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PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA

UMA INTRODUÇÃO
Chanceler
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Reitor
Joaquim Clotet
Vice-Reitor
Evilázio Teixeira

Conselho Editorial
Jorge Luís Nicolas Audy | Presidente
Jorge Campos da Costa | Editor-Chefe
Jeronimo Carlos Santos Braga | Diretor

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Ana Maria Mello
Augusto Buchweitz
Augusto Mussi
Bettina S. dos Santos
Carlos Gerbase
Carlos Graeff Teixeira
Clarice Beatriz da Costa Sohngen
Cláudio Luís C. Frankenberg
Érico João Hammes
Gilberto Keller de Andrade
Lauro Kopper Filho
Gabriele Rosenthal

PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA


UMA INTRODUÇÃO

Traduzido do alemão por


Tomás da Costa

Revisão técnica da tradução e apresentação


de Hermílio Santos

5ª edição

Porto Alegre, 2014


© EDIPUCRS, 2014.
Traduzido para o português de:
Interpretative Sozialforschung. Eine Einführung, de Gabriele Rosenthal.
© 2005 Beltz Juventa • Weinheim Basel
1ª edição: 2005; 2ª edição: 2008; 3ª edição: 2011; 4ª edição: 2014.
© 2005 Juventa Verlag Weinheim und München
© 2014 Beltz Juventa · Weinheim und Basel HYPERLINK “http://www.beltz.de-/” www.beltz.de- HYPERLINK
“http://www.juventa.de/” www.juventa.de
Printed in Germany
ISBN 978-3-7799-2608-5

DESIGN GRÁFICO [CAPA] Shaiani Duarte

DESIGN GRÁFICO [DIAGRAMAÇÃO] Thiara Speth

REVISÃO DE TEXTO PORTUGUÊS Gaia Assessoria Linguística

TRADUÇÃO DO ALEMÃO Tomás da Costa

REVISÃO TÉCNICA DA TRADUÇÃO Hermílio Santos

IMPRESSÃO E ACABAMENTO

Edição revisada segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

EDIPUCRS – Editora Universitária da PUCRS


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(arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
Sumário

17INTRODUÇÃO | 17

191. PESQUISA SOCIAL QUALITATIVA


E INTERPRETATIVA
1.1 O que podemos entender por pesquisa
social qualitativa? | 19

1.2 O que a pesquisa social interpretativa


pode oferecer? | 25

1.3 Origens históricas da pesquisa social


interpretativa | 35

492. FUNDAMENTOS E PRINCÍPIOS DA PESQUISA SOCIAL


INTERPRETATIVA
2.1 O mundo social interpretado | 49

2.2 O princípio da comunicação | 54

2.3 Exemplo empírico: enquadramentos variáveis no contexto


de uma entrevista com uma família | 56

2.4 O princípio da abertura no processo de pesquisa e no


levantamento | 59

2.4.1 Abertura a alterações no plano de pesquisa | 59

2.4.2 Exemplo empírico: a descoberta do significado de gerações históricas | 61

2.4.3 Abertura na situação de levantamento de dados | 64

2.5 O princípio da abertura na análise interpretativa


de texto  | 68

2.5.1 O princípio da reconstrução | 69

2.5.2 O princípio de um procedimento abdutivo | 72

2.5.3 Exemplo empírico: reconstruindo a função do “genro inconveniente” | 76

2.5.4 O princípio da sequencialidade | 86

2.5.5 Generalização teórica e construção tipológica a partir do caso particular | 90

2.5.6 Exemplo empírico: construção de tipos diferentes com base em uma


reconstrução de caso | 93
1013. PROCESSO E DESENHO DE PESQUISA

3.1 Amostra e saturação teórica | 101

3.2 O processo de pesquisa em estudos realizados


a partir de entrevistas | 105

3.2.1 Contato e acordos com o entrevistado | 106

3.2.2 Análise global e notas (memos) | 109

3.2.3 Primeira e segunda amostragens teóricas | 112

3.2.4 Estudo comparativo de caso: contraste mínimo e máximo | 115

3.2.5 Apresentação dos resultados da pesquisa: a compreensão intersubjetiva e a


confidencialidade dos dados  | 117

1214. PESQUISA DE CAMPO ETNOGRÁFICA – OBSERVAÇÃO


PARTICIPANTE – ANÁLISE DE VÍDEO
4.1 Das origens históricas da pesquisa de campo
até a etnografia contemporânea | 121

4.2 A participação em campo | 126

4.3 Exemplo empírico: o desgaste físico e psicológico


dos observadores participantes | 129

4.4 O protocolo da observação e sua análise sequencial | 132

4.4.1 Protocolos de observação ou memos | 132

4.4.2 Análise sequencial dos protocolos de observação | 138

4.5 Análise de dados videografados | 148

Nicole Witte, Gabriele Rosenthal

1695. DA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA À ENTREVISTA


NARRATIVA
5.1 Introdução | 169

5.2 Trabalhando em um procedimento aberto que toma o


entrevistado como referência | 170

5.3 Diferentes variantes de um procedimento parcialmente


aberto | 176

5.4 Entrevista narrativa e condução de entrevista narrativa  | 183


5.4.1 A ideia por trás da entrevista narrativa | 183

5.4.2 A vantagem de narrativas mais longas | 185

5.4.3 A técnica da entrevista narrativa e as regras da realização de entrevistas | 191

5.5 A importância de se realizar perguntas com vistas ao


aprofundamento | 202

5.5.1 Processos de interpretação na situação da entrevista | 202

5.5.2 Exemplo empírico: qual o significado tem a morte da mãe para diferentes
perguntas de pesquisa? | 205

2116.PESQUISA BIOGRÁFICA E RECONSTRUÇÕES


DE CASO
6.1 A pesquisa biográfica e seus fundamentos teóricos | 211

6.2 Exemplo de reconstrução biográfica de caso | 224

6.2.1 História de vida vivenciada e narrada  | 224

6.2.2 Análise sequencial dos dados biográficos | 226

6.2.3 Análise de texto e do campo temático | 235

6.2.4 Reconstrução da vida vivenciada e a análise sequencial detalhada | 243

6.2.5 Comparação entre vida vivenciada e vida narrada. A construção de tipos | 248

6.3 Reconstruções em um outro domínio de caso | 249

2557.ANÁLISE DE CONTEÚDO – CODIFICAÇÃO NA TEORIA


FUNDAMENTADA (GROUNDED THEORY) – ANÁLISES DO DISCURSO
7.1 Introdução | 255

7.2 Quão qualitativa pode ser uma análise de conteúdo? | 257

7.3 Exemplo empírico: a decodificação de declarações


antissemitas  | 262

7.4 Codificação na teoria fundamentada (grounded theory) | 270

7.5 Análises do discurso | 273

Bettina Völter, Gabriele Rosenthal

281REFERÊNCIAS | 281

281ÍNDICE REMISSIVO | 307
APRESENTAÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA1
Relevância e ação em reconstruções biográficas

O meu primeiro contato com a obra de Gabriele Rosenthal não foi nem
consciente nem sistemático. Durante a elaboração da minha tese de douto-
rado em ciência política na Freie Universität Berlin, em meados da década
de 1990, me encontrava às vezes com minha amiga de longa data Profa.
Dra. Bettina Völter, que à época realizava entrevistas para seu doutorado,
sob a orientação da Profa. Rosenthal. Lembro-me de como a Profa. Bettina
Völter se mostrava quase sempre exausta ao relatar por alto as entrevistas
que havia feito, não apenas pelos conteúdos das entrevistas sobre judaísmo
e comunismo na ex-Alemanha Oriental com três gerações de famílias de
origem judaica, mas também pelo trabalho minucioso de análise de todo
o material produzido. Na verdade, eu não compreendia muito bem o que
estava fazendo e, no meu desconhecimento da diversidade metodológica
e analítica da sociologia alemã contemporânea, não entendia muito bem
se todo aquele empreendimento poderia ser considerado sociologia. Essas
lembranças são importantes para mim, pois é com esse tipo de impressão
– ou desconfiança e crítica – que tenho que lidar, tanto diariamente em
sala de aula quanto nos congressos de sociologia que participo no Brasil,
ao expor a abordagem metodológica proposta por Gabriele Rosenthal para
a análise de narrativas biográficas.
Durante meu período de graduação, em meados da década de 1980,
ouvia falar que professores do departamento de sociologia onde estudava
realizavam pesquisas com biografias. Essas pesquisas estavam restritas
à elite de políticos, considerados “merecedores” de uma biografia por te-
rem sido testemunhos privilegiados dos acontecimentos importantes da
sociedade local. Esse tipo de abordagem não me interessava antes. Hoje,
meu interesse por esse tipo de abordagem tampouco cresceu.

1
Trata-se de versão modificada de palestra intitulada “Relevanz und Handlung in bio-
graphischen Rekonstruktionen: eine Annäherung an die Soziologie Gabriele Rosenthals”
[Relevância e ação em reconstruções biográficas: uma aproximação à sociologia de Gabriele
Rosenthal] que proferi durante as comemorações dos 60 anos da autora, em 9 de maio de 2014,
na Universität Göttingen, Alemanha.

9
Apenas mais recentemente, depois de assumir meu interesse pela so-
ciologia de Alfred Schütz, que já vinha do período de graduação, mas que
se mantinha adormecido e quase clandestino, é que passei a buscar formas
de realizar pesquisa empírica usando explicitamente o método de pesquisa
proposto por Schütz, ou seja, de fazer do conhecimento do senso comum
o objeto de análise. Nesse período atuava como assessor na secretaria es-
tadual no Rio Grande do Sul responsável, dentre vários outros temas, por
lidar com o problema de adolescentes que haviam cometido delitos graves
e se encontravam cumprindo “medida socioeducativa”. Foi nesse momento
que me deparei mais sistematicamente com o problema do envolvimento de
jovens, homens e mulheres, com diversos tipos de delitos e ações violentas.
Passei a dedicar-me a compreender o que faz com que jovens se en-
volvessem com ações violentas. Equipado com gravador, filmadora e um
roteiro de perguntas, iniciei minhas incursões semanais à instituição que
albergava os adolescentes que cumprem medidas socioeducativas, onde
realizava as entrevistas. Passados alguns meses, me dei conta que havia
algo inconsistente em meu procedimento. Nunca perdi de vista que uma
das minhas motivações originais era, e continuava sendo, incorporar a
sociologia de Schütz em minhas atividades de pesquisador. Nessa socio-
logia, três elementos se destacavam para mim: o interesse pela ação, o
sistema de relevância dos sujeitos pesquisados e as motivações dos sujeitos.
Minha conclusão ou pelo menos minha suspeita inicial foi que com meu
roteiro de perguntas, que inclusive expunha cenários hipotéticos aos meus
entrevistados para que se posicionassem diante deles, acabava por reali-
zar o que passei a chamar de “colonização do sistema de relevância” dos
entrevistados, já que o que ocorria, na prática, era que os entrevistados
deveriam reagir a uma diversidade de temas – que eu supunha, poderiam
me oferecer elementos para a compreensão das ações e motivações daque-
les adolescentes. A partir daí, passei a procurar de maneira sistemática
por procedimentos que estivessem mais de acordo com meus interesses
de pesquisa, orientados, como afirmei, pela sociologia de Alfred Schütz.
A partir de um texto de Fritz Schütze – um dos sociólogos alemães
contemporâneos mais influentes – publicado em Neue Praxis, cheguei aos
textos de Ralf Bohnsack e, em seguida, aos textos de Gabriele Rosenthal. As
diferenças entre essas diferentes abordagens foram ficando mais evidentes,
assim como a grande proximidade da abordagem da Profa. Rosenthal com a
sociologia de Schütz. Ao mesmo tempo, a leitura mais sistemática dos textos
da Profa. Rosenthal me parecia ter uma vantagem adicional: a incorporação

10
da obra de Aron Gurwitsch. Gurwitsch, com quem Schütz manteve grande
amizade, sobretudo em seu período em Paris, além de ter contribuído para que
Gurwitsch pudesse escapar da França durante a Segunda Guerra Mundial e
encontrasse trabalho nos Estados Unidos, também assumiu a cátedra na New
School for Social Research após a morte de Schütz, em 1959. Já estava nos
meus planos realizar leituras sistemáticas dos textos de Gurwitsch. Minha
feliz surpresa foi deparar-me com Gurwitsch já incorporado adequadamente
na abordagem analítica da Profa. Rosenthal, a partir da análise dos chamados
“campos temáticos” de uma narrativa biográfica. Com isso, minha busca por
um procedimento metodológico já sistematizado tinha dado os melhores frutos.
Em que consistem as vantagens da abordagem proposta por Rosenthal?
Trata-se de uma sociologia que explicita as influências sobre as quais cons-
trói sua própria proposta analítica, isso é positivo e didático, e de maneira
alguma um procedimento recorrente. Rosenthal é uma herdeira de Fritz
Schütze, mas que realizou incrementos importantes sobretudo no processo
de análise, ainda que a condução da entrevista narrativa mantenha-se em
sua essência idêntica àquela proposta por Schütze. Rosenthal incorporou
também à produção de “dados”, por exemplo, a realização de entrevistas
narrativas biográficas com membros de distintas gerações de uma mesma
família. A partir da distinção, no processo de análise, entre vida narrada
e vida vivenciada, a abordagem adotada por Rosenthal permite explicitar,
no fluxo biográfico e na Gestalt de uma narrativa, elementos importantes
para a compreensão de diferentes tipos de ação social presentes em um
tempo histórico e em um contexto social específico. O ponto de partida é
precisamente que já na condução da entrevista, mas também e especial-
mente no processo de análise, o sistema de relevância dos entrevistados
seja evidenciado. Isso se dá quando o pesquisador não organiza a entrevista
a partir dos seus próprios interesses de pesquisa e quando, na análise,
procura evidenciar os campos temáticos das biografias produzidas, uma
contribuição incorporada da obra de Gurwitsch. Além disso, apresenta a
sequencialidade na análise, proposta por Oevermann, e o processo siste-
mático de produção de hipóteses, considerando rigorosamente o que foi
trazido pelos próprios entrevistados, contribuição da Grounded Theory,
seguindo o método abdutivo de Charles Peirce. Todo esse procedimento
analítico, que vai exposto na presente obra, permite uma análise bastante
rigorosa para se aproximar ao sistema de relevância tanto do entrevistado
quanto do contexto em que vive ou é socializado. Com isso, evita-se cair
na armadilha, bastante recorrente na realização de pesquisa empírica,

11
de se “colonizar” o sistema de relevância dos entrevistados. Todo esse
complexo procedimento metodológico tem por objetivo chegar-se à re-
construção de biografias marcadas pelas mais diferentes experiências
que se queira pesquisar, como migração, violência, desemprego, dentre
inúmeras outras que possam ser objeto de interesse de pesquisadores da
sociologia e de disciplinas afins.
Sendo o sistema de relevância o fio condutor para a compreensão
das ações e escolhas realizadas pelos indivíduos em um determinado
contexto social, a abordagem narrativa biográfica proposta por Schütze,
e especialmente como reelaborada por Gabriele Rosenthal, oferece uma
possibilidade bastante sistematizada para sua apreensão. Alfred Schütz,
nos últimos anos de sua atividade profissional na New School for Social
Research em Nova York, se interessou por pesquisas empíricas sobre de-
linquência juvenil nos bairros pobres da cidade. Suspeito, no entanto, que
o próprio Schütz não saberia empregar seus escritos teóricos de maneira
mais adequada na condução de pesquisas empíricas.
Embora tenha havido outras tentativas importantes de adotar a
sociologia de Schütz em pesquisa empírica, como a Etnometodologia
de Garfinkel, tivemos que esperar até que um grupo de pesquisadores
liderados por Fritz Schütze, cerca de vinte anos após a morte de Schütz,
pudesse propor um procedimento que faz jus a seus escritos, ainda que
informado igualmente por outras escolas interpretativas da sociologia.
Importa destacar que as reflexões e os desenvolvimentos metodológicos
prosseguem, sejam nas atividades de pesquisa do próprio Schütze, assim
como da Prof. Rosenthal e de seus ex-colaboradores e equipe atual no
Methodenzentrum Sozialwissenschaften (Centro de Métodos em Ciências
Sociais) da Universidade Göttingen.
Se hoje essas abordagens, tanto aquela desenvolvida por Schütze quan-
to aquela desenvolvida por Rosenthal, já estão consolidadas em diversos
países, não apenas na Alemanha, não se pode perder de vista a resistência
que esses autores sofreram por parte de representantes de outras escolas
interpretativas que dominavam – e dominam ainda – a produção sociológica
aqui e em outros lugares. A sociologia dominante via com desconfiança,
e até mesmo desdém, as contribuições que a pesquisa com narrativas
biográficas poderia aportar ao conhecimento sociológico da realidade.
Pode-se dizer que a resistência, onde ainda hoje persiste, é fruto muito
mais do desconhecimento da riqueza analítica que a análise de narrativas
já demonstrou do que propriamente da desconfiança em relação ao seu

12
potencial analítico, já que encontra-se disponível uma vasta produção, tanto
teórica quanto empírica, a partir de diversas perspectivas analíticas. Esse
me parece ser o caso da comunidade acadêmica do Brasil, onde a pesquisa
biográfica permanece relativamente marginal, mesmo considerando que
já na década de 1940 sociólogos brasileiros já tenham realizado pesquisa
utilizando relatos orais e que alguns poucos sociólogos brasileiros tenham
participado da criação do Comitê de Pesquisa “Biografia e Sociedade” da
ISA (International Sociological Association), que foi primeiro presidido pelo
francês Daniel Bertaux e posteriormente dirigido por Gabriele Rosenthal
durante oito anos. Nos anos mais recentes, observa-se um interesse cres-
cente de pesquisadores brasileiros pela adoção de narrativas, ou mais
especificamente de narrativas biográficas, em pesquisas empíricas. É
nesse contexto que a abordagem da Profa. Gabriele Rosenthal vem sendo
introduzida no Brasil de maneira sistemática.
A abordagem metodológica apresentada por Gabriele Rosenthal
permite distinguir entre sociologia de viés positivista e sociologia inter-
pretativa, cuja vantagem desta última residiria no fato de considerar as
interpretações dos sujeitos para a compreensão das diversas facetas da
realidade social. Sempre foi um desafio estabelecer mecanismos seguros
para dar conta da experiência dos sujeitos como elemento fundamental
para a atividade sociológica. Com sua abordagem de narrativas biográ-
ficas, Gabriele Rosenthal parte do pressuposto, com Alfred Schütz, que
indivíduos têm passado, presente e agem igualmente em consideração ao
futuro, enfim, constroem uma biografia e, ao mesmo tempo, um discurso
sobre sua experiência biográfica. Partindo desse pressuposto, seu rigor
metodológico, tanto no processo de produção dos “dados” – a apresentação
biográfica – quanto no processo de análise desses discursos biográficos,
permite-nos obter acesso a aspectos da realidade social que de outra ma-
neira nos escaparia. Esse procedimento metodológico tem sido adotado por
pesquisadores em diversos países e tem sido responsável por incrementar
o conhecimento que se tem da realidade.
A publicação desta obra, baseada em muitos anos de pesquisa empírica e
reflexão metodológica, deverá contribuir para preencher importantes lacunas
na formação de sociólogos no Brasil, assim como para orientar pesquisas
na sociologia e em disciplinas afins que se valem de narrativas biográficas.

Hermílio Santos
Göttingen, junho de 2014

13
PREFÁCIO

Esta obra, resultado de anos de trabalho, teve origem no meu curso


“Introdução à pesquisa social qualitativa”, ministrado no Centro de Métodos
em Ciências Sociais da Georg-August-Universität Göttingen, Alemanha.
Ali, sempre busquei estabelecer relações entre o conteúdo do curso e os
temas abordados nas aulas introdutórias de pesquisa social quantitativa
do meu colega Steffen Kühnel. Graças a esse diálogo, pude perceber que
a distância entre ambos os paradigmas – tanto com relação à forma de
pensar o método quanto no que diz respeito à prática da pesquisa empí-
rica – é mais facilmente superável do que supunha.
Agradeço a todos aqueles que participaram dos meus cursos, sobretudo
pelas questões levantadas e também pelos trabalhos finais apresentados,
os quais me fizeram voltar ao manuscrito repetidas vezes, sempre na
busca por satisfazer ao princípio da clareza e, ao mesmo tempo, do rigor.
O trabalho, porém, ainda não está concluído. Ainda me deparo, durante a
correção de provas e trabalhos finais, com a repetição de ideias às vezes
distantes daquelas que eu a princípio buscava fixar. Para a publicação,
fui obrigada, porém, a dar ao manuscrito um ponto final.
Agradeço a Klaus Hurrelmann, por ter me solicitado a elaboração deste
volume e por sua generosidade ao me conceder tempo mais que suficiente
para o desenvolvimento do texto final.
Aos colegas Anne Blezinger, Dorothea Boldt-Jaremko, Anke Fesenfeld,
Markus Gerdiken, Tobias Moosbach, Christine Müller, Viola Stephan,
Carla Wesselmann, Nicole Witte e Rixta Wundrak sou profundamente
grata pelas sugestões e comentários críticos de alguns capítulos e pelas
correções na última fase de elaboração. Agradeço a Susanne Litzka pela
revisão final do volume.
Sou grata também a todos os participantes das oficinas de pesquisa
que organizamos nos últimos anos. Orientando seus trabalhos empíricos,
tive com alguma frequência que enfrentar alguns dilemas, como: quando
pode ser útil lhes oferecer uma fórmula pronta para a pesquisa? A partir
de que momento isso representaria um obstáculo à criatividade científica
ou a enxergar particularidades de cada objeto? Ao me ocupar com seus

15
estudos, e em especial na interpretação conjunta dos materiais empíricos,
não apenas entrei em contato com mundos da vida bastante diversos, mas
certamente aprendi mais sobre metodologia do que imaginava ser possível.
Um agradecimento especial a Bettina Völter, pelo diálogo já de anos
sobre questões teóricas e de método – assim como por sua crítica constru-
tiva das minhas reflexões sobre análise de discurso –, e outro a Michaela
Köttig, não apenas pelo estímulo gerado na didática conjunta e pelas dis-
cussões sobre seu trabalho empírico e seu ensino engajado, mas também
por ter me possibilitado, como minha assistente no recém-fundado – e
ainda em construção – Centro de Métodos, que encontrasse tempo e base
emocional para escrever este livro. Artur Bogner, com sua sofisticada
perspectiva teórica, chamou minha atenção para algumas inconsistências
e, sobretudo, imprecisões, além de ter motivado alguns ajustes. Por esses
e outros apoios, meus sinceros agradecimentos.

Berlim, março de 2005


Gabriele Rosenthal

16
INTRODUÇÃO

Os leitores poderão se perguntar: mas para que mais um livro sobre


métodos qualitativos? De fato, o número de publicações nesse campo
cresceu bastante nos últimos 20 anos. Hoje já é possível encontrar vários
volumes e monografias trazendo interessantes panoramas dos diversos
procedimentos qualitativos, explicando seus princípios de pesquisa e seus
fundamentos teóricos e epistemológicos mais importantes.2 Por essa razão,
meu objetivo aqui é menos apresentar uma visão geral sobre os vários
procedimentos e tradições do que atentar diretamente para os métodos de
análise e levantamento de dados do paradigma interpretativo (ver Cap. 2)
que seguem uma lógica da descoberta de hipóteses e teorias desenvolvidas
a partir do objeto investigado.3 Com base na minha própria experiência em
pesquisa social qualitativa e no ensino desses métodos – seja orientando
trabalhos ou lecionando –, meu interesse, aqui, está voltado sobretudo à
sua aplicação prática e aos problemas concretos do cotidiano de pesquisas
empíricas. Pretendo falar, nesse contexto, das exigências e das crises que
costumam surgir com a abordagem de um objeto específico ou entre os
envolvidos no estudo (seja o pesquisador, seja o indivíduo “a investigar”).
O que busco é oferecer, com uma discussão sobre os diferentes métodos
de análise e levantamento de dados, uma espécie de “roteiro aberto” para
a pesquisa empírica, o que implica ter que lidar com o seguinte dilema: se
por um lado necessitamos de certas regras e determinados instrumentos
para a pesquisa, isso pode representar, por outro lado, sério empecilho
para um envolvimento menos restritivo com o objeto de pesquisa e para
uma eventual necessidade de trocar os instrumentos ou os procedimentos

2
Das publicações recentes sobre métodos que buscam satisfazer a esse interesse, pode-
mos citar: Bohnsack (2003); Flick et al. (2000); Hitzler e Honer (1997); e Schröer (1994). Os
dois volumes de Lamnek (1988; 1989) trazem, por seu lado, uma pesquisa social que em parte
ainda se orienta pelos critérios do procedimento quantitativo.

3
Glaser e Strauss (1979) apontam para as diferenças entre teorias que partem do objeto,
as que dizem respeito a um campo de estudos específico – que abordam por exemplo a assis-
tência a doentes – e as teorias formais, essas desenvolvidas a partir das primeiras e que se
caracterizam por um alto grau de generalização.

17
de investigação durante o trabalho. Uma “fórmula”, por exemplo, para a
realização de entrevistas – como o modo narrativo – ou então para o acesso
a determinado campo – através de um anúncio em um jornal, por exem-
plo – pode se mostrar bastante eficaz neste ou naquele estudo, mas, em
outro, uma medida contraprodutiva. Espero conseguir, ao longo da minha
exposição, mostrar a necessidade de uma aplicação flexível e criativa de
certos instrumentos e, assim, encorajar a realização de pesquisas pouco
comprometidas com um esquema fixo de regras, mas, antes, atentas às
especificidades dos cotidianos que queremos investigar.
Por causa da minha formação sociológica, raramente abandono o âm-
bito da minha disciplina ao falar da metodologia, da história da pesquisa
interpretativa e de suas proposições teóricas fundamentais. Os métodos
por mim apresentados, tanto para o levantamento quanto para a análise
de dados – sempre que se trate da pesquisa de fenômenos sociais –, não
estão vinculados, porém, a uma ou outra área do saber. As regras para um
levantamento de dados realizado de acordo com o princípio da abertura
(ver subcapítulo 2.4), isto é, para uma entrevista aberta ou para uma ob-
servação participante, são as mesmas para um sociólogo, para um etnólogo,
psicólogo, para um historiador e para um pedagogo. Da mesma forma, os
princípios que regulam uma análise sequencial e reconstrutiva – seja para
a análise de transcrições de entrevistas, de registros audiovisuais ou de
protocolos de observação – não são restritos a uma disciplina específica.
No que diz respeito à reconstrução de casos – diferente dos procedimentos
que tomam hipóteses como referência e dos voltados à análise de conteú-
do –, essas disciplinas só tomam seu rumo próprio depois que o processo
de reconstrução esteja concluído, isto é, quando se trata de desenvolver
teorias e realizar outras generalizações teóricas.

18
1

PESQUISA SOCIAL QUALITATIVA


E INTERPRETATIVA

1.1 O QUE PODEMOS ENTENDER POR PESQUISA


SOCIAL QUALITATIVA?

Toda tentativa de responder claramente à pergunta sobre o que deve


ser compreendido por pesquisa social qualitativa acabaria por ignorar
a variedade e as diferenças entre os procedimentos qualitativos. Nesse
campo, ao contrário do que ocorre com os métodos quantitativos, estamos
relativamente distantes de encontrar um entendimento comum, seja com
relação ao modo de proceder da investigação qualitativa, seja com respeito
às concepções metodológicas que o fundamentam. A denominação “métodos
qualitativos” compreende variados modos de levantamento e análise, assim
como posições bastante diversas quanto às bases teóricas. Entretanto, é
possível distinguir entre aqueles métodos que, em suas regras e critérios,
ainda se orientam segundo a lógica quantitativa – que busca generalização
estatística –, e os procedimentos qualitativos que, em suas teorizações e
interpretações, não estão fundamentalmente preocupados em identificar
a frequência da ocorrência de determinados fenômenos sociais, mas que
tomam por base uma lógica da generalização realizada a partir do caso
particular (seja esse caso uma determinada biografia, uma instituição ou
meio específico) ou – com a mesma pretensão generalizante – uma lógica
da descrição microscópica ou densa (GEERTZ, 1983, p. 37), do domínio do
mundo cotidiano que configura objeto de interesse. A lógica da genera-
lização, assim como a lógica da descoberta e da verificação de hipóteses
alcançadas ao longo da investigação do caso particular, conta com regras
e critérios diferentes dos da pesquisa quantitativa, na qual o que está em
jogo é o exame de hipóteses já disponíveis e a padronização de instru-
mentos metodológicos. Em sentido estrito, à pesquisa social qualitativa
corresponde uma lógica de descobrir, isto é, de gerar hipóteses e teorias

19
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

sobre o objeto em questão, e isso ao longo do processo mesmo de inves-


tigação; a ela corresponde uma lógica contrária, ou seja, a apresentação
de hipóteses logo no início da pesquisa. Daí o pressuposto de abertura do
procedimento: ao invés de se chegar a uma padronização dos instrumentos,
alcança-se um modo de proceder que orienta observações ou entrevistas
– seja em entrevistas individuais, seja em discussões em grupo – pelas
especificidades e relevâncias dos próprios entrevistados ou observados,
dando-lhes maior espaço possível para a configuração da situação.
Assim, considerando o horizonte dos estudos qualitativos, é possível
diferenciar entre interpretações que se referem à frequência de ocorrên-
cia conjunta de fenômenos sociais e aquelas voltadas à reconstrução de
relações causais a partir de caso concreto; entre aqueles que seguem uma
lógica da verificação e os comprometidos com a descoberta de hipóteses;
e identificar se seus instrumentos de levantamento e análise oferecem
abertura ou não.

CRITÉRIOS PARA A DIFERENCIAÇÃO DOS TIPOS DE


ESTUDOS QUALITATIVOS

• As interpretações têm por base a frequência de surgimento


de fenômenos sociais ou a reconstrução de relações causais a
partir do caso concreto.

• Lógica da verificação ou lógica da descoberta de hipóteses e


teorias.

• O grau de abertura dos procedimentos de levantamento e de


análise.

Ao observarmos o desenvolvimento de determinadas investigações, é


possível perceber que um grande número de pesquisas qualitativas oscila
entre os dois polos. Agindo assim, o investigador pretende, de um lado,
aproveitar as vantagens das análises qualitativas, e, de outro, satisfazer
critérios da pesquisa social quantitativa. Por conta dessa diversidade e
de outras diferenças de fato marcantes, aqueles que defendem uma lógica
rigorosa de pesquisa reconstrutiva e interpretativa – representantes de
tradições da ciência social compreensiva como o interacionismo simbó-
lico, a sociologia do conhecimento de orientação fenomenológica ou a

20
GABRIELE ROSENTHAL

etnometodologia – preferem, com o intuito de deixar clara sua posição


e para diferenciá-la de outros métodos, utilizar outras denominações
que não a de métodos qualitativos. Alguns se referem, assim, à pesquisa
social comunicativa (Fritz Schütze) ou reconstrutiva (Ralf Bohnsack),
enquanto outros defendem a ideia de uma hermenêutica sociológica ou
uma sociologia do conhecimento (Hans-Georg Soeffner, 1989; Ronald
Hitzler e Anne Honer, 1997; Jo Reichertz e Norbert Schröer, 1994), ou
utilizam o termo pesquisa social interpretativa, buscando assim unificar
as diferentes correntes (SCHRÖER, 1994). A essa perspectiva pertencem
a teoria fundamentada (grounded theory) – na tradição de Barney Glaser e
Anselm Strauss (1967) –, a hermenêutica objetiva, desenvolvida por Ulrich
Oevermann, assim como as abordagens de pesquisa etnometodológica da
corrente de Harold Garfinkel (1986) e Aaron Cicourel (1970) e da análise
etnometodológica de entrevistas (Harvey Sacks, 1992; Jörg Bergmann,
1994; 2000). A denominação “pesquisa social interpretativa ou métodos
interpretativos”, a qual passarei a utilizar a seguir, remonta à diferen-
ciação introduzida por Thomas Wilson (1970; 1973) entre os paradigmas
normativo e interpretativo. De acordo com Wilson, enquanto os defensores
do paradigma normativo compreendem o indivíduo como organismo que
reage a um sistema simbólico compartilhado, o paradigma interpretativo
concebe o sujeito como organismo agente e conhecedor, de modo que o
indivíduo não surge como contraposto ao mundo, reagindo a ele, mas,
antes, como produtor da realidade social a partir da interação com seus
pares. Significados formam-se, assim, sequencialmente em processos inte-
rativos e se modificam continuamente. No próximo capítulo (2), abordarei
detalhadamente essa ideia da construção histórica e social de realidade(s)
(BERGER; LUCKMANN, 1969; SOEFFNER, 1989) e as implicações meto-
dológicas dela(s) resultantes.1
Comum às diversas correntes da pesquisa social qualitativa é a forma
com que o investigador, com o auxílio de procedimentos assim chamados
“abertos”, aproxima-se, em diferentes graus, da realidade social – ao
contrário do que ocorre na pesquisa quantitativa. Diferente do experi-
mento sociológico, da observação padronizada ou do questionário, tais
procedimentos podem oferecer ao participante do estudo ou entrevistado
a possibilidade de moldar a situação e os processos comunicativos (HOPF,

1
Nisso, e não na distinção entre quantitativo e qualitativo (BOHNSACK, 1991; SOEFFNER,
1989), consiste a diferença entre os vários métodos de pesquisa das Ciências Sociais.

21
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

1979, p. 14). A essas formas de levantamento pertencem diversas modali-


dades da entrevista aberta, assim como pesquisas de campo nas quais se
trabalha sobretudo com observação participante, gravações em áudio ou
em vídeo de situações cotidianas, entrevistas em grupo ou também entre
familiares. Todos esses procedimentos têm por objetivo investigar práticas
da ação social na complexidade do dia a dia e apreender o mundo a partir
da perspectiva dos agentes no cotidiano, não do ponto de vista do cientista
social.2 Os métodos de levantamento e também de análise devem permitir
descobrir o modo como o indivíduo interpreta e produz seu mundo em
processos interativos. Nesse contexto, não se trata apenas de chegar às
perspectivas e aos estoques de conhecimento dos atores que lhe são cons-
cientemente acessíveis, mas também de analisar o conhecimento implícito,
a produção interativa de significados para além das intenções dos agentes.
Uma aplicação sistemática do princípio da abertura no levantamento
e na análise será analisada mais adiante, nos subcapítulos 2.4 e 2.5. Por
ora pode-se dizer que, no começo de um estudo empírico, o problema que
fundamenta a pesquisa ainda não se encontra claramente determinado, e
que nenhuma hipótese deve ser formulada de antemão.3 Tem-se de início,
ao contrário, um interesse ainda vago em determinado fenômeno social,
em determinado meio ou contexto. É esse interesse vago, entretanto, que
definirá já no início da pesquisa a forma de abordar os fenômenos e, com
ela, o procedimento metodológico. De acordo com Anselm Strauss e Juliet
Corbin (1996, p. 23), com essa abertura no começo da pesquisa o que se
busca é apenas determinar “o que se pretende saber sobre o objeto de
investigação e o tema-chave que se pretende investigar”. Por exemplo, o
tema “idade” pode ser abordado a partir de diversas perspectivas: caso
queiramos investigar o modo como os mais velhos vivenciam o processo de
envelhecimento, assim como o fato de ser uma pessoa velha, podemos tomar
como método de levantamento uma entrevista aberta ou talvez também
uma entrevista em grupo – com isso, torna-se possível aos participantes
do estudo, em conversa com os pesquisadores, expor suas perspectivas e

2
Sobre as diferenças e semelhanças entre mundo cotidiano e mundo das ciências, ver:
Alfred Schütz (1971a; 1971b).

3
Sempre que, nesse estágio, as hipóteses puderem ser discutidas pelos membros do gru-
po de pesquisa, isso servirá para torná-los conscientes dos pressupostos científicos e cotidianos
envolvidos na investigação, mas também para estabelecer um distanciamento crítico, reflexivo
dos primeiros com relação aos últimos.

22
GABRIELE ROSENTHAL

suas experiências enquanto apresentam suas próprias relevâncias –, ao


passo que em uma discussão em grupo4 é possível não apenas vivenciar a
interação entre essas pessoas, mas também observar as representações
que consensualmente se consolidam e aquelas que acabam sendo relegadas
à margem. Uma entrevista com uma família poderia também nos informar
sobre as estruturas de interação entre gerações.5 Por outro lado, caso es-
tejamos interessados a princípio nos processos interacionais entre pessoas
mais velhas ou mais jovens em suas relações cotidianas – por exemplo, no
modo com que jovens, em diferentes situações, se comportam na presença
dos mais velhos –, podemos optar como meio de acesso a observação par-
ticipante ou o registro audiovisual de situações “naturais” cotidianas6, os
quais também se mostram úteis quando a realidade social de um asilo, por
exemplo, configura o objeto de interesse. Aqui, o recurso de entrevistas
está, assim, relacionado a um interesse pela perspectiva dos idosos, por
sua vivência, por suas experiências e por seu conhecimento e ação; e, no
caso da entrevista biográfica, também a um interesse na gênese de suas
perspectivas e no histórico de vivência do processo mesmo de envelhe-
cimento. A observação participante e a análise de situações do dia a dia
documentadas em vídeo têm como foco, por sua vez, a reconstrução da
vida cotidiana de idosos em seus contextos interativos. Caso se pretenda
pesquisar, do contrário, o modo com que o fenômeno da velhice aparece
no discurso público, médico, nas diferentes formas de discurso midiático
ou de determinadas organizações sociais, pode-se optar pela análise tex-
tual para cada um desses contextos. A análise de discurso seria de grande
ajuda para responder à pergunta sobre a origem do fenômeno “velhice”
enquanto fenômeno social, a partir da investigação do modo com que o
mesmo surge, da maneira como se fala sobre ele, a partir também da
identificação de quem fala sobre o fenômeno (ver subcapítulo 7.4).
No entanto, por terem vários elementos em comum, tais procedimen-
tos não são facilmente discerníveis uns dos outros. Por exemplo, a fim de

4
Na Alemanha, o método da discussão em grupo foi desenvolvido sobretudo por Ralf
Bohnsack, autor de manuais bastante instrutivos tanto sobre levantamento como também sobre
análise (BOHNSACK, 2003). Sobre a história da discussão em grupo, ver: Bohnsack (1997).

5
Sobre a análise desse tipo de discussão, ver: Angela Keppler (1994).

6
Sobre o procedimento da análise sequencial de vídeo, ver Witte e Rosenthal (2007). Para
uma análise dos assim denominados dados “naturais”, ver os textos publicados em Schröer
(1994).

23
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

reunir mais informações a respeito do entendimento e das perspectivas


dos atores na pesquisa de campo, entrevistas e pequenas conversas podem
ser desenvolvidas em conjunto com a observação participante. No levan-
tamento por meio de entrevistas – com frequência realizadas em contexto
familiar aos entrevistados, ao qual os entrevistadores também se fami-
liarizam –, é aconselhável a produção de notas de campo, em geral sobre
o modo com que o contato foi estabelecido, sobre o histórico do encontro
com os entrevistados e sobre as particularidades de seu mundo da vida.
Na análise do material, reconstruímos o histórico interativo dos entre-
vistados, analisamos os processos de interação com os entrevistadores e
com outros que, eventualmente, surjam na conversa com os participantes
do estudo, como cônjuges, amigos ou filhos. Considerar as perspectivas
e os estoques de conhecimento subjetivos a partir dos discursos em que
surgem ou se modificam exige, da mesma forma, uma avaliação sistemática
das entrevistas em seus aspectos sociais.
Este livro trata principalmente de apresentar os métodos da obser-
vação participante (capítulo 4), da entrevista aberta (capítulo 5) e da re-
construção biográfica de caso (subcapítulo 6.2). Com relação à pesquisa
de campo, abordaremos as modalidades mais importantes da observação
participante e das formas abertas de realização de entrevistas, em especial
da entrevista narrativa (subcapítulo 5.4). Em vista da enorme variedade
de métodos de avaliação e análise, irei me concentrar nos procedimentos
sequenciais e reconstrutivos (subcapítulos 2.5 e 6.2) e em outros por meio
dos quais é possível analisar todo tipo de dados – protocolos de observações
participantes, gravações em áudio e em vídeo de situações cotidianas,
transcrições de entrevistas, assim como textos disponíveis referentes aos
mais variados contextos discursivos.
A fim de tornar clara, por um lado, a especificidade dos procedimentos
interpretativos frente a outros métodos qualitativos, e, por outro, com o intuito
de expor o alcance dos diferentes modos de proceder, também abordarei
métodos que não satisfazem princípios de sequencialidade e reconstrução
(subcapítulos 7.1 e 7.3). Refiro-me, sobretudo, aos diferentes procedimentos
da análise qualitativa de conteúdo, ao qual pertence por princípio, a meu
ver, também à codificação da teoria fundamentada (grounded theory). Esses
procedimentos, ao contrário do sequencial e reconstrutivo, estruturam o
material textual com a ajuda de categorias gerais. Isso significa que o texto
é reorganizado e classificado, isto é, reordenado segundo critérios do pes-
quisador. Em contrapartida, no procedimento reconstrutivo e sequencial,

24
GABRIELE ROSENTHAL

toma-se justamente a estrutura temporal ou forma sequencial do texto


como base para a interpretação. A composição do material é reconstruída
e, cada sequência específica, considerada em sua inserção na forma geral.
Dessa maneira, torna-se possível apreender o conteúdo não apenas mani-
festo – como ocorre na análise de conteúdo –, mas também latente, as “en-
trelinhas”. O objetivo do procedimento interpretativo consiste justamente
em – metodicamente monitorado e de forma clara – partir da superfície do
texto até seus estratos de sentido e de significado mais profundos e, em
princípio, ocultos (HITZLER; HONER, 1997, p. 23).

1.2 O QUE A PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA PODE OFERECER?

Investigação do novo e do desconhecido

Diante da questão sobre as possibilidades da pesquisa social qualitati-


va (e interpretativa em sentido estrito) em comparação com a perspectiva
quantitativa, predomina de início o consenso de que com a primeira é
possível, em especial, investigar fenômenos desconhecidos ou mundos da
vida ainda pouco analisados. Quando não se possui conhecimento sobre
o mundo social investigado ou quando não se dispõe de qualquer con-
ceito teórico em relação a determinados fenômenos sociais, dificilmente
chega-se à elaboração de uma pesquisa quantitativa. Para desenvolver
instrumentos-padrão, como um questionário adequado ou um sistema
de observação, o procedimento quantitativo pressupõe determinados
conceitos teóricos e hipóteses deduzidas a partir deles. Também é im-
possível elaborar um questionário adequado quando desconhecemos o
mundo da vida em questão e sobretudo seus jogos de linguagem próprios.
Caso tenhamos em vista realizar uma investigação quantitativa, essa
implicará um estudo qualitativo prévio ou piloto. Entrevistas abertas
poderão, assim, ser úteis na elaboração de um questionário em estado
mais avançado da pesquisa. Isso contribuiria, em princípio, para que
o uso de métodos qualitativos se firmasse como fase inicial de estudos
quantitativos. No entanto, os defensores da pesquisa social qualitativa –
da interpretativa em especial – não pretendem reduzi-la a esse papel; e
mesmo com relação a alguns objetos de investigação parece fazer mais
sentido optar pelo procedimento inverso, ou seja, realizar primeiro uma
abordagem quantitativa e em seguida abordar o problema de maneira
qualitativa. A pesquisa social quantitativa nos permite chamar a aten-

25
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

ção para o desenvolvimento de tendências, para fenômenos frequentes


ou mesmo raros – de difícil análise ulterior. Métodos interpretativos
possibilitam lançar outro olhar sobre esses fenômenos, reconstruir as
correlações e os sentidos latentes de casos concretos particulares.

Apreensão do sentido subjetivamente visado e a reconstrução


do sentido latente

Fica claro, assim, com base nessas observações, quais são os principais
objetivos da pesquisa social interpretativa: a reconstituição do sentido
subjetivamente visado e a reconstrução do sentido latente e, com isso, do
conhecimento implícito que o acompanha – relativo aos atores no mundo
social. Por sentido subjetivamente visado não se deve compreender proces-
sos privados ou psíquicos internos; pelo contrário, os atores do cotidiano
atribuem significados a suas ações e à realidade social a partir da apro-
priação de estoques de conhecimento social ao longo da socialização. Além
da reconstrução desses estoques de saber – formados e constantemente
modificados na socialização – e do significado conscientemente intencionado
de uma ação (como também de um ato de fala), a interpretação de um texto
visa à reconstrução de seu significado social geral. Além da reconstrução
desse estoque de conhecimento que se constitui e se transforma de maneira
consciente ao longo da socialização e do significado intencionado de uma
ação consciente (como também de um ato de fala), a interpretação de um
texto procura reconstruir o significado social do texto. Por texto compre-
endem-se trechos de entrevista, artigos de jornal, registros audiovisuais
de situações cotidianas ou então protocolos de observação. Trata-se de um
conceito bastante amplo e que se refere a todas as formas de expressão
produzidas na interação social e que são protocoladas de algum modo.
Para além das intenções do produtor, o texto representa uma realidade
autônoma a ser interpretada. Paul Ricoeur (1972, p. 257), cujos trabalhos
também influenciariam profundamente o método da hermenêutica objetiva,
descreve a realidade autônoma do texto da seguinte forma:

O destino do texto escapa completamente ao horizonte de vida


– limitado – de um autor. O que o texto expressa vai além do
que aquilo que seu autor pretendia expressar, e toda exegese
desenvolve-se em um campo de significados que perdeu toda
ligação com a psique de quem o originou.

26
GABRIELE ROSENTHAL

A “objetividade de um texto”, e com ela a possibilidade de explicá-lo,


resulta, a princípio, de acordo com Ricoeur (1972, p. 268), da fixação do
conteúdo de sentido, mas também de uma diferenciação entre sentido
intencionado e sentido latente, do desenvolvimento das relações não
intencionadas – chamadas por ele também de não ostentativas – e da
“quantidade ilimitada de destinatários”.
Por conteúdo latente de sentido ou significado objetivo de um texto
(OEVERMANN, 1979, entre outras de suas obras) não se compreende ape-
nas aquilo que – por conta do mecanismo de defesa psíquico do falante ou
escritor – não lhe é consciente. Em termos de sentido, produzimos muito
mais do que a situação de ação ou fala nos é acessível, e isso por causa dos
estoques de conhecimento implícitos e mantidos à margem na realidade
social, por ação de ideologias e mitos vigentes (no sentido de um inconsciente
social) nos vários contextos sociais e nos diferentes períodos históricos, e
por causa das influências que se exercem sobre cada ação em particular
(OEVERMANN, 1979, p. 384). Como mostra claramente Michael Polany
(1966; 1985) em sua análise do conhecimento implícito, nosso conhecimen-
to é sempre muito maior do que o conhecimento que podemos expressar:

Tomemos um exemplo. Podemos reconhecer um rosto dentro


de um universo de milhares, talvez até mesmo de um milhão.
Apesar disso, não sabemos dizer como é possível que reconhe-
çamos uma face familiar. Um conhecimento desse tipo não é
traduzido em palavras (POLANY, 1985, p. 14).

Mesmo que a pesquisa social interpretativa, com seus métodos de


produção e de interpretação textual, seja especialmente útil para a tarefa
de reconstruir o sentido latente, ela ainda está sujeita a certas limitações.
A diferença entre o conscientemente intencionado e o significado objetivo
vale também para a ação e o conhecimento disponíveis ao pesquisador.
De fato, a correlação entre ambos – não no momento do agir, mas, sim, na
reflexão sobre a ação ocorrida – é a princípio possível; porém, os pesqui-
sadores também se encontram submetidos às condições que possibilitam
a diferenciação. Conhecimento implícito, por exemplo, também influencia
na atividade do pesquisador, e pode ser que jamais seja objeto de reflexão
ou mesmo que se torne consciente por completo. Sem notar, o pesquisador
também aplica conhecimento adquirido por hábito. Distúrbios no curso
da atividade apontam com frequência para a necessidade de se utilizar a
intuição, para a necessidade de permanente reflexão. Por exemplo, certa

27
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

vez, durante uma entrevista com uma deficiente visual, pude perceber
como expressava minha atenção mais por meio do olhar do que com sinais
acústicos. Também quando comecei a realizar entrevistas para um proje-
to de pesquisa sobre famílias constituídas por pessoas de três gerações
(ROSENTHAL, 1997), estava de fato consciente – na condução da entrevista
não havia enfrentado grandes problemas – de que utilizava determinadas
técnicas adquiridas ao longo da minha formação e da minha prática em
consultoria pedagógica, mas de início me pareceu bastante complicado
explicar aos colegas do projeto como procedia nessas entrevistas. Antes
mesmo que as transcrições da conversa gravada estivessem prontas – as
quais esclareceriam meu procedimento –, tornou-se evidente, através de
observações feitas pelos colegas que participaram das entrevistas, que eu
aplicava, quase de forma automática, sempre a mesma técnica de fazer com
que os membros da família se posicionassem em relação a declarações de
seus parentes e que também trocassem mutuamente de papéis. Pode-se
dizer que essa técnica, a qual havia desenvolvido vários anos antes – de
forma consciente e, por sinal, trabalhosa –, tinha se tornado rotina não
consciente. Com relação à pesquisa social interpretativa, podemos, de fato,
afirmar ser possível analisar muitas dessas ações rotinizadas dos pesqui-
sadores e também seus efeitos na interação com os entrevistados, com a
ajuda de registros em áudio e vídeo e dos nossos sistemas de anotação. Mas
a busca por revelar todo o conhecimento implícito ou habitual não apenas
acabaria por exigir demais, como também tornaria impossível a conclusão
de projetos empíricos. Além disso, por conta da nossa socialização em um
contexto histórico e social específico e do inconsciente social que age sobre
nós pesquisadores, determinados conteúdos de sentido, de forma seme-
lhante como ocorre no cotidiano, não se oferecem à interpretação textual.
Por essa razão que, na atualidade da situação histórica, não temos acesso
a significados que são apenas exploráveis a posteriori, tendo em vista que
estão baseados em estoques de conhecimento social amplos (RITSERT,
1972, p. 41-42). Tal como, a título de exemplo, os cidadãos da República
Democrática Alemã, que, após a queda do muro e os acontecimentos de
1989, enxergam o período anterior de maneira bastante particular e, com
base no conhecimento adquirido desde então, atribuem a determinadas
vivências novos significados, também ocorrem, na análise social, reinter-
pretações do tipo, isto é, são descobertos novos modos de leitura.
A interpretação científica – à exceção, porém, das atitudes do pesquisa-
dor em uma entrevista ou durante uma observação participante – difere-se

28
GABRIELE ROSENTHAL

das interpretações cotidianas por conta de uma maior independência com


relação às exigências impostas pela ação. Enquanto intérpretes textuais,
não precisamos reagir de imediato ao comentário do interlocutor, ou,
quando seguindo a formação de uma sequência textual, tampouco temos
que continuar participando dela, seja essa sequência uma comunicação
escrita ou falada. Podemos registrar o significado e, caso necessário, re-
fletir por mais tempo sobre as diversas possibilidades do sentido de uma
expressão ou debatê-las com outros pesquisadores.

Descrição de ações e de contextos sociais

Por não estarem atados à exigência de representatividade dos seus re-


sultados, os estudos qualitativos, diferentemente dos métodos quantitativos,
podem se concentrar de forma mais detalhada em determinados domínios
do mundo cotidiano. A exploração de mundos da vida desconhecidos ou
“causadores de estranhamento” – tal como realizada pela antropologia na
investigação de culturas ou pela análise socioetnográfica ou fenomeno-
logicamente orientada de contextos sociais ou de mundos da vida – tem
por objetivo, em especial, descrições microscopicamente detalhadas. Na
etnografia sociológica (HIRSCHAUER; AMANN, 1997) ou na etnografia
do mundo da vida (como representada na Alemanha por Ronald Hitzler,
Anne Honer ou Hubert Knoblauch), o sociólogo toma seu mundo da vida
relativamente mais próximo como algo de tal forma desconhecido e pou-
co familiar “que parece se tratar de visões de mundo, usos e costumes
‘exóticos’” (HITZLER; HONER, 1997, p. 13). A tarefa do cientista social
consiste, segundo Anne Honer (1994, p. 87), “não em explicar estados
de coisas, mas, antes, em descrever ‘settings’ originais, e isso a partir
da reflexão sobre suas próprias interpretações do dia a dia, para assim
compreender ‘explicações’ e agir cotidianos”. Porém, isso não significa
que descrições sejam totalmente desprovidas de teoria (HOPF, 1979, p.
17) ou que não se pretenda gerar teorias a partir de descrições detalha-
das. Clifford Geertz (1983, p. 29) considera o etnógrafo um observador,
um analista e documentarista, e vê na descrição etnográfica uma tarefa
sobretudo de interpretação. Geertz (1983, p. 30) também defende a tese
segundo a qual o etnógrafo, da mesma forma, visa interpretar contextos
mais amplos, como o social, mas “que, comumente, o chega a essas análises
abstratas e a essas amplas interpretações por conta de um conhecimento
muito intenso de elementos bastante simples”. A partir de uma descrição

29
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

densa do caso particular, busca-se chegar, também de acordo com essa


perspectiva, afirma Geertz, a “conclusões amplamente válidas e, por meio
de uma caracterização precisa desses fatos no interior de cada um de seus
contextos, a julgamentos sobre o papel da cultura na estrutura da vida
coletiva em geral” (p. 40).

Reconstrução da complexidade das estruturas de ação a partir do


caso particular

Em um procedimento interpretativo, é ao buscar vislumbrar em suas


especificidades o caso particular ou um domínio isolado do mundo cotidiano
que se passa da descrição detalhada de casos concretos para a descoberta
de correlações. Diferente de procedimentos quantitativos, que, a partir
da análise da ocorrência conjunta de variáveis, considerando diferentes
casos, identifica relações entre esses elementos (demonstradas também
estatisticamente), busca-se, aqui, mostrar como correlações em fenôme-
nos específicos se formam. “Em cada cenário, a interação entre todas
as variáveis e condições relevantes assume centralidade [...] e busca-se
reconstruí-la em sua complexidade, sucessivamente” (OEVERMANN et
al., 1975, p. 14). Não se trata de tomar emprestado das ciências naturais
o modelo de investigação de nexos causais lineares, mas, sim, de tentar
reconstruir relações de efeitos recíprocos de cada componente em parti-
cular. A partir de análises sequenciais (ver subcapítulo 2.5.4) é possível
reconstruir os processos de formação de fenômenos sociais, enquanto que
investigações quantitativas apreendem apenas os resultados de processos
(KÖCKEIS-STANGL, 1980, p. 353).
Enquanto que um estudo quantitativo buscaria apontar ou negar, a
título de exemplo, uma tendência ao comportamento violento em grupos de
jovens de extrema-direita, um estudo interpretativo poderia se preocupar
em responder às seguintes questões:
• É possível reconhecer, no caso particular concreto, uma relação
entre violência e uma postura política de direita?

• Como se forma essa correlação?

• É possível reconstruir diferentes padrões de correlação presen-


tes em diferentes casos?

Com a reconstrução empírica de casos particulares é de fato possível


demonstrar quando há correlação em um caso e quando em outro caso

30
GABRIELE ROSENTHAL

a postura política de direita e a tendência a agir violentamente não se


implicam mutuamente; da mesma forma, podemos descobrir, a partir
da reconstrução, os mais diversos padrões e as mais variadas bases do
surgimento de tais relações. Uma relação entre dois ou mais fenômenos
simultaneamente gerados pode, em alguns casos, existir, enquanto que, em
outros, não; além disso, uma relação existente pode em casos diferentes
assumir formas bastante diversas.
As conclusões de uma reconstrução biográfica apresentadas por
Michaela Köttig (2004) são bastante úteis para esclarecer essa relação.
Trata-se, em seu estudo, do caso de uma jovem de extrema-direita que
defende a violência contra aqueles que se declaram inimigos do grupo e
que admira todo tipo de sacrifício em combate. A reconstrução do caso
mostra claramente uma ligação entre a violência exercida por seus pais
sobre ela na infância e a identificação da jovem com seu avô. O avô exalta
a morte durante a Segunda Guerra Mundial e transmite essa admiração à
sua neta. Pode-se também afirmar: a possibilidade de extravasar através
do grupo a violência sofrida durante a infância faz com que a visão de
mundo do avô e o passado transmitido à jovem assuma para ela relevância
biográfica. Dito de uma forma geral, a reconstrução desse caso mostra que
o engajamento no movimento de extrema-direita em questão e a violência
ali praticada são condicionados pelas próprias experiências de vida – como
a vivência de coerção e a existência de um ambiente extremista dominante
– e também pela identificação com o avô. São diversos componentes que,
aqui, atuando em conjunto, condicionam a busca pela participação no mo-
vimento de extrema-direita. Contudo, não é possível chegar, a partir dessa
análise, a afirmações como: “experiências violentas na infância levam a um
posicionamento político de direita”. Trata-se, antes, para além desse caso
e ao mesmo tempo baseado em sua análise, de uma hipótese mais geral,
segundo a qual o tipo de estrutura biográfica e familiar cria condições
propícias para o engajamento no movimento de extrema-direita ao atuar
conjuntamente com os elementos “comportamento violento dos pais”, “um
avô alinhado a ideias fundamentais da visão de mundo direitista e que
atua como substituto na identificação com o elemento maternal e paternal”
e “socialização em um ambiente juvenil predominantemente de direita”.
Na pesquisa biográfica (ver Capítulo 6), tem-se por objetivo sobretudo a
reconstrução da trajetória da história de vida que conduziria a essa orien-
tação. Segundo Bettina Dausien (1999, p. 228), por exemplo, a pesquisa

31
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

biográfica consiste em uma “abordagem histórico-reconstrutiva” do tipo


de uma narrativa de “como é que se chegou a...” (DAUSIEN, 1999, p. 228).
Com esse exemplo, acredito ter chamado a atenção para mais uma
“potencialidade” das ciências sociais interpretativas.

Verificação de hipóteses e de teorias a partir do caso particular

Como mostrarei e discutirei mais à frente – e a partir de exemplo


(subcapítulos 2.5.2 e 2.5.3) –, o texto não deve ser confrontado com hipó-
teses já formuladas. Antes, é tendo o texto como ponto de partida que, na
evolução sequencial da análise do texto, as hipóteses são desenvolvidas
e sua plausibilidade verificada nas passagens subsequentes do texto. A
hipótese sobre os elementos biográficos específicos que levam a pessoa
a assumir uma orientação política de extrema-direita é então examinada
a partir do caso particular concreto – e não segundo a lógica de verifi-
cação estatística –, para assim avaliar se resultados semelhantes podem
ser observados em outro caso no qual seja possível identificar os mesmos
elementos. Em um caso diferente, mas de composição semelhante, tais
componentes poderiam ser vistos atuando de maneira diversa. Do mesmo
modo, um elemento – como o avô que admira o nacional-socialismo – pode,
em um caso específico, ser de relevância funcional, enquanto que, em
outro, não assumir nenhuma importância estrutural. A teoria da Gestalt
conseguiu, por exemplo, mostrar de forma bastante clara – sendo essa
sem dúvida uma de suas maiores contribuições – que “formas” podem
ser bastante diversas, embora coincidam em várias de suas partes. Por
Gestalt compreende-se uma totalidade, na qual as partes integrantes, ao
invés de formarem um “conjunto” de inúmeros elementos independentes,
configuram uma estrutura inter-relacionada que resulta em uma “Gestalt”
(WERTHEIMER, 1922; 1928). Partindo do princípio de que histórias de vida,
assim como outras unidades sociais (uma família, uma comunidade ou uma
instituição), têm a característica de uma Gestalt (ROSENTHAL, 1995), não
podemos determinar os casos sociais semelhantes em estrutura ou que
pertencem à mesma tipologia apenas tendo em vista seus componentes;
para isso é necessário voltar-se para a configuração desses elementos e
para a sua relevância funcional para o todo. Compreendida a partir dessa
visão estruturalista, e própria também à teoria Gestalt, uma construção
tipológica significa reconstruir a “forma” (Gestalt) do caso social e as re-

32
GABRIELE ROSENTHAL

gras que fundamentam sua constituição, e não – como em uma construção


tipológica descritiva – listar critérios de cada uma das características.

Desenvolvimento empiricamente fundado de hipóteses e teorias

A exigência de gerar hipóteses e teorias a partir do material empírico


foi posta em discussão sobretudo por Barney Glaser e Anselm Strauss, com
sua proposta de desenvolvimento de uma teoria fundamentada ou “grou-
nded theory” – de uma teoria empiricamente sedimentada. Pertencentes
à tradição da Escola de Chicago e do interacionismo simbólico, Glaser
e Strauss defendem a ideia de uma teoria desenvolvida sobre a base de
resultantes e conclusões empíricas, além de propor uma diferenciação
(1969, p 69) entre teorias formais e teorias relativas ao objeto. Enquanto
teorias formais resultam da comparação entre diferentes teorias relativas
ao objeto, essas ainda dizem respeito, a princípio, ao domínio concreto de
investigação e ao contexto natural de vida. O foco da pesquisa de Glaser e
Strauss não está na verificação de teorias, mas, sim, na geração de teorias,
na qual eles identificam o progresso científico, “tendo em vista que, entre
outras coisas, uma teoria ultrapassada, inadequada, só pode ser superada
por uma teoria alternativa, gerada e desenvolvida sobre o mesmo objeto,
mas não por rejeição” (BOHNSACK, 2003, p. 28). Isso, entretanto, não sig-
nifica negar o valor da verificação de hipóteses e teorias; trata-se, antes,
de gerar e verificar hipóteses e teorias simultaneamente (HERMANNS,
1992, p. 114). No sentido do procedimento abdutivo de Charles S. Peirce
(ver subcapítulo 2.5.2), é a partir do material empírico que as hipóteses
são formuladas, verificadas, reexaminadas, refutadas ou ampliadas.
Em comparação com a pesquisa social quantitativa, o que a investiga-
ção interpretativa dos fenômenos sociais, então, não consegue alcançar?
A saber:
• afirmar algo a respeito da representatividade e da dimensão de
seus resultados;

• generalizações numéricas, isto é, baseadas na frequência de


ocorrência.

Investigações qualitativas – tanto em sentido amplo quanto em sentido


estrito – não são representativas estatisticamente. Isso significa não poder
determinar a frequência com que, em um dado universo – por exemplo,
jovens alemães de extrema-direita –, um fenômeno específico – como “dis-

33
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

posição à violência” – venha a surgir. Estudos qualitativos tampouco podem


dizer algo sobre fenômenos socialmente relevantes considerando apenas
a frequência que ocorrem. A relevância de tal fenômeno para a realidade
social não resulta da regularidade com que ocorre. Fenômenos verifica-
dos apenas raramente também podem ter consequências consideráveis e
exercer grande influência. Se a pesquisa social quantitativa pode fazer
afirmações sobre a dispersão de fenômenos, a investigação interpretativa
pretende, sobretudo, reconstruir sua atuação em contextos concretos.
Harry Hermanns fala, nesse sentido, de representatividade teórica, uma
vez que “estudos qualitativos, conforme suas exigências, são representa-
tivos do espectro de conceitos teóricos empiricamente fundados, em que
dados de origem empírica são, por sua vez, adequadamente representados”
(HERMANNS, 1992, p. 116).

O QUE A PESQUISA SOCIAL QUALITATIVA TORNA


POSSÍVEL?

• Investigar o novo e o desconhecido.

• Apreender o sentido subjetivamente visado.

• Reconstruir o sentido latente.

• Reconstruir a complexidade de estruturas de ação a partir do


caso particular.

• Descrever o ambiente e a ação social.

• Desenvolver teorias e hipóteses empiricamente fundadas.

• Verificar hipóteses e teorias a partir do caso particular.

O QUE A PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA E


QUALITATIVA EM GERAL NÃO PODE REALIZAR?

• Conclusões a respeito da dispersão e representatividade de


seus resultados.

• Generalizações numéricas ou estatísticas, isto é, baseadas na


frequência de ocorrência dos fenômenos.

34
GABRIELE ROSENTHAL

1.3 ORIGENS HISTÓRICAS DA PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA

Nota preliminar. Antes de apresentar de forma mais detalhada os


fundamentos e princípios metodológicos da pesquisa social interpreta-
tiva contemporânea, farei um breve resumo histórico das correntes que
influenciaram essa pesquisa e seu método de forma mais significativa.
Irei apresentar sucintamente também alguns pensadores clássicos da
sociologia e alguns dos seus conceitos que serão retomados adiante.
A pesquisa social interpretativa ganhou força na Alemanha ao longo
dos anos 1970, com os estudos do “Grupo de Trabalho dos Sociólogos de
Bielefeld”, liderado por Joachim Matthes, na Universidade de Bielefeld. Fritz
Schütze, que alcançou renome internacional com suas análises biográficas
e com o desenvolvimento da entrevista narrativa, e Ralf Bohnsack, com
suas contribuições para o progresso metodológico da discussão em grupo
e do método documentário – a partir de Karl Mannheim –, são, dentre ou-
tros, pesquisadores desse grupo ativos até hoje. Nos anos 1970, Matthes,
Schütze e Bohnsack, entre outros, fizeram uma releitura da tradição da
sociologia compreensiva com base, por exemplo, nos estudos fenomeno-
lógicos e na sociologia do conhecimento de Thomas Luckmann, que logo
após seus estudos sob a orientação de Alfred Schütz e um período de do-
cência nos Estados Unidos, assumiria, a partir de 1965, uma cátedra na
Alemanha. Luckmann é responsável pela formação de vários sociólogos
hoje em atividade na pesquisa etnográfica do mundo da vida e no campo
de análise etnometodológica da conversação. Quase no mesmo período,
em meados da década de 1970, Ulrich Oevermann, com seu projeto de
pesquisa “Escola e casa dos pais”, trazia para a discussão o método da
hermenêutica objetiva.7
Passariam a compor essa constelação, por um lado, a “sociologia com-
preensiva” – surgida na Alemanha no início do século XX –, e, por outro lado,
a pesquisa qualitativa empírica desenvolvida à mesma época na Escola de
Chicago. O debate sobre o método ocorrido na Alemanha nas décadas de
1950 e 1960 teve relevância em termos de teoria, mas, em contrapartida,
não exerceu influência direta sobre os métodos de pesquisa social inter-
pretativa contemporânea. A sociologia e a psicologia alemãs dos primeiros
anos do pós-guerra, época em que vários representantes judeus das ciên-

7
Ver, entre outros: Oevermann (1975; 1979); sobre a história do desenvolvimento da her-
menêutica objetiva, ver: Reichertz (1986).

35
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

cias sociais compreensivas haviam sido perseguidos e obrigados a deixar a


Europa continental8, caracterizavam-se pela pesquisa predominantemente
quantitativa e realizada com uma apropriação de métodos das ciências
naturais. Exceções foram a investigação sobre o “Significado de Sociedade
para os Trabalhadores”, realizada por Heinrich Popitz e Hans Paul Bahrdt,
entre outros (POPITZ et al., 1957) no contexto de uma sociologia industrial,
e em especial os estudos empíricos do Instituto de Pesquisa Social de
Frankfurt9, reaberto em 1950, sobre as tendências nacionais-socialistas –
ou, como afirma Friedrich Pollock em seu relatório de pesquisa publicado
em 1955, um estudo sobre “opiniões, orientações e comportamentos da
população da Alemanha com relação a questões de natureza política e so-
cial mais fundamentais” (POLLOCK, 1955, p. 3). Nos anos 1960, em torno
de Theodor W. Adorno (1903-1969) – retornado do exílio – e no contexto da
Escola de Frankfurt, ganhava contorno a “disputa do positivismo”.10 Esses
debates, entretanto, não levaram a um posterior desenvolvimento, sequer
ao estabelecimento, na Alemanha, de métodos interpretativos. De fato, o
interesse de Adorno e de outros representantes da Escola de Frankfurt
estava voltado à discussão metodológica da incompatibilidade entre uma
teoria crítica da sociedade e da práxis de pesquisa “positivista”; porém,
à exceção do procedimento de discussão em grupo (POLLOCK, 1955;

8
Entre os quais Alfred Schütz, Aron Gurwitsch, Karl Mannheim e Norbert Elias, mas
também a maioria dos representantes da teoria da Gestalt, como Kurt Lewin, Max Wertheimer,
Wolfgang Köhler e Kurt Koffka, e os maiores expoentes da “Escola de Frankfurt”: Theodor W.
Adorno, Max Horkheimer e Erich Fromm.

9
O instituto foi fundado em 1924 em Frankfurt. Anos depois, quase todos os seus mem-
bros foram obrigados a deixar a Alemanha nazista e emigrar para os Estados Unidos. Em 1951,
o instituto seria reaberto por Max Horkheimer, Friedrich Pollock e Theodor W. Adorno. O termo
“Escola de Frankfurt” faz referência ao trabalho desse círculo de cientistas sociais.

10
Esse termo, cunhado por Theodor W. Adorno, faz referência à controvérsia iniciada no
encontro da Sociedade Alemã de Sociologia realizado em Tübingen no ano de 1961 a partir
das apresentações de Karl R. Popper e do próprio Adorno, controvérsia que também encontrou
eco em textos de Jürgen Habermas e Hans Albert. Dito de uma maneira geral, tratou-se de um
choque entre os defensores de uma ciência dos “fatos” empíricos voltada à determinação de
regras (“nomológica”) e “livre de valores”, e os representantes da ideia de uma teoria crítica da
sociedade com base na filosofia da história e que se encontrasse voltada para o estudo da ordem
social vigente. Enquanto os primeiros privilegiavam a análise de modelos microssociológicos de
ação, a Escola de Frankfurt buscava desenvolver concepções macroteóricas de sociedade e de
“evolução” social.

36
GABRIELE ROSENTHAL

MANGOLD, 1960)11, métodos de investigação que correspondessem aos


postulados por eles formulados nesse contexto (HOFFMANN-RIEM, 1980,
p. 341) praticamente não foram aplicados ou pensados.
A tradição da Escola de Chicago, nos Estados Unidos, e a sociologia
compreensiva, que surgiu ao mesmo tempo na Áustria e na Alemanha no
início do século XX, tiveram importância sem dúvida muito maior para o
posterior desenvolvimento dos métodos de pesquisa qualitativos na sociolo-
gia. Ambas as tradições influenciaram-se mutuamente: à época, muitos dos
cientistas sociais norte-americanos realizaram longas visitas de pesquisa
na Alemanha, enquanto que vários sociólogos de língua alemã deixaram
a Áustria e Alemanha nazista na década de 1930 para viver nos Estados
Unidos. A primeira faculdade de sociologia de Chicago foi fundada em 1892
por Albion Small, que foi aluno de Georg Simmel na Alemanha e interessado
sobretudo em estudos sobre pequenas comunidades. A Escola de Chicago
não estava restrita à faculdade de sociologia; seus estudos consistiam em
trabalhos interdisciplinares, a partir dos campos da filosofia, da psicolo-
gia e da sociologia, mas voltados especialmente para a práxis do trabalho
social e para o planejamento urbano. Em contrapartida à pesquisa social
desenvolvida à época na França por Émile Durkheim (1858-1917) e seus
alunos, a essa ciência social de orientação quantitativa e voltada à identi-
ficação de regras, firmava-se na Universidade de Chicago uma pesquisa
empírica de tendência claramente qualitativa, voltada para os problemas
sociais da cidade e para a utilização de seus resultados na práxis social.
Era por conta da rasante industrialização e do rápido crescimento notado
nas cidades que a sociologia e, de maneira geral, as pesquisas sociais
desenvolvidas nos Estados Unidos se voltavam para questões de ordem
prática. Por outro lado, a orientação utilitarista predominante no cotidiano
dos americanos também encontrava correlato no pragmatismo filosófico,
tão importante para seus cientistas sociais (MIKL-HORKE, 1997, p. 174).
Ao contrário do empirismo da Escola de Chicago, a sociologia alemã
da época – em especial representada por Max Weber e Georg Simmel –
tinha forte orientação teórica e estava claramente interessada em ques-
tões macrossociológicas. Nos trabalhos de Weber e Simmel, contudo, é
possível encontrar um fundamento bastante importante para os métodos
interpretativos. Georg Simmel (1858-1918), que pode muito bem ser con-

11
Ver a análise sobre o conceito de grupo de discussão realizada nos anos 1950 por Ralf
Bohnsack (2003, p. 105).

37
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

siderado um intruso na comunidade de pesquisa da época12, desenvolveu


uma concepção de sociedade como forma produzida por meio de uma
relação mútua de interação entre indivíduos. Em seu artigo de 1908, “O
problema da sociologia”, Simmel afirma:

Parto da ideia de sociedade mais distante de polêmicas: ela


existe quando uma quantidade maior de indivíduos entra em
uma relação mútua de interação [...]. Não é o caso que um nú-
mero indeterminado de pessoas passe a constituir sociedade
na medida em que exista para cada um deles conteúdo de vida
que os ponha em movimento ou que passe a determiná-los
faticamente; senão é apenas quando a vivacidade desse conte-
údo assume a forma de influências mútuas, quando um passa
a exercer alguma influência concreta sobre o outro – de forma
imediata ou através de terceiros –, que uma sociedade surge
frente ao simples compartilhamento de espaço e de tempo
(SIMMEL, 1992, p. 17-19).

Entende-se por sociedade o resultado de uma produção sempre reno-


vada do processo de interação, e não como forma estática dada. Simmel
desenvolve, com isso, uma fundamentação teórica para um procedimento
microssociológico e sequencial-reconstrutivo da pesquisa social interpre-
tativa (BUDE, 1988; HETTLAGE, 1991).
Os trabalhos de Max Weber (1864-1920), com sua tentativa de fun-
damentar uma “sociologia compreensiva” (1913; 1921)13, assim como o
exame crítico do sociólogo vienense Alfred Schütz (1899-1959)14 das teses

12
O antissemitismo predominante à época na Alemanha, o qual também considerava a pessoa
como judia com base na sua origem, causou a Simmel, cujos pais eram judeus convertidos ao cris-
tianismo, vários problemas durante sua carreira. Foi o antissemitismo que o impediu, por exemplo,
de assumir uma cátedra de filosofia em Heidelberg em 1908 (NEDELMANN, 2002, p. 129).

13
A primeira formulação do conceito de “sociologia compreensiva” encontra-se no arti-
go de Weber “Algumas categorias da sociologia compreensiva”, publicado em 1913. Sua ela-
boração mais conhecida só viria a público, porém, em 1921, no capítulo inicial – intitulado
“Conceitos Fundamentais da Sociologia” – de Economia e sociedade, publicado postumamente.

14
Após seus estudos em ciências jurídicas, Alfred Schütz trabalhou como advogado do
setor financeiro em um banco de Viena. Com a adesão da Áustria ao “Terceiro Reich”, Schütz
– de origem judaica e que desde 1937 já planejava sua migração – decidiu não retornar de uma
viagem de negócios a Paris. Mais tarde, sua mulher e seu filho o seguiriam, para, em 1939,
emigrarem para Nova York. Schütz, que em Nova York continuou desempenhando a função no
setor financeiro em um banco, passaria paralelamente, em 1943, a lecionar na New School for
Social Research, onde assumiu, em 1952, uma cátedra em sociologia e psicologia social.

38
GABRIELE ROSENTHAL

weberianas, são considerados ainda hoje elementos essenciais para a


fundamentação metodológica da pesquisa interpretativa. A tarefa do pes-
quisador consiste, de acordo com Weber, primeiramente em compreender
o sentido subjetivamente visado do agente, isto é, sobretudo o propósito
da ação, e, com isso, explicar o agir e seus resultados na interdependência
com o agir alheio. Em uma de suas passagens mais conhecidas, Weber
define sociologia da seguinte forma:

Sociologia [...] significa: uma ciência que pretende compreender


interpretativamente o agir social e, deste modo, esclarecer sua
causa a partir de seus efeitos e considerando-o em seu curso.
“Agir” corresponde a um comportamento humano (seja um fazer
externo ou interno, omissão ou tolerância), sempre e apenas
quando o agente relaciona a ele um sentido subjetivo. “Agir
social”, por seu turno, configura um agir que, tendo em vista
o sentido visado pelo agente ou pelos agentes, faz referência
ao comportamento alheio, a cujo curso encontra-se orientado
(WEBER, 1972, p. 3).

Esse programa de uma sociologia compreensiva – e, de uma maneira


geral, ciência social15 – aponta para a necessidade de instrumentos de
levantamento e análise de dados que possibilitem o acesso tanto às per-
cepções e processos de definição dos próprios agentes do cotidiano como
também à constituição da realidade social – tal como Georg Simmel e
Alfred Schütz a compreendem – nos processos interativos do agir social.
Em seu livro A construção significativa do mundo social (1932), Schütz
busca uma solução para o problema da intersubjetividade (da convergência
entre a interpretação das próprias vivências e a das vivências do parceiro
de interação) e da constituição de sentido social, ambos não examinados
por Weber. De acordo com Schütz, a análise de Weber “é interrompida em
um estágio no qual os componentes do fenômeno social parecem surgir
em uma forma irredutível ou que não parece exigir reduções subsequen-

15
Fundamental para a compreensão da ideia weberiana de sociologia e das relações entre
pesquisa social qualitativa e quantitativa é, também, o conceito de “ciências da realidade”, que
Weber entende como alternativa a “ciências nomológicas”. Com sua definição de sociologia
como ciência da realidade, Weber expressa a ideia segundo a qual investigar a realidade da
vida social implica pesquisar essa realidade em seus dados “históricos”, individuais e concretos,
embora, por diversas causas de natureza prática, isso só seja possível a partir de uma forma
seletiva e a partir da perspectiva das questões levantadas (WEBER, 1973, p. 170-176; ROSSI,
1987, p. 20-62).

39
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

tes” (SCHÜTZ, 1974, p. 15). Schütz descreve as diferenças – ignoradas


por Weber – entre o agir em curso e agir enquanto ação realizada, entre
o sentido do próprio agir e o sentido do agir alheio, entre o sentido das
próprias vivências e o das vivências de outrem, e entre os modos de cons-
tituição de sentido para o agente, para o parceiro e para o observador da
interação. O que o observador apreende tem para ele um sentido; porém,
como mostra Schütz, esse sentido não é necessariamente idêntico ao sen-
tido visado pelo agente. O que os observadores apreendem “são simples
indícios do sentido visado do agente, cuja ação produz objetos do mundo
exterior” (p. 30). Compreensão alheia ou compreensão das vivências do
outro é possível a partir de tipificações, apropriadas no processo de so-
cialização e abstraídas da temporalidade e da espacialidade específicas
à situação atual – de um aqui e agora determinado.
Outra contribuição teórica importante para a análise da constituição
interativa da realidade social pode ser encontrada nos trabalhos de George
Herbert Mead (1863-1931)16 – outro representante da Escola de Chicago
que realizou parte de sua formação na Alemanha – sobre a gênese do self
social. Mead também é daqueles que estudaram na Europa e na Alemanha.
Nos três anos de sua temporada de pesquisa na Europa – entre 1888 e
1891 –, Mead trabalhou em Leipzig na companhia de Wilhelm Wundt e
deu início, em Berlim, sob a orientação de Wilhelm Dilthey, a uma tese de
doutorado intitulada Crítica do conceito empirista de espaço, estudo que,
mais tarde, foi obrigado a interromper para assumir uma vaga de assis-
tente junto a John Dewey no departamento de psicologia da Universidade
de Michigan, na qual permaneceu por três anos. Após esse período, Mead,
acompanhando Dewey, continuou sua pesquisa na Universidade de Chicago.
Essencial para a discussão do método é a ideia desenvolvida por Mead,
diferente de Max Weber, segundo a qual sentido não corresponde a uma
categoria relativa ao indivíduo ou, fundamentalmente, ao campo interno
psíquico; o sentido não está ligado às intenções do agente, mas, antes,
é produzido de forma interativa, na reação alheia às ações do sujeito:
“o sentido dos gestos de um organismo [...] consiste na reação do outro
organismo à conclusão provável da ação daquele de onde se origina e se
manifesta essa atitude” (1975, p. 188). Para Mead, sentido tem origem
fundamentalmente social, ou seja, da ou na relação mútua de interação

16
Sobre a obra de G. H. Mead, ver, sobretudo: Hans Joas (1980).

40
GABRIELE ROSENTHAL

interpessoal, e “apenas em um segundo momento surge como padrão de


sentido e de expectativa para a orientação do agir individual” (BOHNSACK,
2003, p. 87). Em suas análises, Mead chega à conclusão de que identidade
individual sempre irá pressupor sociedade. Para que o organismo possa
desenvolver um self, ele precisa ser socializado em um mundo simbólico
desde sempre compartilhado. É por meio do processo de interação que
ele participa desse mundo, dessa realidade social sempre reproduzida e
“emergente”, o que para Mead significa dizer: de uma realidade social a
todo tempo produtora do novo, do imprevisível.
No mesmo período, Émile Durkheim (1858-1917) começa a desenvolver
na França, na tradição de Auguste Comte (1798-1857), uma teoria social
na qual sociedade surge como algo de existência exterior aos indivíduos,
aos quais, por sua vez, são impostas normas, intenções. A consciência
coletiva, cujos conteúdos surgem ao indivíduo como objetos externos co-
ercitivos, recebe, nesse contexto, papel central. Durkheim fala, aqui, de
“fatos sociais” como correspondentes a uma realidade sui generis (de tipo
próprio). Enquanto que Mead e outros cientistas sociais norte-americanos
desse período atribuíam importância fundamental às transformações na
sociedade (em ligação direta com o caráter emergente do agir social) e
ao processo interativo de formação dessa realidade, o contexto histórico
francês da época de Auguste Comte – responsável pela criação do termo
“sociologia” –, devido ao sentimento de medo, de “caos” experimentado e
originado na revolução francesa, contribuiu para que surgisse uma ideia
de ciência social como instrumento de manutenção da vigência da ordem
existente. Sociologia foi compreendida por Comte, e mais tarde de certa
forma também por Durkheim, como uma “religião da razão”, à qual deveria
substituir tanto a religião convencional como também a ideologia da revo-
lução francesa.17 A tarefa da sociologia consistiria em investigar o que a
ordem social tinha a regular e em encontrar meios para sua conservação.
Durkheim desenvolve de forma mais clara sua concepção de socieda-
de e seu conceito de fato social no texto As regras do método sociológico,
publicado em 1895 e que recebe ainda hoje reedições e novas traduções

17
As aulas de religião foram abolidas das escolas francesas em 1905. O governo, à época,
nomeou Émile Durkheim para formar uma comissão com a finalidade de desenvolver um méto-
do que pudesse ensinar moral para crianças sem aula de religião. Convencido de que a socio-
logia poderia dar conta disso, Durkheim forneceu sua “Introdução” como disciplina obrigatória
nas escolas.

