Você está na página 1de 167

Roteiro para Cinema

De: Nelson Peixoto

Na próxima dimensão
@Versão. 1.9/2007

Onde morrer significa apenas


recomeçar!

Categoria: Drama.
1
Baseado em teorias de Allan Kardec.
Direito autoral reservado a Nelson de Souza Peixoto RG. 130.345 SSP-MS – Rua da Paz, 1.583 Bairro Santa Fé – 79021-220
Campo Grande – MS/Brasil - Telefones (67) 3042-4782 ou (67) 9917-5787: E-mail: nelson_peixoto2@yahoo.com.br – Prazo
Indeterminado.

Na próxima dimensão
@Versão. 1.9

Sinopse:

“Na próxima dimensão” – Primeiro roteiro original


para cinema do dramaturgo Nelson Peixoto, natural de Campo Grande – MS, autor de
inúmeras criações literárias para o teatro desde 1.989. Trata-se de um filme longa metragem
com aproximadamente 110 minutos, abrindo com fotografia das riquezas naturais da área
rural e prosseguindo em ambiente estritamente urbano.
Baseado em teorias de Allan Kardec e rico em efeitos especiais
e, surpreendentemente emocionante, conduz-nos a um mundo imaginariamente possível;
tornando-nos difícil distinguir os limites da realidade e da ficção.
"Lucas vive entre a rotina intensa que sua juventude oferece e
as angústias dos conflitos da infância quando perdeu o pai num questionável acidente com
uma arma de caça, bem como os conflitos com o padrasto Samuel, de moral frágil e passado
duvidoso. Envolvido no mundo da moda e no exercício da profissão de modelo, menospreza o
carinho do pequeno Maikon, filho que surgiu de uma noite de aventura com Silmara, amiga
próxima da família. Kárin surge em sua vida como uma luz no fundo do túnel. Apaixonado,
investe todos os recursos emocionais na conquista da colega de trabalho, sem imaginar que,
este relacionamento levaria Hervê, seu rival, a tirá-lo definitivamente desta vida. Na outra
dimensão, Lucas jamais imaginou que as emoções e sentimentos continuassem de forma tão
marcante e intensa e tudo assemelhasse com um dramático e emocionante recomeço".

2
(Início da criação do roteiro: Sábado, 13 de dezembro de 2003 09:28H).

TELA ESCURA

OUVE-SE EFEITOS DE VENTOS.

PRIMEIROS CRÉDITOS em rodapé.

Primeira aproximação.

VAI SE ABRINDO A IMAGEM, PREENCHENDO A TELA...

EXT. PAISAGEM BUCÓLICA RURAL – POUCO DEPOIS DO AMANHECER

UMA SÉRIE DE PLANOS

Poucos minutos depois do amanhecer. O alvorecer belo com o sol contrastando com o verde
abundante da paisagem rural na fazenda onde LUCAS criança (cinco anos) vivera as
primeiras emoções de amor ao lado da família e, em especial, do pai.

VEMOS um pássaro que corta majestoso o horizonte azul de um céu de poucas nuvens.

OUVIMOS ao fundo suave melodia como a traduzir a harmonia da natureza em tudo bela e
acolhedora, mesclada com o cantar de pássaros diversos e animais doméstico como num
concerto esplendido onde cada componente coopera para o equilíbrio geral: Vida, cores e
beleza expressam-se diante nossos olhos.

SOBREVOAMOS as águas límpidas do riacho que desce a encosta e se oculta por entre a
abundante vegetação.

VEMOS UM CAVALO em dispara pelo campo.

3
PLANO MAIS ABERTO vão surgindo MAIS CAVALOS também em disparada formando
uma imagem que enche a tela a nossa frente. Ao fundo, a bela paisagem do alvorecer.

FUSÃO PARA a IMAGEM DE LUCAS CRIANÇA (cinco anos) correndo sorridente EM


SEQUENCIA LENTA.

SOBRE O OMBRO DO PAI vemos ao fundo a imagem da criança que se aproxima e lança-
se aos seus braços. (Por nenhum momento visualizamos a face do Pai).

LUCAS sobre o cavalo em suas primeiras experiências com cavalgadura. VEMOS o pai de
costa que se aproxima, auxiliando o filho a descer de sobre o animal. Após tê-lo aos braços,
suspende o menino acima da própria cabeça, rodopiando e beijando-o a seguir.

VEMOS PAI E FILHO correndo por sobre a grama verde distanciando de nossos olhos.

FUSÃO PARA pai e filho de mãos dadas percorrendo estrada de chão batido que rasga a
vegetação abundante e se perde na distância.

FUSÃO PARA:

POUCO ANTES DO SOL SE PÔR

POR SOBRE OS OMBROS pai e filho apreciam a beleza do entardecer sentados em pequena
elevação. Ao fundo a paisagem rural agora com seu aspecto enigmático e calmo. A criança
ergue-se e beija suavemente a face do pai que, a seguir, enlaça-o num abraço carinhoso e
demorado.

À medida que O PLANO VAI SE TORNANDO MAIS aberto VEMOS a imagem dos dois
distanciar-se tendo sempre ao fundo a beleza do entardecer.

FADE OUT.

SILÊNCIO.

OUVIMOS o estampido de uma arma, SEGUIDO DO PRANTO DE LUCAS,

VEMOS a face da criança banhada em lágrimas.

4
LUCAS - CRIANÇA
(Sussurra)
Papai!

CORTA PARA:

INT. QUARTO DE LUCAS – CIDADE – ATUAL – PELA MANHÃ

PLANO PRÓXIMO – LUCAS (adulto) DESPERTA DE SÚBITO.

Tem os olhos em lágrimas e respira com certa dificuldade.

LUCAS
(Sussurra)
Papai!

CORTA PARA:

INT. CASA DE LUCAS – COPA

A mãe, DONA MARIANA, arruma a mesa para o café da manhã.

DO PONTO DE VISTA da porta de acesso à copa vindo da sala VEMOS LUCAS POR
TRÁS aproximar-se com passos lentos, usando ainda o pijama de dormir.

MARIANA
Oi filho! Venha, a mesa já está servida há muito tempo!
Acordou tarde. Você não tem compromisso nesse seu novo
emprego logo agora pela manhã?

LUCAS
Tenho! Que chato lembrar disso agora!

LUCAS aproxima da mãe e a beija carinhosamente. Senta à mesa logo a seguir.

5
MARIANA
Que cara é esta? Parece que não dormiu bem!

LUCAS
(Após alguns instantes de silêncio)
Sonhei com papai!

ENQUADRAMOS MARIANA que se perturba com as palavras do filho e desconversa.

MARIANA
Vou buscar o chocolate. Você adora tomar leite com chocolate
e me esqueci de trazer à mesa.

LUCAS
Mamãe! Não desconversa! Por que você tem que se perturbar
toda vez que falo de papai?

MARIANA
Já faz tanto tempo que Antônio morreu, devia ter esquecido!
Por outro lado, Samuel, seu padrasto, não compreende esses
sentimentos de apego que nutre pelo seu pai. Sente-se
enciumado, diminuído, sei lá! É melhor não darmos motivos
para mais discussões!

LUCAS
As pessoas podem nos tirar tudo, mãe, menos o direito de amar
a quem o nosso coração escolhe! Ele proibiu a mim e a você de
falarmos em papai por todo este tempo. Acha certo isso?

MARIANA
Seu pai está morto! O importante é que ele viva em nossas
lembranças e nossos corações. Isto nos basta!

LUCAS
Mesmo que esteja morto, eu o amarei sempre!
(pausa, passando geléia no pão)
Estranho, mas não consigo esquecê-lo. Há mais de vinte anos
que ele morreu naquele acidente, no entanto, pra mim é como
se o tempo não passasse... E eu não tivesse crescido.

6
MARIANA
Você era tão pequeno!
(sorri com tristeza)
Lembro-me que me questionava aos prantos porque a
espingarda que seu pai usava para matar animais nunca caçada
comum, acabara por matar a ele próprio.
(suspira)
Ah! Isto eu me lembro muito bem, o resto se perdeu no
tempo.Não consigo entender como você consegue manter vivas
tantas lembranças!

LUCAS
(suspira profundamente, servindo-se).
É! Talvez seja para compensar a vida intolerável que temos ao
lado desse seu marido!

MARIANA
(Corrigindo-o)
Seu tio e padrasto! Samuel tem se esforçado para ser um bom
pai e contribuir para o bem-estar de todos nós!

LUCAS
Ah! Com certeza! Talvez seja por isso que vive dando aquelas
crises e ora por vez grita e ofende a todos nós. Será que isto é se
esforçar para fazer uma família feliz?

MARIANA
Todos nós temos defeitos e qualidades. E a boa convivência
baseia-se em nos firmarmos no que cada um tem de melhor!...

LUCAS
Não consigo entender onde arruma tanta paciência para suporta
os desaforos que ele lhe faz...

MARIANA
Seu pai está a cada dia mais doente! Resolveria eu explodir por
bagatelas e aumentar ainda mais os problemas de nossa casa?

Faz-se uma pequena pausa, em que VEMOS LUCAS prosseguindo o café da manhã e
MARIANA fixando o filho com carinho.

LUCAS

7
Ele já saiu?

MARIANA
Não. Está trancado no escritório. Não conseguiu ir para o
serviço. Preocupa-me vê-lo desse jeito. A última consulta que
fizemos o médico recomendou tratamento psiquiátrico. Mas,
senti que ele não gostou muito. É como se o qualificássemos de
desequilibrado!

LUCAS
E o que ele pensa que é?

DO PONTO DE VISTA da porta de acesso à copa vindo da sala VEMOS LÚCIO POR TRÁS
aproximar-se. Já está vestido para a faculdade: uniforme todo branco, com pequena valise que
coloca na mesinha próxima.

LÚCIO
(Aproximando da mãe e beijando-lhe suavemente a face)
Bom dia, mamãe! Bom dia Lucas!

LÚCIO AMEAÇA SENTAR-SE quando é interrompido por LUCAS

LUCAS
Puxa vida! Só a mamãe que ganha beijo!?

LÚCIO SORRI. CAMINHA ATÉ O IRMÃO e beija-lhe a face.

LÚCIO
Este é por hoje!
(beija mais quatro vezes consecutivas, dizendo).
Pra você não reclamar, este é pela hora do almoço; este outro,
pelo retorno da universidade, este outro quando formos jantar e
este último para quando formos dormir!

LUCAS
Olha! Você é o melhor irmão do mundo!

LÚCIO
Devo ser mesmo. Sou seu único irmão! E mesmo que queira
outro, mamãe já encerrou a produção!

8
(sorrindo).

MARIANA
Não me coloquem no meio desses assuntos de vocês! Sabe
muito bem que não gosto dessas brincadeiras!

LUCAS E LÚCIO sorriem divertidos.

LÚCIO
(Sentando-se à mesa)
Estou morrendo de fome e de pressa...

LUCAS ERGUENDO-SE DA CADEIRA

LUCAS
(Limpando a boca com o guardanapo e saindo)
Também estou atrasado para a Agência. Vou tomar um banho e
já estou saindo.
(volta-se para o irmão)
Lúcio...

LÚCIO
(Concluindo para o irmão)
...Tudo bem, Lucas! Pode ir com meu carro. Deixe a chave de
sua moto na mesinha do centro!

LUCAS PÁRA BOQUIABERTO, balança a cabeça num gesto enigmático.

LUCAS
Você é um cara incrível!

LÚCIO JOGA uma colher das de sobremesa sobre o irmão, que sai da copa às gargalhadas.

INT. SALA PRINCIPAL

DO PONTO DE VISTA DA SALA PARA O PEQUENO HALL QUE SEPARA A COPA E


SALA

9
VEMOS LUCAS, que caminha saindo na sala. Pára de repente como se pressentisse alguém
andando de um lado ao outro no ambiente.

DO PONTO DE VISTA DE LÚCIO

VEMOS o mobiliário da casa passear diante nossos olhos como se acompanhássemos os


movimentos de alguém em agitação.

ENQUADRAMOS A FACE DE LUCAS intrigado.

PLANO MAIS ABERTO

LUCAS olha de um lado ao outro caminhando com mais lentidão em direção ao corredor que
o levará ao seu quarto. Chegando ao centro da sala vira-se olhando para um pequeno hall à
direita onde se localiza o barzinho da casa e depara com SAMUEL, seu padrasto, virando um
pequeno cálice com bebida, à boca.

SAMUEL percebe instante depois a presença de LUCAS. Os dois ficam um frente ao outro,
em silêncio.

SAMUEL esfrega os lábios depositando o pequeno cálice sobre o balcão delicado de madeira.

SAMUEL
(Caminhando vagarosamente ao encontro de Lucas)
Precisamos ter uma conversa séria! Depois que arrumou esse
emprego vive chegando tarde da noite dando preocupação para
sua mãe e pra todos nós...

LUCAS
Pai, eu estou atrasado. Depois a gente conversa.

SAMUEL
Depois quando?

LUCAS fixa o pai sem palavras. Saindo a seguir.

CORTA PARA:

10
INT. AGÊNCIA DE MODELOS – ANFITEATRO – PELA MANHÃ – AMBIENTE
FECHADO.

PLANO GERAL

Os modelos, entre homens e mulheres, ensaiam entradas e saídas na passarela. Ambiente


descontraído.

MARISA coordena tudo dando indicações e instruções.

ENQUADRAMOS MARISA que olha no relógio, preocupada.

ÂNGULO MAIS ABERTO INSERINDO HERVÊ que observa a reação de MARISA.


Sabendo do motivo da preocupação da moça, joga a camiseta que trás ao ombro no chão num
gesto de irritação.

CORTA PARA:

INT. AGÊNCIA DE MODELOS – SALA DE REUNIÃO

A sala é luxuosa e devidamente preparada para reuniões com executivos. A decoração é leve,
porém, sofisticada com quadros e cortinas. DESTACA-SE uma mesa comprida em vime. Na
cabeceira CIBELE coordenando a reunião. Imediato a sua direta está LUIS FLÁVIO, à
esquerda KÁRIN, como sua secretária e assessora. Compõem o restante das cadeiras duas
mulheres e três homens, impecavelmente bem vestidos. Copos de cristal fino e delicado à
frente de cada um, com água.

CIBELE
...Senhores, este é o projeto que estamos propondo desenvolver
para vossa cadeia de lojas na temporada primavera verão deste
ano. Queremos ressaltar que inserimos os mais novos conceitos
em promoção e marketing e nossa Agência encontra-se
devidamente preparada para oferecer aos senhores o que existe
de melhor em matéria de publicidade!

LUIS FLÁVIO
Queremos ressaltar ainda, conforme esboçado no projeto
apresentado aos senhores por nossa presidente senhora Cibele
que, a “Status Publicidade e Propaganda”, está entre as dez

11
primeiras colocadas no ranking nacional no ramo de
publicidade. Além de consultoria oferecemos a vossas empresas
o que há de melhor em passarela e desfiles por termos conosco
os melhores profissionais do estado nessa área...

CIBELE
(Assumindo uma postura menos formal, devido o término da parte burocrática da
reunião)
...Bem senhores, depois deste pequeno esboço, nada melhor que
passarmos a exposição prática daquilo que nos propomos
realizar.
(sorrindo ligeiramente)
Convido-os para nos dirigirmos ao anfiteatro onde, logo mais,
estaremos apresentando nosso quadro de modelos desfilando
alguns figurinos de estilistas da vossa cadeia de lojas!

CIBELE ergue-se da cadeira fazendo com que todos levantem. Entusiasmados entretêm
diálogos entre si.

CORTA PARA:

INT. AGÊNCIA DE MODELOS - SALA DE LUIS FLÁVIO

LUIS FLÁVIO adentra a sala sendo seguido por KÁRIN com uma prancheta de anotações a
mão. Ele parece ansioso.

ENQUANTO CAMINHA para sua mesa vai afrouxando a gravata:

LUIS FLÁVIO
Kárin! Tudo certo para o desfile?

KÁRIN
Creio que sim!

LUIS FLÁVIO
Creio que sim não é resposta, Kárin! Pelo amor de Deus!
Estamos para fechar o negócio de nossas vidas e você diz:
“Creio que sim!”?

KÁRIN

12
Vou me certificar com Marisa!

LUIS FLÁVIO
Estou perguntando pra você. Você que tem que saber dessas
coisas?

KÁRIN
O Luis Flávio, você está uma pilha! Acalma-se! Vai dar tudo
certo. Em primeiro lugar eu sou secretária desta Agência, quem
é responsável pela produção é a Marisa!
(pegando o telefone à mesa)

LUIS FLÁVIO
Tudo bem, Kárin! Chame a Marisa aqui...

KÁRIN
É o que eu estou tentando fazer, mas o ramal dela está ocupado!

LUIS FLÁVIO
Deve estar dependurada!

ENQUADRAMOS A PORTA

MARISA adentra. Expressão de preocupação..

LUIS FLÁVIO
(modifica totalmente o comportamento agora para um aparente controle da situação)
Marisa!
(Sentando-se na cadeira)
Cibele está conduzindo os diretores do shopping para o
anfiteatro! Comece o desfile no mais tardar dentro de vinte
minutos!

MARISA DIRIGE O OLHAR PARA KÁRIN, que compreende a apreensão da moça.

LUIS FLÁVIO
Puxa, vida!
(levando a mão à cabeça)

13
Ia me esquecendo! Explore todas as entradas do Lucas! Depois
daqueles comerciais que ele fez para o Star_Center, esses
babacas só falam nele!

KÁRIN
(analisando a colega)
Você parece que está com algum problema, Marisa?

MARISA
Na verdade eu estou! Ou melhor, nós estamos!

LUIS FLÁVIO
Pessoal! Isto aqui é uma empresa privada Padrão ISO, que visa
lucro e qualidade no atendimento. A diretoria do shopping já
deve estar no anfiteatro e nós aqui administrando problemas. O
que foi desta vez, Marisa?

MARISA
O Lucas!... Ele não apareceu para o ensaio e até agora não
chegou!

LUIS FLÁVIO empalidece, deixando-se cair pesadamente sobre a sua cadeira giratória.

CORTA PARA:

INT. QUARTO DE LUCAS

LUCAS TOMA BANHO.

OUVIMOS o som de uma música provinda do aparelho de som.

Apesar da música, ouvimos o RUÍDO DO CHUVEIRO. Sua silhueta reflete através do Box.

O TELEFONE toca várias vezes.

VEMOS através do Box LUCAS apanhar a toalha no cabide interno, começando a enxugar-
se.

14
ABRE A PORTA DO BOX, saindo.

O TELEFONE continua tocando.

LUCAS enrola a toalha à altura da cintura.

EM MOVIMENTO do Box ao telefone.

LUCAS
Alô!

Já desligou. Ligeiramente irritado, devolve o fone ao gancho. Abre o guarda-roupa.

CORTA PARA:

SALA PRINCIPAL

MARIANA saí a sala com expressões de preocupação. Dirige-se até estante luxuosa em estilo
colonial que decora o ambiente entre a sala principal e sala de visitas, com saída para um
pequeno jardim com orquídeas e violetas sob os raios primeiros da manhã. Procura por um
medicamento entre tantos outros.

INSERT DE LÚCIO descendo pequena escadaria, vindo de seu quarto, no piso superior. Trás
uma valise numa das mãos e a chave da moto na outra.

MARIANA
Lúcio, seu pai não está passando bem. Chame Lucas para
ajudar-me na medicação!

LÚCIO
Papai não está bem? Estranho, agora a pouco falei com ele.
Pareceu-me muito bem!

MARIANA
Deve ter esquecido de tomar a medicação! Mas vá, filho! Você
já está atrasado para a universidade! Lucas me ajuda...

15
LÚCIO
Lucas não pode chegar atrasado no emprego. Deixe que eu
ajudo você, depois vou para Universidade!

LÚCIO APROXIMA DA MÃE.

CORTA PARA:

LUCAS DIANTE DO ESPELHO já vestiu calça, meias e sapatos. Está vestindo a camisa.

SOBRE O OMBRO – DO PONTO DE VISTA DO ESPELHO

LUCAS barbeia-se utilizando um barbeador elétrico. Ao fundo VEMOS amplamente a porta


de acesso ao quarto. Faz-se silêncio com a pausa do barbeador. Quando passa loção pós-barba
na face.

ENQUADRAMOS LUCAS que pára intrigado fixando a porta através do espelho. É como se
pressentisse algo estranho.

A PORTA abre-se subitamente como se alguém nervoso, agisse sobre ela

DO ÂNGULO DA PORTA

VEMOS LUCAS que se volta de súbito, visivelmente apreensivo com o ruído da porta que
bate contra a parede sem causa física que justifique o movimento.

EM MOVIMENTO

LUCAS movimenta-se do espelho até a porta.

LUCAS
Lúcio!? ... Mãe!?...

DO PONTO DE VISTA DE QUEM ESTÁ NO CORREDOR VEMOS LUCAS sair à porta


vistoriando o corredor, colocando o corpo ligeiramente para fora do quarto.

16
DO PONTO DE VISTA DE QUEM ESTÁ DENTRO DO QUARTO VEMOS LUCAS
voltar-se, intrigado.

ENQUADRAMOS subitamente a face de LUCAS.

CORTA PARA:

INT. AGÊNCIA DE MODELOS – SECRETARIA (SALA DE KÁRIN E ÊMILY)

Duas mesas dividem o ambiente. KÁRIN mantém-se entre o computador e os papéis por
sobre sua mesa. Na mesa ao lado a presença sorridente de sua companheira de sessão ÊMILY,
uma senhora de meia idade um tanto obesa e de seios fartos, com um pesado óculos de grau à
face.

MARISA, sentada numa cadeira próxima à mesa de Emily, faz ligação para LUCAS.

MARISA
Não atende!
(devolve o fone ao gancho, desanimada)

KÁRIN
Tente novamente o celular! Quem sabe ele já está em linha...

MARISA
Acabei de ligar! Estava fora de área!

ÊMILY demonstra calma num contraste visível com as duas amigas. Ajeita os óculos,
voltando-se para o computador.

ÊMILY
Vamos olhar o cadastro dele! Talvez encontramos outro
número de telefone!

MARISA
Nesta hora qualquer tentativa para localizá-lo é válida...

PLANO MAIS ABERTO

17
INSERT DE HERVE adentrando a sala.

ENQUADRAMOS KÁRIN que parece empalidecer com a entrada do ex-namorado e modelo


da Agência em sua sala.

KÁRIN
Hervê? Que surpresa...

MARISA contornando a mesa indo auxiliar ÊMILY.

HERVÊ APROXIMA timidamente. Trás um envelope à mão.

HERVÊ
Tenho ligado pra você, mas está sempre ocupada.E seu celular
geralmente está na caixa... tenho deixado recados também...

ÊMILY
(Falando com Marisa)
...Olhe aqui! Ele tem dois números residenciais. Liga neste
outro, quem sabe algum parente dele atende!

MARISA
Graças a Deus! Deixa-me anotar...

KÁRIN
Estamos quase todos os dias juntos aqui na Agência!

ÊMILY
(Falando com Marisa)
Minha intuição me diz que ele já está vindo pra cá!

HERVÊ
Aqui estamos sempre tão ocupados!

ENQUANTO KÁRIN sorri tentando ser gentil e inclinando levemente a face:

MARISA

18
Essa sua intuição não falha, não?

ÊMILY
De dez costumo errar uma! Nessa semana já acertei nove!

KÁRIN
Continuamos bons amigos! Sempre que quiser conversar
comigo será um prazer!

MARISA AO TELEFONE.

MARISA
...Gostaríamos de saber sobre o Lucas! Ele está?... é da Agência
Status!...

HERVÊ manipula o envelope de uma mão a outra.

