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Arthur C. Danto - Andy Warhol
Arthur C. Danto - Andy Warhol
to andy warhol A
r C. Danto andy war
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Bibliografia 195
Índice de nomes e obras 199
Prefácio
Para Barack e Michelle Obama, e o futuro Não tenho como escrever uma nova biografia de Andy
da arte norte-americana Warhol. Minhas aptidões se situam em outra área.
A sorte é que posso me basear em várias biografias
excelentes sobre o artista, já que meu livro segue,
grosso modo, uma ordem cronológica, e escritores
como Victor Bockris, David Bourdon e, mais recente-
mente, Steven Watson já construíram em conjunto
uma boa narrativa sobre a vida de Andy – sobre como
ele viveu e morreu. Além disso, esses escritores ti-
nham a vantagem de conhecê-lo pessoalmente e
muitos dos que o cercaram. Não tenho nenhuma con-
tribuição a dar nesse sentido. Como escritor, tenho
publicado essencialmente estudos filosóficos, inclu-
sive na área de filosofia da arte; e também, na quali-
dade de crítico de arte, escrevo para a revista The modo de viver dos norte-americanos – o estilo de
Nation, que, desde o número 1, de 4 de julho de 1865, vida que, na verdade, a arte de Warhol exaltava –,
sempre manteve em seu quadro de colaboradores um inclusive no que eles gostavam de comer e nas
crítico de arte. Entre essas duas áreas de atividade, há figuras que consideravam seus verdadeiros ícones,
uma estreita relação – assim como há uma conexão especialmente os personagens da cultura de massa,
entre elas e este livro. Minha filosofia da arte foi de- como o cinema e a música popular.
senvolvida em dois textos: em um artigo intitulado De certo modo, aos olhos do mundo, Warhol trans-
“The Art World” [“O mundo da arte”], publicado no cendeu os objetos que escolheu. Muitos intelectuais
Journal of Philosophy em 1964, e no livro A transfigu europeus interpretaram sua arte como uma crítica à
ração do lugar-comum, de 1981. Ambos foram escri- cultura de massa e aos produtos do capitalismo
tos em resposta aos acontecimentos que mudaram norte-americano, como as sopas Campbell. Vistos
significativamente a arte contemporânea durante a como críticos da cultura americana, Warhol e os ar-
8 década de 1960, principalmente em Nova York, entre
os quais as duas exposições de Andy Warhol realiza-
tistas pop em geral obtiveram dos europeus o reco-
nhecimento que lhes fora negado, ao menos de início,
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das na Stable Gallery, em 1962 e 1964. Os trabalhos pelo mundo da arte norte-americana, que havia,
apresentados nessas duas exposições, especial- finalmente, começado a aceitar o fato de que os Esta-
mente na segunda, pareceram-me exigir da filosofia dos Unidos tinham produzido pela primeira vez na
da arte uma abordagem radicalmente nova. Creio história uma arte de nível internacional, com as pin-
que a maioria dos estetas e filósofos da arte reco- turas da chamada Escola de Nova York – as grandes
nhece o mérito essencial dos meus textos no redire- telas expressionistas abstratas criadas durante e logo
cionamento da filosofia da arte para dar conta da após a Segunda Guerra Mundial. O repúdio dos artis-
imensa revolução artística que ocorreu na primeira tas pop a essas extraordinárias realizações estéticas e
metade dos anos 60, e na qual um artista, Andy sua preferência por pinturas aparentemente simpló-
Warhol, desempenhou um papel proeminente. Mas rias de latas de sopa ou do Pato Donald chocaram os
a arte que levou Warhol a assumir uma estatura círculos de arte dos Estados Unidos. Na opinião geral,
histórica tinha fortes ligações com sua potenciali- uma pintura de valor tinha de ser difícil – mas qual-
dade como ícone norte-americano. O que lhe per- quer pessoa familiarizada com a cultura americana
mitiu alcançar o status de ícone foi o conteúdo de podia compreender imediatamente a arte pop. Esti-
sua arte, que buscava inspiração diretamente no vesse ou não correta a interpretação dos europeus de
que a arte pop continha uma crítica da cultura dos abstração uma expressão dos valores políticos da de-
Estados Unidos, a verdade é que eles pelo menos per- mocracia. E como desde o regime hitlerista havia o
ceberam que havia algo mais na nova arte do que sentimento de que certo tipo de realismo kitsch
nossos olhos americanos podiam ver. De sua parte, expressava os valores do nacional-socialismo, a arte
Andy ansiava por apresentar-se aos europeus como figurativa tornou-se politicamente suspeita no pós-
tudo menos um artista fútil. Ele e sua marchande, -guerra. Já nos anos 60, quando parecia que a arte
Ileana Sonnabend, divergiram sobre a organização pop questionava os valores do expressionismo abs-
de uma mostra do artista na galeria parisiense da trato, o momento afigurou-se aos alemães como par-
qual ela era proprietária. Warhol queria batizar a ex- ticularmente libertador. Na Alemanha, a arte pop foi
posição de Morte na América, reunindo imagens de considerada importante porque dava a impressão de
batidas de carro, conflitos raciais e cadeiras elétricas, repudiar a abstração; e isso elevou a estatura de Wa-
impressas em serigrafia e pintadas em cores doces e rhol no continente. Para os alemães, ele não era só
10 suaves a partir de fotografias publicadas nos tabloi-
des populares. No fim, Sonnabend aceitou o conteúdo,
um crítico da produção capitalista, também era um
crítico da cultura de elite. O primeiro estudo sério
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mas não o título. A exposição acabou se chamando sobre Warhol publicado na Alemanha, escrito por
simplesmente Warhol. Foi uma mostra inegavelmente Rainer Crone, logo virou um best-seller. Mas demo-
séria, que atraiu o respeito dos europeus, e que não rou muito mais tempo para que Warhol fosse consi-
poderia ter sido montada nos Estados Unidos naquela derado um artista intelectualmente respeitável nos
época, janeiro de 1964. Estados Unidos. Em vez disso, ele se converteu em
O mundo da arte europeu do século xx era neces- ícone – tornou-se parte da cultura que celebrava,
sariamente mais complexo que seu equivalente uma estrela que amava cachorro-quente e Coca-Cola,
norte-americano, porque havia muito mais em jogo e idolatrava Marilyn Monroe e Elvis Presley.
no continente. Na Europa, a arte era altamente poli- Meu interesse pela arte pop, e especialmente por
tizada. O abstracionismo, por exemplo, foi consi Andy Warhol, tinha outro foco. Eu havia me mu-
derado politicamente inaceitável tanto sob o regime de dado para Nova York após a guerra, motivado por
Hitler quanto sob o de Stálin. E permaneceu inacei- um imenso entusiasmo pela arte da Escola de Nova
tável na Rússia soviética durante todo o período da York, na qual esperava fazer carreira como artista. Eu
Guerra Fria. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, era veterano de guerra e possuía uma bagagem edu-
por outro lado, os artistas alemães perceberam na cacional que decidira aplicar ao estudo da filosofia.
Embora tivesse feito algum sucesso como artista, a pela arte, sobretudo a arte contemporânea, eu não ti-
filosofia acabou se revelando mais interessante para nha nenhuma simpatia especial pela filosofia da arte.
mim. No princípio de 1960, eu era professor da Uni- A verdade é que eu não conseguia ver nenhum modo
versidade Colúmbia e estava em gozo de um período interessante de unir filosofia e arte. A exposição con-
sabático na Europa, onde pretendia escrever meu pri- sistia de centenas de objetos, que pareciam ser caixas
meiro livro. Foi na Biblioteca Americana de Paris que comuns de armazém, organizadamente empilhadas
vi pela primeira vez um trabalho da arte pop: uma em prateleiras, como se estivessem no depósito de
reprodução em preto e branco publicada na revista um supermercado. Entre esses objetos havia caixas
artnews. Seu título era O beijo, de Roy Lichtenstein, e da marca Brillo muito semelhantes aos objetos re-
parecia ter sido recortada da seção de quadrinhos de ais. Acho que a Brillo Box pode ser considerada um
um jornal americano. Basta dizer que fiquei pasmo. ícone americano, mas isso porque Andy Warhol a
Eu tinha certeza de que aquilo não era arte, mas no fez assim. É sua obra mais famosa e, na minha opi-
12 decorrer de minha temporada em Paris fui aos pou-
cos elaborando a ideia de que se aquilo era arte, qual-
nião, uma obra-prima, pelas razões que explicarei ao
longo deste livro. Como concepção visual de um pro-
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quer coisa podia ser arte. Tomei então a decisão de duto comercial é uma peça admirável. Por ironia, o
ver tudo o que pudesse da arte pop quando voltasse autor do projeto gráfico era um artista comercial que
aos Estados Unidos. tinha altas ambições no campo das belas-artes – na
Meu interesse em escrever uma autobiografia verdade, era um expressionista abstrato de Detroit,
não é maior do que o de fazer uma nova biografia de James Harvey. Mas o problema para mim não estava
Andy Warhol, mas acho necessário explicar a impor- na qualidade gráfica da caixa, e sim no que a fazia
tância que ele teve para mim, assim como esclarecer ser arte. A Brillo Box [Caixa Brilho] ajudou-me a
o leitor sobre a ênfase deste livro. Não se trata de um resolver um problema tão antigo quanto a própria
estudo de história da arte, nem de uma biografia de filosofia, isto é, como definir arte. Mais ainda, ela me
Warhol, mas de uma análise de enfoque filosófico so- ajudou a explicar, em primeiro lugar, por que esse é
bre o que faz de Warhol um artista tão fascinante. Ver um problema filosófico. É escusado dizer que uma
sua segunda exposição na Stable Gallery, em abril de definição adequada da arte deve abranger toda a arte
1962, foi para mim uma experiência transformadora. universal. É preciso explicar por que a Mona Lisa é
Fez com que eu me tornasse um filósofo da arte. Até arte, por que o Rigoletto é arte, por que Washington
aquele momento, por maior que fosse meu interesse atravessando o Delaware é arte. A definição tem de
explicar por que uma coisa, qualquer coisa, é arte. pouco tempo atrás, se dizia que as histórias em qua-
Naquele tempo, muita gente dizia que a Brillo Box drinhos corrompiam o espírito. No meu tempo de
não era arte. Claro que eu achei que estavam todos estudante em Paris, diziam que a Coca-Cola causava
errados: eu amei a Brillo Box. O que ela oferecia de câncer. Os Estados Unidos, para citar o título de uma
fascinante para a filosofia era ser um trabalho muito obra do exilado Henry Miller, eram “um pesadelo de
simples – uma mera caixa retangular com letras im- ar condicionado”. No século xix, o movimento Arts
pressas em todos os lados. Nada de mais complexo and Crafts1 condenou a manufatura industrial de mó-
em comparação com os exemplos da pintura expres- veis. Da mesma maneira, até 1960 a arte se opunha
sionista abstrata que conhecemos. implacavelmente à cultura popular. Mas, de repente,
Certamente, o que faz de Andy Warhol um ícone no início da década de 1960, alguns artistas de ver-
não é o fato de ser filosoficamente tão educativo, em- dade assumiram a posição oposta, passando a exaltar
bora este seja um aspecto importante de sua quali- a linguagem comum da arte comercial em pinturas
14 dade como artista. O que faz dele um ícone é que
seu tema sempre é alguma coisa que o americano
que copiavam suas cores chapadas e seus contornos
nítidos. O gosto e os valores das pessoas comuns tor-
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comum entende: tudo ou quase tudo que ele usou naram-se então inseparáveis da arte de vanguarda.
para fazer arte veio diretamente da vida cotidiana No meu modo de ver, essa arte mostrou o caminho
do americano médio. Qualquer pessoa habituada ao para levar ao confuso terreno da estética as luzes da
modo de viver dos norte-americanos pode descrever alta filosofia analítica. Sem Warhol eu jamais teria es-
uma caixa de supermercado, dizer onde encontrá-la crito A transfiguração do lugar-comum. Por isso, este
e para que serve. Assim como poderá dizer onde se livro é o reconhecimento de uma dívida.
acha uma lata de sopa Campbell, como prepará-la e Nunca me encontrei pessoalmente com Andy
quanto custa. Warhol, embora tivesse estado bem perto dele na
Claro que o universo banal dos objetos industriais inauguração de uma exposição de gravuras, Mitos,
foi menosprezado do ponto de vista estético pelos na Ronald Feldman Gallery, no Soho, enquanto ele
cultores do bom gosto. E o repertório de imagens autografava um prospecto da exposição para minha
banais dos outdoors, dos gibis, das revistas pulp, foi
considerado pelos mesmos árbitros do juízo estético
1 O Arts and Crafts (Artes e Ofícios) foi um movimento esté-
como irremediavelmente desprezível. O fast-food tico e social inglês que defendia o artesanato criativo como
hoje em dia polui o organismo humano tanto quanto, alternativa à mecanização e à produção em série. [n.t.]
mulher, Barbara Westman. De vez em quando, eu Agradecimentos
o via de relance numa festa ou numa exposição de
arte. Nossos estilos de vida eram muito diferentes.
A filosofia está tão afastada da vida da downtown
nova-iorquina que quando eu escrevi no artigo “The
Art World” [O mundo da arte] que “Andy Warhol,
o artista pop, expõe fac-símiles de caixas de Brillo,
empilhadas e arrumadas em prateleiras como se es-
tivessem no depósito de um supermercado”, tinha
quase certeza de que nenhum leitor do Journal of
Philosophy, onde o texto foi publicado em 1964, fa-
zia a menor ideia de quem eu estava falando. Poucos
16 filósofos se dispunham a visitar a Stable Gallery, a
Green Gallery ou mesmo a Jansen Gallery, que fa-
ziam exposições de artistas pop. Anos depois, quando
eu já me firmara como crítico de arte e filósofo, mi- Sou particularmente grato ao professor Bertrand Rougé
nha mulher e eu fomos ao leilão do espólio de Andy, da Universidade de Pau por suas críticas à minha
e nos deslumbramos com seu gosto refinado para interpretação da montagem da segunda exposição
o mobiliário art déco francês e para a arte em geral. de Andy Warhol na Stable Gallery de Manhattan, em
Nisso, como em tudo mais, ele estava adiante de seu abril de 1964, que foram publicadas no livro The Philo-
tempo, mesmo que não soubesse fazer nada melhor sophy of Arthur Danto, na série The Library of Living
com suas extraordinárias presas do que empilhá-las, Philosophers (The Open Court Press, 2009). Minha
como numa sala de tesouros, em sua casa no East Side interpretação atual dessa exposição deve muito à con-
de Nova York. vivência com as percepções de Rougé. As caracterís-
ticas das caixas devem ser explicadas pela aparência
que teriam quando empilhadas nas mercearias. Esse
reconhecimento deixa intacto o caráter ontológico da
explicação das diferenças entre as caixas verdadeiras
do Lebenswelt – o mundo da experiência cotidiana –
e o estilo um tanto futurista e graficamente progra- Uma nota sobre as referências bibliográficas
mado dos pacotes de Warhol. Em termos da história
da arte, elas são exemplos tardios da arte metafísica. Procurei neste livro alcançar um texto de fácil leitura,
Poucas retificações que devo a outras pessoas exigi- em linguagem agradável e com o mínimo de citações
ram de mim o mesmo nível de reconsideração: a maior bibliográficas.
parte foi aceita como dádivas generosas, tal como a
presteza a lerem meu estudo. Tenho uma dívida quase
inexprimível com David Carrier pela longa e minuciosa
correspondência que trocamos. Minha gratidão à ma-
ravilhosa colega Lydia Goehr é existencial. Um vasto
conhecimento do mundo da arte marcou a leitura que
Alison McDonald fez deste texto. Noel Carroll foi uma
18 fonte constante de saber filosófico e de compreensão da
arte. Richard Kuhns é o amigo indispensável de toda a
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vida. Jamais poderia escrever alguma coisa que tivesse
algum sentido sem recorrer à sua sabedoria e profundo
conhecimento do ser humano. Devo a Ti-Grace Atkin-
son as informações sobre a tortuosa personalidade de
Valerie Solanas e minha sensibilidade às profundas
questões do feminismo. E tenho imenso apreço pelo
fato de o grande pintor Sean Scully nunca ter permitido
que suas dúvidas quanto ao objeto deste livro empa-
nassem a certeza de sua amizade por mim. Finalmente,
este livro, como outros que escrevi, não teria existido
sem a perspicácia de Georges e Anne Borchardt.