41
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

em diversas línguas. Com seu famoso trabalho sobre a regularidade do


suicídio, a obra exerceu grande influência sobre a pesquisa social quan-
titativa. Analisemos a definição de Durkheim de fatos sociais:

Um fato social é aquele tipo de agir mais ou menos fixo e que


possui a capacidade de exercer sobre o indivíduo uma coerção
externa; ou também que em geral surge no contexto de uma
determinada sociedade, um tipo de ação de vida própria, inde-
pendente de expressões individuais (DURKHEIM, 1970, p. 114).

Para a sociologia e para a pesquisa social, a principal consequência


dessa perspectiva é a pretensão de tomar fatos sociais como coisas. O
autor afirma: “Temos, assim, que observar os fenômenos sociais em si
mesmos, independentes dos sujeitos conscientes que os imaginam; temos
que enxergá-los de fora, como coisas, objetos do mundo exterior” (p. 125).
Durkheim ignora em sua concepção de sociedade a atividade producente
de seus integrantes, suas construções de sentido no ato do agir social
(HAUCK, 1991, p. 469). Assim, não podemos partir do princípio de que
as normas sociais se encontram claramente definidas. Antes, normas são
interpretadas de acordo com o contexto, e, em sua implementação, sempre
coordenadas interativamente, sempre aplicadas no núcleo do agir. Além
disso, contextos podem ser interpretados de maneiras diversas (ver sub-
capítulo 2.2), motivo pelo qual não é possível determinar claramente quais
normas são aplicáveis em uma situação concreta específica.
Como mostrado anteriormente, Mead e a tradição posterior do prag-
matismo e do interacionismo simbólico não compreendem sociedade como
algo exterior, alheio ao indivíduo. Tal como em Simmel, sociedade e indi-
víduo não constituem unidades separadas. Fundamental nos trabalhos de
Mead e outros interacionistas é a ideia de que ambos se encontram em
uma relação de constituição mútua: “sociedade deve ser compreendida
tendo em vista sua realização por parte dos indivíduos, e indivíduos de-
vem ser compreendidos a partir das sociedades das quais são membros”
(MELTZER et al., 1975, p. 2).
Cerca de duas gerações acadêmicas posteriores a Mead contribui-
riam para o desenvolvimento subsequente de sua teoria da identidade,
em especial Anselm Strauss (1916-1996) e Erving Goffman (1922-1982),

42
GABRIELE ROSENTHAL

que a tornaram passível de verificação empírica.18 Na tradição da Escola


de Chicago, Strauss é responsável, com Barney Glaser, pelo surgimento,
nos anos 1960, da teoria fundamentada ou grounded theory (GLASER;
STRAUSS, 1967), que exerceu grande influência internacionalmente sobre
a pesquisa social qualitativa. Mais tarde, na companhia de Juliet Corbin
(STRAUSS; CORBIN, 1996), Strauss apresentou um desenvolvimento da
teoria a partir do método de codificação, a princípio bem esquematiza-
do e que se aproximava bastante da análise de conteúdo. Os trabalhos
empíricos de Erving Goffman, concentrados, sobretudo, em estudos de
campo, incluíam, do contrário, menos reflexões metodológicas empíricas
ou mesmo “fórmulas”.19
Combinar a teoria de Mead sobre o mundo social – enquanto algo inter-
nalizado pelo indivíduo ao longo de sua socialização – com uma releitura
do conceito de “fato social” de Durkheim com a sociologia fenomenológica
do conhecimento de Alfred Schütz é mérito, sobretudo, de Peter L. Berger
(nascido em 1929 em Viena, mas radicado nos Estados Unidos desde 1946)
e de Thomas Luckmann (nascido em 1927 na Eslovênia e radicado desde
1965 na Alemanha). Em seu escrito formador de gerações de cientistas
sociais, A construção social da realidade (publicado pela primeira vez em
inglês em 1966), os autores afirmam que, de acordo com seu ponto de vista,
“observar os dados sociológicos como coisas” não contradiz a busca por
apreender o contexto de sentido do agir:

Sociedade possui necessariamente facticidade objetiva. Nossa


sociedade é de fato construída por meio de atividades que tra-
zem à tona sentido subjetivamente visado. [...] É justamente
o duplo caráter da sociedade – enquanto facticidade objetiva
e sentido subjetivamente visado – que faz dela “realidade sui
generis”. A questão fundamental da teoria social pode ser
posta, assim, da seguinte maneira: como é possível que sentido
subjetivamente visado se torne facticidade objetiva? (BERGER;
LUCKMANN, 1969, p. 20).

18
Em seu estudo monográfico Espelhos e máscaras (1974), Strauss fala da influência de
organizações sociais sobre o self e sobre seu lugar em contextos históricos. Goffman, em seu
estudo Estigma (1975), aprimora a teoria da identidade de Mead a partir de uma diferenciação
entre identidade pessoal e social.

19
Para um panorama sobre seus métodos, vide a exposição sistemática de Willems
(1996:2000).

43
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Voltemos, contudo, ao início do desenvolvimento da pesquisa social


interpretativa em Chicago, onde tiveram lugar as primeiras tentativas
sistemáticas de uma aplicação empírica dos princípios da reconstrução
da perspectiva do sujeito e da constituição interativa da realidade social
– uma reconstrução do processo de formação em ato de tal realidade pe-
los indivíduos participantes e que também toma como referência o caso
particular. As investigações empíricas feitas ali entre 1920 e 1950 servem,
até hoje, de modelo. Distúrbios sociais em alta escala, originados pelo
crescimento acelerado da cidade de Chicago através de fluxo migratório,
são considerados responsáveis pela orientação da pesquisa (FISCHER-
ROSENTHAL, 1991a, p. 115), que também se caracterizava por ter como
base teórica o pragmatismo filosófico – fundado pelo matemático e filósofo
Charles Sanders Peirce (1839-1914) e pelo psicólogo William James (1842-
1910), com quem Peirce conservava estreita amizade. Esse pensamento
encontrou no departamento de psicologia da Universidade de Chicago,
sobretudo com os trabalhos de John Dewey (1864-1929) e George Herbert
Mead, ambiente ideal de desenvolvimento.20 O pragmatismo se pretende
uma busca pela verdade por meios empíricos e, assim, uma teorização
ligada ao agir no contexto das práticas cotidianas – um agir cujo sentido
só é obtido no interior dessas práticas. É possível chegar à verdade de uma
afirmação desde que seus resultados encontrem confirmação no agir, no
exercício da práxis:

Representações verdadeiras são aquelas das quais nos apodera-


mos, que validamos e podemos verificar. Representações falsas
são aquelas não passíveis disso tudo. [...] a verdade de uma
representação não é uma propriedade estática imanente. Para
uma representação, verdade é uma ocorrência. A representação
torna-se verdadeira ou é feita verdadeira através dos aconteci-
mentos. Sua verdade é de fato um evento, um processo, a saber,
de sua verificação, de se mostrar verdadeiro por si mesmo. A
vigência da verdade não é nada senão justamente o processo
de seu se-fazer-vigente (JAMES, 1994, p. 76-77).

20
Embora professor da Faculdade de Filosofia, Mead também exerceu grande influência
sobre estudos sociológicos. Entre 1900 e 1927, sua palestra anual sobre psicologia social era
evento obrigatório para os estudantes de sociologia. Com base nas anotações das palestras, foi
publicado em 1934 o texto Mind, Self and Society.

44
GABRIELE ROSENTHAL

Esse conceito de verdade e os procedimentos da abdução, do desen-


volvimento de hipóteses e da verificação a partir dos acontecimentos
empíricos concretos, tal como descritos por Peirce, serão abordados mais
adiante (ver subcapítulo 2.5.2).
Um dos primeiros trabalhos empíricos realizados por integrantes da
Escola de Chicago foi o estudo sobre migração “O lavrador polonês na
Europa e nos Estados Unidos”, de William Isaac Thomas (1863-1947) e
Florian Znaniecki (1882-1958). Em uma viagem à Polônia no ano de 1913,
Thomas – que já havia passado um ano na Alemanha, nas Universidades de
Berlim e de Göttingen entre 1888 e 1889 – é apresentado a Znaniecki, com
quem dá início a uma cooperação de pesquisa. Pouco antes do estopim da
Primeira Guerra Mundial, Znaniecki se muda para Chicago, onde, até ser
chamado, em 1920, a assumir uma cátedra de sociologia na Universidade
de Poznan, Polônia21, desenvolve esse estudo sobre migração na companhia
de Thomas (FISCHER-ROSENTHAL, 1991a). A obra, publicada em cinco
volumes entre 1918 e 1920, é uma tentativa de apreender questões de
origem social enfrentadas pelos imigrantes poloneses nos Estados Unidos,
sempre na perspectiva de suas vivências. Os volumes trazem, com uma
análise de documentos (em especial de cartas trocadas entre Polônia e
Estados Unidos), a autobiografia de um imigrante polonês escrita a pe-
dido dos autores, segundo os quais “a fonte ideal de dados sociológicos é
a história de vida pessoal” (THOMAS; ZANIECKI, 1958, II, p. 1.832). Em
suas observações metodológicas22, os autores analisam a eficácia e o grau
de generalização de afirmações subjetivas:

Na medida em que analisamos experiências e orientações do


indivíduo, teremos sempre acesso a dados e fatos elementares
que não dizem respeito apenas a ele, mas que podem, antes,
ser tratados como categorias mais ou menos gerais de dados e
fatos e, assim, utilizados para se determinar regularidades do
processo social (THOMAS; ZANIECKI, 1958, II, p. 1.831 apud
FUCHS, 1984, p. 99).

21
A partir dos trabalhos de Znaniecki, desenvolveu-se na Polônia “uma sociologia forte-
mente orientada – no que diz respeito ao método – pela escrita autobiográfica”, bastante ativa
até hoje (FISCHER-ROSENTHAL, 1991a, p. 118).

22
Em Werner Fuchs (1984, p. 99) é possível encontrar uma análise minuciosa do significa-
do metodológico dessa obra e das reflexões de Herbert Blumer (1939) sobre método desenvol-
vido a partir dela.

45
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Trata-se, em sua metodologia, de um estudo modelo para as gerações


seguintes de sociólogos em Chicago.
Além de Thomas e Znaniecki, Robert E. Park (1864-1944) e Ernest
W. Burgess (1886-1966)23 também exerceram grande inf luência sobre
o desenvolvimento dos métodos qualitativos – em especial sobre a
pesquisa de campo no âmbito de investigações sobre organizações
comunitárias e no de estudos de caso. A forma com que Park proce-
dia empiricamente foi claramente inf luenciada por seus doze anos de
trabalho – iniciados logo após o término de seu bacharelado – como
repórter e redator de jornal em diferentes grandes cidades norte-ame-
ricanas, entre elas Chicago, escrevendo reportagens sobre minorias
sociais, sempre a partir de entrevistas e visitas de campo. De volta à
universidade em 1898, Park completaria um mestrado para, logo em
seguida, dar início ao doutorado na Alemanha. Entre 1899 e 1903, es-
tudou em Berlim (onde, à época, Georg Simmel desenvolvia suas pes-
quisas), Estrasburgo e Heidelberg, onde apresentou sua tese, escrita
em alemão, intitulada Massa e público: uma investigação metodológica
e sociológica. Convidado em 1913 por W. I. Thomas para uma tempo-
rada na Universidade de Chicago, Park continuou a lecionar no curso
de sociologia até 1923, quando recebeu uma cátedra na universidade.
Ali, formou gerações de estudantes, sempre estimulando-os a “deixar
suas escrivaninhas”. Seu lema era: “get your feet wet” ou “get your
nose rousing” (LINDNER, 1990). Totalmente imerso na tradição do
pragmatismo, Park compreendia por sociologia uma ciência empírica
que busca o progresso do saber na descoberta de relações no interior
do mundo observável, e desenvolvia de forma sistemática uma ciência
social por princípio interessada antes em trabalhar fatos a partir do
campo do que desenvolver teorias não diretamente ligadas a eles.
Como para Thomas e Znaniecki, o importante era: “to get inside the
actor’s perspective”, princípio a partir do qual foram desenvolvidos
vários estudos de caso – em parte também biográficos – que buscavam
compreender a perspectiva subjetiva dos integrantes de diferentes am-
bientes sociais, tais como o trabalho de Anderson (1923) O sem-teto na
cidade de Chicago, os estudos de Wirth (1928) sobre o gueto judeu, de
Thrasher (1928), sobre gangues, e de Zorbaugh (1929), sobre cortiços.

23
Sobre as análises da Escola de Chicago, ver: Mikl-Horke (1997, p. 188), Schütze (1987)
e, de forma mais detalhada – sobretudo sobre Park –, Lindner (1990; 2000).

46
GABRIELE ROSENTHAL

De acordo com Howard S. Becker, esses trabalhos constituem parte


de um mosaico sobre Chicago e, ao mesmo tempo, de uma teoria da
cidade, a partir de Park (BECKER, 1970, p. 65-66):

Cada estudo pode ser visto como peça de mosaico, o que, à


época de Park, de fato eram. [...] Tomando dessa maneira, eles
configuravam, em parte, um mosaico bem detalhado e de grande
complexidade com a cidade mesma enquanto tema, um “caso”
que poderia ser usado para verificar a grande variedade de
teorias e no qual interconexões de uma estrutura de fenômenos
aparentemente não relacionados entre si se tornavam evidentes,
ainda que não tão nitidamente (p. 66).

O clássico estudo de caso de Clifford Shaw, publicado em 1930 sobre


um adolescente delinquente, também foi bastante influenciado pelos
trabalhos de Thomas e Park. A pesquisa é resultado de seis anos de ob-
servação da vida do jovem Stanley – como Shaw o denomina –, a quem
também é oferecida a possibilidade de escrever um relato autobiográfico.
Shaw não apenas descreve, ali, o surgimento de uma carreira criminosa,
mas, de outro ponto de vista, ressalta a relevância da “própria história”
para o tratamento de delinquentes. Pode-se também citar como investi-
gação fundamental na tradição da Escola de Chicago o estudo de comu-
nidade de William Foote Whyte (1943) A sociedade da esquina, pesquisa
etnográfica sobre uma gangue italiana de uma grande cidade do leste
norte-americano – pesquisa que abordaremos novamente mais adiante,
na descrição do método da observação participante (Capítulo 5).

47
2

FUNDAMENTOS E PRINCÍPIOS DA PESQUISA


SOCIAL INTERPRETATIVA

Nota preliminar. Em um breve exame das várias abordagens da pes-


quisa social interpretativa, encontraremos grandes diferenças no que diz
respeito à metodologia e aos métodos aplicados. A seguir nos concentra-
remos, entretanto, naquilo que elas têm em comum. Essas abordagens
compartilham, a princípio, a ideia de que indivíduos agem com base em suas
interpretações da realidade social, a qual, por sua vez, é continuamente
produzida na interação, mas de acordo com determinadas regras. Como
mostra Christa Hoffmann-Riem (1980), entre outros, essa ideia une dois
princípios fundamentais da pesquisa social interpretativa: o princípio da
comunicação, que afirma ser a comunicação cotidiana orientada por um
sistema de regras, e o princípio da abertura, segundo o qual “a estruturação
teórica do objeto de pesquisa deve ser adiada até que ocorra a estrutura-
ção do objeto de pesquisa pelo sujeito pesquisado” (p. 346). A princípio,
isso significa evitar a geração e a coleta de dados a partir de hipóteses.

2.1 O MUNDO SOCIAL INTERPRETADO

Enquanto a ciência natural tem como objeto de análise um mundo de


objetos neutros em termos de sentido e não estruturados de acordo com
relevâncias, o cientista social se volta para um mundo desde sempre inter-
pretado. Essa diferença entre os domínios específicos a cada uma dessas
ciências e as implicações metodológicas delas derivadas foram muito bem
analisadas pelo sociólogo de orientação fenomenológica Alfred Schütz, co-
nhecido por seus trabalhos de sociologia do conhecimento. Em seu artigo
“Senso comum e interpretação científica da ação humana”1, publicado pri-
meiramente em inglês no ano de 1953, Schütz afirma que o cientista social

1
A tradução alemã foi publicada em 1971.

49
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

se depara com um mundo ordenado e interpretado em correspondência a


estruturas de relevância próprias aos indivíduos que nele vivem:

Nas diferentes construções da realidade cotidiana, eles (os


indivíduos) já contam com esse mundo preordenado e pré-in-
terpretado, e são objetos ideais desse tipo que determinam suas
formas de comportamento, definem os objetivos de suas ações e
prescrevem os meios para a realização dos mesmos – em suma:
eles auxiliam as pessoas em seu mundo circundante natural e
sociocultural a encontrar seus meios de vida e a se familiarizar
com esse mundo (SCHÜTZ 1971a, p. 6).

A partir dessa diferenciação, Schütz desenvolve a ideia de que cons-


truções próprias à sociologia têm como base construções cotidianas, e
que objetos ideais das ciências sociais devem ser compatíveis com aqueles
formados cotidianamente pelos indivíduos. Ele fala, nesse contexto, de
construções de primeiro e de segundo graus.
De acordo com essa perspectiva, nós, cientistas sociais, temos como
tarefa descobrir o modo com que os agentes do cotidiano constroem sua
realidade, o modo com que vivenciam e interpretam esse mundo e quais
métodos cotidianos de comunicação aplicam. A constituição da reali-
dade social ocorre em processos de interação, esses independentes da
forma com que os agentes interpretam a situação. Essas interpretações,
todavia, não têm caráter arbitrário, tampouco se encontram baseadas
em processos psíquicos individuais igualmente “isolados”; elas têm por
fundamento, antes, estoques de conhecimento coletivamente comparti-
lhados – internalizados no curso da socialização –, constituídos também
por regras de interação e de ação e por suas diversas – de acordo com a
situação biográfica – formas de aplicação e interpretação em contextos
de ação concretos. Dito de outro modo: em suas interpretações, em suas
atribuições de sentido, o indivíduo recorre a estoques de conhecimento
coletivos, cujo entendimento varia segundo experiências de vida e que
implicam, sobretudo, aplicação criativa, reflexiva, na situação concreta
de ação. Nesse ato de aplicação e de orientação mútua do agente surge
sempre algo de novo e de inesperado. Como frisado por Norbert Schröer
(1994, p. 18), nessa ênfase estruturalista de um princípio importante da
sociologia do conhecimento – tal como desenvolvida por Peter L. Berger e
Thomas Luckmann na tradição schütziana e na do pragmatismo da Escola
de Chicago – “o sujeito não está, de forma alguma, [...] alheio”.

50
GABRIELE ROSENTHAL

Com o conceito de “definição subjetiva da situação” de William Isaac


Thomas – expoente da Escola de Chicago brevemente apresentado no ca-
pítulo anterior –, também foi objeto dessa discussão do método a noção da
“definição subjetiva de situação”. A hipótese tratada por William Isaac e por
Dorothy Swaine Thomas (1928, p. 572) viria a se tornar um dos teoremas
mais importantes da pesquisa social interpretativa: “sempre que uma situa-
ção for definida pelo indivíduo como real, ela será, em suas consequências,
real”. Entretanto, isso não significa afirmar que as consequências das nossas
ações sejam antecipadas de acordo com a definição da situação. Imaginemos
o seguinte cenário: viajo em um trem, no assento à minha frente viaja uma
senhora. Defino essa viagem de trem como uma possibilidade de ler meu
jornal sem incômodo, e não como uma situação de diálogo com outra pessoa.
Retiro o jornal da minha pasta, ação que, por sua vez, motiva a senhora a
se dirigir a mim. Ela me pergunta por qual razão leio esse jornal, se há no
mercado jornais melhores. A senhora “define” o jornal que leio como opor-
tunidade para dar início a uma comunicação, e essa definição situacional é
a “consequência real ou verdadeira” da minha definição da situação.
A definição da situação, porém, não é arbitrária, e o agente não pode
modificar a configuração da situação apenas por sua definição. Como afir-
mam os sociólogos de Bielefeld (1976, p. 98): “O agente, caso não queira
correr o risco de não alcançar o objetivo da ação, precisa planejar seus atos
levando em conta, antes, os diferentes componentes da situação – como
a presença e a expectativa de outros agentes, a desigualdade de poder
entre eles, recursos materiais e limitações normativas à possibilidade do
agir”. Posso, por exemplo, definir uma conversa com meu chefe sobre um
pedido de férias no período do ano com trabalho mais intenso como uma
conversa amigável entre colegas, compreendê-la de forma mais ou menos
implícita como tal e até mesmo me comportar em adequação a essa ideia,
perguntando ao meu superior sobre a última viagem que fez. Porém, esse
comportamento pode ser interpretado por meu interlocutor como trans-
gressão de limites. Enquanto chefe, ele tem o poder de definir a situação
de outra forma e fazer valer essa sua definição.
O teorema de Thomas, no que diz respeito à ideia da limitação da
liberdade de escolha individual e da capacidade de realização do sujeito
agente, foi criticamente discutido por diversos autores, entre eles Erving
Goffman (1977), que, com seus conceitos de “frame” e “framing”, ou “en-
quadramento” e “enquadre”, deu uma forma estruturalista ao problema.
Goffman é enfático: de fato, os atores definem a situação, mas “em geral

51
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

não as criam; em geral apenas notam o que a situação, para eles, pode
vir a ser, e comportam-se em adequação a essa ideia” (GOFFMAN, 1977,
p. 9). Sempre que entramos em alguma interação, a primeira questão
com a qual nos deparamos é “o que ocorre aqui?” (p. 16). Na tentativa de
responder a essa pergunta e de escolher e definir a ordenação do agir,
recorremos a um sistema de regras. Por exemplo, se noto, durante aquela
viagem de trem, ser necessário sinalizar mais claramente à senhora sobre
minha intenção de ler o jornal, posso me mostrar estar pouco interessada
na conversa evitando contato visual, direcionando meu olhar para a folha
de jornal, mas também de forma paralinguística (com “uhm” e “anhãs”).
Na maioria das vezes, tais processos, ações ou pequenas estratégias são
desenvolvidos e aplicados de forma mais ou menos automática, sem pla-
nejamento consciente. Além disso, o agente, como afirma Goffman (p. 31),
“não está, na maioria das vezes, consciente da forma com que o recorte
está organizado, e, caso questionado, tampouco consegue descrevê-lo
integralmente, mesmo que apenas de forma aproximada, embora isso
não o impeça de aplicá-lo com alguma facilidade”. Somos conscientes de
uma variedade de regras (por exemplo, para dar fim a conversas) que
configuram, entretanto, em grande parte, saber implícito. Rotineiras, es-
sas regras são objeto de aplicação não planejada explicitamente. Porém,
sempre que surge uma crise no interior da interação, levantamos a questão
explicitamente: “o que está acontecendo aqui afinal?” ou “até que ponto
minha definição de situação não está condizendo com a do outro?” Caso
meu chefe, sentindo-se insultado, rejeite meu pedido de férias – enquanto
que eu, de início, colocando-me em seu lugar, diria não haver razão para
que ele não se alegrasse comigo por minha viagem para a Turquia –, isso
vai me obrigar a refletir sobre meu comportamento e minha definição da
situação, a enxergar nesse contexto, ainda que contra minha vontade, uma
conversa antes com um superior do que com um amigo. Além disso, talvez
seja apenas nessa situação de crise que eu acabe tomando consciência do
fato de ter definido a situação como uma conversa, de início, entre amigos,
e de ter buscado me comportar de maneira correspondente a ela. Assim,
podemos partir do princípio de que, em geral, a percepção daquilo que,
de acordo com Goffman, “a situação pode ser para nós” ocorre no interior
da ação. Aqui é possível falar de uma produção ativa, prática, da definição
situacional ou do enquadramento, na qual não apenas a definição determi-
na a situação, mas, antes, a primeira seja, do contrário, da mesma forma
determinada pela ação enquanto processo.

52
GABRIELE ROSENTHAL

Também de acordo com Goffman, não se trata simplesmente da atua-


lização de enquadramentos estabelecidos, mas, sim, de que cada desen-
volvimento pragmático da situação acaba por dar origem a modificações,
novidades e variabilidades. A definição da situação não é nada de constante;
antes, ela está sujeita, ao longo do processo de interação, a pequenas ou,
às vezes, até mesmo drásticas transformações. Na coordenação mútua
entre nossas ações e as ações alheias, ocorrem modificações no recorte,
na situação definida. É possível, por exemplo, que a senhora no trem e eu
cheguemos a uma definição de situação compartilhada: ler e, de vez em
quando, trocar algumas palavras. Também pode acontecer de a senhora
começar a contar algo de interessante para mim enquanto cientista so-
cial – como algo que ela tenha vivido durante a Segunda Guerra Mundial
–, algo que me leve a redefinir a situação, agora como uma espécie de
entrevista com fins científicos. Essa mudança de perspectiva me leva
agora a recorrer a outras regras, totalmente diferentes daquelas que eu
aplicava na tentativa de evitar a conversa. A partir desse momento, busco
contato visual, conduzo a conversa com questões: “e então, o que acon-
teceu depois?”. Enquanto pesquisadora, há anos realizando entrevistas
e ensinando formas de conduzi-las, consciente dessas regras, para mim,
é, a princípio, muito mais fácil estimular do que evitar uma conversa no
trem. Em alguns momentos, aplico tais regras de forma automática, mesmo
quando não tenho o intuito de estimular grandes relatos. Nesses casos,
tenho conscientemente de me perguntar o que devo fazer para evitar que
a pessoa dê início a uma conversa mais longa.
Com sua diferenciação entre enquadramento e enquadre, Goffman
busca explicitar a relação entre aquilo que é desde sempre dado e aquilo
que, na interação, é sempre novamente produzido: “Enquanto o enqua-
dramento (frame) diz respeito a estruturas de sentido sociais pré-dadas
as quais se destacam frente à (inter)ação fática com base em objetividade,
autonomia e imunidade” (WILLEMS, 1996, p. 444), o enquadre (framing)
caracteriza uma encenação2, no processo de interação, desse pré-dar-se
interpretado subjetivamente e em constante formação atual. Para Hans-

2
Hans-Georg Soeffner (1989, p. 151), autor de diversas críticas do conceito de “frame”,
relaciona à expressão “encenação” “nem acaso lúdico, nem planejamento eficazmente instrumen-
talizado ou instrumentalizável”, mas “a intercorrelação rotinizada entre, de um lado, interação
com vistas a um fim e, de outro, saber implícito sobre tipos de significado e sobre formas comu-
nicacionais de representação adquirido através da socialização e por meio de experiência”.

53
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Georg Soeffner (1989, p. 151), os conceitos não explicam por completo


esse aspecto da encenação; enquadramento costuma ser metaforicamente
associado à imagem de uma moldura, e com isso também à ideia de que,
se a moldura também determina a visão geral da pintura, essa, por seu
lado, existe independente da primeira. As metáforas “enquadramento” e
“enquadre” transmitem também o significado de algo fixo e delimitado,
o que pode dar origem a problemas sempre que busquemos descrever
processos de interação, já que o curso desses processos, ao contrário das
interações registradas por gravações de áudio, por exemplo, não é fixo: “O
enquadramento fixo é o resultado do registro, e não o aspecto primário
do curso interacional originário a partir do qual, tendo em vista diferen-
tes possibilidades, uma estrutura processual específica foi realizada”
(SOEFFNER, 1989, p. 144). Nós, enquanto intérpretes, temos no protocolo
da interação e na gravação de áudio um resultado, algo de pronto, reali-
zado; o agente, por seu lado, enxerga e apreende o sentido do processo
no qual ele se encontra de forma diferente. O curso, a interação em ato,
ainda oferece um horizonte de possibilidades, está aberto. Soeffner busca
mostrar, com isso, que o sentido da análise sequencial (ver subcapítulo
2.5.4) consiste em reconstruir o processo de escolha entre interpretações
possíveis e alternativas de ação. Christian Lüders (1994, p. 109), por sua
vez, busca lidar com essa problemática relacionada aos conceitos “enqua-
dramento” e “enquadre” de outra forma, sugerindo traduzi-los por “forma”
(“Gestalt”) ou “figura” (“Figur”) – significados que essas palavras muitas
vezes assumem na língua inglesa.
Se o conceito de definição da situação recebe conotação claramente
intencional e cognitiva, a conceituação de “enquadramento” e “enqua-
dre” também não deixa de estar associada a uma concepção dualista,
que ora faz referência a um recorte fixo, ora à concreção interativa e
subjetiva. De todo modo, a questão é: se o caráter processual da repro-
dução e da transformação de estoques de conhecimento existentes é
levado em conta, é menos conceitual do que de análise empírica.

2.2 O PRINCÍPIO DA COMUNICAÇÃO

Essas reflexões têm por consequência metodológica que o levantamento


e a análise são desenvolvidos de forma a tornar manifestos os processos de
enquadramento, esses produzidos e realizados na interação, assim como
as modificações ocorridas. Isso acaba por exigir, para a pesquisa, como

54
GABRIELE ROSENTHAL

mostram Fritz Schütze e outros membros ativos do grupo de trabalho dos


sociólogos de Bielefeld, que lancemos mão de procedimentos comunica-
cionais os quais, por sua vez, abrem espaço para processos cotidianos de
entendimento e de produção, de negociação de significado. As consequ-
ências metodológicas específicas ao princípio da abertura, ao qual essa
ideia está diretamente ligada, serão tratadas mais adiante. Antes de tudo
é preciso ter em mente que a pesquisa social interpretativa – à exceção
da análise de registros ou documentos já disponíveis –, implica processo
comunicacional com agentes do cotidiano.3 Quando inseridos no mesmo
contexto dos agentes, os pesquisadores acabam por ajudar a moldar a
realidade social que configura objeto do levantamento, seja esse levan-
tamento uma observação participante ou entrevista. “Geração de dados
é uma atividade comunicativa”, escreve Christa Hoffmann-Riem (1980, p.
347), mostrando-se alinhada a Fritz Schütze, o qual, nesse sentido, aponta
até mesmo para a possibilidade de uma “pesquisa social comunicativa”
(SCHÜTZE, 1978) que determine o processo comunicativo em consonância
às regras do cotidiano e ofereça ao agente a possibilidade de compreender
sua visão de mundo e também sua definição de situação da investigação.
Eles interpretam não apenas o mundo da vida dentro do qual se comunicam
conosco, pesquisadores, mas também a situação de pesquisa – isto é, eles
atribuem a ela, ao entrevistador e ao observador que participa da situação,
determinadas interpretações. Nesse contexto, deve-se levar em conta que
a definição de situação do entrevistado pode ser bastante diferente da do
entrevistador, e isso independente das definições de situação feitas por
aquele que investiga, sejam elas evidentes ou não. Enquanto os últimos
definem a conversa como inserida em um contexto científico, os primeiros
enxergam, ali, um bate-papo do cafezinho, uma espécie de consulta com
o psicólogo ou programa de entrevista. Assim, a entrevista acaba poden-
do tomar rumo diverso, sempre que, por exemplo, o entrevistado veja no
pesquisador um historiador interessado em acontecimentos de relevância
para a história de um grupo, ou um psicólogo que dê valor à expressão de
sentimentos por meio da fala. Além disso, caso o entrevistado imagine que
a entrevista venha a ser publicada em um jornal ou reproduzida em um
programa de rádio, é possível que ele se apresente de outra forma. Tudo que
é tematizado e, em especial, o modo com que o entrevistado se refere a seu

3
O conceito “agente do cotidiano” faz referência ao pensamento de Alfred Schütz e à sua
investigação fenomenológica do cotidiano.

55
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

dia a dia conservam relação de dependência com esses enquadramentos,


assim como com suas modificações ao longo do levantamento ou registro.
Na maioria das vezes, sempre que ocorrem mudanças no enquadramento
ou na definição da situação, encontramos, na análise, claras referências a
elas. A seguir, tratarei de esclarecer essa relação com base em uma entre-
vista realizada por mim e por Michaela Köttig com uma família do Kosovo
em vistas de perder o direito de permanecer na Alemanha.

2.3 EXEMPLO EMPÍRICO: ENQUADRAMENTOS VARIÁVEIS NO


CONTEXTO DE UMA ENTREVISTA COM UMA FAMÍLIA

Inicialmente, a entrevista em questão foi considerada pelos membros


da família Morina4 – nome fictício – como uma espécie de audiência como
as que tiveram junto às autoridades alemãs. A representação, isto é, o que
e o modo com que isso foi apresentado, caracterizou-se de início por um
enquadramento correspondente: ao longo da conversa, os entrevistados, por
exemplo, buscaram a todo tempo frisar que não desejavam permanecer na
Alemanha indefinidamente. Sintomas que apontavam para a possibilidade
de diagnóstico de um distúrbio pós-traumático na mãe e de uma doença de
rins na nora – algo que exigiria assistência médica imediata – foram mais
enfatizados do que as consequências psicológicas do trauma para os outros
membros da família ou dos problemas enfrentados por eles em sua estadia
na Alemanha. Isso se deveu ao fato de a legalidade de sua permanência no
país ter como pressuposto comprovação dos efeitos traumáticos dos perigos
e de tudo aquilo que vivenciaram no Kosovo. A família se encontrava, assim,
em situação de permanente necessidade de convencimento. Ao longo da en-
trevista (de acordo com os métodos da escuta ativa de entrevista centrada
no falante), na medida em que abordávamos seus medos e, em especial, o
temor de, eventualmente, ter de deixar a Alemanha, a percepção e a postura
mudaram. Ficou evidente a dor dos membros da família referente ao fato de
ninguém, na Alemanha, se interessar por sua dor, tampouco por suas vivências
traumáticas e pelo pavor da deportação para o Kosovo.5 A mudança gradual
no enquadramento da conversa ficava cada vez mais evidente na medida

4
A análise dessa entrevista pode ser encontrada em Rosenthal (2002c).

5
Nos dias de hoje, o temor da deportação é com frequência responsável por despertar o
medo da morte e de outras experiências de violência semelhantes às já vivenciadas.

56
GABRIELE ROSENTHAL

em que falavam das visitas, para eles tão desgastantes emocionalmente,


ao departamento de estrangeiros, cujos funcionários, ao contrário de nós,
não teriam mostrado interesse pelos problemas que vivenciavam. Os sérios
distúrbios pós-trauma da mãe e a experiência com as autoridades foram
introduzidos na entrevista pelo filho mais velho, que, devido a seus bons
conhecimentos da língua e por ter recebido a cidadania após ter se casado
com uma alemã, respondia pela família no processo junto à imigração; ao
meu comentário “acredito que o mais importante para vocês é poder estar
juntos aqui”, ele respondeu que as autoridades não compreendiam a situação
da mesma forma, e contou em seguida sobre a conversa com o funcionário
do departamento de estrangeiros:

Mas como que posso falar àquela pessoa sobre essas coisas,
sobre esses sentimentos? Ele não quer nem saber, o funcioná-
rio tá nem aí pra essas coisas... que pessoa mais fria... Eu fui
bastante claro com ele: “me desculpa, mas eu quero saber, você
não tem nenhum sentimento ou compaixão com essa gente?”
Mas eu percebi logo que ele queria mandar a família embora do
país, de qualquer maneira. Aí eu não consegui segurar, disse a
ele pra deixar minha mãe em paz, que ela precisa se esquecer
de tudo (transcrição, p. 28).

Esse processo de mudança dos enquadramentos ao longo da conversa


não é, pois, visto pelos representantes do paradigma interpretativo como
ruído, como responsável por distorções nos depoimentos, tampouco como
algo que deva ser controlado de alguma forma. Também não podemos
achar que determinado enquadramento esteja na origem de declarações
mais relevantes sobre a realidade cotidiana da família fora do contexto
da situação de conversa do que outra. Por sinal, é possível objetar que a
associação com uma audiência não constitui a realidade efetiva da família,
mas apenas a forma com que, de acordo com os entrevistados, se deve
representar a si mesmo durante uma audiência com o departamento de
estrangeiros. De todo modo, acaba que somos obrigados a nos ocupar,
aqui, da questão sobre o significado de “realidade”. É possível falar de uma
realidade alheia à perspectiva daqueles que a percebem, independente da
inserção em contextos situacionais específicos?
Na pesquisa social interpretativa, partimos, pois, do princípio da impos-
sibilidade de que a vivência de uma situação concreta, de sua recordação
ou relato, tenha alguma independência frente à perspectiva ou da defi-

57
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

nição da situação daqueles que dela participam. Apenas os processos de


enquadramento e de definição possibilitam interação; cada enquadramento
de uma entrevista faz referência a outras realidades, a outras situações
recortadas de forma semelhante. Essa é, ali, a realidade do processo de
reconhecimento, processo com o qual essa família, assim como outros
refugiados na Alemanha, teve de lidar. Essa realidade atual exerce, além
do mais, grande influência sobre a lembrança das vivências traumáticas,
e em especial sobre o modo com que são descritas. É esse aspecto que
assume a realidade de uma conversa enquadrada, como uma situação na
qual os ouvintes se voltam, empaticamente, a recordações e relatos de
sofrimento, situação na qual essas experiências são abordadas. Sempre
que o levantamento esteja constituído de forma a tornar explícitos – tendo
em vista a autonomia dos pesquisados nessa constituição – os processos
de enquadramento, teremos a possibilidade de produzir um texto que
permita analisar as regras de interação do mundo cotidiano. A entrevista
com a família Morina mostra, assim, como seus membros aprenderam a se
apresentar para as autoridades, mas também como os critérios que regem
processos desse tipo de reconhecimento na Alemanha determinam, para
a família, a percepção de si mesmo e o arranjo da própria biografia. Além
disso, é possível notar a diferença entre o modo de se representar frente
ao representante do estado e a representação frente a alguém interessado
na vivência e especialmente na dor pessoal. Não se deve ignorar, porém,
que as mudanças no curso da entrevista se deram em correspondência ao
ensejo de que nós, entrevistadores, talvez, de algum modo, protegessem
os membros da família da ameaça de deportação.
De um modo geral, a análise de processos de enquadramento permi-
te que se chegue a uma generalização desse modo de se apresentar, e
isso para além da situação de levantamento, da entrevista. Quando uma
pessoa se apresenta em uma entrevista enfatizando, por exemplo, suas
experiências de sucesso – contadas nos mínimos detalhes, ao passo que
sobre fracassos são feitas apenas breves menções, pois é de seu interesse
impressionar a nós enquanto cientistas sociais –, essa estratégia de se fazer
impressionar nos dá dicas sobre o modo com que a pessoa possivelmente
se comporta em outras situações semelhantes. James A. Holstein e Jaber
F. Gubrium (1995, p. 30) mostram a partir do exemplo de duas mulheres
adultas responsáveis diretas pelos cuidados da mãe com diagnóstico de
demência, como as entrevistadas, ao longo da entrevista, passam a se
apresentar nos mais diversos papéis (como o da dona de casa ou o da

58
GABRIELE ROSENTHAL

filha atenciosa): “... cada papel conta a estória de suas próprias atitudes,
sentimentos e comportamentos” (p. 32). Questionar o entrevistado sobre
esses processos de enquadramento não os torna visíveis, uma vez que o
próprio e os entrevistadores não são de todo conscientes deles. Além disso,
mesmo que respostas às perguntas com as quais concluímos a entrevista
(por exemplo: “Que vivência você fez dessa conversa?”) façam referências
importantes aos enquadres, não temos acesso a todas as possibilidades
de significação. Antes, necessitamos de métodos – tanto de levantamento
quanto de análise – que permitam ao entrevistado aplicar regras de en-
quadramento e enquadres próprios, e, com isso, oferecer a nós a possibi-
lidade de expô-los na análise. Para isso se exigem sobretudo métodos de
levantamento que satisfaçam ao princípio da abertura.

2.4 O PRINCÍPIO DA ABERTURA NO PROCESSO DE PESQUISA E NO


LEVANTAMENTO

A seguir, irei abordar o desenvolvimento de um processo de pesquisa e


de situações de levantamento comprometidas com o princípio da abertura.

2.4.1 Abertura a alterações no plano de pesquisa

Em termos gerais, no contexto de mudança de nossos planos de pes-


quisa, a abertura significa:
• Perguntas de pesquisa abertas, com possibilidades de modifica-
ção.

• A construção de hipóteses ocorre ao longo do processo de inves-


tigação.

• O desenvolvimento de formas de verificação teórica acompanha


o desenvolvimento da pesquisa.

Ao contrário do que se nota no modo de proceder dedutivo – que conta


com pressupostos teóricos e que parte de um leque de problemas de con-
tornos claramente determinados –, a questão com a qual damos início à
pesquisa não apenas deve ser vaga em sua formulação, mas também pode
se modificar ao longo da investigação empírica, em comprometimento com
uma lógica da descoberta. Isso significa que, ao invés de darmos início
ao processo de pesquisa com um conjunto de hipóteses, devemos, antes,
colocar entre parênteses, isto é, tratar nossas suposições científicas e

59
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

também nossos prejulgamentos do cotidiano a princípio com reservas.


Christa Hoffman-Riem (1980) fala de uma renúncia à geração de dados a
partir de hipóteses. Antes, é com base em observações empíricas que se
pretende gerá-las, verificá-las, modificá-las e rejeitá-las. Assim, não há
como definir de antemão a amostragem, que só é constituída no decor-
rer da investigação, a partir de suposições que gradualmente ganham
consistência (ver subcapítulo 3.2). Como enfatizado por Glaser e Strauss
(1967), levantamento e análise não devem ser concebidos como fases
rigorosamente distintas. Antes, sugere-se realizar entrevistas ou obser-
vações prévias, avaliar textos (transcrições ou protocolos) produzidos
nesse contexto, e, a partir dessa análise, retornar a campo com outras
perspectivas, com questões e procedimentos de levantamento dos dados
em parte modificados.
A respeito da desconsideração de hipóteses no início da pesquisa,
sempre foi dito, e de forma bastante crítica, que se trata de pretender
uma falsa ausência de pressupostos, a qual, de acordo com Christel
Hopf (1979, p. 27), acaba por “apresentar distorções no processo inves-
tigatório, esse conduzido, nolens volens, por modelos de interpretação
culturalmente determinados e por expectativas sobre o que será apreen-
dido”. Essa objeção – perfeitamente justificável – contra uma ausência de
pressupostos compreendida enquanto tal resulta, porém, de uma forma
equivocada de se considerar aquele “colocar entre parênteses”. Esse
mal-entendido, por sua vez, pode se dever à linguagem teórica de Glaser
e Strauss (1967, p. 39) e outros, segundo os quais hipóteses “emergem
do material” (em inglês “to emerge” ou “to arouse”), afirmação que
induz a ideia de que, para encontrar significados, bastaria ir a campo
e realizar observações – sem texto, sem levantar questões relativas a
ele. Interpretações, no entanto, não são possíveis sem conhecimento
prévio, sem questionamento, os quais, por sua vez, são necessários
para a formação de hipóteses. De todo modo, esse conhecimento pré-
vio, tenha ele sua origem no cotidiano ou no conhecimento científico,
encontra no método abdutivo da geração de hipóteses – cujo ponto de
partida é o texto, isto é, o dado empírico – aplicação por assim dizer
heurística (ver subcapítulo 2.5.2). Por “heurístico” entende-se que essas
hipóteses assumem caráter de explicações provisórias – entre outras
explicações possíveis – referentes aos dados à disposição. Assim, não
se trata de verificar, de buscar no texto por comprovações de hipóteses
já formuladas. Segundo Glaser e Strauss (1967, p. 39):

60
GABRIELE ROSENTHAL

Deve-se enfatizar que, de início, essas hipóteses assumem status


de relações apenas supostas, ainda não postas à prova, entre
categorias e suas propriedades, por meio das quais elas são
verificadas, algo que deve ocorrer sempre que possível ao longo
da pesquisa [...]; passa-se a considerar ao mesmo tempo uma
multiplicidade de hipóteses. [...] A geração de hipóteses requer
evidência, mas apenas o suficiente para fortalecer a suposição – e
não um amontoado de evidências com a finalidade de comprovação
–, e o impedimento sistemático na geração de novas hipóteses.

Ademais, todo tipo de estudo empírico se desenvolve de acordo com in-


teresses específicos e com questões sempre baseadas em hipóteses – sejam
elas vagas ou implícitas. Uma questão sempre irá implicar que nos depa-
remos com algo de “questionável” e de relevante, cujo conhecimento seja
de valor para o debate sociológico. Com a intenção de suspender hipóteses
ou, na linguagem fenomenológica, colocá-las entre parênteses, busca-se
de início um plano de levantamento que possibilite o desenvolvimento de
novas explicações. Pretender um método de levantamento caracterizado
por abertura significa desenvolvê-lo da forma mais livre possível, ao invés
de buscar estruturá-lo de acordo com nossos pressupostos. A forma como,
no processo de levantamento, isso se dá será abordada adiante, a partir
dos exemplos da observação participante e da entrevista narrativa.
O princípio da abertura exige do cientista social, antes de tudo, dis-
posição para a descoberta do novo, exige se deixar envolver pelo campo
empírico; estar aberto significa também aceitar mudanças em seu estoque
de conhecimento: “abertura significa, para o pesquisador, disposição e
capacidade de acompanhar o processo de conhecimento, de transformar
seu conhecimento (e, com isso, a si mesmo?)” (KLEINING, 2001, p. 30). Essa
disposição implica também estarmos conscientes de nossas pressuposições
– em parte implícitas –, e isso o quanto for possível, para que elas, assim,
não venham a guiar a investigação sem que percebamos.

2.4.2 Exemplo empírico: a descoberta do significado de gerações


históricas

O processo de modificação da pergunta, das hipóteses implicadas e


da amostragem teórica será abordado a partir do exemplo de um estudo
realizado como parte de um projeto desenvolvido na Universidade de
Bielefeld entre 1986 e 1988. Meu interesse com a pesquisa estava voltado

61
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

para experiências de guerra e para o modo como elas são tratadas atual-
mente, mas desde um ponto de vista biográfico (ROSENTHAL, 1990). A
tarefa consistia, inicialmente, em investigar a diferença entre experiências
específicas ao grupo masculino em comparação com as do grupo feminino
e – em relação, de certo modo, direta – as diferenças entre vivências que
tiveram lugar na frente de batalha, na base militar ou no próprio país. Esse
interesse era guiado pela hipótese ou suposição de que essas disparidades
também seriam responsáveis por diferenças no modo com que, contem-
poraneamente, se lida com o passado. Começamos, assim, a desenvolver
nossa amostragem realizando entrevistas com homens e mulheres nascidos
entre 1910 e 1935 e que vivenciaram a Segunda Guerra Mundial desde o
interior de uma dessas três “zonas”. A cada entrevista ficava mais claro
que, para os homens, a diferença mais importante, no que dizia respeito
a vivências e ao tratamento dado a elas, não estava ligada à sua presen-
ça, seja na frente de batalha ou na base, mas, antes, à participação em
crimes de guerra e em ações que violavam direitos humanos (crimes em
sua maioria ocorridos nas regiões ocupadas, especificamente no interior
de bases militares). Ao longo da análise, também notamos como, em ge-
ral, e tanto para os homens como para as mulheres, a idade, assim como
experiências prévias e especialmente o posicionamento ideológico com
relação ao nacional-socialismo, determinavam as semelhanças e diferenças
das vivências e da forma de compreendê-las hoje. Após uma entrevista
de início fora dos planos, a importância do pertencimento a determinada
geração enquanto determinante não pôde mais ser ignorada. O entrevis-
tado, à época da entrevista, estava internado em um hospital; ali estava
sempre comentando com os outros sobre seus traumas de guerra. Quem
o indicou para entrevista foi o médico que o tratava, um amigo de um dos
pesquisadores. Em comparação com outros homens com quem havíamos
conversado – inclusive no contexto da nossa pesquisa sobre a juventude
hitlerista (ROSENTHAL, 1987) –, seu paciente, que não pertencia à mesma
geração dos outros entrevistados, tinha um discurso totalmente diferente
sobre a Segunda Guerra. Nascido em 1899, ele já havia sido enviado, ain-
da jovem, para lutar na frente de batalha ocidental da Primeira Guerra;
anos mais tarde, em 1939, por ainda ter idade para servir, foi obrigado
novamente a se apresentar. O entrevistado sempre falou de forma positiva
sobre o moral dos soldados na Primeira Guerra, os quais, na Segunda –
contava com exaltação –, por outro lado, teriam sofrido injustiças. Além
das consequências de um trauma originado nas trincheiras da Primeira

62
GABRIELE ROSENTHAL

Guerra, pudemos notar, ali, um ideal pacifista que, mesmo implícito, não
encontramos em outras entrevistas (ROSENTHAL, 1988). Essa conversa,
assim como sua análise, deu origem a uma mudança determinante no
planejamento da amostragem. Nos lançamos então à procura por vetera-
nos da Primeira Guerra e realizamos entrevistas narrativas biográficas
com 16 homens nascidos entre 1888 e 1900. Conforme mencionado, com
essas entrevistas tornou-se impossível ignorar a importância, no sentido
atribuído por Karl Mannheim (1928), do pertencimento a determinada ge-
ração histórica e, em relação direta, das experiências pessoais anteriores
ao cotidiano de guerra de 1939 a 1945. Tal pertencimento, assim como a
diferença entre as perspectivas contemporâneas com relação à Segunda
Guerra e ao nacional-socialismo, tornou-se, dessa forma, elemento central
na investigação; ambos passariam a constituir a questão mais fundamen-
tal do projeto e possibilitariam as conclusões e generalizações teóricas,
a nosso ver, mais importantes do estudo. Surgia, ali, a questão empírica
sobre as diferentes condições da constituição de gerações históricas, a
qual trabalharíamos mais tarde em outros projetos (ROSENTHAL, 1997).
Ademais, pude perceber, a cada entrevista com pessoas dessa geração,
mas também graças à leitura paralela tanto de ficção quanto de textos cien-
tíficos e autobiográficos que tinham como tema a Primeira Guerra, e isso de
forma cada vez mais clara, como a vivência e as consequências – psicológicas
e para a história de vida – da guerra de exaustão (no primeiro conflito) são
estruturalmente diferentes daquelas ligadas à guerra de manobra da Segunda
Guerra (ROSENTHAL, 1988). Com essa descoberta empírica a partir do con-
tato com veteranos da Primeira Guerra Mundial, surgiria ao longo do projeto
de pesquisa outra questão, agora referente às diferenças entre a vivência
da Primeira e a da Segunda Guerra Mundial. Minha sensibilidade – a qual
crescia com cada entrevista – para as experiências traumáticas dos vete-
ranos da guerra de exaustão, experiências que eles raramente mencionam,
exigiu certas mudanças no modo de conduzir a entrevista devidas também
às consequências dos traumas (ROSENTHAL, 2002c).
Como o exemplo mostra, as modificações e a descoberta de hipóteses,
a coleta de dados e as questões que guiavam a pesquisa – essas emergidas
pouco a pouco no contexto investigativo – determinam-se mutuamente.
Ao longo desse processo, suposições e questionamentos considerados
centrais no início da pesquisa podem assumir caráter apenas marginal.
Por exemplo, a análise, em estudo comparativo, da questão sobre as dife-
renças nas vivências de homens e de mulheres relativas à Segunda Guerra

63
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Mundial e seus posicionamentos específicos quanto ao nacional-socialismo


acabou perdendo relevância no desenvolvimento da pesquisa; a questão,
assim como a da tensão entre pertencimento geracional e a determinado
gênero, só pôde ser trabalhada e esclarecida após a reconstrução empíri-
ca das gerações históricas. A comparação empírica das histórias de vida
de homens e mulheres nascidos entre 1890 e 1935 mostrou, por exemplo,
que o pertencimento geracional tende a se formar, para cada gênero, em
diferentes períodos históricos, bem como que os limites estabelecidos
de uma geração de acordo com o ano de nascimento são, para homens e
mulheres, também variáveis. Assim, ficou claro nas análises empíricas o
quanto a participação na Primeira Guerra foi determinante de um modo
geral para a geração de homens nascidos entre 1890 e 1900 – e com isso
também a fixação do limite geracional em questão nesses anos –, ao passo
que, para as mulheres nascidas no mesmo período – ou mesmo anos depois,
até 1905 –, as consequências dessas vivências são mais evidentes em suas
relações familiares, em especial nas relações com seus pais e com seus
maridos (ROSENTHAL, 1997b).6

2.4.3 Abertura na situação de levantamento de dados

A tese de Alfred Schütz, segundo a qual as construções da ciência


social devem ter por base as construções do cotidiano, implica para
o processo concreto de pesquisa voltar-se, em primeiro lugar, ao sis-
tema de relevância do agente cotidiano e buscar deixar de lado, nas
fases iniciais do levantamento, as nossas próprias relevâncias. Caso
estejamos interessados – enquanto cientistas sociais – em investigar

6
Como mostram nossas análises de biografias de mulheres nascidas nesses períodos,
aspectos comuns às diferentes gerações são: a substituição da autoridade paterna na casa
dos pais pela autoridade dos maridos que retornam da Primeira Guerra Mundial, todavia
quase sempre traumatizados, ao passo que, durante o conflito, cabe às mulheres vivenciar
crescente autonomia no contexto familiar, ao mesmo tempo em que, fora de suas famílias,
são estimuladas a assumir as rédeas da própria vida. A partir desse contexto relacional é
possível encontrar com frequência sistemas de parceria nos quais os homens de fato conti-
nuam a ter o poder de decisão em domínios essenciais da vida familiar, embora caiba agora
às mulheres – psicologicamente muito mais estáveis do que seus maridos – determinar
fundamentalmente as estruturas comunicacionais na família. Assim, é possível encontrar
entre essas famílias alguns maridos, por um lado, infantilizados por suas mulheres e, em
consequência, por seus filhos – esses ainda socializados no contexto ideológico do nacional-
-socialismo –, mas que, por outro lado, ao mesmo tempo, exercem sua autoridade masculina
sobre tomadas de decisões e a definições situacionais.

64
GABRIELE ROSENTHAL

determinado tema, como processos migratórios ou o desemprego, não


podemos pretender defini-lo estritamente logo de começo ou estipular
de antemão o que pertence ao eixo temático em questão e o que não
poderá ser incluído na pesquisa. Seja com relação à experiência da
migração, seja no que diz respeito ao fenômeno da falta de trabalho,
não é possível saber desde o princípio o que é ou não relevante para o
agente. Assim, enquanto a história de migração da bisavó representa
algo de significativo para uma determinada migrante, é possível que,
para a vida de outra, o passado de sua família não desempenhe – de
forma consciente ou inconsciente – papel mais determinante do que a
frustração experimentada, por exemplo, em seu ambiente de trabalho.
Enquanto que, para uma pessoa desempregada, problemas enfrenta-
dos no casamento pareçam ter relação direta com seu problema em
arranjar serviço, dificuldades semelhantes podem não constituir, para
outra, fator determinante.
A fim de explicitar essas relações e também a constituição dessas re-
levâncias específicas aos pesquisados, é necessário que o levantamento
– como uma entrevista individual ou em grupo, ou então a observação e
o registro de contextos cotidianos nos quais elas possam ser tematizadas
– configure situação aberta. Para quem conduz uma entrevista aberta,
isso significa: antes de levantar questões que a princípio pareçam de
importância para a pesquisa, devemos deixar que o entrevistado fale da-
quilo que, dentro do eixo temático, seja-lhe mais relevante. Isso encontra
aplicação sistemática, por exemplo, no método da entrevista narrativa (ver
subcapítulo 5.4). Para o procedimento da observação participante (Capítulo
4), isso significa ir a campo sem sistemas de categorias construídos de
antemão, significa jamais determinar preliminarmente o domínio da vida a
ser investigado e aquele a ser ignorado. Antes, há que se tentar descobrir,
nas observações, as relevâncias próprias ao meio pesquisado – voltar-se
a elas, orientar-se, na investigação, por elas. O objetivo da observação é
descobrir os espaços e os momentos em que interações importantes têm
lugar. Em uma comunidade de migrantes na qual realizamos a observação,
as interações ocorridas entre pais no parquinho ao qual regularmente
levavam seus filhos para brincar consistiam trocas de experiências sobre
problemas enfrentados no país em que vivem, enquanto que, em outra
comunidade, esse papel era desempenhado por centros comunitários, em
um fórum de discussões políticas.

65
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Abertura também significa, no contexto do levantamento e ao


longo do processo de estruturação do setting – isto é, do cenário de
uma situação como uma entrevista ou uma conversa entre familiares
–, estar orientado de acordo com as exigências levantadas por aqueles
que constituem objeto de estudo. Se, no início da minha carreira de
pesquisadora, ainda tendia a intervir quando, por exemplo, em uma
entrevista biográfica com um homem, sua mulher, presente, “inter-
feria” ativamente na conversa, consigo, hoje, ver ali elemento muitas
vezes facilitador da interpretação. Percebi com o tempo que minhas
tentativas de evitar esse tipo de “interferência” tendiam ao fracasso,
apenas dificultavam o processo, afetavam minha concentração ao longo
da entrevista e, no final, mostravam-se frustrantes. Vivenciei com essa
prática, no que diz respeito à teoria, algo que desde o início da minha
formação em entrevistas centradas no falante me era consciente: não
há sentido em boicotar a estrutura colocada pelo entrevistado. Além
disso, na análise das entrevistas, ficou claro que faria um favor a mim
mesmo se não deixasse exclusivamente para o entrevistado a tarefa de
determinar o arranjo do setting e se aprendesse a entender esse arranjo
como expressão de sua estrutura de caso ou da estrutura daquele ma-
trimônio. Ou seja, o fato de o marido querer sua mulher ao lado – para
apoio emocional – enquanto relata vivências de situações complicadas
já diz bastante sobre o entrevistado e seu casamento; muito mais do
que o fato de sua mulher buscar evitar esse tipo de relato. Tal como no
contexto de uma conversa individual, faz pouco sentido tentar impor
nossa ideia sobre o modo com que a conversa deve transcorrer em uma
entrevista com integrantes de uma mesma família. Enquanto algumas
famílias, antes do início da entrevista, mostram-se interessadas em um
bate-papo informal, há outras que preferem já começar com relatos
de vivências. Durante o desenvolvimento do processo de pesquisa “O
holocausto na vida de três gerações” (ROSENTHAL, 1997a), buscar
entender o que estava por trás das diversas e frequentes interferên-
cias ao invés de tentar reprimi-las – tanto nas entrevistas individuais
quanto em família – foi de fato um processo de aprendizado para todos
os pesquisadores. Em uma dessas entrevistas aconteceu de a conversa
ser interrompida com frequência, por exemplo, com a filha da família
encomendando pizza pelo telefone para seu filho, enquanto sua mãe
– respondendo a uma questão colocada pela filha – contava sua vida
no campo de concentração, ou então com os netos dos entrevistados

66
GABRIELE ROSENTHAL

fazendo perguntas não relacionadas ao tema da conversa, assim como


com a visita de outros integrantes e amigos da família – que chegavam,
sentavam-se brevemente conosco para logo em seguida nos deixar etc.
(MOORE, 1997). Essas interrupções devem ser compreendidas, antes,
como indícios da forma de lidar com o passado, tal como a escolha do
lugar da entrevista. Certa vez, o filho de um sobrevivente de guerra foi
enfático ao dizer preferir realizá-la em um café de uma das ruas mais
movimentadas do comércio de Tel Aviv, enquanto outro entrevistado,
dessa vez um sobrevivente, solicitou-me para que as conversas, breves,
embora em grande número, tivessem lugar em minha sala na universi-
dade, e não em sua casa, ou seja, em seu ambiente familiar. Em ambos
os casos, os entrevistados tiveram a sensação de, assim, ser possível
evitar uma enchente de lembranças emocionalmente traumáticas.
De todo modo, se buscarmos compreender como expressão da par-
ticularidade de cada entrevistado aquilo que a princípio víamos como
ruído, trazendo esse elemento enquanto dado empírico para a recons-
trução do caso, veremos seu caráter de interferência desaparecer por
completo.

O PRINCÍPIO DA ABERTURA NO PROCESSO DE PESQUISA


E NO LEVANTAMENTO

• A questão que conduz a pesquisa é aberta e passível de modi-


ficação.

• A formação de hipóteses ocorre ao longo do processo investi-


gatório.

• O desenvolvimento de amostragem “teórica” ocorre durante


a pesquisa.

• Abertura também no levantamento (instrumento, situação de


entrevista e transcurso).

• Estar orientado, em princípio, de acordo com o sistema de re-


levância dos agentes em seu contexto cotidiano, e não com as
relevâncias postas cientificamente.

67
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

2.5 O PRINCÍPIO DA ABERTURA NA ANÁLISE INTERPRETATIVA


DE TEXTO

• Análise reconstrutiva (vs. processos lógico-agregadores, como


a análise de conteúdo).

• Procedimento abdutivo.

• Análise sequencial (vs. reestruturação de textos).

• Generalização teórica e construção tipológica a partir de caso


particular (vs. generalização estatística/matemática).

Nota preliminar. Sempre que considerarmos, como significado do


“princípio da abertura”, evitar um levantamento de dados orientado à
hipótese, a análise exigirá um procedimento reconstrutivo que siga não
uma lógica da verificação de hipóteses já formuladas, mas uma lógica
da descoberta. Isso vale para os vários modelos de análise existentes no
campo da pesquisa social interpretativa. Com a hermenêutica das ciências
sociais e os princípios de investigação de fundamento etnometodológico,
como a análise conversacional, predominam na Alemanha outros dois mé-
todos de interpretação do texto: a hermenêutica objetiva, segundo Ulrich
Oevermann (1979 – entre outras de suas obras), e a análise de texto e de
narrativas, como desenvolvida por Fritz Schütze (1983), assim como mo-
dificações e combinações de ambos os procedimentos (HILDENBRAND,
1999a; ROSENTHAL, 1987; 1995; WOHLRAB-SAHR, 1992). No subcapítulo
6.2 (ao abordarmos o método da reconstrução biográfica de caso), ana-
lisaremos em detalhes uma variante própria da combinação entre essas
perspectivas e, ao mesmo tempo, esclareceremos a apropriação que Fritz
Schütze faz da hermenêutica objetiva e da análise de narrativas.
Tal como sustentado de forma mais explícita por Ulrich Oevermann – e
também sistematicamente aplicado tanto pela análise da conversação et-
nometodológica (BERGMANN, 2000) quanto pela hermenêutica objetiva –,
o método de reconstrução implica, no que diz respeito ao desenvolvimento
e à verificação de hipóteses, um procedimento abdutivo e sequencial. A
seguir, vamos introduzir esses três princípios da reconstrução, da abdução
e da sequencialidade e elucidar o procedimento abdutivo a partir de um

68
GABRIELE ROSENTHAL

exemplo empírico, para então esclarecer o objetivo – esse comum a todos


os princípios interpretativos, mas que não deve ser atribuído a outros
métodos qualitativos – da generalização teórica e da construção tipológica
a partir do caso particular.

2.5.1 O princípio da reconstrução

Por princípio da reconstrução entende-se, primeiramente: não se voltar


a textos a serem interpretados – sejam eles transcrições de entrevistas,
protocolos de observação ou gravações em áudio ou em vídeo de comuni-
cações cotidianas, sejam esses documentos textos impressos, cartas ou
diários – com um conjunto já disponível de hipóteses. Isso significa jamais
abordar os textos tendo como ponto de partida categorias previamente
construídas ou mesmo já presentes no texto. Ulrich Oevermann caracte-
riza esse outro modo de proceder – em contraste ao método reconstrutivo
– como lógico-agregador, no qual cada passagem do texto é separada do
nexo textual e categorizada. Desse modo, os segmentos são destacados
de seu contexto original de sentido e inseridos em outro, esse trabalhado
pelo pesquisador. Considerado estruturalmente, não faz diferença se o
processo, na medida em que o sistema de classificação é desenvolvido com
base no material disponível, constitui-se indutivamente – como mostra, em
parte, a análise qualitativa de conteúdo (LISCH; KRIZ, 1978; MAYRING,
1983) –, ou se as categorias são, antes da análise, deduzidas de teorias.
Caso seja possível, por exemplo, no contexto da análise interpre-
tativa de uma entrevista com uma migrante, identificar uma fase da
história familiar como relevante (ou, na linguagem da teoria da Gestalt,
como elemento de significado funcional para a estrutura do caso),
podemos, então, chegar indutivamente à categoria “história familiar
de migração” e procurar em outras entrevistas por passagens corres-
pondentes. Nesse caso, procedemos de forma bastante parecida com
o método dedutivo, por meio do qual chegamos às categorias antes de
executar análise empírica, sempre a partir de teorias já existentes. A
partir delas, e com o auxílio da classificação desenvolvida tendo como
ponto de partida o material empírico, passaríamos ao texto seguinte
buscando por passagens que pudessem ser subsumidas nessa categoria,
mas sem reconstruir sua significação funcional para o texto como um
todo. Em ambos casos de análise de conteúdo a forma do texto é abala-
da; elementos dos casos particulares são destacados e, tomados como

69
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

dados fenomenais e com base na identidade de sua aparência exterior,


agrupados com o auxílio de categorias. No método reconstrutivo, em
contrapartida, não se busca derivar categorias a partir da análise da
entrevista inicial, tampouco encontrar passagens correspondentes nos
textos seguintes. Ao contrário, cada texto é novamente interpretado, e,
o significado de cada passagem, reconstruído na atualidade do discurso,
no interior da totalidade do processo de constituição interativa dessa
“parte”, isto é, na totalidade do texto. Enquanto que, em determina-
da entrevista, migração e o contexto histórico familiar se encontram
diretamente ligados, é possível notar em outras um tipo totalmente
diverso, no qual a história familiar seja de alguma relevância, embora
nenhum componente formador da estrutura do processo de migração
ou da autocompreensão da migrante no presente da entrevista. Dito
de forma mais simples: o que em um caso se apresenta como “catego-
ria” de importância pode, em outro, não ter significado ou ser apenas
pouco relevante.
Subsumir partes do texto em categorias significa organizá-las em
classes. Com isso pretende-se verificar sua “regularidade” no sentido de
frequência de surgimento. Kurt Lewin (1890-1947), teórico da Gestalt e
autor de importantes escritos metodológicos (1927; 1930/31) publicados
sobretudo nas décadas de 1920 e 1930, discute esse modelo na tradição
aristotélica da teoria da construção de conceitos, a qual separa partes
em classes, caracterizando-as desse modo (LEWIN, 1930/31, p. 425),
e o contrapõe à teoria de Galileu sobre a formação de conceitos, que
postula apreender a concreção integral de um caso e determinar seus
momentos constitutivos, diferenciando-os frente aos outros fatores es-
pecíficos à situação.
Uma construção de conceitos nas ciências sociais no sentido que
Galileu prescreve tem por base a ideia de que formações sociais – como
um artigo impresso, uma carta ou o modo com que a pessoa se apre-
senta em uma entrevista – formam uma totalidade produzida também
por meio de um sistema regulador fundamental e a qual não se deixa
dividir em agrupamentos dotados cada um de regras próprias. A con-
cepção de que partes de uma formação só podem ser determinadas em
seu significado a partir das regras de estruturação dessa última está
presente, de forma mais clara, sobretudo, nos trabalhos sobre a teoria
da Gestalt desenvolvidos por Kurt Koffka (1963) e por Max Wertheimer

70
GABRIELE ROSENTHAL

(1922; 1923) e também nos escritos do próprio Lewin.7 A ideia de uma


identidade autossuficiente das partes é explicitamente negada pela
teoria da Gestalt. De acordo com essa perspectiva, tais elementos não
possuem nenhum aspecto ou caráter independente de sua integração
em uma totalidade contextual. Assim, portanto, embora seja possível
superar a ideia de que as partes são em seu núcleo inalteráveis sem-
pre que busquemos interpretar partes sem remontá-las ao todo de
seu surgimento, somos permanentemente obrigados a inseri-los em
uma totalidade projetada por nós, uma vez que, por princípio, elas são
interpretadas como partes de um todo. Do ponto de vista estrutural,
essa totalidade projetada por nós em correspondência com nossas
concepções cotidianas ou originada na pesquisa científica pode ser
totalmente incompatível com a forma (Gestalt) em seu contexto con-
creto de surgimento – contexto cuja reconstrução acaba por negar o
isolamento de cada elemento.
A análise reconstrutiva impede, assim, em contraste com procedimen-
tos lógico-agregadores, que se aborde o texto com o auxílio de sistemas
de variáveis e classificatórios determinados de antemão. Do contrário,
nas palavras de Ulrich Oevermann, chega-se, nesse tipo de análise, “ao
tipo geral da estrutura, do qual o curso concreto constitui reflexo, e isso
reconstrutivamente, a partir da explicação da estruturação de um proces-
so social concretamente dado” (OEVERMANN, 1983, p. 246). Fenômenos
sociais não são concebidos como formações estáticas, tampouco como
exemplares de determinadas categorias, mas, antes, devem ser recons-
truídos no processo de sua (re)produção interativa. Essa ideia pode ser
encontrada também na análise da conversação etnometodológica (AC) de
Jörg Bergmann, cujo objetivo é a investigação de princípios comunicativos
formais e dos mecanismos da (re)produção de ordem social:

Há que se descrever a AC “from within” (Garfinkel), desde o


interior, como um fenômeno interacional. Isto é, ela recusa sub-
sumir processos sociais em categorias externas, previamente
dadas; ao invés disso, busca apreender formas e cursos sociais
em sua dinâmica e em sua lógica interna e investigá-las enquan-
to estruturas que se auto-organizam, se autorreproduzem e se
autoexplicitam (BERGMANN, 1994, p. 8).

7
Sobre as implicações metodológicas da teoria da Gestalt para a pesquisa biográfica, ver:
Rosenthal (1995).

71
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

2.5.2 O princípio de um procedimento abdutivo

A reconstrução é realizada de forma sistemática quando orientada


pelos princípios do procedimento sequencial e do método abdutivo – esse
último fundamentado epistemologicamente (ver subcapítulo 1.3) pelo
pragmatista Charles Sanders Peirce (1980). A busca e a verificação de
hipóteses a partir do caso particular configura um caráter essencial do
processo abdutivo, um aspecto que o difere tanto do indutivo quanto do
dedutivo. Além disso, o caminho até a formação de hipótese tem, na abdu-
ção, um significado especial (FANN, 1970, p. 5). Mesmo que a formação de
hipóteses seja a princípio compreendida como resultado de uma intuição
casual, um lampejo repentino, é necessário, de acordo com Peirce, expli-
citar as bases dessa hipótese, o modo com que esses “lampejos” se ligam
fundamentalmente aos fenômenos a serem investigados e a possibilidade
de sua verificação a partir do caso concreto.
Na literatura contemporânea das ciências sociais, podemos encon-
trar diversas discussões a respeito do significado da abdução em seus
aspectos mais elementares e sobretudo de sua aplicação metódica;
mesmo nas diferentes interpretações da obra de Charles Sanders Peirce,
é possível encontrar controvérsia.8 Essas diferenças parecem ter rela-
ção com a diferenciação feita por Peirce entre, de um lado, um método
constituído verticalmente pelos três momentos da abdução, dedução
e indução, e, de outro, a ideia da constituição desses três momentos
como fases de um processo lógico. Observemos, primeiramente, cada
passo desse processo.
Por conclusão abdutiva entende-se o processo no qual uma hipótese
explicativa é formada tendo em vista determinado fenômeno, enquanto que,
por inferir dedutivo, a dedução de uma hipótese a partir da teoria ou das
consequências ainda não verificadas a partir da hipótese. Inferir indutivo

8
Esse meu entendimento da abdução tem por base, além de uma leitura dos escritos
de Peirce, mais especificamente a exposição do tema – a nosso ver extremamente clara
e bem trabalhada – que encontramos em Fann (1970) assim como em Sebeok e Umiker-
Sebeok (1985) e, além dela, sobretudo nossa experiência na aplicação do procedimento,
essa orientada pelos primeiros trabalhos metodológicos de Oevermann. Outras leituras
sobre a abdução podem ser encontradas nas obras de Kelle (1994) ou de Reichertz (1993;
2003), nas quais são desenvolvidas críticas a respeito do conceito de abdução trabalhado
por Oevermann. A crítica segundo a qual seu procedimento abdutivo pressupõe as regras
ao invés de gerá-las é de fato pertinente, mas apenas se consideramos a obra tardia de
Ulrich Oevermann.

72
GABRIELE ROSENTHAL

ou indução significa, por sua vez, a busca por provas e indícios para testar
a hipótese. “Somente podemos chamar propriamente de indução o tipo de
inferência que, baseada em uma hipótese, parte para a verificação, por
meio de experimentos, de algo antes previsto” (PEIRCE, 1980, p. 7.206).
Por outro lado, quando compreendida como processo autônomo – como
encontramos com frequência na literatura –, indução significa chegar à
regra ou às modalidades de uma classe a partir de um número específico
de casos ou de observações particulares. Essas três formas de conclusão
são tratadas nos trabalhos tardios de Peirce (a partir de 1901, ver FANN,
1970, p. 28) como momentos do processo trifásico da abdução, o qual
apenas na ordem de ocorrência de suas fases constituintes se difere dos
procedimentos – também formados por diversos níveis – da indução e da
dedução. Enquanto que na dedução parte-se de uma teoria, e, na indu-
ção, de uma hipótese, a abdução tem como princípio a observação de um
fenômeno empírico.
Os passos do método trifásico de abdução são os seguintes:

1. Do fenômeno empírico para todas as hipóteses possíveis no


momento da interpretação.

Peirce (6.469): “tomar uma hipótese como sugerida pelo fato é o


que chamo de abdução”.

Partindo-se do fenômeno empírico chega-se a uma regra geral


explicativa do mesmo (FANN, 1970, p. 10). De acordo com Peirce
(6.202), trata-se da busca por uma hipótese que seja verificável e que
esclareça fatos observáveis. Esse passo caracteriza a conclusão abdu-
tiva propriamente dita. O mais importante, porém, é que não se trata,
ali, de se chegar a apenas uma única regra, mas, antes, a todas as
leituras possíveis no presente da interpretação que contribuam para
a compreensão do fenômeno. Tanto o saber cotidiano quanto teorias
científicas assumem caráter heurístico no desenvolvimento de hipóte-
ses. Isto é, ao contrário do que ocorre na dedução, não se trata de pôr
à prova determinada teoria. Antes, diversos conceitos são utilizados
como explicações possíveis de um fenômeno empírico – ou seja, para
a construção de hipóteses.

73
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

2. Da hipótese para a hipótese secundária

Peirce (7.203): “...assim que uma hipótese é adotada há que se


buscar suas consequências experimentais, sejam elas necessárias
ou prováveis. Esse passo configura a dedução”.

De acordo com essa leitura, são então deduzidos fenômenos secundários,


isto é, parte-se da regra para então se chegar a fatos empíricos outros,
fatos que a confirmem. Dito de outra forma, parte-se de uma hipótese
para se chegar a suas consequências; essas conclusões podemos também
chamar de hipóteses secundárias. No contexto de uma análise sequencial
isso significa que, a partir de todas as hipóteses formuladas no primeiro
passo, chegamos às conclusões possíveis, às conclusões que contribuem
para fundamentar a plausibilidade da hipótese no texto subsequente.

3. O teste empírico a partir do caso particular

Peirce (7.205): “Testamos hipóteses por meio da realização de ex-


perimentos e da comparação do que foi previsto com os resultados
efetivos do experimento”.

O teste empírico ocorre, aqui, no sentido do inferir indutivo. Nossas


hipóteses secundárias trazem “previsões” a respeito do que ocorre nos
cursos de ação ou nas partes subsequentes do texto. Na terceira fase, essas
“previsões” são contrastadas no caso concreto com os outros fenômenos
ali presentes. Para o procedimento sequencial, isso significa: as hipóte-
ses secundárias são contrastadas com a sequência seguinte do texto, ou
continuam a ser tomadas como plausíveis, ou são modificadas – podendo
também ser rejeitadas. Mais prováveis são aquelas leituras que, no teste
de hipóteses, não podem ser adulteradas, isto é, as leituras restantes ao
final do processo de exclusão daquelas leituras menos prováveis.
Nesse terceiro passo do processo, a abdução possibilita a descoberta
do novo; chega-se, no processo concreto, a sequências imprevistas. Aqui
também é importante que o pesquisador tenha como postura se manter
aberto para essas descobertas e não se voltar exclusivamente à verificação

74
GABRIELE ROSENTHAL

das suposições construídas até ali. Diferente desse procedimento abdu-


tivo, a dedução começa com uma teoria, da qual hipóteses são derivadas
(deduzidas) e, em um terceiro momento, empiricamente verificadas com o
auxílio de estatísticas. A indução, por sua vez, tem como ponto de partida
uma hipótese, busca em seguida por provas ou indícios empíricos e, em
sua terceira fase, realiza generalizações – também de acordo com dados
numéricos –, isto é, ela tenta “generalizar uma proposição dentro de um
universo de casos para os quais ela surge como verdadeira e concluir que
o mesmo vale para toda a classe” (PEIRCE, 2.624). Sobre a diferença entre
abdução e indução:

A abdução parte de fatos sem buscar desde o início uma teoria


em particular, e isso ainda que ela seja motivada pela intuição de
que a explicação de fatos improváveis pressupõe uma teoria. A
indução parte de uma hipótese a qual parece surgir por si mesma,
embora ela de início não tenha em vista fatos determinados, e
isso mesmo que ela traga sempre como pano de fundo a ideia de
que fatos sejam imprescindíveis para a sustentação de teorias. A
abdução configura uma busca por teoria; a indução, uma busca
por fatos (PEIRCE, 1980, 7.218 apud SEBEOK, 1985, p. 46-47).

No âmbito da pesquisa social qualitativa é comum que se trabalhe se-


guindo princípios indutivos, acompanhando o desenvolvimento de hipóteses
surgidas a partir do material disponível e buscando no texto por outros
indícios que comprovem essa hipótese. Não por acaso – como mostram
os romances de A. Conan Doyle protagonizados pelo detetive Sherlock
Holmes9 e os trabalhos empíricos de Ulrich Oevermann e de seus assis-
tentes (1985) –, a indução é um procedimento também bastante utilizado
pela polícia. Parte-se, por exemplo, da hipótese que se oferece no contexto
de um caso particular – “o irmão é o assassino” – para então buscar por
indícios que a comprovem. Por outro lado, agindo abdutivamente, o dete-
tive (como nós pesquisadores, quando realizamos análise exclusivamente
reconstrutiva e abdutiva) tomaria como ponto de partida, antes, os fatos

9
Como introdução mais simples ao procedimento de abdução, recomenda-se a leitura dos
romances policiais de Sherlock Holmes. Holmes e seu colega Watson estão sempre mostrando
como seus métodos diferem do procedimento indutivo utilizado pela polícia. Vide, entre outros,
The Sign of the Four (DOYLE, 1975, p. 41-50). Para uma comparação entre Holmes e Peirce,
ver: Sebeok e Umiker-Sebeok (1985). O livro de Umberto Eco O nome da rosa também expõe
esse método de forma bastante clara.

