Você está na página 1de 2

OS LIVROS QUE LI EM 2018

Além de fazer listas, estabeleço meta de leitura para cada dia, para o mês e para o ano. No
último caso, sempre tento ler um livro a mais do que no ano anterior. Esse ano, porém, não
consegui cumprir a meta. Dez livros a menos. Passar nove dos doze meses escrevendo e
digitando a tese foi o principal motivo desse “fracasso”. Todavia, em termos de leitura,
quantidade não estabelece qualidade. E como cada livro é um mundo sem fim de
possibilidade de mudar meu mundo, fracassar, por vezes, é bom.
Alguns rituais que estabeleci ao longo dos últimos anos: escrever um texto sobre os livros que
li; sempre começo o ano lendo José Saramago; Releio pelo menos um livro do Kafka; Leio
“Uma temporada no inferno” no mês de agosto; no meio do ano, adotei a prática de ter, pelo
menos, uma autora entre as leituras. É possível que a loucura de criar rituais vá aumentando
ao longo dos anos. A beleza disso, por enquanto, está na contingência dessas decisões. Como
toda a cultura, as leis e as tradições.
Devido à pesquisa que me toma nos últimos anos, Didi-Huberman é, certamente, a presença
marcante. Não apenas lendo tudo que tenho dele, como relendo algumas vezes mais. Das
obras que li (L’homme qui marchait dans la couleur, L'étoleiment: conversation avec Hantaï,
Être crâne: lieu, contact, pensée, sculpture, Les danseurs des solitudes, Gestes d'air et pierre:
corps, parole, souffle, image, Génie du non-lieu, Mémorandum de la peste e The cube and the
face, além vários outros que reli), subitamente entrar em contato, quase íntimo, com tantas
obras de arte, desde a dança de Israel Galván, ou as pinturas de Hantaï, a psicanálise de Pierre
Fédida e uma outra forma de pensar a peste, fazem desse autor um fôlego em termos de
história e filosofia da arte. Vale citar ainda o catálogo da exposição de Levantes, um
monumento à resistência e ao desejo de fazer da arte uma experiência viva.
Quem marcou presença foi Georges Bataille (A experiência interior, O culpado e Sobre
Nietzsche: vontade de chance) e Jacques Ranciére (O mestre ignorante, A partilha do sensível,
Políticas da escrita e As distâncias do cinema). Do primeiro a sua noção de chance, do
segundo o capítulo mais lindo que li sobre Dom Quixote, muito me deram a pensar. Blanchot
(Uma voz vinda de outro lugar) também apareceu, como uma das leituras mais difíceis, ainda
que instigantes. Talvez, confronte-se apenas com o livro de Deleuze sobre Espinosa (Espinosa
e o problema da expressão). Mais instigante que ele somente Jean Cocteau (A dificuldade de
ser), Suely Rolnik (Esferas da insurreição) e Hilda Hilst (Da poesia, e segundo volume de Da
prosa). A última é um verdadeiro furacão em forma de pessoa. Ao lado dela, não como
furacão, mas como terremoto, eu coloca Virginia Woolf (Um teto todo seu, Ao farol). Outra
força da natureza, agora uma inundação foi Virginie Despestes (Teoria King Kong). Apesar
de funcionar como um aperitivo, o cordel da Silvia Federici, da série “Pandemia” da n-1, O
feminismo e as políticas do comum, foi uma grata surpresa. Ao lado dessas mulheres-
acontecimentos, acrescento Judith Butler (A vida psíquica do poder: teorias da sujeição) e a
intrépida e inusitada “leitura” dos fragmentos da poesia de Safo.
A poesia também se fez presente: além das já citadas (Hilst e Safo), li também Paul Auster
(Todos os poemas) e Baudelaire (As flores do mal). Há dois autores que também li, mas esses
foram de uma chatice retumbante: Rupi Kaur (Outros jeitos de usar a boca) e Paulo Leminski
(Toda poesia). Prova de que, por vezes, ler é uma dor. Além deles, acrescento: Tadeu
Sarmento (Associação Robert Walser para sósias anônimos), Paul Virilio (Estética da
desaparição), o que li de Jean-Paul Sartre (A náusea e A imaginação), chatíssimos, o primeiro,
principalmente, Thomas Ransons Gilles (História do existencialismo e da fenomenologia),
deveria ter percebido, no nome já tem o “ranço” e Diôgenes Laertios (Vidas e doutrinas dos
filósofos ilustres), revista Caras de época, mais entediante que chato.
As gratas surpresas foram maiores ainda bem: teve Fausto I e II de Goethe, o livro da Rolnik,
um alento nesse ano, Kafka, como sempre (Carta ao pai, Um médico rural), Comitê Invisível,
com seus livros-manifestos (Motim e destituição), Dostoievski (Um jogador), Clarice
Lispector (A via crucis do corpo), As mil e uma noites, as entrevistas (vol.1 e 2) de Hans
Ulrich Obrist, as obras de Carl Einstein (Negerplastik e A arte do século XX: premissas) e o
quinto volume da Comédia Humana de Balzac, até o momento, o volume com as melhores
obras que li, excetuando-se Pai Goriot,do volume anterior. Também aparece Edgar A. Poe (A
narrativa de A. Gordon Pym) e o curto e bonito texto de Patrick Boucheron (Como se
revoltar?), indo às fábulas para mostrar que na chamada Idade Média, houve revolta.
O restante, digno de nota, são: Thomas Mann (As cabeças trocadas), reler atentamente
Benjamin (A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica), ao ponto de escrever
longamente sobre cada tópico. Acho que foi um dos maiores ganhos do ano. Houve também
Paul Feyerabend (Contra o método), Erwin Panofski (Significado nas artes visuais), Alois
Riegl (O culto moderno dos monumentos: a sua essência e a sua origem), Susan Sontag
(Sobre fotografia), Pierre Fédida (L’absence) e Erich Auerbach (Figura), estranhos caminhos
que a pesquisa nos leva. Não posso esquecer Rainer Maria Rilke (Elegias do Duíno), Samuel
Becket (Esperando Godot e Malone morre) e Leskov (Lady Macbeth do distrito de Mtzensk).
Por fim, lembrar Hegel, com quem, passados dois anos, para concluir o estudo dos volumes
dos Cursos de Estética, a gente parece adquirir uma familiaridade, mas daquela para nos fazer
ter cuidado em nunca assemelhar.
Houve ainda mais alguns.

Você também pode gostar