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AULA 3

Resíduos sólidos urbanos no Brasil: desafios tecnológicos, políticos e econômicos

Publicado em 09/07/2020 - Última modificação em 01/06/2021 às 20h14

Se cumpridas as determinações previstas na Política Nacional de Resíduos Sólidos, o país poderá


transformar o problema representado pelos materiais descartados em solução econômica e
social, mas são necessários investimentos, em todos os níveis.
Com mais de 200 milhões de habitantes, o Brasil é um dos países que mais gera resíduos sólidos
- materiais, substâncias e objetos descartados - cuja destinação final deveria receber tratamento
com soluções economicamente viáveis, de acordo com a legislação e as tecnologias atualmente
disponíveis, mas acabam, ainda em parte, sendo despejados a céu aberto, lançados na rede
pública de esgotos ou até queimados.
Entre esses resíduos estão alguns mais complexos, como os de construção civil, hospitalares,
radioativos, agrícolas, industriais e de mineração, mas também os domiciliares, oriundos de
atividades domésticas em residências urbanas, e os de limpeza urbana, originários da varrição,
limpeza de logradouros e vias públicas, classificados como resíduos sólidos urbanos (RSU).
Nas cidades brasileiras, a crescente geração desse tipo de resíduo e as práticas de descarte
estabelecidas, aliados ao ainda alto custo de armazenagem, resultaram em volumes crescentes
de RSU acumulados e, historicamente, em sérios problemas ambientais e de saúde pública. Ao
longo dos anos, a disposição irregular de RSU tem causado a contaminação de solos, cursos
d’água e lençóis freáticos, e também doenças como dengue, leishmaniose, leptospirose e
esquistossomose, entre outras, cujos vetores encontram nos lixões um ambiente propício para
sua disseminação.
Em seu último relatório sobre o assunto, a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública
e Resíduos Especiais (Abrelpe) destaca que as cidades brasileiras geraram em 2018 cerca de 79
milhões de toneladas de RSU, cuja coleta chegou a 92% desse total, equivalentes a pouco mais
de 72 milhões de toneladas, dos quais apenas 43,3 milhões de toneladas, 59,5% do coletado, foi
disposto em aterros sanitários. O montante de 29,5 milhões de toneladas de resíduos, 40,5% do
total coletado, foi despejado inadequadamente em lixões ou aterros controlados e ainda cerca
de 6,3 milhões de toneladas geradas anualmente continuam sem ao menos serem coletadas, e
seguem sendo depositadas sem controle, mesmo quando a legislação determina a destinação
para tratamento e, em último caso, para aterros sanitários.
Embora as tecnologias necessárias para o cumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos
(PNRS) estejam disponíveis no Brasil, os custos e a falta de uma maior integração na gestão dos
RSU têm sido apontados por especialistas como os motivos para esse comportamento.
Enquanto em países que já resolveram ou estão em vias de solucionar o problema dos RSU não
apenas os aterros sanitários mas também incineradores e biodigestores para geração de energia
sejam tecnologias bastante comuns, no Brasil, dada à falta de uma gestão unificada de RSU, os
desafios permanecem praticamente os mesmos anteriores à PNRS.
RSU no mundo e no Brasil
Segundo o relatório What a Waste 2.0 do Banco Mundial, aproximadamente 2,01 bilhões de
toneladas de RSU são geradas anualmente pelo mundo, e espera-se que em 2050 esse número
chegue a 3,40 bilhões de toneladas, um aumento de quase 70%. Para minimizar esse impacto,
alguns países buscam usar tecnologia e inovação, tendo o tratamento como prioridade na
gestão.
A Alemanha, por exemplo, proibiu em 2005 a remessa de resíduos domésticos sem tratamento
e industriais para os aterros, e em 2012 aprovou a lei da economia circular, ações que tiveram
papel importante para a destinação adequada dos resíduos no país, onde cerca de 13% dos
produtos comprados pela indústria já são feitos com matérias-primas recicladas, além de sua
cadeia de gestão de resíduos empregar mais de 250 mil pessoas. Já o Japão, com coleta seletiva
e reciclagem incentivadas por lei desde 1995, produz garrafas pet com 100% de material
reciclado, o que reduziu em 90% o uso de novos plásticos e em 60% as emissões de dióxido de
carbono.
Há ainda exemplos de cidades como Estocolmo (Suécia), onde 100% dos domicílios têm coleta
seletiva por um sistema de lixeiras conectadas a uma rede de tubos subterrâneos. Um sensor
detecta quando a lixeira está cheia, enviando os resíduos por uma rede subterrânea até o local
de acumulação, onde são separados e compactados, seguindo para reaproveitamento,
compostagem e incineração. Já San Francisco (EUA) implantou programas para reciclagem e
compostagem de quase todo o resíduo produzido, introduzindo incentivos econômicos, como
menor taxa de lixo para quem faz compostagem, o que fez a cidade reduzir em 12% as emissões
de gases de efeito estufa.
No Brasil, após uma discussão de cerca de 20 anos, em meio a uma situação que seguia sem
controle, o governo federal promulgou em 2010 a lei 12.305, que estabeleceu a PNRS, marco
regulatório que prevê a gestão integrada e o gerenciamento de resíduos sólidos, incluindo
originalmente um prazo de quatro anos para a disposição final ambientalmente adequada dos
rejeitos, cabendo aos municípios a responsabilidade pelos resíduos gerados em seus territórios.
