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Saneamento melhora, mas metade dos brasileiros segue sem esgoto no país

Lei do Saneamento Básico completa 10 anos em 2017. Acesso à coleta de esgoto passou de 42% para
50,3%; já o de abastecimento de água passou de 80,9% para 83,3%.

Dez anos após a Lei do Saneamento Básico entrar em vigor no Brasil, metade da população do
país continua sem acesso a sistemas de esgotamento sanitário. Segundo os dados mais recentes
do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), divulgados em janeiro deste
ano e referentes a 2015, apenas 50,3% dos brasileiros têm acesso à coleta de esgoto, o que
significa que mais de 100 milhões de pessoas utilizam medidas alternativas para lidar com os
dejetos – seja através de uma fossa, seja jogando o esgoto diretamente em rios.

Em 2007, quando a lei 11.445 foi sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
42% da população era atendida por redes de esgoto. Até 2015, o índice aumentou 8,3 pontos
percentuais, o que corresponde a menos de um ponto percentual por ano. Quanto ao
abastecimento de água, apesar de a abrangência ser bem superior à de esgoto, a evolução foi
ainda mais lenta: passou de 80,9% em 2007 para 83,3% em 2015, um aumento de apenas 2,4
pontos percentuais. Já o índice de esgoto tratado passou de 32,5% para 42,7%.

Em algumas regiões do país, como a Norte, a situação é ainda mais grave: 49% da população é
atendida por abastecimento de água, e apenas 7,4%, por esgoto. O pior estado – da região e do
país – é o Amapá, com 34% e 3,8%, respectivamente. Já o melhor estado é São Paulo, com
95,6% de cobertura em água e 88,4% em esgoto. O Distrito Federal também tem taxas altas:
99% e 84,5%. Um mesmo estado, porém, pode ter cidades com índices muito elevados e muito
baixos, algumas com serviços privatizados e outras, com públicos - por isso, é considerada a
média de todos os municípios.

Os dados do SNIS utilizados pelo G1 são: "Índice de atendimento total de água" e "Índice de
atendimento total de esgoto referido aos municípios atendidos com água". Os indicadores são os
mesmos utilizados pelo Instituto Trata Brasil e são os recomendados pelo Ministério da Cidades
para fazer as análises (Veja abaixo o ranking completo dos estados baseado nos dados)

Comparando a situação do saneamento básico no país entre 2007 e 2015:

 O total de brasileiros atendidos por abastecimendo de água tratada passou de 80,9%


para 83,3%

 A população atendida por coleta de esgoto passou de 42% para 50,3%

 O percentual de esgoto tratado foi de 32,5% para 42,7%

 A região Norte segue com os indicadores mais baixos do país (56,9% para cobertura de
água, 8,7% para esgoto e 16,4% para esgoto tratado)

 A Sudeste continua como a região com a melhor situação: 91,2% (água), 77,2%
(esgoto) e 47,4% (tratamento de esgoto)

“No geral, o avanço foi muito pequeno no país. Dez anos para conseguir passar da metade da
população em esgoto é muito pouco. Não dá para continuar nesse ritmo. Estamos falando de
uma agenda do século 19, de discussões de países desenvolvidos do século 19”, afirma Édison
Carlos, presidente executivo do Instituto Trata Brasil.
Segundo ele, a falta de saneamento adequado traz não apenas problemas sociais ao país, mas
também ambientais, financeiros e de saúde, já que é um fator importante na disseminação de
doenças. “O saneamento é a estrutura que mais benefícios traz para a população. O ‘básico’ do
nome não está ali à toa, é a estrutura mais elementar e a mais relevante." Por isso, a questão da
melhora dos índices e da própria universalização se torna tão urgente na pauta do país, afirma.

O Ministério das Cidades diz que os grandes déficits históricos vêm sendo combatidos, e a
complexidade de grande parte das obras e o seu tempo médio de duração ainda não permitem
que todos os benefícios esperados sejam sentidos de imediato pela população, nem refletidos
ainda de modo mais significativo pelos índices como os informados no SNIS. "Deve-se ressaltar
que o saneamento básico é uma área que ainda tem grandes desafios a vencer, mas está
recebendo uma grande priorização por parte do governo federal. Há um grande esforço para a
continuidade dos investimentos no setor, apesar do momento de restrições orçamentárias pelo
qual ainda passa o país e um empenho especial aos aprimoramentos necessários ao emprego
eficiente dos recursos", afirma, em nota.

Sobre a discrepância dos índices entre as regiões, o ministério diz que "um dos grandes desafios
da política pública brasileira é exatamente vencer a barreira das desigualdades sociais,
assegurando, no caso do setor saneamento, o direito humano fundamental à água e esgotos,
preconizado em resolução da ONU, em que o Brasil é signatário".