75
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

observáveis, para só então levantar todas as possíveis leituras sobre seu


significado. Passando de um fato empírico a outro, cada vez mais leituras
se mostrariam improváveis, enquanto que, outras, mais plausíveis. Para
que não nos fixemos em uma única suposição, é importante, porém, não
perder de vista, ainda que em favor de alguma perspectiva, as diversas
possibilidades de comprovação referentes à hipótese que se apresentam.
Temos de persegui-las até que se mostrem, por fim, improváveis; ao final
do processo, teremos em mãos a interpretação ou leitura mais plausível.
Ao contrário do policial que procede indutivamente, que busca indícios
para sua hipótese, é a análise dos fatos, na abdução, que determina “a
hipótese; na indução, por seu lado, é a investigação da hipótese que de-
termina os experimentos que sustentam aqueles fatos aos quais, por sua
vez, a hipótese havia feito referência” (PEIRCE, 1980, 7.218). A abdução
configura, assim, o único método no qual se reflete não apenas sobre a
verificação, mas também sobre a geração de hipóteses – o que caracteriza
um importante diferencial frente à indução, mas também à dedução, na
qual parte-se sempre de uma teoria ou suposição geral para se chegar às
hipóteses. A elaboração de hipóteses surge, então, como processo depen-
dente não da intuição particular do pesquisador, mas de sua interação no
mundo social, de suas experiências socialmente constituídas (FANN, 1970).

2.5.3 Exemplo empírico: reconstruindo a função do “genro


inconveniente”

Em que se diferem, afinal, a forma de investigação de Sherlock Holmes,


a da polícia e o procedimento da abdução de Peirce? Como o pesquisador,
agindo abdutivamente – e diferente do policial, que busca, indutivamente,
indícios para sua suspeita –, constrói e verifica suas hipóteses? Para nos
mantermos no campo de investigação de Sherlock Holmes ou da polícia,
tomemos o seguinte problema a ser solucionado: temos uma família cons-
tituída por três gerações, com um genro, Frank, autor de um “delito”.
A questão a ser solucionada diz respeito à ação do genro: o que foi que
Frank cometeu para ser considerado pela família de sua esposa elemento
de desarmonia no grupo? Voltamos, aqui, não para o autor do delito, mas
para seus atos. Entre os membros da família, que no estudo recebe o nome
de Seewald, foram entrevistados os avós da parte materna, a mãe, a filha
e Frank (VÖLTER; ROSENTHAL, 1997; ROSENTHAL, 1997c). Também

76
GABRIELE ROSENTHAL

foi realizada uma entrevista em grupo. Em todas as conversas, Frank foi


citado pelos membros da família como origem de problemas.
Visto de uma maneira geral, há, em princípio, três formas diferentes de
nos lançarmos à investigação. De acordo com o método dedutivo, teríamos
de começar pela literatura disponível sobre o papel dos genros nos sistemas
familiares e sobre as perspectivas e concepções teóricas correspondentes
ao objeto da busca. Para esse caso em especial, poderíamos fazer referência,
tomando como modelo os trabalhos de Michael Wirsching e Helm Stierlin
(1982, p. 123), ao conceito de sistema familiar fechado, um sistema que
se diferencia externamente ao mesmo tempo em que, internamente, mal
permite diferenciações entre os integrantes do grupo. Nessas famílias,
conflitos costumam ser evitados: cultiva-se um estilo de comunicação har-
monizador, ao mesmo tempo em que acontecimentos da história da família
são tornados tabus. Como característica desse sistema, pessoas casadas
com membros da família são ou integralmente assimilados, ou totalmen-
te rejeitados. Poderíamos, então, formular a seguinte hipótese: a família
Seewald configura sistema familiar fechado do qual Frank, obstáculo à
paz familiar, é objeto de rejeição, elemento a ser excluído. Teríamos, assim,
que “operar” o conceito de sistema familiar integral e indicar com base em
qual aspecto observável podemos classificar a família Seewald como tal.
Ao invés de seguir por essa trilha, poderíamos também tomar o cami-
nho da indução. No procedimento indutivo começamos nossa análise com
uma hipótese surgida no contexto do caso concreto e com base em nosso
conhecimento a seu respeito. A partir dessa hipótese desenvolvida desde
o interior do fenômeno – do caso particular objeto de nossa atenção –,
buscamos, no material disponível, indícios que a comprovem – justamente
o procedimento policial criticado por Sherlock Holmes. O processo de de-
senvolvimento da hipótese desde o caso particular torna o método indutivo
de fato interessante para uma pesquisa qualitativa, mas não para quem
busca desenvolver categorias no contexto dos casos empíricos ao invés
de deduzi-las de antemão a partir da teoria, ou seja, para uma investiga-
ção sociológica que proceda abdutivamente. A abdução não começa com
teorizações, mas, sim, partindo do conhecimento já obtido sobre o caso
particular concreto. Com relação à família Seewald, tomaríamos nota,
por exemplo, e isso após algumas observações superficiais, das seguintes
informações: a família tem sua origem na antiga Alemanha Oriental; ao
contrário do genro, ela segue o protestantismo; além disso, define-se como
pacifista e se manteve ideologicamente distante do socialismo. O genro, por

77
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

seu lado, é membro ativo do partido comunista (ou Partido do Socialismo


Democrático, antigo Partido Socialista Unificado) e chegou, no passado,
ao posto de oficial no Exército Nacional Popular (nome dado às forças
armadas da República Democrática Alemã). Poderíamos concluir, assim,
termos encontrado a razão de suas diferenças com aqueles integrantes da
família Seewald. A partir de duas observações, chegaríamos a uma regra,
a uma relação entre ambas. Teríamos, agora, de buscar outros indícios no
domínio textual referente à família. Considerando a hipótese formulada e
a categoria correspondente “diferenças de orientação política”, buscarí-
amos então passagens no texto nas quais se expressasse tal disparidade,
de modo a subsumir esses trechos sob a categoria em questão. Seguindo
a lógica desse procedimento indutivo, a conclusão à qual chegaríamos
poderia ser generalizada desta forma: posições e trajetórias políticas
destoantes levam a desintegrações do núcleo familiar. Visto desse modo,
tal generalização dependeria de verificação a partir de outros casos, de-
penderia da regularidade na identificação dessas categorias. Ou seja, o
teste da hipótese sempre pressupõe o estudo de outras situações. Entre
os caminhos sugeridos até aqui – do desenvolvimento da hipótese desde
o material ou da verificação de uma hipótese deduzida da teoria –, não é
possível identificar, no procedimento de teste, diferença estrutural. Em
ambos os casos, nos voltamos ao texto concreto, ao dado levantado, e já
com suposições – seja ela desenvolvida a partir da teoria ou com base em
elementos específicos ao caso particular. Em ambos os procedimentos
considerados aqui se estabeleceu, no contexto familiar, um nexo causal
entre dois fenômenos ou variáveis – a dificuldade enfrentada por Frank e
a orientação política do genro –, e isso sem que o contexto relacional de
constituição entre ambos tivesse sido reconstruído.
O método abdutivo, ao contrário, exige que se reconstrua, desde
nosso material textual, desde a formação concreta, o sistema de regras
que atua sobre nosso objeto de estudo. No exemplo trabalhado até aqui,
isso significaria mostrar, tendo por base entrevistas com os familiares,
de que modo a práxis política de Frank leva a conflitos e ruídos no diá-
logo. Porém, se começássemos com essa hipótese, correríamos o risco
de apenas comprovar, e de modo circular, suspeitas já existentes. Mas e
em relação ao método abdutivo? Antes de tudo, uma semelhança funda-
mental entre o método da abdução desenvolvido por Peirce e o modo de
proceder de Holmes consiste justamente em considerar uma opinião ou
hipótese preconcebida o maior obstáculo rumo à solução ou conclusão

78
GABRIELE ROSENTHAL

bem-sucedida dos trabalhos. A crítica de Sherlock Holmes à polícia diz


respeito, sobretudo, ao fato de que ela “tende a aceitar a hipótese que
oferece a explicação mais plausível sobre alguns dos fatores centrais, e
isso justamente por deixar de lado informações que não sustentam posições
já assumidas e por ignorar ‘insignificâncias’ completamente” (SEBEOK;
UMIKER-SEBEOK, 1985, p. 44-45). Busca-se, ali, por indícios em acordo
com a hipótese, enquanto que, no método abdutivo, os indícios configuram
ponto de partida. Diálogos entre Holmes e Watson costumam explicitar
o fundamento dessa ideia de forma bastante clara, como quando Holmes
instrui Watson: “jamais confie nas impressões gerais, concentre-se nos
detalhes” (p. 42) – e também nos elementos que parecem de início ser
irrelevantes para a investigação.
Partamos, portanto, de um detalhe, de algo que surja em diálogo com
a família Seewald, e daremos, assim, início a um procedimento abdutivo.
Deixemos de lado, logo no começo, a impressão de que Frank abala a
paz familiar; ao invés de trabalharmos o material a partir dessa hipóte-
se, buscamos então por passagens no texto que nos revelem algo sobre
as ações do genro causadoras de “incômodo”. Nossa decisão por uma
sequência é determinada por um critério formal: selecionamos aquele
trecho da entrevista em família no qual Frank é citado pela primeira vez.
Conforme mencionado, participaram dessa entrevista os avós maternos,
sua filha e sua neta, sem a presença de Frank, que só vem a ser tema na
segunda metade do diálogo. A sequência começa com uma intervenção
do pesquisador: “há perguntas que você faria aos outros integrantes de
sua família que até hoje não teve a oportunidade de fazer?”. Todos os
entrevistados respondem negativamente. Todos asseguram saber o que
os outros pensam: “Entre nós não há segredos, não é verdade?”, afirma
a avó, enfaticamente, em direção à filha: “o que mais você quer saber?
Você já sabe tudo sobre nossa vida”. A filha confirma a afirmação; não
há lacunas na história da família, aqui encontramos um indício de siste-
ma familiar fechado. Apenas a neta Petra, revelando necessitar de mais
tempo para responder à pergunta, não parece confirmar a harmonia e
cita seu marido Frank. Antes de analisarmos seu depoimento, observe-
mos apenas o fenômeno – o momento, o contexto e por quem Frank foi
tematizado. A primeira menção a seu respeito parte de sua esposa, da
neta da família, e ocorre no contexto de uma pergunta (sobre situações
pertinentes ainda não colocadas abertamente) posta “de fora”, isto é,
pela entrevistadora. Fala-se em segredos. Se, ao invés de considerar essa

79
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

sequência como resultado do acaso, enxergarmos nela uma estrutura de


sentido, é possível interpretar a primeira menção a Frank como estando
em relação direta aos temas abordados nessa sequência, e, com isso,
formular algumas hipóteses:

1. Petra precisa da figura de Frank para levantar questões até hoje


não colocadas, no sentido de que só é possível formular esse tipo
de pergunta para a família transformando Frank em tema.

2. Petra busca, por meio de Frank, fazer referência à falta de se-


gredos familiares, à inexistência de questões.

3. Frank tem um segredo. Petra ou mesmo toda a família têm


perguntas a lhe fazer.

4. Frank tem questões a levantar. Ele consegue intuir a existência


de um segredo familiar e ameaça, com isso, a harmonia da família
Seewald.

5. Na família, questões são colocadas “desde fora”. Isto é, pelo


pesquisador e por Frank. Para a família, Frank é alguém “de fora”.

De acordo com o procedimento abdutivo e sequencial, o segundo


passo seria a derivação dos fenômenos secundários – no sentido de como
prosseguimos no texto tendo em vista as hipóteses. As regras do proce-
dimento de inferência abdutivo e do método sequencial (algo comum em
várias análises qualitativas) seriam aqui violadas se, considerando algu-
ma dessas hipóteses, passássemos a buscar em todo o texto por indícios
com vistas à sua confirmação. Iríamos, por exemplo, investigar se Frank
guarda algum segredo, e mostrar, a partir de trechos da entrevista, seu
desconhecimento sobre a história familiar anterior a 1945. Ou então bus-
car informações sobre os segredos da família Seewald para comprovar
alguma hipótese alternativa.
No entanto, é determinante para o método sequencial que se leve em
conta o caráter formal e a sequencialidade do texto, isto é, que não pu-
lemos trechos ao longo da interpretação, tampouco que caminhemos em
círculos, buscando por indícios para uma hipótese já levantada. Relacionar
um fenômeno específico a um conceito teórico não significa, para uma
análise reconstrutiva de orientação abdutiva, que a comprovação da exis-

80
GABRIELE ROSENTHAL

tência de nexos a partir do caso particular concreto possa ser considerada


prescindível. A análise reconstrutiva tem como objetivo, antes, descobrir
um contexto relacional de constituição a partir de cada caso particular, o
que exige de nós que mostremos na passagem do diálogo em questão se e
como o(s) segredo(s) se relacionam, por exemplo, com o papel de Frank no
interior do sistema familiar. Para isso, porém, temos que passar à segunda
fase do procedimento abdutivo, na qual partimos das hipóteses formuladas
para chegar aos fenômenos secundários (ou às hipóteses secundárias),
mas sempre atentos para o problema de como proceder em um texto de
modo a fazer com que a hipótese ganhe plausibilidade (ou então de modo
a torná-la questionável). Só depois podemos contrastar essas hipóteses
secundárias com as outras partes do material textual.
A fim de facilitar a interpretação, podemos proceder relativamente
com menos rigor, mas buscando resultados concretos. Consideraremos
largas passagens de texto como unidades de sentido interpretadas passo
a passo, trabalhadas umas após as outras em uma análise mais acurada.
Além disso, “pulamos” conscientemente a descontextualização dessa
sequência textual no sentido da hermenêutica objetiva, de acordo com a
qual o conhecimento sobre o plano de fundo da entrevista familiar e sobre
seus participantes seria colocado entre parênteses.
Voltemos para a sequência descrita anteriormente, relativa à entrevista
com a família Seewald. Sobre o relato de Petra podemos dizer, a partir das
hipóteses formuladas, que, em princípio, caso de fato proceda a hipótese
1, segundo a qual Petra usa Frank para tematizar aspectos do comporta-
mento de seu grupo familiar, a neta iria em seguida necessariamente falar
das questões de Frank a respeito do passado da família, e isso de forma
mais ou menos explícita dependendo da quantidade de questões sobre a
história familiar consideradas tabu por seus integrantes. Em contrapar-
tida, de acordo com a hipótese 2, Petra poderia afirmar que Frank sabe o
suficiente a respeito da família e que entre os dois não há segredos. Se a
família tiver dúvidas a respeito de Frank, tal como formulado na hipótese
3, é possível que agora ela transforme a história familiar do genro em
tema, ou então que temas a seu respeito ainda não tratados com ele sejam
abordados. Por outro lado, se Frank representar ameaça ao ambiente de
aparente abertura da família (hipótese 4), Petra poderá, como na primeira
hipótese, insinuar aquelas (injustificadas) questões e objeções. Por fim,
consideraríamos a hipótese 5 como comprovada se, no desenvolvimento
subsequente da entrevista, pudéssemos notar semelhança entre a forma

81
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

com que a família se dirige a nós entrevistadores e o modo com que tra-
tam de Frank, isto é, se a função que assumimos no contexto do diálogo
familiar for parecida com a do genro.
Podemos, agora, comparar nossas hipóteses com o material empírico.
Petra afirma o seguinte: “Acho que às vezes isso é meio complicado [1] ah,
acertar o [2] o tom ali com o Frank. Esse é ( ) meio que o único problema
[2] é que ((tosse)) às vezes a discussão [1] acaba ficando séria ou [1] o vô
acaba não aguentando”.10
Analisemos a passagem. Segundo a neta, o único problema é discutir
em um tom razoável. Ela afirma, ainda, que, durante as discussões, seu
marido age de um jeito que não agrada ao avô. Os envolvidos e as causas
das discussões não são explicitados. Nota-se, também, que Petra não
consegue abordar o tema diretamente. Mas também podemos trabalhar
outras leituras. Se atentarmos para a sequência do texto, do material de
discurso, é possível supor, entre outras coisas, que o conflito esteja rela-
cionado a segredos e à falta de conhecimento a respeito de algum tema
aparentemente relevante para a família. Uma possibilidade é que Petra
pretende, ali, expressar a intolerância do avô frente aos questionamentos
de Frank. Com isso, as hipóteses 1 e 4 ganhariam em plausibilidade, o que
nos permitiria, por outro lado, rejeitar a hipótese 2 ou ao menos conside-
rá-la como pouco provável.
Mas o que ocorre em seguida? Será que Petra continua com a palavra,
esclarecendo as razões dos conflitos? Ou será que seu depoimento passa
a ser alvo de críticas por algum outro entrevistado? Frank continuará no
centro das atenções, ou será que teremos alguma informação sobre aquelas
questões levantadas por ele e que dão origem ao tipo de discussão que o
avô não consegue suportar? Estariam em jogo, aqui – como a hipótese 1
deixa crer –, as questões que a neta não ousa levantar sem relacioná-las
à pessoa de Frank? De todo modo, no caso de o questionamento de Frank
de fato não agradar a família, é possível que vejamos um integrante da
família impedindo Petra de revelar algo. E é a avó que toma a palavra: “É
[1] o vô levou uma vida diferente do Frank, isso a gente também tem que
[3] reconhecer”.

10
No subcapítulo 3.2.3, o leitor encontra um glossário dos códigos utilizados nas transcri-
ções.

82
GABRIELE ROSENTHAL

Fica claro, ainda que de forma indireta, que os conflitos entre Frank e o
avô podem mesmo ter sido causados por determinadas questões levantadas
pelo genro. Porém, não dispomos ainda de informações concretas sobre
as diferenças entre o passado do avô e a vida de Frank; o que há é apenas
a revelação dessa disparidade por parte da avó, a qual também exige
que ela seja levada em conta. O argumento é fortalecido no comentário
seguinte, feito pelo próprio avô: “vivenciamos coisas totalmente diferen-
tes, sofremos muito” – como se o marido da neta não pudesse reconhecer
o sofrimento alheio e essas “outras” experiências vivenciadas pelo avô e
pela sua geração. Até aqui, Frank aparece como causador de conflitos e
como alguém que não reconhece os problemas enfrentados pelos avós.
Mas de que se tratam afinal essas “outras experiências” das quais todos
parecem ter conhecimento? Será que Frank deixará de ser assunto e que
algo será dito concretamente a respeito das brigas? De fato, foi Petra que,
com a pergunta sobre acontecimentos não explicados pela família, trouxe
a figura de seu marido para a discussão. Caso proceda a hipótese segundo
a qual Petra faz uso da temática para dirigir questões a seus familiares, é
possível crer que, para ela, a discussão ainda não foi encerrada. E, de fato,
é justamente a neta que toma a palavra: “O vô tem sempre a sensação de
que [1] de que o Frank, que ele tem más intenções, não acredita nele [3]”.
Segundo a neta, Frank tem uma postura ofensiva em relação ao avô,
ou é o avô que tem essa impressão. Petra sugere indiretamente que Frank
tem suas dúvidas quanto às “respostas” dadas pelo avô, que sobretudo
as questões postas pelo marido não são tão bem trabalhadas pelos in-
tegrantes da família Seewald, ao contrário do que os mesmos parecem
assegurar. Podemos continuar levantando nossas suposições: à família
interessa evitar expor o passado; ou é Frank que ameaça esse estado de
coisas, enquanto que a neta faz as primeiras tentativas de se colocar, por
meio do tema Frank, as questões as quais a família busca de todo modo
evitar (conforme as hipóteses 1 e 4). Caso a hipótese tenha fundamento,
então veremos, como assumido anteriormente, a) Petra se referir apenas
vagamente às questões e/ou b) explicações sendo evitadas por outros
membros da família.
No comentário seguinte, podemos notar como a dinâmica familiar é
mesmo em algum grau dependente de que se evite o assunto: “Mas essa
questão nós já resolvemos”, diz a avó, querendo dar fim à discussão e deixan-
do claro, tanto para Petra quanto para as pesquisadoras, que a abordagem
do tema, ali, para ela, chegou a seu limite (conforme a hipótese 5). O avô,

83
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

porém, dá prosseguimento à discussão, falando sobre o período em que


esteve preso na União Soviética e sobre os anos do nacional-socialismo,
época que Frank não vivenciou. É a avó que quer dar fim ao tema, mas, a
seguir, a própria acaba trazendo a questão que parece estar no centro do
conflito, e que ela de início aparentemente não gostaria de ver respondida:
Avó: Aí o pessoal mais jovem pergunta por que a pessoa não
Avô: Isso
Avó: fez isso [1] mas isso ((bate palma)) ele não fez mesmo, a gente só-
De todo modo, acabamos sem saber o que é isso que eles fizeram –
ou ainda fazem. A avó não termina a última frase. Todavia, o problema
central – geralmente levantado supostamente desde “fora”, seja através
de Frank seja por nós pesquisadoras – começa, ali, a ganhar contornos. É
decisivo para o rumo da interpretação saber se a pergunta será evitada e
por quem. Será que Petra consegue colocar a questão sobre Frank?
Agora é a mãe que toma a palavra, justamente a pessoa que no início
da sequência assegurou não haver lacunas na história da família. Qual é
o papel assumido por ela nesse diálogo familiar sobre seu genro e sobre
o passado do grupo? De acordo com a mãe, o período anterior a 1945 é
tabu na família de Frank. Ela se dirige a Petra e faz menção a um passado
comprometido com o nacional-socialismo: “[1] por exemplo, aquilo tudo
antes de 1945 [1] o que que aco- acontecia dentro das famílias? Aí [1] eu
não sei se você tá por dentro desse assunto”.
A mãe pergunta à filha se ela sabe do passado pré-1945 da família de
seu marido, e desvia, desse modo, as atenções antes voltadas à própria
história familiar – embora essa história, o que é bastante interessante,
pareça ainda estar incluída na questão, uma vez que a mãe fala de “fa-
mílias”. Nesse momento crítico do diálogo, supomos, no qual perguntas
sobre o passado da família tornam-se enfim temas – ou são colocadas
“desde fora” –, fala-se de Frank com a intenção de evitar uma abordagem
do próprio passado, de desviar a atenção de segredos familiares, pondo a
história da família do genro em questão. No entanto, não podemos esque-
cer, Petra havia trazido a figura de seu marido à discussão com o intuito,
em um primeiro momento, de tematizar possíveis questões e dúvidas em
relação à história de sua própria família. Sem que ela mesma fizesse al-
guma pergunta relacionada ao problema ou mesmo sem que especificasse
as intenções de Frank, Petra foi repreendida pela mãe. Ela exigia da filha
que, antes de levantar quaisquer dúvidas do tipo, buscasse se informar

84
GABRIELE ROSENTHAL

sobre o passado familiar de seu marido. Assim, à exceção da hipótese 2,


todas as outras suposições, formadas a partir da primeira unidade de
sentido, parecem agora constituir uma só, ainda que para em seguida
sofrer modificações ou diferenciações. Contudo, também não podemos
simplificar – como sugere o modo com que a hipótese 3 foi formulada –,
afinal, não é que a família Seewald tenha questões a fazer a respeito do
passado familiar de Frank – o fato é que tais questões também exercem,
no diálogo, uma função bastante específica.
A mãe, então, procura se colocar a distância de Frank, seu genro,
e, assim, da postura de sua filha. Segundo ela, existe na família uma
“enorme aversão a tudo de ordem militar”, e busca explicar, dessa forma,
as diferenças com relação ao marido de Petra. Aqui, a mãe fala de modo
representativo – assim podemos formular a hipótese – sobre um tema es-
tritamente ligado à sua história familiar, ao passado de seu pai, soldado na
Segunda Guerra Mundial e – tal como revelaria mais tarde a reconstrução
do caso – responsável, à época, por crimes contra a humanidade.
Caso tivéssemos buscado, indutivamente e em correspondência à nossa
suposição (essa levantada anteriormente à análise), por uma comprovação
sobre o nexo causal entre a orientação política do genro e seu caráter des-
toante dentro do sistema familiar, a teríamos encontrado justamente nessa
passagem. Também não teríamos ido além da ideia presente na própria
família de que as brigas têm origem nas diferenças políticas, tampouco
percebido a dinâmica por trás do conflito e a (re)produção dessa função
destoante no sistema familiar. Não teríamos tido a chance de esclarecer
a postura de Frank e, em geral, o aspecto “estranho” no todo da estrutura
“sistêmica” da família (conforme a hipótese 5). Na reconstrução do caso,
as pesquisadoras acabaram sendo consideradas responsáveis, por um lado,
assim como o genro, por um abalo na harmonia familiar e, de outro lado,
por evitar incômodos mais ameaçadores.
Conclusão. A análise da sequência textual mostra que, na família, a
figura daquele que vem a ser integrado na família foi usada para desviar
a atenção de questões – existentes internamente, mas ao mesmo tempo
impostas de fora – a respeito da história do grupo, e isso na medida em
que o passado familiar do genro era posto à prova com o intuito de evitar
que o mesmo fosse feito com o próprio histórico. Problemas na harmonia
familiar expressas internamente pelos membros do grupo eram atribuí-
dos a Frank, ou à máscara que ele casualmente acabava assumindo. As
fases seguintes da reconstrução do caso explicitam muito bem o sistema

85
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

estrutural de regras inerente à comunicação da família em questão: sem-


pre que o maior dos segredos dos avós é exposto, alguém da família – na
maioria dos casos a mãe – trata de desvelar algum outro segredo, para,
assim, desviar a atenção de outro biograficamente mais determinante.
Para esse fim tomava-se, por exemplo, tanto a história familiar de Frank
como a de outros membros incorporados ao grupo a partir da segunda
geração. É o pertencente à geração dos netos que assumia a tarefa de co-
locar em xeque a harmonia – essa, porém, por fim sempre restabelecida.
Por terem sido sempre rejeitadas, tais tentativas não chegavam a ser tão
ameaçadoras para a família. A intenção – claramente mostrada no contexto
da reconstrução biográfica – de abalar o sistema familiar com a escolha
do parceiro e também com a filiação ao Partido Comunista (PDS) acabou
por levar também (a princípio), com base nos mecanismos aqui descritos,
não a uma modificação, mas, antes, à conservação do sistema familiar.
Também é importante frisar, ainda, que a eficácia de determinadas regras
do diálogo familiar notada no caso particular do grupo não exige outros
casos para comprovar a hipótese em questão (ver subcapítulo 2.5.5). O es-
tudo de outro núcleo familiar não servirá à verificação de nossas hipóteses
sobre o sistema de regras da comunicação familiar desse grupo estudado.

2.5.4 O princípio da sequencialidade

A análise abdutiva da entrevista com a família Seewald se deu como


procedimento sequencial, no qual trechos da entrevista foram interpre-
tados em correspondência à sucessão dos acontecimentos. Na análise
sequencial, o processo de formação de uma interação, isto é, de uma
produção de texto (seja falado ou escrito), é reconstruído em suas fases.
Unidades particulares de fala ou de escrita são interpretadas passo
a passo, de modo a tornar possível a formulação de hipóteses tanto a
respeito dos acontecimentos manifestos como também daqueles consi-
derados prováveis ou que se busca evitar. O objetivo consiste, portanto,
em reconstruir também as referências ao que é omitido, assim como as
regras de escolha daquilo que será tematizado ou ignorado. Não se busca
analisar apenas “aquilo que se apresenta no fenômeno e o modo como
isso se deu, mas também aquilo que não se manifestou, o modo com que
isso não se manifestará, embora também o que a princípio (com mais ou
menos plausibilidade) poderia ser manifesto” (WOHLRAB-SAHR, 1999,
p. 487). A breve análise sequencial da entrevista com a família Seewald

86
GABRIELE ROSENTHAL

deixou claro que o conteúdo de possíveis questionamentos sobre o pas-


sado familiar é tabu, mas também explicitou com quais estratégias essa
abordagem é, de forma consciente ou não, evitada.
Os diferentes processos de análise sequencial – seja ela baseada na
análise conversacional de orientação etnometodológica, na hermenêutica
objetiva ou na análise sequencial que tem por fundamento teórico a socio-
logia do conhecimento – têm em comum o seguinte ponto de partida: a ideia
de que a sucessão temporal dos processos de interação “constituem um
tipo específico de ordem” (WILLEMS, 1996, p. 446). O objetivo da análise
é a reconstrução de realidade social, essa sempre novamente reproduzida
e modificada. Afirma-se, assim, o caráter processual do agir social e as
decisões que têm lugar na ação – a qual representa, tal como toda forma de
exteriorização, uma escolha entre diferentes alternativas possíveis surgidas
no interior de cada situação. No contexto de uma entrevista com integran-
tes de uma família, no contexto de um relato biográfico, de escrita de um
artigo – ou mesmo deste capítulo – oferecem-se, a todo tempo, diferentes
possibilidades. Com cada sequência, o horizonte se estreita cada vez mais, o
que não significa, porém, que ele deixe de oferecer alternativas. Podemos, ao
longo do processo de escrita, revisar as possibilidades que constantemente
surgem ou que limitam esse horizonte – por exemplo, excluindo uma frase
–, o que, por outro lado, não nos é de todo possível no processo interativo
de comunicação, mesmo quando buscamos corrigir ou explicitar de forma
mais acurada um comentário fazendo outras observações.
Ações passíveis de registro textual na forma de protocolo configuram
processos de escolha que – e independente da perspectiva do agente – dão
origem a ações subsequentes e através das quais determinadas ações se-
cundárias podem vir a ser desconsideradas. As possibilidades disponíveis
configuram o horizonte no interior do qual uma decisão, no caso, é tomada;
caracteriza a situação o fato de nela serem tomadas determinadas decisões
(OEVERMANN et al., 1979, p. 415). A esse respeito, Bruno Hildebrand –
que também realizou investigações empíricas sobre a estrutura familiar
– afirma (1999a, p. 13):

Tal como outras unidades autônomas da práxis de vida, famílias


produzem e reproduzem ordem social, e isso na medida em que
tomam decisões [...]: elas constituem um modelo que caracte-
riza, de uma forma mais ampla, o caso individual e a história
desses processos de decisão. A esse modelo dou o nome de
estrutura de caso.

87
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Esse entendimento sugere um tipo de análise interessada em des-


cobrir o horizonte de possibilidade específico que se mantém aberto
em uma determinada sequência, assim como a alternativa pretendida
pelo agente ou pelos integrantes de um processo comunicacional – e
também as possibilidades de escolha que ambos deixam de lado, além
daquilo que, com isso, pode vir a ocorrer no futuro. Análise sequencial
é resultado dessas ref lexões. “Interpretar é, portanto, a reconstrução
do significado do texto ‘no curso do acontecimento’”, afirma Hans-
Georg Soeffner (1982, p. 13), a partir da concepção desenvolvida por
Wilhelm Dilthey.
No método abdutivo, como mostrado anteriormente (cf. subcapítulo
2.5.2), busquei determinar prováveis continuidades a partir de leituras
sobre o possível significado de uma sequência. Só então contrastamos
o resultado, a continuidade fática, com essas hipóteses secundárias. De
acordo com a hermenêutica objetiva, procedemos primeiramente colo-
cando entre parênteses também o contexto externo, isto é, ignoramos
informações a seu respeito, para, em seu lugar, projetar contextos ideais
considerados adequados.

Na interpretação de um ato de comunicação específico inseri-


do em determinado trecho da sequência de interação, algum
conhecimento sobre o conteúdo e sobre o significado dos atos
comunicativos seguintes não devem ser, de modo nenhum, con-
siderados, e o conhecimento sobre o contexto externo no qual a
cena se insere – ou seja, informações gerais sobre cada agente da
interação, sobre as condições da estrutura institucional e física
etc. – só pode ser utilizado caso as leituras relativas ao texto
da ação – que encontrem confirmação na situação concreta –,
essas lançadas anteriormente à explicação independente desse
conhecimento, possam ser, em seguida, filtradas (OVERMANN,
1980, p. 24).

Na análise da sequência retirada da entrevista com a família


Seewald, o colocar entre parênteses do contexto externo, ou a descon-
textualização desse trecho, também teria necessariamente como signi-
ficado – no sentido atribuído pela hermenêutica objetiva – suspender
a informação de que se trata de uma conversa entre membros de uma
família. Teríamos de começar, por exemplo, com: “Entre nós não há
segredos, não é verdade? O que mais você quer saber? Você já sabe
tudo sobre nossa vida”. E, em seguida, idealizar contextos nos quais

88
GABRIELE ROSENTHAL

esse comentário assumisse algum significado, fizesse sentido. Teríamos,


depois, que formular hipóteses a respeito da possível identidade do
autor do comentário e daquele a quem ele foi dirigido.
Com a suspensão tanto do conhecimento relativo às partes seguintes
do material disponível como também do contexto externo, torna-se possível
para nós apreender as possibilidades abertas aos autores ou falantes no
início de uma sequência específica – e antes mesmo de nos perdermos no
interior do sistema de interpretação dos produtores do texto e na lógica
da situação concreta de ação. Livres das exigências da situação cotidiana
impostas pelo agir e de quaisquer limitações que possam ter origem em
outras ações subsequentes mais prováveis, podemos projetar as mais di-
versas sequências e, assim, reconstruir, no posterior desenvolvimento da
análise, as escolhas e as rejeições “sistemáticas” de alternativas.
De acordo com Oevermann (1988, p. 248), o âmbito de explicação dos
contextos nos quais ações e comentários surgem em adequação situacional
e pragmaticamente significativos serve como “superfície de contraste das
‘possibilidades objetivas’ [...] que a princípio poderiam se encontrar abertas
àquela estrutura de caso caracterizada justamente pelo fato de não ter
sido escolhida”. Apenas sob o pano de fundo dessa superfície de contraste
é possível notar claramente a particularidade do caso, sua estrutura. Ao
longo da análise sequencial ficará então claro se é possível se deparar
com as regras que determinam a escolha dos agentes – e se estes, com
sua escolha, excluem “sistematicamente” determinadas possibilidades de
interpretação e ação que estão em aberto.
Por meio desse procedimento sequencial de suspensão do conhecimento
prévio a) sobre o contexto externo e b) sobre o desenvolvimento do texto,
é possível dar início à interpretação de uma sequência sem conhecer todo
o material ou mesmo os trechos que a seguem. Quanto menos soubermos
sobre um material textual, mais fácil será realizar a interpretação livre de
pressupostos. Agindo dessa forma, não temos que nos esforçar muito para
suspender quaisquer conhecimentos disponíveis. Essa é uma das maiores
vantagens da interpretação em grupo; nela, tanto os pesquisadores, res-
ponsáveis pela seleção dos trechos a serem analisados, quanto os outros
participantes não necessitam conhecer o texto e seu contexto externo. Em
geral, a interpretação em grupo – em especial em composições coletivas
interdisciplinares, multinacionais e multiéticas, de fato bastante produti-
vas – auxilia de forma excepcional a construção de hipóteses, assim como
a sua avaliação sistemática nas fases subsequentes da análise.

89
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

2.5.5 Generalização teórica e construção tipológica a partir do caso


particular

Tendo em vista os resultados da reconstrução do caso da família Seewald


(ver subcapítulo 2.5.3), seria possível objetar que se trata de conclusões
específicas, referentes a esse único caso, ou seja, jamais passíveis de
generalização. Fundamenta esse tipo tão comum de crítica a concepção
segundo a qual o geral consiste na frequência de surgimento, e de que
generalizações devem ser feitas considerando essa regularidade. O método
interpretativo, por sua vez, tem por base o princípio da dialética consti-
tuinte entre o “individual” e o “geral” e, com ela, a ideia de que o geral
está, por princípio, implicado no particular. Cada caso particular – que
em sua constituição sempre remonta à realidade social – esclarece algo
sobre a relação entre geral e individual. Ele tem sua origem no geral e é,
assim, também parte do geral, ao qual sempre faz referência.
Se buscarmos entender o geral para além do sentido quantitativo, a de-
rivação do geral a partir do particular também não dependerá de observar
a regularidade da ocorrência de um fenômeno, mas, sim, da reconstrução
dos momentos constituintes de sua manifestação, contrapondo-os a carac-
terísticas específicas ao caso, à situação.11 Dessa forma, as generalizações
a partir dos casos particulares não são empreendidas desde um ponto de
vista quantitativo, mas, antes, em sentido teórico, com base na comparação
entre os casos (HILDENBRAND, 1999a; ROSENTHAL, 1995)12, que podem
ser uma família, uma biografia, uma organização (também um hospital ou
um jardim de infância), instituição ou também uma sociedade.
Com seus estudos metodológicos, Kurt Lewin contribuiu de forma
determinante para a compreensão da ideia da regularidade reconstruída
a partir do caso particular. Ele buscou mostrar que tal reconstrução pres-
cinde de outros casos para que ocorra comprovação da regra. A efetividade
da mesma independe por completo da frequência com que encontramos,
na realidade social, semelhantes sistemas de regras – como o da família

11
Lewin (1967, p. 24s.) faz uma comparação entre os momentos constituintes responsáveis
pela produção de um fenômeno e os fatores restantes, os quais podem variar de acordo com o
caso, sem tangenciar o tipo em sua totalidade.

12
Para um complemento teórico sobre a lógica de pesquisa das reconstruções de caso
na tradição da hermenêutica objetiva a partir da concepção de amostragem teórica segundo
Glaser e Strauss, ver também Bude (2003), que discute, nesse contexto, o conceito de “típico”
em Kurt Lewin.

90
GABRIELE ROSENTHAL

Seewald, que necessita do “rompimento da harmonia” para sua conser-


vação. Esse tipo de diálogo familiar, nesse caso dado da família Seewald,
representa um modo possível de se lidar com a realidade social, com isso,
uma parte constitutiva sua; e isso ainda que, até então, o tipo tivesse ocor-
rido apenas uma única vez. Também, não é que criamos, a partir desse
caso específico – ou de muitos outros –, conclusões a respeito de todos os
casos, “mas, sim, a respeito de todos os casos semelhantes, e isso a partir
de um caso concreto” (LEWIN, 1967, p. 15). Da reconstrução das regras
constituintes, por exemplo, de um diálogo familiar, seguirá que, se nos
depararmos posteriormente com um caso de sistema de regra semelhan-
te, esse será considerado representante daquele tipo de diálogo familiar.
Essa forma de generalização tem por base um conceito de lei como o de
Galileu13: “A lei é uma afirmação sobre um tipo o qual se define por seu
modo de ser” (LEWIN, 1967, p. 18). Um tipo abrange casos semelhantes,
e isso independente da frequência com que esses ocorrem. No processo
de determinação da tipicidade de um caso – no sentido visado aqui –, sua
regularidade não tem nenhuma relevância:

A frequência com a qual exemplares de um tipo específico


tornam-se reais no fenômeno absoluto de mundo continua a
ser, para a caracterização do tipo – para o qual apenas o modo
de ser é essencial – “acidental”, o que, sistematicamente, isto
é, para sua caracterização enquanto tipo, significa questão de
“ordem” histórico-geográfica (LEWIN, 1967, p. 19).

Também por essa razão, não configura objetivo da análise reconstrutiva


a observação do maior número possível de casos: “Pelo contrário, há que se
buscar apreender a situação em questão em todas as suas propriedades, e
isso o mais precisamente possível” (LEWIN, 1930/31, p. 455). Determinante
para a tipicidade de um caso são as regras que o produzem, que dão ordem
à diversidade de partes. Ao invés de pensar os elementos e suas “ligações
aditivas” (WERTHEIMER, 1922), o que acaba dando origem à ideia segundo
a qual o agrupamento de elementos iguais dá origem a totalidades também
iguais, constituídas em sua base por componentes idênticos, devemos ter

13
Lewin (1930/31, p. 426) discute o tema a partir de um contraste com o conceito de lei de
Aristóteles, segundo o qual o legal é apenas “o que necessariamente e, ademais, especialmente
destacado pelo filósofo, com frequência ocorre. Excluído do domínio daquilo que é apreendido
conceitualmente, apenas ‘fortuito’, está o único, o indivíduo enquanto tal”.

91
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

em mente que não há, de acordo com a ideia aqui formulada de um tipo
genético-estrutural – e não descritível –, necessidade de correspondência
entre componentes de duas totalidades para considerá-los como referen-
tes a um e mesmo tipo. Do mesmo modo, no âmbito dos fenômenos, dados
iguais podem estar fundados sobre contextos relacionais de constituição
bastante diferentes (LEWIN, 1967, p. 47). Segue que a categorização de
um caso com base em determinado tipo só é possível após uma análise
reconstrutiva, uma vez que sua estrutura não se deixa derivar a partir
dos elementos, dos dados externos idênticos. Formas semelhantes são pos-
síveis, mesmo que elas não coincidam em nenhum de seus componentes.
E, inversamente: formas podem ser bastante diferentes e, em muitas de
suas partes, ao mesmo tempo correspondentes. Não é possível determinar,
portanto, tendo em vista seus elementos constituintes, quais “casos” se
assemelham estruturalmente ou – dito de outra forma – remontam ao mes-
mo tipo. Desde essa perspectiva estruturalista e própria também à teoria
da Gestalt, construir um tipo significa reconstruir a forma do fenômeno
social a ser investigado – seja uma conversa em família, um depoimento
biográfico ou um artigo de jornal –, assim como as regras fundamentais
de sua constituição. Não se trata de construir o tipo descritivamente, de
tomar nota de critérios característicos particulares. Uma comparação que
sirva ao desenvolvimento de modelos – mas uma comparação no sentido
de colocar em contraste casos estruturalmente diversos ou estrutural-
mente semelhantes – só pode dar certo se baseada no procedimento da
reconstrução. Dito de outra forma: no contexto da comparação entre dois
casos, apenas na conclusão de ambas as reconstruções é possível dizer
se se tratam de dois representantes diferentes de um mesmo tipo ou de
dois tipos totalmente diversos.
Daí também a dificuldade em testar, lançando mão de métodos quan-
titativos, a frequência de surgimento de tipos reconstruídos por estudos
interpretativos. Não é o caso de colocar em dúvida a possibilidade de
se investigar a regularidade da ocorrência de um tipo em um universo
determinado. A frequência – em termos de quantidade – só pode ser de-
terminada a partir da análise reconstrutiva de todos os casos em questão
– tarefa que, justamente por ser bastante dispendiosa, é bastante rara,
mesmo quando é possível, após uma construção de tipo, classificar os casos
com relativa rapidez. Uma análise reconstrutiva de alguns poucos casos
(sempre que representem tipos distintos) e uma construção de modelos
– desenvolvida a partir dela – que não se deixem deduzir da frequência

92
GABRIELE ROSENTHAL

de surgimento podem, em contrapartida, fornecer informações sobre a


dialética constitutiva entre os tipos e até mesmo sobre o caráter social
de um tipo em questão. Dessa forma, é perfeitamente possível que casos
pouco frequentes de determinado tipo exerçam maior influência sobre a
realidade social do que casos mais regulares, mas relativos a outro tipo.
Construções tipológicas são formações ou – tal como formulado por
Alfred Schütz – “marionetes” dos cientistas sociais, os quais estipulam
“de que” se trata o tipo, o modelo a se construir, e isso de acordo com
seus respectivos interesses de pesquisa, o que dá origem à interessante
possibilidade – do ponto de vista da prática sociológica – de tipificar ou
classificar o mesmo material de outras formas e em contextos de pesquisa
diferentes, uma vez concluída a reconstrução do caso (na qual a questão
levantada a princípio foi posta em parênteses). A seguir buscarei ilustrar
essa possibilidade.

2.5.6 Exemplo empírico: construção de tipos diferentes com base em


uma reconstrução de caso

Agora retornaremos ao caso da família Seewald para mostrar como é


possível, dependendo da questão levantada, desenvolver diferentes tipos
a partir de uma reconstrução de caso já concluída (aqui, referente ao
âmbito familiar).
Em relação à família Seewald, ela representa, a princípio, um sistema
familiar no qual o passado não pode ser colocado em questão, no qual se
busca de todas as formas a conservação da harmonia. Por haver inúme-
ros segredos dentro da família, há sempre o risco, a tendência, de ver o
ambiente harmônico ser abalado. O princípio fundamental do sistema de
regras da família é: sempre que há risco eminente de desvelamento do
segredo mais bem guardado, chama-se a atenção para segredos menos
comprometedores ou de terceiros. Trata-se, aqui, do sistema geral de
regras referente ao diálogo entre os integrantes da família Seewald, sis-
tema esse que determina – como mostraram as reconstruções biográficas
de cada um de seus integrantes – as histórias de vida dos avós, da filha
e da neta. Com isso, identificamos algo de “geral” nesse caso concreto.
É possível notar uma vigência de regras que, em condições semelhantes,
valeriam também para outros casos. Continuemos, porém, na tarefa de
determinar essas regras e a estrutura familiar correspondente a elas. Se
é recorrente que a família atribua ao genro Frank a culpa pelas perdas

93
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

de harmonia do grupo, isso também é passível de generalização: a família


configura um caso no qual perguntas levantadas por um “estranho” e por
um integrante não original da família servem à conservação da mentira
do passado sem comprometimentos.
A construção de tipos exige, a partir desse ponto, um problema concre-
to. Tentaremos demonstrar essa necessidade a partir de dois problemas
diferentes.

CONSTRUÇÃO DE TIPO: PROCESSOS TRANSGERACIONAIS DE


MOBILIDADE PROFISSIONAL NAS FAMÍLIAS

Analisemos de início uma questão bastante distante do contexto de


investigação no qual a família Seewald foi analisada: como se originam,
no âmbito familiar, processos transgeracionais de mobilidade profissio-
nal? Antes de tudo, vejamos os dados sociais dessa família referentes à
categoria “profissão”.
Ainda nos tempos da Alemanha nazista, a avó Seewald concluiu um
curso de costureira, enquanto que o emprego de seu marido na fábrica não
exigia nenhum estudo ou aprendizado formal. Sua filha, a senhora Seewald,
é uma médica que, ainda na Alemanha Oriental, conseguiu ascender na
hierarquia de um hospital. A neta da família fez um curso de jardinagem
e exerceu a profissão até a queda do muro, quando deu início a um estu-
do universitário. Seu pai, por sua vez, é formado em uma disciplina das
ciências naturais; os avós paternos possuem ambos um título acadêmico.
Assim, embora a mãe, com relação a seus pais, tenha conseguido ascen-
são profissional, sua filha se mantém no nível de instrução de seus avós.
Chegar a essa conclusão não exige nenhum levantamento, nenhuma
análise qualitativa. Poderíamos concluir o mesmo com a ajuda de um
questionário. Independente do material textual disponível e da reconstru-
ção de caso é possível formular, também, inúmeras hipóteses. Podemos
atribuir a ascensão social da mãe, entre outras coisas, à melhora no nível
da formação profissional para a geração de filhos das famílias proletá-
rias da República Democrática Alemã e interpretar da mesma forma a
oportunidade dada à neta, antes da queda do muro, de concluir um curso
profissionalizante. Porém, é possível, a partir dessa reconstrução de caso,
interpretar esse processo transgeracional de mobilidade profissional
considerando apenas a forma desenvolvida pela família para lidar com
seus segredos e também os processos biográficos das gerações seguintes

94
GABRIELE ROSENTHAL

que ela possibilita. Assim é possível identificar os mecanismos que dão


origem a esse processo. O que buscamos é a construção de um tipo que
nos indique as regras que permitam explicá-lo.
Anteciparemos o resultado desse desenvolvimento: as reconstru-
ções de cada biografia deixam claro processos inerentes à história de
vida da neta Petra que apontam para uma identificação bastante forte
com a avó e para uma relação problemática com a mãe, caracterizada
sobretudo por concorrência e rejeição. Reconstruções biográficas de
caso buscam, no entanto, reconstruir, em um curso específico (em um
processo determinado de socialização), tais momentos cronologicamente.
Dessa forma, o curso biográfico de Petra que nos leva a essa conclusão
consiste nos seguintes fatos: uma primeira semana de vida em que suas
chances de sobrevivência na clínica onde seu parto foi realizado eram
bastante reduzidas; a dificuldade enfrentada por sua mãe em estabele-
cer um vínculo emocional com ela durante esse período; os primeiros
anos de vida passados na casa dos avós; a ausência da mãe por conta das
exigências da profissão e o fato de Petra não ter ido à creche – algo raro
na Alemanha Oriental –, de ter sido criada pelos avós. As escolhas pro-
fissionais e também amorosas de Petra funcionam para ela como forma
de provocar, de um lado, sua mãe – com sua opção de carreira –, e, de
outro, seus avós – ao trazer uma pessoa com o posicionamento político
de seu marido para dentro do núcleo familiar.
Para ilustrar melhor o caso, trazemos alguns detalhes que no fim se
mostrarão bastante importantes. Certa vez, após uma discussão bastante
intensa com o marido da neta sobre o tempo em que serviu junto ao exército
nacional-socialista na frente de batalha soviética, o avô teve de ser levado
ao hospital. Considerando a reconstrução biográfica do avô e os registros
históricos arquivados, é bastante provável que o próprio, durante a guer-
ra, tenha participado de fuzilamentos em massa de soldados do Exército
Vermelho. Frank representa, assim, enquanto ex-oficial do Exército Nacional
Popular e membro do Partido do Socialismo Democrático, oposição ao avô.
Por seu lado, as provocações de Petra têm relação direta com o
modo encontrado pela família de lidar com segredos. Se Petra abala
a situação harmônica do grupo com questões proibidas, esses abalos
acabam ajudando a cobrir segredos muito bem guardados. Além disso,
a reconstrução do caso familiar mostra que a ascensão da mãe de Petra
no sistema social da Alemanha Oriental se deve, entre outras coisas,
à necessidade dos avós de encobertar seu passado – a ambos tão pre-

95
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

judicial – e de adequar as “aparências” ao modelo vigente à época.14


As escolhas profissionais e amorosas da neta também podem ser lidas
como formas de adaptação a esse sistema.
Em suma, podemos afirmar que essa família representa um tipo do
processo transgeracional de mobilidade ocupacional no qual a ascensão
social da mãe e o rumo profissional contrário de sua filha se encontram
em conexão direta com a adequação ao sistema social, embora, no caso
da neta, também seja possível notar uma relação com tentativas de aba-
lar o sistema familiar. Essa busca por um ajuste de “aparências” está
associada ao passado nacional-socialista da família. O gerenciamento
do segredo e, vinculado a isso, o passado incriminatório e depreciati-
vo dos avós no nacional-socialismo, possui relevância funcional nessa
dinâmica profissional, que certamente são determinados também por
outros momentos.
De acordo com a análise realizada, pode-se dizer que chegamos ao
fim da construção de um tipo que descreve não apenas fenômenos su-
perficiais, mas, antes, a estrutura que dá origem ao caso e que explicita
as regras dessa construção estrutural. Trata-se de compreender o tipo
estruturalmente, e não descritivamente. Uma construção estrutural de
tipos não significa, em contraste com uma construção descritiva de
tipos, o resumo dos critérios de propriedades particulares no sentido
de uma ligação aditiva.
Também podemos partir do princípio de que há, sob o fenômeno de
superfície que caracterizamos por “ascensão da segunda geração e nível
de formação da terceira igual ao dos avós”, diferentes tipos de surgimento
não tratados até aqui. Para dar prosseguimento à comparação (ver sub-
capítulo 3.2), poderíamos nos voltar, na reconstrução de caso seguinte e
de posse de dados sociais relevantes sobre ocupação e emprego, a uma
família que apresente processo transgeracional semelhante, embora,
considerando apenas superficialmente – isto é, antes da reconstrução de
caso –, ela faça referência a outro tipo. Podemos, por exemplo, escolher
um núcleo familiar em que seus segredos, inicialmente, não assumam o
mesmo papel, ou que não tenham relação com o nível de formação e com
crescimento profissional.

14
A opção da mãe por estudar medicina, como mostrou a análise da entrevista, parece ter
ligação direta com o passado profissional da avó, enfermeira em um hospital militar durante a
Segunda Guerra Mundial.

96
GABRIELE ROSENTHAL

CONSTRUÇÃO DE TIPO: DIÁLOGO EM FAMÍLIA SOBRE OS ANOS DO


NACIONAL-SOCIALISMO

Busquemos agora primeiro reconstruir um caso no contexto da questão


sobre o modo com que um passado comprometido com o nacional-socia-
lismo é tratado em famílias constituídas por três gerações, para, então,
construir um tipo. O ponto de partida do desenvolvimento de nossa “mario-
nete” não é mais a trajetória profissional, mas a forma com que a família
lida com o passado nazista. A construção de um tipo, o desenvolvimento
de sua forma exterior, tem em vista os problemas levantados, os quais
podem variar bastante de acordo com nosso interesse de pesquisa. Uma
vez concluída, a reconstrução de caso permite conhecer as regras que dão
origem justamente a essa forma exterior. Coloca-se a questão sobre seus
mecanismos; buscamos descobrir os componentes funcionais em vigor no
processo de produção da Gestalt.
Além de nos mantermos o mais próximo possível do caso concreto,
iremos, a seguir, introduzir alguns detalhes específicos ao caso, para, de
forma relativamente abstrata, construir o tipo em questão. Esses detalhes
são também necessários para tornar a construção de tipos algo intersub-
jetivamente compreensível.
Falamos anteriormente do passado do avô como soldado do Exército,
sua provável participação em execuções. O próprio fala de “ordens huma-
namente indignas” que ele foi obrigado a seguir. Já o período em que a avó
trabalhou como enfermeira em um hospital de campanha durante a guerra,
assim como sua detenção – vinculada a essa atividade – pelas forças de
ocupação soviéticas em 1945 e a fuga do trem que a levava para a Sibéria,
não é diretamente mencionado nas entrevistas; perguntas referentes a
esses acontecimentos, as quais acabam surgindo por consequência de
alguns comentários feitos nas conversas, são expressamente rejeitadas,
tanto pela avó quanto por sua filha.
Outro tabu para a família é a morte aparentemente mal explicada
do bisavô paterno, encontrado morto às margens de um rio dez anos
após o fim da guerra. O acontecimento, cercado de mistério, é segredo
de família. Não se sabe se o serviço secreto estaria por trás, ou se a
localização de um antigo campo de concentração nas proximidades teria
influenciado o ato ou motivado um possível assassinato ou a vingança de
uma vítima das atrocidades do regime. Após a morte de seu pai, o próprio
avô passou a temer ser perseguido ou mesmo que pudesse ser preso.

97
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Isso justificaria o fato de questões a esse respeito surgidas ao longo da


entrevista terem sido – mais ou menos enfaticamente – ignoradas. Cada
um desses elementos da história de família aqui apresentados – tão
comprometedores – estão diretamente vinculados à sua participação
ativa no ambiente ideologicamente dominado pelo nacional-socialismo,
mas também ao risco que os integrantes da família corriam vivendo
na República Democrática Alemã. Um aspecto interessante, aqui, é o
fato de os avós, a mãe e também a neta apresentarem a configuração
do próprio passado familiar como vítimas da opressão soviética.
Durante a entrevista, foram feitas frequentes menções, e isso por
todos os membros da família, sobre as atrocidades do regime nazista.
O diálogo caracteriza-se também pela negação a algumas questões
levantadas e pelo fato de que comentários sobre crimes de guerra são
feitos sempre por alguém que não os vivenciou. Mesmo o avô conta
vários detalhes dessas atrocidades, mas sempre tomando a perspectiva
de testemunhas e ao falar sobre seu cunhado – com quem conserva-
va amizade –, ou seja, nunca se referindo a seus próprios atos. Esse
cunhado, marido da irmã de sua esposa, jamais retornara da prisão à
qual foi levado na União Soviética. O avô acredita que lá ele tenha sido
condenado por crimes de guerra, por ter participado de execuções de
prisioneiros de guerra soviéticos, entre outros. O modo com que esse
assunto é inserido ao texto leva a crer que é apenas por meio dele que
o autor consegue tematizar seus próprios atos.
Elementos desse tipo de diálogo familiar – aqui ainda em parte
construído descritivamente –, como a representação de si mesmo como
vítima, a negação da participação em crimes de guerra e a fala, sem-
pre referencial, sobre os atos de terceiros, são bastante recorrentes
e encontrados com alguma facilidade na sociedade alemã. É possível
identificar uma relação entre essa fala e o discurso oficial sobre a
época. A regularidade desses componentes também pode ser verifi-
cada quantitativamente, com base em diferentes pesquisas. Porém, a
reconstrução de caso da família Seewald pode esclarecer, ao contrário
da análise quantitativa – ou da que busca resultados de caráter qua-
litativo a partir de generalizações estatísticas –, a dinâmica existente
entre esses elementos, os mecanismos específicos desse tipo de geren-
ciamento de segredos e oferece, ademais, indícios sobre seu processo
de formação. Essa família apresenta um tipo de diálogo familiar sobre
o nazismo no qual a atenção para os segredos do grupo é desviada por

98
GABRIELE ROSENTHAL

meio da referência a segredos familiares de terceiros sobre o passado


nacional-socialista. Em um momento crítico da conversa, no qual o
comprometimento do avô ameaçava ser revelado, contava a neta, por
exemplo, que seu avô paterno havia trabalhado para a Gestapo em um
campo de concentração.15 Além disso, a reconstrução das histórias de
vida e familiar mostrou que outros segredos, muito mais comprome-
tedores – sobre a violência sexual sofrida por crianças da família –,
mantinham-se à sombra daqueles ligados à guerra. Tanto na entrevista
com a avó quanto com a neta, era possível ler referências a esse tipo
de abuso, ocorrido ainda na infância (no caso da avó, por seu pai, e, no
caso da neta, possivelmente pelo avô materno). Podemos, assim, sem
considerar as particularidades específicas ao caso, chegar à seguinte
generalização: a família representa um tipo de diálogo familiar sobre o
passado nazista em que a participação de seus membros em crimes de
guerra é sempre abordada de forma vaga e difusa, em que questões a
esse respeito são sempre repudiadas; se nota uma forma de lidar com
segredos – desenvolvida pela família antes mesmo da Segunda Guerra –
por meio da qual se busca chamar a atenção para o passado nazista de
integrantes não originários da família com o intuito de manter oculto
os próprios segredos, aos quais pertencem também traumas relaciona-
dos a casos de violência sexual dentro do grupo familiar. Falar sobre
os segredos relativos ao passado nacional-socialista parece servir
também para manter velados casos de abuso sexual entre integrantes
da família (LOCH, 2004).
A construção de tipos, na forma aqui apresentada, não visa ex-
clusivamente à descrição mais acurada possível de particularidades
específicas ao caso ou ao histórico, tampouco pretende descobrir regu-
laridades da espécie de leis. O típico pode se mostrar também apenas
no específico, no caso particular. A construção de tipos, portanto, não
é idiográfica, ou seja, não se volta apenas àquilo que casos particula-
res têm de específico e único, tampouco pode ser chamada apenas de
nomotética, uma vez que busca por leis mais ou menos gerais, por leis
vigentes no caso ideal, para além da historicidade (HITZLER; HONER,
1992, p. 21). A construção de tipos segue, de certa forma, o princípio
da síntese desenvolvido por Max Weber, segundo o qual é possível

15
Nas entrevistas com cada integrante em separado, a família do pai era sempre citada,
antes, como uma família de resistentes ou opositores.

99
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

combinar ambas as perspectivas (ROSSI, 1987, p. 22-25; SEALE, 1999,


p. 106; TENBRUCK, 1986). Hans-Georg Soeffner define o objetivo da
construção de tipos a partir dos conceitos weberianos de tipo-ideal e
de “tipo objetivo de correção”, da seguinte forma:

Esse tipo objetivo é um “tipo-ideal” apenas se for construído


com a intenção de, por um lado, provar sistematicamente
não corresponder aos dados empíricos, reproduzindo (em-
bora mantendo diretamente inacessível) o específico do
caso particular, mas, por outro, e justamente dessa forma,
se for construído com a intenção de fazer com que o caso
particular torne visível – o que lhe é próprio – o elemento
histórico específico frente ao plano de fundo da generalidade
estrutural (SOEFFNER, 1989, p. 62).

100
3

PROCESSO E DESENHO DE PESQUISA

Nota preliminar. A seguir, falaremos novamente do princípio da abertura,


abordado no capítulo anterior, assim como de suas implicações metodoló-
gicas, de seu significado para o processo de pesquisa, mas também sobre
como é feito o levantamento de amostras, isto é, a amostragem teórica ao
longo da investigação. Em seguida, apresentaremos as etapas de um estudo
interpretativo desenvolvido predominantemente a partir de entrevistas.
Antes de tudo, recordemos rapidamente os aspectos que caracterizam
os passos do levantamento e da análise de dados:

• Abertura da pergunta de pesquisa com possibilidade de realizar


alterações na questão que motiva a pesquisa.

• Suspensão da separação em fases dos processos de levantamento


e de análise de dados.

• Formulação de hipóteses ao longo de todo o processo de pes-


quisa.

• Amostragem desenvolve-se passo a passo, ao longo da inves-


tigação.

3.1 AMOSTRA E SATURAÇÃO TEÓRICA

Amostra significa determinar os indivíduos ou casos (que iremos en-


trevistar ou pesquisar), situações (observadas e registradas com o auxílio
de aparato técnico) e documentos (com vistas à interpretação) que farão
parte do nosso estudo. À nossa amostra pertencem todas as “unidades”,
todos os “casos” que configuram objeto de nossa investigação. Enquanto
que, em um estudo quantitativo – em que o pesquisador, visando repre-

101
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

sentatividade, orienta-se por critérios distributivos –, a amostra é defi-


nida de antemão, na pesquisa social interpretativa isso ocorre de outra
forma. Harry Hermanns (1992, p. 116) define essa diferença da seguinte
maneira: enquanto que no estudo quantitativo a amostragem objetiva
“uma representação reduzida dos ‘casos’ empiricamente disponíveis”, tal
processo configura na pesquisa social qualitativa “uma representação das
categorias relevantes do ponto de vista teórico”.
De acordo com a lógica da descoberta, não podemos definir de ante-
mão a escolha de nossos casos, uma vez que não podemos saber de início
quais casos se mostrarão de relevância teórica ao longo da pesquisa. Nos
primeiros passos de uma observação participante em uma grande empresa,
por exemplo, ainda não é possível saber quais situações relacionadas à
realidade social dessa empresa são interessantes, em quais departamentos
e em quais questões a participação nos acontecimentos se mostra produ-
tiva, tampouco quantas situações temos de observar para que possamos
reconstruir os componentes fundamentais desse caso. Além disso, caso
nosso interesse estiver voltado, antes, para as diferentes trajetórias pro-
fissionais ou, ainda, para os diversos históricos de migração, não há como
saber desde o princípio quantos tipos diferentes, relevantes para nossa
investigação, poderão ser encontrados em determinado momento, tampou-
co definir de antemão seus componentes funcionais. A ideia de realizar
uma amostragem com metade de homens, metade de mulheres pode soar
plausível, mas esse critério de escolha só faz sentido em uma pesquisa
orientada por critérios distributivos estatísticos. No contexto de estudo –
tanto faz se sobre vivência de migração ou sobre trajetórias profissionais
–, não conseguimos decidir de antemão até que ponto “gênero” pode ser
considerado elemento essencial para esse campo de pesquisa, embora
em determinadas reconstruções de caso tenhamos que considerar essa
categoria. Se ela constitui ou não componente de significado funcional que
aponte para trajetórias profissionais diferenciadas ou para uma vivência
diferenciada de migração, isso só ficará claro ao longo da pesquisa empí-
rica – de todo modo, isso não significa que uma divisão igualitária entre
homens e mulheres no processo de amostragem fará sentido.
Ao contrário da amostragem estatística, o levantamento teórico de
amostras não permite determinação prévia, seja do âmbito, seja dos crité-
rios de distribuição das mesmas. E isso pode ser facilmente aplicado, uma
vez que os processos de levantamento e de análise têm, aqui, sua divisão
em fases suspensa. Em contraste com o procedimento quantitativo, não

102
GABRIELE ROSENTHAL

precisamos – tampouco podemos – primeiro realizar todas as entrevistas


ou observações para então começar com a análise; aqui, a análise de cada
entrevista ou de cada protocolo de observação determina o desenvolvi-
mento subsequente do levantamento de dados e, com isso, da amostragem.
A amostra teórica não se orienta de acordo com critérios de distribuição,
mas, sim, por suposições teóricas desenvolvidas ao longo da pesquisa e,
por essa razão, empiricamente fundamentadas. Na pesquisa social inter-
pretativa contemporânea (HILDENBRAND, 1999; SCHÜTZE, 1983), dá-se
também preferência, enquanto procedimento de amostragem, à amostra
tal como apresentado pela primeira vez por Barney Glaser e Anselm
Strauss (1967, p. 45-78) e que difere de outros, como a amostra seletiva
(SCHATZMAN; STRAUSS, 1973), no qual reflexões teóricas determinam
a amostragem já de antemão: “A amostra seletiva faz referência à decisão
calculada de pôr à prova um determinado cenário ou tipo de entrevistado
considerando dimensões previamente fundadas e estabelecidas (como
identidade, espaço, tempo), elaboradas antes mesmo do começo do estu-
do” (STRAUSS, 1991, p. 71). Na amostra teórica, o processo corresponde,
antes, a uma seleção que ocorre ao longo da pesquisa e que resulta da
análise de dados já levantados.

A amostragem teórica é um processo no qual o pesquisador


decide, analiticamente, quais dados deverão ser em seguida
levantados e onde eles devem ser buscados. Eis sua questão
fundamental: quais são os próximos grupos ou subgrupos de
população, acontecimentos, ações (com o intuito de chegar
a dimensões, estratégias etc. diferentes entre si) a que nos
voltaremos na fase seguinte do processo, em curso, de levan-
tamento de dados? E quais interesses teóricos estão por trás?
Consequentemente, trata-se de um processo de levantamento de
dados controlado pela teoria, essa ainda em desenvolvimento”
(STRAUSS, 1991, p. 70).

Esse processo de amostragem termina quando não for mais possível


encontrar novos fenômenos que modifiquem as perspectivas teóricas re-
construídas até ali ou que levem à construção de novos tipos, quando ocor-
rer repetição dos fenômenos que confirmem a atual concepção. Constitui
critério para a decisão de encerrar a amostra e, com ele, também a análise,
na linguagem de Glaser e Strauss: a saturação teórica. “Saturação signi-
fica não encontrar nenhum dado adicional por meio do qual seja possível

103
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

ao sociólogo dar continuidade ao desenvolvimento da categoria no que diz


respeito a seus aspectos e à sua relevância” (GLASER; STRAUSS, 1967, p.
61). Embora se fale, aqui, de “dados” e “categorias”, o significado dessas
reflexões, quando traduzidas em uma análise reconstrutiva de caso par-
ticular, diz respeito ao fato de que a saturação é então alcançada quando
não se consegue mais encontrar casos que exijam a construção de um tipo
novo ou que modifiquem as generalizações teóricas feitas até ali. A recons-
trução acurada de casos particulares não termina, portanto, “quando os
casos coletados atingem número estatisticamente representativo em relação
à frequência de seu surgimento” (OEVERMANN et al., 1975, p. 20), mas,
sim, quando, em sentido teórico, não descobrimos mais nada de novo. Essa
“saturação” pode, em relação a determinado tema de pesquisa, aparecer
com relativa rapidez, mas também se mostrar, com respeito à outra temá-
tica, processo distante de encontrar um fim. Há que se ter em mente que
o critério de saturação teórica segue o processo típico de investigação, a
qual com frequência é interrompida precocemente por razões ligadas a
seus custos e prazos ou tem que ser adiada por estarmos ainda voltados
à conclusão de outra pesquisa. Tampouco estamos sempre certos, no con-
texto de investigação, de que não iremos mais nos deparar com alguma
perspectiva inédita e relevante do ponto de vista teórico, uma vez que o
processo de descoberta pode sempre ser prejudicado por “pontos-cegos”.
Após todos esses anos de pesquisa sobre o nacional-socialismo, foi
possível aprender de alguma forma a enxergar esses pontos-cegos, e isso
sobretudo no que diz respeito tanto ao antissemitismo presente nos dias
de hoje como também à participação do povo alemão nos crimes cometidos
pelos nazistas. Esse “não poder ver” e esse “não ter permissão para ver”
influenciaram profundamente meu projeto de doutorado sobre membros
da geração da juventude hitlerista (ROSENTHAL, 1987). Não que isso
signifique rejeitar por completo as suposições empiricamente sustentadas
ali; frisamos apenas que muito foi ignorado e, no sentido de uma saturação
teórica, interrompido precocemente. De todo modo, se não tivesse sido
assim, é provável que jamais tivesse dado ponto final à minha tese.
Enquanto que em uma investigação quantitativa a dimensão da amos-
tragem é definida logo de início – assim como a do universo ou população
–, no processo de levantamento teórico de amostras esse âmbito é dado
apenas no final. Por exemplo, no contexto de investigação sobre pedidos
de asilo político na Alemanha e sobre a vivência daqueles que a solicitam,
ainda que tivéssemos como ponto de partida uma questão apenas vaga,

104
GABRIELE ROSENTHAL

teríamos, desde o início, conhecimento do universo a ser pesquisado, o


qual, todavia, poderia variar ao longo do estudo – como, por exemplo, se
ficasse evidente a relevância, para a constituição da experiência de exílio,
dos amigos alemães e também dos parentes dos candidatos, ou se essa
relevância pudesse então ser inserida no contexto de amostragem e se os
resultados empíricos indicassem necessidade de uma análise comparativa
entre as vivências do grupo e a vida de refugiados ou migrantes ilegais.
As diferenças entre uma amostragem teórica e uma amostragem es-
tatística podem ser resumidas da seguinte forma:

Tabela 1. Diferenças entre uma amostragem teórica e uma amostragem


estatística

Amostragem teórica Amostragem estatística

O universo é definido apenas vagamente, Dimensão do universo é, via de regra,


e sua dimensão, de início, desconhecida. conhecida.

Aspectos do âmbito a ser investigado Seleção de aspectos no universo


são de início pouco conhecidos, mas vão pesquisado pode ser determinada com
sendo redefinidos ao longo da pesquisa. base nos resultados da amostragem.

Realiza-se uma única amostragem,


Várias amostragens, sempre de acordo sempre de acordo com um plano
com os critérios resultantes de cada estabelecido de antemão. Não ocorrem
análise. mudanças no critério de seleção quando
no contexto de seleção sequencial.

Tamanho da amostra não é definido de Tamanho da amostra encontra-se desde


antemão. o início determinada.

Fonte: WIEDERMANN, Peter, 1991, p. 441 – mas em alguns aspectos modificados


por Steffen Kühnel e Gabriele Rosenthal.

3.2 O PROCESSO DE PESQUISA EM ESTUDOS REALIZADOS


A PARTIR DE ENTREVISTAS

Nota preliminar. Como é que se configura, então, um processo de pes-


quisa que, baseado em uma amostra, tem como objetivos uma generalização
teórica a partir do caso particular e, por meio do contraste entre os casos,

105
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

uma construção teórica de um modelo? Nos trabalhos de Barney Glaser


e Anselm Strauss (1967), e também nos estudos de Strauss em parceria
com Juliet Corbin (1996), predominam as observações participantes, razão
pela qual suas teorizações metodológicas fazem sempre referência a esse
tipo de procedimento. Por isso foi necessário arriscar uma modificação na
estrutura do processo de pesquisa para adequá-lo à realização de entre-
vistas e de complexas reconstruções de caso. Na observação participante,
o pesquisador vai a campo, observa, escreve notas, que são analisadas, e
decide, baseado nesses protocolos, quais segmentos do campo de pesquisa
precisam receber mais atenção, como e quando essa necessidade pode
surgir.1 A análise de uma entrevista é muito mais complexa do que a de
um protocolo de observação – o qual configura, a rigor, apenas um entre
muitos registros importantes para a reconstrução de caso, a qual tem
como objeto, na maioria das vezes, uma formação social, como institui-
ção, grupo ou organização (ver subcapítulo 6.3). A análise da entrevista
exige, ainda, a transcrição do material registrado, o que demanda tempo
e também custos. Assim é possível perceber logo de início uma diferença
entre duas formas de amostragem teórica. A primeira corresponde a reunir
precisamente todos os casos que constituam objeto da investigação, todas
as entrevistas realizadas ao longo do processo; a segunda amostragem,
por sua vez, diz respeito apenas aos casos que, a julgar pelas transcrições,
parecem exigir uma análise mais acurada. A segunda constitui, portanto,
subgrupo da primeira. A seguir, faremos uma descrição um pouco mais
detalhada desse procedimento, que já foi aplicado por sociólogos como
Hildenbrand (1999) e Schütze (1983). Para isso, vamos abordar também
a produção de notas e memos no contexto da entrevista, a análise desses
registros, a apresentação dos resultados, mas antes, mostrar como deve
ocorrer a aproximação ou o contato entre pesquisador e entrevistado.

3.2.1 Contato e acordos com o entrevistado

O processo de pesquisa tem início com a decisão, tomada sempre de


acordo com o problema levantado – ainda que vagamente –, a respeito do
grupo de pessoas com as quais realizaremos as primeiras entrevistas e
do modo com que o contato com elas deverá ser feito. Vamos supor que

1
No subcapítulo 4.4 serão abordados em linhas gerais os protocolos de observação e o
modo de analisá-los.

106
GABRIELE ROSENTHAL

desenvolvemos uma investigação sobre os determinantes da decisão de


se interromper a gravidez e sobre a vivência dessa situação. A forma mais
rápida e fácil de se encontrar pessoas dispostas a ser entrevistadas é, em
alguns casos, por meio de anúncio em jornal. Em relação a esse tema da
gravidez, porém, o procedimento se mostrou pouco eficaz (WIECHERS,
1998) – ao contrário, por exemplo, do que constatamos no início do de-
senvolvimento dos projetos sobre a Segunda Guerra Mundial e sobre o
nacional-socialismo, e isso para a busca tanto por pessoas que à época
simpatizavam e colaboravam com o regime quanto por indivíduos da gera-
ção seguinte. Na busca por mulheres dispostas a falar sobre sua vivência
da interrupção de gravidez, avisos em consultórios médicos trouxeram
resultados mais satisfatórios.
Não se trata, aqui, de citar todas as possíveis formas de aproximação
com o grupo-alvo, mas, antes, de chamar a atenção para o fato de que
essas experiências iniciais já nos oferecem importantes informações sobre
o objeto de pesquisa. Elas nos revelam algo sobre os contextos em que
pessoas, quando questionadas, encontram-se dispostas a falar e também
sobre as situações em que depoimentos sobre um tema específico costu-
mam ser evitados. As diferentes formas de aproximação correspondem
a diferentes precondições de definição situacional as quais às vezes não
podemos repensar. Faz grande diferença o fato de a entrevista ser marcada
por telefone – em resposta a um anúncio –, ou de ser com alguém que o
entrevistador nunca viu; faz grande diferença se é um médico, um chefe
ou um colega de trabalho que indica uma pessoa; ou se o primeiro con-
tato entre entrevistado e pesquisador é mediado por amigos em comum.
Importante é que na fase de análise o tipo de aproximação seja também
objeto de reflexão e que tenhamos o maior número possível de modos de
contato, para assim eventualmente alcançarmos também grupos diferen-
tes de pessoas.
De acordo com a ética de pesquisa 2, a aproximação implica não
apenas informar ao entrevistado sobre nossa pesquisa, sobre o con-
texto e método de investigação e sobre nosso comprometimento com
a confidencialidade dos dados, mas trata-se, ainda, de buscar consen-
timento com relação à estrutura pensada para a entrevista. Também
temos que determinar de antemão a forma com que os depoimentos

2
Sobre a ética de pesquisa, ver: HILDENBRAND, Bruno (1999a, p. 21ss., 75-80); HOPF,
Christel (2000b).

107
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

serão registrados, se em vídeo ou apenas em áudio. Na maioria das


vezes, enviamos à pessoa, dias antes da entrevista – jamais depois que
ela tenha sido realizada –, uma carta com todas essas informações. No
projeto financiado pela Sociedade Alemã de Amparo à Pesquisa (DFG)
sobre famílias constituídas por três gerações, algumas das quais com
sobreviventes do shoah, outras com ex-oficiais do exército nacional-
-socialista (ROSENTHAL, 1997), formulamos nosso comprometimento
com a confidencialidade das informações da seguinte forma:

Estamos comprometidos com a confidencialidade dos dados:


áudio e vídeo de todos os depoimentos registrados serão utili-
zados apenas para a pesquisa. Para a publicação dos resultados
dos estudos, as informações pessoais serão alteradas de modo a
impedir qualquer tipo de identificação. Além disso, será obser-
vado pelo pesquisador o princípio de não comentar com outros
membros da família sobre as entrevistas.

A carta deve informar também sobre o caráter institucional da investi-


gação e os objetivos do projeto de pesquisa (HILDENBRAND, 1999, p. 21).
Na carta enviada a famílias não judias3 no contexto da pesquisa realizada
com recursos da DFG, escrevemos o seguinte:

Estamos à procura de famílias interessadas em contar sua


história como parte de um projeto de pesquisa financiado pela
Sociedade Alemã de Amparo à Pesquisa. A família deverá ser
composta por integrantes de três gerações (ou seja, por avós,
pais, netos), dos quais ao menos um de cada geração se disponha
a falar sobre suas experiências. Interessante para a pesquisa é
saber a influência que os acontecimentos da Segunda Guerra
Mundial (vivências de guerra, exílio, fugas, perseguições)
exerceram e ainda hoje exercem sobre a família e sobre cada
um de seus membros.

Além disso, nas conversas preparatórias, devemos buscar nos in-


formar sobre eventuais expectativas dos entrevistados com relação a
nós às quais não podemos corresponder. Devemos estar atentos para
que não despertemos expectativas que mais tarde acabem frustradas.

3
Na carta às famílias judias, o texto varia um pouco; nela expomos claramente nosso
interesse em tematizar as consequências da perseguição nazista.

108
GABRIELE ROSENTHAL

Essas vão desde a esperança que assumamos o papel de assistentes


sociais ou de representantes do Estado – que cuidemos, por exemplo,
para que a filha enfim termine seus estudos universitários –, até a
ideia de que possamos de algum modo ajudar um membro da família a
publicar sua autobiografia.
Essas e outras expectativas podem surgir também em quaisquer fases
da pesquisa. Vale como regra que deixemos claro, tanto para os entrevista-
dos quanto a nós mesmos, até que ponto admitimos envolvimento com esse
tipo de expectativa; é melhor prometer pouco do que prometer demais. Em
certas pesquisas, por exemplo quando realizamos entrevistas com pessoas
de situação biográfica complicada, é, sim, possível construir um tipo de
relação que ultrapasse o âmbito da investigação, ou então auxiliar a pessoa
na procura por especialistas qualificados – assistentes sociais, médicos
ou terapeutas. Por exemplo, após a entrevista com a família Morina, do
Kosovo (ver subcapítulo 2.3), eu e Michaela Köttig chegamos à conclusão
de que, ali, era melhor abandonar essa postura mais distanciada. Famílias
naquela situação necessitam de toda ajuda possível. No caso, achamos
apropriado estabelecer um contato entre seus integrantes e organizações
que pudessem lhes oferecer apoio. À época, Michaela buscou ajuda junto a
um centro de auxílio a refugiados, pedindo que interviessem para evitar a
deportação. Quando investigamos refugiados e sobreviventes de tortura,
há a exigência de uma postura menos imparcial, tal como sugerem David
Becker (2000) e outros.