MARISA
... Ele já saiu pra vir pra cá?... Oh! A senhora não imagina o
quanto me agrada ouvir isto!...

HERVÊ
(Depositado o envelope diante da moça)
Não sei se ainda é importante pra você, mas eu lutarei por nós
sempre...

MARISA aproxima de KÁRIN pelo lado da frente de sua mesa sem dar maiores atenções para
HERVÊ.

ÊMILY volta a se concentrar em seu trabalho de digitação.

HERVÊ caminha para a porta.

KÁRIN demonstra perturbar-se ainda mais com as palavras de HERVÊ e acompanha-o com o
olhar.

Enquanto HERVÊ sai à porta, KÁRIN abre o envelope puxando o cartão.

19
ENQUADRAMOS O CARTÃO onde se lê:
“EU TE AMO”

ÂNGULO MAIS ABERTO

MARISA
Consegui falar com a mãe dele! Parece que já está vindo pra cá!
Atrasado como sempre! Ainda vou ter um enfarto por causa
desse cara! Ufa!

KÁRIN sorri diante a cara de desabafo que faz a amiga.

EXT. ESTACIONAMENTO DA AGÊNCIA DE MODELOS – PELA MANHÃ


LUCAS FECHANDO A PORTA DO CARRO E LIGANDO O ALARME.

Ajeita os cabelos rapidamente. Trás um paletó ao ombro, ergue os óculos de sol à altura da
cabeça.

ENQUADRAMOS LUCAS DIRIGINDO-SE PARA A PORTA DOS FUNDOS


que dá acesso ao camarim de modelos, quando é intersectado por WAGNER.

WAGNER
(aproximando)
Lucas! Espere um pouco, preciso falar com você...

LUCAS
(pegando na mão do outro, num cumprimento rápido).
O cara, tudo bem?

WAGNER
É sobre aquele lance da boate que combinamos ontem. Será que
poderíamos fechar pra domingo?

LUCAS
Legal! Se minha presença ajudar em alguma coisa, pode
confirmar. Só que agora estou meio atrasado pro desfile. Pra te
ser sincero, estou inteiramente atrasado. Mas depois a gente se
fala...

20
WAGNER
(Sorrindo ligeiramente)
O gerente paga um bom cachê! Quinze por cento?

LUCAS
Depende!
(Fazendo um gesto irônico com os olhos)
... Aquela garota que você me apresentou ontem é muito
interessante!
(sorri)
Negócios... Negócios e negócios!

WAGNER
(Fazendo movimento com os braços)
Yes, Yes!

LUCAS PASSANDO PELA PORTA DE ACESSO passa pelo guarda e puxa-lhe o quepe
cobrindo-lhe parte do rosto, numa brincadeira descontraída. O guarda sorri ajeitando o quepe
novamente, enquanto LUCAS adentra ao local.

INT. CORREDOR DOS FUNDOS

LUCAS PERCORRE O CORREDOR QUE DÁ ACESSO AO CAMARIM DE MODELOS

Várias pessoas se movimentam. Algumas lhe dirigem cumprimentos. Pára de repente diante
uma porta que dá acesso a uma das salas de administração da Agência:

ENQUADRAMOS A PORTA onde se lê em letras trabalhadas de metal:


“SECRETARIA: KÁRIN M. LANZCHERTVICH”.

LUCAS vacila. Ajeita o blaise sobre o braço, depois decide abrir a porta.

INT. SALA DA SECRETARIA – ADMINISTRAÇÃO DA AGÊNCIA

KÁRIN mantém-se entre o computador e os papéis por sobre sua mesa. ÊMILY sorri ao vê-lo
entrar, balançando a cabeça levemente.

KÁRIN mostra-se surpresa e ao mesmo tempo emocionada com a presença de LUCAS.

21
KÁRIN
Lucas!

LUCAS
(Sua voz é cheia de ternura)
Tudo bem com você?

KÁRIN
Tudo bem Lucas! Estávamos preocupados com você. Ou
melhor, toda a Agência está preocupada! Não deveria estar no
ensaio geral com os outros modelos às sete horas?

ÊMILY
(cumprimenta Lucas, mas demonstrando muito envolvimento com seu trabalho).
Bom dia, Lucas! É sempre um prazer tê-lo em nossa acanhada e
mal refrigerada sala de trabalho! E obrigado por auxiliar-me a
superar meu recorde: dez intuições, dez acertos!

LUCAS
Bom dia, Êmily!
(Fixa a mulher intrigado e de maneira cativante interroga a mulher)
Eu te auxiliei?

ÊMILY
(Num leve sorriso e num movimento rápido com as mãos)
Esqueça! Você já está bastante atrasado e complicado por hoje!
(voltando para os afazeres)

LUCAS sorri sem entender muito bem o que Êmily deseja transmitir-lhe. Aproxima da mesa
de KÁRIN e seu tom de voz é cada vez mais cheio de ternura.

LUCAS
Estou realmente atrasado! Mas... Não podia deixar de vir aqui...
Pra dizer que... Foi muito bom termos saído naquela noite para
lancharmos!...

KÁRIN, envergonhada, e de maneira que lhe é peculiar, inclina o olhar.

LUCAS

22
Desculpe-me! Eu não devia confundir as coisas. Afinal você
falou o tempo todo sobre o término de seu namoro com Hervê...
Ele ainda é muito importante pra você!... Eu sinto muito...

LUCAS vira-se para sair, quando:

KÁRIN
Lucas!...

ENQUADRAMOS A FACE DE LUCAS

KÁRIN
Hervê será sempre um grande amigo para mim. E o tempo fará
com que ele entenda isto!...

LUCAS
Então... Posso ligar no seu celular?

KÁRIN
(Num sorriso)
Desde que a bateria esteja carregada, eu sempre atenderei!

LUCAS sorri satisfeito. Respira fundo. Contorna a mesa, aproxima de ÊMILY e beija-lhe a
face de supetão, deixando a mulher perplexa.

LUCAS
Êmily, eu te amo!... Você pode não acreditar, mas eu te amo!

LUCAS continua olhando para Êmily, dando alguns passos de costa, afastando-se quando o
blaise, enroscando, DERRUBA UM LIVRO que se encontra por sobre a mesa.

ÂNGULO (DO ALTO)

VEMOS LUCAS pegando O LIVRO do chão.

PLANO MAIS ABERTO

23
Incluindo KÁRIN que se diverte com a encenação de LUCAS.

LUCAS levanta O LIVRO devolvendo-o à mesa.

ENQUADRAMOS O LIVRO

Onde se lê em letras grandes e nítidas, numa capa de um azul muito bonito:

“FALANDO COM OS MORTOS”

ENQUADRAMENTO em LUCAS que passa os olhos rapidamente sobre a capa do livro, sem
dar maior importância para o mesmo.

LUCAS
(ainda falando a Êmily)
Hoje pensarei em você o tempo todo!
(sussurrante)
Eu te amo, eu te amo...!

LUCAS SAÍ DA SALA. KÁRIN CONTINUA SORRINDO, enquanto ÊMILY ajeita os


óculos à face sem compreender muito bem o que está acontecendo.

ÊMILY
Este rapaz não é muito certo da cabeça!

CORTA PARA:

LUCAS CONTINUA PERCORRENDO O CORREDOR QUE DÁ ACESSO AO


CAMARIM DE MODELOS.

Chegando ao final do corredor é intersectado por MARISA.

MARISA
(não consegue retê-lo. Saí caminhando ao seu lado).
Lucas! Espere um pouco que tenho um recado para você!...

MARISA

24
... Você esqueceu o horário do ensaio? Estamos lhe aguardando
por mais de uma hora. Isto sem falar que a diretoria do
Shopping já está no anfiteatro a mais de meia hora esperando o
início do desfile e, pra variar, você não chega! Ta parecendo
papel higiênico: nunca rasga no lugar!

LUCAS
Eu já cheguei, Marisa! Onde você quer que eu “rasgue”?!

MARISA
Precisamos convencer esses caras que somos a melhor Agência
desta cidade e fechar contrato para a temporada. Se perdermos
este negócio estaremos falidos! A Cibele parece não estar de
bom humor hoje. Já perguntou por você duas vezes...

LUCAS
E o que você disse?

MARISA
Menti como sempre! Disse que tinha ligado comunicando que o
carro havia furado o pneu e lhe atrasou uns minutinhos...

LUCAS E MARISA CHEGANDO À PORTA DO CAMARIM

LUCAS
Sua criatividade está cada dia mais aguçada! É a quinta vez que
você fura o pneu de meu carro em menos de uma semana! Eu te
amo...
(Beija a testa da moça entrando em seguida. Ficando sozinha a moça suspira como que
mais aliviada).

INT. CAMARIM MASCULINO – PLANO PRÓXIMO NA PORTA DE ENTRADA

LUCAS ADENTRA AO CAMARIM

PLANO MAIS ABERTO

Vários modelos conversam entre si. Já estão vestidos e maquiados. Dois ajudantes (MAX e
JUNIOR) auxiliam a todos. Conversam, dão os últimos retoques na maquiagem e vestuários

25
ENQUADRAMOS HERVÊ que fixa LUCAS com certa aversão e antipatia.

SOBRE O OMBRO – DO PONTO DE VISTA DE HERVÊ

VEMOS MAX aproximar-se de LUCAS

MAX
Porra, cara! Que furada! O desfile está todo complicado por sua
causa. Você pirou?

LUCAS
O Max, não enche o saco! Em dois minutos eu me arrumo.
Podem anunciar nossa entrada!

HERVÊ
Eu estou de saco cheio com esta Agência. Isto aqui está mais
me parecendo um bordel onde cada faz o que quer! Ou a Cibele
moraliza esta joça ou vou cair fora...

LUCAS
O que há, Hervê? Você está falando isto pra mim? Todo mundo
se atrasa nesta vida, cacete! Será que não posso me atrasar?

HERVÊ
Qual é cara? Você nunca cumpre agenda e horários. Sempre
chega atrasado! Ficamos aqui esperando sua boa vontade toda
vez que tem ensaio! Tudo bem que você conseguiu moral com a
Cibele e ela vive exibindo seu book em todo fechamento de
contrato, mas isto é problema sexual seu e dela...

LUCAS
Cala sua boca nojenta senão estouro ela numa porrada que é o
que você merece...

HERVÊ investe contra LUCAS, quando CARLOS segura-o.

CARLOS
Vamos parar com esta baixaria senão não temos desfile hoje e
estaremos todos no olho da rua. Que merda!

26
MAX
(Segurando o braço de Lucas reconduzindo-o a cadeira)
Vamos lá! Porradas agora não vão cooperar com sua
maquiagem.

SILVIO
Muita calma nesta hora, muita hora nesta calma! Não podemos
amassar nossas roupas. Grife “Star Live” não combina com
moda ring!
(irônico)

ESTEVÃO
Até que umas porradas aqui dentro iriam cair bem: sair desta
rotina de tecidos bem passados e carinhas maquiadas. Isto aqui
é camarim de macho, tem que ter porrada mesmo!

Todos sorriem. HERVÊ sai do camarim. Irritado.

MAX
(Maquiando LUCAS, enquanto JUNIOR cuida dos cabelos)
Você fica dando moral para o Hervê. Não percebe que ele só
quer um motivo pra criar caso?

LUCAS
Este cara fica pegando no meu pé! Pra lhe falar a verdade, ele
nunca foi com minha cara...

JUNIOR
E com razão, não é Lucas? Toda Agência sabe o motivo. Até
mesmo a Cibele que finge de surda e muda para com seus
malabarismos sentimentais já andou comentando que você anda
dando encima da Kárin!

LUCAS
Eles já terminaram há quase dois meses. Acabou o namoro
acabou o compromisso. Será que ele não entende isto, puxa
vida! E, se você quer saber mais, eu estou apaixonado por ela,
sim! Aconteceu, pronto! Ninguém manda no coração!

MAX

27
É, mas... Ele ainda é apaixonado por ela!

LUCAS
E eu com isso!?

Toca uma campainha dando o primeiro sinal para o início do desfile

ENQUADRAMOS MARISA NA PORTA DE ACESSO.

MARISA
(Falando a todos)
Cinco minutos para formação e acesso à passarela.
(Falando a Lucas)
Lucas...

Toca o celular de LUCAS. Ele afasta-se, fazendo com que JUNIOR pare de arrumar seus
cabelos e atenda ao telefone.

LUCAS
Alô?...Mãe...?

MARISA
Max, avise Lucas que a Cibele pediu para que passasse em sua
sala após o desfile...

LUCAS
(ao celular)
...Mãe...mãe... Fica calma!... Tudo bem, eu sei... O Lúcio já está
aí?...Ligue para o Lúcio e peça para ele chamar a Silmara, ela
sempre ajuda a gente...
(pausa)
Tudo bem, mãe! Mas eu não posso sair daqui agora... Chama a
ambulância!...

SILVIO
(Resmungando)
Agora fudeu! Este desfile não sai mais hoje! Pelo jeito deve ter
morrido algum parente do “estrela”!

LUCAS

28
(ao celular)
... Bêbado, mãe! Bêbado como sempre...
(suspira)
...Tá bom! Eu vou pra casa assim que terminar aqui... Beijo e
fique calma... Eu te amo... Agora faço o que eu lhe pedi: chame
o Lúcio e a Silmara!

ESTEVÃO
Max, como você classificou as peças?

MAX
(ligeiramente irritado)
Como sempre, por ordem de estação!

JUNIOR
(Falando com Lucas)
Marisa avisou que a Cibele quer falar com você!

LUCAS
(Que já está se vestindo)
Como?

ESTEVÃO
Agora? Esta mulher enlouqueceu! Já vai começar o desfile. O
cara já chegou atrasado e se precisar sair, aí ferrou tudo!

MAX
Quando terminar o desfile, o inteligente!

ESTEVÃO
Ah! Bom!

LUCAS
Estou ferrado!

CORTA PARA:

INT. ANFITEATRO DA AGÊNCIA - PASSARELA.

29
DESFILE

FLASHES DAS ENTRADAS FEMININAS

FLASHES DAS ENTRADAS MASCULINAS com destaque para Hervê e Lucas.

Desfile com os manequins masculinos e femininos. Música e luzes de efeitos variados com
fundo musical harmonizando com cada seleção de entradas dos modelos.

CORTA PARA:

INT. CORREDOR PRINCIPAL DA AGÊNCIA – DIA

É o final do expediente matutino. Manequins, técnicos e auxiliares saem por um corredor


conversando entre si. Bolsas a tiracolo entre outros acessórios. LUCAS surge entre as demais
pessoas. Vem acompanhado de MAX. LUCAS traz uma bolsa preta com seus pertences e o
mesmo paletó da seqüência inicial, jogado ao ombro.

PLANO EM MOVIMENTO

MAX
...Não estou afirmando que não tenha razão. Mas, há de convir
comigo que está ficando um clima desagradável entre você e o
Hervê...

LUCAS
Eu já lhe falei, Max! Não me importa o que o Hervê pensa
sobre mim. Problema dele! E quanto a Kárin se depender de
mim, já estamos namorando! Desde que saímos juntos só penso
nela, no seu jeito especial... É incrível, isto nunca me aconteceu
antes! Não estou sacaneando ninguém: estou apaixonado.
Chegou minha vez e eu também tenho direito ao amor!

MAX
Você é um cara de sorte. A Cibele não esconde de ninguém que
você é a grande descoberta da Agência. Anda investindo alto
nas produções. Sabia que ela fechou contrato com a Tammis
Boutique e que a diretora da rede andou elogiando o nosso
quadro de modelos?

30
LUCAS
Sei e sei muito mais: que a própria diretora fez questão de
assistir nosso desfile no Galery Center e que após o desfile
teceu esses comentários e acrescentou, abre aspas, “gostaria que
o modelo Lucas desfilasse as principais peças de nossa coleção
masculina”, fecha aspas!...
(Irônico. Toca o celular, enquanto pega o aparelho da cintura e posiciona ao ouvido,
continua o diálogo com Max)
...Isto quer dizer: cachê quatro vezes maior que o do Hervê!
AAAAHan!!!

CHEGANDO AO ELEVADOR

LUCAS aciona o botão do elevador. Toca seu celular.

LUCAS
(Ao celular)
Oi, mano! Estava esperando sua ligação.
(pausa)
... Ele já melhorou?... Graças a Deus...
(pausa)
... Silmara foi? Que bom! Ela parece ter jeito e paciência com o
pai...

ELEVADOR abre a porta. VEMOS MAX e LUCAS adentrarem e a porta fechar-se.

INT. NO INTERIOR DO ELEVADOR

LUCAS
(Ainda no celular)
...Não, não! Tudo bem... Assim que eu terminar aqui volto pra
casa! Beijo, mano! Fica com Deus!

LUCAS
(Fechando e guardando o celular à cintura)
Não sei o que seria de minha vida sem minha mãe e meu irmão!

MAX
Você vai aceitar a direção do próximo desfile? Ouvi um
comentário do Luis Flávio que a opção está entre você e o
Hervê...

31
LUCAS
Foi bom você ter me dito. Eu vou pessoalmente falar com o
Luis Flávio e me oferecer para o cargo!

MAX
Como?

LUCAS
Só pra sacanear com o Hervê!

MAX faz um gesto irônico com a face, depois desconversa como recordando de um assunto
importante.

MAX
Puxa, cara! Ia me esquecendo, posso confirmar sua entrevista
na TV Cidade para sábado à tarde?

LUCAS
Sábado agora? No dia da inauguração da Boate Fashion?...

DO PONTO DE VISTA DE MAX E LUCAS ENQUADRAMOS A PORTA que se abre em


seguida.

INT. CORREDOR DO ANDAR SUPERIOR NA AGÊNCIA

MAX e LUCAS saem no corredor.

EM MOVIMENTO - andando no corredor.

LUCAS
...Estou esperando essa inauguração há quase seis meses e
agora você quer quebrar meu barato?!

MAX
Você irá falar em nome da Agência. A indicação foi da Cibele!

32
LUCAS
Mande a Cibele pra...

ENQUADRAMOS LUCAS estarrecido.

LUCAS
Ah! Meu Deus! Este cara não se manca...

DO PONTO DE VISTA DE MAX E LUCAS

KÁRIN e HERVÊ vindo em direção dos dois rapazes. O rapaz parece insistente, enquanto ela
disfarça o desagrado com a presença do ex-namorado.

MAX
(Cochichando)
Vamos mudar de assunto porque o “assunto” apareceu. Fica
gelo! Seja educado. Isto agrada e convence as mulheres...

LUCAS
Valeu pelo conselho!

Ao aproximarem, MAX cumprimenta sorridente o casal.

MAX
Kárin, Hervê! Tudo bem com vocês?

HERVÊ nada responde

KÁRIN
Oi Max...Oi Lucas!...

LUCAS
Olá, Kárin!

KÁRIN
Gostaram da coleção e do desfile de hoje?

33
LUCAS
(sorri timidamente)
Com certeza! Arrasamos novamente!

MAX
(Falando a Kárin)
Você vai à boate Fashion nesse sábado?

KÁRIN
Com certeza! Estamos todos tão ansiosos por essa inauguração.
Já confirmei com a Marisa!

MAX
Legal! A gente se vê por lá!... Tchau pra vocês!

MAX dá um puxão no braço de LUCAS que parece não querer mais sair daquele lugar e saem
conversando.

PLANO EM MOVIMENTO

HERVÊ continua conversando com KÁRIN caminhando rumo ao elevador de onde saiu
LUCAS e MAX instantes atrás. Ele parece abatido e emocionado. Ao fundo VEMOS MAX e
LUCAS, que se volta algumas vezes, distanciarem.

HERVÊ
A gente poderia sair hoje... Pra conversarmos...

KÁRIN
Não Hervê! Eu não quero alimentar esperanças em você.
Vamos continuar como amigos! Já conversamos sobre nós!
Pensei que você já tivesse compreendido.

HERVÊ
Você está apaixonada por ele... Tenho certeza!

CHEGANDO Á PORTA DO ELEVADOR ela aciona o botão.

KÁRIN

34
Pra que falarmos nisto? Saia! Conheça novas pessoas! Tenho
certeza que encontrará outras garotas muito mais interessantes
que eu.

CHEGANDO O ELEVADOR, ela ameaça entrar. Ele segura a porta e fixa-a quase em
lágrimas.

HERVÊ
Não sei como lhe dizer isto...
(pausa)
... Não sei viver sem você! Faço qualquer coisa para que me dê
uma segunda chance. Se quiser procuro o Lucas, peço
desculpas pra ele...
(suspira)
... Eu amo você...

KÁRIN
Hervê, eu gosto muito de você, mas nunca admiti a
possibilidade de termos algo mais sério. Você é um rapaz
bonito e me senti, de imediato, atraída por sua aparência. Mas
um relacionamento não se pode basear apenas no entusiasmo da
beleza física. Será que me entende?

HERVÊ começa a chutar a porta do elevador, visivelmente transtornado.

HERVÊ
Desgraçado, desgraçado! Foi ele. Eu tenho certeza que foi
Lucas que fez sua cabeça. Desde aquele dia que vocês saíram
eu percebi que não teria nenhuma chance... Desgraçado,
desgraçado!

KÁRIN
Você está nervoso, Hervê! E não temos a menor chance de
conversarmos neste clima. Por favor, eu estou atrasada!

HERVÊ solta a porta do elevador, que se fecha, levando a garota.

CORTA PARA:

INT. ESCRITORIO DE CIBELE

35
CIBELE em sua mesa tendo LUCAS sentado a sua frente.

CIBELE
... Creio que tudo que tinha a lhe falar se resume nisto. Gostaria
poder contar com sua disciplina no sentido de cumprimento de
horários e agendas. Além do esforço em melhorar o
relacionamento com o pessoal de produção. Se não possuirmos
uma equipe coesa o trabalho, certamente, encontrará obstáculos
em sua realização...

LUCAS
Peço-lhe desculpas pelos contratempos dos últimos dias e
alguns probleminhas com alguns colegas. Sei que isto não
justifica e tão pouco devo misturar profissional com particular...
Mas, você sabe como é? Tenho enfrentado alguns problemas
com minha família e...

CIBELE
Compreendo! Desejo que você supere os problemas. Basta ter a
sabedoria de descobrir neles mesmos a solução. Como dizia
minha falecida avó: “Os problemas trazem na própria estrutura
sua solução!”.

AMBOS SORRIEM.

CIBELE estende o contrato para LUCAS assinar.

CIBELE
Este é contrato que estamos fechando com a diretoria do
Shopping para a temporada de outubro a dezembro. Serão
quinze boutiques e cinco lojas de confecção masculina. Eles
entusiasmaram com o desfile desta manhã; elogiaram nosso
quadro de modelos bem como a qualidade dos estilistas. Em
resumo, nossa Agência recebeu conceito A.

LUCAS
Fico feliz com os resultados. Graças ao esforço coletivo e,
principalmente por seu esmero nos detalhes e bom gosto em
tudo...

36
CIBELE faz um movimento com a cadeira, num breve sorriso sensual. Coloca a caneta
ligeiramente sobre os lábios, depois estende a mão vagarosamente ao encontro da do rapaz.

ENQUADRAMOS A MÃO DE CILEBE TOCANDO LEVEMENTE A MÃO DE LUCAS.

CIBELE
Eu sempre tive bom gosto... Em tudo que faço e escolho!

LUCAS retira a sua mão de sob a da mulher procurando transmitir naturalidade e


preocupação com o blaise sobre a cadeira ao lado.

LUCAS
Trouxe-lhe o blaise que me emprestou. E, como sempre, devo
agradecer-lhe por tudo que tem feito por mim aqui na Agência!

