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Escassez global de novos antibióticos agrava a

ameaça das superbactérias


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May 24, 2021

Por Brenda Marchiori

Atualmente, estão em desenvolvimento 43 antibióticos que, entretanto, não são capazes


de conter as superbactérias descritas na Lista de Patógenos Bacterianos Prioritários da
OMS, que inclui 13 bactérias e que tem sido usada para informar e orientar áreas
prioritárias para pesquisa e desenvolvimento desde 2017. Como explica Fernando
Bellissimo Rodrigues, médico infectologista e epidemiologista, professor do
Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP)
da USP, as superbactérias “exibem resistências a múltiplas classes de antimicrobianos,
que são usados rotineiramente no tratamento dessas bactérias”.

Uso indiscriminado também na agropecuária


O professor aponta que a seleção das espécies de bactérias resistentes é artificialmente
induzida, “as mutações que conferem resistência aos antimicrobianos ocorrem
naturalmente, em várias espécies, porém não acarretam nenhuma vantagem à bactéria,
a menos que na presença de antibiótico. Então, quanto mais antibiótico a gente usa,
maior a probabilidade de seleção de mutantes resistentes àquela droga, por isso que o
uso indiscriminado de antibióticos aumenta a incidência dessas cepas”.

A emergência da ameaça das superbactérias vem sendo agravada, ainda, pelo uso
indiscriminado de antibióticos e antissépticos, substâncias importantes que deveriam ser
utilizadas apenas em momentos específicos para tratar infecções, de acordo com
prescrições médicas ou de cirurgiões-dentistas. “O uso indiscriminado não traz
benefícios à saúde humana como pode trazer malefícios por alterar a microbiota normal
do corpo humano e aumentar a chance de você ser colonizado por bactérias
multirresistentes”, explica o infectologista.

Mas o uso pela população humana não é o único que apresenta riscos, cerca de 80%
dos antibióticos produzidos são consumidos na agropecuária. O professor avalia que
“isso é uma coisa muito perigosa, porque está pressionando a resistência bacteriana em
uma situação em que esses medicamentos muitas vezes não são necessários”.

Desafios científicos e econômicos


O mapeamento realizado anualmente pela OMS busca priorizar e coordenar os esforços
globais de pesquisa e desenvolvimento a fim de buscar soluções para a ameaça das
bactérias resistentes. Mesmo com esse esforço nos últimos anos, o estudo da OMS

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revela que a grande maioria dos antibióticos disponíveis no mercado é de variações de
antibióticos descobertos na década de 1980.

Antibióticos – Foto: Domínio público via Wikimedia Commons

Ainda de acordo com esse mapeamento, as perspectivas de mudança dessa realidade


ainda são distantes, visto que apenas alguns antibióticos foram aprovados por agências
regulatórias nos últimos anos e, atualmente, existem alguns produtos promissores em
estudo e desenvolvimento, mas apenas uma fração deles chegará ao mercado devido
aos desafios econômicos e científicos.

O processo de desenvolvimento de novos antibióticos é caro e trabalhoso, porque “para


cada droga, de maneira genérica, que chega ao mercado como medicamento de
sucesso, que passou por todas as fases de testes de aprovação de segurança, muitas
vezes a indústria tem que fazer a triagem de até 10 mil compostos”, afirma Bellissimo.

O desenvolvimento de antibióticos tem outro agravante. Em comparação a outras


classes de medicamentos, desenvolver novos antibióticos, que apenas serão usados em
casos excepcionais de infecções e por um curto período de tempo, não é
economicamente viável. “Por isso, as empresas estão deixando de investir na seleção,
no desenvolvimento de novos antibióticos, a menos quando recebem incentivos
estatais.”

Bellissimo também ressalta que “a Fundação Gates, o National Institutes of Health (NIH),
nos Estados Unidos, e a União Europeia têm tentado compensar isso com fundos
públicos, financiando o desenvolvimento de novas drogas”.

Pandemia acende novo alerta sobre as superbactérias

Ilustração: Naille tairov via Wikimedia Commons/CC BY-SA 4.0

Globalmente, a escalada da resistência bacteriana também ameaça o exercício da


medicina, uma vez que a área é dependente dos antibióticos. “Realmente é preocupante
a escalada da resistência e, nos dias de hoje, a gente já tem pacientes morrendo nas
UTIs sem tratamento antimicrobiano”, afirma o infectologista.

A atual pandemia de covid-19 chamou a atenção para o problema dessa escalada global
de resistência, devido ao uso de medicamentos ineficazes para tratar a doença e a
quantidade de infecções hospitalares que pacientes internados acabam contraindo. O
infectologista analisa que muitos pacientes que contraem a covid-19 estão “sendo
tratados abusivamente e desnecessariamente com antibióticos, e sofrendo infecções
hospitalares em decorrência disso”.

O professor destaca que, ocasionalmente, pacientes que precisaram ser hospitalizados


devido à doença provocada pelo vírus sars-cov-2 contraem infecções por bactérias
resistentes e “morrem, não pela covid-19, mas pelo Acinetobacter, ou pela Klebsiella

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pneumoniae, que são os dois agentes mais resistentes de todos na atualidade”. Como
ressalta Bellissimo, “isso não é uma ameaça potencial, isso já está acontecendo nos
nossos hospitais”.

Por outro lado, a pandemia também “canalizou muitos investimentos em pesquisa para o
seu enfrentamento, tornando escassos os recursos de pesquisa para o desenvolvimento
de novas drogas ou métodos de conter a resistência bacteriana”, finaliza o professor.

Por Fernando de Lima Caneppele, professor da Faculdade de Zootecnia e Engenharia


de Alimentos (FZEA) da USP em Pirassununga

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