3.2.2 Análise global e notas (memos)

Tudo que ocorre antes do registro das entrevistas, o primeiro con-


tato inclusive, é assunto para nossas notas de campo ou memos. Essas
informações, como todos os dados levantados durante a investigação
(material de arquivo, fotografias, cartas, registros médicos etc.), são
aproveitadas mais tarde na reconstrução do caso. Com o contato ini-
cial, criamos um memo para cada participante, o qual é imediatamente
iniciado – ou ao menos logo após o primeiro encontro ou entrevista – e
que recebe, com cada contato, novas informações. Para entrevistas
biográficas, sugere-se um mínimo de dois encontros, isso porque po-
demos, assim, a) receber um retorno com relação ao primeiro, b) ten-
tar preencher, na segunda entrevista, as lacunas que eventualmente
surjam com as primeiras análises ou memos e c) contar no segundo

109
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

encontro com uma atmosfera mais aberta, por causa justamente da


confiança adquirida na primeira entrevista. No caso de o entrevistado
ter sofrido traumas em algum momento da vida, costumamos realizar
também, entre as entrevistas agendadas, conversas por telefone, o que
em algumas situações estimula outros encontros, como para um café,
festas em família ou mesmo funerais (VÖLTER, 2003). Para cada um
deles fazemos um protocolo de observação. O memo reúne informações
retiradas de encontros não registrados em áudio ou em vídeo, mas tam-
bém da entrevista gravada. Em entrevistas narrativas, a realização de
notas referentes ao material registrado segue os critérios da recons-
trução de caso (ver subcapítulo 6.2), na qual se busca reconstruir, em
análise composta por diferentes fases, a sequência histórica do caso
e também da forma como ela é apresentada ao longo da entrevista.
Isso vale tanto para reconstruções biográficas de caso como também
para análises de outros domínios, como o familiar ou organizacional.
Para isso, há que se tomar nota de dados do fenômeno sempre de
acordo com a ordem cronológica na qual surgem; inclusive de dados
que – supostamente – pouco se encontram ligados às interpretações
do entrevistado 4 (OEVERMANN et al., 1980). Com relação ao estudo
de biografias individuais, esses dados podem ser sobre nascimento,
quantidade de irmãos, grau de instrução, casamento ou sobre a saúde
do entrevistado. Quando o caso investigado é uma família, tomamos
nota de dados sobre a história familiar, ao passo que em entrevistas
com especialistas em um domínio específico ou em uma determinada
formação organizacional – voluntários de uma paróquia, por exemplo
– temos que estar atentos tanto para informações sobre a estrutura
institucional a qual pertencem, como também para sua história de vida.
Há que se tomar nota, ainda, de pontos-chave (ver subcapítulo 5.4)
protocolados e correspondentes à sequência do depoimento principal
e do relato introdutório, desenvolvimento esse estruturado na maioria

4
Aqui temos que ser mais específicos: também temos que levar em conta a possibilidade
de nos depararmos com entrevistados cujos dados biográficos parecem apresentar contradi-
ções consideráveis – como, por exemplo, haver mais de um dado sobre o mesmo acontecimento
–, entrevistados que com base em profundas revisões de sua história de vida acabam por alte-
rar, em correspondência a ela, seus dados biográficos. Na maior parte dos casos, essas diver-
gências ficam evidentes já em uma análise sequencial (ver subcapítulo 6.2.2). Recomenda-se,
nesses casos, primeiro perguntar sobre o “acontecimento tal como vivenciado à época”, formu-
lar hipóteses sobre as discrepâncias e pôr em questão as possíveis funções dessas contradições
e releituras (ROSENTHAL, 2002a).

110
GABRIELE ROSENTHAL

das vezes de forma autônoma pelo entrevistado, isto é, sem interven-


ções por parte do pesquisador. Quando possível, devemos indicar em
qual sequência, em qual grau de detalhamento e o tipo de texto em
que determinados domínios ou fases da vida foram abordados. Toma-se
nota, também, de informações adicionais adquiridas fora do contexto
da entrevista propriamente dita, quando buscamos esclarecer ou con-
firmar algum relato.
Com base nessas notas, podemos dar início, então, à análise global,
uma análise preliminar que constitui base para o desenvolvimento tanto
da primeira como da segunda amostragem teórica – ou seja, para a decisão
sobre, se e com quem devemos realizar entrevistas adicionais e, buscan-
do a investigação mais acurada possível do caso, quais dos depoimentos
devem ser transcritos.
De início, de acordo com o procedimento da reconstrução de caso (ver
subcapítulos 6.2 e 6.3) – tal como demonstrado em Oevermann et al. (1980)
–, interpretamos sequencialmente os dados relativos aos acontecimentos
para, mais tarde, contrastar os resultados do processo com os depoimen-
tos dados no contexto das entrevistas. De início – antes de nos voltarmos
para a autorrepresentação de cada entrevistado e para suas respectivas
interpretações de acontecimentos passados –, buscamos formular hipóte-
ses sobre o significado que os dados (à época dos acontecimentos) possam
assumir para o caso a ser investigado e, indo além, para as formas que
seu desenvolvimento subsequente poderá assumir.
O passo seguinte é a interpretação, também sequencial – de acordo com
o método da análise de texto e de campo temático (ver subcapítulo 6.2.3) –,
dos segmentos do relato principal dos quais tomamos nota. Formulamos,
nessa fase, hipóteses sobre o significado possível do depoimento dado na
entrevista. Essas hipóteses devem dizer respeito sobretudo à forma se-
quencial do relato principal, à diferença entre esse relato e aquela parte
da entrevista destinada ao esclarecimento e à confirmação da estrutura
de fatos – à escolha do tipo de texto e ao grau de detalhamento das des-
crições e de escassez das informações sobre um determinado tema ou um
período biográfico específico.
É na análise global que se formulam, assim, as primeiras hipóteses
sobre o caso, e isso em diferentes fases, sempre de acordo com as regras
do método sequencial e abdutivo. As análises globais também podem, res-
peitando a questão levantada pela pesquisa, dar origem tanto às primeiras
construções de tipos como também estimular um estudo comparativo entre

111
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

entrevistas. Elas possibilitam o desenvolvimento preliminar de conceitos


e de construções de tipos relativos ao caso, oferecendo, com isso – con-
forme mencionado –, critérios teóricos para os processos de amostragem
que venham a ocorrer.

3.2.3 Primeira e segunda amostragens teóricas

Começamos nossos estudos com entrevistas preliminares e, a partir


delas, com a formação das primeiras amostragens, as quais já se orien-
tam de acordo com critérios teóricos. A partir de análises globais e dos
memos sobre o material, escolhemos o primeiro caso a ser investigado
mais detalhadamente e decidimos os próximos entrevistados. O primeiro
caso pode se referir, de acordo com a definição de caso, a uma pessoa
ou, no caso de sistemas sociais como uma família, a entrevistas com seus
integrantes. Transcrevemos, então, as gravações realizadas no contexto
do caso. A transcrição5, isto é, a transformação do registro falado em um
texto escrito no qual se encontram reproduzidas todas as declarações e
alusões que compõem o material – ao menos as que podemos reconhe-
cer na gravação –, inclusive pausas, interrupções e ênfases, é produzida
em correspondência direta ao material, sem ignorar passagens, mas
desconsiderando as regras da linguagem escrita, ou seja, reproduzindo
as expressões tal como foram utilizadas. Recomenda-se o uso de uma
forma específica de pontuação não comprometida com regras gramati-
cais: vírgulas são colocadas para separar orações seguindo a sequência
de frases que a gravação nos permite reconhecer (BERGMANN, 1976,
p. 2); também podemos renunciar ao uso de pontos finais, de pontos de
exclamação ou de interrogação, pois neles já se encontra implícita uma
interpretação; pausas são marcadas com parênteses, entre os quais o
tempo da interrupção é dado em segundos.
A partir da padronização de Jörg Bergmann (1976; 1988, p. 21), desen-
volvemos o seguinte sistema de sinais de transcrição:

5
Sobre os diferentes sistemas de transcrição, ver: Psathas (1995, p. 70ss.).

112
GABRIELE ROSENTHAL

Códigos de
transcrição

, = pausa breve

(4) = duração da pausa em segundos

É: = extensão da vogal

((rindo)) = comentário do realizador da transcrição

/ = inserção do fenômeno comentado

Não = ênfase

NÃO = falando mais alto

talv- = interrupção de uma palavra ou de uma declaração

‘não’ = falando mais baixo

= conteúdo da expressão incompreensível; comprimento


() dos parênteses corresponde mais ou menos à duração da
declaração

= sem certeza com relação a algum aspecto do conteúdo


(disse ele)
de um registro

Sim=sim = rápida sequência de palavras

Sim, eu fiz
= falas simultâneas a partir de “eu”
não, ele

113
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

A primeira reconstrução de caso pode, então, acabar exercendo


influência sobre a ampliação da primeira amostragem. No contexto da
investigação sobre a vivência da Segunda Guerra Mundial, a análise das
entrevistas com veteranos do conflito anterior e da experiência dos anos
de nacional-socialismo acabou nos estimulando a realizar entrevistas com
pessoas daquela geração. Entrevista e análise não são, assim, cronologi-
camente distinguíveis. Tanto a análise global quanto as reconstruções de
caso instigam continuamente a expansão dos processos de amostragem,
isto é, da amostra primária (escolha das entrevistas que serão realizadas)
e secundária (escolha relativa às reconstruções de caso que receberão
tratamento diferenciado), os quais, por sua vez, orientam-se pelo critério
da variação e pelo caso mesmo – interessante do ponto de vista teórico –,
e sempre com o objetivo de reconstruir tipos diferentes entre si. Caso a
amostragem seja de início realizada sem maiores planejamentos, ou ainda
de acordo com suposições – teóricas ou partilhadas cotidianamente – já
existentes, serão notadas modificações ao longo do estudo. A escolha pas-
sa então a ocorrer cada vez mais com base nas generalizações teóricas
(HILDENBRAND, 1999a, p. 66), as quais se desenvolvem sob influência
das análises empíricas. Ao contrário de Hildebrand, não acreditamos que
a escolha da primeira entrevista no contexto da amostra secundária – ou
seja, da primeira análise de caso – pressuponha teorizações. Partimos
antes do princípio de que toda entrevista – desde que bem realizada –
serve à primeira análise de caso, pois pode levar, encerrada a análise,
a uma construção tipológica relacionada ao problema que deu origem
à pesquisa. Em correspondência à necessidade de uma construção de
tipos relevante e abrangente o suficiente para o campo de estudos, toda
entrevista também deve poder ser “situada” com relação aos tipos cons-
truídos até ali, ou, quando não for o caso, dar origem à construção de um
novo tipo. “Situar” não significa, aqui, a subsunção em uma classe, mas
algo como uma “medição da distância” com relação aos diversos tipos ou
a casos que representam, de forma semelhante, um tipo misto. Apenas a
seleção das entrevistas adicionais para aquela reconstrução de caso que
recebe tratamento específico ocorre de acordo com teorizações cuja base
se encontra na análise primária (veja a seguir).
Como vimos, antes da análise não é possível determinar com segurança
o número de entrevistas a serem realizadas, tampouco aquelas às quais
deverá ser dada maior atenção. Em um estudo cujo objetivo é a reconstru-
ção de tipos distintos, a dimensão necessária de ambas as amostragens só

114
GABRIELE ROSENTHAL

é conhecida ex post, isto é, após a conclusão da análise. Ele é alcançado


com a saturação teórica, quando não é mais possível construir tipos.
Os passos – não correspondem a uma sequência cronológica – da ob-
tenção de dados são:

• Primeira amostragem teórica = amostra geral.

• Memos e análises globais de todas as entrevistas realizadas.

• Segunda amostragem teórica – extraída da amostra geral.

• Transcrição das entrevistas da segunda amostra.

Reconstruções de caso

3.2.4 ESTUDO COMPARATIVO DE CASO: CONTRASTE MÍNIMO E


MÁXIMO

Como mostrado anteriormente, a construção de tipo no caso particu-


lar ocorre de modo a permitir que esse seja determinado em diferentes
níveis (biografia, família, grupo, organização ou sociedade) e deve tomar
como base uma questão direcionada a um fenômeno social específico
(como carreiras profissionais ou processos migratórios). O objetivo de
uma reconstrução de caso consiste em desenvolver afirmações a respeito
dos diferentes tipos encontrados em um determinado momento e eventu-
almente sobre a dinâmica existente entre eles. Trata-se de buscar respos-
tas possíveis sobre uma questão específica de caráter social. Com quais
históricos de vida profissionais ou migratórios podemos nos deparar em
um campo historicamente e geograficamente delimitado, isto é, concreto?
Essas outras generalizações e construções de modelo teóricos resultam
da comparação contrastante de reconstruções de caso já concluídas e da
formação de tipos nelas baseadas.
O procedimento da comparação contrastante orienta-se, nas dife-
rentes tradições (por exemplo em Schütze, Oevermann, Hildenbrand)6,

6
Hildenbrand (1999a, p. 65) busca se distanciar de Strauss e Oevermann: “uma
comparação direta em geral não tem por base alguma hipótese sobre a estrutura de caso, mas,

115
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

também pelas propostas elaboradas por Glaser e Strauss (1967, p. 55ss.),


os quais partem da diferenciação entre um estudo comparativo de con-
traste mínimo e um de contraste máximo. Em um estudo comparativo de
contraste mínimo, terminada a reconstrução, busca-se um caso que sirva
para análises subsequentes; um caso que aponte, em princípio superfi-
cialmente, para semelhanças entre o fenômeno que se busca observar e o
caso já analisado (SCHÜTZE, 1983, p. 287). Se tivéssemos reconstruído,
por exemplo, um histórico de migração motivado fundamentalmente pela
situação política e econômica precária do país de origem, poderíamos es-
colher, para comparação, um caso que apresentasse aspectos semelhantes
ao inicialmente estudado. Durante a análise de caso é possível, porém,
que ambos os casos mostrem-se estruturalmente bastante diversos. É
possível que, no segundo caso, a difícil situação de vida no país de origem
tenha sido caracterizada como motivo para deixá-lo, mas não se mostre,
durante a análise, parte integrante com relevância funcional e que, antes,
a determinação da família em cumprir uma ordem de exílio, por exemplo,
tenha papel mais importante na tomada de decisão. A comparação entre
ambos os casos poderia mostrar, entre outras coisas, até que ponto e por
qual razão aspectos semelhantes podem exercer influência diversa e até
que ponto o fenômeno aparente no segundo caso, isto é, as afirmações
a respeito da difícil situação de vida na terra natal, encontra reflexo no
discurso comum da sociedade para a qual se migrou ou na fala padrão da
comunidade de migrantes. Com isso, pretendemos chamar a atenção para
o fato de que, em cada reconstrução de caso, sempre podemos encontrar
indícios dos diversos discursos nos quais os entrevistados foram socializa-
dos e, sobretudo, a eficácia de cada um deles. Em um estudo comparativo
de contraste máximo, tomamos casos para a comparação que, a princípio,
superficialmente conservem, tendo em vista o fenômeno a ser investigado,
as diferenças mais marcantes (SCHÜTZE, 1983, p. 287). Aqui é de esperar
que dois casos a princípio bastante diversos se mostrem estruturalmente
semelhantes após análise.
Os estudos comparativos, tanto o de contraste máximo quanto o de
contraste mínimo, também podem dar origem a outras generalizações te-
óricas, a outras hipóteses sobre as relações entre os diferentes tipos. Com
isso, nos prestamos a desenvolver uma teoria toda ela relativa ao objeto.

em compensação, coloca frente a frente cada aspecto do modelo de ação”.

116
GABRIELE ROSENTHAL

GENERALIZAÇÕES TEÓRICAS NO CONTEXTO DAS


RECONSTRUÇÕES DE CASO

1. Construção de tipo a partir do caso particular – com base no


levantamento do problema (âmbito do caso: pessoa, família, or-
ganização etc.).

2. Estudo comparativo contrastante de casos/tipos

Contraste mínimo.

Contraste máximo.

3. Outras generalizações teóricas; desenvolvimento de uma teoria


relativa ao objeto (a partir de 2).

3.2.5 Apresentação dos resultados da pesquisa: a compreensão


intersubjetiva e a confidencialidade dos dados

A apresentação de reconstruções de casos e de generalizações teóricas


pode variar bastante dependendo do contexto, mas sobretudo da dimen-
são. Ela pode configurar desde uma apresentação detalhada dos casos
particulares, na qual os mesmos são expostos com vistas a esclarecer os
resultados finais da investigação e em que também se deixa claro para o
leitor o processo mesmo de análise, até uma exposição das generalizações
teóricas, na qual os resultados de cada reconstrução de caso são toma-
dos como provas e assim brevemente discutidos. Na exposição dos casos
particulares voltada ao esclarecimento dos resultados da pesquisa, as
interpretações mais plausíveis do caso são apresentadas e comprovadas
por passagens textuais. Em uma exposição com vistas à análise, busca-
-se expor traços fundamentais do processo de formulação de hipóteses,
assim como de sua falseabilidade ou do modo como gradualmente cresce
em plausibilidade. Nesse sentido, uma exposição integral do processo de
análise é tarefa quase impossível.
Em todos os casos, a apresentação dos resultados deve ter como
critérios de orientação a verificação e a compreensão intersubjetiva.
Isso implica expor o processo de pesquisa e apresentar o processo inter-
pretativo de forma compreensiva ao leitor, sobretudo, fundamentar as

117
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

interpretações a partir de passagens do texto transcrito ou dos protoco-


los de observação. Tendo como princípio buscar reconstruir a estrutura
de caso e não cada caso ou a dimensão do material (ver subcapítulo
6.2), vale, aqui, tal como na pesquisa social quantitativa, o critério da
consistência: a interpretação deve poder ser comprovada em diferentes
partes do texto.7 De acordo com Oevermann, a reconstrução da estrutu-
ra do caso pressupõe que ao menos uma fase de sua reprodução possa
ser reconstruída sem lacunas, sequencial e analiticamente; essa fase
deve ser, então, passível de verificação em outras passagens – com o
objetivo seja de confirmação, seja de falsificação (OEVERMANN, 2000,
p. 119). As passagens citadas no contexto da discussão dos resultados
com vistas à comprovação devem, com isso, esclarecer a reprodução
da estrutura de caso nessa sequência – ou eventualmente também o
princípio de sua transformação.
Na apresentação dos resultados, em especial na exposição detalhada
de casos particulares, estamos ademais eticamente comprometidos com a
confidencialidade dos dados e omitimos dados biográficos dos pesquisados.8
Porém, nas exposições de caso nem sempre é tarefa simples manter esses
dados anônimos. Com frequência só conseguimos encontrar uma solução
para esse problema quando terminada a reconstrução, apenas quando já
sabemos quais dados biográficos são relevantes no contexto do problema
em questão e na exposição da estrutura de caso; só desse modo se torna
possível levar a cabo modificações de relevância análoga e também utilizar
dados menos relevantes para realizar generalizações teóricas subsequentes
e interpretações. Tendo em vista preservar a identidade dos pesquisados,
não apenas omitimos nomes e alteramos a denominação de localidades,
mas também dados biográficos – através de sua substituição por dados
“falsos” relativos à profissão, idade, quantidade de filhos, sobre doenças ou
mesmo gênero –, desde que isso faça sentido e seja sugestivo no contexto
do caso. Na hipótese de as biografias puderem ser apenas parcialmente
distorcidas, como no caso de pessoas públicas, há que se determinar quais

7
Mayring (1996, p. 116), em contrapartida, rejeita essa avaliação de consistência do ma-
terial referente ao dado qualitativo, e isso porque, a partir do seu ponto de vista, é impossível
que, no levantamento, as partes apresentem alguma coerência entre si. Essa ideia resulta de
uma postura que se caracteriza por um interesse pelo conteúdo, e não pela estrutura do texto.

8
Para questões relativas aos problemas da ética de pesquisa das reconstruções de caso,
ver: Miethe (2003) e Hildenbrand (1999a; 1999b).

118
GABRIELE ROSENTHAL

outras formas de ocultação de dados devem ser aplicadas. Do mesmo modo,


devemos renunciar fazer referências a registros buscando comprovação,
se, com isso, a pessoa possa ser identificada.
Essas decisões, necessárias por motivos éticos, também podem de
fato contrariar o princípio da compreensão intersubjetiva. De todo modo,
também é possível, por exemplo, criar um caso típico-ideal a partir de
diferentes casos – algo facilmente encontrado em publicações do campo
de pesquisa da terapia familiar (STIERLIN, 1988) – ou também apenas
discutir, em relação a cada problema levantado, resultados específicos
sem uma descrição detalhada sobre indivíduos. Nesse tipo de exposição,
há que se sublinhar o fato de se tratar, como em todo desenvolvimento
de tipos, de um modelo “construído” o qual, a saber, não pode funcionar
como comprovação do caso concreto, embora possa facilitar a recons-
trução de cada novo “exemplar” empírico desse tipo e de casos estrutu-
ralmente semelhantes.
Temos sempre que determinar, de caso para caso, os graus possíveis
de detalhamento e o modo de sua apresentação. Nesse sentido, há que se
levar em conta que a exposição do caso poderá ser lida pelo próprio pes-
quisado. Com isso acabamos tendo sempre que lidar com a difícil decisão
sobre quais resultados da interpretação levaremos a público, sobretudo
a respeito do modo com que apresentamos algum resultado de maneira a
não prejudicar as pessoas envolvidas na pesquisa. Por isso é importante
considerar um plano de acompanhamento para os entrevistados que te-
nham tido acesso à publicação (HILDENBRAND, 1999b).

119
4

PESQUISA DE CAMPO ETNOGRÁFICA –


OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE – ANÁLISE DE VÍDEO

4.1 DAS ORIGENS HISTÓRICAS DA PESQUISA DE CAMPO


ATÉ A ETNOGRAFIA CONTEMPORÂNEA

A pesquisa de campo, um dos fundamentos mais importantes da pesquisa


social qualitativa desde a origem desse método de estudo, caracteriza-se,
em contraste com a pesquisa laboratorial, pela investigação de grupos
sociais, comunidades regionais, mundos da vida ou contextos sociais, or-
ganizações, e também de indivíduos, mas sempre em seu ambiente “natu-
ral”, isto é, em seus contextos cotidianos. O que se busca é uma descrição,
uma análise holística do meio a ser investigado a partir de procedimentos
abertos, em parte também com a ajuda de métodos quantitativos. A ideia
por trás da pesquisa de campo clássica é que o cientista social tome
parte, e isso por longos períodos de tempo, por meses até, no dia a dia
dos grupos ou das organizações que constituem o objeto da investigação.
A antropologia exige um período mínimo de um ano, para que assim se
garanta a participação em todo o ciclo anual regular de rituais, em sua
estrutura temporal, que sempre se atualiza. Erving Goffmann (1996, p.
267) também recomenda a permanência de ao menos um ano em campo;
do contrário não seria possível, a seu ver, atingir um “grau mais elevado
de familiaridade”. Uma longa permanência torna possível ao pesquisador
experienciar como o cotidiano em questão, a princípio estranho, se torna,
pouco a pouco, rotina; ela torna possível vivenciá-lo a partir da perspec-
tiva de um insider (O’REILLY, 2005, p. 12). Para nós, o essencial, aqui, é
refletir metodicamente sobre essas mudanças de perspectiva e fazer uso
delas de alguma forma (veja a seguir).
A essa pesquisa de campo clássica devemos contrapor investigações
etnográficas contemporâneas que, ao invés de buscar apreender de forma
ampla um campo social, voltam-se para um recorte específico dessa realidade.

121
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Nessa “etnografia focalizada”, como Hubert Knoblauch (2001) a caracteriza,


a permanência no campo é demasiado curta; e, na maioria das vezes, são
empregados, na pesquisa, diferentes instrumentos de registro, em vídeo
ou em áudio. Ao contrário da etnografia focalizada e de estudos nos quais
o pesquisador vai a campo por um curto espaço de tempo, apenas para o
levantamento de dados – para realizar entrevistas, discussões de grupo ou
também para fazer gravações em áudio e vídeo de cenários naturais –, a
pesquisa de campo clássica tem em vista a participação no processo social
e a participação em ocorrências gerais e em cursos de ação. Se por meio
de entrevistas obtemos informações sobre determinadas ações no mundo
cotidiano, na observação participante podemos vivenciá-las diretamente.
Isso pode ser de relevância sobretudo para quem busca apreender o saber
implícito disponível aos indivíduos que constituem objeto da investigação,
sobre sua vida cotidiana e as estruturas sociais das quais fazem parte, as
quais apenas com muita dificuldade são expressas verbalmente.
A pesquisa de campo está, até hoje, ancorada na etnologia e na antropo-
logia social ou antropologia cultural. Suas origens remontam, em especial,
aos trabalhos do antropólogo polonês Bronislaw Malinowski (1884-1942).
Em 1914, Malinowski foi às ilhas Trobiand, a nordeste da Nova-Guiné, para
investigar os habitantes do arquipélago. Quando teve início a Primeira
Guerra Mundial, Malinowski não pôde voltar à Polônia, uma vez que
possuía cidadania austríaca. Por essa razão, acabou permanecendo por
vários anos na Nova-Guiné, ocupado apenas com sua pesquisa. Em parte
contradizendo sua própria prática investigatória (GEERTZ, 1983, p. 289 s.;
WAX, 1972), Malinowski chegou a defender explicitamente a necessidade
de envolvimento direto no mundo da vida pesquisado. Ao invés de se “sen-
tar na varanda”, de observar esse mundo “estranho” apenas a distância,
o antropólogo social deveria, a seu ver, realizar suas observações dentro
de contextos cotidianos da cultura em questão:

Não restam dúvidas de que necessitamos de um novo método


para a formulação de hipóteses. O antropólogo social tem que
renunciar ao conforto de sua poltrona, à varanda das representa-
ções governamentais e das missões, de onde, munido de caderno
e lápis – e, não raro, de uísque e soda –, apenas toma nota dos
relatos de seus informantes. Ao invés disso, ele tem que ir até os
vilarejos e [...] observar como é feita, ali, a jardinagem, como é
na praia e na selva [...]. A informação deve resultar diretamente
da observação da vida dos nativos (MALINOWSKI, 1973, p. 218).

122
GABRIELE ROSENTHAL

Nessa passagem, o autor é explícito sobre a ideia de ir a campo, mas


ainda não está presente a da participação ativa. De todo modo, há que se
ter em mente, no contexto de uma observação participante, a necessidade
de deixar de lado o papel de “observador” para assumir a de “colabora-
dor” – é assim que passamos da observação para a participação no evento
social –, tal como defendia, em parte, a Escola de Chicago. As investiga-
ções dessa corrente (ver subcapítulo 1.3) foram realizadas quase que na
mesma época dos estudos de Malinowski, ainda no início do século XX. Na
Universidade de Chicago, no “Departamento de Sociologia e Antropologia”,
era comum ver sociólogos e antropólogos trabalhando juntos. Robert Ezra
Park (1925) vê paralelos entre “o modo de proceder do sociólogo da cidade
grande e o método paciente de observação que os antropólogos aplicam na
investigação de culturas primitivas” (LINDNER, 1990, p. 11). Quase como
Malinowski, que falava em deixar o ambiente familiar rumo à selva ou a
outros domínios do mundo da vida “desconhecido”, Park dava mais valor
ao campo do que a passar o tempo no escritório a desenvolver conceitos
sociológicos distantes da realidade cotidiana:

Saia e sente-se nos salões dos hotéis de luxo e às soleiras de


pensões baratas; visite a Gold Coast e se encoste em um canapé,
e em uma cama improvisada de cortiço; entre no Orchestra Hall
e no Star and Garte Burlesk. Em suma, senhores, sujam suas
calças, pesquisem de verdade (PARK apud BULMER, 1984, p. 97).

À época, enquanto Malinowski e outros antropólogos se ocupavam com


a pesquisa de “culturas distantes”, Park instigava seus estudantes a inves-
tigarem o mundo que diretamente os circundava, “seu” mundo da cidade
de Chicago, a descobrir o estranho e incorporar sua perspectiva, ou então
tomar o ambiente, objeto de pesquisa, como um mundo da vida desconhecido,
e “tornar estranho”, assim, aquilo que a princípio surge como algo familiar.

O que é em grande parte considerado conhecido é então per-


cebido como se fosse algo estranho; ele não é de início tomado
como algo compreensível, mas, antes, metodicamente tornado
não familiar: é assumindo certa distância que o trazemos à
observação sociológica. Toda sociologia do cotidiano influen-
ciada por Alfred Schütz tem por objeto de pesquisa a extrema
familiaridade, a saber, aquilo que é tomado pelos agentes cons-
tituintes de uma cultura como evidente por si mesmo (AMANN;
HIRSCHAUER, 1997, p. 12).

123
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Klaus Amann e Stefan Hirschauer (1997, p. 12) fundamentam, com isso,


sua preferência – comum também a outros cientistas sociais contemporâ-
neos – pela ideia da etnografia, em detrimento da observação participante
(p. 11). Os autores se alinham, dessa forma, à tradição de pesquisa de
campo etnográfica da Escola de Chicago e à sociologia do conhecimento
de orientação fenomenológica. Eles pretendem vincular “ao conceito de
etnografia um culturalismo teórico e metodológico”:

Teoricamente, o que se busca é dar destaque a um domínio


fenomênico de socialidade vivida e prática cujos “indivíduos”
(situações, cenas, ambientes...), de certo modo, não podem ser
totalmente identificados nem com as “pessoas” da pesquisa
biográfica (com sua socialidade vivenciada), nem com as “popu-
lações” (nacionais) dos estudos demográficos. Metodicamente,
a partir da diferença antropológica fundamental entre fami-
liaridade e estranheza, estabelece-se um procedimento, aqui
denominado heurística da descoberta do desconhecido, carac-
terizado por uma postura ofensiva com relação ao não saber
(AMANN; HIRSCHAUSER, 1997, p. 11).

Antes de abordar diretamente esse debate, que há algum tempo vem


crescendo na Alemanha, voltemos rapidamente à tradição da pesquisa de
campo etnográfica da Escola de Chicago. Além dos estudos de Park ou de
Anderson (1923) sobre os sem-teto ou de Thrasher (1927) sobre gangues,
vale mencionar também o trabalho de William Foote Whyte (1943). Entre
1937 e 1940, Whyte passou a viver em uma comunidade pobre de uma
metrópole americana, comunidade por ele denominada “Cornerville”1, para
realizar uma pesquisa nos moldes do renomado estudo de comunidades
“Middletown”, de Robert S. Lynd e Helen M. Lynd (WHYTE, 1955, p. 284),
os quais, entre 1924 e 1925 – e novamente em 1935 –, passaram um ano
e meio investigando as drásticas mudanças ocorridas em uma pequena
cidade americana causadas por um rápido crescimento econômico e,
mais tarde, como consequência da depressão. Na investigação, Robert e
Helen Lynd lançaram mão de uma série de técnicas de pesquisa; foram
aplicados desde questionários até entrevistas abertas. Essa combinação
de diferentes métodos, tanto qualitativos quanto quantitativos, no con-
texto da pesquisa de campo sobre comunidades chegou a ser utilizada,

1
Tratava-se de North-End, em Boston.

124
GABRIELE ROSENTHAL

na mesma época, também na Áustria, no célebre estudo de Marie Jahoda


e Hans Zeisel (1932) Os desempregados de Marienthal.
O estudo, a princípio pensado por Whyte para tomar forma semelhante
à da pesquisa de Robert e Helen Lynd, desenvolveu-se rapidamente em
outra direção. Instalado em um hotel localizado na comunidade, ele pas-
sou a observar uma gangue de jovens composta por migrantes italianos
de segunda geração. Whyte enfrentou, de início, dificuldades para se
integrar ao meio. Foi por meio de uma assistente social que conseguiu
seu primeiro contato com um dos jovens, com quem estabeleceu uma
relação de amizade, possibilitando, assim, sua entrada naquele grupo de
desconhecidos. Antes interessado em realizar um estudo de comunidades
amplo, Whyte acabou por desenvolver uma investigação sobre a estrutura
coletiva de uma pequena gangue de jovens de origem italiana em uma
pequena cidade norte-americana. As considerações metodológicas sobre
a pesquisa, publicadas como anexo ao estudo (WHYTE, 1946) e escritas
de forma bastante interessante, dão ao leitor uma visão geral desse pro-
cesso, no qual Whyte gradualmente abandona a posição de observador
distanciado para se tornar agente participante; Whyte também fala do
estranhamento inicial com relação ao campo de investigação, das crises
de interação dele resultantes e dos impasses enfrentados conforme se
envolvia nas atividades da gangue.2
Os estudos mais importantes na tradição da Escola de Chicago são,
sobretudo, os trabalhos de Barney Glaser, Leonard Schatzmann, Anselm
Strauss e de seus assistentes (McCALL; SIMMONS, 1969). Nos Estados
Unidos e na Grã-Bretanha, a pesquisa de campo é considerada, hoje,
como principal método de pesquisa das ciências sociais3, enquanto que,
na Alemanha, discussões metodológicas mais específicas sobre o tema
só começaram a surgir há dez ou quinze anos. No ambiente de pesquisa
alemão, prefere-se utilizar o termo “etnografia” do que a noção de “pes-
quisa de campo” ou, mais ainda, de “observação participante” (AMANN;
HIRSCHAUER, 1997; LÜDERS, 2000). De acordo com a etimologia da
palavra, “etnografia” significa “descrição” (do grego: graphein) de um

2
Sobre os problemas estruturais de acesso ao campo e os efeitos da presença do observa-
dor, ver artigo sobre o tema no manual de Wolff (2000).

3
Além do clássico de McCall e Simmons (1969), ver também o manual de Atkinson et al.
(2001) ou a monografia de Spradley (1980).

125
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

“povo” (ethnos). A etnografia contemporânea fala em assumir um ponto de


vista sobre o meio familiar a partir do qual seja possível observá-lo como
que com os olhos de um estranho. Ronald Hitzler e Anne Honer (1988),
por exemplo, defendem a ideia de uma etnografia do mundo da vida, uma
descrição “de normalidades relativas tematicamente determinadas, estra-
tégicas, próprias a um meio, um grupo, a uma subcultura” (HONER, 1989,
p. 299). Assim como Amann e Hirschauer, o interesse de Hitzler e Honer
consiste em reconstruir a produção em ato – levada a cabo por agentes
cotidianos – de realidades sociais.
Tendo em vista que, em geral, também sabemos pouco a respeito dos
“pequenos mundos da vida” da sociedade à qual fazemos parte, como,
por exemplo, dos cotidianos investigados por Anne Honer (1985; 1991), de
zeladores ou fisiculturistas, acabamos por agir, de início – se adotamos
isso como princípio metodológico ou não –, como estranhos:

Ele [o pesquisador] está sempre enfrentando desdobramentos


imprevistos, buscando novas referências, outras pessoas para
interagir, e está sempre tendo que lidar com seus hábitos e
costumes. A práxis de pesquisa aparece, assim, como algo em
alto grau dependente do meio e da situação, que é determinada
pelos sujeitos envolvidos, por suas formas e condições de vida,
e pela imprevisibilidade do cotidiano (LÜDERS, 1995, p. 310).

Entretanto, quanto mais tempo passamos em campo, esse estranha-


mento acaba se transformando em familiaridade, e isso ao mesmo tempo
em que nos tornamos menos estranhos àqueles que habitam esse mundo.
Ocorre, assim, uma transformação no modo de vivenciar e na percepção
do observador. Se buscarmos atentar para essas mudanças já nos nossos
protocolos de observação, reconstruindo esse processo a partir de uma
análise sequencial dos mesmos, teremos no acesso a informações que ela
possibilita uma das grandes vantagens da longa permanência em campo,
como veremos a seguir.

4.2 A PARTICIPAÇÃO EM CAMPO

Na pesquisa de campo etnográfica, embora seja possível aplicar diferentes


métodos – como entrevistas e discussões em grupo – e incorporar à análise
diversos materiais (documentos, fotografias, objetos da vida cotidiana etc.),
seu procedimento mais importante é de fato a observação participante.

126
GABRIELE ROSENTHAL

A observação permite o contraste de textos e “dados” levantados


das mais diversas formas, como, por exemplo, entrevistas realizadas no
contexto da observação participante e interpretações feitas com base
em observações. Além disso, na entrevista mesma já é possível fazer
referências à observação. Na visão de vários autores, o observador está
interessado sobretudo naquilo que é “cotidiano, costumeiro, regular,
também para estar sensível a essas práticas vistas como naturais e que
podem, por isso, ser facilmente ignoradas nas análises e nas reflexões”
(FRIEBERTSHÄUSER, 1997b, p. 510). Assim, na literatura disponível
sobre metodologia é comum que se diga que a vantagem da observação
participante consiste na possibilidade de apreender cursos de ação que
não são conscientes ao agente pelo fato de, por exemplo, já terem se
tornado rotina. Pode-se objetar que, para isso, não é necessária nenhu-
ma participação, ou que formas de registro de situações cotidianas são
igualmente eficazes. Também podemos ter acesso a rotinas a partir de
depoimentos diretos, de entrevistas – desde que narrativas (ver subca-
pítulo 5.4) –, uma vez que tais relatos fazem referência a situações nas
quais se note uma quebra no cotidiano. Além disso, e em contrapartida,
pode fazer sentido, no contexto da observação, nos concentrar na busca
por esse rompimento de regularidade, por situações de crise. Por um
lado, essas situações são identificadas e apreendidas por nós de forma
mais clara do que rotinas, e são, ademais, facilmente guardadas pela
memória, o que facilita também a realização de protocolos ao final da
observação. Por outro lado, essas quebras também fazem referência
bem clara à rotina mesma: por exemplo, em uma pesquisa realizada em
um jardim de infância caracterizado por aplicar uma pedagogia não pu-
nitiva, a análise sequencial e o protocolo detalhado de uma ocorrência
em que uma criança sofre algum tipo de punição servirão também para
identificar a pedagogia dominante em outras situações, para explicar a
particularidade dessa ocorrência frente a outras.
Uma grande vantagem da observação participante sobre outros
procedimentos, como também sobre o registro audiovisual de situ-
ações cotidianas, é justamente a participação na vida cotidiana, a
vivência desse cotidiano a partir da própria perspectiva, assim como
a possibilidade de fazer referências diretas, nas entrevistas, ao que
foi vivenciado, levantando questões sobre tais vivências e arriscando
reações diversas às ações do parceiro de interação:

127
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Por um longo período de tempo, o antropólogo participa, ma-


nifesta ou dissimuladamente, da vida cotidiana de pessoas,
observando o que acontece, ouvindo o que é dito, fazendo per-
guntas; coletando, de fato, quaisquer dados disponíveis a fim de
lançar luz às questões das quais ele se ocupa (HAMMERSLEY;
ATKINSON, 1983, p. 2).

Os observadores participam de determinados cursos de ação e podem


interpretá-los com base na própria vivência. Essa participação pode
ser encoberta ou aberta, algumas pessoas podem estar familiarizadas
com o campo, outras não. Os observadores podem assumir, em campo,
papéis diversos; podem, por exemplo, construir uma participação como
auxiliares em um hospital atentando às interações entre pacientes,
médicos e outros auxiliares. Em uma observação aberta, os investiga-
dores podem se inserir no cotidiano em questão também no papel de
observadores participantes e, com isso, ser considerados, por assim
dizer, visitantes. Nesse caso, a participação e o envolvimento nas si-
tuações serão bastante diferentes, variando sempre com o contexto de
observação. Quem participa como observador em uma reunião familiar
estará mais envolvido nos acontecimentos do que aquele que observa
o cotidiano de um hospital.
Participar significa, sobretudo, suspender temporariamente o distan-
ciamento emocional, que pode ser mantido durante a análise de registros
audiovisuais. A técnica da observação participante consiste, como afirma
Erving Goffman (1996, p. 263), “em levantar dados a partir da suspensão
da própria personalidade, do próprio corpo, da própria situação social,
deixando-se levar pelos imprevisíveis determinantes que resultam da in-
teração com diversas pessoas [...]. E, porque você se encontra no mesmo
dilema que os outros, terá empatia suficiente para perceber a origem
da reação”. Participar corresponde, assim, a uma experiência psíquica e
corporal impossível em uma observação comum. Através da participação
nos encontramos, nas palavras de Alfred Schütz, em uma relação, com
os atores do campo, característica do “mundo circundante”, na qual, em
contraste com a relação que caracteriza o “mundo dos contemporâneos”,
os motivos de finalidade (“motivos a fim de”) do nosso agir se tornam mo-
tivos causais (“motivos por que”) dos parceiros de interação e vice-versa
(SCHÜTZ, 1971a, p. 26). Em nossas próprias reações a suas ações, dire-
cionadas a nós enquanto observadores, experimentamos uma abertura
para a compreensão das ações alheias.

128
GABRIELE ROSENTHAL

4.3 EXEMPLO EMPÍRICO: O DESGASTE FÍSICO E PSICOLÓGICO


DOS OBSERVADORES PARTICIPANTES

Quero, agora, a partir de um exemplo, abordar de forma mais precisa


o aspecto da vivência corporal e psíquica do cotidiano investigado. No
ano de 1979, em um estudo coordenado por Rainer K. Silbereisen e Petra
Schuhler, da Universidade Técnica de Berlim, tivemos a oportunidade de
realizar, por vários meses, observações participantes sobre a formação
profissional de jovens das faixas mais carentes da população, em diferentes
oficinas profissionalizantes promovidas pelo Centro para o Desenvolvimento
Juvenil de Berlim Ocidental (SCHUHLER, 1984).
Ao contrário dos jovens regularmente inscritos, frequentamos os cursos
apenas duas ou três vezes por semana, porém sem deixar de participar de
forma ativa nos trabalhos propostos. Nossas observações tinham como
objeto as interações entre os mestres e os aprendizes na oficina. O objetivo
da investigação era desenvolver um módulo para o ensino de planejamento
e realização de entrevistas.
Nós, observadores, nos inscrevemos em diferentes oficinas, nas quais,
tal como os jovens aprendizes, tínhamos de cumprir, sob monitoramento dos
mestres, créditos de “unidades didáticas”. Trabalhamos e realizamos obser-
vações na cozinha, na alfaiataria, na oficina de instalação de encanamentos,
de encadernação de livros. Quando nos lembramos desse período, dessas
observações feitas há mais de 20 anos, uma das primeiras coisas a vir à
mente é o cansaço físico e mental, mas também a satisfação ao término das
tarefas. Na oficina de encadernação, encadernei uma cópia de um livro de G.
H. Mead que ainda pode ser encontrada na minha estante. Já as lembranças
do trabalho na cozinha não são de tarefas tão bem-sucedidas, somente do
calor extremo e do tédio insuportável causado pela repetição da tarefa, pela
divisão do trabalho necessária ao funcionamento da cozinha e de como essa
monotonia acabou fazendo com que trabalhássemos cada vez mais devagar.
Na alfaiataria, pudemos vivenciar na pele o que significa passar o dia todo
apenas de pé, cortando tecido, ou então sentados em um banquinho sem apoio
para os pés, trabalhando na costura. Esse desgaste físico, que mesmo após
o expediente ainda se fazia sentir, em especial nas pernas, determinava em
vários aspectos o cotidiano e a rotina de trabalho, como, por exemplo, me
obrigando, às vezes, a interromper a tarefa sob pretextos diversos, como
o de ir ao banheiro. Grande parte da agitação e da ansiedade que podia se
notar na oficina também era causada por esse desgaste.

129
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Em conversas e pequenas entrevistas com os aprendizes, fizemos


referência a esse cansaço, que, por sinal, ali, não era mais percebido
por eles. Os jovens, ao contrário de nós pesquisadores, já trabalhavam
na oficina diariamente e há vários meses. Somente após minhas “re-
clamações”, eles se tornaram novamente conscientes desse desgaste,
ou melhor, da necessidade de lidar e de suportar esse cansaço já tor-
nado rotineiro. Se tivéssemos realizado apenas entrevistas, talvez não
tivesse sido possível tomar nota desse aspecto determinante que era
a sobrecarga física. De fato, caso tivéssemos realizado as entrevistas
sistematicamente de modo narrativo, lançando mão de uma análise
sequencial mais minuciosa, e não apenas, como à época, a partir do
modelo da análise de conteúdo, também teríamos identificado o des-
gaste, mas no campo latente do texto. A importância dada nos estudos
metodológicos contemporâneos à observação participante consiste no
fato de o procedimento tornar manifesta a estrutura de rotinas e de
saber implícito; em entrevistas, ao contrário, quase não é feita refe-
rência a práticas rotineiras. Entretanto, conforme mencionado, entre-
vistas realizadas de acordo com o modelo narrativo podem resultar em
relatos que apontem para uma quebra de rotina, e isso, por sua vez,
pode nos revelar muito sobre sua estrutura. É possível supor, assim,
que o desaparecimento, nas férias ou nos finais de semana, das dores
oriundas do desgaste de trabalho surja como tema de entrevistas com
os aprendizes, embora não seja possível afirmar que o grau de desgaste
físico pudesse ser evidenciado do mesmo modo, ou que nós, enquanto
intérpretes das entrevistas, pudéssemos ter a mesma proximidade emo-
cional com o cansaço e atribuir a ele a mesma relevância. Não se trata,
enfim, de argumentar pela substituição de um método por outro, mas
antes mostrar que a maior vantagem da observação participante não
consiste na descoberta de rotinas, e sim, a nosso ver, ao contrário de
outros procedimentos, na vivência integral do cotidiano que se busca
investigar, uma vivência tão física e cognitiva quanto emocional, da qual
também faz parte a própria vivência dos frutos da relação imediata com
os atores do cotidiano, vivência caracterizada por intensa interação, por
uma forte relação de interdependência com os mesmos e na qual nosso
agir é reação direta a suas ações e vice-versa. Na oficina de instalação
de encanamentos, pude vivenciar como uma mulher se sente quando
é considerada incapaz, quando é tratada de maneira chauvinista pelo
mestre, e também quais reações esse tratamento pode desencadear.

130
GABRIELE ROSENTHAL

O docente responsável por essa oficina fez graça sobre o fato de uma
mulher ter interesse em trabalhar na área. Ele não parecia considerar
a possibilidade de uma mulher conseguir instalar com precisão os re-
gistros dos encanamentos, chegou quase que a se recusar a me passar
instruções, buscando me colocar no papel de mera observadora. Isso
acabou me instigando a trabalhar com mais afinco, a ponto de o resul-
tado final surpreender bastante o mestre. Assim, justamente pelo fato
de o docente colocar em dúvida minha competência, busquei realizar
as tarefas com perfeição, me concentrei no trabalho com esse intuito.
Fui cada vez mais abandonando a postura de observadora participante
para me tornar uma participante, me concentrando menos na interação
entre mestre e aprendizes. Contudo, esse exemplo de vivência revela
não apenas algo sobre mim e minha postura – talvez cada vez mais
evidente –, voltada ali a um bom desempenho nas tarefas, mas tam-
bém sobre a) o modo com que o mestre possivelmente trataria outros
aprendizes do gênero feminino ou jovens que ele julgasse incapazes e
b) qual reação esse comportamento poderia causar naqueles com que
se relaciona na oficina.
Durante o período de observação, também nós observadores partici-
pamos de uma espécie de socialização – processo gradual de familiariza-
ção que consiste também na lenta transformação de aspectos a princípio
vivenciados como estranhos, mas que ao final se tornam naturais, dando
origem, com isso, a rotinas, à construção de conhecimento implícito (cada
vez mais difícil de se identificar em fase mais adiantada do processo de
participação).

Tal como uma criança, o pesquisador realiza em campo uma


socialização, mas secundária, e ainda que de âmbito bastante
reduzido e também insuficiente. Trata-se, a rigor, de um apren-
dizado; ele aprende a linguagem, regras de tratamento, conhece
seu ambiente material e social, e incorpora certas habilidades.
“Participação” significa aqui não apenas “fazer junto”, mas
também vínculo emocional (FISCHER, 1988, p. 63).

Pelo fato de as vivências e o cotidiano observado estarem sempre so-


frendo mudanças, é de grande importância seu registro a partir de notas
ou em protocolos de observação, assim como que reflitamos sobre elas
em uma análise sequencial, que os interpretemos na e de acordo com sua
sequência de surgimento.

131
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

4.4 O PROTOCOLO DA OBSERVAÇÃO E SUA ANÁLISE SEQUENCIAL

4.4.1 Protocolos de observação ou memos

Em comparação com os registros em áudio ou em vídeo, nos protocolos


de observação – feitos pelo pesquisador participante ao final da observa-
ção –, o problema da coerência se apresenta de maneira bastante clara. A
tarefa consiste em articular suas observações, essas totalmente referentes
à sua perspectiva e, por essa razão, em alto grau seletivas. O problema é
que não apenas percebemos a realidade social de forma fragmentária, mas
também que, com essa tradução da experiência em palavras, em texto,
muito daquilo que não chega a ser diretamente consciente para nós, que
não chega a ser facilmente apreendido em palavras, acaba se perdendo.
Protocolos, ademais, não representam a realidade social, não podem ser
vistos como tais. Jörg Bergmann (1985, p. 308) fala, com relação a registros
audiovisuais, de uma “conservação reconstrutiva”, em contraste com uma
“conservação documental”:

Sem dúvida, essa forma reconstrutiva de protocolo chega ra-


pidamente a seus limites: nossa memória e nossa capacidade
de articulação da massa amorfa de acontecimentos relativos a
um fenômeno social atual são bastante limitadas. Ao observador
participante não resta outra escolha senão fazer apontamentos
sobre os processos sociais dos quais foi testemunha, de forma
a reconstruir, tipificar, resumir.

Foram esses problemas que levaram Ralf Bohnsack a atribuir à ob-


servação participante caráter apenas complementar com relação a outros
procedimentos. Para ele, a observação participante deve, “com vistas ao
rigor e à validade, servir de complemento, assim, à interpretação textual
do registro eletrônico de sequências de comunicação relativas a discursos
e relatos (biográficos)” (2003, p. 132). Apenas desse modo seria possível o
recurso ao “texto original”. Embora concordemos com essa perspectiva,
segundo a qual gravações em áudio e vídeo – desde que possível na inves-
tigação de um “campo” determinado – configuram importantes “fontes”
de dados para análise, o fato é que Bohnsack ainda subestima o potencial
da participação e da interpretação – seja holística ou de um sentido espe-
cífico – por parte dos observadores, assim como o do protocolo detalhado

132
GABRIELE ROSENTHAL

e da análise sequencial de seus resultados. Bohnsack parece, assim, so-


brevalorizar as gravações (AMANN; HIRSCHAUER, 1997; HIRSCHAUER,
2001). A rigor, conforme mencionado, registros audiovisuais não devem
ser considerados fiéis representações da realidade social; esses são, an-
tes, também seletivos e têm várias restrições (por exemplo, elementos
não verbais da comunicação não são, por eles, passíveis de registro, as-
sim como os espaços da interação que ultrapassam o campo de visão da
câmera). De fato, como objeta Ulrich Oevermann (2000, p. 85), esse tipo
de seletividade não deve ser confundido com a seletividade própria aos
apontamentos de campo ou aos protocolos de observação, uma vez que a
gravação nada mais é senão “um procedimento puramente técnico, sem
atuação de alguma subjetividade propriamente interpretativa ou cognitiva”.
Porém, Oevermann chama a atenção para o fato de que esses procedimen-
tos técnicos também dependem de ações humanas. Gravadores precisam
ser ligados e desligados, microfones e câmeras têm de ser propriamente
posicionados e focados etc.
Tal como Gerald Schneider (1987), após analisar sequencialmente – no
sentido da hermenêutica objetiva – protocolos de observação para sua pes-
quisa sobre processos interacionais em centros de terapia intensiva, foi a
experiência que nos convenceu das possibilidades oferecidas pelo método
de reconstrução de caso para a análise de protocolos de observação. Essas,
porém, não são qualitativamente dependentes e exigem um tipo específico
de protocolo. Nossos protocolos, além de descrever acontecimentos de
forma ampla, devem ter como objeto situações específicas observadas em
detalhes; devem retratar essas situações da forma mais minuciosa possível
e, sobretudo, respeitando a cronologia da observação. Ainda no contexto
observacional, isso significa que, tendo em vista as naturais limitações da
nossa memória, não devemos pretender guardar o máximo de detalhes e
situações possíveis; antes, há que se voltar, na observação, para cenas que
nos chamem imediatamente a atenção e então buscar memorizá-las em sua
sequência de surgimento.4 Nos exercícios de observação que desenvolvi
com Michaela Köttig em seminários, instruímos os estudantes – que foram
em dupla a campo e em período que não ultrapassava três horas –, por
exemplo, para que concentrassem a observação sobre não mais que duas
ou três cenas e as reproduzissem em diálogo interno ainda no local, pois

4
Sobre a regra do respeito à ordem sequencial dos cursos de ação, ver: Wolff (1986, p.
363).

133
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

isso possibilita ao pesquisador rememorar a cena mais facilmente – tal


como quando relatamos um sonho logo após nos levantarmos. Os proto-
colos devem ser escritos imediatamente após a observação e, primeiro,
separadamente. Terminada a observação, caso não haja tempo suficiente
à disposição, devem ser então feitos apontamentos, que são escritos ou
ditados ao gravador. Com os protocolos já prontos, recomenda-se mostrar
aos outros pesquisadores e complementá-los, adicionando então aspectos
eventualmente faltantes a uma gravação, mas presentes em outra, preen-
chendo assim eventuais lacunas existentes, permitindo o entendimento da
cena. Damos, então, prosseguimento ao protocolo ou aos apontamentos
até ser possível inclusive – de forma semelhante às análises globais de
entrevistas (ver subcapítulo 3.2) – desenvolver as primeiras hipóteses e
os primeiros conceitos. Essa posterior adição de informações deve ser do
conhecimento de todos os pesquisadores, para que em outras análises
ainda seja possível identificar a perspectiva de cada observador durante o
primeiro apontamento e também as mudanças dela resultantes, ocorridas
ao longo da investigação.
Ao escrever um protocolo é de grande importância que estejamos atentos
para não inserir nossos próprios prejulgamentos, nossas interpretações e
avaliações individuais à descrição do curso da ação. Antes, devemos estar
sempre buscando saber quais dos fenômenos observados estão na origem
desses julgamentos. A constatação de que “o jovem assume comportamento
provocativo frente a outros jovens”, por exemplo, não nos oferece nenhum
tipo de indício sobre a) o modo com que o jovem se comportou, tampouco
sobre b) o tipo da interação ocorrida entre ele e os outros jovens.
Na literatura recente sobre pesquisa etnográfica, na qual se nota
um interesse cada vez maior pela realização de protocolos, tem sido
frisada a importância do diário de pesquisa de campo, por meio do qual
os observadores refletem sobre suas impressões e sensações. Costuma-
se sugerir, o que é bastante compreensível, tomar nota de informações
como “dia, data, horário e a qual observação o registro diz respeito”
(FRIEBERTSHÄUSER, 1997, p. 517). Porém, a diferença entre diário e
protocolo de observação raramente chega a ser, nesses estudos, clara-
mente explicitada. De todo modo, nos parece mais lógico inserir essas
reflexões sobre impressões e sensações já no protocolo mesmo e, como no
método abdutivo, buscar identificar o instante, no âmbito da observação
ou do registro – e a partir dos fenômenos observados –, em que essas
sensações, ideias etc. surgiram em primeiro lugar.

134
GABRIELE ROSENTHAL

Para nós, uma das fases mais importantes do treinamento em obser-


vação é quando retornamos aos fenômenos observados, determinadas
apreciações ou julgamentos; quando nos voltamos, na observação, ao
comportamento concreto dos pesquisados, à interação entre eles e em
especial ao comportamento não verbal. A fim de estimular a atenção
para o comportamento não verbal, lançamos mão também da análise
de gravações em vídeo, mas sem som. Em outra fase do treinamento,
focamos os cursos interativos e a forma de protocolá-los. Pesquisadores
com pouca experiência tendiam a se concentrar nas personalidades
individuais, descrevendo-as em suas singularidades, ao invés de consi-
derá-las no curso da interação. Antes de atentar para o modo com que
os parceiros de interação reagem a determinadas unidades de ação
de uma pessoa e, assim, para o modo com que o significado dessas
ações é produzido na interação, os observadores reagiam atribuindo
significado à unidade de ação. A pergunta a ser feita no contexto da
observação não diz respeito (apenas) à forma com que o comporta-
mento e o agir de uma pessoa atua sobre nós, mas à forma com que o
comportamento e o agir de uma pessoa atua sobre as outras pessoas
com quem ela interage – como elas vêm a agir e a se comportar. Eis
um exemplo retirado do protocolo de observação de jovens reunidos
no estacionamento de uma loja de eletrônicos localizada ao lado do
McDonald’s da cidade de Northeim, na Alemanha, em uma noite de
sábado, entre 20h30 e 22 horas:5

Um jovem desce do carro junto com seu acompanhante e


toca novamente a buzina. Depois ele se volta para a rua. Sua
expressão facial e sua postura corporal dão a entender que
sua provocação é consciente. Seus braços estão apoiados na
cintura, seu queixo é colocado à frente; seu olhar é desafiador.
Ele se mantém nessa postura por alguns segundos e depois
se vira, solta os braços e caminha em direção ao grupo. O
jovem estende as mãos a dois rapazes e cumprimenta o ter-
ceiro com a cabeça. Ele inclina-se um pouco em direção às
moças e beija cada uma delas no rosto [...].

5
Esse protocolo foi escrito por Jan Mielenhausen para um seminário ministrado no se-
mestre de verão de 2002 na Universidade de Göttingen e cujo tema era o cotidiano de jovens de
cidades pequenas.

135
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Nessa parte do protocolo, o critério da descrição não verbal detalhada


de comportamentos se encontra de fato perfeitamente satisfeito. O autor
se concentra, porém, em um jovem apenas. Faltam, ali, as ações dos outros
indivíduos, assim como suas reações. Ele constata que o jovem caminha
em direção ao grupo e estende a mão para dois rapazes, mas ficamos sem
saber como o grupo se comporta, como esses jovens reagem.
Analisando o resto do protocolo, fica evidente, e isso de várias
formas, a razão de o autor ter concentrado suas observações sobre
o indivíduo A sem dar atenção aos outros jovens. São descritas em
detalhes as manobras do jovem A naquele estacionamento – no qual o
observador e os outros jovens já se encontravam havia 30 minutos –,
em seu Volkswagen chamativamente estilizado (carregava, entre outras
coisas, uma bandeira alemã na janela de trás), fazendo barulho com o
motor e repetindo um “sinal sonoro”. Pode-se dizer que a encenação
de A só foi bem-sucedida porque causou inquietude no grupo de jovens
ali presentes, embora também tenha impressionado o observador, que
a partir de então volta sua atenção para ele, deixando os outros fora
de perspectiva. No registro fica claro o ponto de vista do pesquisador,
que também se torna consciente do quanto sua apreensão é seletiva:
“Justamente porque o surgimento do carro deixou o grupo inquieto, o
motorista acabou por dominar o foco da minha observação”.
Em outra observação6 referente ao mesmo processo interativo, o jovem
A também ocupa o centro das atenções, inclusive no registro protocolar
do ocorrido. O segundo observador, porém, está mais interessado na
interação entre A e uma jovem, a qual não chega a ser mencionada pelo
primeiro, mas é lembrada pelo segundo em seu protocolo como estando
no carro, com o motorista e outro acompanhante – esse último citado pelo
primeiro observador. Com esse protocolo tomamos conhecimento de outros
aspectos do curso da interação. Reproduzo aqui a cena que, no protocolo,
é descrita com a maior riqueza de detalhes:

Depois de cerca de quinze minutos, ele (A) passa a se dirigir


com mais frequência à jovem que chegou ao estacionamento
na carona de seu carro. Ele muda então a música no automóvel
pela terceira vez. Na volta, dá um tapa no traseiro da jovem,
a qual se vira para ele. Ambos sorriem. Ela, porém, tenta

6
O segundo protocolo foi escrito por Kai Hasse.

136
GABRIELE ROSENTHAL

revidar. O jovem consegue se desviar e também imobilizar os


braços dela. Depois da provocação, que dura apenas alguns
segundos, ele a solta novamente e continua, nos minutos
seguintes, ao seu lado. Em seguida o rapaz passa a segurar,
rente ao rosto da jovem, uma espécie de caixinha que não
consegui identificar precisamente. Parece que bate com
ela em sua testa, mas sem chegar a encostá-la, cessando o
movimento antes de atingir seu rosto. Com a outra mão, o
mesmo jovem bate na caixinha, fazendo um barulho surdo.
Ela se dirige a ele em tom mais elevado que antes.

A descrição do curso dessa interação é minuciosa o suficiente para


permitir que realizemos uma análise sequencial detalhada. Em seguida,
falaremos das possibilidades e das limitações desse tipo de análise a partir
do registro de observação. Antes, porém, podemos resumir da seguinte
forma as regras para a realização de protocolos, as quais configuram
pressuposto da forma de análise em questão:

137
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

REGRAS PARA A REALIZAÇÃO DE PROTOCOLOS NO


CONTEXTO DA OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE

1. Registrar os dados “objetivos” e gerais sobre o local, as pes-


soas presentes, o tempo transcorrido e, se for o caso, sobre a
organização ou instituição na qual a observação foi realizada.

2. Registrar informações sobre a forma com que se deu o acesso


ao campo.

3. Fazer um registro do curso integral de ação em geral, de acor-


do com a cronologia dos acontecimentos. Como não é possível
apreender e muito menos memorizar tudo, o foco deve ser
interações particulares e, assim:

4. Descrever detalhadamente cerca de duas situações observadas,


considerando a cronologia dos eventos e sua inserção no processo
de observação. Essa é a parte mais importante do protocolo.

5. Sempre que possível, diferenciar entre cursos de ação obser-


vados e interpretações. Estimativas devem ser, sempre que
possível, comprovadas a partir de observações. Essa regra
não significa, porém, que devemos ser breves no registro de
interpretações.

6. Registrar e refletir sobre o próprio papel em campo: sobre os


sentimentos, as impressões e associações, seja durante a ob-
servação (considerada como inserida no curso das situações
vivenciadas), imediatamente depois ou também durante a
realização do protocolo.

7. Tomar nota de reflexões com vistas à realização de outras


observações.

4.4.2 Análise sequencial dos protocolos de observação

No treinamento, a sequência de observação da interação, anteriormen-


te citada, entre um rapaz e uma jovem foi sequencialmente analisada em
detalhes de acordo com princípios do método da hermenêutica objetiva.

138
GABRIELE ROSENTHAL

Primeiro, o contexto externo foi colocado entre parênteses, para que en-
tão cada unidade de sentido (separadas umas das outras em sequências
particulares de ação) pudesse ser analisada abdutiva e sequencialmente
(ver subcapítulo 2.5). Começamos com a unidade: “Depois de cerca de
quinze minutos, ele (A) passa a se dirigir com mais frequência à jovem
que chegou ao estacionamento na carona de seu carro”. Até o final da
análise, não tomamos conhecimento do que aconteceu antes. Ambos
os observadores foram instruídos, durante a realização desse passo da
análise no contexto do treinamento, a não acrescentar informações.
Com cada unidade de significado víamos fortalecer a hipótese de que se
tratava, ali, de uma ação encenada a outras pessoas, de uma encenação
ou administração de impressões da parte de ambos e que exigia a pre-
sença de um público. Os contextos imaginados por nós nos quais essa
sequência poderia ser inserida (do ponto de vista pragmático) faziam
cada vez mais referência a situações nas quais outras pessoas estavam
presentes, impressionadas com essa cena de “violência”. Ao final do
protocolo descobrimos, então, algo que dá ainda mais plausibilidade a
essa leitura: “Muitos dos amigos se encontram próximos, mas sorriem
da mesma maneira que A (o jovem em foco)”.
Contra essa análise detalhada, pode-se argumentar que já no pri-
meiro protocolo tomamos conhecimento da necessidade de encenação
por parte do indivíduo A e também do efeito que ela causa; essa análise
sequencial não traria, segundo essa perspectiva, nada de novo. Quanto
a isso podemos contra-argumentar o seguinte: a) com a análise encon-
tramos mais uma comprovação da plausibilidade dessa encenação; e
b) a partir dela também podemos mostrar o modo pelo qual essa ence-
nação tem origem na interação com a jovem e que esse contexto só dá
origem a processos concretos porque compartilhado desde o princípio
do seu surgimento. Além disso, a análise permite outra leitura, a saber,
que por trás dessa encenação há mais agressão do que pode parecer,
que ela remonta, embora de uma forma lúdica, a eventuais agressões
passadas. Porém, para que essa leitura encontre respaldo, temos que
nos voltar analiticamente para outras sequências.
A análise dessa sequência também foi em outra direção que não a
da seguinte interpretação, à qual o observador, mais adiante, se refere:
“Interpretação: é evidente que as provocações e também a ‘briga de caixi-
nha’ são de caráter lúdico, nada sério. O que ele parece querer é irritá-la um
pouco, criar contato corporal a partir de brincadeiras, chamar sua atenção”.

139
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Interessante é que nessa interpretação a atenção está novamente


voltada ao jovem A. Tem-se a impressão de que o curso da sequência foi
iniciado apenas por A, e que apenas suas intenções (“de caráter lúdico,
nada sério”) atribuem significado a essa cena. Na análise dessa sequência
com os estudantes, a leitura feita pelo observador e ao mesmo tempo autor
do protocolo, assim como seu descuido com relação à perspectiva e às in-
tenções da jovem, foi relacionada – sobretudo pelas estudantes do grupo
de análise – à seletividade do observador, do gênero masculino. O autor
do protocolo – com base na análise detalhada – aceitou essa explicação
sem exigir outros argumentos.
Antes de realizarmos outra observação desse grupo de jovens seria
importante apontar as conclusões que chegamos a partir da análise. Na
próxima ida a campo, teríamos que concentrar as observações também
nas ações dos outros, e em especial da jovem. Caso houvesse possibilidade
de observar mais vezes esse grupo, ou também de eventualmente realizar
entrevistas com seus integrantes (abandonando a função de puro observador
para assumir um papel mais participativo), poderíamos pôr à prova – no
campo – as hipóteses desenvolvidas a partir da análise dos protocolos e,
justamente com essa finalidade, realizar outras observações. Porém, isso
não significa o mesmo que sugerir utilizar novas idas a campo, no sentido
do método indutivo, apenas para buscar indícios que contrariem ou confir-
mem hipóteses já formuladas. Antes, é necessário, durante todo o período
de observação, que as suspendamos e que assumamos conscientemente
uma perspectiva aberta, para possibilitar a formulação de novas hipóteses.
Essas repetidas idas a campo, intercaladas com protocolos e análises
(e em que cada observação adicional servirá à verificação de hipóteses),
têm pouco em comum com um procedimento no qual apenas entrevistas
são realizadas – uma vez que, nesse caso, não se intercalam levantamen-
tos com análises de dados. Até mesmo quando na realização do levan-
tamento a partir de entrevistas for possível ter mais de uma conversa
com a mesma pessoa, a análise será, via de regra, realizada e concluída
tomando como referência todo material textual disponível; assim, não
serão realizadas outras entrevistas com a mesma pessoa, ainda que com
vistas à verificação da hipótese. No caso do registro em vídeo ou em áudio
de uma entrevista mais longa, esse exame é feito a partir do material
já levantado e, em geral, não exige – desde que as entrevistas tenham
sido bem realizadas – outras idas a campo com vistas a reunir dados
sobre o mesmo caso. Se uma entrevista gravada é menos incompleta e

140
GABRIELE ROSENTHAL

também menos dependente da perspectiva de quem transcreve, outras


idas a campo ou permanências mais longas podem compensar problemas
típicos ao protocolo; lacunas na informação disponível podem ser, desse
modo, preenchidas, e hipóteses ainda não examinadas – ou então apenas
parcialmente –, comprovadas ou rejeitadas.
Na análise do protocolo, porém, não se deve menosprezar lacunas de
quaisquer tipos, tampouco equívocos que venham a surgir na descrição da
forma sequencial de uma cena observada. Na ação protocolada, não temos,
por exemplo, nenhuma informação sobre o modo com que a jovem atua na
“luta de caixinha”; sabemos apenas que ela em algum momento aumenta
o tom com A. A comparação entre protocolos de diferentes observadores
a respeito da mesma cena, ou ainda a comparação entre protocolos e gra-
vações audiovisuais da mesma ação, mostra já as diferentes formas com
que a sequência das unidades de ação descritas é registrada. A forma com
que o observador vivencia a cena também exerce influência determinan-
te sobre a reconstrução do curso de ação. Desse modo, é perfeitamente
possível supor, por exemplo, que, na cena anteriormente relatada, a jovem
tenha primeiro passado a falar em tom mais elevado com o jovem, que só
depois começou a perturbá-la com a caixinha.
A respeito da realização de protocolos, Gerald Schneider (1987, p.
100) afirma que, com eles, “a estrutura sequencial de todo curso de agir
é corrompida, ou ao menos vemos surgir lacunas”. Isso, a seu ver, acaba
dando origem a uma diversidade de leituras, diferente do que ocorre na
análise da transcrição de conversas gravadas:

Os comentários e as observações, baseados em avaliações


subjetivas, levam, mais tarde, na interpretação, em parte ao
surgimento de várias leituras, de modo que, às vezes, é difícil
optar por alguma delas. Em hipótese, a falta de informação
pode vir a impedir toda uma interpretação de cena, embora,
na prática, isso pareça improvável.

A experiência mostra que o aumento na quantidade de leituras – pro-


cesso que demanda muito tempo se comparado à análise de gravações
de vídeo ou de áudio – acaba por excluir a possibilidade de determinadas
leituras ao mesmo tempo em que aos poucos confirma outras interpreta-
ções. Ao contrário da análise desse tipo de registro, a análise de protocolos
de observação exige – até que seja possível considerar termos chegado
à confirmação empírica das suposições formuladas – um grande número

141
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

de sequências textuais analisadas ou de novas verificações realizadas


em novos contextos de observação. Além disso, o protocolo independente,
quando feito por dois observadores (com posterior troca de experiência
sobre os resultados alcançados), mostra-se bastante útil para preencher
lacunas no curso dos eventos e para refletir sobre as diversas vivências da
situação, que de fato também podem representar as diferentes vivências
de cada um dos observados. Considerar a situação descrita anteriormen-
te como “de caráter lúdico, nada sério” parece corresponder um tipo de
percepção também dos jovens presentes no estacionamento, ou a alguns
deles. De todo modo, o que está em jogo é a inserção das perspectivas
dos observadores na análise, e isso não apenas com o interesse de refle-
tir sobre a apreensão seletiva dos mesmos, mas também para utilizá-las
como critério ou referência para a geração de hipóteses. Sem ter de falar,
aqui – em sentido psicoanalítico –, de transferência e de suas possibili-
dades para a análise, é algo a nosso ver compreensível em si mesmo, e
isso em todos os cenários de investigação, o fato de que podemos fazer
uso das nossas vivências e percepções em cada uma das diferentes fases
de pesquisa para se chegar à estrutura do caso investigado. Não se tra-
ta, porém, de uma reflexão no sentido de: “o que quer dizer para mim o
fato de eu...”, por exemplo, “reagir de forma tão agressiva?” Esse tipo de
questionamento serve, a rigor, fundamental e tematicamente, à revisão
da pesquisa, ou seja, pertence a outra fase do processo de investigação.
Na análise trata-se, antes, sobretudo, da seguinte questão: “o que o fato
de eu reagir tão agressivamente me revela sobre o caso?” De fato, não
podemos separar a interpretação das próprias ações da compreensão do
agir alheio, mas um processo de pesquisa em contextos diferentes parece
exigir, a nosso ver, que foquemos conscientemente um lado específico
dessa relação dialética de troca.
Até aqui tratamos apenas da análise sequencial detalhada de alguns
segmentos específicos. Antes de chegar a essa fase da análise de dados,
podemos, de acordo com o método da hermenêutica objetiva (OEVERMANN
et al., 1980) e como na análise de outros tipos de material, também aqui
interpretar os “dados objetivos” – ou dados relativos ao acontecimento
em questão – tendo em vista as alternativas de ação possíveis e abertas
aos observados ou ao sistema de interações investigado (ver subcapítulo
6.2.2). A partir dos dados “objetivos” do cenário pesquisado – jovens em um
estacionamento no sábado à noite –, procuramos identificar possibilidades
abertas aos atores para configuração situacional. Caso nossa observação

142
GABRIELE ROSENTHAL

estiver voltada, antes, a um sistema de interação existente há muito tempo


e do qual já possuímos alguns dados históricos – no exemplo em questão:
sobre o histórico das relações existentes em grupo de jovens –, podemos
analisar esses dados sequencialmente, antes de nos voltarmos à análise de
uma unidade de observação – unidade como a noite de sábado no estacio-
namento. Se o escopo do caso for uma organização ou um de seus setores
– a UTI de um hospital, por exemplo –, também sugerimos a) interpretar os
dados objetivos situacionais referentes a essa unidade (número de médicos,
enfermeiros, quantidade de leitos, quartos), considerando as possibilida-
des de ação dos diversos atores, e, eventualmente, isto é, dependendo da
questão que motivou a pesquisa, também b) interpretar sequencialmente
dados históricos sobre essa unidade (quando quem foi internado na UTI,
assim como quais transformações ocorreram ali e também a época em que
foram feitas etc.). Em relação ao domínio do caso – “paciente e o grupo
dos enfermeiros que o acompanham” –, como mostrado por Schneider em
sua pesquisa, tratar-se-iam, por exemplo, de dados sobre cada paciente
(quando ele chegou à unidade, as fases e a sequência de seu tratamento
ou acompanhamento etc.).
No contexto da análise de unidades específicas de observação (sendo
cada uma delas objeto de um protocolo particular), realizamos primeiro
uma análise sequencial dos dados “objetivos” sobre o acontecimento
concreto. No caso em questão, o primeiro dado a ser interpretado seria
a situação inicial da observação, formulada considerando ambos os pro-
tocolos disponíveis:

Cinco jovens e dois carros em um estacionamento. De um dos


carros ouve-se um hip-hop em alto volume, os três rapazes be-
bem cerveja em lata, as duas jovens tomam espumante. Cerca
de 150 metros do estacionamento, jovens (4 rapazes e 3 moças)
se agrupam em esquina próxima a um McDonald´s. Chega ao
estacionamento o carro dos dois pesquisadores, que em seguida
descem do automóvel.

São formuladas, então, hipóteses sobre a sequência seguinte, isto é,


sobre as diferentes possibilidades de contato entre os dois ou entre os
três grupos (jovens no estacionamento, jovens na esquina e o grupo de
observadores). É de se esperar que os observadores serão vistos com des-
confiança, que serão provocados, embora também possam ser ignorados.

143
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

A partir dos protocolos disponíveis, chegamos aos seguintes dados


sobre o histórico da cena citada – e analisada em detalhes:
• Um rapaz do grupo da esquina do McDonald´s se dirige ao es-
tacionamento e cumprimenta os presentes – os rapazes com um
aperto de mão, as moças com um beijo no rosto.

• O jovem conversa um pouco com eles, para então retornar ao


“seu” grupo.

• Há uma conversa entre os jovens ali presentes no estacionamen-


to; um dos rapazes fala bastante ao telefone.

• O tempo todo é possível notar outros rapazes passando de car-


ro pelas proximidades do estacionamento (e acelerando quando
passam à frente do local).

• Depois de cerca de meia hora chega um carro (o jovem A e mais


dois acompanhantes) ao estacionamento [...] (descrição do auto-
móvel e do modo como a cena no local está composta).

Sem, aqui, apresentar diferentes hipóteses, fica claro, supõe-se, que,


nesse passo da investigação, os dois observadores estão mais próximos
do acontecimento do que no contexto anterior, no da análise detalhada,
apontando também para a relevância do papel de ambos no processo de
formulação de hipóteses. A partir da sequência descrita, podemos supor,
por exemplo, que os três jovens recém-chegados teriam recebido uma liga-
ção daquele rapaz que a todo tempo fala em seu celular, e que isso talvez
tenha relação com a presença dos “estranhos” observadores.7
Trazer a interação entre o rapaz e a jovem, cena já analisada em detalhes,
e também a interpretação realizada, para a sequência concreta tomada
integralmente nos permite chegar a outras hipóteses sobre o possível
significado da “briga de caixinha”, que pode ser agora interpretada como
evento encenado para os dois “estranhos” no estacionamento – em lugar
de uma agressão mais séria que não ocorre devido à presença dos dois etc.
Sempre que considerarmos a estrutura sequencial do agir social e
nos voltarmos à reconstrução de fenômenos de acordo com as fases de
seu surgimento, aplicaremos esse princípio, e em todo o material textual
disponível sobre um caso – ou apenas em uma parte, mas então no sentido

7
Os observadores chegaram ao estacionamento em um Passat modelo sedan. Em seu pro-
tocolo, Jan Mielenhausen faz a seguinte observação: “esse modelo de automóvel, até onde sei,
costuma ser usado por policiais à paisana [...]. Os jovens devem ter nos tomado por policiais”.

144
GABRIELE ROSENTHAL

de uma segunda amostragem teórica (ver capítulo 3). Aqui nos referimos à
análise sequencial não apenas de um, mas também de todos ou de vários
protocolos relativos a um caso específico – e também de outros materiais
disponíveis referentes ao mesmo –, sempre considerando o curso de seu
surgimento e o da investigação (KÖTTIG, 2004, p. 85 ss.). Em uma pes-
quisa de campo mais longa, e no caso de haver uma grande quantidade
de protocolos de observação disponíveis, uma análise detalhada desse
material dificilmente poderá ser realizada. Nesse caso, recomenda-se,
após uma análise global dos protocolos, fazer uma segunda amostragem
– mais objetiva – de alguns deles, referentes às diferentes fases da per-
manência em campo.
Sugere-se também, ainda de acordo com a lógica do procedimento
sequencial, que, após a análise de um protocolo, sejam discutidas formas
– considerando outras hipóteses já formuladas – de dar continuidade ao
trabalho no cenário observado, que se reflita sobre qual continuidade
possível as hipóteses levantadas até ali rejeitam ou sustentam. As ante-
cipações feitas no contexto de uma análise sequencial devem, sobretudo
a fim de evitar atribuições estáticas ou interpretações deterministas e
mecânicas equivocadas do caso, evidenciar conjuntos de eventos que
possibilitem transformações mais profundas.
Por meio de uma análise sequencial de unidades de observação pro-
tocoladas que considere a cronologia do processo é possível, ainda, notar
mudanças na perspectiva do observador ao longo das observações e, com
sua reconstrução, identificar os processos de familiarização do observa-
dor com o mundo cotidiano pesquisado e que a princípio lhe era estranho.
Ou seja, justamente porque o processo de observação mesmo passa a ser
visto como algo de estruturado evita-se a ideia de que a autorreflexão do
observador leva apenas a um questionamento mais amplo a respeito dos
resultados da pesquisa ou, ainda, a um relativismo estéril do ponto de
vista prático.
Tal como Gerald Schneider ou Bruno Hildenbrand (1994), defendo, aqui,
uma observação participante enquanto procedimento voltado para o caso
particular. O primeiro passo do processo é definir a dimensão do caso, o
caso mesmo (ver subcapítulo 6.3). Antes da análise dos protocolos deve
ser determinado se o caso corresponde ao jovem ou ao grupo de jovens
ou – como no contexto da pesquisa na Associação de Moços de Berlim – a
uma oficina, a mestre e aprendizes, ou a uma organização – como um hos-
pital – ou um “pequeno mundo da vida” – como o dos visitantes noturnos

145
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

do estacionamento. Em seu estudo sobre interação em uma UTI, Schneider


definiu o escopo do caso como “cada paciente mais o grupo de enfermeiros
e médicos que o auxiliam durante sua permanência no hospital” (1987, p.
94). Mas o autor admite ter enfrentando problemas por causa de aspectos
típicos de protocolos realizados em um contexto de pesquisa8 mais amplo;
muitas vezes não foi possível reunir uma quantidade suficiente de obser-
vações sobre determinado paciente, tampouco voltar sistematicamente a
análise “ao processo de desenvolvimento de alguns casos” (p. 95). Por isso
é de grande importância determinar com antecedência o que é o “caso”,
ou então se a definição de seu escopo fará parte do processo mesmo de
descoberta – ou seja, se essa questão do caso será respondida ao longo da
observação. Essa forma de abertura relativa à determinação do escopo
de caso no contexto do processo de pesquisa poderia ser aplicada, por
exemplo, naquelas observações realizadas próximo ao McDonald´s de
Northeim, no estacionamento que acabou sendo “descoberto” durante
a “busca” por jovens que ocupassem espaços públicos naquela cidade.
Acreditou-se que o “palco” estacionamento, esse “pequeno mundo da
vida”, ou o grupo de jovens ali observados (que posteriormente seriam
objeto de observação também em outros cenários), ainda serviria como
caso durante um bom tempo.

8
Os protocolos foram realizados no contexto do projeto de pesquisa “Terapia intensiva
voltada ao paciente e técnica medicinal”, coordenado por Elmar Weingarten.

146
GABRIELE ROSENTHAL

REGRAS GERAIS DA ANÁLISE SEQUENCIAL


DE PROTOCOLOS DE OBSERVAÇÃO

A. Antes da análise de protocolos relativos a um caso

Realizar análise dos dados de enquadramentos “objetivos”


e – dependendo do problema levantado na investigação – uma
análise sequencial dos dados históricos sobre o caso.

B. Análise do protocolo relativo a uma unidade de observação

1. Análise sequencial dos dados “objetivos” sobre o aconte-


cimento concreto, considerando a sequência cronológica
de cada uma das fases do curso integral.

2. Análise detalhada das cenas, precisamente esquemati-


zadas.

3. Inserção das cenas no curso integral das unidades de


observação e no contexto geral do caso (ver A).

4. Com base nas hipóteses até então desenvolvidas: formular


hipóteses secundárias sobre os passos seguintes a serem
tomados em campo.