E a Barbara Westman, minha esposa – pela beleza
de sua alma, pelo seu maravilhoso senso de humor,
seu olhar arguto, seu bom senso e pela dádiva aben-
çoada do seu amor.
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20 1 a vit∏ine da loja bonwit telle∏ 1 a 1 a vit∏ine da loja bonwit telle∏ 1 a vit∏ine
telle∏ 21 da
loja bonwit telle∏ 1 a vit∏ine da loja bon- 1928, em Pittsburgh, numa família de imigrantes ru-
tenos, mas a uma série de mudanças na identidade
de Andy – a brusca mudança de direção que o levou
à condição de ícone. Um dos trabalhos que ajudam a
wit telle∏ 1 a vit∏ine da loja bonwit telle∏ visualizar essa guinada é uma pintura de 1961, que
consiste numa versão muito ampliada de um simples
anúncio em preto e branco do tipo que aparece nas
colunas laterais e na contracapa dos jornais popula-
1 a vit∏ine da loja bonwit telle∏ res. Era um anúncio dos serviços de um cirurgião
plástico que mostrava dois perfis da mesma mulher,
antes e depois de uma operação de nariz. No perfil Reproduções da pintura, feitas prévia e posterior-
à esquerda, ela aparece com um grande nariz de mente à ocorrência de sua transformação em arte,
bruxa, e no da direita, com um lindo narizinho ar- têm exatamente a mesma aparência. Poderíamos até
rebitado como o de uma cheerleader ou de uma jo- dizer que a diferença é invisível. Parte da explicação
vem atriz de cinema – o nariz dos sonhos de uma do que levou Warhol à condição de ícone tem a ver
mulher de perfil adunco. Como as pessoas geral- com o fato de que, a princípio, quase ninguém re-
mente leem da esquerda para a direita, a justaposi- conhecia diferenças entre as duas imagens. Warhol
ção das duas imagens é uma óbvia comparação de não só reproduziu uma peça banal da arte comercial,
“antes e depois”. Aliás, Warhol batizou o trabalho de como tornou ao mesmo tempo invisível e monumental
Antes e depois, e pintou uma série deles em diferen- a distinção entre uma peça de arte banal e uma peça
tes versões. Era a materialização do tipo de sonho de arte culta. E isso significa que ele não mudou
que persegue as pessoas preocupadas em mudar apenas nosso modo de ver a arte, mas o modo de
22 sua aparência para se tornarem, aos seus próprios
olhos, mais atraentes. Substituir o antes pelo depois
compreendermos a arte. Quer dizer, entre 1959 e
1961, foram plantadas as sementes de uma revolu-
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parece-lhes o melhor caminho para a beleza ideal, ção visual, e mais, de uma revolução cultural.
e para a felicidade. O que sucedeu quando Andy Warhol se tornou
O período entre 1959 e 1961 constitui uma zona um ícone cultural não foi simplesmente o resultado
de transição biográfica entre duas fases da vida de de uma transição biográfica em que um artista co-
Warhol, uma zona de transfiguração. Warhol pas- mercial de sucesso converteu-se em um artista sério
sou de artista comercial bem-sucedido a membro de vanguarda. Foi uma transição social na medida
da vanguarda nova-iorquina – mudança que ele co- em que importantes indivíduos que monitoram as
biçou com uma paixão equivalente aos anseios da fronteiras da arte reconheceram que Warhol tinha
Moça de Nariz Grande pelo rosto da Miss de Nariz realizado um trabalho de relevo do ponto de vista
Arrebitado. A transformação era sublinhada pelas da configuração dessa fronteira. Toda mudança ar-
imagens da série Antes e depois como arte. Anterior- tística tem de ser reconhecida e aceita como tal pelo
mente a Warhol, a série não teria passado de mero que denomino, como de costume, mundo da arte da
clichê da arte comercial, e seu autor já teria sido época – determinados curadores, marchands, críti-
esquecido há muito tempo. Em 1961, em formato cos, colecionadores e, naturalmente, outros artistas.
muito ampliado, Antes e depois virou alta obra de arte. Sob esse aspecto, o mundo da arte do começo dos
anos 60 estava preparado para Andy Warhol. Ele se A transição de artista para ícone se deu muito
inscreveu em uma discussão em processo e contri- rapidamente. Em 1965, por exemplo, a transforma-
buiu para a direção que essa discussão veio a tomar ção já estava completa. Em outubro desse ano, Andy
nos anos seguintes. Isso não foi suficiente, é claro, e sua superstar, Edie Sedgwick, compareceram à pri-
para fazer dele um ícone. Para tanto, precisava ha- meira retrospectiva do artista nos Estados Unidos,
ver uma cultura muito mais ampla que o mundo realizada no Institute of Contemporary Art, no cam-
da arte do princípio da década de 60, e o próprio pus da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia.
Warhol precisava ser associado a algo que ia muito Uma multidão de mais de 2 mil pessoas extasiadas, a
além dos limites da arte. Sem dúvida, o fato de ser maioria estudantes, já estava lá. Ninguém esperava
artista foi um fator decisivo para que virasse um uma multidão dessa ordem, e o curador, Sam Green,
ícone – mas quantos artistas, afinal de contas, dão resolveu retirar das paredes, por precaução, a maior
um passo além e se tornam ícones? Muito poucos. parte das pinturas. Por pouco as paredes da galeria
24 Só Warhol galgou a dimensão icônica em todo o
movimento pop que, coletivamente, mudou a arte
não ficaram inteiramente nuas. Mas a multidão não
tinha vindo exatamente para olhar as pinturas, e sim
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em meados dos anos 60. Roy Lichtenstein, Claes Ol- para ver Warhol e sua parceira. Começaram a entoar
denburg, Jim Dine, Tom Wesselman e James Rosen- o refrão: “Andy e Edie! Andy e Edie!”. Muito em-
quist eram os principais artistas pop, mas nenhum purra-empurra, gente se atropelando. A coisa tomou
deles se tornou ícone, a não ser para alguns setores uma dimensão semelhante ao problema de controle
específicos do mundo da arte, se tanto. Todos eram de multidões que se via nos shows de rock. Andy,
excelentes artistas. Mas Warhol é que haveria de ser Edie e seu grupo acabaram descobrindo um lugar se-
o artista da segunda metade do século xx. Ele se guro numa escadaria de ferro de onde, como políticos
tornou um artista para pessoas que sabiam muito nos palanques, acenavam para a multidão. Final-
pouco sobre arte. Warhol representava uma forma mente, abriram um buraco no teto e as celebridades
ideal de vida, que tocava o mundo delas em muitos puderam escapar a salvo para o andar de cima. Antes
pontos. Ele encarnava uma concepção de vida que de Warhol e Edie, esse tipo de comportamento de
abraçava os valores da era em que ainda vivemos. multidão era quase padrão para certos ídolos da mú-
Sob certos aspectos, Warhol criou uma imagem icô- sica popular, como os Beatles ou Frank Sinatra. Mas
nica do que a vida é. Nenhum outro artista chegou nunca se vira coisa igual em um evento de arte, onde
perto disso. a atmosfera institucional do museu impõe silêncio e
respeito. A mudança de comportamento não escapou tas abstratos. Tampouco esses atos se repetiram com
à observação de Warhol. “Pensar que isso ocorreu a arte minimalista, que tomou o lugar da pop como
num vernissage”, disse ele. “Mesmo num vernissage vanguarda predominante em meados dos anos 60. A
pop. Só que não estávamos apenas numa exposição reação do público em geral foi antes um largo bocejo.
de arte – a exposição éramos nós.” 1 Quanto aos artistas pop, a mudança artística foi per-
A história da arte moderna foi uma história de cebida como radical, o sentido da arte para a média
raiva e ressentimento. Desde o Salon des Refusés das pessoas havia se modificado, e muito disso se de-
de 1863, por ordem de Luís Napoleão, as pinturas via a Warhol. Pelo menos no caso de Andy, graças à
rejeitadas pela comissão de seleção ficavam expostas sua arte, ele começara a ascender à condição de ícone.
em um salão à parte, onde os espectadores podiam Voltemos, porém, ao “Nascimento de Andy Wa-
formar suas próprias opiniões. O Déjeuner sur l’herbe, rhol” e ao período em que ele fez Antes e depois.
de Manet, foi alvo de zombarias e manifestações de Ninguém poderia saber então que com a virada da
26 escárnio. Houve tumultos em Paris quando o Ubu rei,
de Alfred Jarry, foi apresentado pela primeira vez e
década, de 1950 para 1960, toda a cultura ocidental
entraria num período de convulsiva transformação.
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após a primeira execução da Sagração da primavera, Ninguém poderia ter antecipado a enorme mudança
de Stravinski. Vaias foram ouvidas nas salas onde de atitudes que estava por vir, especialmente na cul-
Matisse e os fauves expunham seus trabalhos no Sa- tura da juventude em 1968. Foi uma década em que
lon de 1905. Mas esses fatos não se repetiram com a uma após outra as fronteiras cederam e foram eli-
arte dos anos 60. Ao contrário, havia um sentimento, minadas. Logo no começo da década, rompeu-se
principalmente entre o público jovem, de que aquela a fronteira entre a arte culta e a arte popular, uma
era a sua arte, uma arte que fazia parte de sua cul- forma de superar a distância entre a arte e a vida.
tura. Já em 1965, todo mundo sabia, de maneira geral, Tenho uma teoria de que sempre que ocorre um
que tipo de arte Warhol estava fazendo. As multidões período de profunda mudança cultural, esta se re-
do ica criaram espontaneamente um evento que não vela antes de tudo na arte. A era do romantismo se
teria ocorrido com Lichtenstein ou Oldenburg, nem tornou visível primeiramente no arranjo dos jardins
com os pintores da geração anterior dos expressionis- ingleses, a ênfase no “natural” em vez do formal. Em
1964, os Beatles fizeram sua primeira visita aos Es-
1 David Bourdon, Warhol. Nova York: Harry N. Abrams, 1989, tados Unidos, usando cabelos compridos, como que
pp. 213-14. a testar as fronteiras entre os gêneros. Nesse mesmo
ano, as fronteiras raciais foram atacadas quando os civil. No fim da década, Warhol criou um espetá-
Freedom Riders2 viajaram pela primeira vez para o culo de variedades reunindo a banda de rock Vel-
sul dos Estados Unidos a fim de ajudar a defender vet Underground e outras atrações, no que batizou
os direitos civis dos negros. As rebeliões nos campi de The Exploding Plastic Inevitable. As palavras
universitários de 1968 puseram sob ataque as fron- “exploding” [explosivo] e “inevitable” [inevitável]
teiras entre gerações, e os jovens reivindicavam o di- captam de certa forma a volatilidade da mudança
reito de determinar seus currículos e de estudar as que assinalou os anos 60. Mas a transição de Andy
disciplinas que lhes interessavam, incluindo cursos Warhol de artista comercial para ícone da arte,
de estudos étnicos e de gênero, inexistentes na dé- ainda que inevitável, não foi explosiva. No começo,
cada anterior. Mas as reivindicações dos jovens es- foi uma espécie de tatear inseguro de uma arte que
tendiam-se muito além da instituição universitária, ainda não existia na realidade, e de uma identidade
alcançando a arena das grandes decisões políticas. que nem Warhol nem ninguém de seu círculo era
28 Em fins da década de 60, surgiu o feminismo radical,
que lutou contra as fronteiras tradicionais entre os
capaz de especificar. E a “discussão” que mencionei
acima, em que Warhol acabou conseguindo se ins-
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sexos e exigia igualdade e autonomia para as mulhe- crever, ainda era imprecisa e mal definida. É isso
res. Em 1969, os violentos conflitos de Stonewall 3 que torna especialmente feliz a metáfora de Bockris.
atacaram as fronteiras entre heterossexuais e gays, O feto tateia às cegas na escuridão em direção a um
considerando-as despropositadas para a sociedade mundo que ainda não podia visualizar na cavidade
morna que até então constituía todo seu universo.