Embora tenha expirado em 2014 o prazo inicial para que os municípios se adequassem à
legislação, dados da Abrelpe mostram que mais da metade das cidades do país, algo em torno
de 53%, ainda não cumpriram a determinação legal.
Para a reversão desse quadro, é fundamental, na ótica da gestão integrada e do gerenciamento,
a adoção de tecnologias que promovam o desenvolvimento sustentável e criem oportunidades
para resgatar e elevar o valor incorporado nos resíduos, aproveitando-os antes de chegarem aos
aterros.
Setor empresarial
Existem no Brasil empresas que projetam e vendem soluções tecnológicas para a implantação
de aterros, gerando ganho de escala e diluição progressiva de custos para sua implantação, além
de outras soluções. É o caso da Rede Resíduos, que atuando com o conceito de cidades
inteligentes recebeu apoio de um programa da Fapesp destinado a pesquisas inovativas em
pequenas empresas e desenvolveu um sistema que conecta geradores de resíduos com
recicladores, transportadores e empresas de tratamento interessados na obtenção de materiais
descartados para reaproveitamento.
Para Francisco Biazini Filho, diretor da empresa, a reciclagem é o caminho mais eficiente para
reduzir a quantidade de resíduos que chega aos aterros. “Criamos um sistema de rastreabilidade
e telemetria que acompanha desde a origem do resíduo, passando pelo transporte e
armazenamento, até a transformação em produto final reciclado”, diz. Todo o monitoramento
dos resíduos pode ser feito pela internet e com o uso de smartphones. Para o uso em cidades,
a empresa desenvolveu também um sistema de monitoramento ultrassônico de contentores
(em uso na cidade de Paulínia, interior paulista) com caçambas e contêineres que sinalizam
quando estão cheios, facilitando a logística da coleta, gerando indicadores e métricas voltados
ao seu aprimoramento.
De acordo com Jorge Alberto Soares Tenório, pesquisador do Laboratório de Reciclagem,
Tratamento de Resíduos e Extração da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
(Poli/USP), a questão dos RSU em países desenvolvidos tem maior importância, pois significa
uma parte do PIB. "Em países de desenvolvimento intermediário, como o Brasil, embora existam
muitos aspectos econômicos e sociais envolvidos, ainda não há interesse político em sua
expansão”, afirma.
Segundo Tenório, cerca de 90% das tecnologias existentes no mundo para a construção de
aterros está disponível no Brasil, mas os custos de implantação continuam altos para a maior
parte dos municípios do país. “Do ponto de vista da engenharia, construir um aterro é algo
relativamente simples, consolidado há décadas, mas falta gestão integrada das ações”, diz,
apontando que a coleta seletiva de resíduos e a destinação desses materiais para reciclagem
deveria envolver efetivamente os fabricantes dos produtos. Ele observa, por exemplo, que em
São Paulo há coleta seletiva há décadas, mas não há reciclagem no mesmo volume. "É preciso
pensar nas ferramentas de gestão para diminuir a geração de resíduos e, consequentemente, o
volume destinado aos aterros”.
É o caso, por exemplo, dos descartes eletroeletrônicos, cuja coleta e reciclagem são ainda
incipientes no Brasil. “Esse tipo de coleta e tratamento está em pleno desenvolvimento no
mundo, pois configura um ganho para as empresas em países em que a política ambiental é mais
rígida. Reciclar carros na Europa e no Japão é algo viável, mas no Brasil ainda não, devido a uma
regulamentação frágil nesses aspectos”.
Em diversos países, essas atividades fazem parte do custo do produto, ou seja, o fabricante paga
pelo destino final desses bens, se responsabilizando pela coleta, destinação e tratamento. “Isso
é parte da legislação ambiental”, observa.
Embora os aterros sanitários ainda sejam considerados um método menos dispendioso
comparativamente com outras alternativas, mesmo nesses casos existem tecnologias para o
aproveitamento dos gases ali emitidos, cuja capacidade de geração varia de acordo com
propriedades geológicas, hidrológicas e geotécnicas e fatores bióticos e abióticos. Para isso
podem ser usados biorreatores para processar rapidamente resíduos descartados, aumentando
a taxa de decomposição, circulação de lixiviado (chorume) e crescimento de micróbios que
atuam na decomposição dos resíduos.
Também podem ser usadas microturbinas para, a partir do gás de aterro, gerar e fornecer
eletricidade para projetos de pequena escala nas proximidades. Há ainda a possibilidade de uso
de tecnologia de célula de combustível, que converte a energia em dióxido de carbono, vapores
d'água, calor e eletricidade, armazenando-a em uma célula eletroquímica que pode ser usada
em veículos elétricos.
Contudo, outras tecnologias, direcionadas a diferentes situações, etapas e perfis em termos de
volume e tipo de resíduos gerados, podem ser usadas em maior escala também no Brasil.
Tecnologias para o gerenciamento de resíduos
Coleta;
Segregação;
Reciclagem;
Processamento;
Recuperação;
Acordos setoriais.
Previstos na PNRS, os acordos setoriais são uma espécie de contrato entre poder público e
fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, com o objetivo de compartilhar a
responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos.
Já a logística reversa definida na PNRS é um instrumento de desenvolvimento econômico e social
caracterizado por ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição
de resíduos sólidos ao setor empresarial, seja para reaproveitamento no ciclo produtivo ou