5. Reflexões sobre a estrutura de outras possíveis observa-


ções com base na análise.

Outros protocolos escolhidos são analisados, considerando a


cronologia das unidades de observação

147
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

4.5 ANÁLISE DE DADOS VIDEOGRAFADOS

Nicole Witte
Gabriele Rosenthal

Introdução

A utilização de material audiovisual nos parece ser bastante vantajosa


especialmente no contexto da análise detalhada de processos de comu-
nicação e de cursos de ação, sejam eles verbais ou não verbais, e para a
reconstrução de estoques de conhecimento implícitos que determinam a
interação. As vantagens aumentam a nosso ver ainda mais quando reali-
zamos a análise de vídeo para uma pesquisa de campo etnográfica ou uma
observação participante. Em outras palavras, o que nos interessa, aqui,
é a combinação de procedimentos, para que assim possamos aproveitar
melhor os benefícios e também reduzir o efeito das desvantagens de ambos
os métodos. No capítulo anterior, chamamos a atenção para as vantagens e
desvantagens da observação participante, que podem ser adotadas quase
que integralmente à análise de vídeo. A seguir, iremos nos concentrar nos
benefícios e problemas dos dados videografados.
Na pesquisa social interpretativa, materiais audiovisuais estão em voga
mais do que nunca, a considerar a grande quantidade de livros publica-
dos nos últimos anos sobre o tema.9 Se o surgimento dessa tendência nos
anos 1980 acompanhou a crescente popularização de câmeras de vídeo, o
barateamento de aparelhos e a possibilidade de digitalização fazem, hoje,
crescer ainda mais o interesse por essa forma de levantamento de dados.
Além da queda nos preços e da grande disponibilidade de aparelhos, outro
fator importante para o crescimento exponencial do registro em vídeo é
que essa técnica parece oferecer a princípio poucas dificuldades. Isso fica
claro quando a combinamos com o procedimento – descrito acima – da
observação participante, em que sempre temos de lidar com a dúvida se
a observação tratou de “apreender” tudo, se o protocolo (que a princípio
parece ser tarefa muito mais difícil do que de fato é) não “deixa nada de
fora” ou então se baseia em uma “falsa” lembrança.

9
Em relação a essas questões metodológicas, ver, por exemplo: Bohnsack (2009); Fischer
(2009); Friebertshäuser et al. (2007); Knoblauch et al. (2006); Raab (2008); Witte e Rosenthal
(2007).

148
GABRIELE ROSENTHAL

Mas será que o registro audiovisual oferece de fato tantas facilidades


como aparenta? De fato, nada parece escapar às lentes da câmera, e os
dados registrados podem, teoricamente, ser sempre reanalisados e re-
produzidos. Sem querer repetir aqui a discussão do item anterior sobre
a produção de protocolos de observação (4.4.1), não podemos esquecer,
porém, que as vantagens e desvantagens do levantamento de dados visando
ao registro, assim como os benefícios e os problemas do levantamento com
vistas à reconstrução (BERGMANN, 1985, p. 308), acabam, ao final, por se
anular, e que a escolha por uma ou outra deve estar, antes, de acordo com
o objeto de investigação. O registro em vídeo não deve ser considerado
de modo algum como forma ideal do levantamento de dados de processos
interacionais, embora materiais audiovisuais ofereçam, além dos desafios
metodológicos, uma variedade considerável de possibilidades para a re-
construção de interações em seus mínimos detalhes. Porém, para que seja
possível fazer uso dessas possibilidades, é necessária uma metodologia
bem trabalhada, que tenha em vista e que torne palpáveis os desafios – ou
também problemas – trazidos à pesquisa pelo registro audiovisual.
A seguir, partindo de exemplos empíricos retirados de uma pesquisa rea-
lizada por Nicole Witte (2010) – coautora deste subcapítulo – sobre interação
médico-paciente e também de uma investigação etnográfica ainda em curso,
realizada em Israel e na Palestina10, vamos abordar temáticas de pesquisa que
justificam a utilização de recursos videográficos, mas que também expõem
detalhes dos desafios que essa técnica traz para a práxis científica. Vamos,
ainda, sugerir uma metodologia para lidar com esses problemas.

Quando utilizar a câmera?

Quais temas podem ser trabalhados com videografia? Antes de


tudo, só é possível encontrar uma resposta a essa questão se de fato
tivermos consciência de suas vantagens. A técnica é capaz de registrar
não apenas comunicação verbal, mas também ações e comportamentos
não verbais nos menores detalhes e permite ao pesquisador investigar

10
O projeto de pesquisa Belonging to the Outsider and Established Groupings: Palestinians
and Israelis in Various Figurations, financiado pela Sociedade Alemã de Amparo à Pesquisa
(DFG), é coordenado por Gabriele Rosenthal (Georg-August-Universität, Göttingen, Alemanha),
Shifra Sagy (Bem-Gurion University of the Negev, Beer Sheva, Israel) e Mohammed S. Dajani
Doudi (Al Quds University, Palestina). Outras informações sobre essa pesquisa (ainda em anda-
mento em 2013) podem ser encontradas no site http://www.uni-goettingen.de/de/77993.html.

149
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

os dados – sempre que necessário – a partir de novas perspectivas, com


seus respectivos focos diferentes. Com isso aumenta-se o escopo de
observação de elementos específicos, particulares da ação – como, por
exemplo, gestos de palestrantes (SCHNETTLER; KNOBLAUCH, 2007;
KNOBLAUCH, 2008) –, e também é possível realizar uma reconstrução
detalhada de cursos de ação e comportamentos, seja de um indivíduo
como também de atores interagindo entre si ou então que apenas dividem
uma cena no material registrado. Podemos citar os trabalhos de Heath,
Luff e Hindmarsch (2000) como exemplos de pesquisas que, já nos anos
1980, utilizavam câmeras de vídeo – nesse caso específico, para gravar
pessoas em seus respectivos locais de trabalho, sozinhas ou interagin-
do com colegas – sempre com o interesse de reconstruir determinados
padrões ou rotinas no campo de ação em questão.
Focalizar um determinado segmento da realidade social, o que acaba
necessariamente resultando da inserção da câmera, pressupõe certa fami-
liaridade com esse mundo do qual é feito o recorte (KNOBLAUCH, 2011). A
experiência nos mostra que um horizonte desconhecido pelos pesquisadores
dificilmente poderá ser bem investigado por meio da técnica de registro au-
diovisual, pois, nesses casos, a própria seletividade decorrente da inserção
da câmera já configura um problema. Se o pesquisador não conhece direito
o cenário social, a decisão sobre o objeto a ser posto em foco não será tão
simples. Corre-se o risco de produzir uma grande quantidade de material,
caso esse recorte não seja bem determinado, o que pode dificultar que
mantenhamos o foco na questão e até mesmo frustrar nossas expectativas
devido à superficialidade dos dados. Alguém poderia objetar que o material
registrado dessa forma serviria satisfatoriamente como apoio à memória dos
pesquisadores. Porém, acreditamos que a quantidade de dados reunidos na
gravação e o esforço gasto em sua realização e em seu planejamento devem
corresponder aos resultados. Contudo, o importante é que a câmera se encon-
tre sempre posicionada – em sentido literal e figurado – entre o pesquisador
e o campo de pesquisa. Enquanto que o observador participante vivencia o
domínio da investigação em diferentes recortes e perspectivas, o pesquisador
que faz uso da técnica de gravação audiovisual está desde o início dependente
da apreensão focal (visual, mas em parte também auditiva) e tem sempre a
atenção voltada para apenas um ou outro domínio do campo. A representação
visual, por exemplo, da sensação de tocar uma superfície áspera, assim como
da apreensão de um cheiro ou odor, exige, em outras palavras, muito esforço
(de encenação). Além disso, se não houver um claro interesse em determinado

150
GABRIELE ROSENTHAL

domínio do campo de apreensão, ou a cinegrafista – caso trabalhe, por exem-


plo, com um aparelho portátil – terá que mover a todo tempo seu instrumento
de gravação, de tal modo que a análise do registro será quase impossível.
A focalização da câmera sobre um recorte específico não apenas implica
excluir concretamente da representação visual outros espaços do contexto
investigado, como esses também acabam sendo ignorados mais facilmente
por aquele que faz o registro – como em uma observação sem câmera. No
começo da pesquisa em um campo a princípio pouco familiar, é mais vantajoso
primeiro realizar uma observação participante e/ou entrevistas narrativas,
para só depois trabalhar com câmera.
Os pesquisadores também devem estabelecer, antes do registro audio-
visual, quantas e quais pessoas – e em quais contextos – serão “alvo” da
lente da câmera. Embora isso também possa ser considerado uma espécie
de pressuposto técnico, a experiência comprova sua importância para aná-
lises subsequentes. Quanto mais pessoas, quanto maior a movimentação
de indivíduos em cena e também quanto maior a distância física entre os
participantes da interação, maior também será o risco de o registro ao
final não ser adequado para a análise.11
A fim de tornar mais simples a avaliação desses aspectos, sugerimos,
portanto, primeiro chegar a campo como observador participante, para
então, com base na análise de protocolos, selecionar as unidades de
observação – isto é, as situações ou contextos de ação mais facilmente
identificáveis, delimitáveis. Vamos tentar esclarecer essa ideia a partir
de um exemplo extraído da nossa atual investigação sobre interações co-
tidianas entre judeus israelenses e árabes (e palestinos cidadãos ou não
do Estado de Israel, assim como beduínos israelenses). Na nossa primeira
ida a campo, nos primeiros meses de 2010, buscamos sobretudo realizar
observações. Além de algumas situações sociais definidas, como um en-
contro com beduínos e estudantes judeus israelenses, constituíram o alvo
das nossas observações sobretudo espaços públicos. Visitamos hospitais,
diversos cafés, universidades, mercados frequentados pelos diversos gru-
pos e, com bastante frequência, controles de segurança – como os postos
de controle instalados entre Israel e a Cisjordânia, ou também na entrada
de prédios públicos. Para fazer filmagens, sempre que possível, tínhamos

11
Em uma entrevista em grupo, com um grande número de participantes, é importante,
ainda, que o microfone, por exemplo, seja fácil de utilizar, sensível o bastante, e que seus aspec-
tos técnicos correspondam ao objetivo proposto.

151
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

conosco uma câmera portátil que, no início, porém, não chegou a ser
utilizada, já que tínhamos grande dificuldade em encontrar situações de
processos interacionais concretos ou claramente identificáveis. Por essa
razão, buscamos primeiro situações e contextos locais de encontro entre
representantes dos diversos grupos, sempre nos questionando se fazia
sentido ou era oportuno realizar ali registros audiovisuais. Mesmo que
controles de segurança já tenham se tornado parte do cotidiano em Israel
e na Cisjordânia, ficou rapidamente claro para nós que tínhamos que ser
cuidadosos com gravações nesses contextos. Em uma situação como essa,
na qual as diferenças de tratamento por parte dos seguranças – que varia-
vam dependendo das características da pessoa que passava pelo controle
– eram facilmente identificáveis, nossa presença estava sempre ameaçada.
Por outro lado, filmagens a distância, como a de passantes na entrada de
um hospital (ou também em postos de controle), eram relativamente pouco
problemáticas. Embora no hospital fosse possível identificar interações
entre membros de diferentes grupos, durante a gravação ficou claro que
através do visor da câmera só era possível observar um pequeno recorte.
Era fácil perder de vista interações cuja descrição ou constatação poderia
vir a ser utilizada na análise como dado contextual, e isso ainda que es-
sas interações ocorressem em ambiente diretamente próximo das cenas
registradas. Também é importante chamar a atenção para o fato de que
o(a) operador(a) de câmera precisa estar muito bem concentrado, o que,
por sua vez, acaba por prejudicar em muitos aspectos o registro de outras
perspectivas sobre o ocorrido. Ademais, também ficou claro, ao examinar-
mos o material, que algumas interações passíveis de reconstrução quase
não chegaram a ser registradas, ou porque a cena era muito movimentada,
ou porque passantes prejudicavam o campo de visão, e assim impediam
que mantivéssemos o foco nas ações. Somou-se a isso a impossibilidade
de gravar diálogos – em muitos casos pouco compreensíveis – porque a
distância entre câmera ou microfone e os observados era muito grande.
Nos registros que fizemos no hospital, chamou a nossa atenção a exis-
tência de uma mercearia ao lado. Ali conseguimos registrar interações
entre vendedor e clientes como unidades fechadas em si mesmas. Além
de haver pouco movimento na cena, outra vantagem de registrar ações
ali foi a autorização do dono para filmar, o que nos permitiu aproximar
o suficiente dos acontecimentos para realizar bons registros em áudio.
Também pudemos posicionar a câmera de forma a colocar em cena simul-
taneamente tanto os clientes quanto o vendedor.

152
GABRIELE ROSENTHAL

Onde e como posicionar a câmera?

Após encontrar um possível cenário de gravação – como no exemplo


acima –, ou mesmo que o cenário já esteja determinado desde o início da
investigação (por exemplo, no estudo realizado por Nicole Witte sobre
interações médico-paciente no cotidiano de um consultório), ainda nos
resta definir o posicionamento da câmera. Os investigadores devem ter
sempre em mente apenas registrar aquilo que é de interesse. Não é que a
câmera produza dados “objetivos” ou não filtrados; antes, com a escolha
de determinada localidade, o observador ou os pesquisadores também
determinam os dados a ser analisados. As questões a serem levantadas
nesse contexto são, por exemplo: quanto do cenário concreto será gravado?
Quem está sendo filmado? Como será feito o registro dos atores (de perfil,
de frente, de corpo inteiro, apenas a parte de cima do corpo etc.)? E tam-
bém temos que estar sempre conscientes do fato de que a escolha de um
foco implica necessariamente uma decisão sobre os elementos que serão
deixados de fora da gravação, escolha análoga à feita pelos observadores
participantes sobre o campo no qual a observação deve se concentrar e a
respeito do que deve ser protocolado.12 Ou seja, temos que estar atentos ao
fato de que certos benefícios para a análise sempre trarão desvantagens,
e com base nisso fazer a escolha sobre o foco. Por exemplo, se decidirmos
por um recorte mais amplo, levantaremos muitos dados sobre o cenário
concreto, o que por outro lado também implica, em alguns casos, optar
por não registrar certas minúcias dos movimentos faciais dos agentes.
Na pesquisa desenvolvida por Nicole Witte sobre interações médico-
-paciente, por exemplo, a investigadora estava a todo tempo buscando
determinar o espaço ideal do consultório para o posicionamento da câmera,
problema que envolvia outras questões, do tipo: como médico e paciente
se posicionam frente a frente na consulta? É tecnicamente viável registrar
ambos de perfil? Caso isso não seja possível, qual agente da interação
deve ser filmado de perfil? Qual deve ser filmado de frente? Qual rosto
podemos ignorar na gravação? Como os móveis estão colocados? Onde
há espaço para a câmera? Tais questões tinham que ser feitas para cada
consultório. Variava apenas o modo com que eram colocadas, já que a

12
A rigor, não se trata, aqui, da “objetividade” dos dados (no sentido, por exemplo, de
reprodutibilidade intersubjetiva), mas, sim, de sua perspectiva ou seletividade. Sobre a pers-
pectividade de objetos visuais, ver: Karl Mannheim (1995, p. 258 s.).

153
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

solução encontrada em um dos casos não necessariamente seria aplicada


com sucesso em outro consultório. Tendo em vista que essas questões não
podem ser respondidas de antemão, é impossível dar, aqui, uma receita
ou determinar a “forma correta” de posicionar a câmera. Soluções para
essas questões devem ser buscadas tomando o problema trabalhado pela
pesquisa como plano de fundo, sempre desde o interior de cada situação
de levantamento de dados. Nicole Witte optou, por exemplo, quando não
encontrava alternativas, filmar o médico de frente, já que seu interesse
central era apreender o padrão interacional desse ator e também porque
o agir e o comportamento dos pacientes em alguns casos só se mostra-
ram plausíveis em um ou outro momento quando considerado o curso
integral da interação.

Como processar e organizar o material?

Justamente pelo fato de o registro audiovisual ser a princípio de fácil


realização, e porque podemos, consequentemente, a partir de uma única
gravação, levantar uma grande quantidade de dados e também de informa-
ções, é importante, aqui, que nos posicionemos com relação a determinadas
questões metodológicas que apenas de início parecem ser pouco proble-
máticas. Para não perder de vista seu horizonte de investigação – pois só
assim é possível fazer uso efetivo do material –, os pesquisadores devem
desenvolver um sistema para processamento, ordenação e arquivamento
dos dados, um sistema que seja compreensível e de fácil aplicação, e isso
antes de ir a campo. Aqui também não é possível apresentar uma espécie
de receita para esse desenvolvimento, mas apenas sugestões.
Primeiro, é importante reservar memória física suficiente para o
registro do material. Além disso, as gravações não devem ficar armaze-
nadas apenas em um local, por exemplo, não apenas em um DVD, mas
também em um disco rígido. O nome de cada arquivo deve possibilitar
uma identificação clara e rápida da situação e dos dados materiais rela-
tivos a ela. Recomenda-se, também, criar um sumário de palavras-chave
para cada gravação, possibilitando, assim, o acesso rápido a determinada
cena. Como complemento a esse índice sugerimos produzir notas ou me-
mos para cada registro e em cada caso. Assim, é possível trazer para a
análise também a forma de acesso ao campo e as primeiras observações
– feitas sem o uso de câmeras –, assim como refletir sobre os critérios
que determinaram a escolha do local, do contexto social, do início e da

154
GABRIELE ROSENTHAL

duração das gravações. Caso esse passo não seja tomado, essas informa-
ções sobre o cenário, e que não são necessariamente registradas pelo
vídeo, acabarão perdidas. Os memos devem ser produzidos de maneira
semelhante ao protocolo de observação.13 Porém, ao invés da descrição
detalhada de cada situação observada, toma-se nota apenas dos conteúdos
de cada contexto videografado.
No contexto de uma análise sequencial desse material, é importante
que a edição não se estenda muito; devemos, por exemplo, evitar fazer
muitos cortes ou classificar cenas específicas em uma única categoria.
Devemos respeitar primeiro a sequência cronológica do registro dos dados.
De posse de tais dados, os quais mesmo com a análise das informações
levantadas continua a se ampliar – mas respeitando os critérios da amos-
tragem teórica –, restará ao pesquisador apenas tratar a questão sobre o
modo com que o material disponível pode ser analisado.

Como analisar o material?

É sobretudo na análise dos registros audiovisuais que a maioria dos


pesquisadores enfrenta pela primeira vez desafios de caráter metodológico
– os quais, por sua vez, costumam ter origem em aspectos específicos aos
próprios dados materiais. Com a impressionante diversidade de informa-
ções levantadas com as gravações, surge também a questão sobre como
trabalhar esses dados – em parte estruturalmente diferentes em si – sem
colocar em risco o rigor metodológico. Outros sociólogos (KNOBLAUCH et
al., 2006) investigaram a forma de lidar com essa riqueza de informações,
cuja diversidade e quantidade são de fato capazes de confundir bastante,
e as perspectivas metodológicas das quais podemos partir para manipu-
lar os dados materiais e que não impliquem um custo elevado, tampouco
exijam muito tempo investido.
A seguir, partindo de alguns exemplos, vamos descrever um proce-
dimento metodológico e também debater, sempre fazendo referência a
cada fase desse procedimento, desafios que eventualmente surjam com
relação ao material. A abordagem que sugerimos divide-se em quatro
fases, como mostrado aqui:

13
Instruções detalhadas para a produção de protocolos de observação podem ser encon-
tradas no subcapítulo 4.4.1.

155
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

ANÁLISE SEQUENCIAL DE INTERAÇÕES VIDEOGRAFADAS

1. Análise de dados relativos ao contexto.

a. Análise dos dados do meio social (contexto “externo”).

b. Análise do domínio de ação concreto (contexto


“interno”).

2. Análise detalhada da sequência inicial.

c. Análise das gravações, sem o áudio.

d. nálise das imagens, com áudio.

3. Análise global de todo o processo de interação (análise de script).

4. Análise detalhada de outras sequências.

ANÁLISE DE DADOS RELATIVOS AO CONTEXTO

Uma grande dificuldade, já mencionada anteriormente, que surge na


análise de materiais videografados, mas que também deve ser solucionada
para a análise de todo tipo de dado, diz respeito à determinação de um
horizonte, isto é, da configuração histórica, macrossocial e específica a
um meio, e que deve necessariamente ser inserida na análise. Além do
problema da possibilidade de inserção sistemática de dados concretos
(que aparecem no registro) relativos ao espaço no qual a cena gravada se
desenrola e da questão sobre a forma com que esses dados influenciam o
curso interacional, é comum surgir, com a gravação, o problema da am-
pliação do horizonte de análise para além do contexto apreendido, para
além do recorte feito pela câmera. Quais informações sobre o contexto
“externo” de uma interação, sobre os pressupostos institucionais relativos
ao enquadramento e sobre a estrutura, desenvolvida historicamente, da
qual os agentes da interação fazem parte, devem ser inseridas na análise?
Até que ponto devemos ampliar, seja do ponto de vista histórico – referente
à dimensão temporal – ou socioestrutural, espacial, o respectivo horizon-
te de interpretação? Trata-se de uma questão sem resposta definitiva. O

156
GABRIELE ROSENTHAL

importante é sempre ter em vista o tempo e outros recursos disponíveis


para a pesquisa (assim como aspectos da questão levantada e do objeto
de investigação) quando pretendermos ampliar o horizonte de análise.
Tomemos novamente o exemplo da interação médico-paciente, uma
forma de interação altamente institucionalizada e ritualizada e que, além
disso, é, na Alemanha, já há alguns anos, objeto de diferentes discursos
(por exemplo, sobre mudanças no sistema de seguridade social). Nesse
contexto, a relativa ampliação dos limites de análise faz bastante sentido.
Isso fica evidente, por exemplo, quando levamos em conta que a introdu-
ção da taxa de consulta em todos os consultórios médicos na Alemanha,
enquanto parte desse contexto “externo”, acaba – ao menos indiretamente
– podendo influenciar, de forma significativa, processos de interação mé-
dico-paciente. A pessoa que, por exemplo, discute de forma pouco educada
com a secretária ou com a auxiliar do médico por causa dos 10 euros de
taxa (que não serão restituídos pelo plano de saúde), parte, no início da
consulta, de uma situação totalmente diversa à do paciente que não vê
sentido na discussão. Nos primeiros passos da análise de dados contex-
tuais, buscamos identificar justamente esse tipo de desafio. Comecemos
com a análise do “contexto externo”.
Análise dos dados do meio social (contexto “externo”). Nessa fase da
pesquisa, que, como outros passos de análise, tem por base a hermenêutica
objetiva de Ulrich Oevermann (1979), trata-se, primeiro, de tomar nota
dos pressupostos ou das condições estruturais do contexto, para além das
possibilidades e das intenções atuais concretas dos atores. Aqui, pode-se
objetar, e com razão, que todos os fatores referentes ao contexto – e também
macroscópicos – são encontrados apenas nesses domínios intencionais.
No exemplo tratado acima, da pesquisa sobre interação médico-paciente,
qualquer indivíduo pode vir a constituir, e por vontade própria (escolhendo,
por exemplo, seguir a carreira de médico), o sistema de saúde, mas também
pode, sempre, abandonar dado domínio (mudando de profissão, deixando a
medicina). Porém, quanto maior o desvio com relação a ele, menor o poder
do ator para desencadear mudanças contextuais; no final – como mencio-
nado – trata-se apenas de uma escolha entre duas possibilidades. Contudo,
quanto menor a distância entre os limites do domínio e a interação entre
parceiros fisicamente copresentes, maior será a quantidade de escolhas
possíveis e o potencial de mudança que cabe aos atores. A nosso ver, isso
parece se adequar muito bem com nossa proposta em separar, como fases
distintas da investigação, a análise de dados do meio social da análise do

157
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

espaço concreto de ação.14 Nicole Witte, em sua pesquisa, dá início a essa


fase contextualizando os macrofatores envolvidos, como o sistema de saúde
alemão e a – nele inserida – configuração médico-paciente. Ao longo da
análise, os aspectos contextuais a serem investigados vão aproximando
mais e mais da situação concreta de interação. Nessa fase do processo
trata-se, assim, de determinar a dimensão do campo de decisão dos agen-
tes. É aqui que formulamos as primeiras hipóteses sobre regularidades
estruturais da escolha entre alternativas de ação por parte dos atores. No
campo da saúde pública, é possível encontrar alguns exemplos: a quantidade
de médicos conveniados de consultório próprio é restrita pelos planos de
saúde; há regras claras sobre o número de médicos autônomos, nesta ou
naquela especialidade, que podem integrar o convênio. Essas determina-
ções institucionalmente estipuladas devem necessariamente ser levadas
para a análise das condições do exercício da profissão de médico, já que
elas claramente limitam seu horizonte de possibilidades. Para as análises
subsequentes, o resultado da identificação dessas restrições – às quais as
decisões do médico estão sujeitas – é uma limitação – que se adequa ao
objeto em questão – da construção de hipóteses.
Assim, nesse primeiro passo, ficará evidente qual espaço de ação se
encontra aberto ou disponível aos atores e a quais restrições suas ações
estão sujeitas, assim como as alternativas que eventualmente serão es-
colhidas. Busca-se também determinar o universo de agentes e o cenário
social específico no qual interagem, além das configurações e do equilí-
brio de poder atuantes. É quase certo que há grandes diferenças entre
configurações – e entre relações de poder –, por exemplo, constituídas
por interações vivenciadas por um médico autônomo com consultório em
alguma região da ex-Alemanha Oriental e as experiências de outro médico
que tenha se fixado em uma das ilhas do Mar do Norte, embora em ambos
os casos ainda se trate de relações médico-paciente. Como mostra Norbert
Elias (2009), não podemos partir, aqui, do princípio, conforme frisado,
de que os indivíduos interagem livremente, em um campo caracterizado

14
O poder de decisão também cabe aos pacientes, embora seu espaço de ação, tanto no
contexto interno quanto no contexto externo, seja bastante reduzido. Em geral, o paciente tam-
bém pode decidir se e como o tratamento deve ser realizado, e como ocorre a interação com o
médico, mas, na configuração médico-paciente, seu domínio de decisão dentro da – por várias
razões – desigual distribuição de poder é muito menor que o do médico, ou então é o paciente
que, em diversos casos, vendo-se vulnerável por causa de alguma doença, acaba aceitando a
configuração.

158
GABRIELE ROSENTHAL

pela ausência de forças atuantes, de poder. Antes, esses agentes estão


necessariamente inseridos em uma estrutura social caracterizada por uma
interdependência – em parte institucionalizada – entre seus componentes
e que, historicamente, está a todo tempo em desenvolvimento e, desse
modo, determina o horizonte de ação individual.
Mas a análise do contexto não se resume à investigação do enquadra-
mento “exterior” mais amplo. Nela, buscamos também proximidade com
a interação a ser observada. A seguir, nos voltaremos ao segundo passo
desse tipo de análise.
Análise do domínio de ação concreta (contexto “interno”). Como no
passo anterior, nosso objetivo aqui é descobrir a dimensão das possibi-
lidades dos agentes no interior da interação e reconstruir estruturas de
processos de escolha dentro desses espaços. Também buscamos recons-
truir, assim, padrões típicos a essa forma de configuração, para além
dos atores individuais. Ao contrário do que ocorria na fase anterior, as
alternativas disponíveis aos atores surgirão aqui mais diferenciadas e em
maior quantidade, conforme investigamos naqueles determinantes da ação
mais ou menos integralmente controlados ou influenciados apenas pelos
agentes. Por exemplo, um médico autônomo não apenas escolhe a mobília
de seu consultório, mas também, e antes disso, as salas em que realizará
suas consultas.15 Nesse passo da análise, são formuladas hipóteses sobre
ambas as possibilidades de escolha. Chamamos novamente a atenção não
apenas para o fato de que os atores, mesmo em contextos altamente ins-
titucionalizados, podem reagir às estruturas dadas a partir de condições
já determinadas, mas também que, no curso da ação, cada decisão e cada
atividade ajuda a constituir o domínio de alternativas para o agir futuro.
Por um lado, a sala de consultas de um médico – enquanto parte do
seu domínio de ação – expressará o resultado de ações passadas (afinal,
ele alugou o espaço, adquiriu móveis e escolheu a decoração). Por outro
lado, essas ações definem as condições físicas disponíveis ao médico e ao
paciente na interação. Isso nos permite, então, levantar hipóteses sobre
questões como: por que ele não instalou um leito de diagnóstico em sua
sala de consulta, já que ela é grande o suficiente, e, ao invés disso, optou
por colocar uma escrivaninha enorme bem no meio do consultório? Ou

15
Contudo, a escolha das salas de consulta também pode ser, por sua vez, restrita, depen-
dendo do lugar onde o médico vive, fato cuja relevância deve ser analisada em fase anterior da
investigação.

159
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

seja, ao investigar o contexto de ações atuais temos que estar atentos, de


um lado, aos resultados de ações ou decisões passadas. Isso nos permitirá,
passada essa fase da análise, formular as primeiras hipóteses sobre tais
padrões de ação. Por outro lado, o domínio de ação determinado pelos
atores condiciona também o âmbito das possibilidades de seu agir no in-
terior da interação concreta, o que também restringe, ou, dependendo da
perspectiva, facilita a formulação de hipóteses durante a análise.

ANÁLISE DETALHADA DA SEQUÊNCIA DE ABERTURA

A análise detalhada da sequência de abertura – trazendo para ela os


resultados da análise contextual – serve para expor a estrutura processual
da cena gravada. Essa necessidade de uma análise detalhada da sequência
de abertura é justificada por Hans-Georg Soeffner da seguinte forma:

Os enquadramentos de ação aplicados nas primeiras externali-


zações pelos parceiros de interação, assim como o horizonte de
sentido das ações conseguintes, já contêm a(s) perspectiva(s)
de ação do processo de interação que lhe segue. Isso significa:
a sequência de abertura de uma interação também deve ser
compreendida como reação do parceiro de interação a um ob-
jetivo – ou resultado – da ação aceito de antemão (MEAD, 1934,
p. 187-188). O resultado esperado no futuro determina as ações
do presente. A estrutura do processo já pode ser identificada
nos primeiros atos interacionais (SOEFFNER, 1989, p. 72).

Formular uma hipótese estrutural sobre um processo de interação


implica a possibilidade de realizar previsões sobre seu curso subsequente,
implica a possibilidade de desenvolver outras hipóteses sobre elementos
que venham a alterar a estrutura da interação. Porém, será apenas no passo
seguinte da investigação – na análise do script – que o desenvolvimento
posterior passará a nos interessar.
Mas como devemos proceder concretamente na análise da sequência
de abertura? A experiência nos mostra o quanto é difícil manter a atenção
voltada ao mesmo tempo para o áudio e para as imagens gravadas e como
o registro sonoro influencia a percepção que temos do registro visual.
Por isso, é importante que observemos, primeiro, apenas as imagens,
sem o som. Começando com a análise de imagens congeladas, analisamos

160
GABRIELE ROSENTHAL

trechos mais curtos do material16 (buscando identificar o significado dos


objetos empiricamente percebidos naquele contexto e também a fim de
estender o domínio de interpretação do cenário de ação), sempre consi-
derando uma determinada sequência.17 Além disso, formulamos hipóteses
sobre formas temporais não sonoras (sobretudo movimentos) e sobre for-
mas físicas ou espaciais (como o modo de se vestir dos participantes da
interação). A interpretação desses dados fica muito mais fácil do que se
acompanhada de som. Em um segundo passo, analisamos a sequência de
abertura integralmente – imagens e áudio –, de modo a tornar possível o
desenvolvimento de hipóteses sobre o fluxo integral, sobre a forma geral
da cena em questão.
Durante esse procedimento, buscamos sempre nos orientar pelos
princípios da hermenêutica objetiva; isto é, primeiro descontextualizamos
a cena – nossos conhecimentos sobre o contexto de surgimento e, com
eles, também as hipóteses desenvolvidas no primeiro passo da análise
são postos entre parênteses, para que, então, em um esforço teórico,
desenvolvamos diferentes leituras possíveis sobre os contextos, de modo
que as imagens congeladas ou cenas concretas assumam significado (ver
OEVERMANN et al., 1979, p. 415; OEVERMANN, 1983). A partir dessas
hipóteses, desenvolvidas abdutivamente, deduzimos os fenômenos se-
cundários, descobrimos conexões possíveis com o curso da interação e
conexões que reforçam a plausibilidade da hipótese. No terceiro passo do
processo abdutivo ocorre o teste empírico. As hipóteses secundárias, as
antecipações realizadas com base nelas, são contrastadas entre si tomando
como referência o caso concreto, a sequência audiovisual seguinte, para
então ou ganharem em plausibilidade, ou serem modificadas – ou, ainda,
rejeitadas. É assim que, em uma reconstrução rigorosamente sequencial
de um curso de ação, descobrimos sua estrutura de caso.

16
Raab e Tänzler (2006, p. 87) propõem uma análise detalhada, bastante semelhante, das
chamadas “cenas-chave” e também a análise de imagens congeladas: “isso significa, a nível
micro, uma interpretação passo a passo, isto é, imagem por imagem, dessas cenas-chave”. O
grupo de pesquisadores deve selecionar essas cenas de acordo com critérios específicos.

17
A duração de cada trecho da sequência a ser analisada é determinada considerando o
fluxo de imagens e de som da gravação. Ao nos voltarmos à parte sonora, caso consideremos
uma troca de falantes no contexto de um diálogo como conclusão de uma sequência, temos que
registrar esses movimentos corporais no fluxo de imagens – gestos ou aspectos da mímica –
como limites sequenciais.

161
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Como mostrado acima, na análise da sequência de abertura, temos que


lidar sobretudo com a diversidade de tipos de dados – acústicos e visuais
(som e imagem) – do material em vídeo. Enquanto o som se constitui apenas
por objetos temporais, a imagem é formada também por espacialidade e
nos abre “uma dimensão temporal também sincrônica” (KNOBLAUCH,
2004, p. 134). Encontram-se disponíveis para análise – enquanto dados
adicionais – não apenas formas temporais não acústicas como movimen-
tos, mas também objetos espaciais desprovidos de extensão temporal,
isto é, que durante a observação não sofrem modificação visível, como
armários, mesas, um carro estacionando etc. Apenas a apreensão visual
desses diferentes objetos, a qual se constitui a partir de várias percep-
ções dessas visualizações, configura ato temporal.18 “A diferença entre
percepções espaciais e temporais é que [...] o dado já existe enquanto
totalidade, ao passo que o outro ainda se encontra em processo de surgi-
mento” (ROSENTHAL, 1995, p. 32). Essas diferenças ficam claras quando
revemos, agora em movimento, no vídeo, a imagem antes congelada e atu-
alizamos suas possibilidades. Na imagem congelada, elementos acústicos
“desaparecem”, assim como os movimentos, já que ambos são normalmente
apreendidos apenas em fluxos temporais, em uma determinada ordem
sequencial. Ainda na análise da gravação, mesmo quando notarmos duas
pessoas falando ao mesmo tempo, ou então ruídos ao fundo do diálogo, a
estruturação sequencial dos dados acústicos deve ser respeitada, apesar
dessa simultaneidade.
Aqui, temos que partir do princípio de que os dados sequenciais,
durante a observação de uma sequência de imagens, tendem mais a se
tornar objetos da nossa atenção consciente do que os objetos estáticos –
os quais, entretanto, também determinam nossa percepção. Enquanto
observadores, o foco da nossa percepção volta-se mais ao curso da ação e
menos à percepção das informações visuais simultâneas, sempre copre-
sentes dentro do setting observado. Congelando a reprodução do vídeo
em uma única imagem, tomamos consciência da disponibilidade de uma
grande quantidade de dados simultâneos. Com isso temos, de um lado,
a possibilidade de inseri-los em uma análise sistemática, mas, de outro,
corremos o risco de nos perdermos, como diz Max Weber, na “infinidade
da diversidade” da realidade empírica.

18
Sobre as diferenças entre a percepção desses tipos de objetos e a de objetos temporais
(isto é, processos), ver: Husserl (1976, p. 382s.).

162
GABRIELE ROSENTHAL

Porém, analisando informações simultâneas, vemos surgir também


questões sobre os dados apreendidos – seja explícita ou implicitamente – pe-
los agentes nesse domínio – e em qual sequência – e que demonstraram ser
relevantes no contexto de interação.19 Contudo, essas questões não podem ser
respondidas antes de terminada a análise do curso de interação, mas apenas
depois da realização de análises sequenciais posteriores; temos de partir do
princípio de que fenômenos relevantes para o agente não serão diretamente
identificados pelos observadores (KNOBLAUCH, 2004, p. 135). Tampouco, po-
demos perder de vista o fato de que essa problemática relativa à análise está
em correspondência direta a processos de percepção próprios ao cotidiano.
Em – e com – cada instante temos acesso visual a uma grande quantidade
de impressões; e determinamos, entre essas, aquelas que ocuparão o centro
da nossa atenção, assim como aquelas que são tematicamente copresentes
e as que pertencerão à “margem” não tematizada. O domínio daquilo que
constitui o tema varia de acordo com a modificação do grau de atenção. Ao
contrário das impressões sensíveis surgidas sequencialmente, informações
surgindo simultaneamente acabam por exigir de nós que determinemos quais
serão tematizadas primeiro, o que leva, assim, à estruturação sequencial da
percepção. Aquele que apreende produz, ele mesmo, em correspondência
ao curso temporal da percepção, sequencialidade; objetos espaciais não dão
origem, sozinhos, a sequencializações. Isso não significa, todavia, que os
objetos, em sua configuração, não trazem consigo ou não exibem nenhum
tipo de relação com determinada apreensão. O espaço dado à percepção já
oferece uma estruturação e condiciona o tipo de atenção. Em contrapartida,
o caráter específico desse ato de atenção determina aquilo que é apreendido.
A diferença determinante, aqui, com relação à sequencialidade da fala ou da
ação – a qual se dá por si mesma – é o horizonte de possibilidade mais amplo
da sequencialidade específica, que responde pela origem de objetos simulta-
neamente dados em si, e isso a partir da sequência da apreensão, e que torna
a análise ainda mais complexa.

19
Temos consciência de que impressões sensíveis olfativas também determinam a percep-
ção de um domínio de ação e são sempre copresentes. O registro de “dados olfativos”, porém,
ainda não é realizável. Por essa razão, não podemos inserir sistematicamente sensações desse
tipo na análise interativa, senão apenas “indiretamente”, caso, por exemplo, os agentes se ex-
pressem explicitamente (verbal ou corporalmente) sobre eles. O mesmo vale para percepções
que tenham origem no tato, embora aqui o caminho “indireto” pareça ser mais curto, já que no
vídeo é possível, em geral, tomar nota daquilo que os agentes tateiam – o que facilita, na análi-
se, que consideremos a relevância desses pequenos atos para a constituição do curso da ação.

163
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Outra dificuldade encontrada na análise de cenas videografadas, e que


também deve tomar forma no passo seguinte da produção e da análise de
script, tem origem na possibilidade de investigar detalhadamente as formas
corporais de expressão dos atores e seu papel no processo interacional.20
Aqui, os problemas já surgem no nível da descrição da mímica observada,
dos sinais corporais não intencionados e das mensagens sonoras não ver-
bais, isto é, no nível da “tradução” das formas de expressão corporal em
linguagem, nível esse anterior ao da formulação explícita de hipóteses. Aqui
surge também a questão sobre como interpretar formas de expressão não
linguísticas, mas consideradas em relação com a palavra falada. Pode-se,
de fato, objetar que essa questão se baseia em uma concepção dualista
de formas de expressão – linguísticas e não verbais – e que o fundamento
da interpretação deve ser buscado, antes, na expressão tomada em sua
forma integral, cuja apreensão é constituída, implícita e explicitamente,
por todas as informações que venham a ser relevantes para cada um dos
pesquisadores. Tomemos como exemplo que não conseguimos acreditar,
ao observarmos uma interação médico-paciente, em um paciente que
assegura verbalmente ter parado de fumar há algumas semanas. Tendo
em vista tratar-se de uma análise sociológica, temos então que mostrar
como chegamos a essa ideia, temos que explicar nossa percepção, a nossa
apreensão. Isso exige que nos voltemos tanto para a fala quanto para os
gestos corporais. Para sustentar a plausibilidade da nossa impressão ou
interpretação, poderíamos, no caso, chamar a atenção para o fato, por
exemplo, de que o paciente, durante a ação em que assegura ter conseguido
parar de fumar, evita o contato visual com o médico, ao mesmo tempo em
que rói as unhas de seus dedos amarelados. Aqui fica claro que, além da
construção cognitiva e da mensagem falada do paciente, relativas à sua
afirmação de ter parado de fumar, se faz notar, em nível corporal, um con-
sumo talvez reduzido, mas ainda assim efetivo, de cigarros. Esse processo
– perceber algo de destoante e depois buscar indícios daquilo que destoa
ou para a interpretação – corresponde à forma comum da apreensão no
mundo cotidiano. No cotidiano, como nesse exemplo, aquilo que em geral
vem a ser objeto da interpretação só se torna consciente quando assume
o caráter de “problema”, quando não é apreendido como algo rotineiro. “A

20
O papel da comunicação não verbal no curso de interação exige maiores reflexões que
não temos como tratar nesse contexto. Em breve esperamos poder aprimorar o instrumento de
análise, justamente para esse fim.

164
GABRIELE ROSENTHAL

maioria das nossas interpretações ocorre, porém, sem estarmos atentos


a elas, enquanto rotina, sob o plano de fundo [...] de um saber implícito a
respeito do que deve ser realizado e do que, agora, em ato, é” (SOEFFNER,
1989, p. 74). Análises sociológicas que, para chegar a conclusões, optam
por proceder de acordo com o método abdutivo (PEIRCE, 1980) buscam,
ao contrário, em um primeiro passo, chegar a todas as hipóteses possíveis
em determinado momento da interpretação, e isso a partir de um fenôme-
no empiricamente observável – em especial a partir dos fenômenos que
a princípio não se mostram relevantes. Isso significa que a formação de
hipóteses corresponde justamente a colocar em questão aquilo que, face
à percepção, não surge como problema.

ANÁLISE GLOBAL DO PROCESSO INTEGRAL DE INTERAÇÃO


(ANÁLISE DE SCRIPT)

No terceiro passo do procedimento, nos voltamos ao processo mesmo


da interação, tomado integralmente. Produz-se primeiro um script – con-
trastando, aqui, com a produção de “partituras” (score, em inglês) proposta
por Bergmann, Luckmann e Soeffner (LUCKMANN, 2006, p. 33), sobre a
qual Raab e Tänzler (2006) se baseiam – de seu curso total, um registro
não apenas das “cenas-chave”. Com o script, passamos, assim, de um
nível microscópico para o nível mesoscópico – a escrita de uma partitura
corresponde, a título de comparação, a uma microanálise.
Ao contrário do método da análise detalhada, são analisadas, aqui, sequ-
ências mais longas. Nessa fase da análise dos dados, buscamos reconstruir
a forma sequencial toda, a estrutura processual de uma interação, e isso
do início ao fim da interação, do encontro. Com esse método pragmático de
uma análise sequencial “global” ou geral, torna-se mais fácil reconstruir e
também ter uma visão mais abrangente de todo o curso interacional. Além
disso, podemos indicar, nesse passo da análise de dados, as sequências a
partir das quais é possível verificar hipóteses formuladas durante a aná-
lise da sequência de abertura e que, por essa razão, constituirão objeto
da análise detalhada na fase seguinte.

165
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

No script descrevemos, então, os dados sonoros. Aquilo que não é pos-


sível apreender pela escuta e as formas de expressão não percebidas por
essa via, como sinais e movimentos corporais, devem ser parafraseados.21
Com o exemplo a seguir, um registro retirado do estudo sobre intera-
ção médico-paciente, ficará claro o quanto de conteúdo informativo deve
constar no script e o quanto detalhada ou ainda resumida essa informação
deve ser:
Sala de consultas vazia, lâmpadas são acesas
F: Olá, Sr. Vogel (1) Pode entrar (1) o rapaz tem ainda que fazer uns
exames assim o senhor não precisa esperar mais
V: por mim
F: pois então pois (4).
Os dois entram na sala, primeiro o paciente (cerca de 50 anos de ida-
de, 1,8m de altura, magro, barriga um pouco saliente, cabelos bem curtos,
de óculos, roupa casual, jeans, tênis preto e um pulôver escuro), depois a
médica, explicando que está encaixando a consulta dele naquele horário.
Ela vai até a janela, que é então aberta ou fechada. O paciente se senta
numa cadeira, olha rapidamente para a câmera e depois observa o que a
médica faz na janela.
F. Já já começamos (2) vou abrir aqui a janela rapidinho pronto acho
que já tínhamos conversado sobre os resultados laboratoriais (3).
A médica aproxima sua cadeira à mesa, colocando-se bem próxima a ela.
Ela abre os protocolos e pega um lápis com a mão direita. O paciente está
recostado na cadeira, tem as mãos sobre a barriga e as pernas esticadas.
Apenas um calcanhar toca o chão, com uma perna sobre a outra.
V: Sim agora esses leucócitos estão altos.
O paciente move a cabeça rapidamente em direção à câmera, mas em
seguida volta o olhar para a médica
F: É 18900
Como todo tipo de tradução ou revisão, a escrita do script altera, de
certa forma, a configuração dos dados apreendidos. Com ela já ocorre uma
interpretação bastante importante. Mesmo com as paráfrases, apenas
uma alternativa referente às formas de expressão não apreendidas pela

21
O ambiente físico da interação – o espaço de interação – não deve ser descrito aqui por
já ter sido interpretado, tanto na análise contextual quando na análise detalhada da sequência
de abertura.

166
GABRIELE ROSENTHAL

escuta pode ser rejeitada. Além disso, com o script é “produzida” uma se-
quencialidade totalmente diversa tanto do fluxo das informações visuais
da gravação em vídeo quanto da sequência de percepções dos agentes na
situação, e que é concretizada quando ordenamos sequencialmente – e em
registro escrito (ou verbal) – movimentos simultâneos e objetos espaciais
que sejam a um só tempo apreensíveis.
Mas quais são as implicações metodológicas dessas reflexões? Não há
dúvidas de que o “valor” do script e de sua análise cresce na medida em
que trabalhamos na interpretação e também recorremos às gravações
audiovisuais – o que é comum nesse passo da análise. Na interpretação
em grupo é possível, a partir de seu contraste com registros em vídeo,
refletir criticamente sobre o script.

ANÁLISE DETALHADA DE OUTRAS SEQUÊNCIAS

Como mencionado anteriormente, o quarto passo da análise de da-


dos está diretamente baseado no terceiro: de acordo com o princípio da
exclusão, outras sequências do material são analisadas detalhadamente
a partir das hipóteses (estruturais) formuladas até ali, para que, assim,
possamos eventualmente verificar as hipóteses disponíveis ou descobrir
novas interpretações possíveis. Com esse objetivo, vamos então ao ma-
terial, sempre buscando identificar sequências que, consideradas super-
ficialmente, pareçam sustentar ou rejeitar as suposições formuladas, ou
que tragam novos elementos à análise.
Os resultados desse passo da análise de dados, uma vez concluído,
podem, assim, de um lado, sustentar as conclusões às quais chegamos,
mas também, por outro lado, nos obrigar a rejeitá-las. No último caso, a
fim de esclarecer a questão, teremos que realizar outras análises deta-
lhadas e, eventualmente, nos voltar mais uma vez, mas de forma crítica,
à análise de script a fim de identificar possíveis modificações estruturais
no curso interacional.

167
5

DA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA À
ENTREVISTA NARRATIVA

5.1 INTRODUÇÃO

Em quase todo o mundo, a entrevista aberta – que, como mostrado no


capítulo anterior, cumpre papel determinante na pesquisa de campo1 – é o
instrumento de levantamento de dados mais utilizado nas diversas disciplinas
das ciências sociais. No ano de 1986, de acordo com Charles Briggs, 90%
de todas as pesquisas sociológicas foram feitas com base em entrevistas.
David Silvermann (1993, p. 19) fala até mesmo de “interview society” (“so-
ciedade de entrevista”), fazendo referência ao significado que as entrevistas
parecem ter assumido no nosso dia a dia. Nos mais diversos domínios da
sociedade e meios de comunicação, é quase sempre com perguntas que se
chega à informação; entrevistas também são realizadas como forma de
entretenimento, em talk shows ou em entrevistas com personalidades. Por
essa razão, a maioria das pessoas que vivem em sociedades modernas tem
uma ideia mais ou menos clara do modo como entrevistas são realizadas,
ou sobre o que em determinada situação pode ser perguntado ou não.
Diferente da observação, a entrevista exige do cientista social pouco
emocionalmente e também muito menos tempo. Entrevistadores perma-
necem menos em campo – podem deixá-lo assim que já tiverem feito suas
perguntas. A entrevista também pode ser gravada em áudio ou em vídeo,
o que permite, sem maiores complicações, registrar os dados obtidos
através delas (BERGMANN, 1985).
Se na pesquisa social interpretativa as entrevistas abertas assumem
papel central, na pesquisa social tradicional elas são na maioria das vezes
aplicadas em estudos-piloto, costumam também estar voltadas à exploração

1
Sobre entrevista etnográfica na pesquisa de campo, ver: Spradley (1979).

169
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

de um tema com o objetivo de desenvolver questionários, ou servem, ainda,


como complemento a outras formas de levantamento de dados – por exemplo
no caso das entrevistas com especialistas dentro do campo em que a investi-
gação será realizada (como veremos mais adiante). A opção pelo uso de uma
forma de entrevista aberta revela o objetivo do pesquisador de apreender o
tema investigado desde o ponto de vista do entrevistado. A entrevista aberta
lhe ajuda a compreender e explicar o que está por trás de determinado ponto
de vista, como essa perspectiva do sujeito se desenvolveu ao longo de sua
vida ou, ainda, como ela continua a ser constituída no contexto da entrevista.
Na Alemanha, os diferentes métodos para a realização de entrevistas
abertas estão associados a um interesse, que surge com mais força nos anos
1970, nas implicações metodológicas da sociologia compreensiva ou interpre-
tativa. À época, além dos estudos empíricos e metodológicos desenvolvidos
pelo Grupo de Trabalho dos Sociólogos de Bielefeld, a comunidade sociológica
assistiu a importantes debates e grandes discussões – como mostram, por
exemplo, os estudos de Christel Hopf (1978) e de Martin Kohli (1976; 1978)
–, além de argumentações a favor da entrevista aberta e de uma aplicação
sistemática do princípio da abertura. Também em meados dos anos 1970, Fritz
Schütze – também membro do Grupo de Trabalho dos Sociólogos de Bielefeld
– trouxe com a entrevista narrativa uma técnica segura e bem elaborada
para a realização de entrevistas abertas, aplicada, hoje, não apenas pelos
assistentes de Schütze, mas no mundo todo, como instrumento da pesquisa
social interpretativa e em especial da pesquisa sociológica biográfica. É nela
que vemos o “princípio da abertura” ser aplicado da maneira mais sistemáti-
ca, tanto na realização da entrevista quanto nas diversas formas de análise
de dados. Ademais, sua metodologia pode ser facilmente aplicada em outros
tipos de entrevista, como a entrevista focada. Mais adiante (subcapítulo 5.3),
abordaremos mais detalhadamente o uso dessa técnica em combinação com
a pesquisa biográfica e outros contextos de estudos, como, por exemplo, o da
entrevista com especialistas. Primeiro, é importante ter claro o significado do
conceito de “abertura” quando associado a entrevistas e também as formas
de entrevistas que podem ser consideradas abertas.

5.2 TRABALHANDO EM UM PROCEDIMENTO ABERTO QUE TOMA O


ENTREVISTADO COMO REFERÊNCIA

Uma entrevista considerada “aberta” se caracteriza pelo fato de nela


ser permitido ao entrevistado assumir papel mais ativo – ao contrário

170
GABRIELE ROSENTHAL

do que ocorre quando aplicamos um questionário ou em uma entrevis-


ta estruturada. Enquanto que, na forma tradicional de entrevista, as
questões, pré-formuladas, são feitas respeitando uma ordem específica,
a entrevista aberta toma o relato do entrevistado como referência. Ao
contrário de procedimentos mais comuns, a pesquisa social interpreta-
tiva não enxerga na interação entre entrevistado e entrevistador alguma
espécie de ruído, mas, sim, um elemento determinante do processo de
pesquisa (ver subcapítulo 2.2). A partir de uma perspectiva construtivista,
a entrevista não é vista como forma de se obter informações de maneira
simples, mas, sim, como modo de produção coletiva de realidade social
pelos entrevistados com o entrevistador. James A. Holstein e Jaber F.
Gubrium (1995) fazem, por exemplo, referência a uma “entrevista ativa”,
na qual todo significado é produzido em conjunto, na interação. Eles
mostram claramente que a entrevista não deve ser considerada “enca-
namento” para uma espécie de drenagem direta de saber disponível – a
partir de perguntas consideradas “adequadas” –, tendo em vista que em
cada entrevista se produz uma forma específica de relação social entre
entrevistado e entrevistador. A entrevista aberta ou ativa nos permite,
antes, evidenciar os processos interativos da produção de significado e
de conhecimento (p. 3). Assim, quanto mais aberta a realização da en-
trevista, maior a chance de tornar esses processos transparentes. Vale
como regra que, quanto menor o grau de padronização, quanto menos
inflexível, portanto, a estrutura determinada pelo entrevistador para a
entrevista antes de sua realização, mais facilmente identificáveis serão
os processos interacionais que definem a situação, o enquadramento, e
maior será o campo de ação dos entrevistados para expor suas perspec-
tivas. Christel Hopf caracteriza as possibilidades da entrevista aberta
da seguinte forma:

Tendo em vista a possibilidade de se ter acesso, de forma aber-


ta, a interpretações situacionais e a motivos que determinam
a ação, de se chegar, de forma diferenciada, também aberta, a
teorizações sobre o cotidiano e a interpretações de vivências
próprias, e tendo em vista a chance do entendimento discursi-
vo sobre interpretações, pode-se dizer que com as entrevistas
abertas, ainda que em parte padronizadas, são grandes as pos-
sibilidades de vermos aplicadas empiricamente, na sociologia
e na psicologia, concepções oriundas da teoria da ação (HOPF,
2000a, p. 350).

171
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Sobre o significado preciso de “entrevista aberta”, ou então sobre a


dimensão dessa abertura, há um debate bastante amplo – do nosso ponto
de vista, atualmente já superado quando o assunto é o desenvolvimento de
um método para a geração de hipóteses. Em entrevistas que, ao contrário
da variação narrativa desse tipo de levantamento, trabalham com roteiros
predeterminados, o pesquisador costuma lidar com as seguintes questões:

• Até que ponto as perguntas já devem estar todas formuladas


em um roteiro?

• Basta fazer uma lista de palavras-chave referentes aos temas


que serão abordados ao longo da entrevista?

• As perguntas devem ser feitas sempre seguindo a mesma ordem?

• Devemos fazer para cada entrevistado todas as perguntas que


constam no roteiro?

Essas questões sobre o desenvolvimento de um roteiro de entrevista


revelam como o pesquisador ainda se orienta pelos critérios de qualidade
de uma entrevista estruturada e pela verificação de suposições formuladas
anteriormente, ou, dito de outra forma, pelo teste de hipóteses. Um catá-
logo temático para roteiros só poderá ser criado, consequentemente, caso
o pesquisador disponha de hipóteses tematicamente relevantes. A opção
por uma entrevista estruturada pressupõe, assim, tanto reflexões teóricas
quanto um conhecimento prévio a respeito do campo a ser pesquisado.
Essa ideia é acentuada por Barbara Friebertshäuser da seguinte forma:
“Apenas com base em conhecimento fundamentado, teórico ou empírico,
é possível formular questões para o roteiro” (1997a, p. 376).
Roteiros são úteis em um procedimento de verificação de hipóteses
no qual ainda seja possível realizar modificações nas hipóteses. Contudo,
na maioria das vezes, teorias sobre o desenvolvimento de roteiros no
contexto de uma investigação de tipo “aberto” partem da ideia de que a
todos os entrevistados devem ser feitas as mesmas perguntas, respeitan-
do também a mesma sequência, para que assim todos recebam estímulo
igual e seja possível posteriormente comparar as entrevistas. Nessa ideia
está implícita a hipótese de que as perguntas correspondem a estímulos
invariáveis, que os indivíduos interpretam símbolos linguísticos, quando

172
GABRIELE ROSENTHAL

corretamente formulados, de modo mais ou menos uniforme. Porém, o fato


é que a atribuição de significados parte das perspectivas de cada sujeito,
as quais têm origem na interação, tanto em processos biográficos quanto
na própria entrevista (ver subcapítulo 2.2). A mesma questão pode, assim,
para os diversos entrevistados ou para uma única pessoa, em diferentes
contextos de vida e de entrevista, assumir significados totalmente díspa-
res. Nos anos 1970, em seu artigo “Método e medição na sociologia”2, de
grande influência sobre discussões metodológicas, Aaron Cicourel abordou
esse problema em detalhes, chegando à conclusão de que só podemos en-
contrar invariáveis ou constâncias se darmos aos entrevistados diferentes
“stimuli” de mesmo significado:

[...] os mesmos stimuli, utilizados para produzir em um sujeito


uma experiência ou uma consciência relativa a algum objeto,
não causarão necessariamente a mesma experiência e a mesma
consciência em outro indivíduo. Por isso, não é o caso que di-
ferentes respostas relativas a stimuli idênticos possam revelar
necessariamente a natureza da invariabilidade objetiva. Do
mesmo modo, é possível chegar a alguma constância, é possí-
vel atribuir significados iguais, sempre que forem oferecidos
diferentes stimuli às pessoas que participam do experimento
(CICOUREL, 1970, p. 310-311).

Realizar entrevistas abertas de maneira consistente implica tomar como


referência os códigos linguísticos dos entrevistados e a sequência, o curso
da conversa, ao colocar as perguntas. Ao contrário do que ocorre em uma
entrevista tradicional ou quando pretendemos aplicar um questionário,
não é necessário, aqui, pensar em um modo de apreender, com o relato,
determinados fenômenos em sua forma constante, invariável. Se alguém
que tenha vivenciado a Segunda Guerra Mundial se refere, por exemplo, ao
“colapso de 1945”, outro ao “fim da guerra”, outro à “libertação”, podemos
nos apropriar, enquanto entrevistadores, para as perguntas seguintes,
dessas referências, que correspondem a leituras bastante diversas desse
período histórico. Estruturar o curso da entrevista tomando o entrevistado
como referência, em contraste com alguma listagem de temas feita de an-
temão, significa se deixar levar pela sequência temática espontaneamente
proposta pelo entrevistado, significa respeitar mudanças repentinas de

2
Originalmente publicado em inglês em 1964.

173
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

assunto e também de ritmo, mesmo quando isso a princípio não parecer


plausível a nós enquanto entrevistadores. Se, por exemplo, uma entrevistada
de origem libanesa, em uma entrevista sobre os acontecimentos de 11 de
setembro de 2001, passa da descrição da experiência de assistir à queda
das torres gêmeas pela televisão direto para um relato da sua vivência
de guerra no Líbano, respeitar o princípio da abertura significaria, aqui,
lhe indagar sobre essas vivências do conflito, ainda que, eventualmente,
experiências de guerra não tenham necessariamente que ser tematizadas
em entrevistas posteriores.
Quanto mais rígido o roteiro da entrevista, mais difícil será abandonar a
sequência planejada, mais problemático será desistir de aplicar um ou outro
recurso previamente escolhido, ou então deixar de abordar todos aqueles
campos temáticos considerados relevantes para o contexto. Christel Hopf
(1978) fala, a esse respeito, da “burocracia” do roteiro e deixa claro que o
roteiro traz consigo o risco de fazer com que os entrevistadores se sintam
obrigados a cobrir todos os temas propostos, impedindo, com isso, que se
aprofundem na questão. Ela propõe, em contrapartida, maior flexibilidade
para os entrevistadores, ou seja, que eventualmente desviem do roteiro
e, dependendo do rumo da conversa, que abordem temas originalmente
ausentes no planejamento. Acreditamos que, se quisermos desenvolver um
método voltado à formulação de hipóteses e de teorias relativas ao objeto,
devemos renunciar à criação mesma de roteiros e escolher uma forma
de entrevista que exija o mínimo de planejamento, realizada a partir do
menor número possível de propostas temáticas e de questões pensadas
de antemão, uma entrevista na qual, antes, tome-se como referência so-
bretudo a estruturação do fluxo dos relatos pelo entrevistado. A tarefa do
entrevistador é explicar as atribuições de sentido ou interpretações, as
relevâncias e as experiências do falante. Nesse contexto, será de grande
ajuda que o pesquisador tente assumir a perspectiva de um estranho e de
alguém que não se dê rapidamente por satisfeito com determinadas respos-
tas – ou abordagens de temas –, ainda que essas lhe pareçam plausíveis,
mas busque esclarecer e aprofundar, antes, o significado de determinadas
declarações, com perguntas que foquem aspectos específicos, ou então
motivando o entrevistado a ser mais preciso, inclusive através de gestos
ou se mostrando disposto a ouvir tudo o que ele tem a dizer.
Precisamos, portanto, de uma forma de realizar entrevistas que permita
“evidenciar, e da maneira mais clara possível, a estrutura fundamental
do contexto e as perspectivas daqueles que participam da entrevista – ou

174
GABRIELE ROSENTHAL

então possibilitar essa evidenciação –, de modo a inseri-la na interpretação


de dados, a tornar possível avaliar o que a entrevista, em cada caso, re-
presenta” (KOHLI, 1978, p. 6). Quando nos voltamos à literatura disponível
sobre o procedimento da entrevista aberta ou sobre estudos empíricos que
lançam mão do recurso, dificilmente encontramos técnicas ou questões
sistematicamente desenvolvidas e teoricamente fundadas sobre a realização
de entrevistas, à exceção da entrevista narrativa e da centrada no falante
(ROGERS, 1951) – essa de orientação psicoanalítica e que se apropria de
cenários característicos da clínica. A ideia de que perguntas não devem
ser muito complexas ou muito longas, e que devem ter como referência a
linguagem cotidiana do entrevistado, não é própria a uma forma especí-
fica da realização de entrevistas, tampouco a alguma teoria. Além disso,
ainda que alguns proponham perguntas abertas, as quais, ao contrário
das perguntas fechadas, jamais darão origem a respostas do tipo “eu sou
a favor [ou contra] a pena de morte” (LAMNEK, 1995, II, p. 58-59), os au-
tores raramente oferecem indicações sobre os princípios de acordo com
os quais essas perguntas devam ser formuladas. Tomando um exemplo
empírico como referência, Siegfried Lamnek (1995, p. 58-59) formula para
seu estudo a questão “qual a sua opinião a respeito da pena de morte?”,
considerando-a como de caráter aberto. De fato, em suas reflexões, ele
expõe claramente o modo com que, para ele, questões fechadas devam ser
formuladas, mas suas instruções sobre a realização de entrevistas abertas
são apenas vagas e – como mostra o exemplo da pergunta “aberta” aqui
citada – pouco convincentes, uma vez que essas questões não chegam a
permitir respostas mais longas e estruturadas com alguma autonomia.
Utilizando um roteiro que incluísse questões “abertas” semelhantes à
citada – que poderia ter como resposta, por exemplo, um simples “acho
errado” –, estaríamos totalmente dependentes do nosso conhecimento
geral, se quiséssemos, no contexto da entrevista, nos aprofundar mais a
respeito de algum tema.
Simplesmente afirmar, em um estudo empírico, que o trabalho foi
desenvolvido a partir de entrevistas ou de roteiros “abertos” não oferece
nenhuma indicação a respeito de qual técnica foi aplicada. Além disso, é
comum que as técnicas aplicadas nessas entrevistas tenham sido adquiridas
pelos pesquisadores em seu cotidiano de trabalho, em seu contexto acadê-
mico ou disciplinar. Ao longo de todos esses anos ministrando seminários
sobre entrevistas, nos mais diversos contextos, chegamos à conclusão
de que os entrevistadores em geral têm pouca consciência a respeito da

175
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

técnica utilizada e quase sempre recorrem às mesmas possibilidades de


se colocar uma questão – assumindo com frequência a mesma postura. Se
historiadores tendem, por exemplo, em entrevistas de relato biográfico,
a fazer perguntas sobre os “fatos” tal como ocorridos à época dos acon-
tecimentos (“quando foi isso?”) ou então sobre a denominação exata do
local em que as vivências tiveram lugar, psicólogos costumam voltar suas
atenções para o domínio das sensações (“como você se sentiu à época?”),
enquanto que, os sociólogos, para o das razões (“por que você tomou essa
decisão?” ou “por que você agiu dessa forma?”).

5.3 DIFERENTES VARIANTES DE UM PROCEDIMENTO


PARCIALMENTE ABERTO

As várias formas da entrevista aberta, tal como apresentadas, por


exemplo, por Christel Hopf (2000a) em um manual3, diferem-se umas das
outras sobretudo em relação aos princípios que orientam os primeiros
passos da conversa. Além da entrevista narrativa, cuja questão inicial visa
obter relatos como resposta, e da entrevista clínica, realizada de forma
diferente dependendo da terapia, Christel Hopf analisa também a entre-
vista focalizada, na qual o objeto temático é apresentado já de início, e a
entrevista de estrutura ou de impasse, desenvolvida tomando como ponto
de partida uma situação de conflito moral. Nelas, sequências da conversa
podem ser determinadas diretamente pelos entrevistados. Além disso,
outras técnicas podem ser aplicadas durante a entrevista, para além das
técnicas originalmente pensadas pelos pesquisadores, como a técnica
narrativa – com a qual esses tipos de entrevista, portanto, também po-
dem ser combinados. Antes de a abordarmos, tracemos em linhas gerais
a entrevista focalizada, a entrevista de estrutura ou de impasse, assim
como a entrevista com especialistas – cujas técnicas também podem ser
aplicadas com a narrativa.
A entrevista focalizada. Esse tipo de entrevista foi desenvolvido na dé-
cada de 1940 por Robert Merton e Patricia Kendall (MERTON; KENDALL,
1979; MERTON et al., 1956) para análises de propaganda em uma pesquisa
em comunicação. A particularidade desse procedimento, aplicado de início

3
Para um panorama semelhante, ver Flick (1995, p. 94s.), Friebertshäuser (1997a) ou
Lamnek (1995, II, p. 35s.).

176
GABRIELE ROSENTHAL

em entrevistas em grupo, embora também adequado para entrevistas indi-


viduais, é que, nele, todos os entrevistados, de acordo com Merton e Kendall
(1979, p. 171), devem ter “vivenciado uma situação bastante concreta”, seja
um filme a que tenham assistido, um artigo de jornal ou outro texto que
tenham lido, ou então um programa de rádio que tenham escutado. Isto é,
a entrevista focalizada tem como objetivo fazer um levantamento, a partir
de um processo a princípio aberto, das reações e das interpretações de um
fenômeno vivenciado por todos. Para Merton e Kendall (1979, p. 171), era
de grande importância que as regras da realização desse tipo de entrevista
possibilitassem a princípio uma análise de dados voltada a conteúdos; uma
análise de dados que desse origem a uma “série de hipóteses sobre o signi-
ficado e os efeitos de determinados aspectos dessa situação”, hipóteses que
pudessem ser usadas no desenvolvimento de um roteiro para a entrevista.
Enquanto procedimento relativamente aberto que também possibilita a
abordagem de situações longe de serem predeterminadas, esse método
tem por objetivo “tornar possível apreender reações não antecipadas e
tomá-las como motivo para o desenvolvimento de novas hipóteses” (p.
172). Merton e Kendall lançaram mão em seus estudos de perguntas tanto
integral como parcialmente estruturadas, ou mesmo “não estruturadas” –
as quais ofereciam aos entrevistados a oportunidade de fazer referência
a todos os aspectos possíveis dos “stimuli” dados. Exemplos de questões
não estruturadas são: “o que mais lhe impressiona nesse filme?” ou “o que
mais lhe chama a atenção nele?” (p. 180). Como exemplo de uma pergunta
estruturada, podemos citar: “Você acha, fazendo uma avaliação do filme,
que o equipamento utilizado pelos soldados alemães parece ser melhor,
pior ou igual ao dos americanos?” (p. 181).
O procedimento utilizado por Merton e Kendall se caracteriza, as-
sim, por um meio-termo entre os métodos de verificação e de geração de
hipóteses. Sem dúvida, os autores levantam a possibilidade de o roteiro
acabar funcionando como uma camisa de força, mas afirmam também
sua importância para a posterior comparação das entrevistas, para que
os “mesmos pontos de referência sejam abordados” (p. 184).
Hoje, a entrevista focalizada é aplicada, de acordo com métodos mais
ou menos sistemáticos, em diversas correntes e em diferentes campos de
pesquisa, como, por exemplo, em estudos sobre mídias e na análise de da-
dos sobre o comportamento de leitores (PETTE, 2001). Heide Appelsmeyer
(1996), em sua análise comparativa de construções biográficas e ficcionais
de figuras femininas em idade mais avançada, entregou às entrevistadas

177
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

no segundo dia – à sequência de uma entrevista narrativa biográfica –


uma obra literária – “Duas mulheres no espelho”, de Gabriele Wohnmann.
Sobre o procedimento, afirma ela: “Geralmente iniciamos a entrevista com
a pergunta: ‘Senhora X, o que foi possível extrair do texto?’. A questão
tinha como objetivo abordar os diferentes aspectos da vivência da leitura
do material” (APPELSMEYER, 1996, p. 126).
Christel Hopf e seus assistentes aplicaram o método da entrevista
focalizada em um projeto de pesquisa sobre o significado subjetivo, da
perspectiva de jovens, de representações cinematográficas da violência
(HOPF, 2000a; 2001). O procedimento aberto também permitiu aos jovens
expressar experiências de violência próprias. Além disso, foram realizadas,
no segundo dia, entrevistas de relato biográfico, com “roteiros de aplica-
ção flexível”, voltadas para o contato dos jovens com produtos midiáticos.
Entrevista de estrutura ou de impasse. Um procedimento semelhante –
considerando princípios comuns – é possível ser encontrado na entrevista
de impasse ou de estrutura, na qual estórias de situações de conflito moral
são apresentadas aos entrevistados, solicitando a eles, em seguida, que
assumam posição com relação ao enredo, justificando sua perspectiva, ou
então que contem como se comportariam em situação semelhante.
Embora esse procedimento, desenvolvido na tradição de Piaget e
Kohlberg e voltado à apreensão de avaliações morais, seja com frequência
aplicado de acordo com roteiros relativamente padronizados, nada impede
que esse tipo de entrevista também seja realizada com mais abertura e
que possa ser adaptada a outras questões (AUFENANGER, 1991; DÖBERT;
NUNNER-WINKLER, 1983; HOPF et al., 1995; LITVAK-HIRSCH et al., 2003;
NUNNER-WINKLER, 1989; SCHUHLER, 1979). Se esse procedimento
tradicionalmente permite abordar dilemas que pouco têm a ver com o dia
a dia dos entrevistados – como: “Heinz assalta uma farmácia e rouba um
medicamento contra câncer do qual sua mulher precisa e que não podem
pagar” (ECKENSBERGER et al., 1975) –, a abertura possibilita a análise de
situações de conflito que são vivenciadas cotidianamente pelos próprios
entrevistados. Christel Hopf e seus assistentes utilizam em sua pesquisa
sobre homens jovens de extrema-direita (1995) relatos sobre a observância
de normas morais no cotidiano da juventude. Stefan Aufenanger (1991),
em suas entrevistas com professores do Ensino Médio, busca trabalhar
situações do cotidiano escolar. Litvak-Hirsch et al. (2003) trouxeram para
as entrevistas com judeus israelenses e palestinos dilemas morais sobre o
conflito entre ambos os grupos. Em nossa pesquisa sobre comportamen-

178
GABRIELE ROSENTHAL

to altruísta em alunos do ensino secundário, na qual trabalhamos com


uma situação específica do cotidiano de um jovem (SCHUHLER, 1979;
ROSENTHAL, 1981), após realizarmos apenas entrevistas abertas em
que questionamos os alunos sobre situações de conflito vivenciadas na
escola, levantamos um impasse, um dilema; pedimos aos entrevistados
que se colocassem na seguinte situação, no seguinte conflito de escolhas:

Imagine o seguinte: um de seus colegas de classe costuma tirar


notas bem ruins em matemática. No último dia de provas do
ano letivo ele se senta ao seu lado e pede cola. Você aceita e
lhe passa as soluções dos problemas. Mas ele acaba se equivo-
cando. No espaço destinado ao desenvolvimento da questão,
ele escreve alguns números errados. As respostas finais dos
problemas, porém, são copiadas por ele corretamente, o que
leva o professor a crer que ele tenha colado. Seu colega recebe
um zero e acaba sendo reprovado, como esperado. Em uma
última tentativa de resolver a situação, ele lhe pede que tente
convencer o professor dando palavra de honra de que você
não deu cola, de que seu colega fez todos os exercícios sozinho
(ROSENTHAL, 1981, p. 336).

Damos início à entrevista com as seguintes perguntas: “O que você


acha dessa estória?” e “O que você faria nessa situação?” Aos alunos era
também sempre solicitado que justificassem suas opiniões, suas decisões.
Entrevista com especialistas. Na literatura disponível ainda não é pos-
sível encontrar consenso quando o assunto é entrevista com especialistas,
seja em relação ao modo como ela deve ser realizada, seja a respeito de
seu significado enquanto método. Há também muita divergência quanto
à definição de “especialista”. Para a realização desse tipo de entrevista,
costumam ser propostos desde procedimentos fechados até mesmo mé-
todos explicitamente abertos ou focados na narração de acontecimentos.
No debate sobre metodologia qualitativa, a entrevista com especialistas
assume papel apenas secundário, embora na sociologia das organiza-
ções, da indústria e da educação ela seja utilizada com mais frequência.
Contudo, nesses contextos, ela costuma servir como método de exploração
de campo, na busca por referências e com o objetivo de formular primeiras
hipóteses sobre o domínio a ser investigado (BOGNER; MENZ, 2002, p.
33). Na Alemanha, a entrevista aberta com especialistas já assume, po-
rém, em alguns estudos, papel central, como nas pesquisas desenvolvidas
por Michael Meuser e Ulrike Nagel (1991). Alexandre Bogner e Wolfgang

179
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Menz falam também, nesse contexto, de uma entrevista com especialis-


tas que sirva à geração de teorias, contrapondo-a tanto à entrevista com
especialistas voltada à sistematização quanto à voltada à exploração de
campo. Enquanto a primeira é útil sobretudo à coleta das informações
que compõem o estoque de conhecimento do entrevistado, a entrevista
com especialistas voltada à geração de hipóteses pode ser bem aplicada
na análise de esquemas de interpretação explícitos e implícitos que são
“desenvolvidos pelos especialistas em suas atividades e que exercem
papel constitutivo para o funcionamento de sistemas sociais” (BOGNER;
MENZ, 2002, p. 38).
Meuser e Nagel (1991, p. 443), em suas pesquisas, se limitam a ouvir
especialistas “que sejam, eles próprios, parte do campo de ação que cons-
titui o objeto de pesquisa”. Especialista é, para eles, “aquele que dispõe de
acesso privilegiado a informações sobre grupos de pessoas ou processos
de decisão” ou “aquele que, de alguma forma, é responsável pelo projeto,
pela implementação ou controle de uma solução para o problema” (p. 443).
Bogner e Menz (2002, p. 41) veem problemas nessa predefinição e sugerem,
antes, em uma abordagem característica da sociologia do conhecimento,
uma reconstrução empírica para se chegar à figura daquele que, no campo
interacional pesquisado, “carrega, de algum modo, a responsabilidade”
e aquele que – e a forma com que ele – dispõe “de um acesso privilegiado
a informações”. Para os autores, o especialista não é apenas aquele que
dispõe de saber específico, mas também um poder prático, isto é, alguém
a quem se oferece a chance de exercício de poder – um poder do qual
dispõe por causa de seu saber ou de sua posição em um campo social
específico. Geralmente, quando investigamos determinado espaço de in-
teração pela primeira vez, não dispomos de conhecimento suficiente para
fazer essa identificação. Por isso que chegar, através da reconstrução, à
figura de quem dispõe de estoque de conhecimento específico e que, por
essa razão, tem mais espaço para o exercício de poder do que outros – à
figura, portanto, de quem tem mais possibilidades de se impor em caso
de eventuais conflitos – é considerado até mesmo um dos objetivos do
estudo interpretativo.
Ulrike Froschauer e Manfred Lueger (2002) enxergam diferenças
entre as opiniões de especialistas dadas no interior de seus respectivos
campos de atuação e os relatos de especialistas de outros campos, mas
que “dispõem de conhecimento teórico fundamentado sobre o domínio
que constitui objeto de investigações, domínio esse que, sustentado por

180
GABRIELE ROSENTHAL

experiências secundárias e observações de segunda ordem, pode vir à


luz desde diferentes perspectivas, em seus diversos aspectos (intra ou
interdisciplinar)” (p. 228). Essa diferenciação mostra também que esse
tipo de avaliação por especialistas realizada em seus próprios campos
tem como objeto de interesse aquele conhecimento implícito, que apenas
com restrições pode ser explicitado, enquanto que o outro tipo de avalia-
ção privilegia o saber que pode ser explicitamente formulado. Assim, de
acordo com Froschauer e Lueger, é de fato possível encontrar relações
diretas entre diferentes métodos para a realização e também da análise de
entrevistas. Sempre que estivermos interessados nas avaliações de espe-
cialistas sobre assuntos relativos à sua área de atuação, o mais vantajoso
seria, para os autores, realizar entrevistas narrativas e uma interpretação
sequencial voltada à reconstrução; no caso de opiniões dadas com algum
distanciamento do campo investigado, recomenda-se, ao contrário, que se
trabalhe com entrevistas semiestruturadas e de acordo com um método
qualitativo para a análise de conteúdo (ver subcapítulo 7.2).
Embora suas investigações se refiram a avaliações de especialistas
do campo investigado, Meuser e Nagel buscam se distanciar, e de forma
veemente, de uma metodologia sequencial e voltada à reconstrução de
caso, além de não enxergarem as possibilidades da entrevista narrativa.
Enquanto Fritz Schütze, em uma pesquisa sobre a fusão de comunidades
nos anos 1970, debatia o uso de entrevistas com especialistas realizadas
de acordo com o método narrativo, Meuser e Nagel davam preferência à
entrevista semiestruturada e a uma forma de análise de conteúdo orien-
tada, como afirmam, pelos princípios desenvolvidos por Glaser e Strauss,
em que comparavam as declarações dos especialistas umas com as ou-
tras. Esse procedimento tem como base a ideia de que a entrevista com
especialistas se distingue de outros tipos de entrevistas abertas pelo fato
de seu objeto de interesse ser apenas o contexto institucional específico
no qual o entrevistado se encontra, e não a totalidade do seu campo de
experiência. O objeto da análise, segundo Meuser e Nagel, não é a “pessoa
integral”; antes, de acordo com os autores, constituem tema da entrevista
com especialistas “as tarefas, as atividades, as responsabilidades e as
experiências e os estoques de conhecimento adquiridos exclusivamente
a partir delas”, relativos à função do especialista (1991, p. 444). Partindo
dessa ideia, afirmam, não é o caso particular que configura o objeto de
interesse, mas, sim, o conhecimento compartilhado pelos especialistas.
Meuser e Nagel, sem abandonar essa perspectiva, não veem necessidade

181
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

de análises sequenciais, tampouco de uma transcrição detalhada da entre-


vista. Eles propõem apenas sua estruturação temática: “Diferentemente
da interpretação voltada para o caso particular, a análise da entrevista
com especialistas toma como referência unidades temáticas, passagens
que, ainda que dispersas no texto, tenham relações umas com as ou-
tras, isso do ponto de vista do conteúdo. Ela não toma como referência
a sequência das declarações em cada entrevista” (p. 453). Mas como o
pesquisador determina “aquelas que se relacionam umas com as outras
do ponto de vista do conteúdo”? Nas reflexões dos autores está implícita
a ideia de que, em relação a declarações de especialistas, o investigador
pode estipular o pertencimento das passagens a uma temática específica
ou mesmo determinar aquilo que será considerado tema. Dito de forma
um pouco mais crítica: eles partem do princípio de que, para decifrar os
significados das declarações dos especialistas, não é necessário seguir as
regras da interpretação hermenêutica. Ainda que seja possível entender
a opinião de que a história de vida do especialista tem pouca relevância
no contexto da investigação, ou de que cada especialista está distante
de configurar domínio de caso – afinal, o caso é o campo de interação –,
trata-se, a nosso ver, de uma rejeição precipitada do método reconstrutivo
e, sobretudo, do procedimento sequencial. Meuser e Nagel acabam, assim,
assumindo os pressupostos – questionáveis – de que a) o conhecimento
especializado que interessa aqui não remonta à pessoa concreta, e que
b) indivíduos e seus aspectos concretos não são componentes essenciais
do campo de interação que constitui objeto de interesse. Tomando como
referência o paradigma interpretativo, ambas as suposições são bastan-
te problemáticas (basta notar a importância do conhecimento implicado
nas atividades industriais, no setor de serviços, assim como nas relações
pessoais informais, e do saber relativo ao “carisma” e aos aspectos que
remontam, de forma semelhante, ao indivíduo concreto). Relatos feitos por
especialistas também têm relação com suas perspectivas particulares, e
essas devem ser reconstruídas – para que seja possível compreendê-las,
sobretudo no que diz respeito aos seus conteúdos latentes. Da mesma for-
ma, os significados das declarações, como os de outros materiais textuais,
devem ser decifrados considerando sua estrutura sequencial, a partir da
forma geral do texto – desde que não se pretenda subsumi-los em categorias
preexistentes, mas, sim, chegar a seu significado considerando o contexto
de surgimento. Ainda que em entrevistas com especialistas não se trate de
construir uma biografia do entrevistado, suas perspectivas a respeito do

182
GABRIELE ROSENTHAL

domínio de investigação – assim como o padrão seguido por sua atuação


dentro do campo em questão – têm como base suas experiências individuais
realizadas dentro e fora do espaço de interação que constitui objeto de
pesquisa. Até mesmo quando Meuser e Nagel defendem a “generalização
teórica de estruturas de saber e de ação correspondentes, de perspectivas
e princípios”, o que está pressuposto, ali, é a apreensão interpretativa dos
mesmos no contexto de experiência dos entrevistados, assim como no con-
texto de articulação que é a entrevista. Por essa razão, sugerimos, para a
reconstrução das vivências dos especialistas – como em outros contextos
de pesquisa –, a realização de entrevistas narrativas que estimulem o re-
lato de experiências próprias ao mesmo tempo em que ofereçam a chance
de descobrir os estoques de conhecimento implícitos, impossíveis de ser
diretamente problematizados (FROSCHAUER; LUEGER, 2002).
Como buscaremos mostrar a seguir, relatos de experiências próprias
nos oferecem, sobretudo, a possibilidade de reconstruir estoques de co-
nhecimento e perspectivas que têm ações como referência, assim como
sua gênese. Por essa razão, sugerimos que a pergunta inicial – a qual deve
motivar o relato de uma fase da vida específica (veja a seguir) – siga as
regras de uma entrevista narrativa que a todo o tempo instigue o relato
de acontecimentos vivenciados pelo entrevistado. Isso vale também para
as entrevistas com especialistas, considerados aqui agentes do campo
investigado, e para pesquisas que não têm a biografia do indivíduo como
domínio de caso, mas, sim, determinado espaço de interação ou um con-
texto institucional específico.