Em 1959 ou 1960 deve ter havido algum tipo de
2 Os Freedom Riders eram grupos de ativistas dos direitos ci- mudança interior em Warhol. Ele havia se mudado
vis nos Estados Unidos que viajavam de ônibus para estados
para Nova York depois de formar-se na escola de arte,
do Sul que mantinham leis de segregação racial com o obje-
tivo de testar uma decisão da Suprema Corte, que havia proi- e conseguira estabelecer-se como artista comercial,
bido a discriminação em restaurantes e terminais de ônibus obtendo imenso sucesso. Diz a canção que se você
interestaduais. [n.t.] consegue fazer sucesso em Nova York, pode fazê-lo
3 Os Stonewall riots foram uma série de violentos conflitos em qualquer lugar, mas Warhol pretendia fazer su-
entre policiais de Nova York e grupos de gays e transexuais
cesso em Nova York de maneira diferente, em um
que eclodiram na manhã de 28 de maio de 1969 e prolonga-
ram-se durante vários dias. Foi um marco decisivo no movi- nível diferente e a qualquer custo. Queria ser bem-
mento mundial pelos direitos dos homossexuais. [n.t.] -sucedido como um tipo diferente de artista. É difícil
imaginar que quisesse ser um pintor expressionista Não se pode negar que embora o expressionismo
abstrato, a tendência que dominava o mundo da arte abstrato estivesse perdendo fôlego por volta de 1962,
em Nova York naquele tempo. Conforme veremos, já existia desde o fim dos anos 50 uma repulsa a cer-
seus primeiros passos foram dados sob a proteção tos aspectos desse movimento como uma ortodoxia –
das cores de uma filosofia expressionista abstrata do uma reação contra o que os críticos hostis chamavam
pigmento. Mas o que se poderia chamar de filosofia de “paint cookery” [receituário de pintura]. Havia,
da arte expressionista abstrata não tinha e não podia por exemplo, a abstração hard-edged, que buscava for-
ter atrativo algum para Warhol. A ideia fundamental mas bem definidas e cores lisas e uniformes, na qual
do expressionismo abstrato era que o pintor mergu- o artista controlava as relações entre as formas e não
lhasse fundo em seu inconsciente e descobrisse meios aproveitava os acidentes da pincelada ou da tinta que
de traduzir o que Robert Motherwell chamou de “im- tornaram tão interessantes as superfícies expressio-
pulso criativo original” em marcas depositadas im- nistas abstratas. Mas não era assim, pode-se dizer, que
30 pulsivamente e com gestos largos sobre a superfície
da pintura ou do desenho. Quando Warhol declarou,
a arte queria avançar. A pintura hard-edge atacava o
que parecia ser o coração da pintura contemporânea,
31
com seu estilo aforístico, “Se você quer saber quem é isto é, a expressividade da tinta e a impulsividade com
Andy Warhol, apenas olhe para o meu rosto ou para que o pintor interagia com ela, o espírito de improvi-
a superfície do meu trabalho. Está tudo lá”, ele estava sação e liberdade que fizeram do expressionismo abs-
rejeitando essa concepção romântica da alma do ar- trato um movimento tão diferente de todos os outros
tista. Os expressionistas abstratos e os artistas pop na história da arte. Qualquer movimento que viesse
tinham concepções radicalmente opostas sobre o que substituí-lo tinha de conservar esses aspectos ou al-
os artistas faziam. O artista pop não tinha segredos guma coisa deles. Não é difícil entender por que os
íntimos. Se ele revelava alguma coisa aos espectado- pintores que se tornaram mestres do expressionismo
res, era algo que estes já conheciam ou pelo menos abstrato, como Mark Rothko, pensavam que o movi-
tinham ouvido falar. Por esse motivo, já existia um mento se prolongaria por um milênio – tanto tempo
elo natural entre o artista e o espectador, o que con- quanto prevaleceram pelo menos os paradigmas do
tribuiu, no caso de Warhol, para explicar como ele se Renascimento. A arte abstrata já se tornara uma opção
tornou um ícone. Ele sabia as mesmas coisas que seu em 1912, e a abstração da Escola de Nova York, com Ja-
público sabia e se comovia com as mesmas coisas que ckson Pollock e Willem de Kooning, em fins da década
comoviam o público. de 40. Nasceu e esgotou-se em menos de duas décadas.
A rebelião vitoriosa tinha de assumir outra forma siste basicamente numa cabra empalhada com um
além da abstração hard-edge, e havia começado com pneu de borracha em volta da barriga. Depois, ele es-
os artistas que foram modelos ideais para Warhol – palhou generosa quantidade de tinta sobre a cabeça e
Robert Rauschenberg e Jasper Johns, e, de forma outras partes do corpo do animal. A combine que leva
um pouco diferente, Cy Twombly. Johns, sobretudo, o título de Cama constitui-se de uma colcha e um tra-
dominava perfeitamente o manejo do pincel no es- vesseiro encaixados na estrutura de madeira de uma
tilo expressionista abstrato. Como pintor, era no mí- cama pendurada na parede, e, naturalmente, o artista
nimo tão bom quanto qualquer mestre da Escola de espalhou tanta tinta sobre os objetos de modo que
Nova York. Havia algo de delicioso em sua maneira ninguém se sentiria tentado a dormir ali. Era como se
de pintar. Mas o tema de Johns não era ele mesmo, a tinta pintada bastasse para transformar a realidade
mas as formas corriqueiras que os fenomenólogos em arte. Twombly era mais abstrato que seus amigos.
designam como Lebenswelt – o mundo da experi- Desenhava garatujas sobre a tela ou sobre o papel.
32 ência cotidiana: números, letras, mapas, alvos. De
certo modo, Johns procurou temas que todo mundo
Seus desenhos e pinturas eram gestuais desse ponto
de vista e em consonância com o espírito do expres-
33
reconhecesse, e se interessava especialmente pela sionismo abstrato. Eram primitivos no sentido de que
relação entre essas entidades e suas representações. a garatuja é o tipo de marca que as crianças reais fa-
Um número pintado é apenas um número, uma letra zem. A garatuja está para a escrita como o balbuciar
pintada é apenas uma letra. Uma bandeira pintada é está para a fala. Mas, sem dúvida alguma, eram reais;
uma bandeira. Se são lindamente pintados é irrele- despontam na superfície, mas não são nunca arbitrá-
vante. Johns descobriu uma maneira de transformar rias. Qualquer pessoa é capaz de reconhecê-las.
a realidade em arte, no sentido de que seus temas su- Esses artistas, especialmente Rauschenberg e Johns,
peraram a diferença entre representação e realidade. tiveram poderosa influência em Warhol. Havia ainda
Rauschenberg trabalhou desde o começo com obje- o fato de que eles eram amantes, como também foram
tos reais. Quando pintava um objeto real, fazia-o do
modo mais direto e literal – espalhava tinta sobre ele.
Sua famosa “combine”,4 entitulada Monograma, con- são às vezes pintados e noutras deixados em seu estado natu-
ral, procurando criar uma relação equívoca entre o pintado
e o elemento introduzido”. Cf. Luiz Fernando Marcondes,
4 A combine painting “é uma técnica de colagem em que obje- Dicionário de termos artísticos. Rio de Janeiro: Pinakotheke,
tos do cotidiano colocados sobre a superfície da composição 1998. [n.t.]
Rauschenberg e Twombly. O fato de serem gays inte- tipo de imagens que o interessavam como protoar-
ressou muito a Warhol, que tinha a mesma orienta- tista pop, mas era preciso despojá-las do luxo espa-
ção sexual. Todos eram muito masculinos e por isso lhafatoso de seus anúncios de sapato, e projetar uma
Warhol era muito tímido para aproximar-se deles. imagem mais realista, mostrando-o como de fato
Disse que se achava “bicha demais” para ser aceito apareceria numa propaganda simples, expurgado
por eles. O código de conduta dos gays masculinos de seu glamour e com o preço exibido ao lado. Os
estava mudando tanto que a maneira afeminada era sapatos deveriam ter alguma coisa da praticidade e
cada vez menos aceitável. O objetivo agora era ser o realismo dos anúncios de Antes e depois.
mais agressivamente masculino possível. Em meados A questão psicológica de fundo é o que explica por
dos anos 60, Warhol mudou completamente sua apa- que Warhol abandonou a estranha estética das suas
rência. Emagreceu, passou a usar jaquetas de couro primeiras ilustrações de livros e escolheu substituí-la
e calças jeans. Buscava ser aceito em dois mundos pela simples estética declaratória das representações
34 ao mesmo tempo, o mundo da arte e o mundo gay,
já que ambos começavam a evoluir. Não é fácil ca-
proletárias que começou a preferir. O tabloide barato
tornou-se para ele uma espécie de mina, e ele passou
35
racterizar em termos sexuais o tipo de arte a que se a pintar dois tipos de imagem: as das tiras de qua-
dedicou, mas a que fizera dele uma figura respeitável drinhos, como Dick Tracy e o Super-Homem, Popeye,
do mundo comercial da década de 1950 era marca- Nancy ou O Reizinho, e imagens extraídas da seção
damente afetada. Uma forma de arte quase folclórica, de anúncios, logotipos toscos e diretos em preto e
repleta de gatinhos e querubins, na qual sua assina- branco, sem ambiguidades e, eu diria, sem arte.
tura começava com uma linha interrompida recheada Os painéis com imagens de histórias em quadri-
de bombons em azul-claro e cor-de-rosa, amarelo e nhos são vistos atualmente como arquetípicos da
verde. As caixas de bombons muitas vezes continham arte pop. Contudo, há uma diferença entre as ima-
inscrições feitas à mão, com a bela caligrafia de sua gens usadas por Roy Lichtenstein, como a do Mickey
mãe – bem de acordo com a estética dos cartões de Mouse ou da Blondie, e as imagens mais complexas de
boas-festas das altas-rodas. Na verdade, era a estética Andy Warhol. Lichtenstein reproduz de modo quase
da arte comercial de Warhol, visível sobretudo nos mecânico as imagens das revistas de quadrinhos ou as
desenhos dos sapatos da marca I. Miller: escarpins tiras de jornais. Ele reproduz os meios de reprodução,
de salto alto com toques fetichistas. De certo modo, isto é, os pontos de retícula Ben-Day, de modo que,
fotografias de sapatos têm o conteúdo certo para o na realidade, obtêm-se cópias de imagens pintadas à
mão semelhantes às que aparecem, ou apareceriam, de marcar seu trabalho como atual. O que havia de
impressas nos jornais usando retícula. Boa parte das especial nesse trabalho era o esforço para fundir a
imagens de Lichtenstein provém de gibis de aventu- arte de massa com a arte culta – pintar o ultrafamiliar,
ras, em que pilotos atacam aviões inimigos e a palavra como Popeye e Nancy, aplicando a tinta à maneira, ou
“Zap!” aparece dentro da mesma moldura. Ou então, quase, dos expressionistas abstratos. Mais ou menos
os pensamentos de lindas garotas aparecem escritos como se ele estivesse pintando tiras cômicas expres-
dentro de balões ligados às figuras por pequenas bo- sionistas abstratas. Era uma estocada na síntese es-
lhas. As imagens de Warhol são diferentes em muitos tilística que não foi percebida pelos especialistas do
aspectos, principalmente porque as palavras são ate- mundo da arte, que achavam Warhol muito talentoso.
nuadas pela aplicação de uma fina camada de tinta, Um desses especialistas era, sem dúvida, Ivan
deixando parcialmente visíveis apenas fragmentos de Karp. Warhol costumava visitar com frequência a
palavras. E o espectador percebe muito bem a mate- Castelli, onde os artistas que ele mais admirava expu-
36 rialidade da tinta gotejada. Lichtenstein aplica a tinta
do mesmo modo que um desenhista de histórias em
nham seus trabalhos. A Castelli era a galeria em que
ele mais desejava expor. Numa dessas visitas, Warhol
37
quadrinhos, mantendo-a cuidadosamente dentro descobriu que não estava sozinho – outros estavam
dos limites da figura. Warhol aplica a tinta como os seguindo um caminho muito parecido com o que ele
expressionistas abstratos, gotejando-a. “Não se pode vinha tentando. Karp mostrou-lhe o trabalho de Roy
fazer uma pintura sem a tinta gotejada”, disse ele a Lichtenstein, que acabara de aderir à galeria. Warhol
Ivan Karp, diretor da Castelli Gallery. Foi isso que eu surpreendeu-se ao ver que outra pessoa estava pin-
quis dizer quando afirmei que Warhol usava a pintura tando ícones de quadrinhos e de anúncios publicitá-
gestual dos expressionistas abstratos como coloração rios. Lichtenstein havia pintado uma versão ampliada
protetora. Deixar a tinta gotejar não tinha relação de um desses ícones, em preto e branco: uma jovem de
com uma convicção íntima e pessoal. Não dizia res- maiô gritando e segurando uma bola de praia. A figura
peito àquele momento de transe em que o pintor mo- provinha do clichê da propaganda de um hotel de
vimenta o pincel livremente, sem se preocupar com a veraneio em Catskills. Sem modificar a imagem – re-
limpeza e a ordem da pintura. Nessa época, o “drip” produzindo inclusive os pontos reticulados – Lichtens-
[a tinta gotejada] era considerado uma descoberta, tein simplesmente ampliou-a para o tamanho de um
um sinal de autenticidade. Não para Warhol. Para ele, quadro expressionista abstrato. Nessa época, para ser
era antes uma simulação, um maneirismo, uma forma significativa, uma pintura tinha de ser grande. Qual-
quer leitor do New York Post podia reconhecer a ima- exibia muitas marcas no estilo expressionista abstrato.
gem, mas certamente ficaria espantado de vê-la em Eu disse: “Qual é, Andy, o abstrato é uma porcaria, o
grandes dimensões pendurada na parede de alguém, outro é excelente. É a nossa sociedade, é o que somos,
e sem texto. Talvez parecesse ao espantado leitor uma é maravilhoso e despojado; você devia destruir o pri-
espécie de híbrido estético. Lichtenstein pintava para meiro e mostrar o segundo”.5
um público extremamente sofisticado. Qualquer pes-
soa que adquirisse o quadro perceberia que, apesar de A justaposição dos quadros parecia igual àquela do
pintado à mão, a imagem não tinha as pinceladas usu- Antes e depois. O que Warhol fez foi acrescentar os
ais dos expressionistas abstratos. Warhol disse a Ivan toques de pincel que ele julgava serem esperados para
Karp que vinha fazendo exatamente o mesmo tipo de uma pintura corresponder a “quem nós somos”. De
pintura e convidou-o a visitar seu ateliê. Karp gostou Antonio lhe fez ver que o caminho certo era o oposto
do que Warhol estava fazendo, mas criticou, com ra- do que Warhol pensava. Ele devia eliminar todos os
38 zão, a aplicação descuidada das tintas.
A resposta de Warhol a essa crítica é muito útil
arremedos de marcas expressionistas. Na verdade,
devia ter feito o que intuitivamente Lichtenstein jul-
39
para compreendermos como ele agiu para avançar em gara certo. Escrevi sobre esse episódio em um ensaio
seus planos. Na oportunidade, arrolou a ajuda de uma intitulado “The Abstract Expressionist Coca Cola Bot-
pessoa em cujo julgamento tinha plena confiança. Era tle” [A garrafa de Coca-Cola expressionista abstrata].