CIBELE
Na verdade, Lucas!
(procurando demonstrar naturalidade)
As pessoas recebem o que merecem. Você tem feito por
merecer as concessões que lhes são outorgadas. É um rapaz
esforçado e comprometido com o que faz. Dois requisitos
indispensáveis para alguém que deseja vencer naquilo que está
realizando...

LUCAS
(Num sorriso tímido, erguendo o blaise para a mulher)
Resta-me agradecer mais uma vez...

CIBELE
Este blaise foi feito sob medida para você. Não ficaria bem em
outro manequim. Portanto, faço-lhe presente...

ENQUANDRAMOS LUCAS

LUCAS
Pra mim?

CORTA PARA:

37
EXT. CASA DE LUCAS – JARDIM E GARAGEM

EM MOVIMENTO

LUCAS dirigindo o carro adentra a garagem, passando pelo jardim florido e bem cuidado que
ornamenta a parte frontal de sua casa.

LUCAS fechando a porta do veiculo, trazendo o blaise sobre os ombros.

PLANO MAIS ABERTO

VEMOS Silmara com o pequeno Maikon escorado as suas pernas e protegido por suas mãos.
A criança sorri com simplicidade, olhando em direção de LUCAS, que ainda não os percebeu.

MAIKON
Papai!

ENQUADRAMOS LUCAS que se volta em direção à criança.

LUCAS
Maikon!

Lucas permanece estarrecido.

EM SEQÜÊNCIA LENTA

VEMOS MAIKON soltar-se dos braços de SILMARA e correr ao encalço do pai. Vem com
os braços abertos, na expectativa de um abraço.

Ao aproximar-se, Lucas não corresponde ao desejo do garoto e simplesmente pega em suas


mãozinhas.

LUCAS
Maikon! Que bom que você veio também! Como que você
está?

38
MAIKON
Estava com muita saudade de você, papai!

PLANO MAIS ABERTO

Silmara se aproxima num sorriso tímido.

LUCAS
É verdade! Não ando tendo muito tempo pra você!

MAIKON
Mamãe tem me dito que você anda muito ocupado, por isso não
podemos nos ver mais vezes. Mas que gostaria de estar mais
comigo...

LUCAS
Com certeza! Mas você tem recebido os presentes que eu lhe
mando?

MAIKON
Mas eu não tenho com quem brincar! Mamãe que sempre
brinca comigo!

SILMARA
Aproxima mais um pouco.

SILMARA
Maikon, deixe seu pai entrar! Ele deve estar cansado. Tudo
bem, Lucas?

LUCAS
Tudo!

SILMARA
Seu pai não passou bem e sua mãe me ligou para que eu
pudesse vir aqui para fazermos algumas preces. Isto tem
ajudado um pouco!

LUCAS

39
Eu pedi para mamãe te ligar. Obrigado, você tem sido muito
legal conosco. Como que ele está?

SILMARA
Parece um pouco abatido, mas já está melhor! Precisamos nos
unir para ajuda-lo...

LUCAS
Ajudar quem não se ajuda é perca de tempo! Mas deixa pra lá.
Vamos entrar?

SILMARA
Não posso, Lucas! Tenho que levar Maikon ao médico...

LUCAS
Ele está doente?

SILMARA
Não é nada grave! Uma indisposição estomacal que já esta
melhorando...

LUCAS
Quer que eu te leve ao hospital?

SILMARA
Não precisa. Eu tomo o ônibus logo ali na esquina. Não precisa
se preocupar conosco! Você tem muitos compromissos e sua
família precisa de você...

MAIKON
Papai, quando que você vai lá em casa? Mamãe vive dizendo
que você vai lá...

SILMARA
Maikon!
(repreendendo o menino)
É que ele vive falando em você. Colocou sua foto ao lado da
cama dele e diz que vai dormir com você e o papai do céu...

40
LUCAS
(sorri ligeiramente)
E, meninão sapeca!
(esfregando os cabelos da criança)
O pai está torcendo pra você ser um campeão!

SILMARA
Vamos, Maikon!
(Voltando-se para Lucas)
No que eu puder ajudar com sua família é só me ligar. Agora
temos que ir... Tchau, Lucas!

LUCAS
Tchau, Silmara! Obrigado por tudo!

SILMARA
Maikon, dê tchau para seu pai!

MAIKON
Tchau, papai!

LUCAS
Não fica com esta cara de choro senão eu não vou te levar lá no
ginásio pra nós jogarmos aquela partida de futebol que eu te
prometi, lembra!?

MAIKON balança a cabeça num gesto de consentimento.

SILMARA
Agora vamos senão nos atrasamos no médico.

SILMARA E MAIKON afastam-se, rumando para o portão de saída.

PLANO ABERTO incluindo os três que se distanciam entre si. Maikon volta-se várias vezes
tentando ver mais uma vez a face do pai que fica à distância, abanando-lhe a mão.

INT. QUARTO DE LÚCIO

ENQUADRAMOS A FACE DE LUCAS sentado na cama do irmão.

41
LUCAS
...Toda vez que estou com Maikon sinto uma tristeza imensa no
peito. Estranho! Não sei explicar. Talvez seja complexo de
culpa. Quem sabe eu poderia fazer muito mais por ele...

PLANO MAIS ABERTO inserindo LÚCIO.

LÚCIO
Você não gosta de Maikon?

LUCAS
Não é isto! É que toda vez que estou diante dele me lembro da
idiotice que cometi. Eu e Silmara transamos uma única vez,
naquela festa do Maurício, lembra? Uma noite bem típica
daquela em que você não tem nada útil pra fazer e acaba
fazendo besteira!

LÚCIO
Silmara entendeu muito bem o que houve entre vocês! Um
acidente de percurso. Tanto que ela não te cobra nada!

LUCAS fixa o jardim por entre o espaço da janela aberta. Parece de repente emocionado.

LUCAS
Silmara é muito especial. Simples, amiga...É uma boa mãe para
Maikon. Mas não posso assumir um casamento por piedade!
(Volta o olhar para o irmão. Suspira)
Mano, eu estou apaixonado por uma garota incrível. É algo de
pele: quando estou ao seu lado, sinto as pernas bambas, um
calafrio percorrendo-me a coluna. Tenho até dificuldade para
respirar...

LÚCIO
Como bom acadêmico de medicina posso diagnosticar, sem
qualquer probabilidade de erros, que você esta mesmo
apaixonado! Nunca o vi tão enigmático!...

LUCAS
Debruça sobre o parapeito da janela.

42
POR SOBRE O OMBRO DE LUCAS

DO ÂNGULO – INTERIOR DO QUARTO PARA O EXTERIOR

VEMOS o jardim florido que ornamenta a entrada principal da casa.

LUCAS
Você tem razão! Ando meio estranho ultimamente... parece que
está me faltando alguma coisa. Vivo com saudades de papai...
A cada dia sinto mais a sua falta!...

ENQUADRAMOS LÚCIO que pega o blaise de LUCAS e fica a admira-lo, sem perder a
atenção para as palavras do irmão.

LUCAS
...Talvez seja influência dos problemas que vivemos aqui em
casa com o pai.

ENQUADRAMOS LUCAS que se volta para o irmão com suavidade.

LUCAS
Gostou?

LÚCIO
É lindo! Não devia trazer essas roupas aqui pra casa! Pode
estragar e depois você não vai ter dinheiro pra pagar!

LUCAS ergue-se de onde se encontra sentado, próximo à janela e agora mais animado.

LUCAS
Minha! muito minha! A Cibele, a dona da Agência quem me
deu!

LÚCIO
O que você anda fazendo pra ganhar uma roupa como esta?

LUCAS
(Sorri com ironia)

43
Eu não estou fazendo. Já tenho feito em mim tudo que preciso
para ganhar uma roupa desta de uma mulher como a Cibele!

LÚCIO
Mas você não está apaixonado pela Kárin?

LUCAS
(pegando o blaise das mãos do irmão)
Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa! Nesse seu
curso de medicina não tem nenhuma matéria de sacanagem,
não?

LÚCIO sorri ligeiramente.

LUCAS
(Entusiasmado)
É isso cara! Vamos comigo na inauguração da boate Fashion
amanhã à noite. Vou te apresentar a Êmily, colega de trabalho
da Kárin! Você vai se apaixonar por ela. Ela é loura, corpinho
de sereia, lábios finos e macios! Já imaginou vocês dois
juntos?...

LUCAS DEITA de costa na cama do irmão e começa a teatralizar usando o blaise.

LUCAS
(afinando a voz)
Lúcio, meu amor, seja gentil! Faça-me feliz...Ah! Lúcio! Como
você se parece com seu irmão...Mas se fosse ele seria bem
melhor... Ah! Ah!

LÚCIO COMEÇA esmurrar levemente o irmão, que sorrindo ergue-se da cama, colocando-se
em pé.

ENQUADRAMOS A FACE DE LUCAS

LUCAS
Preciso arrumar um jeito... Uma desculpa qualquer para
procurar a Kárin. O que eu mais queria era tê-la em meus
braços...

44
CORTA PARA:

EXT. EM FRENTE A UMA CASA NOTURNA - NOITE

ENQUADRAMOS LUCAS abrindo a porta do carro para KÁRIN

A moça sai do interior do veículo num sorriso meigo.

LUCAS
Acho que cometi uma loucura!

KÁRIN
Por que?

LUCAS
Eu a convidei para sair sem saber se realmente estava a fim!

KÁRIN
Se eu estou aqui!...

CORTA PARA:

INT. INTERIOR DA CASA NOTURNA – SENTADOS À MESA.

LUCAS
...Sim, se você está aqui, comigo, é a maior prova que tenho
alguma chance!

KÁRIN SORRI ingerindo a bebida do copo a sua frente.

LUCAS
Temo que ainda sinta alguma coisa por Hervê... Afinal foram
quase oito meses de namoro...

KÁRIN coloca a mão suavemente sobre os lábios de LUCAS.

45
KÁRIN
Não falemos mais em Hervê!
(Faz uma pausa, um gesto de suspense, após um breve suspirar)
Posso te confessar um segredo?

ENQUADRAMOS A MÃO de LUCAS repousar sobre a da garota.

LUCAS
Todos!

KÁRIN
Eu sempre pensei em você. Mas, achava que jamais teria olhos
para uma secretária...

PLANO MAIS ABERTO.

VEMOS toda a mesa e LUCAS E KÁRIN sentados. Ao fundo VEMOS outros casais
sentados com comportamento adequado ao ambiente.

LUCAS se emociona. Sorri, balança a cabeça suavemente, como que não acreditando no que
ouve. Enche o peito de ar e numa expressão de desabafo e felicidade:

LUCAS
(Diz em tom alto a quase gritar, chamando a atenção de todos).
Uaaaaaaau!

EXT. EM FRENTE À CASA NOTURNA – DEPOIS DA MEIA NOITE

Alguns carros ainda estacionados enfrente à casa noturna. Uma ou outra pessoa passando. Rua
quase deserta.

ENQUADRAMOS A PORTA DE SAÍDA DA CASA NOTURNA

VEMOS LUCAS E KÁRIN saindo.

ÂNGULO MAIS ABERTO

46
LUCAS está inteiramente feliz. Sorridente e brincalhão. Sai um pouco à frente, volta-se e
beija várias vezes a moça. Rodopia sobre o próprio corpo com os braços abertos.

VEMOS KÁRIN POR TRÁS

LUCAS ao fundo.

LUCAS
Sou o homem mais feliz desta cidade!
(fala a esmo)
Estão vendo? Eu, Lucas Mendes, o modelo mais famoso e
cobiçado das passarelas desta cidade já tem dono! É bom que
olhem: este corpinho sarado ninguém tosca a mão... Olhem e
babem...

KÁRIN
(Sorridente, mas um tanto preocupada)
Lucas! Deixe de loucuras! Vamos, já está tarde...

LUCAS
(Tirando a camisa lentamente, simulando um strip-tease)
Elas precisam ver o que estão perdendo para sempre: olhem a
vontade para este corpinho que já tem dono... e ele pertence a
ela, somente a ela: Kárin Lanzchertvich!

LUCAS joga a camisa. Dança com movimentos sensuais, descendo a mão para o botão da
calça. Abre lentamente o zíper: VEMOS PARTE DE SUA CUECA, quando:

SEQUENCIA LENTA

VEMOS LUCAS (DE CIMA) rodopiando sobre o próprio corpo, sorrindo divertido.

INT. CARRO DE LUCAS

ENQUADRAMOS LUCAS que deixa o corpo cair pesadamente sobre a poltrona do carro,
inclinando o pescoço ligeiramente para trás, sempre sorridente e feliz.

INSERT DE KÁRIN na poltrona ao lado, sentada e inclinada para LUCAS.

47
LUCAS
...Não posso acreditar que estou com você! Parece um sonho!
Quantas vezes eu te vi com Hervê e algo parecia doer aqui no
peito...
(Volta-se de repente para a garota)
...Sério! Era difícil pra mim, aceitar que estava com ciúmes da
namorada de um colega de trabalho...

KÁRIN parece de repente preocupada, deixando sumir de sua face o sorriso que mantinha há
pouco.

KÁRIN
Lucas! Desculpe-me ter que falar nisto num momento tão
especial pra você...Pra nós!... Mas...

LUCAS tampa os lábios da moça com a mão de forma suave e lenta.

LUCAS
Não estraguemos este momento só nosso! É tão difícil ser feliz
na vida que às vezes queremos tornar eterno os nossos raros
segundos de felicidade!

KÁRIN
É pensando em nossa felicidade que gostaria de lhe pedir para
não estarmos juntos, por enquanto, na frente de Hervê! Ele
precisa de algum tempo... e devemos respeitar isto!

LUCAS suspira profundamente.

LUCAS
Eu queria tanto que estivéssemos juntos amanhã na inauguração
da boate! Que todos soubessem que estamos namorando, que
estaremos sempre juntos!

KÁRIN
Não importa os outros! A cumplicidade só é completa no
silêncio e no anonimato!

LUCAS
Só você poderia dizer-me isto!... Abraça-me!

48
LUCAS E KÁRIN abraçam-se ternamente.

ENQUADRAMOS A FACE DE LUCAS abraçado a KÁRIN.

LUCAS tem os olhos úmidos em lágrimas. Sente de súbito profunda tristeza.

LUCAS
Já perdi tantas coisas boas nesta vida. Não quero perder você!
Tenho medo da solidão... porque às vezes ela não respeita nem
mesmo a multidão em que nos encontramos e, de repente, de
uma forma egoísta; reina como nossa única e soberana
companheira!...

KÁRIN solta-se dos braços do rapaz e o fixa com carinho.

KÁRIN
Você está triste?

LUCAS
Não!

KÁRIN
Então por que choras?

SILÊNCIO. Não há resposta.

KÁRIN ergue a mão levemente, acariciando a face de LUCAS.

LUCAS
Desculpe-me!

LUCAS ameaça levar a mão à face para limpar a lágrima que já alcançou seus lábios. Kárin
impede-o de limpar.

KÁRIN

49
Não! Não limpe suas lágrimas... elas são o que há de mais lindo
em você!

KÁRIN busca os lábios do rapaz num beijo longo e apaixonante.

CORTA PARA:

INT. CASA DE LUCAS – SALA PRINCIPAL – ALTA MADRUGADA

ENQUADRAMOS O ESPAÇO DA PORTA DE ENTRADA.

VEMOS A PORTA e parte dos ornamentos.

LUCAS CHEGANDO.

Após abrir a porta, retira a chave do lado de fora. Coloca-a na fechadura novamente, agora
pelo lado de dentro, fechando a porta.

ENQUADRAMENTO GRADATIVO DE LUCAS como se alguém invisível se aproximasse


dele pelas costas.

Quando o ENQUADRAMENTO está SOBRE OS OMBROS

LUCAS SE VOLTA

Assustado, fixando o pequeno hall que liga o barzinho à sala. Sente como se alguém o
espionasse. Fica intrigado, por alguns instantes. Depois decidi ir em direção do corredor que
conduz ao seu quarto.

VEMOS LUCAS PELAS COSTAS afastar-se quando a voz de SAMUEL ecoa forte.

SAMUEL
(carrancudo)
Estava trabalhando até esta hora?

ENQUADRAMOS SAMUEL com um copo de bebida na mão.

50
ÂNGULO MAIS ABERTO inserindo LUCAS.

LUCAS
Já está tarde, pai! Eu vou dormir!

SAMUEL
Dormir, não! Precisamos conversar. E já que não temos outra
hora, vai ser agora mesmo.

LUCAS
Pai, eu já tenho quase trinta anos! Acho que tenho o direito de
chegar um pouco mais tarde em casa!

SAMUEL
É verdade! Com trinta anos também já era tempo de criar
responsabilidade com a família: sua mãe não dormiu até agora,
virando de um lado pro outro na cama!
(resmunga)
Sempre achei que você não ia dar boa coisa. Seu irmão vive
ralando na universidade enquanto você passa o tempo todo
rebolando em palanque...

LUCAS demonstra impaciência com o pai, mas procura controlar-se:

LUCAS
Pai, eu já lhe expliquei mil vezes. Eu não vivo em palanques. O
que fazemos na passarela é...

SAMUEL
(Terminando de beber mais uma dose)
Só pelo nome já se vê que não é boa coisa. Na minha época
passarela era estrada pra boi ou um jumento como você passar.
Não criei filho nenhum pra ganhar a vida rebolando em
palanques. Devia era fazer uma faculdade, procurar um
emprego decente!

LUCAS
Eu posso falar?... Estou trabalhando numa empresa como
qualquer outra; carteira assinada, décimo terceiro e fundo de
garantia. Ganho comissão por cada desfile, dinheiro este que
vêm aqui pra casa, pra ajudar nas despesas, inclusive pagar os

51
livros de Lúcio que são caríssimos e você não sabe nem quanto
custa cada um.
(Balança a cabeça, irritado)
E outra coisa! tenho uma profissão: sou modelo, caminho este
que pode abrir portas para outros campos na arte...

SAMUEL
Modelo! Veja lá se você serve de modelo para alguma coisa!
Hum!
(resmunga)
O filho do Juca começou com esta mesma história. Hoje em dia
virou uma jaca!

LUCAS
Éh! Ele virou uma jaca. Quem sabe possa eu virar algo mais
interessante: uma couve-flor.

SAMUEL
Você me respeita, seu moleque!

LUCAS
É um trabalho honesto, digno! Estou ganhando meu dinheiro;
dinheiro este que está vindo pra cá, pra dentro de casa, pra dar
uma vida mais digna pra mamãe, pro Lúcio, pra todos nós...

SAMUEL
A gente não precisa de dinheiro ganho com sem-vergonhices!

LUCAS vira-se para sair, quando SAMUEL o retém pelo braço.

LUCAS empurra SAMUEL fazendo com que cambaleie.

LUCAS
Tá bom, você já falou, já deu sua opinião! Mas agora me dê o
direito de decidir por mim mesmo. Creio que já tenha idade
suficiente para isto!

SAMUEL
Eu lhe criei desde novo, sou seu pai, porque pai não é aquele
que põe no mundo, mas que sustenta, por isto devo lhe mostrar
o melhor caminho...

52
LUCAS
A gente ensina o caminho quando o conhece e nele triunfou. O
que você é? O que fez da nossa herança?!

SAMUEL
Posso não ter sabido gerir nossos negócios, mas isto não me tira
a dignidade! Sempre soube honrar a família que assumi e
jamais passou por minha cabeça abandonar qualquer um de
meus filhos...

LUCAS
O que você quer dizer com isto?

SAMUEL
Que colocou um filho no mundo, mas não foi homem o
bastante para assumi-lo!

LUCAS
Ah! Você não entende nada da vida. Silmara é uma aventura de
uma noite qualquer... aconteceu! Não é por causa de uma
aventura que vou sacrificar a minha vida e conseqüentemente a
dela, casando-me com alguém que não amo... Ela mesma sabia
que não queria nada sério. E além do mais, quem me garante
que é meu?! Não vou sair assumindo todo filho bastardo que
disserem que é meu.

SAMUEL
Um homem nunca pode perder a dignidade!
(Esfregando o nariz, num gesto característico)
Posso ser o que for, mas nunca deixarei de ser um homem
digno, honrador dos meus compromissos...

LUCAS
Digno, porém fracassado, e o que é pior, bêbado...

SAMUEL fixa LUCAS com profundo rancor. Sua mão é trêmula. A respiração se altera.
Inclina levemente o pescoço para trás, como se alguém o puxasse, os lábios entortam
levemente; toda sua expressão é de um aparente ataque ou crise epiléptica.

SEQUENCIA LENTA

53
O COPO se solta da mão de SAMUEL.

ENQUADRAMOS O COPO no percurso que faz até o chão, espatifando-se.

CORTA PARA:

EXT. EM FRENTE À BOATE FASHION – POUCO ANTES DAS VINTE E TRÊS HORAS

VÁRIOS PLANOS

VEMOS a fachada da boate com luzes em holofote destacando o letreiro onde se lê:
“NIGHT FASHION BOAT”

VÁRIOS JOVENS já localizados próximos à entrada em eloqüentes diálogos.

PLANO ABERTO

VEMOS CARROS E MOTOS: alguns ESTACIONANDO outros CHEGANDO ao local.

OUTRO ÂNGULO

VEMOS uma equipe de TV preparando os equipamentos para reportagem.

Um carro entra EM QUADRO.

ENQUADRAMOS HERVÊ que abre a porta de seu carro, colocando uma das pernas para
fora, inclinando levemente o corpo para abrir o guarda-luvas do carro.

ENQUADRAMOS SUAS MÃOS.

RETIRA UM REVÓLVER pequeno do interior do guarda-luvas.

ESTEVÃO aproxima do carro de HERVÊ, sendo seguido por SILVIO logo atrás.

54
CHEGAM À PORTA sem dar tempo para que Hervê oculte a arma:

ESTEVÃO
Estamos esperando você, Hervê!

ESTEVÃO VÊ A ARMA na mão do amigo, mesmo ele tendo ocultado novamente no guarda-
luvas, procurando esconde-la.

ESTEVÃO
(Um tanto decepcionado)
Você está armado? Pra que esta arma?

O QUADRO SE ABRE para INSERIR LUCAS em trajes tipicamente de motociclista,


(vestuário: luvas, calça, e jaqueta sobre todo em cor preta), que chega dirigindo uma MOTO.
Vários outros motoqueiros aproximam, entusiasmados.

ÂNGULO EM HERVÊ E ESTEVÃO

HERVÊ
(fechando a porta do carro)
Este revólver é de meu pai. Ele esqueceu aqui!
(sorri um tanto desajeitado)
Isto que dá andar com carro emprestado! Se a polícia me pegar
com este revólver estou ferrado!

EM MOVIMENTO PARA A ENTRADA PRINCIPAL DA BOATE.

SILVIO
Teu velho é da pesada, hem, meu!

HERVÊ
Faz parte do trabalho dele. Meu pai é investigador da polícia
federal!

ESTEVÃO
Não brinca com isto, não, cara!
(sorri mais descontraído)
Avisa seu pai que nós somos de uma nova geração: a única
arma de que precisamos é malícia e sacanagem pra curtir as
minas!

55
(Bate no ombro de Hervê)
Vamos, lá! Que a noite promete!

OUTRO ÂNGULO

DESTACAMOS LUCAS que retira o capacete, sorrindo para WAGNER que se aproxima.
Cumprimenta o amigo que lhe diz algumas palavras.

OUTRO ÂNGULO – VEMOS ESTEVÃO, CARLOS E HERVÊ ENTREGANDO O


CONVITE PARA O RECEPCIONISTA.

SILVIO
(Ao recepcionista)
Será liberado o acesso a ala “B” ?

ENQUADRAMOS ESTEVÃO ENFIANDO A MÃO NO BOLSO.