5.4 ENTREVISTA NARRATIVA E CONDUÇÃO DE ENTREVISTA


NARRATIVA

5.4.1 A ideia por trás da entrevista narrativa

O objetivo da entrevista narrativa é o registro de relatos mais longos e,


de uma forma geral, formulados autonomamente sobre histórias de vida ou
a respeito de determinada temática – como a história de um clube, da fusão
de duas comunidades –; relatos que, a princípio, podem ser desenvolvidos
sem maiores intervenções do entrevistador. Apenas na segunda parte da
entrevista, na qual buscamos confirmar passagens do relato ou nos apro-
fundar sobre algum assunto tratado, instigamos o entrevistado a falar mais

183
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

sobre temas já abordados. Na última fase da entrevista, propomos relatos


sobre aspectos ainda não mencionados até ali, mas que são de interesse
para os pesquisadores. Os pesquisadores devem, assim, em consonância
com o princípio da abertura, renunciar conscientemente ao levantamento
de dados conduzido por hipóteses e tomar como referência as concepções
cotidianas do entrevistado e suas relevâncias. O procedimento narrativo
oferece aos entrevistados a maior liberdade possível para a articulação
de suas próprias experiências e também para o desenvolvimento de um
ponto de vista sobre o tema abordado, sobre sua história de vida. Outro
objetivo de estimular narrações é possibilitar reproduzir cursos de ação.
Por julgar ser por meio de relatos que experiências são expressas da
forma mais convincente possível, Fritz Schütze (1976; 1977) se apropriou
de ideias oriundas da linguística e da pesquisa sobre narrativas – em
especial dos trabalhos de William Labov e Joshua Waletzki (1973) – e de-
senvolveu nos anos 1970 o instrumento da entrevista narrativa – em um
estudo sobre fusões de comunidades. Ele defendeu a aplicação da técnica
da entrevista narrativa também em pesquisas semelhantes, ou seja, estu-
dos de interações, com o objetivo de uma “comparação cruzada, que toma
os acontecimentos como referência”, entre os diversos relatos sobre um
contexto prático do qual os entrevistados participaram. Porém, diferente
de Meuser e Nagel, trata-se, aqui, a princípio, não de uma comparação
entre temas, mas da reconstrução da vivência de acontecimentos de todos
os entrevistados. Schütze propõe solicitar ao entrevistado que o relato
seja feito sempre considerando a sequência do conjunto de acontecimen-
tos. No estudo mencionado, essa vivência foi a da “disputa pelo nome da
localidade” na comunidade dos governantes entrevistados. A solicitação
da entrevista, formulada de acordo com a técnica da entrevista narrativa,
se deu da seguinte maneira:

Estamos interessados em problemas com os quais os parlamen-


tares, durante processos de fusão de comunidades, se deparam
de forma inesperada. Chegamos à conclusão de que uma questão
importante e comum nesse contexto diz respeito à denominação
da nova localidade, razão pela qual esse problema passou a
ocupar nossa atenção. Nós gostaríamos que você construísse
seu relato de forma que esse conflito assuma caráter central,
que, por assim dizer, seja o ponto alto. Claro que também é de
nosso interesse saber como a disputa teve início, e qual seus
efeitos [...] (SCHÜTZE, 1977, p. 27).

184
GABRIELE ROSENTHAL

Essa pergunta inicial, que não chega a solicitar diretamente um relato


da história do batismo da nova comunidade, mas, antes, pede que a disputa
configure seu ponto central, ainda poderia ser formulada com maior aber-
tura. Poderia ser solicitado aos políticos que falassem sobre sua vivência
pessoal da questão, desde o momento em que foram confrontados com o
problema pela primeira vez, no contexto da fusão, até o presente momento.
Essa maior abertura na solicitação, que corresponderia ao procedimento
da entrevista narrativa – também inaugurado por Fritz Schütze –, hoje em
fase avançada de desenvolvimento metódico e metodológico, poderia nos
mostrar qual sequência de acontecimentos é relatada pela maioria dos
políticos e quais são mencionadas apenas por alguns deles. Na chamada
fase externa de aprofundamento da entrevista (veja adiante), poderia ser
solicitado aos entrevistados que falassem sobre determinados aconteci-
mentos que não foram mencionados no relato inicial.
Anos mais tarde, Schütze (1983) continuou a desenvolver o método da
entrevista narrativa, mas no contexto de estudos biográficos, e propôs
que os relatos, independente do campo temático da investigação empírica,
buscassem cobrir toda a história de vida da pessoa. Assim seria possível
observar domínios ou fases de vida em sua relação com o contexto de vida
mais amplo e em sua gênese (ver subcapítulo 6.1). Hoje, esse método para
a realização de entrevistas já ultrapassou o círculo formado por Schütze e
seus assistentes na sociologia (como HEINEMEIER et al., 1981; HERMANNS
et al., 1984; RIEMANN, 1987; INOWLOCKI, 1992; 2000), firmou-se como
método de levantamento de dados, sobretudo na pesquisa biográfica, e
continua a ser desenvolvido, em especial na técnica aplicada na fase de
verificação ou aprofundamento (ROSENTHAL, 1995: 186ss.; ROSENTHAL,
2002c; LOCH; ROSENTHAL, 2002).
Entrevistas narrativas biográficas costumam durar várias horas – se
possível em dois encontros. Na maioria das vezes, em especial com pessoas
que sofreram alguma espécie de trauma, solicito uma segunda entrevista.
Assim também é possível perceber os efeitos do primeiro encontro.

5.4.2 A vantagem de narrativas mais longas

Por que razão, afinal, narrativas se adéquam tão bem à análise


de experiências e de ações? Como mostra Fritz Schütze, dando con-
tinuidade à pesquisa sobre análise linguística da narrativa (LABOV;
WALETZKY, 1973), a narração de experiências próprias, em contraste

185
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

com descrições e argumentações, corresponde a “aqueles textos lin-


guísticos independentes do agir concreto, tematicamente interessado,
que mais se aproximam dele, e que reconstroem, em ampla dimensão,
as estruturas de referência do agir fático, também sob a perspectiva
da recapitulação da experiência [...]” (SCHÜTZE, 1977, p. 1). Narrativas
fazem referência à sequência ou ao curso de acontecimentos concretos,
inclusive passados, ou então eventos ficcionais, relacionados entre si
temporalmente ou dentro de contextos causais. Enquanto um relato
consiste em uma narração resumida, quase telegráfica, estórias dizem
respeito, por seu lado, a eventos extraordinários – no sentido estrito da
palavra –, no contexto de um relato mais amplo, e fazem referência a
um grau mais elevado de detalhamento e indexicalidade (KALLMEYER;
SCHÜTZE, 1977). Por “indexicalidade” compreende-se a relação con-
textual, a referência a uma situação concreta. Relatos fazem alusão a
períodos determinados, a uma localidade específica e a um indivíduo
em particular. Argumentações, que podem ser identificadas tanto no
interior de relatos quanto fora deles, e isso enquanto ideias gerais e
ref lexões do falante, enquanto elementos textuais de caráter teórico,
estão ligadas ao “aqui” e ao “agora” do falante de forma muito mais
intensa – estão mais distantes das vivências – do que as descrições
presentes no relato sobre as motivações que guiam a ação. Aquele que
argumenta toma como referência o ouvinte, o qual busca convencer
de algo – e isso de forma mais evidente do que no caso de relatos es-
pontâneos, não planejados –; toma-se como referência sua perspectiva
atual, a partir da qual ele busca esclarecer algum assunto.
Um outro tipo de texto é a descrição. Descrições dizem respeito, ao
contrário de relatos, não a eventos singulares, mas a estruturas estáticas.
“O caráter processual da situação apresentada é ‘congelado’” (KALLMEYER;
SCHÜTZE, 1977, p. 201). Acontecimentos regularmente vivenciados
costumam ser apresentados comprimidos no espaço de uma situação; ao
passo que os elementos desse evento que se repetem são quase sempre
descritos. Essa forma de descrição é denominada “situação condensada”.
Enquanto que em descrições e argumentações o falante encontra certa
facilidade para se colocar no lugar do indivíduo agente, isso não chega a
ser tão simples para quem relata as próprias vivências.
Como mostraremos a seguir, experiências podem ser expressas em
todos os tipos possíveis de texto. Na sequência, o trecho retirado de uma
entrevista trata-se de um exemplo típico de argumentação:

186
GABRIELE ROSENTHAL

“Minha avó, a mãe do meu pai, não tem papel importante na


nossa família, nós nos vimos uma vez no Natal e em um aniver-
sário, acho a figura dessa pessoa assim pouco interessante.”

Essas visitas esporádicas da avó também podem ser descritas em uma


situação condensada:

“Quando minha avó vem nos visitar, é sempre uma situação meio
chata. Ela vem e fala sem parar, conta algo sobre conhecidos
dela de quem nenhum de nós ouviu falar, minha mãe se esconde
na cozinha e meu pai vai pra frente da televisão.”

Em um relato, essa visita poderia ser apresentada da seguinte forma:

“Natal passado minha avó esteve novamente de visita. Minha


mãe passou a maior parte do tempo na cozinha, meu pai se sen-
tou na frente da televisão e ficou assistindo a algum programa
que tava passando. E o que fez a avó? Só vinha atrás de mim,
tagarelando [...].”

Mas o relato de uma situação, uma estória, pode ser ainda mais detalhado:

“Então ela veio até o meu quarto, eu tentava ler alguma coisa,
ela começou a falar sobre a infância do meu pai, sobre os pro-
blemas que ele enfrentava quando meu avô estava servindo na
guerra, aquele papo todo sobre a Segunda Guerra Mundial.
Aí eu tive que falar mais alto com ela, falei pra ela parar com
aquele discurso sem noção. Você tinha que ver como ela [...]”.

O relato da situação vivenciada com a avó tem como vantagem nos


colocar frente a frente com os contextos concretos da relação do neto com
ela, com seu vivenciar e, sobretudo, seu agir nessa situação, com a origem
da sua postura com a avó. Mas isso não significa, de forma alguma, que, em
uma entrevista narrativa, as argumentações ou as descrições relativas à
avó e a seus modos de agir não sejam de interesse. De todo modo, para se
chegar a descrições e argumentações não é necessária nenhuma técnica
específica para fazer perguntas, já que elas, cotidianamente, não costu-
mam depender de solicitação. Um objetivo da análise da entrevista seria,
então, analisar as diferenças na apresentação – nesse caso, no discurso
sobre a avó – de acordo com o tipo do texto.

187
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Se não quisermos nos dar por satisfeitos por apreendermos apenas o


básico sobre as referências e as representações cotidianas do entrevistado
que ultrapassam o âmbito daquela situação, tomadas independentemente de
vivências e lembranças, e se não pretendemos nos aprofundar no dualismo
entre pensar e agir, tão comum nas ciências sociais, mas, sim, buscarmos
reconstruir aquilo que as pessoas vivenciaram ao longo de suas vidas e
saber em qual medida esse vivenciar constitui suas perspectivas atuais
e as referências de suas ações, o caminho a seguir passa pela análise de
processos de recordação e por sua tradução em narrativas. À exceção da
simples encenação das situações passadas, apenas a narrativa de uma es-
tória possibilita que cheguemos perto de realizar uma reprodução integral
da sequência da ação ocorrida ou do conteúdo da vivência em questão e em
uma aproximação relativamente eficaz. Sentimentos e motivos expressos
durante a narrativa da própria vivência de situações estão mais próximos
daquilo que foi vivenciado na situação ocorrida do que os argumentos
próprios ao “aqui” e ao “agora” do contexto da entrevista, desligados do
contexto de ação passado.4
Com as perguntas voltadas à descoberta de motivos e justificativas,
típicas em entrevistas abertas (“por que você...?”; “por qual razão você
à época...?”; “qual o motivo de você não...?”), não se busca em geral esti-
mular relatos, mas, antes, argumentações. A aplicação dessa técnica dá
origem, ademais, a uma estrutura autômata de perguntas e respostas.
Com ela é quase impossível estimular os entrevistados a contribuir
com relatos mais longos, estruturados por eles próprios. Nesses casos,
sempre que relatos são estimulados, isso ocorre sob o efeito das cha-
madas pressões narrativas, que faz com que os falantes, por um lado,
façam referência a mais acontecimentos do que pretendiam no começo
da entrevista e, por outro, sejam mais sucintos, já que não podem se
prender aos mínimos detalhes de cada acontecimento. De acordo com
Schütze, as pressões narrativas podem ser divididas entre pressões
de condensação, de detalhamento e de exposição da Gestalt. Quando
começamos a contar ou relatar algo, espera-se de nós que cheguemos
até o final, que sejamos conclusivos. Para que nossa estória seja com-
preensível para os ouvintes, é necessário que “o contexto geral, com
todos os contextos relevantes que o integram” também seja exposto

4
Sobre a relação dialética entre vivenciar, rememorar e relatar, ver: Rosenthal (1995).

188
GABRIELE ROSENTHAL

por nós (SCHÜTZE, 1976, p. 224). Essa “pressão para expor a Gestalt”
estimula o falante, como afirmam Kallmeyer e Schütze (1977, p. 188) a
dar forma às “estruturas cognitivas iniciadas”. Em relatos espontâneos,
ao contrário do que notamos, por exemplo, em anedotas, isso acaba
dando origem a relatos mais amplos do que de início pretendia-se. Por
outro lado, para que os ouvintes que não vivenciaram o acontecimento
à época do ocorrido possam compreender a estória ou a sequência de
ação, alguns detalhes devem ser suficientemente esclarecidos. Peter
Alheit (1995, p. 4) descreve essa pressão por detalhamento de forma
bem clara:

Para se colocar no ‘mundo’ daquele que relata um evento, o


ouvinte precisa dispor de algo mais do que a simples estrutura
do acontecimento ocorrido. Ele precisa imaginar outros atores,
antagonistas; tem que construir uma ‘imagem’ da situação a
que o relator se refere. Para isso é necessário se apropriar de
certos aspectos particulares.

Contudo, na exposição de detalhes conta-se com algumas restri-


ções. Por um lado, o falante não dispõe de toda a atenção e de todo o
tempo dos ouvintes; por outro lado, a compreensão do significado de
um relato estará ameaçada sempre que o relator se estender muito em
detalhes pouco relevantes para a estória. Por causa dessa pressão de
condensação, o falante buscará se concentrar em aspectos essenciais.
Se algo é considerado importante ou irrelevante, isso está sempre li-
gado ao sistema de relevância de quem conta. Condensações apontam,
assim, àquilo que particularmente lhe parece relevante e (de forma
implícita) aos critérios de acordo com os quais algo venha a ser consi-
derado importante ou não.
Por solicitarmos, logo no início da entrevista, um relato mais longo, e
por evitarmos perguntas ao longo da entrevista – ou por as reservarmos
para a fase de aprofundamento –, essas pressões narrativas acabam se
fazendo mais evidentes em entrevistas narrativas do que em entrevistas
estruturadas a partir de perguntas do entrevistador. Além disso, em
relatos mais longos e sem interrupções de acontecimentos vivenciados
pelo próprio entrevistado é possível observar com clareza o modo com
que o entrevistado imerge em um f luxo narrativo e de lembranças, en-
quanto também ativa sua memória sensitiva e constrói estórias cada vez
mais detalhadas. Caso, no início da entrevista, os entrevistados ainda

189
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

estejam à procura de um domínio temático, veremos a intensidade dessa


busca por controlar ou restringir os temas abordados diminuir cada vez
mais ao longo do f luxo narrativo. No f luxo narrativo e de lembranças,
vemos emergir gradualmente impressões, sentimentos, imagens, sensa-
ções e componentes da situação recordada – os quais em parte não se
relacionam à perspectiva atual do entrevistado e dos quais por vezes o
mesmo há muito tempo não se lembrava. Assim, no f luxo narrativo dos
relatos, o passado vai ficando cada vez mais próximo, ao mesmo tempo
em que podemos nos deparar com perspectivas totalmente diversas da
atual, cuja predominância, assim como ela própria, fica clara tanto na
parte voltada à argumentação quanto, por exemplo, em anedotas feitas
pelo entrevistado. Com o relato e a rememoração feitos sem grandes
interrupções, o entrevistado vai, ao longo da entrevista, abandonando
o contexto de interação com o ouvinte ou o entrevistador e passa a se
ocupar de “si mesmo”. Isso se manifesta, por exemplo, na recorrente
suspensão do contato visual ou em pausas nas quais ele se pergunta
o que e a quem se conta algo. É possível inclusive que nos deparemos
com comentários do tipo: “Mas por que estou contando tudo isso? Isso
te interessa afinal de contas?” ou “desculpe, esqueci completamente
que você cresceu no lado ocidental”.
Sempre que o pesquisador interrompe o fluxo de memórias com per-
guntas, obrigando o entrevistado, dessa forma, a tomar como referência
o sistema de relevâncias do pesquisador, impede-se que o processo seja
bem-sucedido. Questões que visam aumentar o nível de detalhamento,
como “quando foi isso?” ou “como você se sentiu naquele momento?”,
em que o entrevistado é solicitado a determinar a época dos aconteci-
mentos e a definir sua reação emocional a eles, bloqueiam o f luxo da
memória do entrevistado por instantes, trazem aquele que relata de
volta para o contexto de interação com o pesquisador. Enquanto que no
fluxo anterior do relato eram reavivados sentimentos e também ideias,
essas perguntas estimulam uma reconstrução a partir da perspectiva
atual do entrevistado, a qual é fundamentalmente diversa à da época
do ocorrido. Isso não significa que não podemos levantar questões
visando ao maior detalhamento ou à clareza. Sugere-se apenas que
evitemos esse tipo de pergunta quando realizamos uma entrevista nar-
rativa, sobretudo durante o relato principal. A seguir, iremos discutir
detalhadamente como uma entrevista narrativa pode ser conduzida de
maneira adequada pelos entrevistadores.

190
GABRIELE ROSENTHAL

5.4.3 A técnica da entrevista narrativa e as regras da realização de


entrevistas

Como mencionado anteriormente, a entrevista narrativa é constituída


pelas seguintes fases:

1ª fase

Solicita-se a narrativa.

Narrativa principal desenvolvida autonomamente ou autoapre-


sentação.

2ª fase

Perguntas para a geração de narrativas:

a. perguntas internas com base nas anotações feitas


na primeira fase;

b. perguntas externas.

Fim da entrevista.

Construção da solicitação da narrativa. Dependendo do contexto de


pesquisa e do caso, varia o modo com que o relato é proposto – se nosso
objeto de interesse é a biografia de um indivíduo, a história de uma orga-
nização ou de um meio social particular. Comecemos com uma modalidade
não aberta de solicitação que visa tematizar um período determinado, um
contexto institucional ou assunto específico. Por exemplo, se nosso intuito
é realizar uma pesquisa a partir de entrevistas com responsáveis por um
projeto que visa aumentar a igualdade de gênero em universidades – uma
entrevista com especialistas –, o relato pode ser proposto da seguinte forma:
“Estamos interessados na sua experiência pessoal com políticas de direitos
iguais nessa universidade/faculdade. Talvez você pudesse contar como co-
meçou seu trabalho nesse campo e o que você tem vivenciado desde então”.
Toda proposta de relato contém também instruções, que podem ser
passadas, por exemplo, assim: “Você pode relatar todas as experiências
que vierem à memória, e utilizar o tempo que for necessário. No início eu
não vou fazer nenhuma interrupção, vou apenas tomar notas, para mais
tarde retomar alguns temas”.

191
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Importante nessa forma de propor um relato é oferecer logo no começo


um ponto de partida para a narração dos acontecimentos e cuidar para que
o curso temporal dos acontecimentos seja respeitado. Essa estruturação
cronológica, implícita na proposta de relato de histórias de vida, auxilia o
entrevistado a emplacar uma sequência de lembranças. Ele pode, assim,
tomar como referência a cronologia dos eventos e não precisa ponderar a
respeito das situações que valem a pena ser citadas.
Tendo em vista que, ao longo da narração dos acontecimentos, o
nível de detalhamento do relato aumenta, o ponto de partida proposto
deve ser muito bem planejado. No exemplo dado, ele poderia, talvez,
ser formulado com maior abertura, ou então fazer referência a eventos
anteriores ao princípio ali proposto: “[...] como você ouviu falar pela pri-
meira vez sobre igualdade de direitos? Como você começou a se engajar
nessa questão e [...]?”.
Uma proposta semelhante a essa pode ser feita em entrevistas de curta
duração que sejam importantes para determinada pesquisa. No outono de
2001, alunos de um curso que ministramos realizaram entrevistas sobre a
experiência do 11 de setembro com homens e mulheres de origem árabe.
Eis a proposta de relato desenvolvida, retirada de uma das entrevistas:

“Somos um grupo de estudantes e estamos realizando entrevis-


tas sobre a vivência do 11 de setembro. Estamos interessados
em experiências pessoais ligadas aos ataques em Nova York e
gostaríamos de ouvir suas vivências do acontecimento. A nossa
ideia é que você primeiro nos conte a situação em que soube do
ocorrido, a experiência imediata e as vivências seguintes a essa
informação, até os dias de hoje, ou seja, quais experiências você,
concretamente, ou quais experiências concretas, você teve.”

Na maioria das vezes, o que buscamos com uma entrevista narrativa


biográfica (isto é, em uma entrevista de temática biograficamente relevante
e sobre a dimensão assumida pelo caso na vida do indivíduo) é um relato
que contemple toda a história de vida (ver subcapítulo 6.1). A proposta
inicial pode ser formulada da seguinte forma:

“Pedimos que nos conte sobre a sua história de vida (e também


sobre a história da sua família), que nos faça um relato de to-
das as experiências que venham à mente. Você pode utilizar o
tempo que for necessário. No início eu não vou fazer nenhuma

192
GABRIELE ROSENTHAL

interrupção, vou apenas tomar notas, para mais tarde retomar


alguns temas. Caso você não disponha de tempo suficiente hoje,
podemos marcar uma segunda entrevista.”

Essa forma de proposta de relato oferece maior abertura, aquela que


busca evitar todo tipo de restrição temática. Propostas menos abertas
costumam relacionar a solicitação a um eixo temático:

“Estamos interessados na história de vida de pessoas que che-


garam à Alemanha como refugiados (ou: que sofrem de alguma
doença crônica). Pedimos que nos conte sobre sua história de
vida, isto é, não apenas sobre sua chegada na Alemanha (não
apenas sobre sua doença), mas também sua biografia. [...]”
(Instrução).

Esse tipo de proposta é adequado, sobretudo, em pesquisas nas quais


temos que revelar o que pretendemos com a investigação, nas quais não
basta apenas mencionar nosso interesse pela biografia do entrevistado.
Contudo, na maioria das vezes isso já ocorre logo no primeiro contato
com a pessoa e não precisa ser repetido no início da entrevista. Mas, em
alguns casos, como em entrevistas com perseguidos políticos ou migrantes,
é importante frisar nosso interesse por toda a história de vida. Pessoas
com o primeiro tipo de trauma tendem a restringir o relato ao período
em que foram perseguidos (ROSENTHAL, 1995, p. 120ss.), enquanto que
migrantes costumam começar contando sobre o processo de migração
(BENECKER, 2002). Além disso, caso ignoremos relatos de outras fases
de suas vidas, acabaremos por reduzir a biografia do entrevistado à ex-
periência do trauma.
No caso de determinados grupos ou de temas de pouca relevância
biográfica, há o risco de que esses assuntos de interesse não cheguem a
ser tratados se a proposta de relato for demasiado aberta; nesses casos,
referências adicionais à nossa temática costumam ser suficientes para
assegurar que os entrevistados abordem esses temas. Mesmo assim,
é importante que, ao fazer a proposta dessa forma – em contraste, por
exemplo, com o pedido para que seja relatada apenas a biografia pro-
fissional ou apenas o histórico de doenças –, o pesquisador também dê
espaço suficiente para a abordagem de outros contextos. O relato feito
em resposta a essa solicitação pode revelar algo sobre a importância
da escolha da profissão (ou pela doença) para a vida dos entrevistados,

193
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

quais fases da sua biografia eles relacionariam com outros períodos de


suas vidas – onde eles definiriam, por exemplo, o primeiro grande passo
de sua carreira profissional ou os primeiros desenvolvimentos da doen-
ça. Contudo, também há razão para, se possível, optar pela modalidade
de maior abertura. Nesse caso, constituirá objeto de nosso interesse
teórico, por exemplo, justamente os relatos de vida de doentes crônicos
que no início da entrevista não foram solicitados a falar sobre sua do-
ença ou que não a tematizaram em seu relato principal – o que pode ser
expressão, entre outras coisas, do fato de não considerarem sua doença
como elemento fundamental de sua biografia. Essa questão também foi
identificada nas entrevistas com doentes crônicos que souberam do tema
de pesquisa – “histórias de vida de doentes crônicos”.5 Alguns reagiram
com a seguinte pergunta: “Sobre o que é que eu tenho que falar agora?
Sobre minha doença ou sobre a minha história de vida?”.
Relato principal ou relato de vivências próprias estruturado autonoma-
mente.6 A fase que segue à solicitação de relato não deve ser interrompida
com questões visando ao maior detalhamento; nela, as reações do entre-
vistador se resumem a manifestações paralinguísticas (“hm”) ou, quando
a narração dos acontecimentos fica emperrada, a estímulos como “e o que
aconteceu em seguida?”, a contato visual e a outras formas de expressar
atenção por meio de gestos. Portanto, após a solicitação para abordar
determinado tema ou a história de vida, não se deve tentar guiar o fluxo
do relato do entrevistado com outras intervenções. Antes, temos que lhe
oferecer espaço para estruturar sua fala, deixar o próprio entrevistado
determinar o escopo da sua resposta a uma proposta de relato sobre
um domínio temático específico, sobre o tema a ser abordado e o modo
com que o aborda. Independente do problema e do tema da pesquisa,
da temática que interessa ao pesquisador, é o próprio entrevistado que,
nessa fase da entrevista, aponta o caminho que ela deve tomar. A segun-
da fase da entrevista oferecerá oportunidade suficiente para levantar

5
As entrevistas foram realizadas com homens e mulheres que, de acordo com eles mes-
mos, sofriam de doenças crônicas. A pesquisa foi feita no contexto de um curso ministrado no
semestre de verão de 2004.

6
Também é perfeitamente possível que a sequência que siga à pergunta inicial seja rela-
tivamente breve e que, assim, apenas mais tarde sejam feitos relatos mais longos. Do mesmo
modo, nessa fase da entrevista é possível, em linhas gerais, optar pela argumentação ou pela
descrição como forma de relato. Nesses casos podemos falar de uma exposição estruturada
autonomamente.

194
GABRIELE ROSENTHAL

questões relacionadas a esse aspecto. Se aceitamos a hipótese de que


determinadas sequências de um relato, seja essa sequência uma estória
contada ou uma argumentação, podem ser apreendidas em seu significado
latente ou manifesto para o falante por meio de uma referência ao cam-
po temático no qual se insere, temos que permitir a estruturação desse
domínio. O significado de cada experiência relatada é reconstruído no
modo, no como de seu posicionamento. Com a intercalação de perguntas,
o entrevistador contribuiria com suas relevâncias para a estruturação
do relato de acontecimentos do entrevistado e, com isso, não seria apro-
veitada a chance de verificar a forma com que os falantes trazem à tona
determinados temas, detalhes ou experiências.
Anotações. Durante a apresentação, estruturada de forma autônoma
pelo entrevistado e que pode durar desde alguns minutos até várias
horas, estamos sempre atentos à forma com que o falante expõe suas
experiências. Sobre elas e sobre os temas que abordam, escrevemos
breves anotações (em geral apenas palavras-chave) tomando sempre
como referência o sistema de relevâncias e as experiências do entrevis-
tado, com vistas, assim, ao desenvolvimento de um roteiro para a fase
de aprofundamento e que seja específico ao caso em questão. Auxilia
bastante na formulação dessas questões, as quais mais tarde darão
origem a novos relatos, que as anotações sejam escritas na linguagem
do entrevistado, e não na do pesquisador, e que sejam tomadas des-
considerando maiores interpretações. Por exemplo, se um entrevistado
afirma, em sua exposição, “eu nunca tive irmãos”, é assim que ela será
registrada, ou seja, não traduziremos a informação em “filho único”,
tampouco em uma pergunta que tome uma interpretação como refe-
rência, como “o entrevistado se sentia só?”.
Em sequências mais longas, as anotações são de grande importância,
já que na escuta atenta da exposição tendemos a nos concentrar menos no
conteúdo relativo a experiências do que no seu significado – ou nos senti-
mentos que voltam à tona com o relato. Quando buscamos compreender
os aspectos emocionais envolvidos na fala do entrevistado, nossa atenção
toma uma referência totalmente diversa à orientação que assume quando
buscamos memorizar o que é abordado. Durante a conversa, esquecemos
muitas coisas que, para esclarecer o significado de algumas passagens,
teriam que ser aprofundadas. Além disso, se nos deixamos levar, nessa
escuta compreensiva, pelas estratégias de defesa do entrevistado, não
percebemos a relevância do que é mencionado apenas de passagem. Após

195
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

a entrevista, é comum perceber que, na fase de aprofundamento, deixamos


de abordar detalhes importantes para determinada história de vida. Por
isso que uma segunda entrevista pode ser de grande vantagem. Mesmo
quando feitos a partir de um relato de experiências próprias que dura
apenas alguns minutos, as anotações serão de grande importância para o
aprofundamento temático. Com elas é possível abordar novamente dados
ou acontecimentos, considerando a sequência da apresentação, e continuar
estimulando o entrevistado a falar de suas experiências.
Perguntas narrativas. A fase de perguntas da entrevista narrativa é
de enorme importância, mas costuma ser subestimada. Com ela deixamos
claro ao entrevistado, por um lado, nosso interesse geral e estimulamos
também outros relatos – igualmente importantes – sobre aquilo que já foi
mencionado.7 Por outro lado, esse tipo de verificação é de grande necessi-
dade para a análise de dados quando o que está em jogo é a comprovação,
a rejeição ou também a ampliação das hipóteses construídas com base na
sequência do relato principal.
Assim que os entrevistados sinalizarem o término de sua apresenta-
ção – como quando passam a contar acontecimentos ocorridos há pouco
tempo, no presente, como costuma ser o caso –, damos início à segunda
fase da entrevista, primeiro, com questões relativas àquilo que foi contado,
visando à verificação ou comprovação de aspectos dos eventos abordados.
Agradecemos pelo relato e deixamos claro como daremos continuidade à
entrevista, por exemplo da seguinte forma:

“Como você deve ter percebido, eu fiz algumas anotações e


gostaria agora de fazer algumas perguntas. Se você concordar,
eu começaria, então, com a primeira anotação. Eu tomei nota,
por exemplo, da menção que você fez sobre.... Será que você
poderia falar de alguns detalhes a esse respeito?”

Também nessa fase procedemos respeitando a sequência das anota-


ções feitas durante o relato principal, e assim tomamos novamente como
referência, de certo modo, a estruturação temática desenvolvida pelo
entrevistado. A vantagem de proceder dessa forma é que os falantes, na
resposta à questão, costumam retomar a cronologia do relato principal,

7
Sobre os efeitos eventualmente terapêuticos da entrevista de relato, ver: Rosenthal
(2002c).

196
GABRIELE ROSENTHAL

de modo que muitas vezes não precisamos mais levantar perguntas so-
bre as outras anotações feitas à sequência. A princípio, nos limitamos
a questões sobre o que já foi mencionado. Enxergamos nesses temas
introduzidos pelos falantes, nessas experiências biográficas, um convite
ao aprofundamento e não evitamos, ainda quando isso se mostre incô-
modo ou complicado, tematizar essa ou aquela passagem mais uma vez.
Quando se trata de uma fase da vida um tanto problemática, fazemos a
questão no subjuntivo, como: “Será que você poderia contar mais deta-
lhes sobre...?” ou “Você me permitiria fazer uma pergunta sobre a época
em que você...?”.
Apenas depois de encerrada as questões baseadas nas anotações faze-
mos as perguntas voltadas ao esclarecimento de temas abordados, relativas
a campos temáticos de nosso interesse e que não foram mencionados até
ali, ou seja, questões de caráter externo.
Na fase de perguntas, o que se busca é a obtenção de narrativas
e, ao mesmo tempo, evitar questões que possam ter como respostas
justificativas ou opiniões (como “Qual foi o motivo de você...?”, “Por
que você fez isso?”, “Por que você quis...?”). Após anos de experiência
e de experimentos com a entrevista narrativa, ficou claro para mim
que todos os temas ou aspectos que nos interessam podem, de modo
geral, ser investigados através do procedimento narrativo, na medida
em que relacionamos esses elementos – por exemplo, expectativas
ou então vivências imaginadas, das quais apenas se ouviu falar – a
situações práticas nas quais esses assuntos foram articulados ou tra-
balhados ref letidamente. Se, em um contexto bem determinado, longe
de ter sido tomado arbitrariamente, alguém especula sobre seu futuro
profissional, experiências adquiridas de forma mediada, por tradição,
são então trazidas para situações interativas concretas, enquanto que
especulações, por exemplo, a respeito de um passado familiar conhecido
de forma apenas fragmentária, podem ser trazidas à tona dependendo
da situação. Os efeitos da comunicação da experiência também não se
referem apenas ao conteúdo, mas à fase da vida, à situação de intera-
ção concreta e ao modo com que ela foi passada. Por exemplo, quando
uma mãe revela à sua filha, temerosa porque está prestes a passar
pela experiência do parto, sobre as complicações da gravidez quando
grávida dela, o efeito desse relato é totalmente diferente daquele que
surgiria caso ele tivesse sido feito em outra fase da vida da filha.
As perguntas podem ser categorizadas nos seguintes tipos:

197
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

1. Condução de um relato sobre uma fase da vida

Você poderia me contar um pouco mais sobre essa


época (sua infância, sua formação profissional etc.)?

2. Abertura de um recorte temporal para uma temática aparen-


temente estática

Você mencionou a figura da sua mãe (de seu chefe),


você poderia me falar mais uma vez sobre as suas
lembranças mais antigas dela (quando você conheceu
seu chefe) e o que você vivenciou ao lado da sua mãe
(de seu chefe) ao longo da sua vida (até hoje)?

3. Condução de um relato sobre uma situação mencionada

Você mencionou anteriormente a situação x, você po-


deria falar mais detalhes sobre ela?

4. Condução de um relato sobre uma argumentação

Você ainda consegue se lembrar de mais uma situação


que você se sentiu insatisfeito com sua profissão (na
qual você argumentou contra o nome dado à cidade
após a fusão)?

5. Condução de um relato de experiências de outras pessoas ou


de outra geração

Você ainda se lembra do momento em que lhe conta-


ram como foi que seu pai morreu (de quais conflitos
internos do seu escritório já existentes antes da sua
admissão você ouviu falar)?

6. Condução de um relato sobre expectativas futuras e especulações

Você ainda consegue se lembrar de alguma situação


em que você se viu deixando seu cargo na firma (em
que você conseguiu imaginar o que seu avô chegou a
vivenciar no campo de concentração)?

198
GABRIELE ROSENTHAL

Outras técnicas de entrevista. Além dessas questões, que buscam


sempre estimular relatos, também trabalhamos, em momentos críticos da
conversa, nos quais o entrevistado aborda experiências dolorosas ou até
mais traumáticas – em que sentimentos mais profundos são reativados,
em que o falante passa a chorar, se irrita ou se mostra bastante tocado
–, com a técnica da “escuta ativa”, apropriada do método de realização
de entrevistas centradas no falante (GORDON, 1977; ROGERS, 1951).
Essa técnica é de grande ajuda quando uma questão levantada com a
intenção de estimular relatos não se mostrar adequada, e caso nossa
“competência cotidiana” na forma de nos relacionarmos com as pessoas
nos diga para consolarmos o outro, mudar de assunto ou confortá-lo. Ao
falar dessa técnica, Thomas Gordon se refere a uma “interdição” – ao
invés de estimularmos outros relatos, tudo o que conseguimos é dar fim
ao assunto. Por exemplo, quando o entrevistado conta como encontrou
sua mãe morta no apartamento, para logo em seguida começar a cho-
rar, não podemos reagir propondo maior riqueza de detalhes. Mudar de
assunto também seria um equívoco, pois assim mostraríamos que não
temos interesse nessa situação e nos sentimentos relacionados a ela.
Com a “verbalização dos conteúdos emocionais da experiência” os quais
o ouvinte busca decifrar a partir do que é relatado, sinaliza-se, com essa
resposta que Gordon chama de “abertura de portas”, para um esforço de
compreensão e para um envolvimento com os sentimentos do outro. Com
comentários do tipo: “isso ainda te sensibiliza bastante” ou “na época você
se sentia como se não houvesse ninguém capaz de te ajudar”, podemos
abordar sentimentos imediatos e também emoções passadas. Em alguns
casos, aplicamos essa técnica também durante o relato principal, para
que o falante verbalize suas emoções e também permita o relato de ex-
periências difíceis – como quando ele encontra algum bloqueio ou então
parece pular acontecimentos. Pessoas que vivenciaram situações muito
traumáticas ou complicadas dizem com frequência não querer importu-
nar o ouvinte contando esses casos. É justamente nessas situações que
a escuta ativa ajuda a desmontar a timidez.
Concluindo a entrevista. Uma regra fundamental para a conclu-
são da entrevista é jamais terminar com a abordagem de uma época
traumática ou fase difícil da vida da pessoa. Antes, devemos gastar o
tempo que for necessário até que o falante tenha dito tudo o que queira
dizer sobre o ocorrido, até que possamos falar sobre períodos de vida
desenvolvidos em consequência a esse acontecimento. Ao final da en-

199
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

trevista, buscamos, com a ajuda do entrevistado, “lugares seguros” da


sua biografia e o estimulamos a falar sobre eles (ROSENTHAL, 2002c).8
Após ouvir longos relatos de experiências de vida, temos à disposição
vários indícios sobre as fases e os domínios nos quais os falantes se
sentem seguros ou emocionalmente estáveis.
Para garantir que a entrevista termine assim, é de grande importância
que saibamos administrar o tempo da conversa de forma eficaz. Vale como
regra reservar ao menos trinta minutos para a conclusão. Em entrevistas
biográficas, costumo oferecer já no começo da conversa a possibilidade
de agendar um segundo encontro; perto do final da entrevista fazemos
então referência a ele, sugerindo que, na próxima entrevista, voltemos
mais uma vez a alguns assuntos tratados.
Podemos concluir a entrevista com perguntas como: “há mais alguma
coisa que você gostaria de me contar (hoje)?”. Em entrevistas biográficas,
um tipo de “acabamento” que vemos ser dado com frequência consiste
em perguntar: “olhando para seu passado, até hoje, qual seria, para você,
sua experiência mais difícil, ou a fase mais complicada de sua vida?”. Em
seguida é levantada a questão sobre as experiências mais alegres, fazendo,
assim, uma rápida transição para épocas que não sejam problemáticas
para a pessoa. A resposta a essas perguntas costuma dar origem a relatos
de acontecimentos bastante relevantes, mas que até então não haviam
recebido menção. Ao final, sempre perguntamos ao entrevistado o que
ele achou da entrevista e se ele teria alguma pergunta ou pedido a fazer.
Esse modo de conduzir a entrevista, ou seja, essa proposta mesma
de relato de uma história de vida – ou também de apenas uma fase da
vida –, representa, queiramos ou não, uma grande intervenção. Por isso,
consideramos de grande relevância que o entrevistador tenha recebido
uma formação adequada para realizá-la, que tenha refletido o suficiente
sobre o modo de intervir que não bloqueie o entrevistado, mas, antes,
saiba como estimular narrativas.

8
Esse modo de proceder é de certa forma semelhante às técnicas aplicadas por Luise Reddmann e Ulrich
Sachse para a descoberta de um lugar interno seguro. “Vários pacientes relatam que, durante a infância, estiveram
concretamente apenas em locais que lhe pareciam seguros (como um bosque ou uma campina), ou então, internamente,
em localidade na qual se sentiam seguros. É isso o que reativamos com a terapia” (REDDEMANN; SACHSSE, 1996, p.
172). Sachsse tenta reavivar as boas experiências, vivências que tragam a sensação de segurança (SACHSSE, 1999, p.
60). Contudo, temos que frisar que Reddemann e Sachse precisaram de várias sessões com os pesquisados para determinar
esse lugar seguro.

200
GABRIELE ROSENTHAL

Relações com outros procedimentos. Antes de concluir uma entre-


vista narrativa, ou então já na segunda entrevista, podemos muito bem
considerar a aplicação de outros procedimentos. Em investigações sobre
as relações entre integrantes de uma mesma família e sobre a transmis-
são de costumes familiares, propomos aos entrevistados (ROSENTHAL,
1997: LOCH, 2004; VÖLTER, 2003) imaginar uma remodelação da figura
familiar, ideia desenvolvida na teoria sistêmica de terapia em família
(SIMON, 1972) e que se mostrou apropriada para entrevistas individuais.
Disponibilizamos aos entrevistados esferas em cores diferentes, pedi-
mos que considerassem cada uma delas como um integrante da família
(eventualmente como amigo, dependendo do caso) e que as agrupassem
de acordo com a distância ou a proximidade entre eles. Em seguida,
fizemos outras perguntas em conformidade com o método da terapia
familiar. Também de acordo com essa teoria (McGOLDRICK; GERSON,
2000), podemos construir, em alguns contextos (LOCH, 2004), em con-
junto com os entrevistados, um genograma, isto é, uma representação
gráfica de informações sobre a família na forma de árvore genealógica.
Conforme já mencionado, é possível considerar combinar o método
narrativo com aspectos metodológicos próprios da entrevista focalizada
ou da entrevista de dilemas. Em 1995, em pesquisa encomendada pelo
Instituto de Pesquisa Social de Hamburgo, Sabrina Böhmer, Angelika
Heider e Christine Müller realizaram, sob minha supervisão, entrevistas
– de acordo com procedimento semelhante ao da entrevista focalizada
– com visitantes da exposição “Guerra de extermínio. Crimes cometidos
pelas Forças Armadas entre 1941 e 1944”, logo após a visita. A entre-
vista começou com uma proposta de relato sobre o que apreenderam
da exposição, sobre o modo como ficaram sabendo da abertura dela e
das razões da visita. A fase de aprofundamento tomou como referência
anotações realizadas durante o relato principal. Além disso, nos casos
em que o entrevistado tinha vivenciado os acontecimentos da Segunda
Guerra Mundial, também foi perguntado se objetos ou temas aborda-
dos na exposição traziam de volta à tona vivências próprias ou então
contadas a eles por terceiros – se ouviram falar de situações como as
registradas nas fotografias ali expostas ou se vivenciaram eles mes-
mos acontecimentos como aqueles. Aos entrevistados mais jovens foi
proposto que falassem sobre acontecimentos da história familiar ou
coletiva que tiveram lugar no período retratado pela exposição.

201
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

5.5 A IMPORTÂNCIA DE SE REALIZAR PERGUNTAS COM VISTAS AO


APROFUNDAMENTO

5.5.1 Processos de interpretação na situação da entrevista

Entre pesquisadores da sociologia interpretativa é comum a ideia


de que o investigador, para realizar “entrevistas abertas”, não precisa
aprender uma técnica específica, tampouco receber formação em condu-
ção de entrevistas. A problemática das entrevistas estruturadas recebeu
muito mais reflexões, sobre ela foi mais discutido e escrito do que sobre
as dificuldades em se realizar uma boa entrevista narrativa. A falta de
reflexões e, sobretudo, de uma formação prática por parte dos entrevis-
tadores que operam sem roteiros tem muito a ver com a perspectiva,
encontrada com alguma frequência, de que basta deixar a conversa fluir
que em algum momento veremos surgir a estrutura do caso. Muitas en-
trevistas narrativas costumam ser conduzidas partindo da ideia de que
é suficiente deixar o entrevistado “apenas narrar”, de que ela não exige
grandes esforços da parte do pesquisador. Muitos investigadores que tra-
balham com o método narrativo tendem a concordar com a concepção de
que basta formular uma pergunta inicial que estimule o relato, ou então
deixar simplesmente o entrevistado falar sobre sua história de vida toda,
e isso sem buscar conduzir a entrevista de alguma forma particular, que
se terá, ao final, um bom material. O pesquisador acredita ter trabalhado
de pleno acordo com o princípio da abertura quando, ao final do relato
principal – de, digamos, 30 ou 90 minutos de duração –, tem à disposição
um texto estruturado pelo próprio entrevistado, desenvolvido sem quais-
quer intervenções suas – “me contaram tanta coisa, e quase não perguntei
nada”, pensa satisfeito. Como consequência dessa perspectiva – bastante
questionável – temos que o processo de interpretação acaba sendo adiado
para a fase da análise de dados. Não raro, questões importantes surgem
apenas nessa fase. Mesmo em um relato que dure mais que algumas ho-
ras, somos sempre confrontados com o problema de não ter sido possível
realizar, com alguma segurança, a verificação de aspectos do material
textual, embora tenhamos desenvolvido uma série de hipóteses. Por não
garantir, na entrevista, que os processos de interpretação tivessem por base
a escuta ativa e por não contar com respostas a questões realizadas com
o intuito de ampliar o escopo da narrativa sobre determinados assuntos,

202
GABRIELE ROSENTHAL

o pesquisador acaba tendo que se esforçar para descobrir o que o entre-


vistado quis dizer com essa ou aquela declaração. Na análise de dados, o
que fica, porém, quando o texto não oferece outras informações, é uma
interpretação feita apenas a partir de suposições – apesar de toda nossa
competência hermenêutica –, em que as declarações são estruturadas a
partir dos nossos próprios horizontes de significação. Mais problemático
do que a formulação de hipóteses que não podem ser verificadas ou rejei-
tadas a partir do texto disponível é a interpretação precipitada. Com ela
acaba que nenhuma hipótese sobre os diferentes significados chega a ser
formulada, em parte, somente conclusões e interpretações equivocadas.
Enquanto que em uma entrevista estruturada é comum dar sequência a
análises de dados voltadas ao conteúdo, que têm como objetivo comparar
e relacionar determinadas passagens de diferentes relatos, as entrevistas
realizadas de acordo com o método narrativo costumam ser úteis à análise
de dados centrada a princípio no caso concreto e voltada à reconstrução de
sua Gestalt global. Nelas, e independente do método aplicado na análise de
dados, busca-se chegar ao significado de declarações – tomadas enquanto
unidades – a partir do contexto mais amplo do material; em estruturas
de caso biográficas, parte-se também de toda a Gestalt da história de
vida vivenciada, e não da subsunção em categorias gerais, tampouco da
comparação com declarações feitas em outras entrevistas.
No cotidiano da minha orientação de pesquisas, deparo-me não apenas
com transcrições de entrevistas equivocadamente consideradas como de
narrativas biográficas, mas também com dúvidas sobre a maneira adequada
de analisá-las. Essas entrevistas costumam ser realizadas de modo a permi-
tir a formulação de hipóteses sobre determinadas declarações, informações
biográficas ou também sobre fases da vida que não chegaram a ser tema
ao longo da conversa, mas que não podem ser verificadas a partir do texto
disponível porque a condução da entrevista deixou a desejar. Questões
feitas ao pesquisador sobre o motivo de ele não ter feito mais perguntas
sobre um campo temático específico, uma declaração em particular, uma
determinada fase de vida, recebem respostas que variam muito pouco
uma das outras. O mais comum é ouvir que isso representaria um desvio
da questão que motiva a pesquisa. Também ouvimos com frequência que
a resposta do entrevistado foi precisa o bastante, ou então que o sentido
da declaração já havia sido compreendido. Não raro, o pesquisador afirma
que o tema era muito delicado, íntimo demais ou traumático, ou então que
perguntas do tipo representariam intervenção, e que não devemos intervir

203
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

na narrativa. A seguir, vamos abordar essas respostas mais diretamente,


mas eis, já, uma contra-argumentação: se nos damos por satisfeitos com
interpretações prematuras que tomam como referência a comunicação
cotidiana, como se já soubéssemos, enquanto entrevistadores, o que está
em jogo, acaba que, na análise do caso, não faremos outra coisa senão
seguir a lógica da subsunção, da classificação. E, assim, algo invariavel-
mente se escapará – justamente o que pretendíamos evitar com a escolha
por uma análise reconstrutiva.
Defendo, portanto, uma entrevista realizada de forma mais cuidadosa,
em que, na fase de aprofundamento – ou seja, após o relato principal, no
caso da entrevista narrativa –, levantemos questões que permitam uma
primeira verificação das possíveis hipóteses sobre o relato principal.
Durante a escuta, temos que estar sempre atentos às inconsistências, às
lacunas deixadas pelo entrevistado, isto é, temos que ter sensibilidade para
identificar a passagem que ainda exige aprofundamento, que não esclarece
alguns aspectos – o que só pode ser garantido com mais perguntas. É ne-
cessário que a entrevista seja conduzida de modo que a interpretação ou
compreensão possa ser sempre colocada à prova, de forma a ser possível
realizar uma verificação preliminar de hipóteses (a partir do caso concreto).
Não se trata, aqui, de se voltar apenas ao conteúdo manifesto de decla-
rações, mas também, justamente, a significados a princípio inacessíveis
aos próprios entrevistados. Para compreender esses sentidos latentes, é
de grande importância que a entrevista permita a apreensão das estru-
turas de ação e de interpretação próprias ao falante, com perguntas que
estimulem o relato, mas também com perguntas voltadas à elucidação de
detalhes particulares. Isso exige que, durante sua realização, deixemos a
princípio de lado ou coloquemos em parênteses o problema ou a questão
que motiva a pesquisa e, independente dela, nos concentremos primeiro
no relato biográfico, antes de levantarmos questões que tomem objetiva-
mente nossos próprios sistemas de relevância como referência. Para isso,
também é importante não nos darmos por satisfeitos com a simples men-
ção de acontecimentos ou fatos. Temos, antes, que estimular relatos que
possibilitem ampliar nosso horizonte a respeito dessas situações e ações
passadas. Vale como regra não ignorar vivências e épocas trazidas à tona
pelo entrevistado que eventualmente possam ser aprofundadas. Caso opte-
mos por não abordar experiências aparentemente difíceis ou traumáticas
para o falante, caso optemos por ignorá-las na medida em que não fazemos
perguntas a seu respeito, acaba que damos ao entrevistado a impressão

204
GABRIELE ROSENTHAL

de que referências a esses acontecimentos apenas nos incomodam, e que,


sobre elas, o melhor a fazer é se calar. No caso de experiências traumáticas,
pode ser que interrupções do tipo intensifiquem o trauma ou então deem
origem a outros. Assim, fica claro como a lei da não intervenção deve ser
compreendida, antes, como regra segundo a qual o que devemos evitar é
a má intervenção. Caso nos negássemos a realizar intervenções, sequer
seria possível realizar entrevistas, já que tanto fazer perguntas quanto
não fazê-las também influencia as atitudes do entrevistado.

5.5.2 Exemplo empírico: qual o significado tem a morte da mãe para


diferentes perguntas de pesquisa?

Com base em um exemplo retirado de uma entrevista, busca-se apon-


tar, a seguir, as possibilidades trazidas por uma forma mais cuidadosa
de abordar determinados temas com os entrevistados. A entrevista em
questão, com uma mulher nascida em 1921 na ex-Alemanha Oriental, foi
realizada em conjunto com Bettina Völter para nossa pesquisa sobre famílias
compostas por integrantes de três gerações (ROSENTHAL, 1997a). A Sra.
Liebig (nome fictício) separou-se de seu marido em 1949. Outro contexto
de investigação no qual poderíamos utilizar essa entrevista seria o de uma
pesquisa sobre divórcios, ou então sobre vivências de guerra, especifica-
mente da Segunda Guerra Mundial. Contudo, independente dessas duas
investigações: a) teríamos de todo modo que realizar a entrevista a partir
de uma solicitação de relato que respeitasse as regras do procedimento
biográfico-narrativo aberto; b) e, na parte de aprofundamento de aspectos
específicos ao relato, teríamos igualmente de colocar a questão que guia
a investigação entre parênteses e abordar todos os temas tratados pela
Sra. Liebig, assim como todas suas experiências biográficas. Apenas a fase
de aprofundamento poderia conter outras perguntas mais direcionadas,
ainda relacionadas diretamente ao problema que motiva a pesquisa e que
não haviam sido tematizadas pela entrevistada.
Solicitamos a Elisabeth Liebig que nos contasse sobre sua história de
vida e familiar. Seu relato biográfico começa da seguinte maneira: “nada
vem a ser como a gente antes imagina. Tudo acontece diferente. A gente
conhece o grande amor da juventude com 15, com dezoito vem o noivado,
com vinte, o casamento, e, com 21, o meu filho ((rindo)) e aí a gente já tava
em 1942, já tinha guerra...”. Em seguida ela fala sobre seu casamento e
sobre sua vida durante os anos de conflito, sobre o pós-guerra, o retorno

205
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

do marido da prisão de guerra, sobre seus problemas no casamento, o


divórcio, sua carreira profissional iniciada logo depois, até o presente da
entrevista. Quinze minutos depois ela termina o relato, todo estruturado
por ela mesma, e oferece café e bolo às pesquisadoras.
Como devemos, agora, dar continuidade à entrevista? Considerando as
temáticas de pesquisa citadas anteriormente, poderíamos então afirmar
que as entrevistadoras, tanto no tema de pesquisa “processos de divórcio”
quanto na investigação sobre experiências de guerra, já podem se dar por
satisfeitas com esse relato inicial, começar a fase de aprofundamento e
passar às questões externas sobre experiências de guerra e de separa-
ção, de acordo com o problema que está na origem da pesquisa. Porém,
na interpretação desse relato principal ou dessa exposição de história de
vida pelo próprio entrevistado, temos antes que nos perguntar por que
a Sra. Liebig começa falando de seu grande amor da juventude, por qual
razão sequer menciona experiências da sua história de vida anterior. Sobre
essas questões podemos, de início, formular diferentes hipóteses, como,
por exemplo: o casamento e a separação são tão relevantes do ponto de
vista biográfico que, ao longo da exposição, outros temas acabam sendo
preteridos. Outra hipótese possível é que o período anterior ao primeiro
encontro com aquele que viria a ser seu marido seja constrangedor e
embaraçoso para a entrevistada. É possível comprovar, considerando o
material textual, que o casamento, caracterizado pela Sra. Liebig como
“fracassado”, assumiu – e ainda assume – papel central na sua biografia. De
fato, não pudemos verificar se essa – grande – relevância, para sua história
de vida, do casamento, ainda que fracassado, e até mesmo o significado
do amor descoberto aos 15 anos, tem alguma ligação com experiências
anteriores, ou se há, ali, acontecimentos que lhe causam desconforto e
que sejam talvez mais determinantes para a estrutura de caso em questão
do que o fracasso no casamento.
Podemos antecipar, aqui, que o significado dos seus primeiros 15 anos
de vida só fica claro mesmo após a quarta pergunta. Após a pausa para
o café, uma das entrevistadoras perguntou à Sra. Liebig se ela também
teria outras coisas a dizer sobre a biografia familiar. O texto que segue
à questão, com relatos sobre os avós e a história da família descrita em
vários aspectos, é ainda maior do que a exposição inicial. Esse segundo
relato principal contém também um dado biográfico importante. Logo
de início, Sra. Liebig faz referência, ali, à esclerose múltipla da mãe, que
também teria tentado o suicídio seguidas vezes, até conseguir: “isso foi

206
GABRIELE ROSENTHAL

em 1933, eu tinha 12 anos”. A entrevistada prossegue, sem interrupção:


“mas costumava passar as férias com a minha tia”, e também descreve
(13 linhas na transcrição) como eram esses dias em que passava na casa
da irmã de sua mãe. Considerando essa sequência, é possível já formular
algumas hipóteses. É de se supor, por exemplo, que a Sra. Liebig teve
que ignorar o significado do suicídio da mãe já à época do acontecimento,
com 12 anos, e não só na entrevista, pois essa experiência era muito per-
turbadora. Todavia, não podemos, de modo algum, deduzir o significado
desse evento a partir apenas dessa sequência, seja o significado atual ou
assumido à época. A experiência do suicídio da mãe, para uma menina de
12 anos, é sem dúvida aterradora, terá consequências drásticas para sua
vida a partir de então e exercerá influência sobre outros relacionamentos,
como também sobre a experiência de separações ou divórcios. Porém,
tomando como base apenas o texto disponível até aqui, a dimensão da
influência desse evento biográfico sobre a vida da entrevistada pode ser
apenas especulada. Estudos sobre as consequências da morte de um pai
ou de uma mãe durante a pré-adolescência (BOWLBY, 1980) nos mostram
que, nesses casos, as consequências estão fortemente ligadas às circuns-
tâncias específicas da morte, à relação com o pai ou a mãe e também à
estrutura da família após o evento. Mas, tomando apenas o caso, ainda
não sabemos nada a esse respeito. O leitor pode aqui objetar que esse
conhecimento auxiliaria bastante a interpretação da experiência e do
processo de separação – uma entrevista com essa temática também tem
que abordar experiências de separação e de perda –, mas, de modo geral,
é irrelevante para a reconstrução de vivência de guerra.
Na entrevista com a Sra. Liebig, a pergunta seguinte foi feita em con-
formidade com a regra segundo a qual o problema que motiva a pesquisa
deve ser colocado entre parênteses, que devemos nos voltar primeiro ao
relato e tentar compreender a história de vida do entrevistado. Para isso, é
necessário não se dar por satisfeito com a menção de acontecimentos como
o suicídio da mãe no ano de 1933, e sim buscar apreender o cenário das
ações e as situações tal como ocorridas à época. Ademais, uma condução
de entrevista bem-feita, que estimule a narrativa, não deve ignorar fases
da vida introduzidas na conversa pelo entrevistado. De volta à entrevista,
a pergunta colocada foi a seguinte: “Será que a senhora poderia nos contar
mais um pouco sobre sua mãe, sobre as situações de que ainda se lembra?”
A entrevistada continuou com seu relato e listou detalhes biográficos da
vida de sua mãe: que ela perdeu seu primeiro marido na Primeira Guerra

207
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Mundial, que tinha um filho desse casamento – falecido ainda bem novo
–, que conheceu o pai da entrevistada em 1919 e só depois mostrou os pri-
meiros sintomas da esclerose múltipla. A Sra. Liebig fala de novo, então,
sobre as repetidas tentativas de suicídio da mãe, conta que ela tentou,
certa vez, se enforcar, que a polícia e o corpo de bombeiros foram à sua
casa. Outra vez foi seu pai que a salvou. Depois do relato, perguntamos à
entrevistada sobre a doença da mãe. Só agora – com cerca de meia hora
de entrevista – temos a primeira narrativa de uma história. Ela fala de
seus primeiros dias na escola secundária, para onde ia sozinha, já que a
mãe não conseguia andar direito. A pesquisadora tenta, em seguida, fazer
com que ela aborde as tentativas de suicídio da mãe, e pergunta: “Ainda
se lembra dessa tentativa de suicídio?”.
Antes de reproduzir a resposta dada pela entrevistada, gostaria, aqui,
de abordar novamente a crítica, com frequência levantada, de que uma
pergunta do tipo acaba por insistir demais no relato sobre acontecimentos
traumáticos, que não podemos saber os efeitos de uma pergunta como essa
e que ela dá origem, muitas vezes, a desgastes emocionais para o entre-
vistado. A esse respeito, deixa-se aqui registrado que, nessa entrevista,
quando as tentativas de suicídio eram tematizadas – o que aconteceu di-
versas vezes –, quem o fazia era a própria entrevistada. Se não seguirmos
essas pistas sobre experiências traumáticas e, antes, as ignorarmos ao
evitar perguntas a seu respeito, o entrevistado acaba tendo a impressão
de estar nos incomodando, de que elas nos causam algum desconforto e
que o melhor a se fazer, como já mencionado, seria se calar sobre elas.
A resposta da Sra. Liebig à pergunta é um relato rico em detalhes (que
ocupa 30 linhas na transcrição) sobre o dia em que sua mãe faleceu. Ele
é mais preciso do que o primeiro, feito em resposta à pergunta sobre a
doença da mãe. Essa estrutura textual deixa evidente a necessidade ou a
disposição da biografada em expor esses acontecimentos, enquanto que
o conteúdo da história faz referência a um arranjo biográfico de fato com-
plicado. Era o ano de 1933, e a entrevistada conta ter “chegado atrasada
em casa” naquele dia porque tinha ido ao cinema com uma amiga depois
da escola. Ela sentiu logo o cheiro de gás e encontrou a mãe morta na co-
zinha, fechou o registro do gás e foi buscar seu pai no trabalho. No texto,
a Sra. Liebig parece sempre querer frisar ter sido uma jovem responsável,
mas, se considerarmos os significados latentes do material, fica claro seu
sentimento de culpa, no caso, como espécie de defesa; fica claro que a
menina de apenas 12 anos se sentiu culpada pela morte da mãe porque

208
GABRIELE ROSENTHAL

não chegou em casa a tempo. A análise detalhada de dados dessa parte da


entrevista mostra, ainda, que a entrevistada, após a morte da mãe, também
se sentiu culpada por ter um relacionamento apenas distanciado com ela.
Chama a atenção nesse relato que a entrevistada fala dessas experiências
sem mostrar envolvimento emocional. A sequência que segue à passagem
nos permite supor que a Sra. Liebig começou a digerir o suicídio da mãe
já aos doze anos, mas também se distanciando de seus sentimentos. À
observação da pesquisadora – feita de acordo com a técnica da escuta
ativa – de que deve ter sido bastante difícil para a Sra. Liebig, menina,
ter encontrado a mãe morta em casa, responde a entrevistada: “é, bom,
na verdade eu era mais ligada ao meu pai, isso eu fui saber depois, e claro
que esse drama todo em casa não é nada bom, e com nove anos eu já tava
no clube de ginástica”. Se a entrevistada, em passagem anterior, passa do
relato sobre a morte da mãe direto para o das férias na casa da tia, ela
agora abandona o tema do suicídio para falar do clube de ginástica. De fato,
ao longo da entrevista fica bastante evidente a importância biográfica do
clube, sobretudo quando o relacionamos à figura do seu marido. Quando
ela o conheceu, ainda aos 15 anos, o amor da juventude com o qual mais
tarde viria a se casar já era atleta, tendo inclusive participado dos jogos
olímpicos. Além disso, assim como a entrevistada, ele também tentou lidar,
por meio de atividades esportivas, dentro do clube, com um sentimento
de abandono. A análise do material resultante da conversa mostrou que
a entrevistada transferia a questão da perda da mãe e de seu sentimento
latente de culpa para o problema do fracasso no casamento. Isso fica cla-
ro, por exemplo, no relato principal, ao qual pertence uma argumentação
muito bem detalhada sobre as razões da separação.
Ainda assim, o leitor pode se perguntar se interpretar o significado do
suicídio da mãe é de fato necessário, uma vez que a entrevista foi realizada
no contexto de uma pesquisa sobre experiência de guerra. Em primeiro
lugar, dito de maneira geral, podemos afirmar o seguinte: enquanto ainda
não tivermos compreendido, durante a entrevista, o significado que uma
declaração ou uma experiência podem assumir no caso particular concre-
to, também não poderemos avaliar se essa declaração ou experiência tem
alguma relação com o tema da pesquisa. O fato é que só podemos construir
essa relação independente do caso concreto; com isso acaba que corremos
o risco de interpretar o texto considerando as relações e as fases de vida
separadamente, deixando de lado as relações entre determinados períodos
da biografia – e com elas também a estrutura do caso. Contudo, a análise de

209
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

dados reconstrutiva pretende fundamentalmente partir do caso particular


concreto para descobrir relações possíveis entre dois elementos – como
experiência de guerra e suicídio da mãe. A análise da entrevista com a
Sra. Liebig mostrou que a entrevistada, em todas as épocas complicadas
de sua vida – como durante a guerra –, sempre ignora seus sentimentos e
que praticar um esporte coletivo faz parte de uma estratégia de vida para
lidar melhor com o sentimento de luto e de abandono.
A pouca consciência sobre o significado da perda da mãe e o modo
como a entrevistada se distancia dessa questão ao falar da experiência
de guerra e, em especial, do fracasso no casamento, ficam evidentes, por
exemplo, na sua resposta a uma das últimas perguntas levantadas pelas
pesquisadoras: “Olhando pra trás, qual seria, do seu ponto de vista, as
piores épocas e os momentos mais difíceis que enfrentou?”. A Sra. Liebig
menciona a guerra e completa: “difícil pra mim foi mesmo o fim do casa-
mento e que eu na=i=pra=se amei tanto meu marido que, mesmo depois
de tantos a- anos, não tinha conseguido superar,/ não mesmo, de verdade.
Levou uns vinte anos até que eu superasse a separação é, é claro que
aqui no fundo isso não é legal”.9
Considerando essa interpretação mais consciente das próprias vivên-
cias, percebemos que o fim do casamento e a guerra configuram, para a
entrevistada, fases de vida importantes e, ao mesmo tempo, bastante pro-
blemáticas, algo que pode ser identificado já em seu relato inicial. Porém,
se as pesquisadoras não tivessem feito perguntas sobre o casamento, é
possível que não chegassem, na análise do material, à estrutura latente
do caso, isto é, não teriam percebido que as circunstâncias da morte da
mãe foram determinantes para a história de vida da entrevistada, para
a escolha do parceiro ainda jovem e para a vivência do divórcio, e que as
estratégias de vida desenvolvidas nesse contexto para se distanciar dos
próprios sentimentos também exerceram grande influência ou foram muito
úteis em outras fases da vida. É possível que as pesquisadoras tivessem
interpretado equivocadamente os relatos sobre a guerra – que na entrevista
chamam a atenção pela frieza –, e, em especial, sobre o sofrimento de outras
pessoas, e caracterizassem a entrevistada como pessoa sem empatia, que
não esboça nenhum sentimento com relação à própria infância, marcada
pela doença de uma mãe que ainda a abandonaria.

9
Glossário com os códigos de transcrição encontra-se no subcapítulo 3.2.3.

210
6

PESQUISA BIOGRÁFICA E RECONSTRUÇÕES


DE CASO1

Nota preliminar. A seguir, farei uma exposição dos objetivos da pesquisa


biográfica e das concepções teóricas e metodológicas que a fundamentam
(subcapítulo 6.1). Depois vou apresentar e descrever o método da recons-
trução biográfica de caso tomando como referência uma análise de dados
levantados a partir de entrevistas (subcapítulo 6.2). Ao final (subcapítulo
6.3), abordarei a aplicação do método de reconstrução em outros campos
de pesquisa, como, por exemplo, de famílias ou de organizações.

6.1 A PESQUISA BIOGRÁFICA E SEUS FUNDAMENTOS TEÓRICOS

História da pesquisa biográfica.2 As primeiras pesquisas biográficas


desenvolvidas dentro de universidades foram realizadas nos anos 1920
por sociólogos e psicólogos, quase que em paralelo. Na psicologia, pode-
mos citar a psicanálise como precursora da pesquisa biográfica produ-
zida dentro do ambiente acadêmico. Além de a sessão psicoanalítica de
fato poder ser caracterizada como procedimento biográfico, o próprio
Sigmund Freud chegou a desenvolver investigações com base em aspectos
da história de vida de personalidades históricas (como Moisés e também
Leonardo da Vinci). Porém, seus estudos voltavam-se apenas para deter-
minados segmentos de uma história de vida, não para a biografia tomada
integralmente. Acontecimentos vivenciados na infância ou na juventude
eram considerados mais determinantes (ERIKSSON, 1966).
Um dos pontos altos dessa pesquisa biográfica foi alcançado nos anos
1920 e 1930, com os trabalhos de Charlotte e Karl Bühler no Instituto de

1
Este capítulo é uma versão retrabalhada de dois outros textos (ROSENTHAL, 2002b;
2004).

2
Para maiores detalhes, ver: Fuchs-Heinritz (1998).

211
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Psicologia da Universidade de Viena. A partir de estudos empíricos sobre


infância e juventude, Charlotte Bühler (1933), em sua obra mais conhecida
A história de vida do indivíduo como problema psicológico, propôs, primei-
ro, uma análise de ações individuais tomando um recorte de uma fase de
vida e, ainda, que a psicologia do desenvolvimento ampliasse seu escopo
de pesquisa, englobando toda a extensão da vida da pessoa: “Me pareceu
ser de grande importância que o processo de apreensão científica daquilo
que as pessoas de fato desejam para si, o modo como colocam seus obje-
tivos, até seus últimos dias, comece pela última fase da vida e considere
a integralidade de seu curso” (BÜHLER, 1933, p. VII).
É considerado pioneiro na pesquisa biográfica na sociologia o estudo
sobre migração “O lavrador polonês na Europa e nos Estados Unidos”, de-
senvolvido na Universidade de Chicago por William Isaac Thomas e Florian
Znaniecki (1918-1920). Além da análise de documentos sobre o processo
de migração, a obra contém, apenas, uma biografia de um migrante polo-
nês – encomendada pelos autores. Contudo, como os próprios afirmam, os
pesquisadores estavam “seguros de que relatos de vida pessoais – os mais
completos possíveis – configuram dado ideal da investigação sociológica”
(THOMAS; ZNANIECKI, 1958, II, p. 1.832-1.833). De acordo com os autores,
fontes autobiográficas oferecem um acesso privilegiado a experiências e
perspectivas subjetivas; elas permitem alcançar, afirmam, “a totalidade
da realidade social, viva e dinâmica, que se esconde sob as ordens for-
mais das instituições sociais, sob os fenômenos de massa estatisticamente
categorizados” (p. 1.835). Com base nesse estudo, foi desenvolvido, nos
anos 1920, no departamento de sociologia da Universidade de Chicago, o
método biográfico, graças à iniciativa de Ernest W. Burgess e Robert E.
Park (ver subcapítulo 1.3). Reconhecia-se, ali, a vantagem do estudo de
caso biográfico não apenas para a apreensão da perspectiva subjetiva e
da ação social de integrantes dos mais variados meios – inclusive da gene-
alogia de seu surgimento –, mas também para a reconstrução de mundos
da vida em geral e da aplicação de seus resultados na busca de respostas
para questões originadas na práxis social.
A releitura dos trabalhos da Escola de Chicago por sociólogos a partir
dos anos 1970 deu origem a um verdadeiro florescimento na pesquisa
biográfica interpretativa – sobretudo na sociologia alemã, mas também
na sociologia internacional. O primeiro volume com artigos sobre o tema,
editado por Martin Kohli e publicado em 1978, recebeu o título de Sociologia
da trajetória de vida. Em 1981, o sociólogo francês Daniel Bertaux publicou

212
GABRIELE ROSENTHAL

o manual Biografia e sociedade. No mesmo ano, Joachim Matthes, Arno


Pfeifenberger e Manfred Stosberg organizaram a primeira coletânea de
trabalhos apresentados em um congresso sobre o assunto, com o tema
Biografia desde a perspectiva da ciência da ação. Em 1984 foi publicado
um outro volume, organizado por Günter Robert e Martin Kohli, intitulado
Biografia e realidade social. Também naquele ano, Werner Fuchs publica
sua introdução à pesquisa biográfica, republicada, em edição revisada e
retrabalhada, no ano 2000.
Com seus trabalhos programáticos e empíricos, Martin Kohli contribuiu
de forma fundamental para a institucionalização, na sociologia alemã, da
pesquisa biográfica (KOHLI, 1985; FISCHER; KOHLU, 1987). Atualmente,
o método é aplicado em várias áreas da sociologia. Podemos citar como
exemplo estudos sobre carreiras profissionais (ALHEIT; DAUSIEN, 1985;
BROSE, 1986), sobre migração (APITZSCH, 1999; BRECKNER, 2005;
LUTZ, 2000; SCHULZE, 2006), sobre doenças e biografia (FISCHER, 1986;
HANSES, 1996; HILDENBRAND, 1983; RIEMANN, 1988), religião e bio-
grafia (WOHLRAB-SAHR, 1995), biografia e sexualidade (DAUSIEN, 1996;
1999), sobre socialização política de jovens de extrema-direita (INOWLOCKI,
2000; KÖTTIG, 2004) e, por fim, sobre o significado biográfico do nacio-
nal-socialismo ou do sistema político na República Democrática Alemã
(ALHEIT et al., 2004; MIETHE, 1999; ROSENTHAL, 1997; VÖLTER, 2003).
Essa corrente de pesquisa continua a ampliar sua influência em ou-
tras disciplinas das ciências humanas e sociais. Nas ciências da educação
(ALHEIT, 1994; KRÜGER; MAROTZKI, 1999), ela já vem se firmando até
mesmo como disciplina, com propostas teóricas bem específicas. Nas ci-
ências da história, os representantes da História Oral, que também vem
ganhando em significado, costumam utilizar entrevistas biográficas na
busca por dados sobre épocas recentes, aplicando também, na maioria
das vezes, métodos de interpretação narrativos (BORNAT, 2004; SIEDER,
1999; THOMSON, 1992; V. PLATO, 1998).
Nos últimos anos, a psicologia também vem redescobrindo o conceito
de biografia. Na Alemanha podemos citar, sobretudo, os trabalhos de Gerd
Jüttemann, que, com Hans Thomae, já trouxe a público dois volumes sobre
o tema (1997; 1998). Jüttermann (1998), com seu conceito de casuística
comparada, propõe investigar fenômenos psicológicos voltando-se para o
modo como se desenvolvem, considerando o contexto de causalidade em que
se inserem e as condições de seu surgimento, para assim compreendê-los
e explicá-los. Fora da Alemanha, estudos realizados por Dan Bar-On (1994;

213
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

2004), Jerome Brumer (1990), George C. Rosenwald, Richard L. Ochberg


(1992) e Dan McAdams – apenas para citar alguns – estimularam releitu-
ras da pesquisa biográfica realizada a partir de métodos narrativos e da
psicologia compreensiva. Entre 1993 e 1999, a norte-americana Ruthellen
Josselsone e a israelense Amia Lieblich editaram o anuário O estudo narra-
tivo de vidas, no qual reuniam estudos em psicologia realizados de acordo
com princípios da pesquisa narrativa biográfica e também desenvolvidos
dentro de universidades. Um dos representantes da pesquisa alemã nessa
publicação foi Jürgen Straub (1993).
Pressupostos teóricos. Os representantes da pesquisa biográfica in-
terpretativa aplicam métodos biográficos não apenas para solucionar
problemas relacionados diretamente à história de vida de indivíduos, mas
buscam, antes, formular, em caráter biográfico, perguntas de pesquisa es-
pecíficas em diferentes campos. Os pressupostos teóricos, sobre os quais
esses estudos se baseiam, serão expostos a seguir. Na forma de um expe-
rimento especulativo, serão simulados dois projetos diferentes de pesquisa
empírica. No primeiro deles, o objeto de pesquisa seria o histórico de saúde
de pessoas que sofrem de esclerose múltipla. Um outro projeto teria como
objetivo reconstruir a vivência de jovens de classes sociais mais baixas
da população em oficinas de profissionalização.3 Em ambos os casos, nos
concentraríamos, durante o levantamento e a análise de dados, nas ques-
tões que motivam cada uma das pesquisas e voltar nossa atenção para os
fenômenos que mais nos interessam. Poderíamos optar, assim, em ambos
os casos, por entrevistas estruturadas. Em um deles seria possível formular
objetivamente perguntas sobre as vivências envolvidas no convívio com a
doença, ou então – já com base no método da entrevista narrativa – pedir
para contar sobre o histórico dessa experiência, desde o diagnóstico até o
presente. No outro, poderíamos fazer perguntas sobre a experiência sobre o
aprendizado do ofício e complementá-las com uma observação participante
do cotidiano do curso de formação profissional. Em todo caso, propomos,
antes, para ambos os projetos de pesquisa, que o acesso seja construído
respeitando os princípios teóricos dos estudos biográficos, com seus mé-
todos de levantamento e de análise de dados característicos, por meio de
entrevistas narrativas biográficas e através da reconstrução biográfica do
caso. Deixaríamos, assim, que os pesquisados – pacientes com esclerose

3
Um estudo do tipo foi realizado sob minha supervisão por Michaela Köttig, Nicole Witte
e Anne Blezinger a pedido da organização alemã Jugendmarke (ROSENTHAL et al., 2006).

214
GABRIELE ROSENTHAL

múltipla ou jovens aprendizes – nos relatassem todo seu passado biográfico,


para então buscar reconstruí-los integralmente. Em ambos os estudos, con-
forme mencionado, o processo poderia ser combinado com uma observação
participante. No caso, a interpretação do cotidiano dos jovens no curso de
formação profissional – enquanto objeto da observação – teria sempre que
considerar o pano de fundo biográfico de cada um dos aprendizes.
Essas opções metodológicas não se justificam apenas pelo fato de eu
ter construído minha carreira na pesquisa biográfica e de ter interesse na
história de vida das pessoas. A opção por aplicar essa metodologia tem como
base pressupostos teóricos bem definidos, os quais, em estudos sociológicos
ou históricos de fenômenos sociais e experiências de indivíduos, permitem
que o significado desses fenômenos seja interpretado sem desconsiderar o
contexto mais amplo da história de vida. Como muitos colegas que realizam
esse tipo de análise, acredito ser necessário reconstruir tanto as trajetórias
biográficas quanto as construções biográficas atuais – e isso, por exemplo,
tanto na investigação sobre a experiência da doença quanto na pesquisa
da vivência do cotidiano de um curso de formação profissional ou então
na análise de opiniões a respeito do sistema de saúde ou de ensino. Essa
perspectiva se fundamenta sobre os seguintes pressupostos teóricos:
1. Para que possamos compreender ou explicar4 fenômenos psíqui-
cos ou sociais, temos que reconstruir sua gênese – o processo de
seu surgimento, de sua conservação e de sua modificação.

