidade radical e biopo-
lítica na cidade contemporânea. Gustavo França (Mestrado Arq/
Urb, orientador Fernando Ferraz), 2014.
22. Em busca da “cidade civilizada”: planos de conjunto para a
Bahia dos anos 30 e 40. Felipe Caldas (Mestrado Arq/Urb, orien-
tador Washington Drummond), 2014.
23. Escutar o invisível, interrogar o habitual: uma aproximação do
espaço e suas práticas cotidianas em Ipatinga (MG). Janaína Cha-
vier (Mestrado Arq/Urb, orientador Fernando Ferraz), 2014.
24. Paisagens praticadas nas orlas de Salvador: uma metodologia
experimental de apreensão crítica. Joaquim Oliveira (TFG Arq/
Urb, orientador Paola Berenstein Jacques), 2014.

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 167


25. Lapinha: vazio(s) imaginário(s). Matheus Lins (TFG Arq/Urb,
orientador Paola Berenstein Jacques), 2014.
26. Instalação coreográfica: limiar e crítica. Ana Rizek Sheldon
(Mestrado Dança, orientador Fabiana Dultra Britto), 2014.
27. Onde o sertão reside: o sertão na terceira margem de Brasília.
Priscila Erthal (Mestrado Arq/Urb, orientador Thais Portela),
2014.
28. Práticas de beira das cidades antes navegáveis às cidades
transpostas pela barragem de Sobradinho. Jurema Cavalcanti
(Mestrado Arq/Urb, orientador Thais Portela), 2014.
29. O arquiteto-habitante: um modo de compor relações. Cinira
D’Alva (Mestrado Arq/Urb, orientador Washington Drummond),
2014 .

NOTAS
da arte Aby Warburg. Sobre este mé-
1_ A lista e resumos dos trabalhos todo, conferir Montagem Urbana, de
defendidos entre 2002 e 2011, antes Paola Berenstein Jacques, no quarto
da pesquisa PRONEM, e aqueles tomo desta coleção.
ainda em andamento (ou defendidos
em 2015), estão disponíveis no site do 3_ Palavra aqui vinculada ao risco
grupo de pesquisa: <www.laborato- e a incerteza de uma ação enquanto
riourbano.ufba.br>. metodologia de pesquisa, e não ao
experimento enquanto prática de
2_ A ideia de desmontar o arquivo
laboratório com normas e regras a
em fragmentos para em seguida serem seguidas e resultados a serem
remontá-los em busca de conexões alcançados ou comprovados.
antes invisíveis parte do método da
Montagem, com base no historiador

168 EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


4_ CERTEAU, Michel de. A invenção 7_ Todas estes “sujeitos” foram

do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994. retiradas dos trabalhos defendidos


p. 171. pelo grupo.

5_ Frases extraídas dos trabalhos do 8_ Todas estas “cidades” foram

Laboratório Urbano analisados. retiradas dos trabalhos defendidos


pelo grupo.
6_ DIDI-HUBERMAN, Georges.

Sobrevivência dos vaga-lumes. Belo 9_ Frases extraídas dos trabalhos do

Horizonte: Editora UFMG, 2011. p. 136 Laboratório Urbano analisados.

EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO 169


DIAGRAMA
a baixa da costureira
sob o signo do vagalume: francesco careri por os ouvidos das ruas ou
artistas observadores experiência das ruínas paola berenstein auscultadores urbanos
de cidades jacques alessia de biase
o exu do percurso espacialidades da entrevista ana clara cartografia em jogo
a cidade e o alma-corpo-arte... torres ribeiro

REDOBRA 11
experiência-salvador
estrangeiro genealogia e arma corpo arte a cidade-museu e os

REDOBRA 9
historiografia: perfografia pensamento vivo de arranjos para uma
introdução ao jogo da dissolução do sujeito, relatos das praças tahrir ana clara torres ribeiro investigação
escrita sobre os elisão da memória e puerta del sol, 2011 poéticas tecnológicas
trabalhos de campo o devir ambiente do cartografar o
percursos topográficos praia da estação corpo de prova mundo urbano movimento: narrativas
tarô de memórias e afetivos pela cidade como ação política da sarjeta
de são paulo cidade, criação e trilha | transurbância
uma esquina de rio: cidade ocupada, resistência salvador cappo linea- trilhando uma
permanências o rumor das narrativas cidade resistente! passarela epistemologia da
a cidade caminhada... lentidão
o desvio através das da cidade campanha não-eleitoral o espaço narrado partilha e conflito
práticas de ócio/lazer cúmplice à cidade no espaço público desterritorialização
insurgente a marcha das vadias olhares perdidos / rostidade, fluxo e
sobre uma cidade homens lentos, buraco negro /
jeanne marie gagnebin exercício experiência, espiar o para-formal opacidades e espaços estriados,
memória e narração na cidade de salvador flanâncias femininas rugosidades espaços lisos,
anotações sobre a da cidade e etnografia espaços de fluxos
paris de benjamin musa discutindo cidades