Em busca da universalização

A Lei do Saneamento Básico prevê a universalização dos serviços de abastecimento de água e


de tratamento da rede de esgoto no país, tendo como um dos principais pilares a elaboração de
um plano municipal do setor para cada cidade. Além disso, a lei estabeleceu regras básicas para
o setor ao definir as competências do governo federal, dos estados e dos municípios para os
serviços, bem como a regulamentação e a participação de empresas privadas. Por conta disso, a
expectativa era que o setor ia crescer exponencialmente após a lei.

O Ministério das Cidades diz que os planos municipais de saneamento básico são importantes
porque constituem instrumentos que visam diagnosticar a situação local existente e estabelecer
prioridades para investimentos e ações no curto, médio e longo prazos. "Trata-se de uma
relevante ferramenta de gestão para a boa aplicação de recursos e para o controle social, o que
beneficia diretamente a população local. Ter o plano será condição para o acesso a recursos
federais na área de saneamento a partir de 2018."

Édisn Carlos afirma, no entanto, que "o problema começou com a baixa compreensão dos
municípios pela obrigatoriedade da lei". "O nível de adesão tem sido muito baixo, e não só pela
falta de vontade, mas pelo despreparo das cidades. Fazer um plano exige capacidade técnica,
algo que muitas cidades do país, principalmente as pequenas, não têm.”

Segundo suas estimativas, nem metade das cidades do Brasil tem um plano. Por conta das
dificuldades, os prazos estabelecidos para as prefeituras elaborarem o plano foram prorrogados
diversas vezes, passando de 2013 para 2015 e, posteriormente, para 2017.

Édison Carlos destaca também a situação das agências reguladoras do país como um dos pontos
de entrave da lei. “A questão é muito aberta, pois cada prefeitura pode trabalhar para ter uma
agência reguladora no seu município. É uma possibilidade ampla, mas, do ponto de vista do
Brasil, é uma loucura poder ter 5.570 agências [o número total de cidades no país]”, afirma.

“Hoje, temos uma mistura muito grande de agências municipais, intermunicipais, estaduais e
por consórcio. Imagina isso para uma empresa que presta o serviço de saneamento em várias
cidades, como a Sabesp, que atende mais de 300 municípios em São Paulo. Como você é
regulado por diversas agências com regras diferentes para a mesma coisa?”

Amapá é o estado com os indicadores de saneamento mais baixos do país (Foto: Abinoan
Santiago/G1)

Plano Nacional de Saneamento

Em paralelo com a Lei do Saneamento Básico, um plano nacional foi elaborado e lançado em
2014 pelo governo federal para servir de base para o setor. O plano estabelece metas de curto,
médio e longo prazo com base em indicadores de água, esgoto, manejo de resíduos sólidos,
drenagem e manejo de águas pluviais e gestão dos serviços de saneamento. Há metas de
universalização dos serviços, de diminuição dos índices de desperdício de água, de erradicação
de lixões, entre outros.

Segundo o plano, o custo para universalizar os quatro serviços (água, esgoto, resíduos e
drenagem) é de R$ 508 bilhões entre 2014 e 2033. Já para a universalização de água e esgoto, o
custo será de R$ 303 bilhões. De acordo com Édison Carlos, porém, bastou um ano após a
edição do plano para que os cenários estabelecidos nas metas ficassem obsoletos por causa dos
diferentes índices previstos de inflação e de crescimento do PIB. Um estudo da Confederação
Nacional da Indústria (CNI) apontou que, com o ritmo atual de investimentos, o Brasil apenas
conseguirá universalizar o atendimento de água em 2043, e de esgoto, em 2054.

“Os indicadores mostram que o avanço está muito abaixo do que o Brasil precisa. Você pega o
avanço de menos de 1 ponto percentual ao ano com coleta de esgoto, por exemplo. Muito
baixo”, diz Édison Carlos. Diante da situação, ele afirma que o que tem que ser discutido é: o
que dá para fazer para ir além da Lei do Saneamento, já que ela não conseguiu alavancar o setor
o suficiente sozinha?

A resposta é difícil, mas, segundo ele, o caminho das pedras começa com mais recursos para a
área de saneamento. “O governo federal precisa garantir mais recursos e diminuir a burocracia.
Os estados precisam zelar pelas empresas, mas zelando mesmo, não transformando esses locais
em cabide de emprego de amigo. Zelar por transparência, pois não dá para pensar em
universalizar os serviços sem pensar em melhorar as empresas e as agências reguladoras”,
afirma. “Não dá para esperar até 2054 para melhorar a situação. É incabível.”