RECEPCIONISTA
Hoje só estaremos liberando o acesso a boate. Área de sauna,
piscina e o cassino privativo somente na segunda quinzena
deste mês!

A CHAVE DA MOTO DE ESTEVÃO CAI AO CHÃO.

ESTEVÃO inclina-se para apanhá-la.

HERVÊ
Não seria má idéia liberar a piscina depois das três!

TODOS SORRIEM.

ESTEVÃO
(Falando a Hervê)
Empreste-me a chave de seu carro para eu guardar a chave de
minha moto. Já caiu de meu bolso aqui fora; isto enquanto
estou inteiramente sóbrio. Imagina depois das duas da manhã
com todas na cabeça!

56
HERVÊ ENTREGA AS CHAVES DO CARRO A ESTEVÃO.

HERVÊ
Não esqueça de acionar o alarme!

OUTRO ÂNGULO

EM MOVIMENTO

VEMOS KÁRIN E ELISA acessando a escadaria de entrada da boate.

EM PARALELO VEMOS também a movimentação de outros jovens.

KÁRIN
...Eu também tinha esta impressão. Imaginava-o extremamente
imaturo e inconseqüente. Mas é totalmente ao contrário. Até o
momento tem demonstrado ser um homem especial....

ELISA
No primeiro momento todos eles o são!

KÁRIN
Que pessimismo!

ELISA
Estou sendo realista!

KÁRIN
Toda regra tem uma exceção!

ELISA
Eu prefiro acreditar que toda exceção possui uma regra e que
talvez não seja a minha!

KÁRIN
Sinto que você já teve algumas experiências traumáticas!

57
ELISA
Várias! Mas quer saber da verdade?
(Vira-se para a Kárin, num sorriso)
Eu os adoro, quanto aos traumas, a gente vai administrando...

AMBAS SORRIEM divertidas.

INT. NO INTERIOR DA BOATE FASHION – POUCO DEPOIS DA MEIA NOITE

OUVIMOS UMA MÚSICA de rítimo dancing.

ÂNGULO FECHADO em ELISA dançando.

O QUADRO SE ABRE. VEMOS várias pessoas dançando na pista sob um jogo de luz inda
discreto.

NOVO ÂNGULO de KÁRIN à mesa. MARISA aproxima trazendo dois copos de bebida,
depositando-os sobre a mesa.

HERVÊ APROXIMA fazendo com que a moça, desconcertada, erga-se da cadeira voltando-
se para MARISA.

KÁRIN
Marisa, vamos ao toalete!

MARISA
Que é isso? Acabamos de vir de lá!

MARISA se volta e depara com HERVÊ APROXIMANDO, sorri desconcertada:

MARISA
Pensando bem, amiga! Eu nunca senti tanta vontade de ir ao
banheiro!
(volta-se para Hervê)
Hervê, meu querido, não tinha te visto ainda!

HERVÊ
Olá, Marisa!

58
(para ambas moças)
Vamos dançar!?

MARISA
Ah! Vamos, sim, Hervê! Adoraria dançar com você! Só que
agora, nós iremos ao toalete! Mulheres adoram toaletes! Têm
algumas que chegam exagerar...

HERVÊ
Eu espero!
(Sentando numa cadeira que compõe a mesa de Kárin)

CORTA PARA:

INT. BOATE – TOALETE

Duas moças estão saindo, quando VEMOS KÁRIN adentrar sendo seguida por MARISA que
não se contém em risadas.

KÁRIN
(mexendo na bolsa para retirar acessórios para retocar a maquiagem)
Você se diverte com esta situação. Estou ficando irritada. Eu
bem que poderia ir embora, mas acho um desaforo. Será que
não tenho direito de me divertir, de ser livre? O Hervê trata-me
como seu eu fosse propriedade dele, vê se pode?

MARISA
Minha amiga, deixa-me esfregar em você, pelo amor de Deus!
(roçando na amiga)
Quero ver se esta sorte passa um pouco pra mim. Você com
dois homens apaixonados na sua cola e eu aqui, nesta carência
desgraçada!

SALÃO PRINCIPAL

OUTRO ÂNGULO – EM OUTRA MESA

LUCAS ergue-se da cadeira, furioso, quando MAX segura-o pelo braço.

59
MAX
Você ficou louco, cara! Quer estragar tudo agora!?

LUCAS
(Esfregando o rosto)
Não posso aceitar isto! Aquele babaca sentado na mesa da
Kárin! Ele está esperando ela voltar do banheiro...

MAX
Ela te pediu um tempo! Deixa que mulher administra muito
bem isto! Vocês dois estão numa boa. O resto agora é só
representar!

LUCAS
Mas nós não precisamos disto! Poderíamos estar em outro
lugar, só nós dois! Pra que estar aqui separados? Sem poder
sequer nos comunicarmos! Tudo por causa de um idiota que
acha que a garota é dele!

MAX
Kárin não deixaria de vir à inauguração desta boate,
principalmente porque aqui estão seus melhores amigos da
Agência e da universidade! O problema seu e do Hervê é uma
questão de tempo... sossega!

CORTA PARA:

KÁRIN E MARISA saindo do toalete.

INSERT DE LUCAS que surge de repente, segurando KÁRIN pelo braço.

LUCAS
Preciso conversar com você!

KÁRIN
(Demonstrando um certo stress diante a situação)
Lucas, por favor!

60
CORTA PARA:

EXT. NOS FUNDOS DA BOATE FASHION – POUCO DEPOIS DAS DUAS HORAS DA
MANHÃ.

VEMOS bonita área de lazer com ornamentado jardim com plantas de variadas espécies.
Algumas palmeiras esguias em perfeita harmonia com a piscina com pouca iluminação.

O LOCAL é quase deserto. Um ou outro casal que admiram a beleza natural da área, voltando
ao interior da boate.

ENQUADRAMOS KÁRIN que escora na grade que separa a piscina e o acesso permitido do
jardim.

KÁRIN demonstra profunda contrariedade diante a situação. Respira profundamente, depois


fixa LUCAS a sua frente.

KÁRIN
Desculpa eu te dizer isto, Lucas! Mas toda esta situação está me
deixando profundamente chateada!

LUCAS
(Esfregando os cabelos, irritado consigo mesmo)
Desculpa, desculpa! Eu que sou um cabeçudo! Já tínhamos
combinado tudo! Mas, de repente vejo este cara dando encima
de você de novo...

KÁRIN
Ele vai continuar insistindo. Até quando eu não sei. Mas o que
eu quero é que, pelo menos, você seja diferente!

LUCAS
Você está me comparando com ele?

KÁRIN
Até agora não estou percebendo a diferença!

LUCAS

61
Tudo bem! Se estou agindo assim também é por sua culpa! Por
que insistir em estar aqui? Tínhamos certeza que este babaca
estaria aqui. Agora você acha certo, ficarmos escondendo o que
sentimos como se fôssemos dois marginais?

KÁRIN
Lucas! Eu te expliquei! Todos meus amigos aguardaram
ansiosos a inauguração desta boate! Estar aqui com eles é
importante pra mim!

LUCAS
Poderíamos estar juntos num lugar só nosso! Curtindo nosso
amor... nossa individualidade. Caramba! Será que seus amigos
são mais importantes que eu?

KÁRIN
Lucas!... Por favor, não temos condições nenhuma de
conversarmos! Você está misturando as coisas!

LUCAS
Kárin... nós estamos discutindo! Você não percebeu isto?

ENQUADRAMOS HERVÊ observando o casal.

KÁRIN
Muito antes de você!

KÁRIN afasta-se de LUCAS caminhando em direção a porta de acesso ao salão de dança.

LUCAS CORRE ATÉ KÁRIN segurando em seu braço.

LUCAS
Vamos sair daqui! Eu não vou suportar ficar olhando pr’aquele
cara!

KÁRIN
Você não me entendeu! Lucas, eu vou entrar e estar com você,
com Hervê e com todos os meus amigos!

62
KÁRIN desvencilha o braço da mão de LUCAS, entrando para o salão.
ENQUADRAMOS HERVÊ EM OUTRO ÂNGULO DE ACESSO AO FUNDO DA
BOATE que compreendendo a situação do casal, sorri com malícia, voltando também para o
interior do salão.

LUCAS esmurra várias vezes o suporte de ferro de uma das divisórias da piscina.

LUCAS
Vou encher a cara dele de porrada! Desgraçado!

CORTA PARA:

INT. BOATE FASHION – BARZINHO – POUCO ANTES DAS TRÊS DA MANHÃ.

VEMOS vários rapazes e moças solicitando bebidas das variadas espécies. Alguns saindo
com os pedidos nas mãos outros aguardando os três jovens garçons que fazem malabarismo
para atender a todos.

ENQUADRAMOS HERVÊ PRÓXIMO DE ELISA, ESTEVÃO E CARLOS MAIS AO


LADO.

LUCAS APROXIMA PELO LADO DE ESTEVÃO QUE PASSA A SEPARÁ-LO DE


HERVÊ que se encontra sentado numa banqueta, tendo ELISA acariciando seus cabelos e
parte da face.

ESTEVÃO
O Lucas! Onde você se meteu, cara? Estávamos te procurando!

LUCAS
Então encontrou!

ESTEVÃO
Parece que o stress conseguiu te pegar até aqui dentro!

SILVIO
Novidade! O Lucas raramente está de mau humor!

63
LUCAS
(Falando ao garçom)
Uma vodka dupla com limão, por favor!
(Voltando-se para Silvio)
... Desculpa aí, o Silvio!

HERVÊ enlaça a cintura de ELISA, falando ao garçom.

HERVÊ
O chegado, já saiu meu pedido? Uma “meia de seda” e um
Martine com gelo!

OUVIMOS MUDAR A MUSICA e PASSAMOS A OUVIR UMA OUTRA CANÇÃO EM


TOM ESPECIAL.

ENQUADRAMOS HERVÊ que fica ligeiramente boquiaberto, emocionado.

ELISA
Que foi, Hervê?

HERVÊ
Esta música!... É a nossa música...minha e da Kárin!

PLANO MAIS ABERTO

HERVÊ desvencilha de ELISA e sai com passos indecisos em direção à mesa de KÁRIN.

ÂNGULO POR DETRÁS DE HERVÊ

Ao fundo VEMOS KÁRIN em diálogo animado com MARISA e LUIS FLÁVIO.

HERVÊ se aproxima. Seu olhar trás uma profunda ternura.

KÁRIN paralisa o sorriso e a música parece despertar-lhe sentimentos de profunda simpatia


ao passado vivido com HERVÊ, ali a sua frente sem saber como se expressar:

HERVÊ

64
(Gaguejante)
Dançamos tanto essa música!... Era a nossa música...

UM TANTO INDECISO, HERVÊ VOLTA-LHE AS COSTA PARA SAIR, QUANDO


MARISA olha para KÁRIN.

MARISA
Dance com ele!... É lindo o que este rapaz sente por você!

KÁRIN VACILA por alguns segundos.

KÁRIN
Hervê!...

HERVÊ VOLTA-SE com os olhos úmidos em lágrimas.

HERVÊ
Continua sendo a nossa música!... Vamos dançar?

CORTA TODO ÁUDIO.

SILÊNCIO.

SEQÜENCIA LENTA

ENQUADRAMOS A MÃO DE KÁRIN QUE SE UNE A DE HERVÊ.

A IMAGEM PASSEIA POR ALGUNS JOVENS DANÇANDO SOB MÚSICA EM OFF.

ECOA UM GRITO ATERRORIZADO DE ELISA.

ENQUADRAMOS ELISA em pânico.

ELISA
Meu Deus! Por que ele fez isto?

65
INSERT DE ESTEVÃO, aproximando de ELISA

ESTEVÃO
Ele não podia ter feito isto!

INSERT DE SILVIO

SILVIO
Ele vai matar o Hervê! Temos que tirar Lucas de cima dele!

PLANO MAIS ABERTO

VEMOS ELISA, ESTEVÃO E SILVIO POR TRAS juntamente com alguns outros jovens
aproximarem de LUCAS por sobre HERVÊ, esmurrando-o por várias vezes.

LUIS FLÁVIO puxa LUCAS DE SOBRE HERVÊ, AFASTANDO-O.

CARLOS ERGUE HERVÊ que é amparado por KÁRIN que o envolve em prantos.

ENQUADRAMOS HERVÊ sua face sangra parte do nariz e parte dos lábios. Está
desfigurado e desfalecido devido os inúmeros golpes desferidos por Lucas.

EXT. EM FRENTE À BOATE FASHION – POUCO ANTES DAS QUATRO DA MANHÃ.

PLANO ABERTO

VEMOS GRANDE PARTE DA FRENTE DA BOATE

Já quase todos se foram. Poucos carros e motos estacionados, mesmo assim, alguns saindo.
VAMOS APROXIMANDO DE LUCAS debruçado sobre a moto tendo MAX de pé ao seu
lado.

LUCAS CHORA inconsolável.

MAX

66
Já é tarde, Lucas! Vamos pra minha casa. Amanhã você retorna
pra sua casa. É perigoso sair pilotando esta moto nas condições
que se encontra!

LUCAS
Eu vou embora, cara! Preciso de minha família... de meu irmão,
minha mãe! Eu não podia ter feito isto! Sou mesmo um
desastrado! Perdi tudo...

MAX
Também não é assim! No primeiro momento é natural que
todos defendam o agredido, depois analisando bem verão que
você errou, mas Hervê não foi assim tão inocente. Ele provocou
também!

LUCAS
Kárin não irá me perdoar. Tenho certeza! Ah! Cara! Eu perdi a
garota que mais adoro nesta vida! O que eu faço, Max!?

MAX
Hoje eu aconselho que vá para casa dormir! Amanhã será um
novo dia!

LUCAS ENXUGA A FACE com as próprias mãos. Olha para MAX:

LUCAS
Obrigado, cara! Você é um grande amigo... só os grandes
amigos compreende nossas grandes falhas!

MAX ACARICIA RAPIDAMENTE OS CABELOS DE LUCAS, num gesto de amizade.


Depois ameaça pegar o capacete preso na traseira da moto para entregar ao amigo.

LUCAS
Deixa! Preciso respirar mais livremente a brisa da noite. Quem
sabe ajuda a melhorar. Não se preocupe, eu vou devagar!
Valeu, velho!
(Despedindo-se do amigo batendo uma mão contra a outra)

MAX

67
Amanhã a gente se vê!

LUCAS LIGA O MOTOR DA MOTO saindo do pátio frontal da Boate e pegando a avenida.

EXT. AVENIDA – POUCO DEPOIS DAS QUATRO DA MANHÃ.

EM MOVIMENTO

LUCAS PERCORRENDO A AVENIDA de retorno a casa. Utiliza pouca velocidade,


dirigindo com prudência.

Nesta hora a rua é praticamente deserta.

UM CARRO ENTRA EM QUADRO.

ENQUADRAMOS HERVÊ NO VOLANTE.

Respira com dificuldade devido à tensão. Trás os olhos úmidos em lágrimas e ainda algumas
marcas da agressão sofrida há pouco. Limpa o nariz rapidamente com as costas da mão, atento
a LUCAS A SUA DIANTEIRA.

UMA SÉRIE DE CORTES RÁPIDOS paralelos entre A MOTO COM LUCAS e o CARRO
COM HERVÊ.

INT. CARRO DE HERVÊ

ENQUADRAMOS A MÃO DIREITA DE HERVÊ ABRINDO O GUARDA-LUVAS

Sem perder a atenção ao comando do carro, procura pelo revólver. Não encontra. Desespera-
se e começa a retirar todos os objetos de dentro, jogando-os pra fora. Certifica que a arma não
está.mais ali.

ENQUADRAMOS HERVÊ

HERVÊ
(sussurrando)

68
Não está aqui... não está aqui!

FLASH BACK

VEMOS A CENA EM QUE ESTEVÃO PEDE-LHE A CHAVE EMPRESTADA DO


CARRO PARA GUARDAR A CHAVE DE SUA MOTO.

VOLTA PARA:

AVENIDA

ENQUADRAMOS HERVÊ, NO CARRO.

HERVÊ
Estevão! Foi ele... desgraçado!

ENQUADRAMOS HERVÊ PISANDO FUNDO NO ACELERADOR.

CORTA PARA:

INT. CASA DE LUCAS – QUARTO DE LÚCIO – POUCO DEPOIS DAS QUATRO DA


MANHÃ.

ENQUADRAMOS A JANELA DO QUARTO

UM VENTO FORTE AÇOITA A CORTINA que vai de um lado ao outro.

ENQUADRAMOS LÚCIO que se ergue na cama.

ANEXA A:

INT. COPA

ENQUADRAMOS LÚCIO surgindo subitamente

69
LÚCIO
Já passa das quatro da manhã e Lucas ainda não chegou!

MARIANA
Mal consegui dormir. Fico tão preocupada quando vocês saem
e demoram pra chegar!

LÚCIO
(enigmático)
Estou com pressentimento que algo aconteceu a Lucas!

VOLTA PARA:

EM MOVIMENTO - AVENIDA

ÂNGULO FRONTAL

VEMOS o CARRO se aproximar da MOTO em velocidade.

LUCAS VOLTA-SE RAPIDAMENTE tentando entender a aproximação do veículo.

RUÍDOS DE PNEUS NO ASFALTO.

RUÍDO DE UMA BATIDA VIOLENTA.

ENQUADAMENTO DA MOTO RODOPIANDO PELO ASFALTO.

BREVE SILÊNCIO, SEGUIDO DO RUÍDO DO CARRO DE HERVÊ SAINDO EM


DISPARADA.

INSERT DE UM CARRO aproximando em velocidade.

ENQUADRAMOS LUCAS ERGUENDO-SE DO CHÃO com certa dificuldade, mas pondo-


se de pé. Sente fortes dores na cabeça.

70
ABRE-SE UM ÂNGULO DO PONTO DE VISTA DE QUEM ESTÁ ATRÁS DO CARRO
QUE PAROU PARA SOCORRER, ONDE VEMOS...o carro com as portas abertas.
MARCOS caminhando em direção a MOTO ao fundo. CLAUDIA um pouco mais atrás,
demonstrando um certo receio em aproximar-se do acidente e LUCAS no espaço entre a
MOTO e MARCOS que se aproxima.

LUCAS apalpa a nuca e parte da cabeça, meio estonteante, procura se refazer.

CLAUDIA
Será que ele se machucou muito?

LUCAS
Eu estou bem! Só um pouco tonto e minha cabeça dói demais!

POR SOBRE O OMBRO DE LUCAS

VEMOS MARCOS paralisar-se olhando para além do espaço em que se encontra LUCAS.
Sua expressão é de quem presencia um quadro profundamente deprimente e desagradável.

CLAUDIA AMEAÇA APROXIMAR MAIS

TOCA O CELULAR DE LUCAS

MARCOS
É melhor você não se aproximar!

LUCAS RETIRA O CELULAR DA CINTURA, LEVANDO-O AO OUVIDO.

LUCAS
Alô!... Alô!

CLAUDIA
O celular dele está chamando!

LUCAS esmurrando o celular.

71
LUCAS
Desgraçado! Não funciona!

CLÁUDIA APROXIMA.

MARCOS
Deixe que eu atendo!

LUCAS
Acho que estragou quando eu caí.

MARCOS CAMINHA EM DIREÇÃO DE LUCAS.

LUCAS
(Estendendo o celular para Marcos)
Por favor, vê se você consegue atender!

MARCOS PASSA POR LUCAS ignorando totalmente sua presença e corre em direção a:

OUTRO ÂNGULO

VEMOS o corpo de LUCAS distendido ao chão.

MARCOS pega o celular, mas já parou de chamar.

ENQUADRAMOS LUCAS_E com expressão totalmente transtornada.

LUCAS
O desgraçado do Hervê conseguiu me fechar... e acabei
atropelando este cara!

LUCAS ainda aturdido e sentindo dores. Dá alguns passos rumo a Marcos que está próximo
do corpo, vistoriando-o.

LUCAS
O cara! É melhor chamar ajuda.
(Olha para um lado e pro outro)

72
Também, uma hora desta nesta avenida deserta!

CLÁUDIA
Temos que chamar ajuda! Vou ligar para o corpo de bombeiros!

LUCAS
É isto mesmo, moça! Faz este favor pra mim...

MARCOS
(Erguendo-se de perto de Lucas)
Foi um grave acidente! Tem marcas de pneus no asfalto... Acho
que algum veiculo atropelou a moto e fugiu!...

LUCAS
O cara me fechou! Ele queria me matar... Eu acho que acabei
atropelando este outro cara aí!

MARCOS
...É melhor irmos embora ou vamos nos complicar também...
Uma hora dessas nesta avenida deserta vão achar que fomos
nós que o atropelamos.

LUCAS
Que cara babaca!

ENQUANTO ESTAMOS VENDO LUCAS CORRENDO EM DIREÇÃO AO CORPO


DISTENDIDO OUVIMOS CLÁUDIA:

CLAUDIA
Você ficou louco! Como podemos deixar o rapaz aqui sem
assistência! Não fomos nós e pronto...

ENQUADRAMOS LUCAS_E estarrecido diante seu próprio corpo.

PLANO MAIS ABERTO

MARCOS
Cláudia, é sério! Vamos embora! Não podemos fazer mais
nada. O cara morreu!

73
FADE OUT

EFEITO VIRTUAL

OUVIMOS RUÍDOS DE VENTOS CONTÍNUOS...

VEMOS ABRIR-SE NA TELA um foco de luz azul, transformando-se em um grande túnel.


Sentimos como navegando neste grande túnel e a medica que prosseguimos nele, VEMOS
surgir silhuetas de pessoas diversas sendo açoitadas pelo vento tendo suas vestes leves
esvoaçantes.

SUBITAMENTE VEMOS uma enorme porta em estilo colonial, semelhante às dos templos
medievais, fechar-se ocultando todo efeito de luz proveniente do túnel e desaparecendo
totalmente as silhuetas das pessoas.

OUVIMOS O RUÍDO FORTE DA PORTA QUE SE FECHOU.

ANEXA COM:

VEMOS LUCAS POR TRÁS de braços abertos agarrados a porta que se fechou. Sua
expressão é de alguém que lutou muito, mas não conseguiu abrir a porta a sua frente. A
Imagem que VEMOS de imediato mostra-nos esses segundos finais de sua desistência e os
gemidos roucos de seu pranto sofrível, deixando o corpo escorregar indo ao chão.

CORTA PARA:

SEQUENCIA LENTA

EM MOVIMENTO

VEMOS MARIANA DA POSIÇÃO EM PÉ ATÉ SE AJOELHAR diante de um pequeno


altar com uma imagem grande de JESUS de braços abertos.

LOCAL VIRTUAL

74
VEMOS LUCAS POR TRÁS num ambiente mais iluminado, em pé. Dá alguns passos para
frente, indeciso. QUANDO se volta para atender alguém que o chama.

VENTA MUITO.

LUCAS esfrega os olhos como tentando ver com mais nitidez.

VAMOS aproximando de LUCAS.

DO PONTO DE VISTA DE QUEM ESTÁ ATRÁS DE LUCAS vemos o espaço à sua frente
ocupado apenas por tênue luz azulada.

AOS POUCOS VEMOS formar a figura de um homem com vestes em cores claras e suaves
abrindo na face um breve sorriso e estendendo uma das mãos em direção a LUCAS.

PLANO ABERTO (APARIÇÃO DE ÉVERSON)

VEMOS LUCAS nitidamente e a figura do ESPIRITO (ÉVERSON) em grau menor de


nitidez.

AOS POUCOS VEMOS surgir mais alguns ESPÍRITOS na mesma condição de ÉVERSON,
mas deixando sempre este mais à frente no diálogo telepático com LUCAS.