Emile de Antonio, cineasta documentarista, que fizera, A garrafa de Coca-Cola era, em si mesma, um ícone.
entre outros, Point of Order [Ponto de ordem] – um Se você quer pintá-la como um ícone, pinte-a como
filme que se baseava nas cenas filmadas dos interroga- ela é. Não precisa de enfeites.
tórios públicos de McCarthy em 1954. No verão de 1960, O caminho a seguir estava claro. Ele continha
De Antonio foi à casa de Warhol tomar uns drinks: ao mesmo tempo uma ordem e uma guinada. A or-
dem era: pinte o que somos. A guinada, a intuição
[Andy] pôs dois grandes quadros lado a lado. Normal- do que somos. Somos um tipo de gente que almeja
mente ele me mostrava seu trabalho de modo menos à felicidade prometida pela publicidade, fácil e ba-
formal, então entendi que se tratava de uma apresen- rata. Antes e depois é como um raio x da alma ame-
tação. Eram dois quadros de cerca de 1,80 m de altura ricana. Warhol começou a pintar os anúncios em
mostrando garrafas de Coca-Cola. Um deles era de
uma garrafa antiga de Coca em preto e branco. O outro 5 V. Bockris, op. cit., p. 98.
que nossas fraquezas e esperanças são retratadas. e branco: de uma tintura de cabelos; de como ficar
Suas imagens após a mudança eram convencionais, com braços fortes e ombros largos; da modificação da
familiares e anônimas, tiradas das contracapas dos forma do nariz, de próteses para rupturas e da Pepsi-
jornais populares, das páginas da frente dos tabloi- -Cola (“No Finer Drink” [ Não há bebida melhor]). Em
des sensacionalistas, das revistinhas policiais, dos 1960, a Pepsi-Cola havia dado início a uma campanha
fanzines, do junk mail, dos folhetos comerciais, dos publicitária em que se proclama ser a bebida “para
clichês prontos de publicidade descartável. Como os que pensam jovem”, como se fosse o elixir da ju-
se ele tivesse recebido uma ordem para conduzir o ventude que Ponce de León viera descobrir em Nova
pior da pintura mais reles até os locais reservados York. A vitrine da Bonwit Teller também incluiu Antes
para a arte culta. Não houve nenhuma revelação ou e depois, a publicidade da transformação do nariz que
confissão acerca do que talvez seja até hoje a mais nos dá vergonha no nariz com que sonhamos. As ou-
misteriosa transformação na história da criativi- tras pinturas tinham como tema o Super-Homem, o
40 dade artística. Mas isso não é tudo. Warhol saiu do
que um dos personagens de Henry James descreve
Reizinho (num cavalete) e Popeye. Os anúncios refle
tem as preocupações pessoais de Warhol – a careca
41
como “um pequeno artista”, à margem da margem se formando, o nariz feio, a compleição física fran-
do mundo da arte, para tornar-se o artista que zina. Mas a localização das imagens originais – nas
definiu seu tempo. Isso poderia não ter acontecido seções de anúncios das contracapas do tabloide Na-
se o mundo não tivesse passado por uma mudança tional Enquirer e publicações similares de consumo
paralela por meio da qual o Warhol transformado de massa – atesta a universalidade dessas torturantes
veio à tona como o artista que esse mundo es- insatisfações e a inextinguível esperança humana de
tava esperando. soluções fáceis para obter saúde e felicidade, e como
A primeira exposição de Warhol após essa con- fazer com que “ele deseje você”. As pinturas são co-
versão ocorreu num espaço que pertencia de direito mentários, quase filosóficos, sobre as roupas leves de
ao Warhol dos sapatos e dos gatinhos: as vitrines da verão que vestem os manequins que as precederam.
grande loja de departamento Bonwit Teller na 57 th Mas a mensagem é suavizada pelas imagens dos per-
Street. Mas as pinturas, exibidas durante uma única sonagens dos gibis que todo mundo conhecia. Quem
semana em meados de abril de 1961, pertencem à poderia adivinhar, ao parar para ver a vitrine, que
sua nova fase. São cinco ao todo. Anúncio baseia-se Anúncio um dia ia chegar à Nationalgalerie de Berlim
numa montagem de propagandas de jornais em preto por intermédio do museu de Monchengladbach e do
Hamburger Bahnhof Museum für Gegenwart [Museu Só em 1962 tomei conhecimento da arte pop, quando
de Arte Contemporânea]? Se imagens tão pouco pro- vi uma ilustração publicada na revista artnews mos-
missoras podem se tornar belas-artes, há esperança trando o que me pareceu ser um painel baseado nas
para o restante de nós, igualmente pouco promissores! tirinhas de gibi de Steve Canyon: um piloto e sua
Anos depois, no princípio da década de 80, Warhol namorada beijando-se, com o título de O beijo. A
deu o Anúncio de presente ao dr. Marx, famoso colecio- maior parte do mundo da arte, que ainda estava às
nador alemão de arte contemporânea, por intermédio voltas com o expressionismo abstrato, certamente
de Heiner Bastien, um curador alemão que conside- não definiria tal imagem como arte. Lichtenstein
rava Andy um grande artista. Segundo Bastien, certamente veria arte nela, assim como Ivan Karp.
O mesmo pensariam De Antonio e Henry Geldzahler,
Ele foi generoso com Marx, porque mostrou todas as o jovem curador de arte moderna americana do Me-
suas antigas pinturas. No fim, até separou o Anúncio tropolitan Museum. E mais uns poucos marchands,
42 porque eu disse que seria maravilhoso ter essa primeira
obra na coleção. Creio que ainda não temos condições
alguns colecionadores, talvez.
O que a tornava arte, então? Warhol com cer-
43
de compreender a radicalidade do que Warhol fez. Ele teza seria incapaz de formular uma explicação. Ele
provavelmente fez um retrato de nosso presente, que tinha certa dificuldade de expressão, tropeçava nas
reflete mais sobre nossa época que qualquer outra arte. palavras, comia sílabas. A arte não podia estar na
É como se ele tivesse uma espécie de compreensão ins- diferença de tamanho entre os anúncios publicados
tintiva de para onde nossa civilização está indo.6 nos jornais e as imagens exibidas em grandes painéis
na vitrine da Bonwit Teller. Seria possível imaginar
O que quase ninguém que passasse em frente da vi- Antes e depois exibido no tamanho de um pôster
trine da Bonwit Teller em 1961 poderia ver é que o afixado em vagões do metrô ou na parede de um
espaço estava cheio de arte. As pessoas que estavam ônibus em Nova York, ou até em grandes e dramáti-
vendo roupas femininas junto a imagens comuns cos outdoors na Times Square. Um dos artistas pop,
de sua cultura arrumadas por um vitrinista cheio de James Rosenquist, de fato trabalhava para a empresa
imaginação, e provavelmente gay. Quem nessa data gráfica Artkraft-Strauss e pintava cartazes gigantes-
teria visto aquilo como arte? Eu, com certeza, não. cos espalhados pela cidade inteira. Minha opinião é
que todos os anúncios “apropriados” – esta palavra
6 Id. ibid., p. 435. não era usada na década de 60, e quando se tornou
uma forma de “apropriação” de imagens, como nos termos, a pergunta se tornou uma questão quase re-
anos 80, o significado era completamente diferente – ligiosa. Jesus é simultaneamente humano e divino.
têm algo em comum. Todos remetem aos “pequenos Nós sabemos o que é ser humano – é sangrar e sofrer,
contratempos humanos”, para usar o título de uma como Jesus, ou os consumidores a que se dirigem os
coletânea de contos de Grace Paley. Falam de barri- anúncios. Assim, qual a diferença entre um homem
gas flácidas, de dores nas pernas, de cicatrizes na pele, que é deus e um homem que não é? Como determi-
de cabelos crespos que se quer alisar ou de cabelos nar a diferença entre eles? Que Jesus era humano é
lisos que se quer ondular, e coisas semelhantes. Para a mensagem natural da circuncisão de Cristo. É o
tudo isso os anúncios oferecem uma solução. Mas, em primeiro sinal de sangue real escorrendo. Que ele é
conjunto, projetam uma imagem da condição hu- Deus é a intenção da mensagem que o halo em volta
mana, e é por isso que são arte. Os quadrinhos têm de sua cabeça anuncia – um símbolo que é lido como
outro significado. Seus personagens são ídolos ame- uma inegável marca da divindade.
44 ricanos, cujas virtudes estão além das nossas. A força
de Popeye faz dele o Hércules de nosso tempo. A sa-
45
bedoria de Nancy é superior à sua idade. E o Super-
-Homem, bem… é o Super-Homem, com as qualida-
des de um Bodhisattva, sempre atento aos clamores
do mundo. Também esses heróis prometem ajuda,
esperança. No fim das contas, a vitrine da Bonwit
Teller foi o showroom do mundo dos transeuntes. To-
dos entendiam as imagens porque elas projetavam o
mundo em que todos habitavam. O mundo projetado
pelos expressionistas abstratos era o mundo dos que
tinham feito suas pinturas.
Warhol não foi o primeiro a levantar a questão da
arte de forma radical. Ele redefiniu a formulação
da questão. A nova pergunta não era, “O que é arte?”,
mas “Qual a diferença entre duas coisas, exatamente
iguais, uma das quais é arte e a outra não?”. Nesses
2 pop, política2epop,
a sepa∏ação
política ent∏e a∏te ent∏e a∏te e vida 2 pop, política e a sepa∏açã
e a sepa∏ação
e vida 2 pop, política
ent∏e a∏tee a sepa∏ação política e a sepa∏ação ent∏e a∏te e vida 2 pop, polít
e vida 2 pop,ent∏e
a∏te e vida 2epop, política eent∏e
a sepa∏ação a sepa∏ação
a∏te e vida 2 pop, política e a sepa∏ação ent∏e a∏te e vida
ent∏e
46 a∏tepop, 2 pop,epolítica
e vidapolítica a sepa∏açãoe a ent∏e a∏te e vida 2 pop, política e a sepa∏ação
47 en
e a sepa∏ação ent∏e a∏te e vida 2 pop, imagens corriqueiras da cultura popular: tiras de his-
tórias em quadrinhos distribuídas por agências, logo-
tipos de produtos de consumo de massa, fotografias
publicitárias de celebridades, fotos de coisas que todo
política e a sepa∏ação ent∏e a∏te e vida 2 mundo conhecia nos Estados Unidos, como os ham-
búrgueres e a garrafa de Coca-Cola. Na primavera
de 1960, Warhol comprou na Castelli Gallery um
pequeno desenho de uma lâmpada elétrica feito por
pop, política e a sepa∏ação ent∏e a∏te e Jasper Johns. Quando lhe mostraram uma grande
tela de Lichtenstein reproduzindo o anúncio de um
hotel de veraneio em Catskill, Warhol surpreendeu- de Lichtenstein muito parecidos com os que Andy
-se ao ver que outro artista estava pintando clichês vinha fazendo, embora os dois não se conhecessem
de anúncios do tipo que ele ia exibir no ano seguinte ainda. Como diretor da Castelli, Karp procurava ar-
na vitrine da Bonwit Teller. Por acaso, Warhol era o tistas que estivessem fazendo exatamente esse tipo
quarto artista que Karp tinha visitado em poucos me- de arte – e certamente não teria se interessado por
ses que trabalhava com esse tipo de imagens. A exis- pinturas abstratas de Warhol. Karp conhecia uns dez
tência de um grupo de artistas brilhantes produzindo ou doze colecionadores interessados no mesmo tipo
pinturas novas sobre temas muito populares não de arte e poderia levá-los ao ateliê do artista. Warhol
chega a constituir um movimento, mas representava ainda não tinha uma galeria que o representasse, mas
uma manifestação visível de uma grande agitação fazia parte do mundo da arte – um complexo de mar-
cultural que mais cedo ou mais tarde transformaria chands, críticos, colecionadores e, naturalmente, ou-
toda a vida artística da cidade. “É um terremoto do tros artistas que consideravam o trabalho dele sério.
48 século xx”, pensou Karp com seus botões. “Eu senti
isso, sabia disso e estava atento.”
E esse complexo que se erguia em torno dos artistas
estava pronto para se tornar a instituição caracterís-
49
Desde que ficou claro que vários artistas se dedica- tica de meados da década de 1960, baseada num tipo
vam a projetos semelhantes, explicamos o fato dizendo de arte que a mídia divulgava e comentava. Quando
que havia alguma coisa no ar, e deixamos de lado as isso aconteceu, Warhol estava fadado a ser muito fa-
abordagens biográficas. No final deste capítulo, co- moso, ainda que boa parte da opinião da imprensa
mentarei as Latas de sopa Campbell, de Warhol, que lhe fosse desfavorável. Numa palavra, Warhol se tor-
muitos críticos afirmam ter relação com a biografia nou uma sensação.
dele – por exemplo, que ele tinha o hábito de con- A expressão “arte pop” foi usada pela primeira
sumi-las diariamente. Mas, na realidade, parece que vez em 1958 pelo crítico britânico Lawrence Alloway
para Warhol, pintar esse tema era mais um passo em para designar a cultura de massa dos Estados Uni-
direção ao seu desejo de ser um dos artistas de Cas- dos, especialmente os filmes de Hollywood. O argu-
telli, e expor em sua galeria, que havia se especiali- mento de Alloway era que esses filmes, assim como
zado num certo tipo de arte de vanguarda. Castelli os romances de ficção científica, eram obras sérias
havia assumido a representação de Rauschenberg e e mereciam ser estudadas como os filmes de arte, a
Jasper Johns, justamente os artistas que Warhol mais grande literatura e os produtos da cultura de elite
admirava. E começara também a vender trabalhos em geral. Mas por algum deslize, o termo passou a
designar exclusivamente pinturas – e esculturas – de enérgicas, ou com tinta gotejada e derramada sobre
objetos e imagens ligados à cultura comercial, ou grandes superfícies de tela, de maneira que aos es-
a objetos fácil e amplamente reconhecíveis, cujo uso pectadores restava pouco senão exclamar: “Uau!”.
ou significado não precisavam ser explicados. A pri- Não que houvesse muito o que falar diante da arte
meira exposição de Warhol na vitrine da Bonwit Teller pop, pois todo mundo sabia do que se tratava. A ques-
fez parte do movimento artístico que se iniciou no tão é o que tornava tão instigantes elementos tira-
ano seguinte. Personagens de histórias em quadri- dos da vida cotidiana, que interesse podia haver em
nhos – Nancy, Super-Homem, Popeye, o Reizinho, personagens de histórias em quadrinhos, em rótulos
Dick Tracy – penetraram na consciência artística de sopa ou em casquinhas de sorvete? Por que al-
dos norte-americanos no começo dos anos 60 mais guém se prestaria a pintar ou fazer retratos dessas
ou menos como a imagística das gravuras japonesas coisas? As pessoas já estavam tão familiarizadas com
penetrou na vanguarda artística francesa da década seu significado e retórica que a única pergunta que
50 de 1880, com a diferença de que, por mais populares
que fossem as gravuras no Japão, na França eram
pareciam fazer era em que sentido se poderia dizer
que aquilo era arte. Da perspectiva dos expressionis-
51
consideradas exóticas, enquanto as histórias em qua tas abstratos, somente veriam tais coisas como arte
drinhos americanas, com raras exceções, eram tidas aqueles delinquentes “burros mascadores de chicletes”,
por toda a parte como lixo, exceto no mundo da arte que um renomado crítico dissera estarem come-
que interessava a Warhol, que as tratava como ima- çando a povoar as galerias de arte, provavelmente
gens instigantes porque implicavam uma revolução exclamando “Uau”, quando não estavam simples-
no gosto; com Warhol e Lichtenstein, as imagens mente assoviando por entre os dentes.