outra destinação final ambientalmente adequada.
No Brasil, em comparação com países desenvolvidos, reutilização, reciclagem, compostagem,
recuperação e aproveitamento energético ainda não desempenham papel econômico de
destaque como atividade rentável, e embora a PNRS determine que os sistemas de logística
reversa dos produtos sejam de responsabilidade do setor empresarial, não houve, até o
momento, a implementação desses sistemas em escala considerável, o que dificulta ainda mais
a gestão pública local.
Segundo Tenório, “na PNRS a responsabilidade é compartilhada, a exemplo dos acordos
setoriais, mas às vezes determinados setores não têm interesse em resolver o problema. A PNRS
não foi efetiva o suficiente por não estar sendo levada à risca, mas sem ela provavelmente
estaríamos ainda mais atrasados na questão do tratamento dos RSU. A PNRS acelerou isso, mas
acredito que no Brasil ainda haverá lixões até pelo menos 2025”, avalia o pesquisador da Poli.
Em sua análise, quando há demanda para a utilização de tecnologia, a rentabilidade operacional
melhora, mas, para isso, os acordos setoriais precisariam ser efetivamente implementados.
Contudo, ele destaca a eficácia de um modelo de acordo setorial que deu certo no Brasil. Em
1999, a resolução 258 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) determinou que os
importadores de pneus são responsáveis por sua destinação final após o uso. “Havia uma meta,
que foi cumprida, e hoje praticamente não há mais pneus abandonados em rios e ruas, algo
comum num passado recente, porque as empresas estão dando destino aos produtos
descartados, para reciclagem e uso na formulação de novos produtos, como asfalto e tijolos, por
exemplo”.
Além do sistema de pneus, o sistema de logística reversa de embalagens de agrotóxicos é visto
como modelo de sucesso, com 80% das embalagens totais comercializadas destinadas
corretamente. Além desses, existem outros acordos implantados, como o de óleos lubrificantes
usados (até 2019, foram coletados 38,45% dos litros utilizados) e de pilhas e baterias (até 2019,
172 toneladas coletadas) e outros seis em implementação.
Considerações Finais
O aumento do consumo no país tem gerado um número crescente de resíduos per capita, entre
embalagens, componentes e outros. Porém, como insumos industriais, acabam desperdiçados
quando descartados sem destinação ambientalmente adequada.
Os prazos revisados da PNRS para as capitais e regiões metropolitanas adequarem a disposição
final de seus RSU se encerraram em julho de 2018, e o de municípios com mais de 100 mil
habitantes, em julho de 2019. Cidades menores, entre 50 e 100 mil habitantes, têm prazo até
julho de 2020, enquanto os municípios com menos de 50 mil habitantes, até julho de 2021.
No entanto, de maneira coletiva, uma gama de municípios grandes e pequenos tem
descumprido a legislação, tentando adiar a obrigatoriedade dessas ações, sob alegação feita
pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) de que é necessário maior apoio financeiro e
suporte técnico por parte do governo federal para o cumprimento integral da política.
Recentemente, o texto do novo marco legal do saneamento, ainda a ser sancionado2, incluiu
uma nova prorrogação dos prazos para 2021, para capitais e suas regiões metropolitanas, e até
2024, para municípios com menos de 50 mil habitantes.
Destacam-se no texto inúmeras soluções tecnológicas para a resolução da questão da
destinação e disposição final dos RSU, porém é evidenciado que os entraves políticos e
econômicos inviabilizam a difusão e adoção dessas tecnologias. Portanto, a partir do perfil atual
dos RSU no Brasil, conclui-se que são necessários ainda grandes investimentos e uma real
coalizão do poder público e do setor privado para se atingir a universalização da destinação
adequada dos resíduos sólidos nos próximos anos.
Porém, aspectos como ganhos econômicos não passam ao largo da legislação. A PNRS prevê
incentivos fiscais, financeiros e creditícios e repasse dos Fundos Nacionais do Meio Ambiente e
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico para o investimento na área, e considera os RSU
um novo mercado emergente, ao reconhecer o resíduo sólido reutilizável e reciclável como um
bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania.
Assim, os custos da destinação e tratamentos dos RSU poderiam ser amenizados pela
possibilidade de retorno financeiro, caso sejam consideradas as receitas geradas a partir de seu
tratamento. Também seria possível gerar receita por meio da comercialização de materiais
recicláveis, dos fertilizantes provenientes de compostagem e da energia produzida no processo
de tratamento térmico e de captação do biogás. Além disso, uma gestão eficiente de RSU teria
potencial de criar um número significativo de empregos, retirando trabalhadores da
informalidade e gerando ganhos socioeconômico porque as empresas estão dando destino aos
produtos descartados, para reciclagem e uso na formulação de novos produtos, como asfalto e
tijolos, por exemplo”.
s para a sociedade.
1- Locais onde os resíduos são dispostos, que contam com algum tipo de gestão ambiental, como
isolamento, acesso restrito, cobertura dos resíduos com terra e controle na entrada de resíduos,
mas que não são os mais adequados.
2- O marco legal do saneamento foi sancionado com vetos pela presidência da República em
15/07/2020.