LUCAS
(Fala como se respondesse ao ESPÍRITO)
Anh?... Está bem. Eu sei...
(Esfrega os lábios, impaciente, prestando mais atenção aos que julga mexer com sua
moto)
Deixa-me falar, por favor! Preciso impedir que roubem minha
moto...

ANEXA A:

LOCAL INDEFINIDO

ENQUADRAMOS O CORPO DE LUCAS SEM VIDA E ENSANGUENTADO.

75
DO PONTO DE VISTA DO CORPO vemos um plástico negro vir do alto, cobrindo-o,
causando subitamente o efeito de FADE OUT.

VOLTA PARA PLANO ABERTO (APARIÇÃO DE ÉVERSON):

LUCAS
(Sente como se alguém tocasse nele)
...Eles estão me pegando. Pra onde estarão me levando? Sim, é
meu corpo. Tenho que impedir...
(Dá alguns passos, indeciso. Depois se volta profundamente emocionado, limpando as
lágrimas que surgem em sua face)
... Devo estar sonhando! É isto mesmo! Deve ser algum
pesadelo. Agora mesmo eu acordo e pronto. Sou mesmo um
idiota, me impressionar com um sonho!
(Pequena pausa. Depois volta a fixar ÉVERSON a sua frente num foco de luz que se faz
mais intenso)
Não!
(Balançando a cabeça)
Eu não vou com vocês. Por que eu tenho que ir?... Tudo bem,
eu sei que estão apenas me convidando, mas não quero ir pra
lugar nenhum. Logo mais eu acordo e pronto!

VEMOS desaparecer um por um os ESPÍRITOS que acompanha ÉVERSON.

LUCAS
Eu já falei que não vou com você. Não quero ir para nenhum
hospital...
(Pára por alguns instantes como a ouvir o que Éverson lhe diz)
Estou bem. Aquele cara queria me matar, mas não conseguiu.
Agora quero voltar para minha casa. Avisem minha família.
Lúcio virá me buscar...

VEMOS ÉVERSON DESAPARECER GRADATIVAMENTE e com ele todo efeito de luz.

A ILUMINAÇÃO torna-se densa.

VEMOS O EFEITO DO PONTO DE VISTA DE QUEM GIRA EM TORNO DE LUCAS.

LUCAS leva as mãos à cabeça, sentindo fortes dores. Respira com dificuldade e parece suar
frio.

76
EFEITO DE VENTOS FORTES que lhe açoitam.

FUNDIR COM:

INT. IGREJA DE DECORAÇÃO CATÓLICA – CORREDOR CENTRAL

DO PONTO DE VISTA DE QUEM ESTÁ NO ALTAR

VEMOS MAIKON (Vestindo terno infantil em tom preto, trazendo pequeno arranjo de flores
brancas à mão) APROXIMAR-SE DO ALTAR VAGAROSAMENTE.

ANEXAR COM:

INT. IGREJA DE DECORAÇÃO CATÓLICA - BANCO DA IGREJA

VEMOS DE PERFIL MAX, KÁRIN, MARISA, CIBELE, ESTEVÃO, CARLOS, LUIS


FLÁVIO, ELISA, SILVIO e ÊMILY ajoelhando-se simultaneamente.

ANEXA A:

EXT. CEMITÉRIO

OUVIMOS SOM DE VENTOS açoitando frondosos pinheiros.

ENQUADRAMOS o extenso corredor que divide os túmulos e...

VEMOS várias folhas secas açoitadas pelo vento.

MESCLAR COM:

PLANO EM MOVIMENTO

SEQÜÊNCIA LENTA

77
ACOMPANHAMOS LUCAS correndo pelo corredor que separa os túmulos.

SIMULTÂNEO A:

EXT. CEMITÉRIO – CORREDOR DE ACESSO CENTRAL.

VEMOS o carregamento fúnebre.

Carregando o caixão está MAX e LUIS FLÁVIO segurando as alças dianteiras e ESTEVÃO e
WAGNER as traseiras. Ao lado MARIANA sendo amparada por LÚCIO, tendo SAMUEL
um pouco mais atrás, de fisionomia carregada. Outros amigos e conhecidos acompanham
também o féretro.

CORTAR PARA:

EXT. CEMITÉRIO – PROXIMO A GAVETA DE SEPULTAMENTO

EM PLANO ABERTO vemos familiares e amigos comovidos enxugando discretas lágrimas.

ÂNGULO MAIS FECHADO

ENQUANTO DECORRER AS SEQÜÊNNCIAS DE Nº UM A Nº TRÊS OUVIMOS AS


PALAVRAS BÍBLICAS em Off, QUE DEVE TERMINAR EXATAMENTE COM A
FINALIZAÇÃO DA SEQUENCIA Nº TRÊS.

“O Senhor é meu pastor, nada me faltará. Deitar-me faz em


verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranqüilas.
Refrigera minha alma, guia-me pelas veredas da justiça, por
amor de teu nome. Que ainda que eu ande pelo vale da sombra
da morte, não temerei mal algum porque tu estás comigo. A tua
vara e teu cajado me consola. Preparas uma mesa perante mim
na presença de meus inimigos, unge a minha cabeça com óleo.
E o meu cálice transborda. E certamente que a bondade e a
misericórdia me seguirão por todos os meus dias e habitarei na
casa do Senhor por longos dias. ” (Salmo,23)

SEQÜÊNCIA UM:

78
VEMOS os auxiliares do féretro tampar o caixão permitindo-nos ver rapidamente o corpo de
LUCAS.

SEQÜÊNCIA DOIS:

VEMOS os auxiliares colocarem as correntes de sustentação às alças do caixão e ir puxando-o


para o interior da gaveta, descendo gradativamente.

SEQÜÊNCIA TRÊS:

DO PONTO DE VISTA DE QUEM ESTÁ DENTRO DA GAVETA VEMOS a lajota ir


cobrindo a abertura que comunica ao exterior e OUVIMOS o ruído forte da laje em atrito
com o concreto de borda, fechando totalmente.

ESCURIDÃO.

SETE DIAS DEPOIS.

INT. CASA DA FAMÍLIA DE LUCAS – SALA DE VISITAS – PELA MANHÃ

MARIANA sentada numa cadeira de balanço, envolta num xale branco balançando de um
lado ao outro e com o olhar perdido no horizonte, rasos em lágrimas. Numa mesinha paralela
a sua cadeira e ao alcance de suas mãos um porta-retratos com fotografia de LUCAS.

INT. CASA DA FAMÍLIA DE LUCAS – SALA PRINCIPAL – PELA MANHÃ

ÂNGULO DA PORTA DE ENTRADA E PARTE DA SALA.

ÂNGULO MAIS ABERTO

PASSEAMOS PELO AMBIENTE silencioso em tom profundamente triste.

ENQUANTO PASSEAMOS PELO AMBIENTE OUVIMOS MARIANA EM OFF:

MARIANA
(em off)

79
“.... Naquela manhã, ao receber a notícia da morte de meu filho,
pensei que não resistiria. Fora como se de repente tudo não
tivesse mais sentido. Perder um filho é para uma mãe uma
sensação que não se exprime por palavras... algo dentro de nós
morre também. Ah! Se os filhos soubessem quanto os
amamos... entenderiam também a nossa dor! ”.

INSERT de um quadro com LUCAS e LÚCIO sorridentes, dependurados na parede.

EFEITO SONORO E VISUAL

VEMOS LUCAS atravessar a porta principal sem abri-la.

Percebendo-se dentro de sua casa, um brilho de alegria irradia em sua face.

LUCAS
Mamãe! ... Mamãe!

EM MOVIMENTO caminha da sala principal para a sala de visitas.

Deparando com a mãe, suspira emocionado e feliz:

LUCAS
(Sussurra)
Mãe!...
(Pausa. Aproxima)
Ah, Mãe! Nem acredito que estou novamente em casa.
Estranho! Parece que alguém me trouxe até aqui... Por que
ninguém foi me socorrer lá no acidente? Nem mesmo Lúcio
apareceu por lá... Também! Aqueles idiotas ficaram gritando de
um lado pro outro e não me ouviam pedir para que avisassem
vocês! Mas agora estou bem, já passou o susto. Bem que o
Lúcio e a senhora me avisaram, que devia ser menos impulsivo.
Acabei cometendo besteira com Hervê e ele, com razão, tentou
tirar a forra!... Puxa vida, preciso avisar o Max que está tudo
bem comigo... e tentar falar com Kárin...

LUCAS Caminha de um lado ao outro. Suspira. Passa as mãos sobre os cabelos, depois se
volta para a mãe e percebe-a chorando. Emociona-se, entristecendo ainda mais.

LUCAS
(Agachando próximo à mãe)

80
... Mãe! A senhora está chorando! Não fique assim. Eu estou
bem. Machuquei-me um pouco, mas já estou melhor. Não é a
senhora mesma quem vive dizendo que vaso ruim não quebra?
(Levanta-se um tanto confuso)
Parece que não me ouve!

OUVIMOS a voz de DONA EULÁLIA vindo da sala principal.

DONA EULÁLIA
Dona Mariana!...

ENQUADRAMOS MARIANA na cadeira, que desencosta lentamente da cadeira, voltando o


olhar para a sala:

MARIANA
Dona Eulália! Entre, por favor!

DONA EULÁLIA, uma mulher de meia idade dedicada à igreja, trajando modestamente, com
um xale sobre os ombros, uma bíblia e um terço à mão.

VEMOS LUCAS ir em direção da mulher, mais animado.

LUCAS
Dona Eulália! Que bom que veio! Mamãe precisa muito da
senhora...

VEMOS LUCAS aproximar de DONA EULÁLIA desejoso em recepciona-la. Mas a mulher


não o percebe e passa por seu corpo como se nada existisse. Ele sente como que um vácuo e
uma sensação estranha. Intrigado observa a mulher que dirige à sua mãe indiferente a sua
presença.

DONA EULÁLIA
Desculpe-me ter entrado sem bater! Mas percebi que estava em
casa e a porta estava aberta...

MARIANA
Foi bom ter vindo visitar-me, dona Eulália. Ando mesmo muito
sozinha e desolada!

81
DONA EULÁLIA
(Sentando ao lado de Mariana)
Dona Mariana! Devia se conformar com a morte de seu filho.
Deus sabe o que faz e a morte é algo natural pra todos nós nesta
terra. Um dia seremos nós!

LUCAS
Ah, Meu Deus! Morto. Elas acreditam que estou morto!

MARIANA
Ah, Dona Eulália, uma mãe jamais se conforma com a morte de
um filho. Podemos até secar as lágrimas da face, mas as do
coração jamais!

DONA EULÁLIA
Ele deve estar num bom lugar. Era um rapaz exemplar: filho
dedicado e carinhoso.

VEMOS LUCAS caminhar um tanto desolado, sentando numa poltrona próxima.

MARIANA
Lucas andava com muitos problemas, principalmente no
relacionamento com Samuel, que não aceitava sua profissão.
Mesmo assim, nunca abriu mão de seus sonhos... Acreditava-
me infeliz e sempre sonhou fazer-me imensamente feliz sem
saber que eu já o era por tê-los ao meu lado...

DONA EULÁLIA
Quando amamos verdadeiramente, a morte é como um breve
adeus! Seu filho não morreu...

INSERIMOS LUCAS que volta a face lentamente em direção as duas mulheres, com olhar
pesaroso e triste.

DONA EULÁLIA
... foi para junto de Deus!

DONA MARIANA
Suas palavras me confortam bastante, minha amiga!

82
DONA EULÁLIA
Vai a missa de sétimo dia hoje?

DONA MARIANA
É hoje a missa? Tinha até me esquecido! Vou. Não posso
deixar de ir...

DONA EULÁLIA
Passo aqui às sete horas para acompanha-la!

DO PONTO DE VISTA DE MARIANA VEMOS Samuel aproximar sendo seguido por um


ESPÍRITO (ARMANDO) de aparência estranha vestido em trajes dos anos vinte a trinta do
século passado. (camisa, calça, suspensório e outros acessórios épicos se forem convenientes)

MARIANA
Samuel, que bom que você chegou! Dona Eulália veio nos
lembrar da missa de sétimo dia para a alma de Lucas. Ela e
Lúcio cuidaram de tudo, já que não tínhamos cabeça para isto!

SAMUEL
(Com ar sisudo)
Nós agradecemos a gentileza, dona Eulália, mas cá comigo,
acho tudo isto uma tolice. Morreu, morreu. Rezar pra que?!
Mesmo se fosse de graça, o pior é que a senhora deva ter
pagado a reza. Nós não temos como lhe devolver este dinheiro.

DONA EULÁLIA
O senhor não se preocupe com isto. Foi um prazer colaborar.

MARIANA
Nós iremos à missa hoje, não é Samuel?

ARMANDO APROXIMA falando próximo a SAMUEL.

ARMANDO
Ir à missa rezar por aquele ordinário? Que ele apodreça no
inferno!

SAMUEL

83
Não posso, Mariana. Tenho outro compromisso!

MARIANA
Mas Samuel, é nosso filho!

ARMANDO
Bastardo! Viveu a suas custas.

SAMUEL
Já assumi compromissos com alguns amigos.

MARIANA
Mas a missa é tão rápida!

ARMANDO
(Como a ensinar a forma que Samuel deve responder)
Não. Eu não vou a missa alguma!

SAMUEL
Não, Mariana! Não insista. Eu não vou a missa alguma. Lucas
está morto e missa alguma vai fazer com que levante do
túmulo. E além do mais, a gente pode rezar daqui de casa
mesmo...
(Fixa dona Eulália).

ARMANDO
Manda esta desocupada embora.

SAMUEL
Era só o que a senhora tinha para nos dizer, dona Eulália?

DONA EULÁLIA ergue-se da cadeira um tanto desajeitada.

LUCAS observa o diálogo, intrigado com a presença de Armando.

DONA EULÁLIA
Ah, Sim! Eu já estava mesmo de saída.

84
DONA EULÁLIA caminha alguns passos ficando entre SAMUEL e ARMANDO, este último
um pouco mais próximo. A mulher volta-se ainda para MARIANA, numa última despedida.

DONA EULÁLIA
Até logo, dona Mariana! Até logo Senhor Samuel!

MARIANA
Até logo, dona Mariana e obrigado pela gentileza!

DONA EULÁLIA ao passar por ARMANDO este faz um gesto com as mãos, expulsando a
mulher.

ARMANDO
Vamos, vamos! Saia daqui, macaca de Igreja!

LUCAS continua assistindo a tudo de um canto com expressão de espanto e perplexidade.

Enquanto prossegue o diálogo entre Mariana e Samuel, ARMANDO dirige-se para uma
poltrona almofadada da sala e coloca os pés sobre a mesinha de centro, numa expressão de
profunda ironia.

MARIANA
Não devia falar daquele jeito com dona Eulália, Samuel. Ela só
quis ajudar. É uma amiga prestativa....

SAMUEL
E desocupada. Se tivesse o que fazer em casa não sobrava
tempo para lidar com tolices de religião...
(Vai saindo quando percebe o retrato na mão de Mariana)
Não quero que fique a olhar retratos e lastimar-se. Esqueça!
Seu filho morreu, acabou. Vamos viver nossa vida. Quem sabe
agora com um pouco mais de sossego... Nos últimos tempos
aquele ordinário estava infernizando todos nós....

MARIANA
Não fale assim de meu filho, Samuel!

SAMUEL

85
Exatamente! “Seu filho”. Agora você disse certo. Ele nunca foi
meu filho, nem por consideração. Devia pelo menos me
respeitar como tio, o que nunca o fez.

MARIANA
Nunca lhe exigi que o amasse como filho...

SAMUEL
(exaltado)
E nem o faria, a ele não!

LUCAS APROXIMA impaciente.

LUCAS
Não grita com minha mãe, cafajeste!

MARIANA
Está bem, Samuel. Não vamos discutir por isto!

SAMUEL
Toda vez que começo a lhe dizer verdades sobre aquele
desocupado de seu filho, que o diabo o tenha, foge do assunto!
Vamos conversar, sim!

LUCAS
Deixa minha mãe em paz! Será que não vê que ela está
sofrendo?

SAMUEL
E não precisa fazer esta cara de sofredora que para mim isto
não passa de fingimento.

LUCAS
(Enfurecido)
Ah! Desgraçado, desgraçado, vou te encher a cara de porrada!

LUCAS esmurra o padrasto sem conseguir atingi-lo pois VEMOS seus braços vazarem o
corpo de SAMUEL que se mantém indiferente.

86
DE OUTRO ÂNGULO VEMOS ARMANDO assistindo a tudo com ironia e um sorriso nos
lábios.

LUCAS exausto e abatido, encosta num canto da sala, chorando.

SAMUEL
Se pelo menos Lucas tivesse puxado um pouquinho ao irmão,
teria uma morte mais decente. Você sabe o que os amigos dele
comentavam? Que era um boizinho metido a rico e valente,
conquistador e exibicionista. Adorava um racha com moto.
Teve o fim que procurou...

MARIANA
(Desconversa)
Samuel, o almoço já está pronto. Vamos almoçar!

SAMUEL
Como posso querer almoçar depois de tudo isto? Qualquer um
perde a fome.

VEMOS SAMUEL sair em direção a sala principal. MARIANA para a copa, enquanto

ENQUADRAMOS ARMANDO que se levanta da poltrona sorrindo satisfeito.

ARMANDO
Eu não perco minha fome por nada. Uma discussão desta chega
até me estimular o apetite!

ÂNGULO MAIS ABERTO

LUCAS olhando intrigado para ARMANDO. Depois APROXIMA com fúria, gritando aos
seus ouvidos.

LUCAS
(Confundindo Armando com um encarnado)
Quem é você, maldito, desocupado? Saia de minha casa!

ARMANDO volta-se com toda paciência do mundo sem perder a ironia.

87
ARMANDO
Não precisa gritar no meu ouvido que eu não sou surdo!

LUCAS fica surpreso e entreabre ligeiramente os lábios, admirado.

ARMANDO
Eles não podem lhe ouvir, mas eu posso e a bons sons. Portanto
fale comigo com suavidade e muita educação!

LUCAS
Então você pode me ouvir...

ÂNGULO MAIS ABERTO VEMOS todo o espaço e ARMANDO que se lança contra
LUCAS segurando-o pelo colarinho e empurrando-o com violência até bater-se contra a
parede da sala, aos gritos, furioso.

ARMANDO
Sim, seu vagabundo. Posso lhe ouvir e esmurrar sua cara.
Estamos na mesma condição: miseráveis e mortos. Entendeu?..

ARMANDO solta do colarinho de LUCAS e sai caminhando para o centro da sala.

ARMANDO
Eu achei bem feito o que aquele cara aprontou com você. Na
verdade eu queria que fosse diferente, que você buscasse a
morte com as próprias mãos ou fosse uma imprudência de sua
parte. Aí ninguém poderia lhe defender! Eu mesmo iria lhe
entregar nas mãos dos vampiros e rir de seus gritos suicidas.
Mas ainda vou me divertir muito com você...

LUCAS esfrega o próprio corpo sentindo profundo constrangimento e uma sensação enorme
de perda.

ARMANDO
Só quero ver como vai se sair quando começar a sentir os
reflexos da perda... da fome, da sede... dos desejos. Ah!
(Suspira profundamente)
Os desejos! Eles nos enlouquecem aqui deste lado...

88
LUCAS
Quem é você? O que faz em minha casa?

ARMANDO
Esta casa não é mais sua. Você a perdeu quando encheu de
porrada aquele cara. Quanto a mim sou uma espécie de “anjo da
guarda” de seu pai. Somos amigos há muito tempo... ele me
deve algumas contas e vou cobrando aos poucos; sem muita
pressa!

LUCAS
“Anjo da guarda”?!

ARMANDO
É isso aí! Mais tarde quem sabe você se torne também um
“anjo da guarda” de alguém pra saciar seus desejos. Seu pai e
eu temos os mesmos gostos: apreciamos um bom cigarrinho,
um bom uísque, uma boa cachaça e uma bela morena. Fazemos
como que uma : ele entra com os recursos de lá enquanto eu
intensifico o prazer do lado de cá, entendeu?!

CORTA PARA:

INT. CASA DE LUCAS – COPA

MARIANA E SAMUEL sentados à mesa, dando início ao almoço.

SAMUEL
Lúcio não virá para o almoço?!

MARIANA
Talvez chegue mais tarde. Avisou-me que iria passar na Igreja
para orar um pouco! Isto lhe fará bem, tenho certeza!

DO PONTO DE VISTA DE QUEM ENTRA NA COPA VINDO DA SALA PRINCIPAL

VEMOS POR TRÁS ARMANDO aproximando do local onde almoça o casal, LUCAS vem
logo atrás, mantendo uma certa distância. AO FUNDO VEMOS o casal à mesa e grande parte
da decoração da copa.

89
SAMUEL
Lúcio é muito esforçado. O que me preocupa é esse seu
desinteresse pelo futuro. Um homem tem que ter ambição,
querer vencer na vida, custe o que custar. Esta história de ficar
metido com igreja, da maneira com que faz, não rende dinheiro
pra ninguém. Nós estamos bem arrumados com esses filhos.
Um já foi “pros braços de Deus”, o outro quer ser empregado
d’Ele aqui na Terra. E olha que, até hoje, eu nunca vi comida
cair do céu no prato de ninguém.

ARMANDO APROXIMANDO às costas de SAMUEL atento ao que está servido à mesa.

ARMANDO
Hum!! Estou com uma fome...com muita fome. Quero carne,
muita carne e mal passada!

SAMUEL
Ah! Estou morrendo de fome....
(Servindo o bife da bandeja para seu prato)
... Você passou demais este bife. Sabe que gosto mal passado,
pingando sangue!

VEMOS MARIANA postar-se em oração. Em torno de seu corpo e mais acentuado na


cabeça, forma-se uma aura de luz de um azul claro bem suave.

IMEDIATAMENTE ARMANDO sente faltar-lhe ar. Leva a mão à garganta, como que
sufocado e impulsionado para longe da mesa.

ARMANDO
(Enfurecido.Falando a Samuel)
Fale para esta maldita parar com estas besteiras. Esmurre a
mesa, esmurre a mesa!

SAMUEL
(Esmurrando a mesa)
Mariana!...

MARIANA SOBRESSALTA-SE. DESAPARECE a aura luminosa em torno de seu corpo.


ARMANDO sente-se melhor.

90
SAMUEL
.. Já lhe falei para parar com estas besteiras. É reza para dormir,
reza para levantar, reza para comer. Se Deus tiver ouvindo tudo
que diz, já deve estar de saco cheio.

VEMOS ARMANDO aproximar-se de SAMUEL. Seu corpo perespiritual TORNA-SE de


aparência tênue a quase transparente, FUNDINDO PARCIALMENTE ao CORPO FISICO do
comparsa encarnado.

ENQUADRAMOS LUCAS que leva as mãos à cabeça, demonstrando extrema surpresa e


incapacidade diante de tudo que presencia.

SAMUEL começa a comer com vontade redobrada.

MARIANA
Vamos almoçar em paz, Samuel!

OUTRO ÂNGULO

VEMOS LÚCIO adentrando a copa.

LÚCIO
Oi, Pai! Oi, mãe!

ENQUADRAMOS SAMUEL que ergue a face, deixando um pouco o interesse pela comida,
olhando para o filho.

MARIANA
Oi, filho!

VEMOS ARMANDO AFASTAR-SE da conjuntura fisiológica de SAMUEL, como se fora


expulso, devido o magnetismo de amor que Lúcio desperta no pai.

SAMUEL
(com voz carinhosa para com o filho)
Ah, filho! Pensamos que não viria para o almoço por isso não o
esperamos!