das histórias em quadrinhos entraram na esfera da Assim, não é raro encontrar quem explique a
arte culta. Foi por sua popularidade que elas se tor- arte pop como mera e previsível reação ao expres-
naram interessantes para os artistas pop, que, por sionismo abstrato. Mas uma reação poderia tomar
sua vez, deram um cunho político à sua promoção muitas formas. Os abstracionistas poderiam voltar à
como arte séria. pintura abstrata não gestual, como fizeram os cha-
Quanta diferença entre essa arte ousada e irre- mados abstracionistas hard-edged. Ou os pintores
verente e a pintura expressionista abstrata, na qual poderiam voltar às paisagens e naturezas-mortas.
os significados eram pessoais e enigmáticos, e se Contudo, havia algo de provocador, rebelde na arte
expressavam através dos pigmentos com pinceladas pop. Sim, é verdade, todo mundo sabia muito bem
quem eram Popeye e Mickey Mouse. Mas era preciso engraxar sapatos, pintada da maneira mais realista,
muita coragem para aceitar o retrato de um dos dois de modo que ninguém pudesse admirar o vigor das
como arte culta. No prefácio deste livro, falo sobre pinceladas – uma pintura que podia estar numa re-
meu espanto ao ver pela primeira vez, em 1962, uma vista como propaganda de uma marca de graxa de
reprodução em preto e branco de O beijo, de Roy sapatos. O que poderia significar isso? No mínimo
Lichtenstein, nas páginas da artnews, a mais impor- que o proprietário do quadro tinha, ele próprio, ul-
tante e respeitável revista de arte da época. Tive a trapassado uma fronteira, e fazia um statement sobre
impressão de que se tratava de uma pintura baseada a arte, e sobre ele mesmo.
nas tiras de Terry e os piratas ou de Steve Canyon; na Todos os períodos revolucionários começam ten-
realidade, a reprodução fora usada como ilustração tando forçar as fronteiras artísticas, depois se esten-
para uma crítica da primeira exposição individual dem às fronteiras sociais mais decisivas para a vida,
de Lichtenstein na Castelli Gallery. Achei o traba- até que, perto do fim do período, toda a sociedade se
52 lho muito inquietante, embora nos últimos tempos
eu já me tivesse convencido de que se aquilo era arte,
transforma; basta pensar no romantismo e na Re-
volução Francesa, ou na vanguarda russa de 1905 a
53
então qualquer coisa podia ser arte – qualquer coisa 1915, e no slogan de Aleksandr Ródtchenko, trazer “a
mesmo! Anos depois, ouvi Lichtenstein dizer que seu arte para a vida”. Rigorosamente falando, creio que
objetivo era transcender a distinção entre arte infe- a era do modernismo começou a dissolver-se com
rior e arte superior, introduzindo a pintura de uma o advento do movimento dadá em 1915, como uma
tira de quadrinhos numa galeria de arte. Havia algo reação de repulsa à Primeira Guerra Mundial. Co-
de revolucionário, um pouco do que Nietzsche deno- meçou na Suíça, que assumiu uma posição de neu-
minou de “transvalorização de valores” na atitude tralidade na guerra. A ideia predominante era que
de Lichtenstein, uma condenação à irrelevância de os artistas não estavam mais dispostos a produzir
tudo o que pertencia à ordem da apreciação da arte. arte para a fruição das classes dominantes na Eu-
Os artistas que fizeram essa súbita mudança de di- ropa, as quais eles responsabilizavam pelas mortes
reção não estavam simplesmente reagindo contra o de milhões de jovens e pela devastação das popula-
expressionismo abstrato, mas fazendo uma revolução ções civis. Os artistas dadaístas achavam impossível
no conceito de arte, forçando uma fronteira. Imagi- fazer outra coisa senão uma arte desrespeitosa das
nem que uma pessoa pendurasse na parede de sua classes patrocinadoras das artes em geral, e ridicula-
sala um quadro representando uma lata de cera de rizar a ideia do Grande Artista cujo trabalho enaltecia
e glorificava os poderosos. A obra emblemática do bia, frequentado principalmente por músicos de
movimento dadá foi o l.h.o.o.q. de Duchamp – le- vanguarda, como John Cage e Morton Feldman, e
tras que ele imprimiu na margem superior de um por artistas como Philip Guston e Agnes Martin; e o
cartão-postal da Mona Lisa, em cujo rosto havia curso de composição experimental, ministrado por
desenhado um bigode e um cavanhaque; as letras, Cage na New School for Social Research, que deu
pronunciadas em francês, formam uma frase um origem a um movimento musical e de arte radical
tanto obscena.1 Duchamp foi a figura central da ir- conhecido pelo nome de Fluxus, que se dedicou a
reverência provocadora que unificou a rebeldia dos “ultrapassar o hiato entre arte e vida”. O lema do
dadaístas e deflagrou o ataque contra as fronteiras grupo Fluxus retomou o projeto de Rodtchenko de
que definiam o modernismo. O ponto máximo da integrar a “arte na vida”; Robert Rauschenberg re-
estética modernista era político. Consistia em dois produziu essa ideia em suas declarações para o catá-
grandes Estados monolíticos, a Alemanha nazista logo da exposição de 1959, no Museum of Modern
54 e a Itália fascista, na regulamentação da vida e na
glorificação da guerra. A pintura expressionista abs-
Art de Nova York, Dezesseis americanos, onde escre-
veu: “A pintura se relaciona ao mesmo tempo com a
55
trata estava muito distante da visão política desses arte e com a vida. Procuro situar-me no espaço entre
Estados e de sua concepção do poder. Na verdade, ambas. Não existem temas insignificantes. Um par
era uma pintura que exaltava a privacidade pessoal, de meias não é menos apropriado para uma pintura
mas por sua escala e poder também enaltecia o es- que a madeira, pregos, terebintina, óleo e tecido”.
pírito de heroísmo, o alvo inicial da zombaria dos Rauschenberg devia ter usado a palavra “arte” em
dadaístas. O expressionismo abstrato foi a última vez de “pintura”. Com essa declaração ele se dava au-
grande manifestação artística do espírito modernista. torização para empregar qualquer coisa que quisesse
Na década de 50, algumas instituições nos Esta- a fim de produzir uma obra de arte. No começo dos
dos Unidos incentivaram determinado tipo de ino- anos 60, esse impulso inclusivo estendeu-se à dança.
vação artística: o Black Mountain College, onde Ro- Um movimento de dança podia consistir em sentar
bert Rauschenberg e Cy Twombly estudaram e onde numa cadeira, comer um sanduíche ou passar a
John Cage foi professor; o seminário zen-budista ferro uma camisa. A pergunta “O que é a dança?”
dirigido por D. T. Suzuki na Universidade de Colúm- juntou-se então a outras duas: “O que é a música?” e
“O que é a pintura?”. Onde e de que maneira devia
1 “Elle a chaud au cul ” [Ela tem fogo no rabo]. [n.t.] passar a linha que separa a arte da vida? Ao longo
dos anos 60, testar as fronteiras culturais se tornou de tornar-se rapidamente conhecido, se o trabalho do
o projeto central que definiu toda a década. artista atraísse as atenções da mídia.
A arte pop esteve presente na ruptura do espírito Pelo menos desde a exposição de 1913, conhecida
modernista e no despontar da era pós-moderna em como The Armory Show (onde a tela Nu descendo
que vivemos. Em dezembro de 1961, Claes Oldenburg uma escada, de Marcel Duchamp, surgiu como o
transformou uma loja do East Side de Manhattan exemplar paradigmático da arte de vanguarda), a
em ponto de venda de suas esculturas feitas de gesso, imprensa passou a dar atenção especial ao trabalho
telas de arame e tecido, pintadas com tinta esmalte de artistas muito talentosos. O que levou Warhol a
doméstica, com as quais criava representações gros- começar a pintar os anúncios e figuras de histórias
seiras de objetos do cotidiano – vestidos, malhas de em quadrinhos que expôs por um breve período na
ginástica, calcinhas, bolos, latas de refrigerante, tor- vitrine da Bonwit Teller é um dos mistérios mais se-
tas, hambúrgueres, pneus de automóveis. O lugar cretos de sua biografia. Mas não há mistério algum
56 lembrava mais um grande depósito de mercadorias
variadas que uma galeria de arte. Aliás, Oldenburg
quanto à sua decisão de pintar latas de sopa Camp-
bell. Warhol queria se tornar muito famoso, o mais
57
batizou-o de The Store [A loja] como se o local e as rápido possível, e tal desejo só poderia ser realizado
mercadorias formassem juntos uma obra de arte. se contasse com o apoio da mídia. Warhol foi um
Oldenburg era o dono do armazém e quem escrevia artista “pop” antes que o significado da palavra se
os preços dos objetos nas etiquetas. Todos os obje- generalizasse, mas em 1962 a palavra “pop” já dava
tos eram expostos na vitrine. As pessoas compravam o que falar.
arte da mesma maneira que compravam mantimen- Muitas histórias diferentes relatam como Warhol
tos numa mercearia ou miudezas num armarinho. teve a ideia de pintar latas de sopa, e uma delas pelo
O lugar era muito diferente, sem dúvida, das vitrines menos vale a pena examinar: a que fala de um encon-
elegantes da Bonwit Teller, onde, em abril do mesmo tro entre o artista e um designer de interiores, Muriel
ano, Warhol havia mostrado suas obras. Em certo Latow, a quem o pintor teria pedido uma ideia. Algu-
sentido, o ato de Oldenburg foi uma crítica institu- mas dessas histórias dizem que Warhol tinha o há-
cional do ambiente de preciosismo dos museus e bito de pedir ideias, e que, na maioria das vezes, suas
galerias de arte criados para refletir a preciosidade da ideias eram sugestões de outras pessoas. Em 1970,
arte que exibiam. E foi um modo de estreitar a sepa- numa conversa com Gerard Malanga, seu assistente
ração entre a arte e a vida. Mas também uma forma e companheiro inseparável, Warhol afirmou: “Minhas
ideias sempre vêm de outras pessoas. Às vezes, nem uma das variedades das sopas Campbell produzidas
modifico a ideia; outras vezes, não uso a ideia de ime- naquela época – como uma instalação de retratos de
diato, mas guardo-a na lembrança para usar mais pessoas notáveis. Warhol pôs em prática os ensina-
tarde. Adoro ideias”. Warhol disse a Latow que preci- mentos que recebera de Emile de Antonio: os quadros
sava de uma ideia “de grande impacto, diferente de não tinham nada de pictural, pareciam ter sido re-
Lichtenstein e Rosenquist, algo bem pessoal, que não produzidos por meios mecânicos, como na realidade
pareça que estou fazendo exatamente o que eles fa- foram, porque Warhol usou um processo de serigrafia
zem”. Latow respondeu-lhe que ele devia pintar al- para obter um efeito de absoluta uniformidade. De
guma coisa que “todo mundo vê todos os dias, que qualquer forma, o conjunto é rigorosamente fron-
todo mundo reconhece… como uma lata de sopa”. tal, como retratos bizantinos, e as quatro fileiras de
A própria maneira como Warhol formulou a pergunta oito quadros assemelhavam-se a uma iconóstase mo-
já eliminava muitas possibilidades. Ele não estava in- derna – uma parede de ícones como as que existiam
58 teressado em pintar uma abstração bonitinha e agra-
dável, ou Manhattan ao luar, ou uma mulher bonita
na igreja ortodoxa de Pittsburg onde a mãe de Wa-
rhol, Julia Warhola, costumava rezar quando ele era
59
lendo uma carta perto da janela. Tinha de ser algo criança. Poderíamos pensar também na arrumação
ligado à cultura comum que ainda não tivesse sido de fileiras de prateleiras de supermercados, uma es-
trabalhado por ninguém. Algo que as pessoas comen- tética que agradava muito a Warhol. Nenhum dos
tassem mesmo sem ter visto. Quantas pessoas viram outros artistas pop usava esse tipo de formato no qual
de perto o crânio com um diamante incrustado que a imagem se repete inúmeras vezes. Inclusive quando
Damien Hirst teria vendido por um milhão de dóla- ele, mais tarde, começou a fazer retratos, continuou a
res? Mas não ter visto a peça não impediu que se ima- usar um painel com o mesmo retrato, da mesma pes-
ginasse seu valor, quem poderia ter comprado a obra, soa, em cores diferentes. As Latas de sopa Campbell
qual o significado dela e por que alguém a faria. eram retratos, cada um contendo uma variedade de
Uma coisa é dizer ao artista que ele devia pintar sabor da sopa, identificada no rótulo. A repetição é
latas de sopa, outra é decidir como pintá-las. A de- um dos principais elementos do que se pode chamar
cisão de Warhol envolveu mais que a mera pintura de estética de Andy Warhol.
de uma lata de sopa. Ele construiu um painel com Quase tudo que ele fez nessa época tocava na
trinta e duas telas (50,8 x 40,6 cm cada), organizadas questão de pintura de gênero, fossem trinta e duas
em quatro fileiras de oito, cada tela representando pinturas ou uma instalação composta de trinta e
duas partes. Creio que ele pretendia que o conjunto ele já estava prestes a se tornar um ícone americano.
inteiro formasse uma única obra. Afinal, a serigrafia Pouco importava se a publicidade fosse favorável;
é uma técnica de impressão que lhe permitia impri- afinal, o mundo da arte vive da controvérsia. Warhol
mir e reimprimir quantas vezes quisesse. Mas o fato chamou a atenção de Eleanor Ward, proprietária da
é que ele só fez uma impressão de cada, o que indica Stable Gallery, localizada num antigo estábulo na 58th
que preferiu criar uma parede de latas de sopa for- Street oeste, perto da Seventh Avenue. Eleanor pediu a
mada de trinta e duas unidades singulares. No en- Emile de Antonio, conselheiro artístico de Warhol, que
tanto, quando o trabalho foi mostrado pela primeira a levasse ao ateliê de Andy. Lá chegando, fez uma pro-
vez na Ferus Gallery de Los Angeles, em 1962, os posta: se Warhol pintasse um retrato de sua nota da
quadros estavam organizados numa só fileira, colo- sorte, uma cédula de um dólar, ela patrocinaria uma
cados sobre uma estreita prateleira que contornava exposição do pintor em novembro daquele ano. (Além
toda a galeria. E, evidentemente, foram vendidos se- das latas de sopa, Muriel Latow havia sugerido que
60 paradamente por cem dólares cada. Mas o marchand,
Irving Blum, aos poucos percebeu que os quadros se
Warhol pintasse cédulas de dinheiro.) Ward tinha boa
intuição para a arte séria; Rauschenberg e Twombly
61
interligavam em “um conjunto”, como ele disse. A de- eram dois artistas de sua galeria. Ela também tinha or-
cisão de Blum agradou a Warhol, porque tinham sido ganizado exposições de Robert Motherwell e acabara
“concebidos como uma série”. Depois, Blum recom- de admitir Marisol e Robert Indiana em sua galeria.
prou as que tinha vendido e Warhol fixou o preço de Mais do que todos esses artistas, foram as Latas de
mil dólares para o que agora se reconhecia ser uma sopa Campbell de Warhol que suscitaram a questão
só obra. Blum mandou-lhe cem dólares por mês até da arte de maneira irreprimível.