2. Para compreender e explicar a ação de indivíduos é necessário


conhecer tanto as perspectivas dos agentes como também os
próprios cursos de ação. Queremos saber o que eles concreta-
mente vivenciaram, qual sentido atribuíram a suas ações à época
e atribuem agora e em qual contexto de significado – biografica-
mente constituído – inserem suas vivências.

3. Para compreender e explicar as declarações de um entrevistado/


biografado sobre determinados domínios temáticos e sobre vi-
vências específicas de seu passado, é necessário interpretá-las
considerando sua inserção no contexto de sua vida atual e sua
perspectiva atual e futura daí resultante.

4
“Compreender” e “explicar” são entendidos aqui no sentido atribuído por Max Weber aos
conceitos. De acordo com Weber, a tarefa do pesquisador consiste primeiro em compreender o
sentido subjetivamente visado do agente (com outras palavras: suas interpretações da situação
e suas intenções com a ação) e, por meio dessa apreensão, explicar seu agir e suas consequên-
cias em interdependência com o agir alheio.

215
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Mas qual o significado desses pressupostos para nossos possíveis pro-


blemas de pesquisa? Para compreender e explicar um fenômeno passado
ou atual, como o convívio com a esclerose múltipla, a situação em que um
diagnóstico médico é comunicado ao paciente ou o cotidiano de um jovem
em um curso profissionalizante, precisamos obter uma visão sobre a história
dos envolvidos, sobre sua biografia. Perguntamos depois pelas experiên-
cias que antecederam os fenômenos que nos interessam, pela sequência
em que ocorreram, assim como pelas vivências que as seguiram. Trata-se
de reconstruir o fenômeno em questão, como, por exemplo, a vivência do
paciente, sempre em seu processo de constituição. Isso diz respeito tanto
a processos de surgimento quanto de modificação e de reprodução das
estruturas existentes. Por essa razão que reconstruímos a gênese de um
fenômeno não apenas a partir da interpretação das vivências atuais de uma
doença ou de um cotidiano de trabalho – até o presente da entrevista –,
mas também a partir de uma reflexão sobre a vivência de um diagnóstico já
realizado ou da educação já recebida. As narrativas ou as argumentações
sobre o diagnóstico ou a carreira profissional se constituem, tal como o
processo de recordação no presente da fala, em uma situação concreta de
interação. Por seu lado, esse presente é resultante tanto do passado – ou
seja, ele vem se desenvolvendo desde a realização do diagnóstico, desde o
princípio da formação profissional – como também de processos biográficos
e de experiências anteriores ou posteriores. Reconstruções biográficas de
caso podem explicar importantes períodos de transição, chamados “pontos
de interpretação” (FISCHER, 1978), os quais levam a reinterpretações não
apenas do passado e do presente, mas também do futuro. Esses “pontos
de interpretação” podem ter origem tanto no discurso compartilhado e
no processo de desenvolvimento da sociedade como em modificações do
sistema familiar ou em períodos de transição de uma história de vida. Eles
podem ser causados, por exemplo, por uma mudança no discurso científico
sobre a origem e as chances de cura da esclerose múltipla, no debate sobre
os efeitos do recebimento de auxílio-desemprego em conjunto com outros
tipos de auxílio, ou também pelo falecimento do pai ou da mãe, por uma
doença grave da irmã ou por um novo parceiro.
Na pesquisa biográfica na sociologia – em especial na Alemanha – é
comum, por isso, analisar toda a história de vida, considerando-a tanto
em sua gênese como também em sua construção a partir do presente
dos entrevistados. Por essa razão, o levantamento e a análise de relatos
da história de vida não se limitam a um aspecto particular ou a fases

216
GABRIELE ROSENTHAL

específicas da biografia. A análise desses períodos da biografia – como a


vivência do cotidiano no trabalho ou do processo de migração – só pode
ser realizada quando a estrutura – isto é, a Gestalt – da história de toda a
vida e da narrativa de toda a vida tiver sido apreendida.
Vivenciado – recordado – narrado. Mas como é possível, então, falar de
acontecimentos do passado se tudo o que temos são declarações atuais,
informações extraídas no presente? A resposta a essa pergunta exige algu-
mas reflexões sobre a relação entre o que é vivenciado, o que é recordado
e o que é narrado. A partir das considerações fenomenológicas de Aron
Gurwitsch (1974) sobre a teoria da Gestalt, procurei analisar essa relação
na dialética que lhe é própria (ROSENTHAL, 1995, p. 27-98).
Narrativas sobre o passado estão diretamente vinculadas ao presente
da fala. A situação de vida atual determina o olhar sobre o passado, isto
é, produz um passado específico, recordado de acordo com o contexto.
Por exemplo, se uma pessoa é confrontada, de forma inesperada, com o
diagnóstico de uma doença como a esclerose múltipla, o modo como ela
enxerga seu passado certamente mudará. Ela pode passar a dar mais
importância a temas como saúde e enfermidades, a ponto de os assuntos
se tornarem dominantes em seu cotidiano. As vivências que vêm à sua
memória com mais frequência são outras se tomarmos fases da vida ante-
riores ao diagnóstico como referência. Através desse ato de revisão, desse
“voltar-se a” – que Edmund Husserl chama de noesis –, determinadas vi-
vências passadas não apenas vêm à mente, mas também se apresentam de
outra forma. Dá-se origem, assim, a um outro noema relativo à memória,
como Husserl denomina a presentificação por meio da recordação.5 Por
exemplo, a pessoa passa a enxergar situações cotidianas de seu passado
nas quais deixava objetos cair no chão não mais como ações desastradas,
mas como primeiras manifestações da doença. Ela insere essas vivências
em um outro contexto de sentido. Com isso, tornam-se copresentes outras
vivências que não as anteriores. O tema desse vivenciar muda e, com ele,

5
O se apresentar à consciência – seja na percepção imediata, na memória ou na represen-
tação – é caracterizado por Husserl como noema. Husserl distingue entre noema relativo à per-
cepção, noema relativo à vivência e noema relativo à memória. Enquanto a noesis configura o
“como” do “voltar-se a” algo, o noema é o “como” da presentificação de algo. Por noema não se
entende o objeto (ou o acontecimento) mesmo, mas o “objeto no ‘como’ de seu ser intencional,
o objeto tal como – e apenas dessa forma – ele se apresenta no ato da consciência em questão,
como ele é apreendido e intencionado nesse ato, o objeto na perspectiva, na referência, sob a
iluminação e no caráter particular em que ele se presentifica” (GURWITSCH, 1959, p. 426).

217
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

como mostra Gurwitsch, também o campo temático. A vivência não está


mais inserida no campo temático “desastrada”, ela passa a constituir o
campo “sintomas da minha doença”. Após se informar sobre os diferentes
sintomas de sua doença, podem lhe vir à mente também situações nas
quais parecia não conseguir enxergar direito. A pessoa considera, agora,
essas situações ligadas ao problema de visão como relacionadas às ante-
riormente interpretadas como atos desastrados e passa a enxergá-las, da
perspectiva atual da experiência da enfermidade, como partes integrantes
do campo temático “sintomas da minha doença”.
A perspectiva presente determina, portanto, a escolha das lembran-
ças, as ligações temporais e temáticas do que se torna objeto da memória
e o modo com que as vivências recordadas se apresentam à consciência.
Essa concepção tem como base a ideia de que o significado daquilo que
foi vivenciado – como todo tipo de significação – está em relação direta de
dependência com um ou mesmo vários contextos. Isso quer dizer que, ao
longo da nossa vida, com seus “pontos de interpretação”, vemos sempre
surgir novos passados em forma de recordação. Essa construção a partir
do presente não deve ser compreendida, porém, como ato independente
do passado vivido. É evidente que relatos de vivências próprias, feitos a
partir de lembranças também são constituídos pelo vivenciar que teve
lugar em épocas passadas. Aquilo que se apresenta à consciência no pre-
sente do relato feito com base na memória faz referência ao ato lembrado,
e todo noema relativo à memória faz também referência a outros noemata
possíveis relativos ao mesmo sistema noemático. Isso significa que a cada
noema relativo à memória se apresentam também outros dados possíveis,
a partir dos quais – e com eles – se forma um complexo amplo e conciso de
relações temáticas possíveis ou proximamente interligadas. Nessa relação
essencial entre noema e sistema noemático, isto é, entre parte e todo,
vemos reproduzida a relação entre noema relativo à memória e vivência.
Por exemplo, lembrar ter deixado cair, certa manhã, de forma totalmente
inesperada, uma xícara cheia de café e passar a enxergar, nessa lembrança,
manifestação da esclerose múltipla configura apenas uma possibilidade
de “se voltar ao” acontecimento (noesis) e, em correspondência, de re-
presentar o ocorrido (noema) – trata-se de um noema relativo à memória,
entre outros possíveis. Esse noema diz respeito, assim, tanto à vivência
enquanto presentificação passada daquele vivenciar (noema relativo à
vivência) quanto à experiência cotidiana de ser desastrado. Na medida em
que o noema relativo à memória específica fizer referência a uma vivência

218
GABRIELE ROSENTHAL

passada e ao sistema noemático mais amplo, ou seja, também ao noema


relativo à vivência, podemos dizer que o passado está atuando sobre o
presente. É de fato possível que, com um novo ato de atenção da consci-
ência – o “voltar-se a” –, a vivência venha à memória dotada de aspectos
diversos aos considerados até então e, possivelmente, mais “próximos”
àquilo que foi, à época, vivenciado. Ao se voltar intencionalmente para o
vivenciar da situação da xícara de café caindo no chão, é possível, desse
modo, que a irritação sentida após o ocorrido seja atualizada, assim como
a estranha sensação de não conseguir coordenar os movimentos das mãos.
É justamente essa nova forma de pensar o passado, a partir da perspectiva
atual – no caso, após o diagnóstico de esclerose múltipla –, que determina
o aspecto da vivência ao voltar ao foco da memória e o modo com que ela,
a vivência, será novamente representada.
Assim, a relação dialética entre vivenciar, recordar e narrar significa,
entre outras coisas, que vivências pertencentes ao passado não vêm à
mente do falante, no presente da recordação e do relato, tal como foram
vivenciadas, mas apenas no “como”, no modo específico de sua apresen-
tação, apenas na relação de troca entre aquilo que vem à mente no pre-
sente do relato e aquilo que foi intencionado ou visado. Mas não é apenas
a situação de fala que constitui a experiência, tornada novamente objeto
da consciência no processo de recordação e de narração. Também o noe-
ma relativo à lembrança, tornado representação a partir da memória, já
oferece uma estruturação.
Narrativas de experiências vivenciadas pelo próprio falante fazem
referência, portanto, tanto à forma de lidar atual com esse passado como
também ao que foi vivenciado à época. Da mesma forma como o passado
também se constitui a partir do presente e da projeção de acontecimentos
vindouros, o presente deve ser compreendido como produto do passado e
da representação do futuro. Por meio das entrevistas narrativas biográfi-
cas, adquirimos informações não apenas sobre o passado do falante, mas
também sobre seu momento atual e suas expectativas. Até mesmo relatos
ficcionais do falante, isto é, relatos de acontecimentos que jamais tiveram
lugar e que costumam servir para mascarar determinadas vivências ou
“reescrever” a própria biografia, possuem um conteúdo de realidade, no
sentido de que, por um lado, atuam na construção da realidade presente e,
por outro, contêm resquícios da realidade ou da história passada que é igno-
rada (ROSENTHAL, 2002a). Na tentativa de negar a realidade vivenciada, o
falante faz referência, em estrutura e em conteúdo, ao que é negado. “Pois

219
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

também na negação toma-se como referência fundamental o negado, deixa-


-se determinar por ele, ainda que sem querer” (MANNHEIM, 1928, p. 181).
O geral no caso particular. Como mostrado anteriormente (ver subca-
pítulos 2.5.5 e 2.5.6), na pesquisa biográfica interpretativa o que se busca
não é uma generalização estatística ou numérica, mas teórica, e a partir
do caso particular. Na sociologia é possível identificar uma polarização,
ocorrida ainda no início dos anos 1980, entre uma pesquisa de trajetórias
de vida que trabalha com métodos quantitativos e uma pesquisa biográfica,
realizada a partir de princípios de estudo qualitativo. Enquanto a primeira
toma como objeto eventos “factuais” da biografia, a segunda investiga
interpretações, além de construções biográficas ou autobiográficas. Na
segunda, não se trata de investigar objetivamente acontecimentos pre-
determinados – como faz, por exemplo, a pesquisa de “eventos da vida”
(“Life-Event”) –, mas, sim, de reconstruir, a partir do contexto geral da
história de vida que é narrada, as vivências relevantes para o próprio en-
trevistado do ponto de vista biográfico, o modo com que ele interpretou
e interpreta essa vivência e a forma com que ele atribui à vida um nexo
de sentido, dando origem ao construto que chamamos biografia ou his-
tória de vida – compreendida, então, como resultante de uma construção
subjetiva (ALHEIT, 1993; FISCHER; KOHLI, 1987; ROSENTHAL, 1995). A
pesquisa biográfica busca, a princípio, compreender e explicar biografias
individuais e utiliza, por isso, procedimentos interpretativos.
Por se concentrar no caso particular e no seu histórico, o método da
pesquisa biográfica sempre foi, de diferentes formas, relacionado ao da
psicanálise. Por isso é importante, aqui, estabelecer algumas diferenças
entre eles. Primeiro, além do fato de que, na pesquisa biográfica na so-
ciologia, a forma com que chegamos às perguntas de pesquisa e novos
conceitos é totalmente distinta do modo com que a psicanálise, que tem
como objeto a dinâmica da atividade psíquica do indivíduo, constrói teo-
rias, há também claras diferenças no que diz respeito à interpretação do
caso. Essas disparidades metodológicas foram debatidas, por exemplo,
por Andreas Hanses, em uma análise biográfica de pessoas que sofrem de
epilepsia. Hanses parte do princípio de que, na psicanálise, a relação entre
biografia e doença é compreendida como uma ligação entre “dois eventos
pontuais”: o surgimento de sintomas no “aqui” “está em relação com um
‘ali’ de um conflito com o qual a pessoa tem que lidar desde muito cedo,
na infância. [...] A questão da diferença fica evidente ao considerarmos o
modo com que o período entre o desenvolvimento estrutural na infância

220
GABRIELE ROSENTHAL

e o surgimento da doença são interpretados” (HANSES, 1996, p. 83). A


nosso ver, essa ideia do diagnóstico psicanalítico é um pouco radical e
não tem muito a ver com a perspectiva própria daqueles psicanalistas
interessados não apenas no domínio daquilo que é imaginado ou fanta-
siado, mas, sobretudo, no concretamente vivenciado (perspectiva a qual,
contudo, também podemos notar na pesquisa biográfica). Ao contrário do
diagnóstico do psicanalista, a pesquisa biográfica busca objetivamente
investigar, a princípio, o processo permanente de desenvolvimento de
determinados fenômenos – como o de uma doença – e, ainda, situá-los na
biografia individual tomada integralmente, em uma inter-relação consti-
tutiva entre indivíduo e sociedade. O pesquisador busca evitar o quanto
possível o uso de categorias patológicas e, ao invés disso, reconstruir a
racionalidade inerente aos fenômenos. Outra diferença essencial consiste
em que, nas análises biográficas, o objetivo é a reconstrução do significado
de fenômenos individuais em seu contexto de surgimento. O diagnóstico
psicanalítico, ao contrário, tende mais à apreensão seletiva de fenôme-
nos de acordo com seus critérios teóricos, nos quais subsume, também,
conceitos já construídos.
Reconstruir todo um processo biográfico, assim como a vigência e a
transformação de determinados fenômenos, significa, por exemplo, na
análise da manifestação da esclerose múltipla, além da reconstrução do
processo de desenvolvimento da doença, analisar, feito o diagnóstico e
após ter vivenciado acontecimentos relacionados a ele e à própria saúde,
tanto a vivência de estar saudável quanto a reconstrução mesma de rein-
terpretações da experiência da doença e da vida sem ela. Do mesmo modo,
o pesquisador deve reconstruir, no caso de biografias de jovens com um
nível mais baixo de instrução, os processos que constituem o histórico
da formação de cada um, tanto quanto sua afirmação cotidiana, isto é, a
produção constante, interativa e prática, do modo de ser dos indivíduos em
questão. Não se trata, aqui, de proceder de acordo com o modelo clássico,
apropriado da física mecânica, da busca por nexos causais ou relações de
causa e efeito, mas de identificar nexos “histórico-reconstrutivos do tipo
‘como foi possível que... se tornasse assim?’” (DAUSIEN, 1999, p. 228) ou
relações constitutivas entre experiências próprias a uma história de vida
e sua configuração na construção biográfica (ROSENTHAL, 1995).
Contudo, em análises biográficas não se trata apenas de considerar as
definições construídas pelo indivíduo sobre sua biografia, mas também de
analisar interpretações feitas por outras pessoas. No caso de um jovem

221
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

aprendiz, por exemplo, podemos investigar as atribuições de significado


feitas por outros indivíduos às quais ele se encontra exposto no âmbito
institucional do curso profissionalizante e o modo com que elas influen-
ciam suas ações e também suas construções biográficas. Ou, então, no
caso do histórico da doença, pode-se levantar não apenas a questão sobre
o que é ali definido como saudável ou doente, mas também o modo com
que os outros definem esse estado e o processo de transformação, ocor-
rido ao longo da vida do indivíduo, do discurso dominante sobre saúde e
enfermidades compartilhado socialmente. A pesquisa biográfica trabalha
sistematicamente como uma teoria interacionista da socialização que
busca apreender a relação constitutiva entre as definições construídas
pelo próprio indivíduo e as que partem do outro, ou, dito de forma geral, a
relação constitutiva entre geral e particular e os efeitos dessa relação – por
exemplo, seus efeitos no desenvolvimento de uma doença (HURRELMANN,
2000, p. 69-70). Ao contrário de várias outras teorias, a pesquisa biográfica
consegue sustentar empiricamente a ideia de que a socialização configura
um processo que se estende por toda a vida da pessoa, sempre dentro na
relação constitutiva entre o indivíduo e o social (HURRELMANN, 1998).
Vivências biográficas e sua reprodução por meio de relato ou comu-
nicação são parte integrante dos enquadramentos sociais, que podem
ser classificados, assim, em enquadramentos de contextos cotidianos
informais, como uma família ou um círculo de amigos, e enquadramentos
de contextos formalmente organizados, como, por exemplo, um encontro
partidário, uma reunião entre líderes religiosos ou uma sessão de terapia
(FISCHER-ROSENTHAL, 1999, p. 37). Nas sociedades modernas, esses
enquadramentos sociais estão diretamente ligados a setores funcionais,
como o sistema jurídico, o sistema de saúde, de ensino ou à ciência. O
significado específico atribuído a vivências biográficas do entrevistado
em determinada época, o modo com que elas constituem o estoque de
experiência do falante, é determinado, tal como a reprodução dessas
vivências no presente do relato, pelos recortes sociais e pelas regras
culturais com as quais se relacionam. Ao analisarmos entrevistas reali-
zadas no contexto de investigações sociológicas, não podemos esquecer
que cada enquadramento oferece regras para o relato de experiências
biográficas e que isso também ajuda a determinar, a partir de cada
definição situacional por parte do indivíduo, aquilo que será abordado
em uma entrevista e também o que não será tematizado. Ou seja, a
definição da situação pode variar consideravelmente dependendo do

222
GABRIELE ROSENTHAL

entrevistado. Alguns definem a entrevista, a princípio, como inserida em


um contexto de investigação científica, outros, como sessão de terapia,
como bate-papo ou também como entrevista jornalística.
Quando, como, o que e em quais contextos algo pode ser tematizado ou
não varia de acordo com regras sociais, institucionais ou específicas a um
grupo, isto é, de acordo com as regras de diferentes discursos.6 O discurso
próprio à instituição de ensino, mas também o discurso predominante na
sociedade sobre jovens e suas chances no mercado de trabalho, exerce
grande influência sobre o relato de vida de um jovem aprendiz. O mesmo
vale para os discursos divergentes encontrados na medicina – e que tam-
bém se modificam ao longo do tempo – em relação à vida a ser levada por
um paciente com esclerose múltipla. Nesse caso, não podemos ignorar, por
exemplo, o fato de que, à época do nacional-socialismo, essa doença ter sido
considerada hereditária. Uma pesquisa biográfica que pretende compreen-
der a relação constitutiva entre indivíduo e sociedade deve sempre buscar
identificar as regras do discurso que regem a ação e também suas variações
no contexto dos relatos biográficos. Nesse sentido, a análise de histórias de
vida é também – e sempre – uma forma de análise do discurso.7 Se, por um
lado, análises sequenciais de material textual oriundo de cartas, diários,
impressos, entre outros, devem ser realizadas sempre de acordo com o
problema apontado pela pesquisa, o contraste de relatos biográficos deve
permitir evidenciar, por outro, o discurso predominante no grupo de pessoas
entrevistadas ou em sua geração.8 Por meio da comparação contrastante fica
claro sobre quais temas é permitido se expressar, quais experiências podem
ser contadas ou não; fica claro também o modo como essas experiências
foram interpretadas e quais configurações argumentativas se firmaram.
Outras entrevistas em grupo ajudarão a ampliar o fundamento empírico
desses resultados (ver, por exemplo, MIETHE, 1999).

6
Compreende-se “discurso” no sentido atribuído por Michel Foucault (1988, p. 156), isto
é, enquanto “práticas” de escrita e de fala “que constituem sistematicamente os objetos aos
quais se referem”. Essas práticas implicam na exclusão e também na autorização de falantes e
criam as regras que determinam em qual contexto algo pode ser tematizado, seja por meio da
fala ou da escrita. Sobre análise do discurso, ver subcapítulo 7.4.

7
Sobre a relação entre análise de discurso e análise biográfica, ver: Völter (2003, p.
34ss.).

8
Esses discursos representam, com as experiências constitutivas de uma geração, um elemen-
to essencial para a reconstrução de gerações sociais feita com base empírica (ROSENTHAL, 1997b).

223
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

A reconstrução sociológica do trabalho biográfico, como debatida em


Vivência e interpretação da vida vivida partindo do sistema psicológico
(FISCHER-ROSENTHAL, 1999, p. 36), esclarece, assim, não apenas a
particularidade do caso, mas evidencia, antes, o social mesmo, em seu
surgimento e em suas implicações para a ação. A análise da narrativa
biográfica dificulta que aspectos essenciais da relação de constituição
mútua entre indivíduo e sociedade, assim como a relevância atual da his-
tória coletiva, passem despercebidos ao olhar do pesquisador. Biografia
individual e a história social – realidade subjetiva e realidade coletiva
– se implicam mutuamente; a biografia, em seu processo concreto de
desenvolvimento, mas também quando reexaminada pelo entrevistado
a partir do momento presente, é sempre dual, produto ao mesmo tempo
individual e coletivo.

6.2 EXEMPLO DE RECONSTRUÇÃO BIOGRÁFICA DE CASO

6.2.1 História de vida vivenciada e narrada

Os pressupostos teóricos discutidos até aqui têm algumas implicações


importantes para os métodos de levantamento e de análise de dados. Eles
devem não apenas evidenciar as interpretações atuais feitas pelo entre-
vistado, mas possibilitar a apreensão da gênese e da sequência formal
da biografia assim como a reconstrução de ações já ocorridas e também
daquilo que foi vivenciado à época. A entrevista narrativa biográfica,
como mostrado no subcapítulo 5.4, cumpre essas exigências de forma
bem específica e é utilizada para o levantamento de dados pela maioria
dos pesquisadores, ao menos em estudos biográficos desenvolvidos na
Alemanha. O procedimento da reconstrução biográfica de caso apresentado
em outros volumes (ROSENTHAL, 1987; 1995) pressupõe justamente essa
forma de levantamento e tem como objetivo sobretudo a reconstrução, em
diferentes passos – do ponto de vista analítico –, da perspectiva do agente
à época dos acontecimentos e também de sua perspectiva atual. Trata-se,
aqui, do resultado de uma combinação entre a análise de material textual
como desenvolvida por Fritz Schütze (1983), a hermenêutica estrutural
de Ulrich Oevermann (OEVERMANN et al., 1979) e a análise do campo
temático (FISCHER, 1983, a partir de GURWITSCH, 1974). Vários outros
pesquisadores utilizam a análise do texto combinada com a hermenêutica
objetiva (HILDENBRAND, 1991a; WOHLRAB-SAHR, 1995).

224
GABRIELE ROSENTHAL

Comum às diferentes abordagens é justamente o modo de proceder,


reconstrutivo e sequencial. “Reconstruir” significa, aqui, buscar o signi-
ficado de cada passagem sempre tomando como ponto de partida o con-
texto mais amplo da entrevista, ao invés de trabalhar o texto a partir de
categorias predefinidas – como na análise de conteúdo. “Sequencialmente”
caracteriza um modo de interpretar o texto ou então pequenas unidades
textuais respeitando sua sequência de surgimento, sua forma sequencial
(ver subcapítulo 2.5). O método de reconstrução biográfica discutido aqui
consiste em um procedimento sequencial no qual se analisa a estrutura
temporal da história de vida, tenha ela sido narrada ou vivenciada. Isso
quer dizer não apenas analisar cada parte do texto detalhada e sequen-
cialmente – como no método da hermenêutica objetiva (OEVERMANN et
al., 1979) –, tampouco apenas analisar o relato principal em sua Gestalt
sequencial – como no procedimento da análise do campo temático –, mas
também a biografia vivenciada. Além da questão sobre a sequência e o
tipo de texto em que o entrevistado relata vivências biograficamente
relevantes ou sua história de vida mesma, investigamos também o modo
com que cada experiência biográfica é organizada temporalmente dentro
da biografia vivenciada pelo falante. Na reconstrução da história do caso,
buscamos, assim, explicitar a gênese da história de vida do entrevistado
e, na análise da exposição da biografia do falante, decifrar a gênese do
relato no presente – a qual, em suas relações temáticas e temporais, se
distingue, a princípio, da cronologia das vivências.
Importante é que ambos os domínios – o da biografia vivenciada e
da biografia narrada – sejam primeiro analisados passo a passo, separa-
damente, tendo em vista que o objetivo da reconstrução é decifrar tanto
o significado biográfico daquilo que foi vivenciado no passado quanto o
sentido de sua narrativa, realizado no presente. Enquanto que na recons-
trução da história do caso nosso objetivo é chegar ao significado biográ-
fico de uma experiência tal como ocorrida à época, com a reconstrução
da narrativa das vivências – na chamada análise do campo temático e do
material textual – buscamos descobrir a função da narrativa das vivências
para o entrevistado em seu contexto social atual.
Fundamental nesse procedimento e em outros métodos da hermenêutica
objetiva em geral é a suspensão temporária do problema de pesquisa, a
qual, dependendo da disciplina de origem do pesquisador, pode já sugerir
alguns modelos visando à generalização teórica. Alguns reconstroem uma
biografia visando ao desenvolvimento de um modelo para a apreensão da

225
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

postura política de diferentes gerações, outros buscam, com ela, comparar


diferentes perspectivas sobre acontecimentos históricos, ou então investigar
consequências tardias de acontecimentos traumáticos. Primeiro, porém,
deve ser reconstruída a estrutura de caso de modo que a filiação teórica
dos pesquisadores não seja determinante para a análise (ver subcapítulo
2.5), estimulando, assim, uma reconstrução de caso interdisciplinar que
ajude a evitar uma perspectiva unilateral ou interpretações equivocadas.
Respeitando, aqui, sua estrutura sequencial, os passos da análise de
dados da reconstrução de caso são os seguintes:

RECONSTRUÇÃO BIOGRÁFICA DE CASO

1. Análise dos dados biográficos (dados relativos a acontecimentos).

2. Análise do campo temático e do material textual (análise de


segmentos do texto – autoapresentação/vida narrada).

3. Reconstrução da história do caso (vida vivenciada).

4. Análise detalhada de passagens textuais (pode ser realizada


em qualquer momento).

5. Contraste da história de vida narrada com a história de vida


vivenciada.

6. Construção tipológica.

A seguir, vou descrever cada passo da análise para então, com a ajuda
de um exemplo empírico, demonstrar o procedimento. Tomarei como re-
ferência a entrevista com uma pessoa – que receberá aqui o nome fictício
de Galina – nascida em 1968 na Sibéria. À época da entrevista, em 1992,
Galina trabalhava como socióloga assistente na faculdade de História de
uma universidade russa (ROSENTHAL, 2000).

6.2.2 Análise sequencial dos dados biográficos

Na análise sequencial de dados objetivos ou biográficos (OEVERMANN


et al., 1980) são analisadas, primeiro, informações que aparentemente se
relacionam apenas de forma indireta à pesquisa (por exemplo, quantidade

226
GABRIELE ROSENTHAL

de irmãos, informações sobre o nascimento, a formação, dados familia-


res, mudanças de cidade, histórico de saúde etc.), sempre considerando a
cronologia dos acontecimentos na história de vida do entrevistado. Esses
dados são obtidos na entrevista, mas podem ser extraídos de outras fon-
tes disponíveis (material de arquivo, entrevistas com outros integrantes
da família, relatórios médicos ou registros em órgãos públicos, como
documentos judiciais). Dados históricos ou sobre o passado político são
inseridos na análise da mesma forma com que as informações biográfi-
cas são utilizadas para compor um contexto histórico. Na entrevista com
Galina, por exemplo, tomamos como referência o processo de abertura
da União Soviética, a Perestroika. Além da contextualização histórica de
determinadas vivências biográficas, buscamos considerar cada fase de
vida a partir também da perspectiva da psicologia do desenvolvimento e
da teoria da socialização: para o cotidiano de um estudante de história,
comparado com o de uma criança cursando a escola primária, a Perestroika
representou certamente não apenas uma mudança muito maior, mas
também foi vivenciada de forma totalmente diferente, tendo em vista que
os desenvolvimentos cognitivos e emocionais de cada um são bastante
diversos. Para a construção de hipóteses, é necessário, do ponto de vista
heurístico, incorporar conhecimento teórico e empiricamente fundamen-
tado relativo ao objeto sobre os efeitos de determinados acontecimentos
ocorridos durante determinada fase da vida.
Cada dado biográfico, tomado individualmente, deve ser primeiro
analisado ainda desconsiderando interpretações do próprio entrevistado a
respeito desses dados mesmos, como também nosso conhecimento relativo
a fases seguintes da vida do falante. Reconstruímos, então, o contexto de
um acontecimento com o qual o entrevistado foi confrontado; projetamos,
de forma especulativa, os problemas relacionados à ação resultantes daí,
assim como as alternativas disponíveis a ele naquela situação. Em segui-
da, buscamos descobrir as alternativas com as quais o entrevistado pode
contar em determinado contexto, ou, como ilustrado por Ulrich Oevermann
e outros pesquisadores (1980, p. 23), buscamos descobrir aquilo que uma
pessoa, “racionalmente, isto é, de acordo com o sistema de regras conside-
rado vigente [...] deveria ou poderia fazer dentro de um contexto específico
de confrontação com determinado problema relacionado à sua ação”. Na
interpretação de cada um dos dados, procuramos sempre desenvolver, de
acordo com o procedimento abdutivo, hipóteses secundárias, hipóteses
sobre continuidades possíveis, caminhos os quais poderiam ser seguidos.

227
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Importante, aqui, é que busquemos imaginar o que poderia acontecer na


vida do entrevistado a ponto de tornar possíveis essas mudanças. Tais
prognósticos estão ligados, assim, não apenas a uma reprodução das
estruturas já hipoteticamente projetadas na análise (ou então somente
sugeridas ali), mas também a possibilidades de transformação. Antes, o
que se busca, objetivamente, é desenvolver ou esboçar possíveis mudanças.
À interpretação de um dado segue a interpretação do caminho que o
pesquisador julga ter sido de fato tomado pelo entrevistado. As hipóteses
resultam, por sua vez, da “nova” estrutura de vida. Se, no começo da aná-
lise, nosso horizonte de possibilidades era bastante amplo, ele fica agora
cada vez mais estreito. Na medida em que nos aproximamos da conclusão,
restam-nos apenas poucas hipóteses plausíveis sobre a estrutura sequen-
cial da biografia e que possam servir como pergunta – específica ao caso
– para interpretações adicionais. Porém, o resultado provisório dessa fase
da análise de dados, na qual nos concentramos apenas na preparação de
análises subsequentes, irá variar bastante conforme o caso e também de
acordo com a consistência dos dados disponíveis. Às vezes, as informações
fazem referência de forma bem clara a determinada estrutura sequencial,
a uma escolha entre alternativas de ação que é realizada sistematicamente
e de maneira bastante parecida, enquanto que, em outros casos, podemos
ainda nos deparar, ao final da análise, com perguntas e também com
hipóteses ainda apenas aparentemente plausíveis e não estruturadas. É
importante frisar que sem o material textual, isto é, sem os relatos próprios
dos nossos entrevistados, tudo o que podemos ter são hipóteses primárias
e que, assim, não temos acesso ao “caso”, embora análises subsequentes
ainda possam dar origem a várias descobertas.
Esse procedimento sequencial e abdutivo, como também os passos
seguintes da análise de dados, exige certa disciplina metodológica; a todo
tempo temos que buscar suspender ou colocar entre parênteses nosso conhe-
cimento sobre o caso, algo que, contudo, não raro é considerado impossível
por alguns críticos, e assim rejeitado, embora a experiência nos mostre
sempre o contrário. Não conseguimos guardar na memória a sequência dos
dados em detalhes, tampouco as passagens da entrevista correspondentes;
ou seja, com frequência, dados biográficos só ganham relevância uma vez
iniciada a análise e, na maioria das vezes, sequer recebem atenção ao longo
da interpretação das primeiras informações levantadas, ou não são conside-
rados importantes. Contudo, uma interpretação na qual os pesquisadores
desconhecem o texto da entrevista oferece, para esse tipo de procedimento,

228
GABRIELE ROSENTHAL

diversas vantagens. Além disso, em especial nesse passo da investigação no


qual analisamos os contextos sociais envolvidos ou nos apropriamos de uma
informação específica sobre a psicologia de determinados acontecimentos
vivenciados, é de grande importância que o grupo que realiza a análise de
dados seja constituído por pesquisadores de diferentes disciplinas.
Outra questão crítica diz respeito à real necessidade de refletir sobre
as possíveis leituras de um dado, já que teoricamente seu significado pode
ser explicado pelo próprio entrevistado. Porém, enquanto a perspectiva do
entrevistado se constitui no presente – e essa é a nossa primeira objeção
a esse argumento –, o fato é que, conforme frisado, também buscamos
apreender os significados do vivenciado à época do ocorrido. Além disso,
enquanto cientistas sociais, nosso interesse consiste sobretudo em re-
construir estruturas de sentido latentes, isto é, conteúdos de significados
inacessíveis ao falante. E justamente para essa reconstrução será de gran-
de vantagem não considerar (de início) a perspectiva dos entrevistados,
tampouco aceitar a plausibilidade dos significados do próprio entrevistado,
mas, antes, refletir sobre outros significados possíveis. Se, mais tarde, no
terceiro passo da análise de dados – na reconstrução da história de vida
vivenciada –, nos voltarmos ao texto já com esse horizonte de significados
possíveis, sem dúvida teremos acesso mais amplo às possibilidades de
sentido que em geral está disponível nas entrelinhas.
A análise dos dados biográficos serve, assim, também como preparação
para a terceira fase, na qual contrastamos nossas hipóteses sobre cada
informação referente à história de vida – tomadas separadamente – com
as declarações do falante. Antes desse contraste, que auxilia também na
reconstrução de perspectivas passadas, faz sentido que busquemos re-
construir a perspectiva presente do entrevistado, como fase intermediária
da análise. Esse passo da análise de texto e do campo temático deve nos
auxiliar a assumir uma postura mais crítica com relação à origem dos dados,
para que não enxerguemos na satisfação de determinada necessidade de
expor um aspecto específico, ou então em uma perspectiva sobre o pas-
sado reconstituída desde o presente da investigação, uma representação
da vivência tal como ocorrida à época. Concluída a análise de texto e do
campo temático, caso nos pareça que a construção de um relato biográfico
em que o falante sugere “levar uma vida totalmente autônoma ou indepen-
dente em relação à família” seja utilizada por ele para evitar transformar
seus laços familiares e problemas com seus parentes em tema, teremos
que estar abertos para considerar outras leituras.

229
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Por seu lado, a análise dos dados biográficos realizada antes da análise
de texto e do campo temático sempre servirá à análise da autoapresentação
de vivências do entrevistado como um interessante ponto de contraste.
Poderemos ver claramente, ali, quais dados biográficos – ou fases e do-
mínios da vida – se consolidam enquanto tais na fala do entrevistado, no
relato principal, assim como os que não chegam sequer a ser mencionados
e em qual sequência cronológica aqueles são trazidos à tona.
Antes de abordar esse passo, quero expor primeiro alguns princípios
da análise de dados biográficos. Tomaremos como referência a entrevis-
ta com Galina, realizada em 1992 e em inglês. Depois dessa conversa, a
própria Galina fez entrevistas narrativas biográficas com sua avó paterna
e com seus pais. Uma tradução das transcrições nos foi disponibilizada.
O primeiro dado que interpretamos diz respeito ao contexto de seu
nascimento e ao cenário familiar e social ao qual a entrevistada pertence.
Todas as informações referentes a esse contexto que nos revelam algo
sobre o contexto social de origem da entrevistada são consideradas na
construção de hipóteses. No caso de Galina, essas informações – resumi-
das – são as seguintes:

Primeiro dado

1.
Galina nasce em 1968 em uma pequena comunidade próxima a
Krasnoyarsk, na Sibéria. Ela mora com sua avó paterna Olga e
com Vera, sua bisavó, mãe de Olga. Vera e Olga se comunicam
com Galina em ucraniano, enquanto seus pais, supõe-se, falam
russo. À época, os pais de Galina, já formados, vivem e traba-
lham em Krasnoyarsk. Sua mãe é da região do rio Volga, onde
moram seus pais e a maior parte da família. Já os familiares do
pai de Galina são da Ucrânia. Olga, uma nacionalista, orgulho-
sa de seu país, viveu até 1943 na Ucrânia – ou seja, também
durante o período da ocupação alemã, que começou em 1941
–, trabalhando em uma escola como professora de língua e
literatura ucranianas. Após a tomada da Ucrânia pelo exército
vermelho em 1943, Olga foi presa por traição, de acordo com o
artigo 58 do código penal soviético, e condenada a dez anos de
reclusão na Sibéria por colaboração com os nazistas. À época,
várias pessoas foram presas de forma bastante arbitrária com
base nesse artigo. Seu filho Wassili, pai de Galina, tinha à época
apenas cinco anos e passou a morar com sua avó Vera, para,
após a guerra, se mudar para a casa de seus avós paternos na

230
GABRIELE ROSENTHAL

região do rio Volga. Seu pai, soldado, permaneceu desaparecido.


Apenas depois que Wassili completou a escola secundária e, em
1956, deu início aos estudos universitários, a família se mudou
para a Sibéria. 1956 foi também o ano em que Olga recebeu o
perdão, com vários condenados, com a anistia iniciada no mesmo
ano após o 20º congresso do partido comunista soviético e o
discurso de Kruschev.

A partir dessas informações sobre a história familiar da entrevistada,


mas relativas somente ao lado paterno – aqui apresentadas de forma bas-
tante sucinta e retiradas não apenas do relato em questão –, buscamos
formular todo tipo de hipótese possível sobre a estrutura da família à épo-
ca do nascimento de Galina, em 1968, e em relação à influência exercida
por essa estrutura sobre a entrevistada, sobre a vida levada por Galina.
Deduzimos, em seguida, de cada hipótese, fases seguintes da biografia da
entrevistada e também de seu passado familiar, de modo a tornar possível
a confirmação ou a rejeição da plausibilidade da hipótese em questão.
Ao formularmos hipóteses sobre esse caso concreto, não podemos ig-
norar o fato de que, mesmo em 1968, histórias como a de Olga ainda eram
consideradas tabu no discurso predominante da União Soviética. E que o
modo como essa circunstância atua sobre a biografia da neta pode variar
bastante dependendo da abertura da família para lidar com esse passado.
Podemos antecipar que, quando criança, Galina não obteve nenhuma in-
formação, ao menos diretamente, sobre o passado da avó. Contudo, nada
nos impede de especular sobre o momento em que Galina passa a se per-
guntar – ou a levar à família questões – sobre a origem familiar ou sobre
a razão de sua avó e de sua bisavó ucranianas viverem na Sibéria etc. Se
não chega a questionar seus parentes abertamente sobre esse assunto, a
entrevistada pode, sim, ter percebido que esse tema era tabu e que não
devia ser abordado.
Para listar todas as hipóteses formuladas nesse passo da análise,
teríamos que ultrapassar o âmbito deste capítulo. Por isso, vamos nos
concentrar em duas hipóteses sobre a relação de Galina com sua avó e
com o passado dela:

1.1
Por ter crescido na companhia de sua avó e de sua bisavó, a
ligação de Galina com elas será mais forte do que a construída
com seus pais. Podemos supor, ainda, que Olga tenha de alguma
forma assumido a função de mãe na relação com a entrevistada.

231
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

E que seu passado, por essa razão, ainda que de modo apenas
latente, terá grande relevância biográfica para a neta, ganhará
cada vez mais significado para a vida de Galina. Aqui também
não podemos ignorar o passado de Olga e de Vera ligado à
mudança no papel que, a partir de 1943, ambas assumem na
vida de Wassili. É possível, assim, que elas venham a disputar
entre si a figura materna.

A partir dessa hipótese, podemos deduzir hipóteses secundárias so-


bre a influência que essas circunstâncias podem exercer na biografia da
entrevistada:

1.1.a
Caso Galina se identifique mais com sua avó Olga, ela irá, mais
tarde, quando souber da condenação, trabalhar esse passado to-
mando como referência a fase da vida da avó de maior sofrimento,
e não tanto o período anterior à prisão ou da ocupação alemã.

1.1.b
Por causa de sua identificação com a avó, ela assumirá uma pos-
tura relativamente crítica com relação ao socialismo e buscará
se distanciar, o quanto possível, do Movimento dos Pioneiros
(para os jovens a partir de 9 anos de idade) ou da União da
Juventude Comunista (para aqueles que já completaram 14
anos), por exemplo.

1.1.c
Mais tarde, Galina vai trabalhar esse passado familiar na práti-
ca, a partir de decisões concretas que determinam diretamente
o curso de sua vida – referentes, por exemplo, à sua escolha
profissional ou então do parceiro. Essa hipótese se baseia em
resultados empíricos de investigações realizadas sobre casos
semelhantes (ROSENTHAL, 1997a).

Ao passo que nossa contra-hipótese poderia ser a seguinte:

1.2
Galina cresce sentindo falta dos pais – causada talvez, entre
outras coisas, por tensões entre Vera e Olga – e sonha com uma
vida tranquila junto da mãe e do pai, na cidade. Ela desenvolve
uma aversão cada vez maior à vida provinciana na companhia
de Vera e Olga.
Também aqui podemos formular várias hipóteses secundárias:

232
GABRIELE ROSENTHAL

1.2.a
Galina procura, de todas as formas possíveis, chamar a atenção
dos pais, como, por exemplo, criando problemas mais sérios na
escola ou então ficando doente com frequência.

1.2.b
Ela tentará se mudar o quanto antes da casa das avós.

1.2.c
Por manter uma relação distanciada com a avó, a entrevistada,
quando adulta, assim que souber da condenação, vai se inte-
ressar mais pelo período anterior à prisão, talvez até mesmo
ignorando-o totalmente por causa da suspeita de colaboração
com os alemães. Ela também pode passar a se identificar cada
vez mais com o socialismo na escola – colocando-se claramente
em oposição à avó – e se engajar nos movimentos socialistas da
juventude. Isso também poderia fazer com que ela não colocasse
em questão a legitimidade da condenação de Olga.

Depois de formuladas todo tipo de hipóteses sobre os possíveis efeitos


dessa estrutura familiar sobre a história de vida de Galina – na tentativa
de relacionar as hipóteses secundárias também a outros dados biográficos
possíveis e verificáveis (como, por exemplo, engajamento político) –, nos
concentramos no dado seguinte, na continuação da biografia da entrevis-
tada. Trazemos, aqui, de forma resumida, duas informações:

Segundo dado

2.
Aos cinco anos, Galina se muda com sua avó e sua bisavó para
a região de Bataysk, uma localidade próxima à fronteira com a
Ucrânia. O retorno definitivo ao país lhes foi negado com base
em determinações legais. Os pais decidem segui-los e se mudam
um ano depois. Agora, as quatro gerações dividem uma casa. Os
pais se comunicam com Galina em russo. Também nessa época
(1974), Galina é matriculada na escola.

Buscamos novamente deduzir desenvolvimentos subsequentes do


sistema familiar, suas influências sobre a vida de Galina e sua biografia
posterior. O dado faz referência, logo de início, à idade da entrevistada,
justamente a mesma idade de seu pai à época em que sua avó perdeu o
direito de criar o filho, passando vários anos sem poder vê-lo. Desde a
perspectiva do pai, Galina chega à idade em que sua mãe lhe foi tomada

233
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

e seu pai oficialmente declarado desaparecido. Temos aqui motivos para


crer que, a partir de agora, esse passado familiar tenderá a ser cada vez
mais problemático dentro do grupo – também por causa da proximidade
geográfica com a Ucrânia, que, podemos supor, não foi escolhida por
acaso. Também é de se supor que a convivência entre pessoas de quatro
gerações distintas em um ambiente totalmente diverso não se deu livre
de conflitos. Ao menos para Galina, nesse ano foram vivenciadas grandes
mudanças. Podemos formular, então, as seguintes hipóteses:

2.1
Galina enfrenta um forte conflito de lealdade; ela passa a se
perguntar por sua “verdadeira mãe”, isto é, pela figura materna
ou feminina de maior referência, para orientar suas atitudes.
As consequências, considerando as reflexões sobre o primeiro
dado, podem ser das mais variadas:

2.1.a
Por causa da proximidade com a avó (ver 1.1), ela irá rejeitar
a mãe e continuar a ter Olga como referência, o que pode ter
como resultado que Galina, com base em experiência adquirida
fora do contexto familiar (como na escola), passe a assumir uma
postura antissocial.

2.1.b
Ela vai se alegrar com a presença da mãe (ver 1.2) e procurá-la
mais, o que também poderá dar origem a uma busca cada vez
mais intensa por reconhecimento social e a uma postura, de
fato comum em crianças de idade escolar, no sentido de buscar
criar laços mais fortes com outras crianças da mesma idade.

2.1.c
Galina tentará se distanciar do conflito relacional, passar a tomar
o pai ou também a bisavó como referências, ou vai evitar essas
circunstâncias, orientando suas ações cada vez mais pelas ações
de pessoas que não pertencem ao núcleo familiar.

De acordo com o dado disponível, podemos supor (2.2) que a entre-


vistada, por causa da mudança de cidade e também do cotidiano escolar,
passará rapidamente a colocar em questão sua história familiar. O modo
com que esse interesse no passado político de Olga se desenvolverá vai
depender, por sua vez, da alternativa projetada anteriormente que veio
a se concretizar.

234
GABRIELE ROSENTHAL

Pulemos, aqui, os dados sobre sua trajetória escolar e suas atividades


no Movimento dos Pioneiros – no qual Galina chega a assumir a patente
de líder – e consideremos uma importante informação. Como mencionado
anteriormente, acredita-se que a entrevistada, até seus 13 anos de idade,
completados em 1981, não sabia sobre a condenação de sua avó. Naquele
ano ela encontra por acaso um documento que comprova o fato de sua avó
ter sido mantida em reclusão por 10 anos a partir de 1943 e que somente
em 1956 recebeu o perdão do Estado.
Mesmo considerando apenas essa informação, não é difícil acreditar
no significado biográfico que essa vivência terá para a entrevistada. Com
a descoberta, Galina poderá se perguntar, por um lado, sobre as circuns-
tâncias concretas e os motivos da condenação e, por outro, sobre sua
legitimidade e sobre as razões de esse passado, que também diz respeito
diretamente à vida de seu pai, lhe ter sido encoberto pelos familiares. O
modo com que essa descoberta será vivenciada irá variar de acordo com
a relação de Galina com sua avó e também com sua postura frente ao
comunismo. Podemos então retomar hipóteses formuladas anteriormente
(1.1.a, 1.1.b e 1.2) e nos perguntar como ela irá reagir ao passado da avó,
se de forma crítica ou compreensiva, ou então sem assumir uma postura
clara, talvez até evitando reflexões a esse respeito. Pode ser, ainda, que
ela se envergonhe desse histórico familiar e busque negá-lo.
Em 1986, depois de terminar os estudos secundários, Galina entrou
na faculdade. À época da entrevista, ela era assistente no departamento
de História de uma universidade. O início dos seus estudos coincidiu com
a Perestroika, que em 1986, após o 25º congresso do partido comunista
soviético e com base no programa desenvolvido por Gorbatchov, deu ori-
gem a uma profunda reestruturação política e econômica no país. Em suas
pesquisas sobre o tema da “história oral”, Galina realizou entrevistas com
perseguidos políticos dos primeiros anos da União Soviética, o que pode
ter servido a ela como um meio (entre outros possíveis) para trabalhar seu
passado familiar. A essa hipótese também podemos vincular a escolha de
seu parceiro, um norte-americano de família judia de origem ucraniana
que conheceu cerca de um ano após nossa entrevista.

6.2.3 Análise de texto e do campo temático

Deixemos de lado a princípio algumas tarefas relacionadas a essa pri-


meira fase da análise de dados e passemos diretamente à análise de texto

235
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

e do campo temático. Com esse passo da análise, procurei traduzir para


a lógica do procedimento sequencial e abdutivo os trabalhos teóricos de
Aron Gurwitsch (1964) sobre análise do campo temático, suas aplicações
metodológicas como propostas por Wolfram Fischer (1982) e o método da
análise textual desenvolvido por Fritz Schütze (1983).9 O objetivo dessa
análise é encontrar regras relativas à gênese da narrativa biográfica no
presente da entrevista, ou do relato – dito de maneira mais geral – de
experiências vivenciadas pelo próprio falante. Ao contrário da análise
de dados biográficos e da posterior reconstrução da história de vida tal
como vivenciada, na qual as hipóteses formuladas no primeiro passo
são comparadas com as declarações do entrevistado, não nos interessa
saber, aqui, como se deu a vivência à época do ocorrido. Nessa fase da
investigação, a análise busca, antes, os motivos que levam o entrevis-
tado – seja consciente de suas intenções ou então conduzindo o tema de
modo latente – a relatar os acontecimentos dessa e não de outra forma.
Por exemplo, se Galina começa a entrevista com um relato detalhado da
descoberta do segredo da avó, buscamos então formular hipóteses sobre
os motivos que a levam, no presente da entrevista, a abordar esse tema
logo no início, sobre a função desse relato inicial, sobre a imagem que
ela pretende transmitir optando por tratar esse assunto e sobre a opção
por expor em detalhes essa fase da sua biografia. Ou seja, trata-se de
investigar, agora, os mecanismos que determinam a escolha dos temas
abordados e sua estruturação, os registros temporais e temáticos de
cada período relatado. Análises empíricas têm mostrado (ROSENTHAL,
1995) que a história de vida narrada não consiste em uma soma de par-
tes a princípio desconexas; antes, as sequências sempre se encontram,
de alguma forma, relacionadas umas com as outras. Isso significa, de
maneira geral, que, aqui – como também na análise de todos os outros
tipos de material textual autonomamente produzidos pelo entrevistado
–, temos sempre que nos voltar diretamente ao texto para verificar se as
sequências particulares seguem uma ordem formal que sirva de contexto
para cada uma das partes ou não. Tomando como referência a análise de
campo temático desenvolvida por Aron Gurwitsch, trata-se de verificar
se os elementos pertencentes ao texto estruturado pelo entrevistado
constituem um ou vários campos temáticos.

9
Para uma análise mais detalhada, ver: Rosenthal (1995).

236
GABRIELE ROSENTHAL

O objeto da análise de Gurwitsch, realizada com base em princípios


da teoria Gestalt e que representa em alguns aspectos uma continuação
das investigações de Edmund Husserl, é a relação dialética entre tema
e campo temático. Tema é considerado aquilo com o qual nos ocupa-
mos em determinado momento e que é o foco da nossa atenção. Temas
constituem o campo temático, definido por Gurwitsch (1974, p. 4) como
“a totalidade dos dados copresentes ao tema que são experienciados
como concretos em relação a ele e que constituem o horizonte ou plano
de fundo do qual o tema, enquanto centro, se destaca”. Nesse contexto,
os dados copresentes apenas temporalmente são pouco relevantes. O
campo temático, entretanto, não é soma aleatória de partes; essas,
ao contrário, são dadas sempre em uma ordenação específica e em
relação concreta com o tema. A vinculação entre temas é de natureza
gestáltica. Isso significa que o campo determina e é determinado pelo
tema. Com a alocação de um tema em outro campo, ambos sofrem mo-
dificação. Nessas ref lexões está implícita a ideia de que o significado
de cada parte de um relato biográfico é acessível em sua Gestalt e que
sua sequência temporal tem papel determinante. Por exemplo, se uma
sequência sobre as perseguições stalinistas (objeto de estudo de Galina)
seguir ao relato da descoberta do segredo da avó, isso significa que a
última sequência estaria sendo alocada em um outro campo – ou seja,
“surgiria sob outro espectro” –, totalmente diverso caso a sequência
seguinte tivesse como tema o bom relacionamento com a bisavó. O que
está em jogo com cada sequência é a busca das referências e também
o desenvolvimento de hipóteses sobre a sequência posterior. Ao lon-
go da análise, poderemos saber, então, quais campos temáticos são
de fato estruturados pelo entrevistado, quais partes – que venham a
surgir dentro desse campo – serão apenas sugeridas ou então sequer
trabalhadas, e também quais domínios serão evitados. Ficará claro
para nós a) quais temas não serão abordados, embora eles sejam co-
presentes – independente da perspectiva do entrevistado –, e b) como
o falante estrutura suas vivências em determinado campo temático e
evita outros enquadramentos possíveis.
Na formulação de hipóteses sobre o significado específico de cada
sequência do texto, consideramos também o tipo de texto que corres-
ponde à apresentação biográfica do entrevistado (ver subcapítulo 5.4)
– passo que remonta às ref lexões de Fritz Schütze (1983). Tendo em
vista que a escolha de determinado tipo de texto para a articulação

237
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

de uma experiência não é feita por acaso, e que essa articulação pode
ser realizada tanto na forma de relato detalhado como também de uma
breve menção, de descrição ou de argumentação, é possível formular
hipóteses sobre sua funcionalidade a partir de cada caso concreto.
Podemos nos perguntar, então, sobre os motivos da escolha do entre-
vistado por um tipo específico de texto para a sequência e para o tema
do relato – partindo-se da hipótese de que essa escolha tem a ver não
apenas com a interação entre entrevistado e pesquisador, mas também
com sua experiência de vida. É justamente nesse passo da análise que
buscamos apreender a relação constitutiva entre a escolha tanto do
tipo de texto quanto do tema e do conteúdo do relato e o processo inte-
racional entre entrevistado e pesquisador. De sequência em sequência,
buscamos avaliar se os entrevistados tomam seu próprio sistema de
relevância como referência ou então o dos pesquisadores.
Na preparação da análise, todo o texto resultante da entrevista é
sequenciado com palavras-chave de acordo com a ordem cronológica
do relato e em unidades de análise, oferecendo assim uma visão geral
sobre o material levantado. Trocas de falante, mudanças no tipo do
texto e no conteúdo servirão, aqui, como critérios para a construção da
sequência, ou seja, para definirmos o início e o término de unidades.
Trata-se de indicar em quais passagens da entrevista, em quais mo-
mentos da biografia e em quais segmentos do material o entrevistado
argumenta, descreve ou relata algo. Analisemos, então, a primeira
sequência da entrevista com Galina:

238
GABRIELE ROSENTHAL

Estruturação da sequência da entrevista com Galina

1/19 Pergunta inicial História familiar – própria biografia.

Bisavó – do lado de pai: ucraniana, falecida


1/7 Descrição
aos 92 anos de idade.

Ela teve um passado trágico.


1/16 Argumentação Sua infância feliz foi interrompida; ela tinha
prazer em falar da história de sua família.

A irmã do avô foi quem contou a história.


Relato sobre o passado Avô considerado desaparecido.
1/23 familiar que não vivenciou Avó enviada à prisão após ocupação.
diretamente Ela ficou 10 anos presa, mas jamais falou
sobre isso.

Mãe não lhe contou muito sobre sua família.


1/37 Argumentação Galina só conheceu seus avós maternos
quando estava na 3ª série.

Morou com a bisavó e com a avó.


A primeira língua que aprendeu foi a
1/43 Descrição
ucraniana, em uma pequena comunidade
próxima à cidade em que seus pais viviam.

“Quando eu me recusava a comer”.


A avó contava histórias do passado do pai
de Galina, que quando criança se recusava a
comer, mas que talvez fossem sobre o avô, já
1/51 Situação crítica
que, à época em que o pai era criança, nunca
tinha o suficiente para comer. Ela contava
também situações engraçadas, falava que o
pai adorava inventar palavras ...

Avaliação “Eu adorava essas histórias”.

Passado da avó não é claro, o que cria uma


2/18 Argumentação
barreira psicológica.

2/29 Estímulo não verbal para troca de falante.

2/30 Pesquisadora Passe para sua própria história de vida.

Muito ampla, foi bastante resumida. Nascida


em Krasnoyarsk, na Sibéria. Pais viviam ali,
Avaliação holística da pai nascido na Ucrânia, mãe é da região do
2/33
biografia: descrição rio Volga. Mãe se mudou para Sibéria para
estudar.

Fim do relato principal na página 13 da transcrição.

9
O primeiro número se refere à página da transcrição, e, o segundo, à linha.

239
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Esse sequenciamento, que em análise posterior também servirá como


uma espécie de sumário, é, então, analisado sequencialmente. Trata-se,
agora, de perguntar pelos motivos de o material ser relatado desta e não
de outra forma. Para a construção de hipóteses, tomamos como referência
as seguintes questões:

1. Por que esse conteúdo é introduzido nesse momento da entre-


vista?

2. Por que esse conteúdo é apresentado com esse tipo de texto?

3. Por que esse conteúdo é apresentado com esse grau de deta-


lhamento ou então tão resumido?

4. Qual é o tema desse conteúdo, quais são seus possíveis campos


temáticos?

5. Quais domínios e fases da vida são abordados, e quais não?

6. Quais domínios e fases da vida são abordados apenas na fase


de aprofundamento? Por qual razão eles não foram introduzidos
no relato principal?

Consideremos, então, essa primeira sequência da entrevista de Galina.


Após ser solicitada a expor sua biografia e sua história familiar, Galina co-
meça a falar da bisavó, mencionando seu pertencimento étnico e revelando
a idade com que faleceu. Nos perguntamos então sobre os motivos de ela
ter começado o relato com essas informações. Será que, naquele momento,
idade e sobretudo a etnia tinham relevância maior para a entrevistada do
que em fases anteriores da sua vida (considerando que a entrevista foi re-
alizada apenas um ano após a independência da Ucrânia)? Se essa hipótese
(1.1) for verdadeira, temos razões para esperar que ambos os temas – ou ao
menos um deles – serão retomados com maior regularidade na continuação
da entrevista, ou também para considerá-los como constitutivos do campo
temático desse relato principal. Formulamos, assim, hipóteses secundárias
sobre possíveis alternativas, visando sempre à coerência do texto seguinte.
Da mesma forma, é de se considerar a possibilidade de Galina crer
que a origem étnica da família poderia interessar a pesquisadora alemã
(1.2), como razão de ter abordado esse tema logo de início. Outra hipó-

240
GABRIELE ROSENTHAL

tese (1.3) é a da relevância da bisavó para a biografia de Galina, o que


nos permite supor que a entrevistada ainda falará bastante sobre ela.
Uma hipótese totalmente diferente (1.4) aponta para o fato de Galina dar
início ao seu relato falando de um integrante da família que não está
envolvido em situações consideradas tabu. Talvez ela tenha escolhido a
bisavó como tema inicial do relato da sua história familiar por não querer
tematizar o passado da avó.
Como vemos, também a segunda sequência diz respeito à bisavó. Ela
é introduzida com uma menção argumentativa ao seu passado de sofri-
mento. Podemos nos perguntar se há, aqui, necessidade de legitimação
e levantar a hipótese (2.1), entre outras, de que a intenção de Galina em
caracterizar sua biografia familiar como uma história de sofrimento e
sacrifício esteja talvez ligada a uma tentativa de justificar outros períodos
do passado da família. Caso essa hipótese proceda, será que ela trará
então a figura de sua avó Olga para esse campo temático? Em seguida,
é feito um relato mais reduzido, de 15 linhas, no qual Galina dá apenas
informações mais essenciais sobre a história dos avós paternos: o avô foi
considerado desaparecido depois da Segunda Guerra Mundial, e a avó
foi condenada a 10 anos de prisão. Isso lhe foi contado pela irmã do avô,
já que sua avó jamais comentou sobre o caso.
Até aqui foi falado apenas dos momentos difíceis da história familiar
(ver 2.1). Essa sequência faz referência a um passado de dor, mas tam-
bém para uma questão: afinal, quem evitou e quem falou abertamente
sobre a biografia familiar? Esse problema se mostrará ainda mais
urgente na argumentação seguinte, quando Galina afirma que a mãe
revelou poucas coisas sobre sua família. À descrição do seu convívio
com a avó, que não ocupa mais do que quatro linhas na transcrição,
segue uma sequência mais longa, de 24 linhas. Trata-se da descrição de
uma situação que é vivenciada repetidas vezes – uma situação crítica.
Nessa sequência, Galina confunde as gerações. Primeiro ela diz que,
toda vez em que ela mesma não queria comer, sua avó lhe contava sobre
a infância do seu pai, sobre as vezes em que ele também recusava co-
mida. Ela se corrige e diz que, durante a guerra, a avó nunca pode dar
ao pai o suficiente para ele se alimentar bem. Em seguida, ela afirma
que a avó, na verdade, devia ter se referido à infância do avô. Se isso
se confirmar, então a autora do relato deve ter sido sua bisavó, e não
a avó. Essa sequência é de grande importância para o próximo passo
da reconstrução da biografia vivenciada, pois pode ter ligação com a

241
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

questão sobre qual parente Galina tomou como referência, sobre quem
assumiu de fato o papel de mãe na infância da entrevistada em seus
cinco primeiros anos de vida – assunto que retomaremos mais tarde.
Galina conta, ainda, que sua avó lhe contava histórias engraçadas
sobre seu pai, e que ele adorava inventar palavras quando criança. A
sequência nos mostra também que o campo temático desse relato bio-
gráfico de vivências do próprio falante, em sua constituição, pode ter
algo a ver com a identidade daqueles que falam abertamente sobre o
passado e daqueles que o evitam. O mesmo pode ser dito sobre a sequ-
ência seguinte, na qual Galina argumenta que o passado mal explicado
e evitado da avó deu origem a uma “barreira psicológica” entre elas,
criticando-a indiretamente por ter se mantido calada, culpando-a pela
existência dessa barreira. Chama a atenção na passagem os indícios de
que, após essa revelação, Galina necessitará da ajuda do entrevistador
para dar prosseguimento ao relato, já que, podemos supor, as poucas
informações disponíveis sobre o passado da avó também produzirão
barreiras para a estruturação posterior do texto, para a exposição se-
guinte de acontecimentos da própria história de vida. A análise mostra
claramente que os relatos biográficos de Galina são constituídos em
especial por dois temas: “o passado evitado e mal explicado da minha
avó” e “minha própria vida”. A coexistência desses dois assuntos acaba
tornando difícil para ela o relato de sua biografia e determina, por fim,
o campo temático, o qual, por sua vez, evidencia aspectos essenciais
da estrutura biográfica latente de Galina, que pode ser formulado da
seguinte maneira: “Minha própria vida é prejudicada e afetada pelo
passado desconhecido da minha avó”. Esse campo temático aparece de
forma bastante clara na estrutura textual do relato, que é construída
autonomamente. Em determinados momentos, Galina chega a precisar
da ajuda do entrevistador para parar de falar sobre a história da sua
família e descrever acontecimentos de sua própria biografia. O presen-
te da entrevistada e seu horizonte futuro parecem ser determinados
pela necessidade de se libertar do passado familiar de dor e à sua
dinâmica, diretamente relacionada a ele. Nas partes da entrevista em
que ela conta mais sobre sua vida, os assuntos predominantes são sua
formação escolar e sua carreira profissional. A análise mostra, enfim,
que o tema central da entrevista com Galina é a sua busca por tomar
as rédeas da própria vida.

242
GABRIELE ROSENTHAL

6.2.4 Reconstrução da vida vivenciada e a análise sequencial


detalhada

Mas qual é a origem dessa busca, dessa necessidade? Quais são as


experiências biográficas que a determinam? Para Galina, essa situação
pressupõe uma forte vinculação, ali ainda existente, com a história familiar
e com sua família em geral. Assim surge a questão sobre a perspectiva
da entrevistada com relação a esse passado. Uma resposta ao problema
pode ser encontrada na reconstrução da vida vivenciada, passo seguinte
da análise no qual nos voltamos novamente para o significado biográfi-
co de vivências específicas relativas a acontecimentos passados e para
sua sequência temporal. Utilizamos os resultados da análise dos dados
biográficos e os contrastamos com declarações da própria entrevistada.
Se, na análise do campo temático e textual, tivemos que ir ao texto para
responder à questão sobre o motivo de a entrevistada, no presente da
entrevista, expor o acontecimento daquela forma específica e não de
outra, buscamos, agora, atentar para indícios, contidos em cada vivência,
da sua percepção do acontecimento à época. As hipóteses levantadas no
primeiro passo da análise serão, ao final, com base no texto da entre-
vista, comprovadas ou rejeitadas – ou então buscamos novas leituras.
Respeitando a lógica da análise sequencial, a cronologia da história de
vida vivenciada, passamos de vivência a vivência e tentamos observar,
nesse processo, as passagens da entrevista nas quais o falante é mais
específico com relação ao assunto em questão. No texto também encon-
traremos referências a outras vivências do falante que ainda não haviam
sido consideradas quando realizamos a análise dos dados biográficos.
No caso de Galina, a reconstrução da biografia vivenciada mostrou
que, até os seis anos de idade, a entrevistada tinha uma relação bastante
próxima com a bisavó Vera e uma relação um pouco distanciada com sua
avó Olga. A partir dessa idade, Galina passa cada vez mais a tomar a mãe
e o pai como referências. Depois que todos passam a dividir a mesma casa,
a jovem vivencia conflitos de relacionamento de fato intensos, sobretudo
porque sua mãe e sua avó não se entendiam muito bem. Sobre o papel da
bisavó nesse cenário, vivenciado por Galina até seus 16 anos, pode ser
apenas especulado. Mas ela provavelmente não ficou do lado de Olga.
A jovem tendia a ver em sua mãe a vítima dos conflitos e começou a
tomar suas dores. Na entrevista, ela afirma que foi nessa época que a bar-
reira psicológica entre ela e sua avó começou a se formar. Aqui notamos

243
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

que a justificativa que é dada hoje para esse distanciamento – ou seja, o


passado oculto da avó – não é a única possível, que o passado ainda oferecia
outras razões para tal. Assim, os relatos de Galina também sugerem que
essa postura da jovem tinha ligação direta com acontecimentos ocorridos
antes que ela completasse 6 anos e com uma relação conflituosa entre
Olga e Vera, na qual Galina, ainda criança, tendia para o lado da bisavó.
O material textual e o contexto biográfico familiar comprovam essa situa-
ção em inúmeros aspectos. A entrevistada também conta que, na Sibéria,
sua avó se sentia melhor na companhia de alemães e lituanos exilados e
que, depois de sua ida para a região de Bataysk, passou a enfrentar sérios
problemas psicológicos e a tentar repetidas vezes o suicídio. A razão da
mudança alegada a ela por seus pais foi o fraco estado de saúde de Galina,
o que não conseguimos confirmar com a análise dos dados biográficos.
Com base em sua afirmação de que sua saúde debilitada foi origem, antes,
de vários conflitos entre seus pais, tudo levaria a crer, de imediato, que
essas brigas foram o motivo mais determinante da mudança. Contudo, na
análise posterior dos dados ainda teríamos razões para acreditar que essa
justificativa ocultava uma outra motivação, também relacionada ao passa-
do familiar. De todo modo, a razão alegada pelos pais teve consequências
sérias para Galina. Como mostra a análise, a jovem tinha certeza da sua
parcela de culpa, tanto nos problemas da avó como também nos conflitos
enfrentados pela mãe ao passar a conviver com Olga.
Analisemos, agora, a descoberta do segredo, até então muito bem guardado,
pela jovem, de modo a tentar entender como Galina, à época com apenas 13
anos, a vivenciou. Vale lembrar que o relato do acontecimento só foi realiza-
do na fase de aprofundamento, e isso embora essa fala pudesse muito bem
ser enquadrada, enquanto elemento constituinte, no campo temático “quem
relata o que sobre o passado e quem o evita”. Porém, o conteúdo apenas apa-
renta pertencer ao campo temático “o passado oculto da avó”. Com o relato
da situação, aspectos importantes do passado da avó mantido em segredo se
tornaram bastante “claros” – momentos que ela, hoje, enquanto historiadora,
ainda poderia esclarecer mais. A esse assunto voltaremos mais adiante.
À época dessa descoberta, Galina já tinha uma forte ligação com a
mãe. Na análise dos dados biográficos, podemos inclusive supor, também
de acordo com essas nossas leituras, que a jovem, ao saber do passado da
avó, não apenas desenvolve o interesse por seu histórico de perseguição,
como também passa a assumir uma perspectiva mais crítica a seu respeito.
Vejamos em quais circunstâncias a descoberta se deu.

244
GABRIELE ROSENTHAL

Galina tinha aulas de inglês na escola. Certo dia, em casa, foi procurar
o significado de uma palavra no dicionário. Embaixo do livro ela encontrou
uma certidão emitida pelo Estado informando que Olga cumpriu pena
de acordo com o “parágrafo 58”, mas, ali, recebia o perdão pelos crimes
cometidos. Após ler o texto, a primeira reação da jovem foi se perguntar
pelo significado do parágrafo:

“Eu fiquei bastante surpresa e não conseguia entender. Mas por


quê? Como assim? Minha avó? Eu a conhecia bem, mas ela era
uma pessoa condenada... por qual crime? O esquisito é que só
tinha o número do artigo. E fui direto perguntar pro meu pai,
com esse papel na mão” (Galina, 1992, p. 19).

Com a pesquisadora ajudando Galina a se recordar da cena, ela con-


segue se lembrar de quais “crimes” imaginou estarem relacionados com a
condenação da avó: “Quando eu vi o número achei que tivesse alguma coisa
a ver com seu segundo casamento (Galina, 1992, p. 21)”. Galina logo achou
que sua avó tinha assassinado seu segundo marido – de quem havia se se-
parado ainda antes de Galina nascer –, embora a jovem tivesse o conhecido
e soubesse que ele ainda estava vivo – ele chegou a visitar Olga algumas
vezes, quando ela ainda vivia na Sibéria. Como interpretar essa situação?
Primeiro, nota-se que Galina tende a se colocar contra a avó. Porém, se
quisermos compreender melhor a razão de a jovem ter imaginado aquilo,
temos que submeter as passagens nas quais fala do ex-marido da avó a uma
análise mais detalhada. O que fazemos então é nos voltar ao texto conside-
rando suas unidades mais simples e ainda seguindo o curso sequencial de
seu desenvolvimento. Veremos que, na infância, Galina tinha medo daquele
homem. Ela começa seu relato sobre ele com a seguinte afirmação10: “Essa
é uma das mais – é (4) – assustadoras lembranças da minha infância...”.
Podemos nos perguntar, logo de início, como era seu convívio com o
ex-marido da avó. Ter afirmado “essa é uma das mais...” nos permite su-
por que essa vivência ainda hoje lhe causa arrepios – na sequência, esse
medo veio novamente à tona, naquela pausa de quatro segundos. Se essa
hipótese for correta, poderemos nos deparar, em seguida, com indícios da
atualização desse sentimento – possivelmente em nível paralinguístico.

10
Para as regras de transcrição, ver subcapítulo 3.2.3.

245
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

No texto seguinte, lemos: “isso tá-, ele tá-, ele tá vindo-, ele tá vindo”.
Galina começa a gaguejar, fala no presente, e temos até a impressão de
que ela vivencia tudo de novo. A hipótese de que a cena ainda hoje é fonte
de perturbações para a jovem ganha plausibilidade. Ela continua: “e a voz
dele e a presença dele- dele na nossa casa (3) Não sei”. Parece que, para
Galina, ele está de novo presente na casa. Mas o relato é, então, subita-
mente interrompido – “eu não sei”, diz.
Uma leitura possível é que reviver lembrança tão perturbadora como
essa é algo bastante problemático e por isso evitado pela entrevistada. A
pesquisadora retoma o tema: “quando você se coloca de novo nessa situa-
ção, você vê o ex-marido de sua avó voltando pra casa, berrando alto (3) o
que você vê?”. Galina responde o seguinte: “ah- isso eu não sei dizer é (2)
eu (2) eu estou deitada na minha cama no meu quarto e é, eu é, eu estou
vendo a mesma mesa baixa e aquela cruz e paredes (2) brancas e eu só
ouço a voz dele, é- muito grosso, berrando bem alto” (Galina, 1992, p. 22).
No domínio manifesto, embora também em sentido mais amplo, o texto
fala do pavor que Galina sentia toda vez que o ex-marido da sua avó vinha
visitá-la, das brigas entre os dois. Mas o material oferece também outras
possibilidades de leitura. A jovem, deitada na cama, também é testemunha
da violência sofrida por sua avó. Talvez ela mesma tenha sido vítima, ou
então associe a essas situações outras cenas de violência. Com base em
outras passagens, a hipótese de ser sido de algum modo agredida pelo
ex-marido da avó na infância ganha mais plausibilidade. Ainda que não
possamos comprová-la a partir desse recorte textual, nada nos impede de
acreditar que ter tomado sua avó como assassina remonta a um desejo não
satisfeito e que ela, quando criança, tenha esperado que sua avó pudesse
proteger a si mesma – e também a neta – da violência.
Voltemos à situação da descoberta do documento. Ela corre para seu
pai, que tira o papel da sua mão. Galina quer saber o que aquela certidão
significa e ouve: “isso é sobre a sua avó, você não precisa ficar sabendo
dessas coisas”. Ela o puxa pelo braço, tenta pegar de novo o documento,
mas ele grita com ela: “isso não é da sua conta; não me pergunte nada”.
Galina se surpreende com a proporção da reação: “Eu fiquei tão surpresa,
porque a relação com os meus pais era bem próxima, e aí descubro que
havia algo que ele queria esconder, e então perguntei pra minha mãe, que
tava tão surpresa quanto eu e disse não saber de nada” (Galina, 1992, p. 24).
Descobrimos, assim, que também sua mãe – quem, mais tarde, em uma
outra entrevista, confirmaria tudo – não sabia da condenação da sogra,

246
GABRIELE ROSENTHAL

tampouco de maiores detalhes da infância do marido. A vivência desse


acontecimento, assim como o fato de mãe e filha desconhecerem esse
segredo familiar, fortaleceu consideravelmente o vínculo entre ambas. A
consequência foi que Galina não conseguiu enxergar o passado de perse-
guição da avó com imparcialidade. Outro resultado da descoberta é que a
entrevistada, desde o ocorrido, é atormentada por aquelas perguntas que
ela jamais se atreveu a fazer à avó. Desde então, a barreira psicológica
continuou a aumentar e a exercer, ainda na época da entrevista, grande
influência na vida de Galina. Ela mesma afirma: “o passado da minha avó
não é muito claro pra mim. Eu só conheço o enredo... o fato de eu não ter
coragem de perguntar nada é bastante problemático”.
Contudo, a entrevistada também teme, de certa forma, as revelações
sobre a história de vida da avó. Embora historiadora já formada à época
em que o discurso político predominante em seu país ia se abrindo para
temas como o do artigo 58, Galina jamais buscou saber de que o parágrafo
se tratava. Por um lado, podemos crer que, em 1992, ela ainda temia saber
a verdade sobre esse passado e que havia evitado, de forma inconsciente,
reconhecer a validade do perdão da avó – algo que ela também expõe
claramente em outro relato, realizado alguns meses depois da entrevista
que fizemos com sua avó.
Esse passo da análise de dados denominado análise sequencial detalhada
de sequências específicas do texto, que buscamos ilustrar a partir de um
exemplo empírico, também toma como referência o método da hermenêu-
tica objetiva (OEVERMANN, 1983). O objetivo é decifrar em especial as
estruturas latentes de sentido do material textual. A escolha de passagens
tem como um critério fundamental a comunicação paralinguística – como
longas pausas, equívocos, interrupções – e também a simples impressão de
que o trecho contém mais significados do que a primeira leitura permite
supor. Esse passo da análise serve também para a verificação e para a
ampliação do escopo das hipóteses desenvolvidas a partir dos resultados
de fases anteriores da investigação. Isso não significa, porém, que a análise
detalhada de uma passagem tem como princípio uma hipótese já formu-
lada. Nela, também temos que suspender o resultado de interpretações e
avaliações feitas anteriormente e, como em um procedimento sequencial e
abdutivo, partir de um fenômeno empírico – nesse caso, a unidade textual
simples – para desenvolver possíveis hipóteses e projetar suas conclusões.

247
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

6.2.5 Comparação entre vida vivenciada e vida narrada. A construção


de tipos

A comparação contrastante entre vida vivenciada e vida narrada tem


como finalidade oferecer possíveis explicações para as diferenças entre
a perspectiva passada e a perspectiva atual e deixar claras as dispari-
dades, a elas diretamente vinculadas, em relação à temporalidade e às
relevâncias temáticas próprias à história de vida vivenciada pela pessoa
e aos eventos da biografia de alguém que o falante não vivenciou direta-
mente. Em outras palavras, o contraste nos ajuda a descobrir a origem
da diferença entre o narrado e o vivenciado. Nesse sentido, também vale
procurar descobrir quais experiências biográficas estão por trás do relato
deste ou daquele acontecimento.
No caso da Galina, o relato da vida vivenciada mostrou como seu
vínculo com a mãe se fortaleceu ao longo dos anos, assim como a postura
crítica que ela passou a assumir com relação à vida da avó (postura que
possivelmente remonta a uma infância marcada por uma grande sensação
de insegurança), acompanhada de um crescente sentimento de culpa. No
domínio consciente, esses acontecimentos estão, no presente, relaciona-
dos ao passado político da avó e a seu silêncio a respeito de tudo o que o
envolve. Esse contexto biográfico levou a um vínculo muito forte com os
pais. Contudo, Galina tenta a todo instante passar a imagem de alguém
que leva uma vida totalmente alheia à sua história familiar, embora de
fato possamos supor que essa necessidade de distanciamento tem origem
no fato de ela ainda estar fortemente ligada à família e a seu passado.
Terminada a reconstrução de caso, retomamos a questão inicial da
pesquisa e nos concentramos na explicação dos fenômenos sociais e de
natureza psicológica a ela relacionados. Assim será possível, ao final da
análise, construir um tipo a partir desse caso específico (ver subcapítulos
2.5.5; 2.5.6). Já que a questão das consequências desse passado problemá-
tico para as gerações envolvidas – o que mais nos interessa aqui – parece
até mesmo se impor, vamos expor o processo de construção de um tipo
considerando o mesmo exemplo, mas como se a pesquisa fosse motivada
por outra questão. Suponhamos que a entrevista tenha sido conduzida no
contexto de um projeto sobre a vivência do cotidiano político na antiga
União Soviética, à época da Perestroika. A reconstrução do caso, uma
vez concluída, permite trazer as declarações dos entrevistados sobre
o tema para um contexto biográfico mais amplo. No caso de Galina,

248
GABRIELE ROSENTHAL

podemos notar suas tentativas de enfatizar seu desinteresse político,


sua busca por “separar minha vida da vida do Estado”, como ela mesma
afirma (ROSENTHAL, 2000). Por outro lado, porém, seus relatos fazem
referência, e de forma bastante clara – contrastando com a declaração –,
a seu engajamento político, sobretudo em seu ambiente de trabalho. Com
base na reconstrução, podemos, agora, retomando a questão que motiva
nossa pesquisa e a partir desse caso específico, construir um tipo que
não apenas sirva para descrever fenômenos mais superficiais – como uma
postura apolítica –, mas também explique a biografia que está na origem do
relato, isto é, que também mostre os determinantes de sua estruturação.
Podemos notar a tentativa de Galina em separar o curso de sua própria
vida do passado da família se manifestar na sua postura com relação
ao cotidiano político da Rússia. Podemos ver como essa necessidade de
se distanciar da biografia familiar – diretamente ligada, no caso, com o
passado do ambiente social –, ao mesmo tempo em que a entrevistada
demonstra interesse em saber mais sobre ela, se forma ao longo da sua
vida. Reconstruções biográficas de caso possibilitam, assim, construir
tipos sobre sequências de ação os quais, por sua vez, podem revelar as
regras do processo de sua geração e também explicá-la.