91
ARMANDO demonstra profunda contrariedade com a entrada de LÚCIO e DESAPARECE.

LÚCIO beija o pai e a mãe com a mesma ternura de sempre. Trás o semblante um tanto
abatido e triste.

LÚCIO
Não faz mal, papai. Vou tomar um banho e almoço a seguir!

LÚCIO vai saindo da copa quando LUCAS aproxima dele.

LUCAS
(Tentando segurar o braço do irmão)
Lúcio... preciso de você, por favor, me ajude!

LÚCIO SENTE forte dor de cabeça e solta um gemido rápido, colocando uma das mãos à
cabeça, já que a outra segura sua valise.

MARIANA
(Erguendo-se ligeiramente da cadeira)
Você está bem, meu filho?

LÚCIO
Uma dor de cabeça e um mal de repente!... Mas já está
passando! Não se preocupe, não!

LÚCIO sai da copa. LUCAS o segue um tanto indeciso. MARIANA volta a sentar-se.

SAMUEL
(Resmunga)
Só me falta morrer este também!

CORTA PARA:

EXT. LOCAL INDETERMINADO – AVENIDA MOVIMENTADA – PRÓXIMO DAS


14:00H.

92
VEMOS A TELA ENCHER-SE COM o panorama de uma das avenidas principais da cidade
em movimento.

UM ÔNIBUS ENTRA EM QUADRO estacionando num ponto.

DE OUTRO ÂNGULO VEMOS SILMARA e MAIKON entrarem no ônibus, que sai em


movimento, logo a seguir.

CORTA PARA:

INT. CASA DE LUCAS – SALA DE VISITAS – POUCO DEPOIS DAS 14:00H.

PLANO ABERTO

SAMUEL sentando numa confortada poltrona, lendo o jornal.

ARMANDO sentado de forma escrachada com os pés sobre uma mesinha de canto,
OLHANDO para SAMUEL atentamente.

LUCAS sentado numa mesinha de canto, encostado à parede e com as pernas encolhidas. Seu
olhar é profundamente triste. Diante o silêncio que de repente se forma, começa a sussurrar:

LUCAS
Eles não me ouvem. Ninguém acredita que estou vivo. Meu
Deus, então morrer é isto?!...entregar-se ao desespero; entrar
num mundo ignorado por todos e sem sentido algum!?...

ARMANDO balança a cabeça e sorri ligeiramente.

LUCAS
...até mesmo Lúcio registra-me a presença com profundo
desagrado. Sou lhe causa de dores, angústia e abatimento...

ARMANDO ergue-se da poltrona, aproximando de SAMUEL.

ARMANDO
Eu quero fumar! Vamos! Eu quero fumar!

93
SAMUEL move de um lado para o outro na poltrona, remexendo as folhas, já um tanto
desconcentrado.

ARMANDO
Vamos, procure este cigarro... eu quero fumar!

SAMUEL localiza o cigarro no bolso do paletó, no outro bolso o isqueiro.

ENQUANTO SAMUEL acende o cigarro e começa a dar as primeiras tragadas...

ARMANDO um pouco afastado de SAMUEL começa a respirar profundamente e expressar


na face enorme prazer, respirando profundamente. OLHA atentamente para SAMUEL, depois
decide ir ao seu encontro, sentando-se ao seu lado.

VEMOS o corpo de ARMANDO de forma opaca, quase transparente, em fusão PARCIAL


com o CORPO de SAMUEL.

AMBOS passam a ter a mesma expressão de prazer diante o ato de fumar.

LUCAS levanta-se demonstrando enorme aversão a tudo que presencia.

LUCAS
(Sussurrando)
Isto é insuportável. Preciso sair daqui...

DO PONTO DE VISTA DE QUEM ESTÁ NA SALA PRINCIPAL

VEMOS LUCAS com passos rápidos vindo para a sala principal em direção a porta de saída.

DO ÂNGULO POR TRÁS DE LUCAS

VEMO-LO aproximar da porta.

94
ENQUADRAMOS SUA MÃO tentando abrir a maçaneta e a mesma VAZAR por entre a
matéria densa.

LUCAS
Eu não consigo!... não consigo abrir esta porta!

LUCAS pára de repente tomando outra decisão.

VAI EM DIREÇÃO A PORTA, tentando ultrapassa-la sem abrir.

VEMOS PARTE de seu corpo sumir por entre a matéria densa da porta e LOGO DEPOIS ser
IMPULSIONADO PARA TRÁS.

Enfraquecido e cambaleante caí levando as nádegas e as mãos ao chão.

CORTA PARA :

INT. CASA DE LUCAS – SALA DE VISITAS

ARMANDO anda de um lado ao outro próximo a SAMUEL.

INSERT DE LUCAS que surge de súbito na sala. Parece irritado e impaciente. Tenta dirigir a
palavra a Armando, mas este já está falando com SAMUEL novamente, fazendo com que
desista por enquanto.

ARMANDO
...Agora aquele uísque maravilhoso que você tem lá no
barzinho. Vamos lá, traga pra nós!

SAMUEL levanta-se. Coloca o jornal no armário ao lado, rumando para a sala principal,
percorrendo o pequeno Hall que divide o ambiente.

LUCAS
Por que eu consigo ultrapassar qualquer porta, menos a que dá
acesso ao exterior? Vamos, diga porque não consigo sair daqui
de casa pra ir aonde eu quero?

95
ARMANDO
Talvez você ainda não tenha autorização! Fique feliz por isso
porque... Só os que merecem são controlados!

LUCAS
Controlado por quem? Eu quero sair, ver meus amigos, falar
com as pessoas...

ARMANDO
Sair daquela porta pra fora pode ser muito perigoso...
(Com ares de mistério)
...Tudo depende do seu estado de espírito: se tiver tranqüilo e
sem dívidas verá o sol bonito e radiante, mas se tiver revoltado
e com pendências...
(sorri)
... Os caras te pegam!

LUCAS
Eu quero saber mais. Fale-me tudo que sabe!

ARMANDO
Eu não vou te falar porra nenhuma! Você está tirando minha
diversão. Agora eu quero saborear um bom uísque, isto sim!

LUCAS decide aproximar-se mais de ARMANDO para questiona-lo, quando o mesmo


DESAPARECE.

EM MOVIMENTO

VEMOS LUCAS correr fazendo o mesmo percurso da sala de visitas até a sala principal,
através do Hall que separa o ambiente, depois rumar para o espaço em que se localiza o
barzinho.

ENQUANTO LUCAS realiza esta SEQUENCIA EM MOVIMENTO OUVIMOS seus gritos:

LUCAS
Desgraçado, miserável! Como você faz isto? Onde você se
meteu... Vamos, apareça se for bem macho....

96
DE OUTRO ÂNGULO VEMOS SAMUEL sentado no banquinho, servir gelo e uísque em
dose dupla, QUANDO LUCAS SURGE no vão de acesso ao barzinho respirando com
dificuldade, cansado pelo esforço de correr até o local.

LUCAS OLHA para todos os lados a procura de ARMANDO, quando...

ARMANDO APARECE diante de seus olhos e com toda atenção voltada para SAMUEL.

ARMANDO
(Ignorando a presença de Lucas)
...Este uísque é especial. Mas eu quero aquele que estamos
guardando há quase um ano... de safra especialíssima!

LUCAS
Como consegue desaparecer, ir de um lugar pro outro?

ARMANDO
(Pára de repente, volta-se par a Lucas, irritado)
Deseje! Tudo na vida parte do desejo...Deseje e as coisas
acontecem! Tudo se resume em pensar e desejar...

VEMOS AO FUNDO SAMUEL após beber algumas doses de uísque deixar o copo sobre o
balcão, lutando consigo mesmo contra o impulso de beber, sussurrando:

SAMUEL
Não posso beber muito. Tenho que trabalhar. Não devo chegar
no escritório cheirando à bebida....

ARMANDO volta a atenção novamente para SAMUEL.

ARMANDO
Por que pensar em trabalho o tempo todo? Daqui a alguns
instantes poderá estar morto. O que importa é viver cada
momento com muito prazer. Além do mais, ninguém vai te
chamar de alcoólatra porque bebe socialmente .

SAMUEL
Lucas vivia me chamando de bêbado, de fracassado e vencido!

97
ARMANDO
Lucas nunca lhe amou, nem mesmo consideração de tio nutriu
por você. Puxou o sangue ruim de Antônio, seu irmão! Lembra
de Antônio?! de mim?!
(Sorri)
Você jamais se esquecerá de nós. Eu farei com que lembre
todos os dias e que esta lembrança transforme sua vida num
inferno!... Sem falar que, tudo que possui não lhe pertence...
não foi ganho licitamente... você é um fracassado... resta-lhe
beber para esquecer o desastre que virou sua vida... Nem
mesmo a família que tem lhe pertence... todos saberão da
verdade algum dia...

SAMUEL toma mais uma dose depois, como se estivesse fatigado, afrouxa a camisa, encolhe
a manga e enxuga o suor da face, com um lenço, voltando a sentar-se. Mantém a respiração
opressa bebendo várias doses consecutivas, esfregando os lábios.

LUCAS olha para ARMANDO com curiosidade e surpresa.

LUCAS
Quem é você? Por que vive a atormentar minha família?

ARMANDO
Porque tenho direitos! Seu padrasto e eu somos velhos
companheiros desde quando eu estava do lado de lá. Agora nos
afinamos ainda mais. Posso dizer que sente até mesmo feliz
com minha presença!

LUCAS
Então é você quem o faz beber, agredir a todos nós?

ARMANDO
Eu faço isto porque ele não apresenta nenhuma resistência. É
um sem vergonha viciado, desonesto e imoral. Somos iguais,
entendeu?. Vou empurrando-o para baixo até me pagar tudo
que me deve...
(Pára fixando a frente, como a recordar o passado)
Pensou que se livraria de mim com facilidade....

LUCAS
O que aconteceu para se criar este terrível ódio? Quem é você
para....?

98
ARMANDO
Não lhe interessa nosso passado. Basta saber que estamos
mortos. Temos motivos para odiá-lo. Por que não se junta a
mim e vamos acabar com ele de uma vez por todas. Sim,
lembra do inferno que ele transformou sua vida e ainda
transforma a de sua mãe e seu irmão?! Vamos fazê-lo sentir o
peso de nossa vingança...

LUCAS
Não, isto não! Não posso perseguir alguém que de certa forma
sou devedor, que a sua maneira me deu proteção e carinho...
Mamãe estava certa! Agora parece que sinto uma certa ternura,
uma tristeza... é como se sentisse uma profunda piedade por
ele... Não acho justo que o persiga! Não devia fazer isto. Como
pode agir assim com alguém que não pode lhe ver e se
defender?!

ARMANDO
E o inferno em que ele transformou sua juventude; as noites que
passou dormindo em casa alheia, bem como as incontáveis
surras que levou? Será que já esqueceu tudo isto? A morte lhe
fez esquecer tudo ou está pretendendo virar santo?! Se
merecesse, certamente não estaria aqui, perdido tanto quanto
eu! Juntaria-se aos de branco. No fundo sei que está preso ao
corpinho que tanto endeusou e às mordomias que não deseja
perder....

INSERT RÁPIDO DE SAMUEL que fuma outro cigarro e parece pensar longe. Bebe ora
outra pequena dose de bebida, agora dando mais atenção ao cigarro.

LUCAS
Não pode ser! Meu Deus, eu vou enlouquecer...
(Começa tossir e tremer)

ARMANDO
Não seja tolo, sofrendo à-toa. Podemos nos vingar e nos divertir
ao mesmo tempo! Somos fantasmas esquecidos pelo mundo e
pelos anjos...

OUVIMOS A CAMPAINHA da sala principal acionar.

ARMANDO aproxima de SAMUEL.

99
ARMANDO
Pra acompanhar um trago deste só mesmo a Ritinha do lado me
fazendo um carinho. Ah! Aqueles lábios, aquele corpinho
maravilhoso...toda se oferecendo pra nós!

SAMUEL sorri consigo mesmo. Depois se levanta do banquinho, saindo em direção à sala
principal.

LUCAS senta-se num dos banquinhos do barzinho, desanimado. ARMANDO fixa-o num
sorriso ainda mais irônico:

ARMANDO
Agora eu quero sexo... transa de primeira qualidade que só a
Ritinha sabe fazer!

CORTA PARA:

INT. CASA DE LUCAS – SALA DE PRINCIPAL

MARIANA abrindo a porta, recepcionando SILMARA e o garoto MAIKON que sorri


satisfeito diante da avó.

MARIANA
Silmara! Minha filha! Que bom que você veio e trouxe também
meu pequeno Maikon...

SILMARA
(Cumprimentando a mulher com beijos na face)
Maikon estava pra me deixar louca querendo vir aqui!

MAIKON
Estava com saudades, vovó!

MARIANA
Ah! Meu filho, a vovó também! Sinto tanto sua falta...
(beijando o garoto na face)

100
INSERT DE SAMUEL já na sala olhando em direção dos visitantes com fisionomia um
pouco mais feliz.

SAMUEL
Maikon! Pensei que tinha esquecido o vovô!

SILMARA
Maikon, vá abraçar seu avô!

VEMOS MAIKON sair em disparada ao encalço do avô.

ENQUADRAMOS SILMARA E MARIANA.

SILMARA
(após breve suspiro referenciando a morte de Lucas)
E aí, como vocês estão!

MARIANA
Ah! Minha filha! Faz quase dois meses que Lucas morreu e
para nós é como se fosse ontem.

SILMARA
E Lúcio? Está melhor?

MARIANA
Estou preocupada com Lúcio! Quase não vai a universidade.
Vive triste e abatido. Já não sei o que fazer para reanima-lo!

INSERT DE SAMUEL que se aproxima tendo MAIKON agarrado à sua perna.

MARIANA
Vai sair, Samuel?

SAMUEL
Tenho umas petições pra despachar no escritório, mas volto
logo! A tempo de ficar um pouco mais com você!
(falando a Maikon).

101
MAIKON
Ah, Vovô! Eu queria que você brincasse comigo!

TODOS SORRIEM divertidos com a solicitação ingênua do garoto.

CORTA PARA:

INT. CASA DE LUCAS – QUARTO DE LUCAS

LÚCIO, no quarto do irmão, recorda. Suave canção vem do aparelho de som ligado.

Acaricia o travesseiro. Toma de um porta-retrato pequeno à cabeceira onde se vê a fotografia


dele e do irmão. Acaricia a face de Lucas na fotografia.

ÂNGULO MAIS ABERTO

INSERT DE LUCAS sentado numa poltrona confortável que faz parte do mobiliário do
quarto. Fixa o irmão com ternura ao mesmo tempo em que expressa muita tristeza no olhar.

LÚCIO LEVANTA-SE da cama. Vai até o armário, abre-o e pega o paletó que LUCAS
ganhou de CIBELE. Ao toque do objeto, emociona-se indo às lágrimas. Abraça o paletó como
se o fizesse ao próprio irmão. OUVIMOS seu pranto de dor e saudade.

ENQUADRAMOS LUCAS com duas lágrimas a rolarem de sua face.

BATIDAS SUAVES NA PORTA.

LÚCIO devolve rapidamente o paletó no armário, limpando as lágrimas.

LÚCIO
Entre!

SILMARA APARECE NA PORTA que se abre.

LÚCIO
Silmara! Que surpresa! Entre!

102
SILMARA adentra ao quarto. Esfrega os braços ligeiramente, percebendo o estado emocional
de LUCAS. Com passos lentos, senta ao lado do rapaz à cama.

LÚCIO
Trouxe Maikon?

SILMARA
Sim!

LÚCIO
Que bom! Ele alegrará um pouco mais meus pais... mamãe
principalmente não consegue esquecer...

PAUSA DE SILÊNCIO.

SILMARA
E você?

LÚCIO
(com voz embargada por entre as lágrimas que esforça-se para reter )
Tenho muitas saudades de meu irmão!

LUCAS levanta-se da poltrona, emocionado sai do quarto, SUMINDO por entre a porta
fechada.

SILMARA
É melhor que nos esforcemos por aceitar a morte de Lucas. Ele
deve estar bem em alguma parte do mundo espiritual. Nós, por
nossa vez, devemos dar-lhe tranqüilidade com nossas orações e
aceitação dos desígnios de Deus!

LÚCIO
Por que devo esquecer meu irmão? Se acredita mesmo na vida
além da morte, por que aconselha-me a esquecer!?

SILMARA
Não lhe aconselho esquecer a quem ama, mas que esforce por
aceitar esta separação momentânea! Também sinto saudades!

103
Além do mais, sua família precisa agora muita mais de você e,
pelo que sua mãe me disse, anda pouco interessado pelos
estudos, mergulhado neste quarto o tempo todo. Devia cuidar
melhor de sua saúde!

LÚCIO volta-se lentamente para SILMARA se esforçando por sorrir.

LÚCIO
Obrigado!

SILMARA abraça-o com carinho.

EXT. VILA DONA NOÊMIA (CORTIÇO)– À TARDE

PLANO ABERTO

NO MURO LATERAL uma placa, enferrujada com os dizeres: “VILA DONA NOÊMIA”.

TEMOS A VISÃO AMPLA do corredor que divide as pequenas casas. Porta com porta, cada
uma contendo o número de identificação. Vasos de plantas, vassouras, rodos, panos de
limpeza e latas de lixos esparramadas, demonstrando a realidade das pessoas que vivem
naqueles verdadeiros “muquifos”.

VEMOS ALGUNS HOMENS E MULHERES em condições lastimáveis de miserabilidade


sentados, escorados ou deitados junto a algumas portas ou abaixo das janelas. Alguns com
sacos sujos a guardar alguns pertences, rente ao próprio corpo. Um homem com uma garrafa
de bebida barata na mão e ora por outra leva a boca, sorvendo um líquido escuro e viscoso.

Pode ocorrer alguma aproximação detalhada nas pessoas, demostrando mais de perto as suas
situações miseráveis, podendo ser uma ou outra aproximação especificamente em alguma
parte do corpo, como os olhos vermelhos, a boca suja com dentes disformes, a garganta suja
engolindo saliva, etc. Observando também que algumas aproximações das pessoas ou objetos
podem ser gradativas.

OUTRO ÂNGULO INSERT de MARIA escorada na porta do último muquifo. Come um


pedaço de pão seco com olhar perdido em direção a entrada de acesso à pequena vila.

104
OUVIMOS gritos de um homem e uma mulher, discutindo, provindos do TERCEIRO
muquifo:

MULHER
“Você é um vagabundo, sim! Vagabundo e corno! Agora quer
dar uma de bom por cima de mim?!”.

HOMEM
“Você que é uma vagabunda! Se fosse direita não ficava se
oferecendo pros meus amigos!”

MULHER
“Vai embora daqui e não volte mais! Ladrão de meia tigela.
Vou te dedurar pros homens!”.

RUIDOS DE OBJETOS CAINDO.

MULHER
Ah!
(geme de dor)
Você me machucou...Você me machucou!

OUVIMOS O BARULHO DE UMA GARRAFA QUEBRANDO.

MULHER
Vai embora, suma da minha vida! Olha, a porta da rua é a
serventia da casa...

A PORTA do TERCEIRO muquifo a direita ABRE-SE de súbito. Um ESPÍRITO


(ESPÍRITO_A) saí de seu interior, ESTACANDO-SE pouco a frente em gargalhadas e
zombarias. EM SEGUIDA, SAÍ O HOMEM que bate com violência, fechando novamente a
porta, atrás de si.

ENQUANTO O HOMEM SE DISTANCIA O ESPÍRITO_A fica fazendo gestos obscenos,


pegando nos órgãos sexuais e exibindo os músculos dos braços, como expressão de
masculinidade.

OUTRO ÂNGULO

105
SAMUEL surge na entrada do cortiço, sendo acompanhado por ARMANDO.

ENQUADRAMOS novamente A PORTA do TERCEIRO muquifo, mostrando a face da


MULHER despenteada e de aspecto repugnante, gritando para o amante que já está à
distância:

MULHER
Corno sim! E além de corno, viado! Eu soube que você andou
de trela com o Marcão. E agora vem dando uma de macho pra
cima de mim...

HOMEM
(Passando por Samuel e Armando)
Vagabunda!

A MULHER fecha a porta batendo-a violentamente.

O ESPÍRITO_A passa a chutar os demais que estão caídos, deitados ou escorados às portas.

SAMUEL bate na porta de número quatro à esquerda. ARMANDO às suas costas, parece
ansioso. Olha com insistência para MARIA que continua comendo seu pão na porta do último
muquifo, agora voltando mais atenção à presença de SAMUEL.

ESPÍRITO_A
Vamos, seus vagabundos! Sumam daqui porque aqui quem
manda sou eu! Dê o fora...

VEMOS os HOMENS e MULHERES que encontravam desolados às portas dos muquifos


levantarem temerosos pela agressão do ESPIRITO_A. Uma mulher de olhos triste fixa-o sem
conter as lágrimas dos olhos.

DO PONTO DE VISTA DO ESPÍRITO_A VEMOS os HOMENS E MULHERES


caminhando pelo corredor rumo a saída que liga a rua pública. E, à medida que aproximam da
saída, seus corpos vão tornando de aparência tênue a quase transparentes até
DESAPARECEM completamente.

ESPÍRITO_A aproxima da porta do SEGUNDO muquifo, ULTRAPASSANDO-A.

106
ENQUADRAMOS A PORTA DO QUARTO muquifo que se abre surgindo MARIA RITA.
Ao deparar com SAMUEL, sorri com ares de felicidade.

MARIA RITA
Hum! Novidade! Que deu em você pra vir aqui uma hora
dessa?

SAMUEL
Não gostou?

RITA faz expressão de quem está pensando na melhor resposta, enquanto isto...

OUVIMOS GRITOS DE UMA MULHER NO SEGUNDO MUQUIFO.

MULHER_2
“Se você pensa que vou tolerar desaforos de macho, está muito
enganado! Vou fazer que nem a Graça que chutou aquele corno
de casa...”

HOMEM_2
“Eu sou corno igual a ele e você vagabunda igual a ela...”

SAMUEL
A vila está meio agitada hoje, hem?...

A MULHER sorri debochada.

CORTA PARA:

INT. ÚLTIMA CASA DA VILA.

MARIA fechando a porta, entrando para o interior.

O ambiente é tudo muito pobre. Vemos móveis de cozinha misturados com de quarto. Num
completo amontoado.

107
MATILDE uma mulher de idade avançada com expressões de abatimento e saúde decadente
encontra-se sentada numa cama, tendo ao lado uma pequena mesa de madeira, sobre ela um
copo com água que bebe de uma moringa de aparência pouco higiênica.

MARIA
Samuel ta de novo, na casa da Rita! Vive sustentando essa
vagabunda e quando você precisa de um favor sequer, diz que
está em má situação!

MATILDE
Não posso reclamar, Maria! Na verdade ele não tem
compromisso nenhum comigo. Armando era empregado do pai
dele... Isto já faz tanto tempo!

MARIA
Tem compromisso sim, Matilde. Vocês trabalharam para a
família dele e Armando era empregado na seda da fazenda; e
pelo que sei, ele e Armando eram companheiros de farra. Será
que ele não vê que você está se consumindo na miséria! Não
custa ajudar na sua velhice; pelo menos por consideração ao
passado...

CORTA PARA:

INT. CASA DE MARIA RITA – NO QUARTO

VEMOS SAMUEL enlaçar MARIA RITA beijando-lhe o pescoço e ombros. A mulher sorri,
divertida com a excitação do companheiro.

NUM MESMO ÂNGULO OS CORPOS se enlaçam um ao outro, RODIANDO de tal forma


que VEMOS SAMUEL e ao voltar novamente a face masculina do casal enlaçados VEMOS
ARMANDO mantendo as mesmas expressões de SAMUEL. DEIXAM-SE ROLAR SOBRE
A CAMA.