acabar de pagar tudo. E todas as telas passaram a ser Para a maioria das pessoas, arte era algo espiri-
expostas como uma só unidade, uma matriz. tualmente rico, que cabia em molduras douradas
As Latas de sopa Campbell já eram famosas antes e ficava pendurado nas paredes dos museus ou das
que qualquer um dos visitantes do ateliê de Warhol mansões dos milionários. Em sua biografia de Warhol,
tivesse realmente visto o trabalho. A revista Time Victor Bockris entrevistou um dos primeiros amigos
descreveu-as na edição de maio de 1962. Mas a mídia do artista, Charles Lisanby, que recusou sem rodeios
tratou as obras como um evento cultural e não como o oferecimento de um dos retratos de Marilyn Mon-
um evento do mundo da arte – isto é, o que quer que roe. “Agora me diga, no fundo do seu coração, você
o mundo da arte estivesse pensando sobre Warhol, sabe que isso não é arte”, disse Lisanby a Warhol. “Ele
nunca iria admitir isso, mas eu sabia que ele sabia que Warhol pintou a sopa Campbell durante toda sua
não era arte”.2 É difícil saber, de fato, o que Warhol vida. Começou com as cem latas que mostrou em
pensava sobre essas questões, mas eu acho que ele sua primeira exposição na Stable Gallery. Depois, foram
sabia que tinha levado a arte para um novo lugar. Na as sopas Campbell em que as latas sofriam uma espé-
minha adolescência, eu costumava percorrer as salas cie de martírio – furadas com um abridor de latas,
do Detroit Institute of Art, onde havia reluzentes esmagadas ou esfoladas por terem seus rótulos rasga-
pinturas a óleo de santos, príncipes montados em dos. Estas últimas compartilham o espírito das várias
cavalos, damas vestidas com longas saias de cetim pinturas de catástrofes humanas às quais Warhol em
lendo cartas de amor. Impossível imaginar naquele breve se dedicaria – acidentes de carros, desastres de
tempo que a imagem fiel e chapada de uma lata de avião e coisas assim. Os formatos que ele inventou
sopa viesse a fazer-lhes companhia como obra de arte. para mostrar as latas lembram os formatos da pin-
Além do fato de ser um quadro pintado, a lata de sopa tura religiosa – corais, congregações, iconóstases,
62 parecia não ter nada em comum com o que qualquer
pessoa considerava arte. Sem dúvida, era um objeto
onde as latas eram entendidas como vasos para nossa
sopa diária. Encostada na parede do fundo do ateliê
63
que fazia parte da vida, mas não era uma peça que de Warhol, no dia em que ele saiu pela última vez
alguém pudesse reconhecer como arte. No mínimo, para ir ao hospital submeter-se à cirurgia que acabou
uma definição filosófica de arte teria de ser aplicável por matá-lo, em 1987, havia uma imagem de uma fu-
tanto à lata de sopa Campbell quanto aos santos de megante tigela de sopa Campbell. Estava ao lado de
El Greco, ou às belas mulheres de Terborch, ou aos um Jesus duplo, pertencente a uma das variações da
personagens da realeza de Velázquez. Para que uma Última Ceia que ele havia pintado alguns meses an-
definição de arte fizesse isso, teria de ser esvaziada tes de morrer. Sem dúvida, o conjunto satisfazia seu
de tudo que se aplicasse àquelas obras-primas mas pedido de que qualquer “ideia” que Latow lhe desse
não o fizesse à lata de sopa. De repente, a lata de sopa devia ser pessoal. O que ele admirava na cultura co-
Campbell invalidou, por ser insuficientemente geral, mercial eram a uniformidade e a previsibilidade da
todo o cânone da estética filosófica, e de um golpe comida de todos os dias. Uma lata de sopa de tomate
definiu sua época. Ela era, como disse De Antonio, Campbell é sempre igual a qualquer outra. Não im-
quem nós somos. porta quem você é, nunca poderá ter uma sopa melhor
que a do seu vizinho. Wittgenstein dizia que não ligava
2 V. Bockris, op. cit., p. 157. para o que comesse, desde que fosse sempre a mesma
coisa. A repetição de recipientes de comida fácil e ime- nismo e o começo de uma era totalmente nova, que
diatamente reconhecíveis – latas de sopa Campbell, a arte pop exemplificou. Mas o espírito pop era de-
garrafas de Coca-Cola – era um emblema da igualdade masiadamente norte-americano para ser facilmente
política. Não se tratava simplesmente de um recurso assimilado aos novos realistas, que, em essência, ex-
formal da pintura de vanguarda. pressavam valores europeus. O forte americanismo
Em novembro de 1962, foi inaugurada a expo- do movimento pop provavelmente se acentuou com
sição de Warhol na Stable Gallery, que havia então o fim da crise dos mísseis cubanos em 20 de novem-
se transferido para uma elegante mansão da East bro de 1962. A súbita retirada da ameaça à forma de
74th Street. Uma semana antes, três trabalhos dele vida que os artistas pop celebravam deve ter acres-
haviam sido mostrados numa exposição intitulada centado certa luminosidade a inocentes artefatos da
“Os novos realistas”, na Sidney Janis Gallery, na 57th cultura norte-americana como a sopa Campbell e a
Street, com a curadoria de um crítico francês, Pierre Coca-Cola. Eu me lembro de quando era bolsista da
64 Restany, ligado ao movimento Novo Realismo da
França. A exposição da Janis Gallery foi interpre-
Fullbright e assisti a uma palestra da escritora e jor-
nalista Janet Flanner, correspondente da revista The
65
tada por alguns como um esforço para assimilar a New Yorker na França, em que ela definiu o estômago
arte pop ao movimento europeu e, por outro lado, como o mais patriótico de nossos órgãos, porque às
como uma afirmação de que o expressionismo abs- vezes o desejo de certos alimentos impossíveis de en-
trato havia chegado ao fim, pois Sidney Janis havia contrar em Paris era incontrolável.
representado os mais importantes artistas expres- A primeira exposição de Warhol na Stable Gallery
sionistas. Abrir seu espaço para a arte pop e para os reuniu dezoito obras bastante heterogêneas: três tra-
“novos realistas” parecia ser uma traição aos valores balhos seriados de cem latas de sopa, cem garrafas
da Escola de Nova York e uma adesão à turma dos de Coca-Cola e cem notas de dólar, além de Elvis
“estúpidos delinquentes mascadores de chicletes”. vermelho – um painel com 36 cabeças de Elvis Pres-
Vários artistas mais antigos deixaram a galeria em ley. Havia duas pinturas sobre Marilyn Monroe, uma
protesto. Estabelecia-se então uma nítida divisão entre das quais consistia na repetição de cinquenta cabe-
dois períodos da produção artística de Nova York, e ças de Marilyn, que pode ser considerada pintura se-
mais, entre dois períodos da história da arte, ainda riada [serial painting], tal como se pode considerar
que isso fosse menos evidente naquele momento. uma pintura em serigrafia do jogador de beisebol
De fato, os anos 60 presenciaram o fim do moder- Roger Maris, lançando uma bola, repetidas vezes, na
frente de um receptor, uma memória recorrente. Ha- chendo de cores as áreas numeradas na tela, é um es-
via também Diagrama de dança, grande painel em forço patético de autoaperfeiçoamento pela aquisição
preto e branco, indicando onde pôr o pé direito e o de uma “façanha” que não supõe talento algum. Isso
esquerdo, junto com as linhas de conexão, para exe- tudo apenas sublinha a distância entre a vida do cida-
cutar um passo de dança; e Faça você mesmo (Flores), dão comum e a das celebridades, fazendo-o sentir-se
brilhante pintura do tipo com áreas numeradas para inferior. Mas nem as celebridades são tão felizes assim.
colorir. Não havia imagens tiradas de histórias em Marilyn Monroe suicidou-se no dia do encerramento
quadrinhos, como as que tinham sido incluídas na da exposição de Warhol na Ferus Gallery. Warhol pin-
exposição da Bonwit Teller, já que Warhol preferira tou a cabeça de Marilyn como a de uma santa sobre
deixar esse gênero de arte pop para Roy Lichtens- um campo de folhas douradas num ícone religioso.
tein. Finalmente, a exposição mostrou a primeira Santa Marilyn das Dores. Sua beleza era uma más-
obra da série de pinturas de catástrofes, 129 mor- cara. A habilidade de Warhol como artista comercial
66 rem. Um crítico que escrevesse sobre essa exposição
teria, sem dúvida, muita dificuldade para juntar tudo
mostrou-se útil quando ele começou a fazer retratos
de Marilyn Monroe. Ele traçou uma moldura em
67
isso num corpo coerente de obras. Mas a exposição torno da cabeça da atriz numa foto de divulgação do
deixou claro que havia muito mais em Warhol que o filme Torrentes de paixão e transpôs para a serigrafia.
pintor de latas de sopa. Isso transformou o rosto dela numa máscara que ele
Diagrama de dança e Faça você mesmo (Flores) reproduziu um sem-número de vezes. Ele próprio fez
relacionam-se com os anúncios granulados expos- 24 retratos de Marilyn, dos quais o mais espetacu-
tos na vitrine de Bonwit Teller, se pensarmos neles lar é o Díptico de Marilyn, incluído em sua primeira
como uma espécie de retrato do homem comum ou exposição na Stable Gallery. O trabalho merece uma
da mulher comum, com seus inventários de pequenos descrição especial.
achaques e dores, e com as imperfeições cosméticas As cores dos retratos são espalhafatosas: no ca-
que os tornavam, pelo menos na opinião deles, pouco belo, um amarelo-cromo, nos olhos uma sombra
atraentes e, por consequência, solitários e indig- verde amarelada, da cor do licor Chartreuse, e um
nos de serem amados. Aprender a dançar seria um batom vermelho untuoso. Eram dois grupos de 25
modo de combater a solidão: abraçamos o parceiro retratos de Marilyn, coloridos à esquerda, e outros
enquanto a música toca e podemos sentir o calor do tantos em preto e branco à direita. Os retratos colo-
outro. Aprender a pintar, comprando um kit e preen ridos são bem uniformes, ainda que sem a preocu-
pação de as cores ocuparem com exatidão as regiões tos antirracistas, suicídios, envenenamentos – as ca-
que preenchem. Nos retratos em branco e preto há tástrofes que vemos todos os dias nos noticiários no-
certa variação. Na segunda fileira da esquerda, a tinta turnos ou nos tabloides, e que logo esquecemos, como
preta parece acumular-se na tela, como se uma som- se mortes violentas só acontecessem com os outros,
bra caísse sobre o rosto da atriz. As feições vão empa- com gente que não conhecemos. Essas obras parecem
lidecendo até que no quadro de cima, do lado direito, ser ilustrações do epitáfio irônico de Marcel Du-
o rosto parece desaparecer do mundo à medida que champ: “D’ailleurs, c’est toujours les autres qui meu-
percorremos o díptico com o olhar – como uma re- rent” [Aliás, são sempre os outros que morrem].
presentação gráfica de Marilyn morrendo sem que o Como o batedor de beisebol que sonha todas as noi-
sorriso lhe deixe a face. Nesse sentido, os cinquenta tes com uma grande jogada, um strikeout, os desas-
rostos de Marilyn Monroe são muito diferentes da tres são repetidos e repetidos, numa mesma mol-
série de trinta e duas latas de sopa Campbell, sem- dura, para nos anestesiar do horror. Ninguém morre
68 pre uniformes e luminosas. Nestas, não há nenhuma
transformação interna. No Díptico de Marilyn há re-
duas vezes – “depois que houve a primeira, não há
segunda morte”, escreveu o poeta Dylan Thomas –
69
petição, mas é uma repetição transformadora, na qual embora Warhol tenha morrido, de fato, duas vezes.
foram preservados os acidentes do processo serigráfico Mas o que significa mostrar repetidamente a mesma
como os graves e agudos extremos de um solo de saxo- pessoa morrendo da mesma morte? Warhol usou
fone de John Coltrane. cores decorativas nessas serigrafias: lilás-claro, cor-
129 morrem é um trabalho anômalo. Trata-se da -de-rosa, laranja e verde-folha, como se quisesse fa-
fotografia de um desastre de avião publicada na pri- bricar papéis de parede. Às vezes, Warhol combinava
meira página do New York Mirror de 4 de junho de lado a lado uma pintura do gênero das catástrofes
1962. Henry Geldzahler, curador de arte contempo- com uma tela vazia toda da mesma cor. Isso criava
rânea do Metropolitan Museum, mostrou-a a Warhol um efeito mais impressionante que a catástrofe vista
dizendo: “Chega de vida. Está na hora de um pouco sozinha. Mas a combinação também estabelece um
de morte”. Ele queria que Warhol deixasse de lado a contraste, entre o mundo de desastres e devastações
celebração do consumo e tratasse de algo mais sério e o vazio – o mundo esvaziado de ocorrências, o
e profundo. Warhol dedicou boa parte do ano se- vazio em azul-claro.
guinte a fazer pinturas em serigrafia sobre morte e A exposição de 1962 na Stable Gallery foi um
desastre: batidas de carro, desastres de avião, protes- enorme sucesso, de crítica e de receita, embora os
preços de Warhol fossem excepcionalmente modes- competência pictórica, uma intuição segura para o
tos. Mas, de certa forma, Warhol foi arrastado junto vulgar (como na escolha das cores) e uma sensibili-
com seu trabalho, como se fosse inseparável dele, com dade para o que há de genuinamente humano e paté-
sua peruca, sua vista fraca, sua pele ruim, seus mús- tico em um dos mitos exemplares de nossa época. Isso
culos mal definidos. Quem tinha ideia da verdadeira me parece comovente.
aparência de homens como Lichtenstein, Oldenburg,
Wesselman ou Rosenquist, a não ser que os conhe- A tragédia do lugar-comum – “beauty falls from air,
cesse pessoalmente? Mas Andy se tornou tão reconhe- queens have died young and fair”3 – é tão verdade
cível quanto Charlie Chaplin ou Mickey Mouse. Ele em Nova York e Los Angeles nos anos 60 quanto foi
era uma pessoa pública. Depois da primeira exposição em Paris e na Lombardia no tempo do Renascimento.
na Stable Gallery, Warhol virou Andy, o artista pop – Diante do retrato de Marilyn, ninguém diria, “tão ba-
um ícone identificado com seu desconcertantemente rato, tão vazio”. Ao nos oferecer o mundo transfigurado
70 óbvio trabalho e com o mundo que todo americano
vivia. Foi ele quem agarrou esse mundo e o transfor-
em arte, Warhol ao mesmo tempo nos transfigurou e
transfigurou-se. Mesmo que as pinturas de Morte e de-
71
mou numa forma de arte que todos pensavam com- sastre não vendessem, mesmo que os dias da arte pop
preender. Boa parte da publicidade lhe era negativa, estivessem contados, os nossos começavam a ser a Era
mas abundante, e não tinha a menor importância o de Warhol. Uma era é definida por sua arte. A arte
que ela dizia. segundo Andy era radicalmente diferente da arte que
Um dos melhores críticos da época respondeu veio depois dele e através dele.