6.3 RECONSTRUÇÕES EM UM OUTRO DOMÍNIO DE CASO

Reconstruções desse tipo também podem fazer referência a outros


domínios de caso, ou, como mostra Ulrich Oevermann (2000), a formações
sociais de nível de agregação mais elevado que o de uma única biografia
ou individual. O caso pode ser uma unidade social de uma família (ver a
análise de dados da entrevista familiar no subcapítulo 2.5.3) ou de um
grupo, de uma organização, de um meio social ou de todo um setor público
administrativo. A princípio, é possível utilizar, na sua reconstrução, todo
tipo de dado disponível, embora pesquisas biográficas sejam desenvolvidas
preferencialmente a partir de entrevistas de histórias de vida e fontes
documentais. Porém, se nosso interesse for por determinada unidade
interativa, o melhor é utilizar na análise gravações de interações entre
indivíduos pertencentes a essa unidade social – a esse contexto interativo –
ou então registros de observações participantes. De todo modo, entrevistas
biográficas também podem servir para a reconstrução da estrutura de
caso de uma família, um grupo ou uma organização à qual o entrevistado
pertence, enquanto que entrevistas familiares, assim como os resultados

249
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

da observação das ações de um grupo, podem ser utilizadas como dado


para a reconstrução da biografia de uma pessoa (ver, por exemplo, KÖTTIG,
2005). Fundamental para a reconstrução de caso é que o âmbito do caso
seja definido logo de início. Oevermann (2000, p. 106) afirma o seguinte:

Em uma entrevista transcrita, por exemplo, tanto os entrevista-


dos como o pesquisador representam o caso, e ainda: a entrevista
também é apresentada como um tipo especialmente pragmático
de conversa, nela são revelados os mundos da vida, os meios
sociais aos quais cada um dos participantes pertencem e muito
mais. Por isso que o pesquisador deve se decidir, logo no início
dos trabalhos, pelas estruturas de caso expressas no texto que
serão analisadas. Isso é importante para evitar a aplicação de
conhecimento já adquirido sobre o caso a se analisar. A aplicação
desse conhecimento prévio em outras estruturas de caso não
seria circular no procedimento de abertura.

Após a reconstrução do caso, podemos chegar a sua estrutura par-


tindo de outras unidades sociais. É perfeitamente possível, por exemplo,
partir da biografia de Galina para deduzir hipóteses sobre a estrutura
de caso da sua família ou sobre aspectos estruturais determinantes da
sua geração. Se nosso objeto é o caso da geração de Galina, que, na sua
juventude, como estudante, vivenciou diretamente todas aquelas mudanças
trazidas pela Perestroika, podemos enxergar na tentativa de definir sua
postura como apolítica – descrita como caráter específico a esse grupo em
vários outros estudos sobre o assunto (KON, 1991, p. 31) – expressão de
um aspecto típico à sua geração, a saber, da tentativa de levar uma vida
totalmente descomprometida com o passado, mas também livre de todo
tipo de restrição (ainda hoje) imposta pelas autoridades.11 Continuaríamos
na trilha dessa hipótese se buscássemos um contraste comparativo com
outras pessoas dessa geração (a qual, aliás, ainda teria de ser definida
com mais precisão e empiricamente, tendo em vista diversos aspectos e a
grande dimensão temporal que a constituem). Contudo, se nosso interesse
é a unidade social “família”, podemos, aqui, levantar a hipótese de que a

11
Galina afirma, após um comentário da pesquisadora, que ela não atribui muita rele-
vância ao que vivenciou naquela época de grandes transformações sociais: “Posso dizer que
isso não me importa muito... quando essas mudanças começaram, era importante ir às aulas
da universidade e assistir a alguns filmes... Mas hoje tento manter minha vida absolutamente
desligada da vida do Estado”.

250
GABRIELE ROSENTHAL

família de Galina – semelhante ao caso da família Seewald – constitui um


sistema familiar fechado no qual diálogos entre integrantes do grupo são
carregados de sentimentos de culpa e segredos. Na entrevista com Galina,
encontramos claros indícios a favor dessa hipótese, que com a análise da
entrevista com os pais e a avó de Galina pode muito bem ser ampliada.
Podemos admitir que a estrutura do diálogo familiar, marcado por culpa e
tabu, já é comum a diversas gerações e que ela continuou a se reproduzir
com base em vivências de perseguição e no estigma político, chegando,
assim, a se firmar. De fato, ainda nos anos 1930, no âmbito da política de
coletivização, seus bisavós já haviam sofrido perseguições e sido enviados
ao exílio; sua filha Olga, avó de Galina, negou sua origem e falava de sua
mãe, considerando seu ambiente social, como quem se refere a um parente
distante; já o filho – pai de Galina – foi proibido por parentes de falar da
mãe, sempre se referindo a ela como tia.
Contudo, essa possibilidade de se chegar a casos pertencentes a outros
domínios, outras unidades sociais, pressupõe uma reconstrução, diferente
de uma descrição de caso. De acordo com Ulrich Oevermann (2000), cri-
tério determinante da reconstrução – em contraste com a descrição – é o
esforço metodológico no sentido de evidenciar a estrutura do caso – e isso
significa descobrir tanto as regras de sua reprodução como também da
transformação. Descrições de caso se mostram adequadas quando o que se
busca é ilustrar ou comprovar a plausibilidade de concepções já formuladas,
isto é, de “conceitos gerais classificatórios selecionados e previamente
disponibilizados” (OEVERMANN, 2000, p. 61). Em contraste com a lógica
da reconstrução, elas configuram procedimento de subsunção, no qual
o caso é classificado de acordo com categorias definidas anteriormente.
Com o conceito de estrutura desenvolvido por Oevermann, a hermenêutica
objetiva parece se aproximar da análise sequencial, a qual permite recons-
truir a transformação e a reprodução sequencial da estrutura de caso no
processo interativo (ver subcapítulo 2.5.4). O instrumento metodológico
utilizado para esse intuito é justamente a análise sequencial detalhada de
determinadas passagens do texto. De acordo com a análise do texto e do
campo temático, é possível reconstruir a forma sequencial da estrutura
bruta também de outros materiais que não a entrevista narrativa, como
uma conversa em grupo, uma gravação em vídeo ou um artigo de jornal.
Para a análise do texto integral, é necessária uma sequencialização feita
considerando a forma do texto e a questão que motiva a pesquisa; isto
é, há que se dividir o texto em segmentos individuais e interpretá-los

251
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

sequencialmente. Enquanto que, em uma entrevista narrativa, o tipo do


texto configura critério mais importante da ordenação da sequência, no
caso de materiais textuais cuja estrutura se caracteriza pela diversidade
de falas (como a entrevista familiar ou em grupo), a referência é a troca
frequente de falante. No caso de um artigo de revista, o critério é, antes,
a sequência de temas, de conteúdos.
Além da análise sequencial de uma estrutura que a todo tempo se
reconstrói no curso da ação – seja escrita ou discursiva –, a reconstrução
de histórias de vida exige também a análise da forma sequencial da bio-
grafia vivenciada. O primeiro passo importante da análise de dados, que
pode ser facilmente aplicado em outros domínios de caso (ver também a
análise sequencial de dados relativos a acontecimentos voltada à realiza-
ção de protocolos de observação no subcapítulo 4.4.2), é, por essa razão,
a análise sequencial, realizada sempre no começo das reconstruções de
caso (e conforme princípios da hermenêutica objetiva), de dados sobre o
ocorrido – de sequências temporais de acontecimentos, sejam elas longas
ou mais curtas. Dados históricos de uma instituição ou de uma biografia
familiar também podem ser analisados dessa forma. A verificação das
hipóteses formuladas ao longo desse processo exigirá então, por sua vez,
relatos próprios de indivíduos atuantes em cada sistema. Por outro lado,
relatos sobre eventos vivenciados no passado pelo entrevistado configu-
ram, também em outros domínios de caso, uma fonte de dados bastante
adequada. Se pretendemos, por exemplo, reconstruir a história de uma
instituição e de seu contexto social atual, há que se levar em conta sua
relação com as perspectivas de seus membros, as quais podem, aqui, ser
consideradas produto da experiência pessoal de cada um adquirido den-
tro dessa organização e, de um ponto de vista geral, de sua experiência
biográfica. Poderíamos também, portanto, aplicar entrevistas narrativas
juntamente com outros métodos de levantamento de dados, como, por
exemplo, o da observação. Poderia lhes ser solicitado que contassem sobre
sua experiência na instituição, do momento em que passaram a integrá-la
até os dias atuais (ver subcapítulo 5.4.3). As entrevistas seriam analisadas,
primeiro, de acordo com a mesma lógica das reconstruções biográficas de
caso e, em um passo seguinte, comparadas umas com as outras a partir
das versões dadas pelos diversos integrantes a respeito da história da
organização e de suas perspectivas.
Na análise de dados sobre biografia familiar, a construção de geno-
gramas, com sua análise sequencial, também se mostrou bastante útil

252
GABRIELE ROSENTHAL

(HILDEBRAND, 1999a, p. 33ss.; ROSENTHAL, 1997; VÖLTER, 2003,


p. 48). Esse instrumento, que remonta à terapia familiar sistemática
(McGOLDRICK; GERSON, 1995), consiste em uma representação gráfica
de registros disponíveis sobre informações familiares. De forma seme-
lhante a uma árvore genealógica, cada uma das gerações – ao menos três
– é apresentada nas relações parentais entre elas e a cronologia de seu
surgimento. Além disso, inserimos também os dados da biografia familiar
de maior relevância (nascimentos, óbitos, casamentos, divórcios, profis-
são, enfermidades etc.). Aqui também procedemos sequencialmente, tal
como na interpretação, começando com os dados sobre a geração mais
antiga que deve constar no genograma, mantendo a princípio ocultas
informações sobre as gerações seguintes, formulando hipóteses sobre o
significado da primeira geração e deduzindo hipóteses secundárias para
possíveis desenvolvimentos posteriores. De acordo com o procedimento
abdutivo, são então “revelados” em um terceiro passo os dados sobre a
geração seguinte, para então contrastá-los com nossas hipóteses. E assim
seguimos, na análise, de geração em geração.

253
7

ANÁLISE DE CONTEÚDO – CODIFICAÇÃO NA


TEORIA FUNDAMENTADA (GROUNDED THEORY) –
ANÁLISES DO DISCURSO

7.1 INTRODUÇÃO

A análise qualitativa de conteúdo, procedimento que na Alemanha


tem sido desenvolvido sobretudo por Phillip Mayring (1983; 2000), e
a codificação da teoria fundamentada – ou grounded theory – têm de
fato encontrado aplicação em vários estudos qualitativos. A seguir,
vou falar brevemente sobre esses métodos, que são inclusive bastante
úteis para a realização de um primeiro “exame” de grandes volumes de
dados. Contudo, vou me voltar mais para questões da lógica por trás
desses procedimentos do que ao método concretamente, à técnica de
codificação ou às regras do esquema de categorias. Essa problemáti-
ca resulta da contradição entre aquilo que uma análise reconstrutiva
realizada de acordo com o princípio da abertura exige e um método
classificatório que enfrenta certas dificuldades para se adequar aos
princípios da sequencialidade e da reconstrução (ver subcapítulo 2.5).
Fundamental para a análise de conteúdo é a construção de um sistema
de categorias por meio do qual seja possível reorganizar o texto, sub-
sumindo trechos do material em categorias de modo que o texto seja
estruturado em unidades para então ser trabalhado.
Independente de as categorias terem sido desenvolvidas antes da
análise ou a partir do corpus do texto disponível, os segmentos do
texto são destacados do contexto de seu surgimento e subsumidos em
estruturas de sentido construídas pelo pesquisador, e isso antes da
reconstrução da forma integral do material. Nesse processo, o texto
não chega a ser reconstruído em sua estrutura sequencial, mas, antes,
reorganizado. Assim, parte-se do princípio de uma maior ou menor
equivalência entre o significado das categorias utilizadas por quem

255
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

analisa o conteúdo. Outro ponto de partida são as determinações de


sentido por parte do produtor do texto (HITZLER; HONER, 1997, p.
23; WOHLR AB-SAHR, 1999, p. 490).
É importante que a forma com que abordamos essa problemática seja
muito bem pensada. No caso de um grande volume de material, deve-
mos buscar desenvolver um esquema de pesquisa para que o corpus do
texto seja trabalhado de acordo com princípios da análise de conteúdo,
e isso antes mesmo da análise reconstrutiva e sequencial dos dados do
texto. Essa análise prévia pode nos oferecer um primeiro panorama
do material e até mesmo auxiliar na amostragem teórica visando uma
análise posterior. Um modo de proceder no qual o material textual é
analisado tanto reconstrutiva e sequencialmente quanto em conteúdo
se adéqua, por exemplo, a análises de discurso realizadas com base
em dados dos meios de comunicação sobre uma temática específica,
pois envolvem um grande volume de textos.
Em uma pequena investigação empírica com o tema “Antissemitismo
na Áustria contemporânea”, realizada em conjunto com alunos de um
curso ministrado na Universidade de Viena, buscamos em exemplares
de jornais austríacos de diferentes orientações políticas por artigos
que, de alguma forma, tematizavam Israel ou então que falavam de
judeus. Paralelamente, realizamos breves entrevistas narrativas volta-
das a um tema específico, nas quais solicitamos aos entrevistados que
contassem suas experiências pessoais com judeus. Primeiro, buscamos
no material resultante dessas entrevistas formas de expressão de fi-
lossemitismo e de antissemitismo que eventualmente viessem à tona,
como a atribuição da culpa de mortes em massa aos judeus, a negação
de crimes à humanidade cometidos contra eles etc. Relacionamos essas
categorizações com cada entrevista ou artigo de jornal tomado como
unidade, ou seja, sem segmentar novamente o texto em categorias.
Para nós, a categorização parecia ilustrar apenas relações provisórias,
pouco estáveis, ainda mais porque o antissemitismo é algo que costuma
ser expresso muito sutilmente, nas entrelinhas, em argumentos evi-
dentemente contraditórios, mas sobretudo em alusões bastante vagas.
Com a análise detalhada dos dados realizada posteriormente, sobre
informações relativas a textos escolhidos por sorteio, foi possível rever
ou mesmo rejeitar algumas dessas primeiras categorizações, além de
identificar relações entre elas.

256
GABRIELE ROSENTHAL

7.2 Quão qualitativa pode ser uma análise de conteúdo?

Na Alemanha, um dos mais importantes teóricos da análise qualitativa


de conteúdo é Phillip Mayring, que define esse método como um proce-
dimento sistemático, conduzido por regras e teorias, voltado à análise de
comunicação estável “com o objetivo de chegar a conclusões sobre determi-
nados aspectos envolvidos na comunicação” (1983, p. 11). Nele, o material
é “desmembrado e trabalhado passo a passo”; com a ajuda de um “sistema
de categorias” desenvolvido tomando o texto como referência e de acordo
com certos princípios teóricos, “são determinados os aspectos que devem
ser filtrados do material” (MAYRING, 1996, p. 91). O “desenvolvimento de
categorias a partir do material” proposto por Mayring, contudo, não é rea-
lizado de forma tão aberta como a princípio parece sugerir. Antes, trata-se
de um processo em alto grau determinado pela necessidade de se ater ao
princípio teórico em questão e pela exigência de se ter claro, logo de início,
a questão ou o problema abordado na investigação. O modelo sequencial
de Mayring, voltado à – por ele denominada – “construção indutiva de
categorias”, exige uma determinação preliminar “do critério de seleção e
um certo nível de abstração para que as categorias sejam criadas” (2000,
p. 472), ou seja, uma determinação anterior ao desenvolvimento mesmo
das categorias a partir dos dados disponíveis. De acordo com Mayring, “a
ideia fundamental da análise qualitativa de conteúdo” consiste em “con-
servar a sistemática [...] da análise de conteúdo nas fases qualitativas da
análise, sem realizar de antemão algum tipo de quantificação” (MAYRING,
2000, p. 469). Contudo, quantificações não são rejeitadas, razão pela qual
ele defende tomar como referência também critérios básicos da pesquisa
quantitativa, segundo a qual categorias só poderiam ser formuladas, por
exemplo, quando se tratar de fenômenos que surjam com alguma regu-
laridade ou frequência. Assim, a verificação de hipóteses sobre relações
entre as categorias mais regulares deve ser feita quantitativamente. Em
uma pesquisa desenvolvida nos Estados que faziam parte da Alemanha
Oriental sobre professores desempregados do ensino básico, Mayring,
König e Birk (1996) chegaram a suas categorias indutivamente, tomando
como base questionários semiestruturados sobre história biográfica que
focavam a questão sobre o significado da profissão para os pesquisados.
A partir de definições mais comuns, os pesquisadores chegaram a duas
categorias que passaram a englobar todas as outras: “professores por
prazer na profissão” e “professores por apoio ao socialismo”. Em uma

257
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

fase posterior da pesquisa foi investigado “se essas diferentes orienta-


ções mostram uma influência sobre o modo de lidar com a experiência
da desocupação” (MAYRING, 2000, p. 473). Com seu método de análise
de conteúdo, Mayring, por um lado, não parece querer abandonar deter-
minados princípios da pesquisa social quantitativa, ao mesmo tempo em
que busca aproveitar, ainda que de forma mais limitada, as vantagens do
método qualitativo – como, no caso, a possibilidade de realizar alterações
no sistema de categorias.
História da análise de conteúdo. A análise de conteúdo começou a ser
desenvolvida na primeira metade do século XX em pesquisas sobre opinião
pública, como instrumento de crítica ideológica e aplicada em estudos de
propaganda, e isso em um contexto de crescente popularização do rádio
e dos veículos impressos. As primeiras questões com as quais o pesqui-
sador tinha de lidar diziam respeito às grandes quantidades disponíveis
de texto e à recorrência de determinados aspectos textuais. Ainda “em
1910, no primeiro congresso de sociologia realizado na Alemanha, Max
Weber sugeriu que o conteúdo de jornais fosse investigado como que com
‘bússola e tesoura’, para que assim descobríssemos mudanças no conteúdo
publicado que pudessem ser apreendidas de forma quantitativa” (RITSERT,
1972, p. 15). À época, foram realizadas nos Estados Unidos as primeiras
pesquisas empíricas a partir de textos jornalísticos. Nos estudos de propa-
ganda, contudo, pode-se notar a abertura de uma grande lacuna, que vai
do início até o término da Primeira Guerra Mundial. Passado esse período,
pesquisadores como Harold D. Lasswell (1927) discutiram as diferentes
técnicas de propaganda política utilizadas pelas potências envolvidas no
conflito (Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha), enxergando
na propaganda um tipo de guerra entre ideias (1927, p. 12). Sua análise
mostra que a guerra moderna não se estende apenas a domínios econô-
micos e militares, mas tem também, nessa forma de propaganda, uma de
suas frentes mais importantes (p. 214). Já na Segunda Guerra Mundial,
o desenvolvimento da análise de conteúdo deu um passo determinante.
Financiados pelo governo dos Estados Unidos, cientistas sociais norte-
-americanos – entre eles também o próprio Lasswell, à época diretor da
Divisão Experimental para o Estudo da Comunicação em Período de Guerra
– analisaram a propaganda política em outros países. Enquanto Lasswell
e seus assistentes se voltaram sobretudo para a União Soviética, Kris e
Speier (1944) analisaram a propaganda nazista veiculada no rádio, com o
intuito de antecipar desenvolvimentos posteriores da guerra.

258
GABRIELE ROSENTHAL

Alguns dos trabalhos de Lasswell e seus assistentes foram publicados


em 1949 em um volume intitulado Linguagem da política, com reflexões
teóricas e metodológicas sobre a análise de conteúdo. Os autores consi-
deraram o método quantitativo o mais adequado para investigar aquela
forma de linguagem (p. 44ss.) e concentraram suas reflexões no tema da
escolha do conteúdo a se investigar, que deveria ser codificado de acordo
com o esquema de categorias desenvolvido, e no da determinação da fre-
quência de seu surgimento (LISCH, 1978, p. 20).
Outro “marco” da análise de conteúdo – que deu origem, de certo
modo, a diversas reflexões metodológicas sobre análise de conteúdo agora
qualitativa – foi o estudo desenvolvido por Bernhard Berelson em 1952.
O autor, aluno de Paul Lazarsfeld, compilou de forma sistemática os tipos
de análise de conteúdo conhecidos até então, com um panorama do deba-
te sobre o método, e propôs que fossem estabelecidas claras fronteiras
entre os procedimentos quantitativo e qualitativo. De início, Berelson
acusou, com razão, as análises qualitativas à época de serem na maioria
das vezes “semiquantitativas” por utilizarem termos como “raramente”,
“frequentemente” ou “na maioria das vezes” (1952, p. 116-117), fazendo
assim referência, ainda que de forma vaga, a quantificações. De fato, a
mesma crítica pode ser feita com relação a perspectivas contemporâneas
sobre a análise qualitativa de conteúdo e diz respeito, a nosso ver, à lógica
de procedimentos que buscam chegar a hipóteses sobre a estrutura de
relações entre determinados aspectos por meio de uma análise da fre-
quência de seu surgimento conjunto, e não a partir da reconstrução dos
contextos relacionais de constituição genéticos.
Contudo, Berelson conseguiu ser ainda mais polêmico nas suas
críticas a uma análise de conteúdo qualitativa que buscasse apreender
“fenômenos mais fundamentais” ou então o conteúdo latente de sentido
a partir de categorias “mais consistentes” do que o possibilitado pelos
procedimentos quantitativos. Ele criticava, entre outros, Leo Löwenthal,
importante representante da Escola de Frankfurt. Löwenthal desenvolveu
em 1944 uma análise da história de vida de celebridades tomando revistas
de variedades como material. Críticas também foram feitas a Siegfried
Kracauer, outro pertencente, ainda que de forma menos direta, ao círculo
frankfurtiano e que havia realizado em 1942 uma análise qualitativa de
conteúdo sobre filmes da propaganda nazista – seu estudo mais impor-
tante, sobre o filme alemão De Caligari a Hitler, veio a público em 1947.
Contra esses estudos qualitativos, Berelson argumentava que, neles, “as

259
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

descrições do conteúdo não são particularmente ‘sofisticadas’”, que “é


o caráter da interpretação do dado em questão que faz com que essas
análises pareçam ricas e diferenciadas” (p. 133). Essa crítica parte do
pressuposto de que o conteúdo manifesto de um texto pode ser separa-
do da interpretação do dado (veja a seguir). Para Berelson, ao invés de
“concluir uma pesquisa com afirmações ambíguas e impressionistas, os
representantes da análise qualitativa deveriam informar da forma mais
precisa possível os indicadores do conteúdo categorial por eles visado”
(1952, p. 133). Uma formulação mais precisa de hipóteses permitiria, de
acordo com Berelson, desenvolver pesquisas quantitativas realizadas a
partir desses resultados e, com isso, integrar construtivamente análises
de conteúdo quantitativas e qualitativas. Ele considerou a análise de con-
teúdo qualitativa – de forma semelhante a Mayring hoje – como espécie
de estudo-piloto, cujas hipóteses possam ser verificadas posteriormente
em um procedimento quantificador.
Berelson definiu parâmetros importantes da análise de conteúdo
quantitativa: “A análise de conteúdo é uma técnica de pesquisa voltada à
descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da
comunicação” (BERELSON, 1952, p. 18). Ele defende que a análise seja
realizada de acordo com regras claras, para que assim a objetividade
seja garantida, e também de forma sistemática, de modo que as regras
da análise possam ser determinadas de antemão. Além disso, a escolha
do material deve ser feita, a seu ver, tomando como referência critérios
muito bem fundamentados (HERKNER, 1974, p. 158). Limitar-se ao conte-
údo manifesto tem como pressuposto a crença de que, além do significado
latente, o texto também conta com um sentido mais ou menos invariável
ou estável, ou seja, um significado que, dentro de um meio linguístico
específico, costuma ser atribuído a uma palavra ou a uma expressão es-
pecífica e que se encontra, assim, acessível a todo leitor de forma mais
ou menos imediata, totalmente independente do contexto da comunicação
e dos recortes ou das definições relativas aos sujeitos envolvidos (sejam
eles produtores do texto ou então receptores).
Ainda em 1952, Siegfried Kracauer desenvolveu uma resposta às críticas
de Berelson, defendendo de forma veemente uma análise de conteúdo com
base em princípios de pesquisa qualitativos. Kracauer partiu da ideia de
que a construção de categorias configura fase importantíssima da análise
de conteúdo e rejeitou a perspectiva segundo a qual a análise qualitativa
de conteúdo deva se submeter a critérios quantitativos. Ele defendia que

260
GABRIELE ROSENTHAL

as categorias utilizadas na pesquisa não impedissem tomar a estrutura do


texto como totalidade ou considerar as relações latentes e manifestas, a
partir das unidades elementares do texto, como constituindo uma Gestalt:
“[...] há que se lidar com a estrutura do texto como um todo, isto é, com
o ligamento, latente ou manifesto, que faz das unidades atomísticas as-
sumir uma Gestalt” (KRACAUER, 1952, p. 639). O autor procura evitar a
análise isolada de elementos do texto tomados individualmente e propõe
a reconstrução de modelos. A análise qualitativa de conteúdo deve, a seu
ver, seguir os seguintes princípios, por ele sistematicamente formulados
(RITSERT, 1972, p. 14ss.):

1. Reconstrução do contexto, isto é, observar elementos textuais


particulares dentro do nexo de relações mais amplo do texto
(contexto).

2. Análise das estruturas de sentido latentes do texto (latência).

3. Considerar especificidades e casos isolados (singularidade).

4. Considerar a interdependência das partes de um texto, isto é,


reconstruir a sua Gestalt (Gestalt).

A análise de conteúdo contemporânea tem mostrado a importância de


tomar como regra sobretudo a proposta feita por Kracauer de também
considerar, para a análise, fenômenos pouco frequentes ou casos isolados.
Se não quisermos contradizer princípios importantes de procedimentos
como a análise de discurso e a crítica ideológica, tampouco evitar a ques-
tão sobre quais temas são aceitos em determinados contextos e quais são
rejeitados, quais assuntos são negados ou excluídos por determinados
discursos, então devemos estar atentos não à presença, mas à ausência
de conteúdos específicos ou de aspectos próprios a eles. Essa ideia tem
sido sistematicamente desenvolvida por George (1959, p. 10) em sua
interpretação da análise de conteúdo qualitativa. Se apenas a presença
de determinados assuntos – abordados nos meios de comunicação de
massa ou na entrevista – constituir objeto de análise (ou então somente
os temas mais recorrentes), a investigação acabará apenas reproduzindo
as regras, vigentes em cada discurso, da exclusão e do silêncio sobre
determinados conteúdos.

261
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Se aceitarmos os princípios metodológicos de Kracauer, tal como


Jürgen Ritsert (1972) defende, desde a perspectiva da teoria crítica,
temos então que verificar que há a possibilidade de apropriá-los para a
análise de conteúdo, isto é, para um procedimento de pesquisa que re-
estruture o texto de acordo com um sistema de categorias existente ou
também desenvolvido a partir do material. A nosso ver, a aplicação dos
princípios formulados por Kracauer resultam em um modo de proceder
sequencial e reconstrutivo, pois é de fato bastante difícil agrupar, de um
lado, partes do texto de acordo com categorias, e, de outro, trabalhar
sequencialmente ou então em correspondência com ideias da Gestalt.1
Ao defender que quantificações sejam realizadas ao longo da análise,
Mayring submete seu procedimento à lógica e aos critérios de um método
quantificador. A nosso ver, isso explica também por que Mayrink (2000),
em suas teses sobre Siegfried Kracauer publicadas em um manual sobre
análise de conteúdo, sequer menciona sua crítica àqueles que tendem a
desconsiderar casos isolados.

7.3 Exemplo empírico: a decodificação de declarações antissemitas

A ausência de determinados conteúdos parece ser especialmente sig-


nificativa em entrevistas biográficas com as assim chamadas testemunhas
do nacional-socialismo, nas quais os crimes nazistas e as execuções em
massa com frequência não são sequer tematizados. Em gerações posterio-
res também podemos observar que o tema “povo judeu” é completamente
ignorado. Em determinados contextos temáticos, chama a atenção como
se evita até mesmo a palavra “judeus” (ROSENTHAL, 1997e, p. 345ss.). Se
desconsiderássemos esse fenômeno na análise de dados, estaríamos contri-
buindo, também no discurso científico sobre o nazismo, para reprodução
dessa não tematização ou de uma forma latente da percepção do holocausto
que o trata como espécie de mito, como se Auschwitz tivesse ocorrido em
outro planeta. Na análise temos que verificar em quais passagens do texto
determinados temas como “crimes nazistas e execuções em massa” são
copresentes e quais estratégias são utilizadas na tentativa de evitá-los.
A análise da ausência de certos assuntos e dessas estratégias de es-
quiva exige, tal como a análise de alusões e declarações vagas e difusas,

1
Sobre a possibilidade de proceder de acordo com os princípios tanto da análise de con-
teúdo como também sequencial e reconstrutivamente, ver os estudos de Anne Huber (2001).

262
GABRIELE ROSENTHAL

um método sequencial e detalhado como o desenvolvido, entre outros, por


Ulrich Oevermann (ver subcapítulos 2.5.4 e 6.2). Com frequência, são jus-
tamente as passagens mais importantes para a composição da estrutura
do texto aquelas que, mesmo antes de uma observação mais profunda e
da reconstrução do conteúdo latente de sentido, se mostram mais difíceis
de serem classificadas em categorias.
A dificuldade de se classificar uma passagem do texto de acordo com
determinada categoria, ainda quando ela faz referência explícita ao holo-
causto, assim como a importância da análise detalhada sequencial, será
tratada aqui tomando como exemplo um artigo intitulado “Lembrança do
holocausto”, publicado na imprensa austríaca. A primeira passagem do
texto, caracterizada por uma grande quantidade de afirmações de fato
vagas, foi a que mais nos chamou a atenção. Antes de falarmos sobre
seu contexto externo, isto é, sobre o jornal onde foi publicado, vamos
voltar primeiro ao texto. Considerando o título do artigo, são vários os
contextos nos quais o texto pode ter vindo a público; além disso, seu
conteúdo pode também ser dos mais variados. O título pode se referir
tanto a lembranças do holocausto – e que seriam relatadas na matéria
– como ao luto às vítimas. O texto pode ter sido escrito por algum so-
brevivente, que conta, ali, vivências que lhe ficaram marcadas. Mas o
artigo também pode falar de um acontecimento presente na memória
coletiva (por exemplo, o dia em que os presos de Auschwitz voltaram à
liberdade) ou a um evento de luto aos executados nos campos de concen-
tração (como o dia em que o fim do holocausto é celebrado em Israel). No
título, o termo “lembrança” está no singular, o que nos permite levantar
diferentes hipóteses sobre o conteúdo. Pode ser que o texto fale de uma
forma particular da memória do holocausto que venha então a ser defi-
nida como a forma “correta” de prestar reconhecimento. Se a hipótese
proceder, podemos esperar que o texto traga alguma “instrução” sobre
o modo como, hoje, o holocausto deve ser abordado.
O artigo começa com a seguinte informação: “Na próxima semana será
aberto na Praça dos Judeus em Viena o memorial às vítimas do holocaus-
to”. Faz-se referência ao monumento financiado pela prefeitura da capital
austríaca a partir da iniciativa de Simon Wiesenthal e inaugurado em 25 de
outubro de 2000 em memória de mais de 65 mil judeus austríacos assassi-
nados entre 1938 e 1945. A partir da citação, que não chega a informar a
data ou o horário da inauguração, podemos já nos perguntar se é intuito
do autor de fato falar sobre o evento ou, antes, sobre o modo (correto) de

263
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

prestar respeito às vítimas. A sentença seguinte é ainda mais difícil de


interpretar: “O monumento nos fará guardar na memória o sofrimento
inimaginável e fatal de judeus, ciganos e outros indivíduos, mas também
mostrará o significado real do nacional-socialismo e a forma leviana de
lidar com o observatório antinazista que vem ganhando força na política
atual”. Sem uma análise mais precisa, essa frase, de fato ambígua, dificil-
mente poderia ser categorizada de alguma forma mais abstrata. Com cada
palavra se amplia para o leitor o horizonte de interpretação e de recepção
do texto, razão pela qual o período, para ser analisado, tem antes que ser
dividido em partes menores. Vamos trazer, de forma condensada e (da
perspectiva de quem já conhece as conclusões da investigação), algumas
das hipóteses mais relevantes levantadas pelos estudantes. Se observar-
mos com mais atenção o termo “o sofrimento inimaginável e fatal”, fica
claro como ele pode ter interpretações bastante diversas. Primeiro seu
significado “manifesto”: o memorial nos impede de esquecer o sofrimento
dos mortos no holocausto, o qual, para nós, é impossível de imaginar. No
campo latente, ela pode ser lida de forma diferente, por exemplo: se o
sofrimento é de fato inimaginável, não precisamos, a rigor, perder tempo
buscando apreendê-lo, seja ali, no texto, ou em geral. Além disso, quando o
assunto é execuções e assassinatos, essa construção metafórica “sofrimen-
to fatal” de fato pode confundir bastante o leitor. Em uma interpretação
literal, ela pode significar dizer que foi aquele sofrimento o responsável
pelas mortes, ou até mesmo que a dor é dos assassinos, como se o texto
tratasse do sofrimento daqueles que mataram ou dos que se aproveitaram
da situação – ou, ainda, como se as vítimas fossem “fatais” porque fizeram
os assassinos sofrer, em uma outra leitura.
Contrário ao interesse da construção do monumento, a referência a
“judeus, ciganos e outros indivíduos” parece ampliar o escopo das vítimas.
No grupo “outros indivíduos”, poderíamos incluir até mesmo toda a popu-
lação da Áustria. A referência a esses grupos indica que o texto não deve
ter sido escrito por um sobrevivente de origem judaica ou publicado em
um jornal ligado de alguma forma ao partido social-democrata austríaco
ou à comunidade judaica de Viena. É possível até levantar a hipótese de
que o texto de certa maneira reproduz o discurso nacional-socialista, que
o artigo é antes apologético do que crítico. Supostamente, trata-se, então,
de um artigo publicado em um órgão de imprensa de direita. Na Áustria, o
discurso apologético do nacional-socialismo, de forma semelhante ao que
ocorre na Alemanha, tem como base o mito ou a ideia de que “somos todos

264
GABRIELE ROSENTHAL

vítimas do nazismo” (WODAK, et al., 1990), mas se fundamenta também


na Declaração de Moscou2, de 1943, em que a Áustria se declara primeira
vítima do fascismo, ou seja, da Alemanha (UHL, 2001). Na passagem, além
dos “outros indivíduos”, pertencem ao grupo de vítimas os judeus e, dito
ali de forma pejorativa, os “ciganos”. O fato de perseguidos políticos não
terem sido lembrados também abre espaço para outras leituras. É fácil
supor que o autor do texto, assim como os leitores do jornal, não seja de
esquerda, tampouco comunista ou simpatizante da social-democracia.
“Mas” o monumento “também” deve mostrar, continua o texto, “o signifi-
cado real do nacional-socialismo”. Graças à conjunção adversativa “mas”,
é possível interpretar, a partir das declarações feitas até ali, que o sofri-
mento lembrado, causado pelos nazistas, ignora o verdadeiro sentido do
nacional-socialismo, fazendo clara referência a um significado falso, irreal.
Em uma leitura oposta, poderíamos afirmar que o memorial faz referên-
cia a muito mais do que apenas ao sofrimento imposto pelos nazistas às
suas vítimas, que vai muito além dele – e que por isso deve receber uma
interpretação mais ampla.
Com essa terminologia, o texto parece estimular o leitor do jornal
a associar determinadas ideias – como, por exemplo, sobre a redução
do desemprego ou a ampliação de estradas – ao significado “real” do
nacional-socialismo. De todo modo, o uso do termo dá outros indícios
que ajudam a sustentar a hipótese de que, para o autor, há um tipo equi-
vocado de memória e um tipo adequado. Na continuação da frase, esse
“real” significado não chega a ser explicitado; fala-se apenas da “forma
leviana de lidar com o observatório antinazista que vem ganhando força
na política atual”. Em seguida sabemos então quem, do ponto de vista do
autor, permite que o observatório antinazista ganhe espaço: trata-se de
Michael Häupl, prefeito de Viena – membro do Partido Social-democrata
Austríaco (SPÖ) e que participou da cerimônia de inauguração do mo-
numento (informações omitidas no texto), o que sugere mais uma vez
que o jornal no qual o artigo foi publicado não deve ter ligação com
movimentos social-democratas.

2
Na Conferência de Moscou em outubro de 1943, os ministros das relações exteriores dos
Estados Unidos, da Grã-Bretanha e da União Soviética decidiram formalmente não abandonar
a guerra até a capitulação incondicional da Alemanha, assim como pela posterior instituição
de uma nova organização internacional para a segurança e paz. Ali também foi formulada uma
declaração sobre a Áustria, que passou a ser considerada a primeira vítima da política expan-
sionista de Hitler e, por essa razão, haveria de ser liberta da dominação alemã.

265
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

O autor constata, adiante, que o prefeito vienense não “trata o passado


de forma adequada”. O próprio chega a ser citado; na inauguração, Häupl
teria afirmado: “É um indício de que, nessa cidade, o antissemitismo
é mais antigo e remonta a épocas anteriores à do nacional-socialismo.
Ninguém, nessa cidade, pode se considerar livre de culpa”. O autor do
artigo comenta a declaração:

Desculpe, senhor prefeito, mas isso é um exagero que causa


uma falsa impressão, que evita todo tipo de lembrança. Pois é
evidente que os austríacos de hoje não têm culpa nos crimes
cometidos contra os judeus, disso qualquer um pode se consi-
derar inocente, a não ser que a pessoa pratique antissemitismo,
mas nesse caso ela acabaria, de todo modo, em algum tribunal.

Trata-se, portanto, de uma crítica à tentativa de culpar os austríacos


de hoje por qualquer crime ocorrido à época; tampouco seriam eles pra-
ticantes do antissemitismo – esses, sim, os verdadeiros culpados, embora
não seja possível identificar claramente a quem o termo se refere. Por
isso não espanta tanto os argumentos apresentados em seguida, típicos
ao discurso apologético do nazismo. O autor sugere que a Praça do Judeus
receba também uma placa em homenagem ao imperador José II, que deu aos
judeus “permissão para abrir indústrias, manufaturas e comércios”, para
comprovar não haver formas “praticantes” do antissemitismo na Áustria.
Podemos codificar a sequência intermediária como exemplo da es-
tratégia de “destituição de culpa e de inocentar os contemporâneos”
e, a sequência seguinte, como “prova do apoio aos judeus” (e, com isso,
como argumento contra a ideia da existência de práticas antissemitas).
O início do texto, contudo, é profundamente caracterizado por uma certa
ambiguidade, por uma latência de sentido. Reservado às entrelinhas, seu
significado não chega a atingir o campo manifesto, que pode ser interpre-
tado de acordo com as hipóteses levantadas. A análise detalhada dessas
passagens mostra, assim, quão vagas são as declarações do autor, que chega
inclusive a omitir informações – por exemplo, em relação ao significado
real do nacional-socialismo –, permitindo ao leitor realizar associações ou
interpretações que jamais seriam explicitamente expressas. Isso nos traz
à memória as declarações antissemitas feitas por políticos do Partido da
Liberdade Austríaco (FPÖ), como as difamações de Jörg Haider durante
a campanha eleitoral no início de 2001 e que tinham como alvo seus ad-

266
GABRIELE ROSENTHAL

versários políticos, inclusive Michael Häupl3 (WODAK, 2001). A vagueza


e a omissão evitam – como mostra o caso de Haider – acusações diretas
de antissemitismo. Elas permitem ao falante mais tarde afirmar que não
foi aquilo que se quis dizer.
A sequência de cada passagem no artigo, começando com a referência
ao sofrimento das vítimas do nazismo para então criticar um membro
do partido social-democrata, também nos revela muito em termos de
significado. De forma sutil, o autor utiliza o luto aos judeus assassinados
para desviar a atenção tanto das vítimas quanto dos assassinos, para
difamar terceiros – sociais-democratas –, chamando-os de “criminosos”.
Os políticos de direita são caracterizados, ali, como vítimas da esquerda,
do “observatório antinazista”.
Agora está definitivamente claro que o artigo não pode ter sido publicado
em um órgão de imprensa ligado de alguma forma ao partido social-de-
mocrata. O artigo é de autoria do jornalista austríaco Kurt Markaritzer e
foi publicado na coluna “De pessoa pra pessoa”, de um veículo da t-on-line
ligado ao jornal sensacionalista Kronenzeitung.
A análise sequencial de um artigo do tipo ou também de entrevistas
voltadas a um tema específico, assim como a análise detalhada de dados
de algumas passagens desses textos, nos permite reconstruir o conteúdo
latente de sentido e as características de determinadas formas de argu-
mentação utilizadas. É importante atentar na análise – ao contrário de
quando procedemos na análise de conteúdo – para as passagens do texto
em que determinados conteúdos são expressos ou também evitados, onde
certas posturas são explicitadas – por meio de declarações antissemitas,
por exemplo – ou assumidas apenas implicitamente.
A análise de textos de uma temática mais ampla nos oferece, nesse sen-
tido, ainda mais possibilidades de apreender a função de argumentações do
tipo para os produtores do texto, como mostrou uma entrevista biográfica na

3
Em 23 de fevereiro de 2001, em um encontro partidário, Haider deu a seguinte declara-
ção: “O Häupl contratou um estrategista de campanha chamado Greenberg (gargalhadas são
ouvidas no salão). Que ele trouxe lá da costa leste! Caros amigos, a escolha é de vocês: entre um
relações-públicas da costa leste ou um típico vienense!” (apud WODAK 2001, p. 132) Haider se
esquivou de acusações de antissemitismo negando, entre outras coisas, a conotação antissemi-
ta do termo “costa leste”, utilizado para se referir ao forte lobby judeu de Nova York, alegando
que “costa leste”, ali, tinha significado neutro e geográfico, referente, segundo o próprio, ao
“centro político dos Estados Unidos” (apud WODAK 2001, p. 134), o que, porém, nos permite
de novo identificar, nas entrelinhas, conotação antissemita.

267
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

qual o falante expressou seu antissemitismo de forma relativamente clara.


As passagens do texto em que ele expõe sua postura são fáceis de codificar.
Determinante para o resultado da análise é, antes, a identificação dos mo-
mentos em que as declarações surgiam no texto da entrevista e o significado
funcional que assumiam considerando a forma geral do relato biográfico.
Um trecho retirado da entrevista com Otto Sonntag4 – nome fictício que
damos ao entrevistado, nascido nos anos 1920 – mostra uma forma típica
de argumentação apropriada pelos que buscam atribuir aos judeus alguma
culpa pelo próprio massacre ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial:

“Agora, eu não estou nem querendo dizer que HOUVE RAZÕES5,


que os judeus, naquela época- ainda mais em Berlim, você tem
que checar nos livros de história como era a presença dos judeus
em uma cidade como Berlim, ‘que não era lá muito positiva’.
[...] Isso foi- e agora dou a minha humilde opinião, que essa-
esse problema insolúvel dos judeus (2) foi o que levou mesmo
(2) à guerra mundial ((enfatizando)). Soa esquisito, mas é isso
mesmo. Porque foi quando o comando judaico internacional,
respeitado em tudo quanto é lugar nos- e sobretudo nos Estados
Unidos, também ainda hoje, foi quando eles decidiram que
não iam permitir ser tratados como estavam sendo tratados na
Alemanha, que também iam tomar providências”.

Essa passagem pode ser codificada como figura de argumentação que


culpa os judeus pela Segunda Guerra Mundial e que, dessa forma, impli-
citamente, justifica o massacre. Mas quais funções tem essa declaração
para Otto Sonntag? Se trouxermos um outro aspecto desse caso – sua
participação em crimes nazistas –, fica mais fácil formular uma hipótese
sobre a funcionalidade desse elemento em seu relato biográfico. O fato é
que, após o fim do conflito em 1945, Otto Sonntag foi preso pelos Aliados,
condenado por crimes contra a humanidade, por ter supostamente ajudado –
como a análise de dados de sua entrevista biográfica parece indicar, e com
base também em pesquisas de arquivo –, na construção, como arquiteto,
de crematórios para campos de concentração. A hipótese é a seguinte: por
causa da participação nos crimes cometidos pelos nazistas, o entrevistado

4
Para uma exposição mais ampla do caso, ver: Rosenthal (1997d).

5
Na transcrição, realces em negrito e em caixa alta significam que essas palavras foram
ditas em tom mais alto. Para as regras de transcrição, ver subcapítulo 3.2.

268
GABRIELE ROSENTHAL

busca se aliviar desse peso por meio da estratégia de atribuição de culpa e,


com isso, também rejeitar quaisquer acusações contra ele. Atribuir culpa
aos judeus serve, assim, como justificação da própria ação.
Essa interpretação poderia ser verificada quantitativamente tomando
outros exemplos de caso, para então descobrir se a atitude de culpar os
judeus pode ser notada com mais frequência no caso de pessoas que par-
ticiparam da perseguição e do assassinato de judeus do que entre aqueles
que não tiveram nenhuma participação nesses atos. Contudo, diferente
de uma pesquisa realizada de acordo com princípios quantitativos, uma
análise interpretativa deve buscar explicar, antes, os contextos relacionais
de constituição, sempre a partir de casos particulares concretos.
Essa relação fica clara quando contextualizamos o momento em que Otto
Sonntag constrói essa sequência no relato biográfico principal e quando
observamos seu contexto temático. O que segue à solicitação de um relato
sobre sua história de vida e sua biografia familiar é uma descrição detalhada
e claramente estruturada de suas vivências até o ano de 1939 (que ocupa
21 páginas na transcrição)6, no qual o entrevistado admite abertamente
seu entusiasmo à época com o nacional-socialismo e seu engajamento em
diversas agremiações nazistas. Em seguida, Otto Sonntag fala por algum
tempo (quatro páginas na transcrição) sobre a culpa dos judeus no conflito,
para só depois abordar (de forma bem caótica, com muitas interrupções e
cortes temporais) aquilo que vivenciou entre 1940 até sair da prisão em
1946, em relato que ocupa não mais que cinco páginas.
O mais interessante é, sem dúvida, o recorte textual que trata da culpa
dos judeus na guerra. Antes de abordar o tema, o entrevistado informa
que, até 1940, no período do rearmamento, trabalhava na secretaria de
engenharia de construção das forças armadas, no departamento de caser-
nas. A cronologia é, ali, interrompida. Ao invés de falar sobre as atividades
desempenhadas após deixar a secretaria, ou então sobre sua participação
ativa em determinadas operações militares, ele passa a argumentar sobre
a culpa dos judeus. O relato que se segue, sobre os anos de conflito e de
encarceramento, deve ser compreendido, assim, à luz da sua tentativa de
responsabilizar os judeus pelos acontecimentos da época, sequência que
tem início com texto: “e então vieram os anos de 1938, 1939”.

6
A entrevista com Otto Sonntag foi realizada em 1993. Ele aceitou dar uma única entre-
vista, que durou cerca de três horas.

269
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Apenas na fase de aprofundamento fica claro até que ponto essa res-
ponsabilização serve para desviar a atenção das próprias ações na guerra.
À solicitação de ser mais preciso sobre a vivência do começo da guerra, o
entrevistado responde: “Isso eu posso repetir quantas vezes você quiser,
não foi outra coisa que a reação do comando judaico internacional, que
falou que agora eles tavam decididos, que agora não era pra fazer conces-
são nenhuma”. As acusações de crueldade e de desumanidade se voltam,
assim, contra as vítimas.
Como esse exemplo sugere, entrevistas biográficas podem evidenciar
a função de esquemas de interpretação antissemitas na história de vida
da pessoa, mas também reconstruir sua gênese e modificação ao longo de
sua biografia e, portanto, na história da comunidade da qual o entrevistado
participa. A análise de entrevistas biográficas com as assim chamadas
testemunhas do Terceiro Reich mostrou claramente a relação de mútua
constituição entre o desenvolvimento da política estatal usurpadora de
direitos, genocida, e a mudança de postura na população alemã não judia
com relação aos judeus. O processo de desumanização dos judeus, con-
siderando nossa análise de relatos biográficos, nos parece ter ocorrido
de forma bastante gradual, em fases (1933-1935; 1935-1938; 1938-1945),
acompanhando as leis criadas pelo Estado contra a população judia (Leis
de Nuremberg, Noite dos Cristais, Pogrom e deportação em massa)
(ROSENTHAL, 1992, p. 455s.).

7.4 Codificação na teoria fundamentada (grounded theory)

O método de codificação na teoria fundamentada desenvolvido por


Anselm Strauss e Juliet Corbin se caracteriza, por um lado, por se ater de
forma mais fundamental aos princípios da abertura e da reconstrução (se
comparado ao modo de proceder da análise de conteúdo qualitativa de
Mayring). Por outro lado, o método desconsidera por completo o princípio
da sequencialidade, e com ele corremos o risco de, logo de início, seguir
apenas uma lógica da subsunção. Se em Mayring o objeto e o problema
que orienta a pesquisa devem ser claramente definidos já no começo da
investigação, com desenvolvimento preliminar de categorias, a grounded
theory se caracteriza pela construção do problema ao longo do estudo, o
qual inclui também o desenvolvimento das categorias utilizadas na codi-
ficação ao longo do processo de pesquisa. A intenção é chegar a teorias
enraizadas (“grounded”) na empiria. Enquanto que a análise de conteúdo

270
GABRIELE ROSENTHAL

qualitativa se limita em maior ou menor grau ao conteúdo manifesto do


texto, na codificação aberta (veja adiante) volta-se também ao campo la-
tente do material textual. A análise das relações entre as categorias não
deve ser entendida no sentido estatístico. Ela não é realizada tomando
como critério a frequência de surgimento conjunta de fenômenos, mas,
sim, por meio da reconstrução de contextos relacionais de constituição
próprios à situação investigada.
Strauss e Corbin (1996) se referem a três formas diferentes de codifi-
cação: a aberta, a axial e a seletiva. Trata-se, de fato, de processos inde-
pendentes de análise que, porém, não ocorrem rigorosamente separados
ou em sequência, e sim em permutação constante entre eles, em especial
entre a codificação aberta e a axial (1996, p. 77). O objetivo é desenvolver
a teoria partindo dos dados e descobrindo relações entre categorias. O
primeiro passo é uma codificação aberta e sistemática; o material em-
pírico (que, nessa tradição, consiste na maioria das vezes em protocolos
de observação e entrevistas) é estruturado em “códigos”, em categorias
formuladas descritivamente ainda bem próximas ao texto. Ao longo da
pesquisa, a quantidade de códigos diminui e as categorias ganham em
abstração. A intenção é, então, trabalhar sobretudo as relações entre elas
(FLICK, 1995, p. 197). Sobre a codificação aberta, Strauss e Corbin (1996,
p. 44) afirmam o seguinte:

Codificação aberta é uma fase da análise voltada em especial à


categorização e à nomeação dos fenômenos, acompanhadas de
uma investigação dos dados. Sem esse primeiro passo, analítico
e fundamental, não é possível dar continuidade à análise, tam-
pouco articular seus resultados. Durante a codificação aberta,
os dados referentes a cada parte são expostos e investigados
detalhadamente; procuramos, comparativamente, descobrir as
semelhanças e as diferenças entre eles; e levantamos questões
sobre os fenômenos aos quais os dados fazem referência.

No começo, analisamos linha por linha as passagens do texto, como


em uma análise detalhada sequencial. Apenas ao longo da investigação
veremos esse procedimento, a princípio reconstrutivo, tomar como
referência uma lógica da subsunção, na medida em que as unidades
textuais são classificadas de acordo com as categorias disponíveis.
Contudo, trata-se, aqui, de uma codificação apenas preliminar, como
mostra o passo seguinte.

271
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

É, então, na codificação axial que construímos “relações entre cate-


gorias”. “Após a codificação aberta”, os dados são reunidos “de uma ma-
neira diferente” (STRAUSS; CORBIN, 1996, p. 75) e têm sua quantidade
reduzida. O objetivo, de acordo com Juliet Corbin (2003, p. 74), é “levar os
dados brutos a níveis mais amplos, de modo que possam ser relacionados
a mais de um caso”. A autora descreve o procedimento a partir do exem-
plo de um estudo realizado com pacientes de câncer em estado grave. Na
codificação aberta, ela chegou à categoria “redução do risco de morte”,
que abarcava estratégias biográficas desenvolvidas para lidar com essa
incerteza sobre o futuro. A codificação axial serviu, no caso, para o posterior
desenvolvimento dessa categoria, por meio de outras questões levantadas,
sempre com a ajuda do chamado paradigma de codificação. As categorias
desenvolvidas até ali foram, então, investigadas com vistas às condições
de possibilidade do fenômeno em questão. Buscou-se identificar o contexto
ao qual o fenômeno pertence, as estratégias de interação em que emerge
e as consequências da aplicação dessas estratégias (STRAUSS; CORBIN,
1996, p. 76). No caso da categoria “redução do risco de morte”, a investi-
gação buscou identificar os contextos e as condições sob as quais foram
utilizadas estratégias voltadas à redução dos riscos (CORBIN, 2003, p.
73-74). Aplicando essa metodologia no caso em que se argumentou sobre
“a culpa dos judeus nos massacres”, buscaríamos descobrir as funções,
os efeitos e os contextos dessa argumentação.
A codificação seletiva dá continuidade à axial na medida em que
responde pela integração das categorias formuladas na fase anterior. “A
integração toma um tema importante como referência, ou então um ou
vários conceitos que descrevam o fenômeno investigado em seu ‘signifi-
cado mais amplo’” (CORBIN, 2003, p. 74). Esse conceito pode ser também
uma categoria, formulada ainda na codificação axial, caracterizada por
suas “relações versáteis com todas as outras categorias de importância” e
por assumir “posição central dentro da rede conceitual” (BÖHM, 2000, p.
482). Na pesquisa biográfica realizada por Juliet Corbin com pacientes de
câncer em estado grave, o tema principal (também denominado “categoria
central”) poderia, nesse caso, muito bem ser representado pela categoria
“redução do risco de morte”, ou então “reaprendendo a viver depois da
experiência de proximidade com a morte” (CORBIN, 2003, p. 74).
Em seus primeiros desenvolvimentos, a teoria fundamentada (GLASER;
STRAUSS, 1967) ainda não incluía o paradigma da codificação, que só se
tornou tema no debate metodológico em 1987, trazido pelo próprio Strauss,

272
GABRIELE ROSENTHAL

mas trabalhado em alguns aspectos fundamentais apenas por Juliet Corbin


entre 1990 e 1996. Barney Glaser (1992) reagiu com uma forte crítica ao
paradigma da codificação em seu livro sobre os fundamentos da grounded
theory, onde acusa Strauss de impor aos dados (ainda que implicitamente)
uma teoria já existente e de violar, assim, o princípio da teoria fundamenta-
da. Jörg Strübing tenta mostrar a inconsistência da crítica de Glaser (que,
ao contrário de Strauss, propõe se dirigir aos dados já de posse dos códigos
teóricos) da seguinte forma: “Se, para Strauss e Corbin, o paradigma da
codificação é dotado de uma heurística pragmática, Glaser busca atingir o
recorte da codificação com a ajuda de uma série de conceitos sociológicos
fundamentais” (STRÜBING, 2004, p. 68).
Se essa crítica a Glaser estiver correta, considerando também
que os estudos empíricos de Strauss e Corbin têm por base um méto-
do aberto e reconstrutivo, é grande o risco, a nosso ver, de a forma
do texto sair corrompida da codificação aberta – sendo que em uma
codificação axial o risco é ainda maior –, de modo que, nesse caso,
estaríamos lidando diretamente com desvantagens antes típicas à ló-
gica da subsunção. Tal como na análise qualitativa de conteúdo, esse
procedimento não inclui a reconstrução da forma sequencial de toda a
estrutura textual – justamente um procedimento que pode nos ajudar
bastante a decifrar o significado de determinadas passagens em seu
contexto de surgimento, como mostra claramente a análise de campo
temático (ver subcapítulo 6.2.3).

7.5 Análises do discurso

Bettina Völter
Gabriele Rosenthal

Nos capítulos anteriores, mencionamos algumas vezes aplicações da


análise do discurso na pesquisa social qualitativa. É importante lembrar,
em primeiro lugar, que o termo “análise do discurso” não diz respeito con-
cretamente a nenhum princípio teórico, menos ainda a uma metodologia,
embora seja cada vez mais utilizada – razão suficiente para esclarecer
pontos importantes a seu respeito. A seguir, vamos apresentar brevemente
as diferentes correntes que costumam ser relacionadas a ela, para então
abordar em linhas gerais a teoria do discurso de Michel Foucault e, por
fim, debater possíveis aplicações.

273
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Análises de discurso são realizadas desde meados dos anos 1960, em


diversas disciplinas e com as mais variadas bases teóricas e métodos, seja
para o levantamento ou para a análise de dados (KELLER, 1997; KELLER et
al., 2001). A teoria e análise de discurso tem uma longa tradição sobretudo
na (socio)linguística, nos estudos literários e na filosofia, embora encontre
aplicação também na teoria da história, na ciência política e na psicologia.
Na sociologia, o interesse nessa forma de análise começou a aumentar
nos anos 1990. Suas raízes teóricas são encontradas na etnometodologia
(análise da conversação), no pós-estruturalismo, na filosofia da linguagem
desenvolvida na França nos anos 1960, no pragmatismo americano, na socio-
logia do conhecimento de orientação fenomenológica, na (socio)linguística
e em grande parte na ética do discurso de Jürgen Habermas.7 Enquanto
alguns analistas do discurso se voltam sobretudo a textos impressos,
outros preferem levantar material por meio de entrevistas realizadas de
acordo com princípios qualitativos, embora o método de análise também
seja, em vários casos, quantitativo. Dentro da pesquisa social qualitativa,
os métodos utilizados vão desde análises da linguagem (JÄGER, 2001) e
codificações como na teoria fundamentada (DIAZ-BONE, 2002; KELLER,
2004) até análises de estruturas narrativas (VIEHÖVER, 2003) e outras
de orientação mais sequencial e reconstrutiva (KELLER, 2004, p. 104-106;
VÖLTER, 2003, p. 64-74). Pode-se dizer, portanto, que o conceito “análise
de discurso” faz referência não tanto a uma metodologia específica, mas,
sim, a uma “postura de investigação” (KELLER, 2004, p. 8).
Neste volume é impossível abordar em maiores detalhes as diferen-
tes teorias do discurso existentes, tampouco os diversos métodos uti-
lizados em sua aplicação (ver as introduções sobre o tema em KELLER
et al., 2001; 2003; KELLER, 2004). Para mostrar o que uma análise de
discurso pode oferecer em termos de resultado, vamos falar a seguir de
alguns aspectos centrais da teoria e da análise do discurso inspiradas
nos trabalhos de Michel Foucault e também indicar as possibilidades de
aplicação, nesse campo específico, de alguns princípios da metodologia
interpretativa (ver capítulo 2).

7
A fim de evitar equívocos, vale lembrar que o conceito habermasiano de discurso é dife-
rente do utilizado aqui. Habermas entende por “discurso” processos dialógicos ou argumenta-
ções que seguem e devem seguir determinados princípios. Uma tentativa de combinar a análise
crítica do discurso com a ética desenvolvida por Habermas pode ser encontrada em Wodak
(1996).

274
GABRIELE ROSENTHAL

A teoria do discurso de Michel Foucault é de fato bastante complexa,


embora hoje já tenha sido ampliada e criticada em inúmeros aspectos.
Os escritos mais importantes de Foucault para a fundamentação de
sua teoria continuam a ser considerados: Arqueologia do saber (1969)
e A ordem do discurso (1972), além de seus estudos em genealogia,
como A história da loucura (1961), Vigiar e punir (1975) ou História da
sexualidade (1977), nos quais busca revelar as ligações entre exercício
de poder e formações discursivas.
Para Foucault, discursos são instrumentos da produção ou construção
de realidade e conhecimento social. Tanto na linguagem (falada ou escrita)
como também em outras formas simbólicas relativas a práticas sociais
(como pinturas, construções arquitetônicas, documentos etc.), é possível
identificar ordens de conhecimento (implícitas) que, porém, não são naturais
ou evidentes. Em O nascimento da clínica, Foucault reconstrói, por exemplo,
o discurso psiquiátrico, para então mostrar como ele pode ser política e
epistemologicamente posto em questão. Foucault chama a atenção para
o fato de que não apenas as teorias ou as visões de mundo totalizantes
buscam politicamente exercer influência determinante sobre o agir, mas
também e sobretudo as formas (cotidianas) da fala ou da representação
de algo. Enquanto saber institucionalizado tornado “facticidade objetiva”
(BERGER; LUCKMANN, 1969, p. 20) em imagens e textos como – apenas
para citar alguns exemplos – artigos de jornal, monumentos, símbolos e
interpretações diversas, em estatísticas, conclusões argumentativas e
questionários de pesquisa, discursos têm existência material e são fatores
importantes de construção do social.
Foucault propõe, assim, considerar discursos não apenas como “tota-
lidades simbólicas (constituídas por elementos significativos que fazem
referência a conteúdos ou representações), mas também como práticas
[...] que, de forma sistemática formam os objetos aos quais se referem”
(FOUCAULT, 1988, p. 74). Cada forma específica do “discursar” sobre o
mundo implica a exclusão de determinados sujeitos e, ao mesmo tempo,
a autorização de outros à fala. No discurso estão implicadas regras que
determinam o modo e o contexto em que algo é articulado ou omitido e
que estabelecem a fronteira entre o verdadeiro e o falso. Por exemplo, o
discurso antifascista na Alemanha Oriental atuava como fator de legitima-
ção das ações do Estado na medida em que sustentava uma continuidade
“natural” e “lógica” entre o movimento antifascista atuante nos anos
de dominação nazista e a República Democrática Alemã, com especial

275
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

referência à resistência comunista, ao movimento trabalhista, ao mesmo


tempo em que ignorava ou até mesmo difamava outros grupos que ha-
viam, antes, lutado do mesmo lado. Aos representantes desses grupos era
usurpado o direito à fala, com base apenas no significado e na simbologia
de suas ideias, de forma que a visão que propagavam a respeito dos anos
de nacional-socialismo e da política praticada pelo Partido Socialista
Unificado da Alemanha desde o fim da guerra era tomada, no discurso
antifascista predominante na RDA, como “equivocada”. A resistência co-
munista e aqueles que o sucederam eram considerados, por seu lado, “os
verdadeiros antifascistas”, os únicos que tinham legitimidade para falar
sobre o passado e assim levar a história aos outros cidadãos da RDA – ao
menos até mudanças políticas terem reescrito a história oficial da então
Alemanha Oriental (inclusive a biografia de membros de movimentos de
resistência fascista) (VÖLTER, 2003, p. 57-85).
Análises do discurso realizadas com base nos estudos de Foucault
buscam essencialmente considerar formas de representação sob o aspecto
do poder. Elas procuram mostrar que (ou o modo com que), em práticas
discursivas, indivíduos – e também destinatários do discurso – sempre
estão submetidos a relações de poder. Poder, assim, não é estritamente
compreendido como coação repressiva, mas como algo de produtor, no
sentido de um poder de definição, de um poder que constitui realidade, que
produz conhecimento e determinadas visões de mundo e ideias do sujeito
inclusive a respeito de si, assim como práticas correspondentes. Sem dú-
vida que em alguns casos esse poder de definição pode vir acompanhado
de repressão política, mas, enquanto discurso, seu exercício necessita
apenas da representação, da palavra.
O conceito de poder foucaultiano e outras teorias pós-marxistas sobre
hegemonia, como as de Louis Althusser, Ernesto Laclau e Chantal Mouffe,
exerceram forte influência sobre o desenvolvimento de análises de discur-
so orientadas à crítica social e ideológica. O objetivo da “análise crítica
do discurso”, como desenvolvida por Ruth Wodak, Norman Fairclough e
outros8, enquanto princípio para o estudo sociolinguístico do discurso, é
sobretudo revelar práticas de controle discursivo, de exercício de poder:
“O objetivo da análise crítica do discurso é desmascarar estruturas de
poder, controle político e dominação que são constituídas ideologicamente

8
Na Alemanha, a análise crítica do discurso foi desenvolvida sobretudo por Jürgen Link,
Ursula Link-Heer (1990) e por Siegfried e Margret Jäger (vide literatura citada).

276
GABRIELE ROSENTHAL

e se encontram muitas vezes ocultas, assim como estratégias de inclusão


e exclusão discriminatórias no uso da linguagem” (WODAK et al., 1999,
p. 8). Assim como Foucault, Fairclough e Wodak consideram discursos
escritos ou falados como formas da prática social e concluem: “Descrever
discursos enquanto práticas sociais implica uma relação dialética entre
um determinado acontecimento discursivo e a(s) situação (ou situações),
a instituição (ou instituições) e a(s) estrutura(s) social (ou sociais) em que
ele se insere. Uma relação dialética é um caminho de mão dupla: o acon-
tecimento discursivo é formado por situações, instituições e estruturas
sociais, mas também lhes dá forma” (FAIRCLOUGH; WODAK, 1997, p. 258).
Discursos não têm como objeto este ou aquele indivíduo. Antes, eles
se desenvolvem, por exemplo, em contextos institucionais ou em práticas,
representações políticas, econômicas e culturais, embora, do mesmo modo,
possam infiltrar seu poder até mesmo em biografias individuais ou históricos
de atividades em geral.9 Discursos com frequência não se atêm apenas a
uma instituição, a uma disciplina científica etc., mas são encontrados além
de seus limites, e em vários setores da sociedade. Práticas discursivas
podem se referir à sociedade como um todo, ao cotidiano de uma cultura
específica (como o discurso sobre migração). Mas elas também podem ser
reconstruídas como “discurso de especialista” em determinados setores da
sociedade, como o discurso das ciências em geral – essa “forma específica,
socialmente autodiferenciada, da produção de conhecimento” (KELLER,
1997, p. 312) – ou o discurso jurídico e da aplicação dos conhecimentos
sobre a genética humana, por exemplo.
A nosso ver, discursos devem ser compreendidos como processos
comunicativos. Eles podem se constituir de forma inesperada, produ-
zindo, nesse processo, novos objetos de referência, mas também podem
ser rapidamente dissolvidos. Podem, assim, ser descritos em sua se-
quência de surgimento, desenvolvimento e decadência. Nesse sentido,
há que se entender por “discurso” um conceito teórico de referência
processual que pode muito bem ser combinado com outros conceitos
aplicados na pesquisa e que também fazem referência a processos
específicos (VÖLTER, 2003, p. 32-41).

9
Sobre as relações entre análise biográfica e análise do discurso, ver: Schäfer e Völter
(2005).

277
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Como sugerido anteriormente, análises de discurso são realizadas a


partir dos mais variados procedimentos metodológicos. Dependendo da
questão que motiva a pesquisa e/ou do material a ser analisado, é possível
lançar mão de métodos da análise detalhada de textos selecionados e até
mesmo da análise de conteúdo (tanto qualitativa quanto quantitativa).
Como mostra Keller (2001, p. 136), a dimensão do material empírico
dependerá sempre do problema levantado inicialmente no estudo. Cada
texto, assim como cada passagem textual, deve ser compreendido como
fragmento de discurso (JÄGER, 1999); além disso, “não se parte do prin-
cípio – contrariando, por exemplo, ideias fundamentais da hermenêutica
objetiva – de que em um registro como esse seja possível identificar um
único discurso, tampouco que este esteja integralmente representado”
(KELLER, 2001, p. 136).
Um grande problema, aqui, é a reunião do material a ser investigado,
fase fundamental do processo de análise. Nesse caso, podemos tomar
como referência o método de amostragem teórica da teoria fundamentada
(KELLER, 2004). O pressuposto seria, então, a determinação – a princípio
passível de alteração posterior e não tão específica – do “fio condutor do
discurso” (JÄGER, 2001), ou seja, de um tema discursivo, assim como do
domínio a ser tomado como referência ao investigarmos o discurso (como
uma mídia impressa ou um filme publicitário, discussões parlamentares,
entrevistas, uma série em quadrinhos etc.). Os fragmentos discursivos
são primeiro reunidos de acordo com critérios externos ao material, como
local e data de surgimento do texto, e sem seguir princípios determinados.
Com base nos resultados da análise textual, escolhemos então outros frag-
mentos, agora em maior quantidade, de acordo com argumentos teóricos
empiricamente saturados. Trata-se de chegar a uma amostra com os mais
variados aspectos possíveis, isto é, a partir da qual seja possível realizar
contrastes, em maior ou menor grau.
Análise reconstrutiva do discurso. Uma análise reconstrutiva do dis-
curso, a seguir apenas esquematizada, toma como referência os princípios
da abertura, da reconstrução e da sequencialidade (ver capítulo 2). Isso
significa, entre outras coisas, que só nos deparamos com a estrutura
do discurso, com seus modelos representacionais – e só descobrimos os
apontamentos mais importantes a seu respeito – ao longo da análise re-
construtiva dos dados, e não ex ante.
Sequencialização e análise sequencial do fragmento de discurso.
Sugerimos analisar os fragmentos do discurso escolhidos de acordo com

278
GABRIELE ROSENTHAL

os critérios da amostragem teórica (ver subcapítulo 3.1) – sejam esses


fragmentos uma série de artigos ou anúncios de campanhas publicitárias,
parágrafos ou ainda apenas períodos do texto –; primeiro sequencialmen-
te, considerando sua forma integral, de forma a ser possível determinar o
significado de concepções específicas e modelos de interpretação, assim
como estruturas-chave (narrativas) no contexto. Na preparação da aná-
lise, colocamos o material (desde que se trate de textos10) em sequência
– o sequenciamos – considerando seu conteúdo, as modificações no tipo
de texto (no tipo estilístico da retórica), e, eventualmente, como no caso
de entrevistas, tomando como referência a troca de falantes. Para não
acabarmos seguindo de forma irrefletida a lógica do autor do texto, a
sequencialização não pode ter como referência passagens de um texto
determinadas anteriormente.
A análise seguinte engloba então a sequencialização de um registro
completo e é realizada com base em princípios da análise de campo te-
mático (ver subcapítulo 6.2.3). O documento é descontextualizado, isto é,
é primeiro tratado na análise como se desconhecêssemos seu autor, seu
local, seu contexto e sua data de surgimento. O objetivo desse passo da
análise é:
a) reconstruir modelos de interpretação e argumentação disponí-
veis, assim como suas estruturas narrativas e seu significado
para o(s) discurso(s) em questão, considerando sua lógica inter-
na, sua inserção temática contextual, e com suas referências (co-
presentes) a campos temáticos externos ao documento;

b) identificar as formas, os temas e a quantidade dos discursos pos-


sivelmente intercruzados11 no documento e

c) localizar os meios retórico-linguísticos utilizados em um frag-


mento de discurso (como, por exemplo, metáforas, expressões,
composições e esquemas de classificação) e decifrar sua sequ-
ência, sua eventual consistência, assim como sua inserção con-
textual.12

10
Sobre a análise segmental de imagens, ver: Breckner (2003).

11
Margret Jäger (2001, p. 364-380) mostra, por exemplo, como podemos ver surgir uma
espécie de “etnização do machismo” quando o discurso sobre migração se cruza com o discurso
sobre o direito das mulheres.

12
Como sugerem, por exemplo, Jäger (2001, p. 175-187) e Vierhöver (2003).

279
PESQUISA SOCIAL INTERPRETATIVA: UMA INTRODUÇÃO

Análises detalhadas sequenciais. Essa análise sequencial do fragmento do


discurso pode ser complementada, em passagens especialmente complexas
e de difícil compreensão, por análises detalhadas sequenciais, realizadas
conforme os princípios desenvolvidos pela hermenêutica objetiva (ver sub-
capítulo 6.2.4). Porém, não é o pensamento do autor/de uma fonte, tampouco
sua lógica estrutural de produção, que deve ocupar posição central, e sim a
estrutura mais essencial de modelos, de “fios condutores de discursos”, que se
intercruzam, assim como as regras e os meios linguísticos de sua produção.
Sugerimos que a análise de imagens que acompanham um texto (como,
por exemplo, um artigo de jornal) respeitem uma triangulação13 metodolo-
gicamente controlada, separada da análise do texto e que seja relacionada
a ela apenas após sua conclusão, para evitar que sejamos seduzidos de
forma precipitada por leituras aparentemente evidentes.
Ao final da análise, o fragmento de discurso é reinserido em seu contexto
(de origem e de surgimento), em processos sociais de relevância (arranjos
políticos, econômicos e culturais de poder), e considerado em conjunto
com os resultados da análise de discurso obtidos até então. Dependendo
da situação, podem ser identificados ou agregados ao documento deter-
minados “eventos discursivos” – acontecimentos sociais responsáveis por
fazer de algo um tema e que intensificaram o discurso, o classificaram
em diferentes temas, tornaram o documento em questão acessível ou que
contribuíram para torná-lo simbolicamente relevante etc.
Após a análise reconstrutiva de um fragmento do discurso, é determi-
nado, então, com base nos resultados e conforme regras da amostragem
teórica, qual outro documento deve ser considerado como possível caso
para contraste. Com comparações do tipo, seja de menor ou maior grau,
vão ganhando cada vez mais consistência os resultados da análise de frag-
mento de discurso sobre declarações teóricas empiricamente saturadas
referentes ao campo de discurso tomado integralmente, assim como seus
fenômenos, suas estruturas e seu histórico de surgimento. Desse modo é
possível determinar o intercruzamento temático de diferentes fios conduto-
res de discurso, assim como a forma e o significado de eventos discursivos
particulares. Podemos dar a análise por concluída quando ela nos permitir
determinar as regras, institucionalmente estabelecidas, da produção do
discurso, assim como da forma com que o discurso é apreendido, além de
suas consequências e dos resultados do exercício do poder.

13
Ver instruções para triangulação em Köttig (2005).

280
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305
ÍNDICE REMISSIVO

Abdução 45, 68, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78

Amostra teórica 101, 103

Análise conversacional 68, 87

Análise de campo temático 236, 273, 279

Análise de conteúdo 18, 25, 43, 68, 69, 130, 181, 225, 255, 256, 257, 258, 259, 260,
261, 262, 267, 270, 278

Análise de dados objetivos 226

Análise de discurso 10, 23, 223, 261, 274, 280

Análise detalhada 139, 140, 144, 145, 148, 160, 161, 165, 166, 209, 247, 256, 263,
266, 267, 271, 278

Análise de texto 68, 111, 229, 230, 235

Análise de vídeo 148

Análise global 111, 114, 145

Análise sequencial 18, 23, 54, 74, 86, 87, 89, 110, 126, 127, 130, 131, 132, 133, 137,
139, 142, 143, 145, 147, 155, 165, 226, 243, 247, 251, 252, 267, 278, 280

Argumentação 186, 190, 194, 195, 198, 204, 209, 238, 241, 267, 268, 272, 279

Campo temático 111, 185, 195, 203, 218, 224, 225, 226, 229, 230, 235, 236, 237,
240, 241, 242, 243, 244, 251, 273, 279

Caso particular 19, 30, 32, 34, 44, 68, 69, 72, 74, 75, 77, 78, 81, 86, 90, 99, 100, 104,
105, 115, 117, 145, 181, 182, 209, 210, 220

Categorização 92, 256, 271

Comparação contrastante 115

Contraste mínimo e contraste máximo 116

307
Compreensão intersubjetiva 117, 119

Condensação 188, 189

Confidencialidade dos dados 107, 108, 117, 118

Conhecimento especializado 182

Contato 10, 11, 24, 52, 53, 63, 106, 107, 109, 125, 139, 143, 164, 178, 190, 193, 194

Conteúdo manifesto 204, 260, 271

Contexto de sentido 43, 217

Curso da ação 134, 159, 162, 163, 252

Dados biográficos 110, 118, 226, 228, 229, 230, 233, 236, 243, 244

Dedução 72, 73, 74, 75, 76

Descontextualização 81, 88

Detalhamento, pressão por 189

Diário de pesquisa 134

Escola de chicago 33, 35, 37, 40, 43, 45, 46, 47, 50, 51, 123, 124, 125, 212

Escola de frankfurt 36, 259

Escuta ativa 56, 199, 202, 209

Ética de pesquisa 107, 118

Etnografia 29, 121, 122, 124, 125, 126

Etnometodologia 21, 274

Falsificação 118

Fatos sociais 41, 42

Fenômenos 18, 19, 20, 25, 26, 30, 34, 47, 74, 80, 103, 134, 165, 173, 215, 221, 261,
271

308
H

Hermenêutica objetiva 21, 26, 35, 68, 81, 87, 88, 90, 133, 138, 142, 157, 161, 224,
225, 247, 251, 252, 278, 280

Indução 72, 73, 75, 76, 77

Interacionismo simbólico 20, 33, 42

Lembrança 58, 148, 218, 219, 246, 263, 266

Lógica da descoberta de hipóteses 17, 20

Lógica da subsunção 204, 270, 271, 273

Memória 127, 132, 133, 150, 154, 189, 190, 191, 217, 218, 219, 228, 263, 264, 265,
266

Memos 106, 109, 112, 132, 154, 155

Motivos de finalidade (“motivos a fim de”) e motivos causais (“motivos por quê”) 128

Mundo da vida 10, 25, 29, 212, 126, 121

Notas de campo 24, 109

Observação participante 18, 22, 23, 24, 28, 47, 55, 61, 65, 102, 106, 122, 123, 124,
125, 126, 127, 128, 130, 132, 138, 145, 148, 151, 214, 215

Participação 31, 62, 64, 97, 98, 99, 102, 104, 121, 122, 123, 126, 127, 128, 131, 132,
268, 269

Pergunta inicial 183, 185, 194, 202

309
Pesquisa biográfica 15, 31, 71, 124, 170, 185, 211, 212, 213, 214, 215, 216, 220, 221,
222, 223, 272

Pesquisa de campo 24, 46, 121, 122, 124, 125, 126, 134, 145, 148, 169

Pesquisas de arquivo 268

Plausibilidade 32, 74, 81, 82, 86, 117, 139, 161, 164, 229, 231, 246, 251

Positivismo 36

Pragmatismo 37, 42, 44, 46, 50, 274

Pressão para a exposição da Gestalt 189

Princípio da abertura 55, 270

Princípio da sequencialidade 86, 270

Processo de pesquisa 59, 66, 67, 101, 105, 106, 117, 142, 146, 171, 270

Reinterpretações 216

Rejeição 33, 77, 95, 182, 196, 231

Relações concretas

Relato 47, 57, 66, 81, 87, 110, 111, 171, 173, 174, 176, 178, 183, 184, 185, 186, 187,
189, 190, 191, 192, 193, 194, 195, 196, 197, 198, 199, 200, 201, 202, 204, 205, 206,
207, 208, 209, 210, 218, 219, 222, 223, 225, 229, 230, 231, 236, 237, 238, 239, 240,
241, 242, 244, 245, 246, 247, 248, 249, 268, 269

Relatório 36, 298

Representatividade 29, 33, 34, 101

Rotina 28, 121, 127, 129, 130, 165

Saturação teórica 101, 103, 104, 115

Sequência histórica do caso 110

Sequencialização 251, 279

Sociologia compreensiva 35, 37, 38, 39, 170

Sociologia do conhecimento 20, 21, 35, 49, 50, 87, 124, 180, 274

310
T

Teoria crítica 36, 262

Teoria da gestalt 32, 36, 69, 70, 71, 92, 217

Teoria fundamentada 21, 24, 33, 43, 255, 270, 272, 273, 274, 278

Teoria relativa ao objeto 117

Tipo de texto 111, 186, 225, 237, 238, 240, 279

Tipo-ideal 100

Transcrição 57, 106, 112, 113, 141, 182, 207, 208, 210, 239, 241, 245, 253, 268, 269

Transformação 54, 112, 118, 126, 131, 221, 222, 228, 251

Treinamento em observação 135

Triangulação 280

311
Formato 16 x 23 cm
Tipografia DejaVu
Papel Offset
Número de Páginas 312
Impressão e Acabamento Gráfica EPECÊ

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