ANEXAR COM:

ESPAÇO EM BRANCO

SAMUEL PREENCHE o espaço com seu rosto erguendo-se da cama.

108
ÂNGULO MAIS ABERTO

MARIA RITA aproxima por trás de SAMUEL, na cama, abraçando-o.

MARIA RITA
Hum! Você parece a cada dia melhor...

INSERT DE ARMANDO suspendendo os suspensórios, olhando para os dois com certo nojo
e dirigindo para a porta de saída.

SAMUEL
Tenho que ir. Preciso voltar pro escritório pra fechar o
expediente...

CORTA PARA:

INT. ÚLTIMA CASA DA VILA

VEMOS ARMANDO escorado num armário apresentando certa apreensão diante o diálogo
das duas mulheres.

MARIA
Matilde, você vai sim! Ele tem que te ajudar! Além do mais
como pode adivinhar que não vai te ajudar?

MATILDE
Já estou velha, cansada e doente!

MARIA
Por isso mesmo que você deve ir pedir ajuda a ele. Daqui duas
semanas eu volto pra Salvador e você vai ficar aqui,
apodrecendo?

ARMANDO
(Aproximando da mulher)
Vai sim, mãe! Ele vai te ajudar! Pelo menos alguma coisa ele
vai te arrumar.

109
DIANTE o silêncio da mulher, MARIA volta a insistir.

MARIA
Ele vem aqui na vila quase sempre. Sabe que você mora aqui,
no entanto faz de besta ou simplesmente lhe ignora. Você não
vai pedir esmola, vai pedir uma ajuda imediata e depois, que ele
facilite a documentação pra te aposentar... Advogado do tipo
dele vive fazendo esquema... Não custa fazer mais um!

ENQUADRAMOS ARMANDO

ARMANDO
Ele vai te ajudar! Eu tenho certeza que ele vai te ajudar!

CORTA PARA:

EXT. CORREDOR DA VILA DONA NOÊMIA

VEMOS o ESPÍRITO_A caminhando com um certo gingado malandro pelo corredor. De


repente pára diante a PORTA DE NÚMERO CINCO, sorri ligeiramente e caminha para
ultrapassá-la.

VEMOS a porta refletir uma luz azulada em toda sua extensão. ELE tenta entrar e é
impulsionado para trás, desequilibrando e caindo com as nádegas e as mãos ao chão.

APROXIMAÇÃO GRADATIVA da PORTA DE NÚMERO CINCO. A IMAGEM a nossa


frente torna-se rarefeita, como se penetrássemos em uma camada de nuvens. Ao
ultrapassarmos esta visão, apresenta-se diante nossos olhos o interior do muquifo de aparência
pobre, mas organizado e limpo.

UM RAPAZ jovem, vestindo roupas simples, mas bem passadas e limpas surge de repente,
com um CAPACETE numa mão e as chaves da MOTO na outra. Aproxima carinhosamente
da mãe e a beija ternamente.

ROGÉRIO
Fique com Deus, mamãe! Eu volto logo. Seu remédio está
encima da mesa... E beba direitinho senão vou te dar umas
palmadas!

110
MÃE
Rogério, meu filho! Você se preocupa tanto comigo...

ROGÉRIO
(Num sorriso)
Só tenho uma mãe! Não tem como não me preocupar com ela...
Olha, hoje vou trabalhar até tarde, mas ligo do serviço pra saber
se está tudo bem! Mais um beijo!
(beijando novamente a mãe)

MÃE
Que Deus te abençoe, meu filho e te dê um bom trabalho!...

EXT. CORREDOR DA VILA NOÊMIA

VEMOS ROGÉRIO sair ao corredor, trazendo o capacete e fechando a porta às suas costas.
Dirigindo a seguir para a saída que dá acesso à rua pública.

O ESPIRITO_A, enfurecido, CHUTA um Box de lixo...

EM PLANO ABERTO VEMOS todo o corredor sem nenhuma pessoa.

EM SEQUENCIA LENTA VEMOS o BOX de lixo escorregar corredor afora como se


alguém encarnado tivesse chutado-o.

UMA SEMANA DEPOIS

EXT. CASA DE LUCAS – JARDIM E GARAGEM – FINAL DE TARDE

PLANO ABERTO

VEMOS MAIKON brincando com LÚCIO pelo jardim, tendo SILMARA A aprecia-los,
divertida com as brincadeiras dos dois.

CORTA PARA:

111
NOVO ÂNGULO ABERTO NO CÉU com nuvens carregadas e acinzentado pela ausência do
sol que já se faz sentir.

ANEXAR COM:

VISÃO PANORÂMICA DO SOL se ponto por entre os edifícios da cidade.

CORTA PARA:

INT. CASA DE LUCAS - SALA PRINCIPAL – À NOITE

SAMUEL adentra a sala, nervoso e apresentando alteração na respiração; um certo cansaço,


fadiga e mal estar domina-o por completo. Logo atrás vemos ARMANDO seguindo-o, este
por sua vez trás a fisionomia transtornada em ódio e revolta.

ÂNGULO MAIS ABERTO INSERT DE MARIANA que ergue da poltrona, percebendo a


entrada do marido.

MARIANA
Samuel, por que demorou tanto? Esperávamos para o jantar!

SAMUEL
Sabe muito bem que não nos prendemos a essas formalidades
de jantarmos juntos. Podiam muito bem ter jantado.

ENQUADRAMOS LUCAS vindo do corredor que liga a sala aos quartos.

ARMANDO anda de um lado ao outro, impaciente.

ARMANDO
Desgraçado! Hei de liquidá-lo, infeliz!
(esfregando as mãos)

MARIANA
Você está passado bem, Samuel?!

ARMANDO

112
Ele não está em paz com sua consciência. Poderia ter ajudado a
minha desvalida mãe que se arrasta mendigando ajuda pela
terra, mas preferiu escorraçá-la porta fora! Miserável...

SAMUEL
Não sei. Um mal estar que não passa. Acho que estou sofrendo
do coração. Estou até suando frio...
(deixando-se cair numa poltrona confortável)

ARMANDO pressiona o pescoço de SAMUEL com as mãos, fazendo com que SAMUEL se
inquiete ainda mais, com dificuldade respiratória.

LUCAS
(um tanto exaltado)
O que você está fazendo?

MARIANA
(aproximando carinhosamente do marido e segurando-lhe o braço)
Acalma-se e afrouxe um pouco esta camisa. Vou lhe trazer a
medicação!
(Saindo em direção à copa)

ARMANDO
Ele há de me pagar tudo que tem feito. Não contente em me
roubar a vida, agora se nega em auxiliar minha pobre mãe na
mais profunda miséria. Ainda zomba de minha memória
considerando-me a conta de vagabundo e imprestável! Ah, ele
nem imagina que estou bem ao seu lado e vou fazer com que
jamais tenha paz... meu ódio envenenará seus dias, minuto a
minuto...

EM MOVIMENTO

SAMUEL da sala principal ao barzinho. Seguido por ARMANDO e LUCAS um pouco atrás.

SAMUEL serve uma dose numa taça, virando-se rapidamente como a temer a presença de
alguém. Fixa o espaço a sua frente de forma quase hipnótica.

SAMUEL
Deve ser a alma daquele desgraçado a infernizar-me. Só eu
falar no maldito e me surge esta batedeira no coração...

113
ARMANDO
Covarde! O sangue de um justo corre em suas mãos!

SAMUEL
Eu não matei ninguém...
(pausa)
Quanto àquele miserável, estava tão bêbado que escorregou do
barranco, não foi nem preciso empurrá-lo...

ARMANDO
Pensa que engana o mundo, mas não pode enganar a própria
consciência!

SAMUEL
...Era apenas um bêbado e que falta faz um bêbado ao mundo?
Nenhuma!

ARMANDO
E o que você é agora?! Um bêbado infeliz que uso para saciar
tudo aquilo que condenava em mim...

SAMUEL
Tenho que beber menos ou acabarei como aquele imprestável:
nas sarjetas!

ARMANDO
Parar?!
(sorri ligeiramente)
Nunca! Vai beber cada vez mais até perder tudo. Ninguém vai
querer saber de você!
(hipnoticamente)
Bebe mais um gole que este mal-estar passa!

SAMUEL
É, acho que um pouco mais de bebida vai me fazer bem!
(serve um pouco mais de bebida)

LUCAS
Como consegue conversar com ele? Ele parece que te ouve.
Como faz isto?!

114
ARMANDO
Quer aprender mesmo? Deseje dominá-lo, use todo seu ódio
contra ele!

LUCAS
Não, isto não! Eu não o odeio.

ARMANDO
Como não odeia? Não era você que vivia discutindo com ele
por que chegava bêbado em casa todo final de semana , fazendo
da vida de todos um inferno?

LUCAS
Sim, discutíamos, mas não o odiava. É meu pai e zela por nossa
casa!

ARMANDO
Ele nunca foi seu pai...

LUCAS
Mas assumiu a gente. Devo considerá-lo como pai...

ARMANDO
Vejo que perder o casco de carne lhe alterou também os
sentimentos. Quando estava com eles considerava este
desgraçado um vagabundo, agora mudou de idéia, a conta de
até defendê-lo...

LUCAS
De repente não acho legal o que está fazendo...

ARMANDO
Este cara me matou. Será pouco isto?

LUCAS
Eu também morri porque um imbecil achou de me eliminar.
Mas não estou a fim de ficar grudado nele. Quero mais e
resolver minha situação... saber pra onde vou, o que vai ser da
minha vida agora, já que na verdade eu não morri...

115
ARMANDO
Você sempre foi um maricas! Eu quero vingança...

SAMUEL ergue-se depois de ingerir mais uma dose. Faz expressão de repugnância à bebida
e coloca o copo o pequeno balcão, chamando a atenção de ARMANDO com esta sua atitude.

ARMANDO
Não vai parar agora. Vamos beber mais, mais e mais!

SAMUEL
Não, não, não...
(sussurra)
Eu não quero mais!

ARMANDO
Quer! Quer sim! Você está desejando... não pode parar de
beber, não pode!

SAMUEL apodera-se novamente do copo, jogando-o longe, revoltado. Saindo de retorno a


sala quando...

ARMANDO faz um ruído de fúria. Cerra os punhos e sai em direção a SAMUEL, jogando-se
sobre ele. O CORPO ETÉREO de ARMANDO funde-se totalmente com o CORPO FÍSICO
de SAMUEL. Logo depois OUVIMOS SAMUEL fazer o mesmo ruído de fúria que instantes
atrás ouvimos de ARMANDO. Contorce-se e cai ao chão num aparente ataque epiléptico.

LUCAS
Meu Deus, o que você fez?

MARIANA surge na sala com a medicação à mão. Ao ver o marido caído ao chão coloca os
remédios sobre a mesinha de centro e corre ao encalço do marido.

MARIANA
Samuel! Oh! Meu Deus... outra crise!

LUCAS
Acalme-se, mamãe! Ele está bem... ele está bem!

116
MARIANA
Lúcio, Lúcio!
(Chama em voz mais elevada)
Ajuda-me aqui. Seu pai desmaiou outra vez.

LUCAS
O que posso fazer pra ajudar?! O cara se agarrou a ele!
(andando de um lado ao outro)

ÂNGULO MAIS ABERTO

LÚCIO E SILMARA aproximam vindo do hall que liga a sala a área social e acesso a sacada.

LÚCIO
Outro desmaio?!
(aproxima para auxiliar a mãe)

LUCAS
Vamos, solta meu pai! Você está ficando louco...
(dirigindo-se ao espírito vinculado ao pai)

LÚCIO
Vamos tentar colocá-lo na cadeira!

SILMARA aproxima-se, demonstrando mais equilíbrio diante da situação.

SILMARA
É melhor deixa-lo aí mesmo ao chão. Procuremos apenas
coloca-lo retamente. Ele anda tendo essas crises com
freqüência, dona Mariana?

MARIANA
Ah, minha filha, Samuel agora anda tendo esses desmaios. Já
não sei o que fazer.

LÚCIO
Ele já está medicado, mas os remédios para epilepsia parecem
não surtir o efeito desejado...

117
LUCAS
(Aproximando de Silmara)
Precisamos ajuda-lo. É o cara que grudou nele!

LÚCIO
..Já cheguei a pensar em suspender essa medicação.

MARIANA
Não é melhor usarmos um pouco de álcool ?

LUCAS
Que álcool nada, precisamos é desgrudar este cara dele.

SILMARA
Fiquemos calmos, logo ele volta a consciência.

LÚCIO
O que acha que devemos fazer?

MARIANA
Sim, minha filha. Da última vez você nos auxiliou tanto com
suas preces!

SILMARA
(Depois de Mariana ter acomodado a cabeça de Samuel ao colo)...
Numa situação como esta nossas apreensões só tendem a
agravar ainda mais a situação. Confiemos na força da prece e
no auxílio de Deus!

SILMARA fica um pouco em silêncio. Fecha vagarosamente os olhos. Estende a mão sobre
Samuel.

LÚCIO afasta-se, um tanto descrente que o pai possa melhorar rapidamente.

LUCAS acaricia os cabelos várias vezes, demonstrando sua apreensão.

118
ENQUADRAMOS SILMARA que começa a ser envolvida por tênue luz azulada, como uma
aura que lhe cobre todo o corpo. Suas mãos estendidas irradiam uma luz prateada que vai em
direção a Samuel, envolvendo-o.

VEMOS a seguir o corpo de ARMANDO deslocar-se no ar, tomando forma acima do corpo
físico de SAMUEL . De súbito ser impulsionado, APARECENDO à distância, balançando-se
como se fosse empurrado.

SAMUEL
Mariana.... Mariana...!
(Sussurra, voltando a consciência)

DESAPARECE todo efeito de luz em SILMARA.

MARIANA
Estou aqui, Samuel! Você já está melhor...

LUCAS
(Falando a Armando)
Você vai acabar matando ele...

ARMANDO
Se não fosse essa maldita intervindo por ele, já teria conseguido
há muito tempo...

LÚCIO
Papai está melhorando! Está voltando a consciência!

LUCAS
Não vê que atormenta a todos nós com esta sua maldita
vingança. Por que não esquece e perdoa o que ele te fez?!

MARIANA
Graças a Deus, meu filho, graças a Deus!

ARMANDO
Perdoar?!....

119
SILMARA
Não disse que deveríamos confiar mais no auxílio do alto!

LÚCIO
Claro, claro que sim!
(um tanto desajeitado)

ARMANDO
Você vai ter motivo de sobra pra odiá-lo também depois que te
contar o resto da história...

SAMUEL
Que frio!
(encolhendo-se)

LUCAS
O que mais sabe sobre minha família....?

LÚCIO
Vamos levá-lo para o quarto...

LUCAS
Vamos, diga, seu imbecil!

LÚCIO
Você precisa descansar, papai...
(Enlaçando o pai e conduzindo-o para o quarto entrando pelo corredor sendo seguidos
por MARIANA E SILMARA)

ARMANDO começa a falar alto quase aos gritos e segue a família que percorre o corredor.

VEMOS O CORPO ESPIRITUAL DE ARMANDO ULTRAPASSAR os corpos dos


encarnados e seguir a frente. Em seguida LUCAS passar também pelos encarnados, voltada
totalmente sua atenção para ARMANDO.

ENQUANTO OCORRE a seqüência anterior, ARMANDO fala continuamente...

120
ARMANDO
...Vou falar sim! Não quero que defenda este ordinário. Eu vou destruí-lo com minha
vingança! Jamais terá paz... eu o atormentarei até o fim...

VENTOS FORTES VARREM MISTERIOSAMENTE O CORREDOR.

ARMANDO ao passar pela porta do quarto de MARIANA E SAMUEL solta um grito e


empurra a porta. VEMOS SUA MÃO sumir ligeiramente na matéria densa, depois voltar de
ímpeto e a porta ABRE-SE, batendo contra a parede.

ENQUANTO DECORRE O DIÁLOGO A SEGUIR ENTRE OS ENCARNADOS não


VEMOS NENHUM DOS ACONTECIMENTOS NA DIMENSÃO PARALELA.

LÚCIO
Estranho! A porta abriu sozinha!
(parando ligeiramente)

SAMUEL
Está ventando muito neste corredor, Mariana!

MARIANA
Acho que deixei a janela da sacada aberta! Por isso o vento
forte aqui. Mas já vou fechar. Agora entre em nosso quarto e
descanse!

ADENTRAM ao quarto, que já está com a porta aberta. Assim que entram, ouvimos o ruído
da porta sendo fechada por Mariana. Ficamos apenas com a visão do corredor onde...

SURGE O CORPO DE ARMANDO E DE LUCAS que vão tomando forma diante nossos
olhos. Tendo LUCAS AGARRADO ao colarinho de ARMANDO.

LUCAS
Vamos, seu imbecil! Eu quero saber tudo! Fala....

ARMANDO
(Arrancando as mãos de Lucas de seu colarinho)
...foi ele quem me empurrou daquele barranco, naquela maldita
pescaria. Primeiro me tratou feito um rei, me incentivou a beber

121
até não me agüentar nas próprias pernas, foi aí que aproveitou e
me empurrou para o rio...
(sorri sarcasticamente)
Pensou que se livraria de mim, o único que sabia a verdade...
(sorri como que ensandecido)
Quer que eu conte mais?! Eu vou contar... Seu pai Antônio,
era o herdeiro da metade dos bens deixado pelo falecido pai.
Samuel era o outro herdeiro, mas só poderia apossar dos bens
depois que chegasse a maior idade, e o que é pior, quando
demonstrasse responsabilidade, já que desde cedo sempre foi
um vagabundo. Se não endireitasse teria Antônio sempre na
direção de tudo
(sorri)
E como se não bastasse, seu pai gozava de uma felicidade
invejável: casou com uma mulher encantadora que lhe deu um
filho adorável; era tudo que pedira aos céus! O que ele não
sabia é que o próprio irmão lhe planejava o fim... seria o golpe
fatal e definitivo para que toda felicidade do irmão fosse
transferida inteiramente pra ele, exclusivamente pra ele, já que
nunca escondera a profunda admiração que sempre nutrira pela
cunhada...

LUCAS
Mentira!
(exaltado)
Está blefando pra me jogar contra ele...

ARMANDO
Foram cinco contos de réis, nota por nota, pra dar cabo da vida
do seu adorado pai... Eu... Eu matei seu pai a mando de seu tio
Samuel...

LUCAS paralisa de repente. Emociona-se profundamente.

DE OUTRO ÂNGULO

VEMOS ARMANDO ficar ao fundo do corredor e LUCAS caminhar lentamente onde com o
ENQUADRAMENTO, VEMO-LO vir em nossa direção. Sua expressão é de total abatimento
emocional. Caminha sem coordenar os próprios passos. Seus lábios tremem e de seus olhos
descem abundantes lágrimas.

LUCAS
(Aos sussurros)
Não é verdade... não é verdade!

122
SAÍ NA SALA PRINCIPAL e não sente forças para caminhar. Escora na parede.

INSERT DO QUADRO DE JESUS que serve de decoração para a sala, agora, um pouco
acima de sua cabeça.

LUCAS
Vivi minha infância mergulhada na mais profunda saudade de
meu pai... de seus carinhos, das brincadeiras que fazíamos, de
suas mãos fortes erguendo-me no ar... nada porém conseguiu
preencher o vazio que ele deixou... Cresci exigindo que mamãe
me falasse sempre dele... do muito que nos amava!
Assassinado, meu Deus! Morto...morto tanto quanto eu... Por
que não vem ao meu encontro?! Onde você estará que não vê o
quanto estou sofrendo?!
(em sussurros mergulhados em profundas lágrimas)
Eu quero meu pai... eu quero meu pai...! Pai!
(grita).

EM MOVIMENTO

LUCAS corre da parede onde está até a porta principal, ULTRAPASSANDO a matéria densa.

CORTA PARA:

VIRT. UMA ALA QUE DIVIDE TÚMULOS NUM CEMITÉRIO

POUCA VISIBILIDADE e todo o espaço parece preenchido por uma nevoa cinzenta
semelhante a fumaça densa.

VEMOS Lucas percorrendo uma Ala de Cemitério que divide os túmulos. Caminha sem
destino certo. Expressões de revolta e desespero.

VENTOS FORTES açoitam os pinheiros e as plantas em geral.

AS FOLHAS SECAS vão de um lado ao outro.

123
VÁRIOS ÂNGULOS surgem na tela. Em cada um deles VEMOS surgir HOMENS e
MULHERES, da dimensão próxima, que avançam em direção a LUCAS. Suas fisionomias
são desagradáveis. Alguns sujos e maltrapilhos, despenteados ou envoltos em um lodo
viscoso que lhes cobrem todo o corpo. Alguns sorriem de forma ensandecida, outros trazem a
face carrancuda envolta em profundo ódio.

ENQUADRAMOS LUCAS que começa andar de costas como a se proteger daqueles que se
aproximam.

LUCAS
Sumam daqui, seus demônios miseráveis!

DOIS VULTOS NEGROS em forma de homens avançam para LUCAS e agarram-no pelo
braço, puxando-no por entre a fumaça que se faz mais densa.

OUVIMOS OS GRITOS DE LUCAS.

LUCAS
Não!...Não... Larguem-me... miseráveis, desgraçados!

ANEXA A:

VIRT. LOCAL INDETERMINADO

MUITA névoa torna o local com menos visibilidade. Há uma visão esfumaçada de tudo e de
todos.

LUCAS neste ambiente recebe bofetadas, ponta pés e todo tipo de agressão física. Já não
ouvimos gritos, apenas gemidos a cada agressão. Suas roupas são rasgadas e divididas entre
os agressores.

ANEXA A:

UM CÉU NEGRO DE NUVENS CARREGADAS enche a tela. RELÂMPAGOS riscam o


céu e TROVÕES parecem ensurdecer-nos com seus RUIDOS estrondosos.

VEMOS INICIAR UMA CHUVA FINA que cai...

124
ANEXA COM:

VIRT. LOCAL INDETERMINADO

VEMOS um local lamacento e viscoso de pouca visibilidade. HOMENS e MULHERES


parecem rastejar por aquele lugar, alguns usando apenas roupas aos frangalhos, outros, apesar
da pouca nitidez, percebemos total nudez. (obs. Apesar da pouca nitidez da cena, não é
liberada para este roteiro qualquer cena de nudez frontal).

ENQUADRAMOS UM ÂNGULO onde podemos distinguir LUCAS na mesma situação.

A IMAGEM vai se aproximando de LUCAS que escora num objeto semelhante a um tronco
de árvore. Encolhe as pernas, puxando-as próximo ao queixo. Trêmulo e abatido, sente frio.

A CHUVA FINA cai lavando vagarosamente sua face.

LUCAS
Estou com fome... com sede!... há quanto tempo estarei neste
lugar?
(Sussurra, batendo o queixo e os dentes, trêmulo)

VENTOS FORTES cortam o espaço. A CHUVA desaparece.

CAMADAS DE FUMAÇA invadem o local. PERCEBEMOS LUCAS rastejar até outro


ponto, escorando no corpo de um HOMEM que parece em sono profundo.

LUCAS
Por quanto tempo ainda terei que vagar de um lado ao outro?!
Não sei quanto tempo estarei neste lugar horrível... sinto que
quanto mais me revolto mais distancio dos que amo... já não
consigo estar com minha família. Algo me prende neste lugar!
Estarei condenado a viver para sempre aqui?!... Preciso rezar...
mamãe sempre nos aconselhou rezar nos momentos de
dificuldade...