REDOBRA 14
salvador cidade do transurbância + e tempos experiência
história e século xx observando as ruas do walkscapes ten years errática
dilaceramento centro de salvador later a lentidão no lugar
o artefato cenográfico da velocidade experiência
benjamin e kracauer: na invenção baixo bahia o engajamento dos rizomática
algumas passagens do cotidiano futebol social corpos nos percursos debate público
espetacularizado urbanos experiência do
o lobisomem na cidade performar a lentidão 2061 cenários utópicos impossível
dança e intervenção para avenida paralela
teses sobre walter urbana salve-se quem puder!
rachel thomas por experiências transbordar
benjamin fabiana dultra britto metodológicas para
quando o pornô vai à a fonte
apreensão da cidade
rastros do flâneur cidade contemporânea
REDOBRA 12
o lugar contingente da dois dias e três paola berenstein
narrativas urbanas horizonte distante: história e da memória tempos jacques entrevista selva quintal-comum
literárias como warburg, glauber e a na apreensão da cidade alessia de biase
apreensão e fabricação da história o livro disfarçado oficinar ao habitar

REDOBRA 10
produção da cidade dos afetos etnografias urbanas do seminário público
contemporânea oficina [in]sistir #1 ou a zona de risco composição do comum
deambulações de cartografias da ação
como viver junto? walter benjamin: entre os diversos cidade, cultura, corpo teatro do jornal
uma comunidade de entre as imagens a ideia de corpografia tempos e experiência
estrangeiros do pensamento e o urbana como os usuários do
haxixe pista de análise plano de notas limites e limiares/ dois de julho
a cidade no cinema corpo e experiência
documental dos anos direito visual à cidade sobre acúmulos e cine-teatro-rua
1920 sobreposições corporeme:audiovisual
sobre encontros e presencial/virtual morar na
modos de sentir como narrar o campo? carlos gomes
o chão nas cidades
a pé ao oratório – ou a itapagip3 dos espaços de
caminhada impossível deriva parada apropriação
epifania urbana sobre
oficina: in-sistir #1! corpos imóveis breve relatório sobre experiências urbanas
a primeira de uma
insistência urbana inútil paisagem série de opacificações podemos todos ser
urbanas etnógrafos?
passarela do iguatemi de patrimônio, ruínas
urbanas e existências oficinas e seminário por uma postura

ta coleção
rua gregório de mattos breves de articulação antropológica de
em dia de são jorge e apreensão da cidade
no dia seguinte questões e fazer corpo, tomar contemporânea
interlocuções corpo e dar
maria stella bresciani corpo às ambiências crítica e engajamento
urbanas

SUBJETIVIDADE CORPO ARTE


figurações espaciais

www.redobra.ufba.br
MEMÓRIA NARRAÇÃO HISTÓRIA
derivas urbanas, e mapeamentos conglomerado

ALTERIDADE IMAGEM ETNOGRAFIA


memória e composição na lírica social de cidadeando

dos temas de cada tomo des-


segundo a predominância
diagrama da produção das
revistas Redobra [2012/2014],
REDOBRA 13

literária
Equipe do projeto de pesquisa PrONEM.
[entre 2011 e 2015]

Programa de Apoio a Núcleos Emergentes - FAPESB/CNPq


“Laboratório Urbano: experiências metodológicas para a
compreensão da complexidade da cidade contemporânea”

COORDENADORES DE ATIVIDADES [UFBA e UNEB].

Fabiana Dultra Britto


Fernando Gigante Ferraz
Francisco de Assis Costa
Luiz Antonio de Souza
Paola Berenstein Jacques (coord. geral e UFBA)
Pasqualino Romano Magnavita
Thais de Bhanthumchinda Portela
Washington Luis Lima Drummond (coord.UNEB)

PESQUISADORES CONVIDADOS.

Alessia de Biase – LAA–CNRS - Paris


Ana Clara Torres Ribeiro – in memoriam, IPPUR/UFRJ
Cibele Saliba Rizek – IAU/USP-SC
Francesco Careri – LAC/Roma Tre - Roma
Frederico Guilherme Bandeira de Araujo – IPPUR/UFRJ
Lilian Fessler Vaz – PROURB/UFRJ
Margareth da Silva Pereira – PROURB/UFRJ
Rachel Thomas – CRESSON-CNRS – Grenoble
Regina Helena Alves da Silva – PPGHIS/UFMG
Suely Rolnik – PUC-SP
ESTUDANTES E EGRESSOS [UFBA e UNEB].

Amine Portugal Barbuda


Ana Rizek Sheldon
Breno Luiz Thadeu da Silva
Carolina Ferreira da Fonseca
Cinira d’Alva
Clara Bonna Pignaton
Daniel Sabóia
Diego Mauro Muniz Ribeiro
Dila Reis Mendes
Eduardo Rocha Lima
Felipe Caldas Batista
Gabriel Schvarsberg
Gustavo Chaves de França
Ícaro Vilaça Numesmaia Cerqueira
Janaina Chavier Silva
João Soares Pena
José Aloir Carneiro de Araujo
Jurema Moreira Cavalcanti
Keila Nascimento Alves
Luciette Amorim
Luiz Guilherme Albuquerque Andrade
Maria Isabel Costa Menezes da Rocha
Marina Carmello Cunha
Milene Migliano
Osnildo Adão Wan-Dall Junior
Patricia Almeida
Paulo Davi de Jesus
Pedro Dultra Britto
Priscila Valente Lolata
Renato Wokaman
Rose Laila de Jesus Bouças
Tiago Nogueira Ribeiro
Verusya Santos Correia

WWW.LABORATÓRIOURBANO.UFBA.BR/PRONEM
Esta coleção foi publicada no formato 135 x 202mm
em papel Offset 90g/m² para o miolo e Triplex 350g/m²
para capa, na Gráfica Santa Marta na Paraíba. As fontes
utilizadas foram DIN e Sentinel.
Tiragem de 1.000 exemplares.

Salvador, 2015

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