ao que essa negatividade deixava intocado. Michael
Fried, culto e sofisticado como poucos colunistas de
arte, entendeu as grandes verdades das exposições na
Stable Gallery:
x 3 a b∏illo box 3 a b∏illo box 3 a b∏illo box movimento, que mais que um movimento artístico
foi um furor cultural, baseado na impetuosidade e
na inovação. A carreira artística de Warhol tomou
uma direção bem distinta dos seus colegas. Não foi
b∏illo box 3 a b∏illo box 3 a b∏illo box 3 a a carreira típica do “artista em seu ateliê”, dedicado à
criação de um conjunto de trabalhos destinado a ser
exposto regularmente numa galeria de arte, a cole
cionar resenhas críticas e vender para importantes
llo box 3 a b∏illo box 3 a b∏illo box 3 a b∏illo colecionadores. Mais do que qualquer outro artista
de igual importância, Andy intuiu de tal forma as
grandes mudanças que caracterizaram os anos 60 e coincidiu com a mudança do seu centro de operações
contribuiu para modelar a época em que viveu, que de uma sede do corpo de bombeiros, nada funcional,
sua arte foi ao mesmo tempo parte integrante dessa para um novo espaço físico – uma antiga fábrica no
época e a transcendeu. Ele inventou, por assim dizer, número 231 da East 47 th Street, em Manhattan. O lu-
um estilo de vida inteiramente novo para um artista, gar, por sinal, passou a ser chamado de “The Factory”
um modo de viver que incluía música, moda, sexo, [A Fábrica]. Com o tempo, a Factory se tornou muito
uma linguagem própria, cinema, drogas e… arte. mais que um local de criação de arte. Passou a ser
Muito além disso, ele mudou o próprio conceito de também um lugar em que pessoas identificadas com
arte; seu trabalho inspirou uma transformação tão certo espírito dos anos 60 podiam levar a vida típica
profunda da filosofia da arte que se tornou impossí- da época. Parafraseando uma visão utópica projetada
vel pensar a arte como se fazia poucos anos antes de nos textos de Rabelais, a Factory virou uma espécie
Warhol aparecer. Pode-se dizer que ele foi motivo de de Abbey de Thélème, cujo lema era Fais ce que tu
74 uma profunda descontinuidade na história da arte ao
eliminar da concepção usual artística a maior parte
voudras, “Faça o que quiser”. Na abadia de Rabelais,
belos casais seguiam o caminho do amor sexual onde
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do que todo mundo julgava pertencer à essência quer que este os levasse. As pessoas que conseguiam
dela. É preciso dizer que Picasso foi o artista mais entrar na Factory eram geralmente belas e desorien-
importante da primeira metade do século xx, por tadas, sem rumo, e, por isso, no melhor dos casos, o
ter revolucionado a pintura e a escultura de maneira máximo que tinham a apresentar era uma espécie
profunda e libertadora. Warhol revolucionou a arte de “piss glamour” [glamour ordinário] – usando o
como tal. Suas decisões foram sempre surpreenden- epíteto conferido a Edie Sedgwick, a superstar arque-
tes, e se não chegaram a popularizar tanto assim seu típica de Warhol. Muitas dessas pessoas acabaram
trabalho, hoje, olhando em perspectiva, essas deci- destruídas pelo ambiente de permissividade da Fac-
sões parecem harmonizar-se muito bem com o espí- tory, fosse pelo sexo ou pelas drogas. No centro de tudo
rito de sua época. É natural pensar em nossa época estava Warhol, pessoalmente nem um pouco bonito,
como a Era Warhol, na medida em que ele imprimiu um trabalhador compulsivo que ao mesmo tempo se
sua marca pessoal no que era permissível. dedicava à arte, dirigia o ateliê e usava os jovens de-
Essa nova configuração conceitual da arte come- sorientados que se agregavam à Factory como fontes
çou no início de 1964 com um conjunto de trabalhos de inspiração em troca da permissão de observá-los.
muito diferente de tudo o que ele tinha feito antes, e Na frente de Warhol, eles o chamavam de Andy, e, por
trás, chamavam-no de Drella – uma combinação de liares na vida cotidiana dos norte-americanos, que
Drácula com Cinderela, apelido que quase se tornou o as aproveitavam, depois de vazias, para guardar ou
seu nome oficial na Factory. despachar coisas, além de outras funções domésticas;
No entanto, a princípio, a Factory não se definia seus logotipos continuavam, assim, a fazer publici-
somente pelo trabalho, mas por um tipo de labor dade dos produtos que embalavam, produtos estes
repetitivo, quase fabril, onde Andy e uns poucos as- que, por sua vez, eram elementos comuns na vida
sistentes produziam em grandes mas administráveis doméstica. Mas Warhol estava menos interessado
quantidades uma variedade de objetos tridimensio- em seu caráter cotidiano do que na estética de caixas
nais, que o artista chamava de esculturas, e que se fechadas, estocadas em pilhas nos depósitos dos su-
assemelhavam a produtos industriais – objetos que permercados, como os olhos as viam. Para usar as pa-
são normalmente produzidos para fins utilitários lavras de seu assistente, Gerard Malanga, ele “queria
por máquinas especialmente projetadas; objetos im ser completamente mecânico em seu trabalho, como
76 pessoais, fabricados mecanicamente, desprovidos
de toda aura estética. Quando pensamos em escul-
uma fábrica de embalagens imprime informações
em serigrafia nas caixas de papelão”.1 E para tanto
77
tura, lembramos de Michelangelo, Canova, Rodin, ele precisava menos de um ateliê que de uma fábrica.
Brancusi ou Noguchi, que criaram objetos únicos Daí o nome de seu local de trabalho.
de beleza e significado. Antes de Warhol, jamais Malanga é nossa fonte principal sobre a confecção
ocorreria a alguém criar, como escultura, uma coisa dessas caixas e sobre a ideia de Andy de organizar
semelhante a uma caixa de papelão para transporte a Factory segundo linhas industriais, um paradoxo
de mercadorias de consumo. Warhol não só fez exa- porque as pessoas que participavam da Factory eram
tamente isso como usou um processo que, de certo tudo menos robôs. “Andy estava fascinado pelas pra-
modo, parodiava a produção em massa. Sua escul- teleiras dos supermercados e pelo efeito repetitivo,
tura tinha a aparência de caixas, normalmente feitas maquinal, que criavam […] Ele queria reproduzir
de papelão corrugado, dentro das quais alimentos esse efeito, mas logo descobriu que a superfície de
em lata ou artigos de limpeza eram transportados papelão era impraticável.” Como o efeito em questão
desde as fábricas onde eram produzidos até os luga- é geralmente obtido pelo empilhamento de caixas de
res onde seriam vendidos aos consumidores, como
supermercados. Caixas de papelão com logotipos ou 1 Gerard Malanga, Archiving Andy Warhol. Nova York: Creation,
marcas impressas eram objetos extremamente fami- 2002, p. 34.
papelão em armazéns e depósitos, é difícil entender o da Primeira Guerra Mundial, tinham decidido em
que havia de errado com o papelão, que Warhol podia 1915, em protesto contra as classes que considera-
ter usado com muito menos esforço, simplesmente vam responsáveis pela Grande Guerra, pela recusa
comprando as embalagens dos fabricantes e tratando- a fazer uma arte bela, justamente numa época em
-as como ready-mades. É como se a realidade não que predominava o consenso de que a beleza era a
fosse mecânica o suficiente para se acomodar a ima- essência da arte. Foi esse o primeiro embate do an-
ginação de Warhol. É importante notar ainda que o tiesteticismo que se tornou uma corrente importante
trabalho era tão central em sua concepção da arte que da arte moderna. Se a arte não tinha de ser bela, o
a ideia de usar como arte algo que não resultasse do que era preciso para ser arte? Na minha opinião,
trabalho não teria interesse nenhum para ele. Warhol levou a questão do que é arte a um novo pa-
O dadaísta Marcel Duchamp, com quem Warhol tamar. Refletindo sobre a história do modernismo
é muitas vezes comparado, havia introduzido na arte como uma luta da arte para trazer à consciência o
78 o conceito de “ready-made” em uma série de traba-
lhos “criados” entre 1913 e 1917. Seu ready-made
entendimento do que ela, a arte, é, as “caixas de su-
permercado” de Andy Warhol estão entre as mais
79
mais famoso é o urinol que ele afirmou ter comprado importantes obras modernistas já feitas. Na verdade,
numa loja de material hidráulico – um vaso sanitário ele pôs fim ao modernismo mostrando como se deve
de louça branca fabricado pela empresa Mott Iron responder à pergunta sobre o que é a arte.
Works, que ele viu na vitrine de uma loja. Duchamp Numa exposição de Warhol realizada em 1968 no
acrescentou uma assinatura – de um tal R. Mutt, Moderna Museet de Estocolmo, ele encomendou ao
provavelmente um trocadilho como nome Mott do fabricante do Brillo quinhentas caixas de papelão,
fabricante –, uma data e fez história ao tentar que que foram usadas para criar a atmosfera de um depó-
fosse aceito numa exposição da Sociedade dos Artis- sito, mas as embalagens em si não eram obras de arte.
tas Independentes, que supostamente não tinha júri Em 1968, as caixas de supermercado, e especialmente
nem premiações. Na verdade, o objeto foi recusado as Brillo Box constituíam, junto com as pinturas da
pelo comitê organizador da mostra, que argumentou Lata de sopa Campbell, a obra icônica por excelência
que qualquer peça de arte seria aceita, o problema é de Warhol, de modo que toda retrospectiva genuína
que aquilo não era arte. De repente, a questão do que do artista tinha de incluir caixas de supermercado, no
é arte assumiu uma nova forma. Os dadaístas ori- ideal alguns exemplares da Brillo Box. Warhol tinha
ginais, que se estabeleceram em Zurique para fugir pedido ao curador da exposição, Pontus Hulten, que
fizesse uma encomenda especial de grande número neiros treinados em cortar e encaixar de acordo com
de caixas de Brillo para a mostra de Estocolmo, que especificações recebidas. O trabalho de marcenaria
ele pretendia doar ao Moderna Museet. O mesmo pe- não fazia parte do processo artístico, tal como não faz
dido foi feito para a mostra de 1970 no Pasadena Art parte da arte da pintura que o artista produza pesso-
Museum, na Califórnia. Mas por razões misteriosas, almente a tinta que vai usar. Malanga encontrou uma
Hulten não atendeu ao artista. Havia alguns exem- marcenaria na 70th Street leste e encomendou cente-
plares da Brillo Box de 1964, mas a maioria eram nas de caixas de madeira de vários tamanhos, que fo-
simples caixas de papelão, que não constituíam obras ram entregues num caminhão na porta da Factory no
de arte e não tinham valor algum. No entanto, em dia 28 de janeiro de 1964. Em meados da década de
1990, após a morte de Warhol, Hulten mandou fabri- 60, já se tornara comum recorrer a artesãos quando o
car cerca de 120 exemplares da Brillo Box, que então artista não possuía as habilidades técnicas necessárias
certificou como tendo sido feitas em 1968, e vendeu-as para criar os efeitos estéticos desejados. Donald Judd,
80 por muito dinheiro. Mas eram falsificações. Em com-
pensação, um artista que trabalhava com apropria-
o escultor minimalista, por exemplo, contratava os ser-
viços de uma oficina de usinagem para confeccionar as
81
ções, Mike Bidlo, também fez uma série de “caixas de caixas de metal que usava como esculturas, já que não
Brillo” na década de 1990, assinou-as com seu pró- conseguia fazer à mão as pontas e as quinas perfeitas
prio nome e intitulou Not Andy Warhol. As caixas de que são aspectos estéticos imprescindíveis das peças
Bidlo, como parte do movimento apropriacionista, de metal perfeitamente combinadas que compunham
são obras de arte de pleno direito, suscitam indaga- seus famosos “objetos específicos”. Na década de 90,
ções próprias, mas não são mais falsificadas que as Jeff Koons costumava encomendar suas peças a arte-
caixas de Warhol. Tratar desse assunto aqui, no en- sãos que trabalhavam com cerâmica ou metal, porque
tanto, é uma digressão inoportuna, de modo que re- sabia que não tinha habilidade manual para fazê-las
tomarei agora a análise das caixas de supermercado, sozinho. Ele não era artesão, era artista plástico. O ar-
de 1964, “feitas na Factory”. tista tinha as ideias, não havia razão alguma para que
Dado que as caixas de papelão usadas pelo fabri ele próprio tivesse de materializar essas ideias. A es-
cante Brillo – e por outras empresas cujas caixas foram cultura de Robert Therrien consiste em itens domés-
copiadas para a exposição de 1964 – não permitiam ticos corriqueiros fabricados numa escala de cerca de
obter o efeito visual que Warhol desejava, ele deci- 3,5 para um: enormes caçarolas, frigideiras, cadeiras
diu fazê-las de madeira, confeccionadas por marce- dobráveis, mesas de bridge de metal. Alguns traba-
lhos são pilhas de panelas ou pratos. Mesmo que ele acessório de encanamento – e mandar confeccionar
pudesse fazer esses objetos à mão, seria um desper- um objeto. Em ambos os casos, o objeto é produzido
dício de talento. Alguns artistas – Damien Hirst é o por outra pessoa e o artista recebe o crédito por se
primeiro nome que me vem à lembrança – mandam tratar de uma obra de arte. Por outro lado, nem todo
seus trabalhos para outros pintarem; com isso, uma objeto pode ser um ready-made. Em uma palestra
exposição de pinturas de Damien Hirst parece mais que proferiu no Museum of Modern Art em 1961,
uma exposição coletiva. Desde Duchamp – e certa- Duchamp afirmou: “A escolha desses ‘ready-mades’
mente depois de Cage – o acaso foi incorporado ao tra- nunca foi determinada pelo deleite estético. A esco-
balho artístico, de modo que é possível imaginar que lha baseou-se numa reação de indiferença visual e ao
um artista possa pegar o nome de um pintor numa mesmo tempo numa total ausência do bom ou mau
lista aleatória e depois exibir a pintura, qualquer que gosto […], na verdade, uma completa anestesia”.2 O
seja o estilo ou o conteúdo, como sendo dele próprio. projeto de Duchamp era polêmico, como sugere a
82 De qualquer modo, já não faz parte do conceito de
obra original que ela tenha sido confeccionada pelo ar-
palavra “gosto”. Na estética clássica, o gosto, e especial-
mente o bom gosto, desempenhava um papel crucial
83
tista que leva o crédito. Basta que ele tenha concebido por sua ligação com o prazer. E nos anos 50 e começo
a ideia. Fazendo uma pequena digressão: pelo que sei, dos 60, a arte remetia ao prazer visual – o que Du-
nenhuma outra pessoa levou o crédito pela ideia de champ desdenhava como “o retiniano”. Quando o crí-
fazer caixas de supermercado da mesma forma como tico Pierre Cabanne perguntou-lhe de onde vinha sua
fizeram, por exemplo, pela ideia de pintar latas de sopa atitude antirretiniana, Duchamp respondeu:
ou a série de pinturas Morte e desastre. A concretiza-
ção da ideia incluía a repetição e o efeito de ser produ- Da importância excessiva que se dá ao retiniano.