O Ministério das Cidades diz que a implementação do Plano Nacional de Saneamento Básico,
resultante de uma mobilização dos principais atores do setor saneamento, "é o caminho seguro
para se alcançar as metas estabelecidas". "Lembrando que o plano foi aprovado em 2013, com
horizonte de 20 anos e previsão de revisão a cada quatro anos. A questão tanto da coleta quanto
do tratamento de esgoto está sendo priorizada pelo governo federal, e nenhum projeto é
considerado com funcionalidade se não houver previsão de tratamento do esgoto coletado.
Deve-se ressaltar ainda o esforço de boa parte dos demais entes federados e dos
prestadores de serviços de saneamento."
Rondônia coleta apenas 3,5% do esgoto produzido, segundo pesquisa

Índice na capital é ainda pior, apenas 2% do esgoto é captado.


Em 2014, apenas 41,01% da população de Rondônia possuía água tratada.

Porto Velho possui apenas 2% de coleta de esgoto, diz estudo realizado este ano (Foto:
Hosana Morais/G1)

O estado de Rondônia coleta apenas 3,5% do esgoto produzido pela população, segundo o
estudo de Saneamento Básico de Rondônia realizado pelo Instituto Trata Brasil em 15
municípios do estado. O índice é ainda pior em Porto Velho, onde apenas 2% é captado; todo o
resíduo da capital é descartado in natura no Rio Madeira. A pesquisa aponta ainda um dado
preocupante, em 2007 apenas 58,1% da população do estado possuía acesso a água tratada, já
em 2014 o número caiu para 41,01%.

A presidente da Companhia da Água e Esgoto de Rondônia (Caerd), Iacira Azamor, reconhece


que a capital ainda é deficitária em saneamento básico. "O esgoto realmente não é tratado e
acaba sendo jogado in natura no Rio Madeira. Mas a partir de setembro iniciarão as obras das
Estações de Tratamento de Esgoto e ao fim da construção, 50% do esgoto já estará sendo
tratado em Porto Velho", explica.

O estudo "Saneamento Básico de Rondônia: Deficiência no acesso a água tratada e esgotos nas
maiores cidades são críticos para a saúde de todos" foi apresentado pelo Instituto Trata Brasil
na manhã desta quarta-feira (10) no auditório do Ministério Público (MP) em Porto Velho.
De acordo com a pesquisadora do instituto, Aline Baldez, o estudo iniciou há seis meses e
analisou dados do Ministério das Cidades entre 2007 e 2014. Segundo Baldez, Porto Velho não
possui um plano de saneamento básico apresentado à sociedade.

"Apenas as cidades de Ariquemes, Pimenta Bueno, Ji-Paraná, Rolim de Moura, São Miguel do
Guaporé, Nova Mamoré e Espigão d'Oeste possuem um plano de coleta de esgoto e água
tratada, o que apontou que apenas 2% do esgoto de Porto Velho é tratado, tornando a cidade a
penúltima no ranking das 100 maiores cidades do país. Ou seja, a probabilidade de doenças
chegarem a população é grande", explica Baldez.

Caerd afirmou que esgoto é jogado in natura no Rio Madeira (Foto: Hosana Morais/G1)

As principais doenças causadas pela falta de saneamento básico são diarréia, dengue e
leptospirose. Em 2014, foram registrados 134 casos de leptospirose, doença causada pela urina
do rato, devido a cheia histórica do Rio Madeira que fez com que mais pessoas entrassem em
contato com a água contaminada; duas pessoas morreram da doença.

Segundo o estudo, dentro das cidades estudadas, a que possui melhores dados de saneamento
básico é Cacoal. "Essa cidade possui 42% de água tratada e 25% do esgoto coletado, o restante é
jogado ao ar livre. São números pequenos, mas já faz uma diferença. Vilhena possui 97,9% de
água tratada, ou seja, quase toda a população tem acesso à água potável", relata Baldez.

Outro ponto alarmante que o estudo mostra é sobre a quantidade de desperdício de água; em
Porto Velho, a cada mil litros de água que sai da estação de tratamento, apenas 300 chegam as
casas, de acordo com o estudo.
A pesquisa irá apontar ainda, recomendações para os gestores do saneamento no estado como as
prefeituras, o governo do estado, o MP e a Caerd para que medidas sejam tomadas e a
população tenha acesso a uma água e coleta de esgoto.

Participaram do estudo os municípios: Alta Floresta do Oeste, Ariquemes, Cacoal, Espigão


D’Oeste, Guajará-Mirim, Jaru, Ji-Paraná, Machadinho D’Oeste, Nova Mamoré, Ouro Preto do
Oeste, Pimenta Bueno, Porto Velho, Rolim de Moura, São Miguel do Guaporé e Vilhena, 12
dos 15 municípios são operados pela Caerd os demais são de outra empresa.

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