*O autores assumem a responsabilidade sobre eventuais equívocos no texto, e agradecem os comentários, críticas
e sugestões de Jorge Alberto Soares Tenório, pesquisador do Laboratório de Reciclagem, Tratamento de Resíduos e
Extração da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP) e Francisco Biazini Filho, diretor da
RedeResíduos.

https://www.ipea.gov.br/cts/pt/central-de-conteudo/artigos/artigos/217-residuos-solidos-urbanos-no-brasil-
desafios-tecnologicos-politicos-e-economicos

Exercícios

1) “Se cumpridas as determinações previstas na Política Nacional de Resíduos Sólidos, o


país poderá transformar o problema representado pelos materiais descartados de
maneira indevida, em solução econômica e social, mas são necessários investimentos,
em todos os níveis”.
( ) concordo ( ) discordo
Justifique sua resposta.

2) “Materiais, substâncias e objetos descartados - cuja destinação final deveria receber


tratamento com soluções economicamente viáveis, de acordo com a legislação e as
tecnologias atualmente disponíveis, acabam, ainda em parte, sendo despejados a céu
aberto, lançados na rede pública de esgotos ou até queimados”.
Por que no Brasil ainda é possível observarmos práticas como estas? Quais são os pontos
negativos nestas práticas?

3) Segundo o texto, grande parte dos resíduos sólidos urbanos produzidos no Brasil são
descartados indevidamente em lixões. Que outras formas de descarte dos resíduos
sólidos urbanos existem e qual delas pode gerar menor impacto ambiental.

4) O modelo de acordo setorial no Brasil, trouxe alguns benefícios em relação ao descarte


inadequado dos pneus, gerando bons resultados em relação ao impacto que causavam
ao meio ambiente. Esta política deu o destino adequado aos. Hoje temos outros
produtos produzidos a partir dos resíduos destes pneus. Quais são?

5) “Gerar receita por meio da comercialização de materiais recicláveis, dos fertilizantes


provenientes de compostagem e da energia produzida no processo de tratamento
térmico e de captação do biogás, associados a uma gestão eficiente de RSU teria
potencial de criar um número significativo de empregos, retirando trabalhadores da
informalidade e gerando ganhos socioeconômico porque as empresas estão dando
destino aos produtos descartados, para reciclagem e uso na formulação de novos
produtos, como asfalto e tijolos, por exemplo”.
Esta afirmativa já é prática em todo território nacional e em muitos outros países.
Justifique-a.

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