zida à máquina, dois aspectos centrais na estética de Desde Courbet existe a crença de que a pintura se di-
Warhol. E sua produção encaixava-se perfeitamente rige à retina. Era o erro de todo mundo. Os calafrios
com a noção de Warhol de querer ser uma máquina:
“Gosto de que as coisas sejam exatamente as mesmas,
repetidamente”. 2 Marcel Duchamp, “A Propos of ‘Readymades’” (conferência
no Museum of Modern Art, 1961), in K. Stiles e P. Selz (orgs.),
Não há grande diferença, sob certo ponto de vista,
Theories and Documents of Contemporary Art: A Sourcebook
entre escolher um ready-made – uma pá de varrer of Artists’ Writings. Berkeley: University of California Press,
neve, um pente de metal, um porta-garrafas ou um 1996, p. 21.
da retina! Antes, a pintura tinha outras funções: podia O que há de melhor neste país é que a América deu
ser religiosa, filosófica, moral […] Nosso país é com- início à tradição pela qual os consumidores ricos
pletamente retiniano […] Isso é absolutamente ridí- compram essencialmente a mesma coisa que os po-
culo. Tem de mudar.3 bres. Você está diante da televisão e vê um anúncio
da Coca-Cola, e sabe que o presidente dos Estados
Em certo sentido, Warhol foi um seguidor de Du- Unidos bebe Coca-Cola, Liz Taylor bebe Coca-Cola, e
champ. Quando ele pediu a um assistente, Nathan você também pode beber Coca-Cola. Uma Coca é uma
Gluck, que comprasse umas caixas de papelão num Coca, e não há dinheiro que possa conseguir-lhe uma
supermercado perto de sua casa, ficou decepcionado Coca-Cola melhor que aquela que o cara da esquina
quando Gluck voltou trazendo caixas com desenhos está bebendo. Todas as Coca-Colas são iguais e todas
elegantes. Ele queria uma coisa mais comum. Ma- as Coca-Colas são boas. Liz Taylor sabe disso, o presi-
langa intuiu suas necessidades: “As marcas escolhi- dente sabe disso, o cara da esquina sabe, e você sabe.4
194
frei, Georg & Neil printz (orgs.). The Andy Warhol Cata-
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198
1 “Art World, The” (Danto) 8, 16
129 morrem (Warhol) 66-68 Atkinson, Ti-Grace 18, 139,
140, 142
A Avedon, Richard 142
A Novel (Warhol) 117, 135-36
“Abstract Expressionist B
Coca Cola Bottle, The” Bad, filme (Warhol) 167
(Danto), 39 Bastien, Heiner 42
Anúncio (Warhol) 40, 41-42 Beatles, Os 25, 27
Agnelli, Gianni 159 Beckmann, Max 156
Alloway, Lawrence 49 Cama (Rauschenberg) 33
Amayo, Mario 141 Antes e depois (Warhol) 22, 27,
Andy Warhol Enterprises 163, 35, 39, 41, 43
165-67, 178 Berlin, Brigid 118, 122
Andy Warhol tv Productions Beuys, Josef 86, 151, 192
123, 126 Bidlo, Mike 80
Angell, Callie 113,119 Blow Job, filme (Warhol) 109
Blondie 35 Cowboys Solitários, filme E Frankenstein, filme (Warhol)
Blum, Irving 60 (Warhol), 143, 164 Elegia para a república espa 155, 166
Bockris, Victor 7, 21,29, 61, Crone, Rainer 11 nhola (Motherwell) 186 Freedom Riders 28, 28n
152, 39n, 42n, 62n Curtis, Jackie 118, 152 Empire, filme (Warhol) 110-12, Fremont, Vincent 117, 121,
Bourdon, David 7, 26n, 162n Cutrone, Ronnie 127-28, 166, 120-21, 166, 176, 180 124-25
Bowie, David 119 167, 174-77 Escravos de Nova York Fried, Michael 70
Brancusi, Constantin 76, (Janovich) 91-2 Friedan, Betty 142
98, 150 D Eu, um homem, filme Fry, Roger 183
Brandt, Willy 158 Diagrama de dança (Warhol) 140
Brillo Box(es) (Warhol) 13-14, (Warhol) 66 Eutifro (Sócrates) 99 G
79-80, 90-91, 93-99, 105, Diários da Factory, Os Exploding Plastic Inevitable, Garland, Judy 130
110-12, 114, 180, 190 (Warhol) 118-19 evento multimídia Garotas do Chelsea, filme
Buffalo Bob 171 Darling, Candy 118, 152 (Warhol) 29, 150 (Warhol), 136
Burns, Ric 99, 131 De Antonio, Emile 38-39, 43, Geldzahler, Henry 43, 68, 101
59, 61-62, 174 F Giorno, John 106, 107, 108
200 C
Cabanne, Pierre 83, 84n
Déjeuner sur I’herbe (Manet) 26
de Kooning, Willem 31, 135,
Faça você mesmo (Flores)
(Warhol) 66, 114
Gluck, Nathan 84
Goddard, Paulette 159
201
Cage John 54-55, 82 176, 186 Factory-Made: Warhol Green, Sam 25
Camouflage Last Supper Diários (Warhol) 105, 118-19 and the Sixties (Watson) Greenberg, Clement 149
(Warhol) 189-190 Dickie, George 99 86n, 140 Green Car Crash (Warhol) 153
Castelli Gallery 36-37, Dick Tracy 35, 50 Feldman, Morton 171-72, 175 Guston, Philip 55
47-48, 52, 100-01, 105, Diderot, Denis 135 Fenomenologia do espírito
157, 173, 189 Dine, Jim 24 (Hegel) 135, 135n H
Castelli, Leo 100, 145 di Salvo, Donna 146 Fight, vídeo (Warhol) 122 Hackett, Pat 105, 152n
Cézanne, Paul 188 Díptico de Marilyn (Warhol) filosofia de Andy Warhol: Hacklin, Allan 147
Clemente, Francesco 155-56 67-68 de A a B e de volta a A, A Haircut, filme (Warhol) 137
Clift, Montgomery 130 Domenichino (Domenico (Warhol), 160, 164, 165n Haendel, George Frideric 184
Colacello, Bob 118, 118n, 122, Zampieri), 188 Finnegan’s Wake (Joyce) Harvey, James 13, 92-93
122n, 125, 158, 167, 176 Pato Donald 9 117, 136 Heartney, Eleanor;
Coltrane, John 68 Drácula 76, 166, 171 Fischl, Eric 146, 147n Postmodern Heretics 184
Comfort, Charles,98-99 Duchamp, Marcel 54, 57, 69, Flanner, Janet 65 Hegel, Georg; Fenomenologia
conversa, A (Matisse) 188 78 82, 83, 84,91, 95, 117, Flavin, Dan 177 do espírito 135, 135n, 183
Coplans, John 145 150, 151, 188 Foice e martelo, pinturas Herko, Freddie 136-37
Correggio, Antonio da 114 l.h.o.o.q.,; Nu descendo uma (Warhol) 157, 159, 165, 175 Hirst, Damien 58, 82
Courbet, Gustave 84 escada 57 Ford, John 143 Hitler, Adolf 10
Holy Terror (Colacello) Komar, Vitali 104 Marcos, Imelda 158 Nevelson, Louise 97
29n, 125 Koons, Jeff 81 Maria Antonieta 105 Newman, Barnett 185
Hopper, Dennis 119 Krasner, Lee 148 Marilyn (Warhol) 71 Niagara, filme 67
Howdy Doody 171-72 Maris, Roger 65 Nietzsche, Friedrich 52
Hughes, Fred 138, 141, 162, L Marisol (Marisol Escobar) 61 Nixon, Richard 54, 151
167, 174 Ladies and Gentlemen Martin, Agnes 55 Not Andy Warhol (Bidlo) 80
Hulten, Pontus 80 (Warhol) 158 Matisse, Henri 26, 156, 188; Notas de dólar (Warhol) 115
Lata(s) de sopa Campbell, A conversa, Nu descendo uma escada
I (Warhol) 79, 178, 193 Mekas, Jonas 109, 112 (Duchamp) 57
Indiana, Robert 61 Latow, Muriel 57, 58, 61, 63 Melamid, Aleksandr 104 Nureiev, Rudolf 130
Iolas, Alexandre 187 l.h.o.o.q. (Duchamp) 54 Michaels, Lorne 125
Lichtenstein, Roy 12, 24, 26, Mickey Mouse 35, 52, 70, 171 O
J 35-39, 47, 49, 50, 52, 58, Miller, Henry 15 Oldenburg, Claes 24, 26, 56, 70
Jagger, Mick 119 66, 70, 100, 168 Mona Lisa (Leonardo da Vinci) Olivo, Bob (apelidado de
Janovich, Tama; Escravos de Linich, Billy (apelidado de 54, 114 Ondine) 116-18, 131-
202 Nova York, 127-28
Jarry, Alfred; Ubu rei 26
Billy Name) 88, 90, 96,
129-31
Mona Lisa (Duchamp) 188
Monograma (Rauschenberg)
33,134, 135, 136
Ondine. Ver Olivo, Bob.
203
Jefferson, Thomas 172 Lisanby, Charles 61 32 Orion, o bruxo 132
Jesus Cristo 45, 182-83, 190 “Little Boxes”, canção Monroe, Don 124
Johns, Jasper 32-33, (Reynolds) 85 Monroe, Marilyn 11, 61, 65, P
47-48, 100 Reizinho, O 35, 41, 50 67-68, 70, 138 Palermo, Blinky; To the People
Joyce, James 118, 134, 136; Luís Napoleão 26 Morrissey, Paul 138, 143, of New York City 177
Finnegan’s Wake (Joyce) 162, 167 Palmer, John 112-13
116, 138 M Motherwell, Robert 30, 61, 186 Pássaro no espaço (Brancusi) 98
Judd, Donald 81, 177 MacDarrah 90 Elegia para a república Perdidos na noite, filme 143
Mako, Chris 152 espanhola 186 Philosophy of Arthur Danto,
K Malanga, Gerard 57, 77, 81, 84, Mulheres em revolta, filme The 17
Kaprow, Allen 97 88, 90, 109, 112, 130-31, (Warhol) 152 Picasso, Pablo 74, 107
Karp, Ivan 36-38, 43, 138, 155 “pintura modernista, A” (artigo
48-49, 100 Manet, Édouard 26 N de Greenberg) 149
Kennedy, Bobby 143 Mantegna, Andrea 183 Name, Billy. Ver Linich, Billy Piss Christ (Serrano) 184
Kennedy, Jackie 114 Mao Tse-tung, retratos de (apelidado de Billy Name) Platão 92, 110
King, Martin Luther, Jr. 143 (Warhol) 151, 153, 154 Nancy, personagem de revista Podber, Dorothy 137-38
beijo, O (Lichtenstein) 12, Mao Tse-tung 151, 154, 157 de histórias em quadrinho Point of order, filme (De
43, 52 Mapplethorpe, Robert 168, 185 35, 37, 44, 50 Antonio) 38
Pollock, Jackson 31, 148, 176 Rubin, William 148 Super-Homem 35, 41, 44, Vile, Ronnie,133
Ponti, Carlo 166 Rydell, Charles 122 50, 171 Viva 114, 118, 143, 184-85
“Pop pintado à mão” 146 Ryman, Robert 177 Suzuki, D. T 54
Popeye 35, 37, 41, 44, 50, 52 Swimming Underground: My X
Postmodern Heretics S Years in the Warhol Factory Xá do Irã 158
(Heartney) 184 Sacra Cáliz 181, 182 (Woronov) 132, 133n
Presley, Elvis 11, 65, 123, Sagração da primavera, A W
188-89 (Stravinski) 26 T Ward, Eleanor 61, 100
Princesa Gloria Von Thum Saint-Laurent, Yves 119 Taylor, Elizabeth 85, 114, 166, Warhol (Bockris) 7, 21, 29,
und Taxis 156 Sandbeck, Fred 177 171, 188 39n, 42n, 61, 62n, 152
S&H Green Stamps (Warhol) Therrien, Robert 81 Warhola, Julia 59
Q 115, 115n Thomas, Dylan 69 Watson, Steve 7, 86n, 140
Quinze minutos de Andy Schiele, Egon 115 Tia Jemima 171 Wesselman, Tom 24, 70
Warhol, programa de tv Schjeldahl, Peter 101 Tio Sam 171, 171n, 173 White, Edmund 93-94
(Warhol) 122 Schlesinger, John 143 To the People of New York City Who Killed Andrei Warhol?
204 R
Sedgwick, Edie 25, 75, 116
Seeger, Pete 85
(Palermo) 177
transfiguração do lugar-
103
Williams, Tennessee 130
205
Rabelais, Francois 75 Serrano, Andres 184, 185, 186 comum, A(Danto) 8, 15 Wittgenstein, Ludwig 63, 89,
sobrinho de Rameau, O Sombras, pinturas Twombly, Cy 32, 33, 34, 54, 61 90, 129
(Diderot) 135 (Warhol) 177 Wolffin, Heinrich 91
Rauschenberg, Robert 32, 33, Sherman, Cindy 111, 168 U Woodlawn, Holly 152
34, 48, 54-55, 61, 100 Símbolo(s) do dólar (Warhol) Ubu rei (Jarry) 26 Woronov, Mary 132-33, 133n
Monograma, Elvis vermelho 173-74 Última comunhão de
(Warhol) 65 Sleep, filme (Warhol) 106, São Jerônimo, A
Reed, Lou 118 108-09 (Domenichino) 188
A república (Platão) 110, 186 Sócrates 99 110, 112 Última Ceia, A (Leonardo
Restany, Pierre 64 Solanas, Valerie 18, 138, da Vinci) 186-87
Reynolds, Malvina 85, 86n 140-44, 161, 163, 165, 174 Última(s) Ceia(s) (Warhol)
Rockwell, Norman 170 Sonnabend, Ileana 10, 101, 115 163, 178, 188, 189, 191,
Ródtchenko, Aleksandr 53, 55 Stálin, Josef 10, 154 192-93
Rose, Barbara 148 Steinberg, Leo106, 107 Ulisses (Joyce), 134
Rosenquist, James 24, 43, Steinberg, Saul 159
58, 70 Store, The (Oldenburg) 56 V
Rothko, Mark 31 Storm Door (Warhol) 86 Velvet Underground, The,
Rotten Rita 132 Stravinski, Igor 26 grupo de rock 29, 109
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© Yale University Press, 2009
isbn 978-85-405-0100-3
12-02750 cdd-700.92