LUCAS vai se levantando enquanto ENQUADRAMO-LO DA CINTURA PARA CIMA.

LUCAS

125
Pai nosso que está no céu.... não me lembro...não consigo me
lembrar do resto...

VEMOS LUCAS caminhar por entre o espaço e ir sumindo por entre a fumaça densa que se
forma. E, à medida que caminha vemos suas roupas voltarem a cobrir-lhe o corpo.

AINDA OUVIMOS SUA VOZ....

LUCAS
...santificado seu nome... venha a mim o seu reino... seja feita
sua vontade sempre... o que será que vem depois?...

A FUMAÇA se extingue e VEMOS QUE LUCAS continua na mesma ALA que divide os
túmulos, no cemitério. Cansado de andar, senta a beira de um túmulo.

O VENTO bate-lhe à face. Profundamente triste, LUCAS se emociona novamente às


lágrimas.

LUCAS
Estou sozinho!... Não posso estar com os meus. Até mesmo
meu pai é indiferente a minha dor! Já que estamos todos
mortos, por que não vem ao meu encontro?... Nem mesmo
Lúcio consegue me ouvir. Ah! Que frio... tenho sede e fome ao
mesmo tempo. Tenho que resistir. Não vou ter o mesmo fim
que aquele miserável a infernizar minha família... Preciso pedir
ajuda a alguém. Quem? Quem poderá me ajudar....

ENQUADRAMOS A FACE DE LUCAS onde de repente brilha uma nova esperança.


Começa a sorrir de forma desajeitada...

FLASH BACK

Da cena do LIVRO caindo da mesa de ÊMILY, quando derrubado por LUCAS:

Aqui VEMOS o que não tivemos oportunidade na CENA ORIGINAL:

De um ÂNGULO LATERAL, próximo ao solo, VEMOS O LIVRO caindo. Quando ele


passa por nossa visão e segue mais abaixo, OUVIMOS O BARULHO da queda e ao mesmo

126
tempo CORTA PARA UM ÂNGULO SUPERIOR. VISUALIZAMOS o livro caído, de capa
aberta e voltado para cima, onde podemos ler seu TÍTULO nitidamente.

TODA SEQÜÊNCIA (LENTA) se passa em silêncio ou com uma música mística ao fundo.
O único ruído que OUVIMOS é o da queda do livro.

VOLTA PARA:

CEMITÉRIO

LUCAS
É isso! O livro... como pude me esquecer disso? Aquele livro
era da Êmily...

CORTA PARA:

INT. AGÊNCIA DE MODELOS – CORREDOR DOS FUNDOS – PELA MANHÃ.

PLANO ABERTO

VISÃO do corredor em sua rotina normal de pessoas indo de um lado ao outro.

LUCAS SURGE de repente no corredor da Agência, em espírito, percorrendo-o apressado.


Vara a porta do escritório de Kárin. Vento forte açoita os papéis na mesa. Kárin assusta-se
juntamente com Êmily que se volta para a porta de entrada...

DO PONTO DE VISTA DE ÊMILY

VEMOS Lucas ESCORADO NA PORTA de acesso com respiração sôfrega.

ENQUADRAMOS ÊMILY com expressão de espanto.

ENQUADRAMOS A PORTA DE ACESSO quando NÃO VEMOS mais ninguém.

ÂNGULO MAIS ABERTO

127
VEMOS A SILHUETA DE LUCAS (CORPO TRANSPARENTE – VULTO) indo em
direção de ÊMILY e desaparecer totalmente diante nossos olhos.

ÊMILY
Lucas!
(Sussurra)

KÁRIN
Você deixou o ar condicionado no máximo? Meus papéis estão
voando da mesa!... Diminui um pouco, por favor, Êmily! Estou
com frio...
(esfregando ligeiramente os braços)

ÊMILY não consegue mais se concentrar nos seus afazeres. Tateia a mesa a procura dos
óculos.

O TELEFONE toca.

KÁRIN tira do gancho e antes de atender...

KÁRIN
Êmily, o que foi com você? Está passando bem?... Agência
Status, bom dia, Kárin!...

ÊMILY ergue-se da cadeira após ter encontrado os óculos, apanha a bolsa.

KÁRIN
(Tampando o bocal do telefone com a mão)
Espere, quero falar com você!... Sim, Luis Flávio! Eu vou
encaminhar o relatório de despesas para a Cibele...
(Acena para Êmily aguardar)
... Eu não posso assegurar que ela vai aprovar, mas posso dar
meu parecer favorável. Se isso ajudar!...

ÊMILY
(Falando a Kárin em tom baixo para não atrapalha-la ao telefone)...
Preciso sair! Eu ligo pra você depois...

KÁRIN

128
O Luis Flávio, agora mesmo eu ligo aí pra você!
(Desliga o telefone)
O que aconteceu?
(Falando a Êmily já próxima a porta de saída).

ÊMILY
Um mal estar de repente. Acho que minha pressão não está
legal. Foi até bom acontecer isto. Lembrei que tenho consulta
as onze com o doutor Maurício. Aproveito e já faço uma
checagem...

KÁRIN
Tudo bem, mas me liga, viu!

ÊMILY
Tudo bem. Ligo sim!
(Saindo e fechando a porta)

CORTA PARA:

EXT. EM FRENTE À CASA DE SILMARA - DIA

ÊMILY estaciona o carro em frente à casa de Silmara. Uma casa simples, num bairro pobre.

Desce o veículo, fecha a porta e...

ÂNGULO LATERAL EM MOVIMENTO

ACOMPANHAMOS ÊMILY caminhando apressada da rua até a porta de acesso a casa,


guardando as chaves do carro na bolsa.

ACIONA A CAMPAINHA.

INT. CASA DE SILMARA – SALA

MAIKON surge correndo para atender a porta e ao abri-la, sorri para Êmily.

129
MAIKON
Tia Êmily!... mamãe, é a tia Êmily!
(Grita em direção ao interior da casa)

OUTRO ÂNGULO

VEMOS SILMARA aproximar-se.

SILMARA
Êmily! Que surpresa!

ANEXA COM:

INT. CASA DE SILMARA – COZINHA.

ÊMILY sentando-se numa cadeira em torno de uma mesa simples, mas tudo muito limpo e
ornado.Bebe a água que Silmara acaba de lhe servir.

ÊMILY
...Eu não entendi direito o que queria dizer... só me lembro que
dizia: “O livro, o livro!”. Fiquei tão abalada... tremia do pé a
cabeça e comecei a suar frio. Nem nas nossas reuniões eu nunca
vi espíritos e, de repente... no meu emprego!...Eu não tive
coragem de dizer a Kárin! Afinal eles eram namorados e agora,
depois de quase um ano de sua morte em que todos parecem ter
superado a sua falta ... Não seria eu a voltar com toda a
problemática...

SILMARA
Interessante! Por que ele te procurou e não a mim?

ÊMILY
Eu vou lá saber! Só sei que estou toda arrepiada! Até parece
que ele está aqui...

SILMARA
(Sentando e com ares preocupado)
Lucas sabia que sempre estudei sobre espiritualidade. Nunca
comentei nada mais profundo com ele porque sabia de sua total

130
aversão “a essas coisas”, como dizia. Se ele está procurando se
comunicar conosco, por que não me procurou?...

ÊMILY
Pelo que sei ele nunca soube que eu freqüento e estudo na
Associação . E tão pouco que somos amigas! Poucas vezes
estivemos em contato. Uma ou outra vez entrava no escritório
para tratar assuntos internos e, mesmo assim, só se dirigia a
mim quando Kárin não estava!...
(sorri numa pequena pausa)
... A última vez que o vi... foi muito engraçado... ele declarando
amor à Kárin...
(fica um pouco encabulada)
Desculpe estar te contando tudo isto...

SILMARA
Eu e Lucas éramos bons amigos! Nosso relacionamento
restringia-se apenas ao seu contato de pai com Maikon. Muito
pelo contrário, sempre orei para que se acertasse com uma
garota que verdadeiramente o amasse...

ÊMILY
(sorrindo consigo mesmo como a recordar vivamente da cena presenciada)
...Ele ficou tão feliz com que lhe disse Kárin que veio em minha
direção e me beijou várias vezes a face. E de tão atrapalhado
esbarrou em minha mesa derrubando tudo no chão...
(Pára de repente)

SILMARA
O que foi?

ÊMILY
O Livro... puxa vida! O livro... Agora eu me lembrei!

SILMARA
Que livro, Êmily?

ÊMILY
Ele esbarrou no meu livro que estava sobre a mesa e o derrubou
no chão... Aquele livro que você me emprestou: “Falando com
os Mortos”!... Como pude me esquecer disso? Agora faz
sentido... ele deve estar querendo se comunicar conosco e me
fez lembrar do livro...

131
SILMARA
É, faz sentido!

ÊMILY
Silmara, você autoriza minha participação na reunião de
comunicação? Eu sei que ainda não terminei os cursos
necessários para acessar a reunião prática, mas precisamos orar
juntas por Lucas! Ele deve estar precisando de ajuda...

SILMARA
Vou solicitar autorização junto à coordenação. Com certeza eles
não oporão empecilhos! Lúcio também ficará feliz com esta
notícia. Há meses passou a freqüentar assiduamente nossas
reuniões... sinto-o, de certa forma, ansioso por alguma notícia
do irmão... quem sabe não chegou o momento!?...

CORTA PARA:

EXT. EM FRENTE À CASA DE SILMARA - DIA

ENQUADRAMOS ÊMILY que caminha da porta de acesso a casa de Silmara até o seu
veículo estacionado.

Pára ao lado do carro e procura pelas chaves em sua bolsa...

UMA MOTO em movimento entra em QUADRO, aproximando...

ENQUADRAMOS ÊMILY que se volta de súbito, olhando em direção da MOTO...

A MOTO passa por ela seguindo em frente...

ÊMILY prossegue abrindo a porta do carro quando...

OUVIMOS o ruído de pneus no asfalto seguidos por barulho de batida violenta...

SEQUENCIA LENTA

132
ÊMILY volta-se em direção ao acidente e sua expressão é de profunda dor.

ABRE-SE O QUADRO

VEMOS um carro enviesado no asfalto, uma moto virada com os pneus para cima. Ao lado o
motoqueiro/ROGÉRIO caído, sem o capacete, este pouco à frente de corpo. Face
ensangüentada, sendo de sua boca o local onde o sangramento é mais abundante...

O ENQUADRAMENTO É DESVIADO para o asfalto que se segue e, à medida que vamos


percorrendo o asfalto que se abre na tela a nossa frente....

PERCEBEMOS MUDAR o horário para NOITE...

MESCLAR COM:

AVENIDA – LOCAL DO ACIDENTE DE LUCAS – MESMO ESPAÇO E TEMPO.

No asfalto que se abre a nossa frente surge os pés de LUCAS caminhando apressadamente.
ABRIR ÂNGULO DO PLANO e estamos novamente no instante do acidente de LUCAS.

VEMOS A IMAGEM GIRAR e PASSAR PARA o ÂNGULO onde vemos LUCAS PELAS
COSTAS e ao fundo o carro de MARCOS e CLÁUDIA afastando do local.

OUTRO ÂNGULO LUCAS surge a nossa frente paralisado no meio do asfalto, ao fundo todo
o cenário do trágico acidente. Seus lábios tremem e as lágrimas descem-lhe da face.

Com voz embargada, ouvimo-lo sussurrar:

LUCAS
Ajudem-me... Ajudem-me!

LUCAS volta-se vagarosamente para seu corpo distendido no asfalto. O espaço que os separa
deverá ser razoavelmente grande, pois, enquanto caminhar para o corpo de forma trôpega e
lenta...

133
OUVIMOS em OFF os estudos ou oração que antecede a parte prática da sessão na
Associação:
“Deus, nosso Pai, que sois todo Poder e Bondade, daí a força
àqueles que passam pela provação, daí a luz àquele que procura
a verdade, ponde no coração do homem a compaixão e a
caridade. Deus! Daí a ao viajor a estrela guia, ao aflito a
consolação, ao doente o repouso. Pai! Daí ao culpado ao
arrependimento, ao Espírito a verdade, à criança o guia, ao
órfão o pai.Senhor que vossa bondade se estenda sobre tudo que
criaste. Piedade, Senhor, para aqueles que vos não conhecem,
esperança para aqueles que sofrem...” – Prece de Cáritas.

LUCAS AJOELHA próximo ao seu corpo distendido ao chão e ouvimos agora um pranto alto
em forma de soluços.

ÂNGULO MAIS ABERTO

LUCAS
...Estou morto!... tudo se acabou para mim... não tenho mais
ninguém... ninguém se importa mais comigo...

INSERT DE UMA MÃO ESTENDIDA...

FECHAMOS O ENQUADRAMENTO NA MÃO DISTENDIDA no espaço vazio...

INSERT da mão de LUCAS que aproxima para segurar a mão que lhe está à frente. Antes de
se tocarem...

MESCLAR COM:

A SEQUENCIA DAS MÃOS tocando-se continua a mesma anterior. Muda-se apenas o local,
pois....

NO ÂNGULO MAIS ABERTO VEMOS que a mão que estava estendida é de um HOMEM
trajando roupas claras, estando recepcionando LUCAS que se aproxima da porta de entrada
da Associação. (A porta já está fechada, pois já começou a reunião de comunicação). O
HOMEM segura firme a mão de LUCAS que apresenta as mesmas expressões e emoções da
seqüência anterior e VEMO-LOS ATRAVESSAREM A PORTA FECHADA, ENTRANDO
NO SALÃO.

134
VIRT. – LADO INTERNO DO SALÃO – POUCA ILUMINAÇÃO.

ÂNGULO POR DE TRÁS DE LUCAS E O HOMEM_E, parados um pouco antes do meio


do salão, no corredor.

VEMOS um ambiente com cadeiras de um lado e de outro, um corredor ao centro. Ao fundo


uma mesa retangular com doze pessoas em volta, postadas em oração. Dentre elas
SILMARA, LÚCIO e ÊMILY. Do alto, sobre a cabeça de alguns, presenciamos descer uma
luz tênue azulada. Ouvimos uma música suave ao fundo. O ambiente é de profunda higiene
em todos os sentidos. Poucos objetos e nenhum quadro decoram as paredes, tudo muito
simples, mas de uma iluminação impressionante.

LUCAS
...Que lugar é este?...

HOMEM_E
Procure se acalmar! Estamos num pequeno hospital espiritual.
Em breve você será atendido!
(Fala em tom baixo e respeitoso)

DE OUTRO ÂNGULO VEMOS a silhueta de uma mulher se formar, a princípio de forma


tênue e transparente DEPOIS tomar forma por completo, onde distinguimos a figura altiva e
segura de uma MULHER_E que parece coordenar tudo. OLHA para HOMEM_E e acena
positivo para ele, num movimento de cabeça.

VEMOS O CORPO DO HOMEM_E irradiar uma luz em forma de aura, suas mãos
segurarem LUCAS pelo ombro e seus corpos erguerem-se no espaço, DESLIZANDO e
percorrendo de onde estão até a cabeceira da mesa onde SILMARA está sentada.

HOMEM_E afasta-se um pouco e ao estender sua mão em direção a SILMARA VEMOS


LUCAS FUNDIR totalmente seu CORPO ETÉREO ao CORPO FISICO DA MOÇA em
oração.

SILMARA sentindo o choque fluídico da fusão, movimenta ligeiramente o ombro para frente
e inclina a cabeça de forma que não vemos sua face...

AO LEVANTAR A FACE já NÂO VEMOS SILMARA mas LUCAS...

LUCAS

135
...Preciso lhes falar... contar tudo como aconteceu, dizer que
não morri, que estou vivo... que preciso de ajuda!... foi naquele
acidente, quando me fecharam na avenida... foi horrível... de
repente tudo tinha se acabado. Para mim foi como se as portas
do mundo se fechassem. Ninguém respondia aos meus apelos
restando-me apenas o medo... busquei minha casa, mas lá senti
aumentar ainda mais a minha angústia... hoje vago de um lado
ao outro com as lembranças dos erros que cometi, da
indiferença que votei aos corações que me amavam em
silêncio; reconheço que tinha tudo e saí da vida miserável e
pedinte...Agora imploro ajuda...sinto mãos amigas me
auxiliarem, sem as compreender totalmente... só peço que não
me abandonem... que orem por mim... que não me esqueçam...
Perdoam-me os erros... perdoa-me... que Deus se compadeça de
mim...

VEMOS LUCAS projetar-se lentamente para fora da conjuntura fisiológica de SILMARA e


sua fisionomia tornar visível diante nossos olhos.

NO ÂNGULO OPOSTO em que vemos LUCAS APARECE a figura de ÉVERSON envolta


em uma luz muito bonita e num sorriso carinhoso e acolhedor.

ÂNGULO MAIS ABERTO

LUCAS aproxima de ÉVERSON que lhe estende a mão.

LUCAS
Você?!... Como pude recusar sua ajuda naquele dia?
(envergonhado)

ÉVERSON
Tudo na vida tem seu momento adequado... esperávamos você!
Venha...

LUCAS aproxima de ÉVERSON, mas algo lhe chama a atenção. Vira-se em direção a porta
de entrada da Associação, quando...

VEMOS UMA MACA EM VELOCIDADE empurrada por um enfermeiro ULTRAPASSAR


FLUIDICAMENTE A PORTA FECHADA DA ASSOCIAÇÃO.

136
NA MACA vem ROGÉRIO que sofrera o acidente presenciado por ÊMILY pela manhã,
envolto em lençóis muito limpos e branco...

ROGÉRIO se agita e grita, quase em desespero...

ROGÉRIO
Eu não quero morrer... eu não quero morrer! Por favor, não me
deixem morrer, me ajudem!

SURGE DIANTE DE NOSSOS OLHOS QUATRO ESPÍRITOS ENTRE HOMENS E


MULHERES QUE VÊM de onde está localizada a MESA para o fundo do salão onde acaba
de entrar a maca. Todos os espíritos usam roupas brancas ou de cores claras e suaves.
(obs. Esses quatro espíritos só aparecem na cena neste instante da seqüência).

ENFERMEIRO
Fique tranqüilo. Ninguém morre! Você já está no hospital...

ROGÉRIO
Ah! Doutor... que bom! Pensei que tinha morrido... todos
falavam que eu tinha morrido!

ENFERMEIRO
Se tivesse morrido não estaria conversando conosco!

ROGÉRIO
É verdade!

ENFERMEIRO
Mas agora se acalme, pois já vamos iniciar seu tratamento!

ÂNGULO MAIS ABERTO

A MULHER_E aproxima. O ENFERMEIRO adianta-se, deixando o rapaz aos cuidados dos


demais e presta esclarecimento à coordenadora:

ENFERMEIRO
Desencarnou hoje por volta das treze horas. Acidente de moto...

137
MULHER_E
Tem créditos?

ENFERMEIRO
Ampara a mãe com devoção e carinho! Foram suas preces que
acionaram a equipe de socorro!

MULHER_E
Vamos atendê-lo!

OUTRO ÂNGULO

Lucas volta-se para ÉVERSON.

LUCAS
Que lugar é este que agiu milagrosamente sobre mim? Sinto-me
totalmente refeito e meus pensamentos em completa harmonia.
Como explicar a paz que envolve meu coração neste instante?

ÉVERSON
Este é um pequeno laboratório onde o amor e a oração são os
medicamentos preciosos que alguns encarnados de boa vontade
distribuem aos que ainda sofrem além da vida frágil da matéria.
Vamos, meu amigo, que seu tratamento prossegue....

SIMULTÂNEIDADE

O ENFERMEIRO empurra a maca pelo corredor, rumo a mesa de concentração, sendo


seguido pelos demais auxiliares.

LUCAS e ÉVERSON caminham para a porta de saída, ultrapassam-na e adentram a um túnel


de luz , percorrendo-o até encontrar a mesma porta onde LUCAS estacionou quando em
desespero. Com uma das mãos, ÉVERSON empurra a porta que se abre mostrando uma luz
ainda mais intensa. AMBOS adentram a luz e desaparecem por entre ela.

VEMOS A PORTA fechar-se novamente.

FADE OUT

138
TRÊS ANOS DEPOS...

VIRT._EXT – AMBIENTE NA PROXIMA DIMENSÃO: JARDINS - DIA.

Extensos jardins desfilam diante nossos olhos e flores de variadas espécies e cores formam
uma visão quase inédita aos olhos do homem comum. ABRIR ÂNGULO AOS POUCOS
apreciamos mais detalhes dos jardins. Agora com árvores e pássaros que voam no espaço
infinito. Fontes com águas cristalinas, descendo do alto em cascatas de uma beleza
inigualável.

MESCLAR COM:

VIRT._INT – AMBIENTE NA PROXIMA DIMENSÃO: TEMPLO - DIA.

Abre-se diante nossos olhos, envolto em uma nuvem fina de fumaça branca, o interior de um
TEMPLO muito branco a transmitir paz em todos os ângulos que o focalizamos. Nem
quadros, nem imagens, nem mesa, apenas bancos ou cadeiras enfileiradas, voltadas para um
grande painel, semelhante à tela de cinema que, ora por vez, reflete uma paisagem que parece
surgir de um amontoado de nuvens e sumir lentamente, para novamente, alguns instantes
depois, surgir na tela usando o mesmo processo.

O PLANO VAI SE ABRINDO LENTAMENTE ocorrendo o INSERT de LUCAS sentado


numa das cadeiras em meditação, olhando as paisagens que se formam a sua frente.

LUCAS veste roupas de um tecido leve, e aparentemente macio; de um tom claro e suave aos
olhos. Trás os cabelos corretamente cortados e penteados.

DE OUTRO ÂNGULO ÉVERSON vem do fundo do templo em direção a LUCAS sentado


numa das primeiras cadeiras à frente. Aproxima em silencio para não perturbar a
concentração do amigo.

LUCAS volta o rosto lentamente, num sorriso discreto.

O TOM de voz que OS ESPÍRITOS SUPERIORES, inclusive LUCAS utilizam para se


comunicar entre si é de uma suavidade e educação incomum ao nosso relacionamento
humano.

LUCAS

139
Éverson! Que prazer tê-lo em nosso ambiente de meditação e
prece!

ÉVERSON
É sempre bom buscarmos educar nossos corações no lenitivo da
prece!

LUCAS ergue-se da cadeira, aproximando do amigo.

LUCAS
Tenho aprendido muito por este tempo que estou aqui!

ÉVERSON
Estamos felizes por seus esforços para se adaptar a nossa
colônia sendo útil. Sua cooperação por todo esse tempo aos
irmãos enfermos recém vindos da terra tem-lhe granjeado
muitas amizades e méritos!

LUCAS
Todos me tratam com tanto carinho, como se fôssemos velhos
conhecidos...

ÉVERSON
E na verdade o são! À medida que desenvolver sua capacidade
mental recordará com maior precisão das experiências
anteriores onde comungaram laços de simpatia por várias
encarnações na Terra. Estamos sempre cercados daqueles que
conosco se afinizam, bem como dos corações que amamos ou
que nos amam, a fim de nos encorajar a transformar as trevas
que construímos em bênçãos de redenção e de paz...

LUCAS
Sinto-me, de certa forma, inquieto diante essas novas verdades!

ÉVERSON
Compreendo!

LUCAS

140
Se cada existência na terra é uma oportunidade de construir
nosso futuro; que geralmente comungamos com afetos e
desafetos de vidas anteriores...
(pausa)
... Quem são aqueles que viveram comigo, que ligação tenho
com eles?!

ÉVERSON
(sorri com simplicidade)
... A cada etapa a sua necessidade! É importante que
valorizemos os problemas de agora! Amemos as pessoas na
posição em que a vida as colocou no presente momento. A
reencarnação em pouco tempo fará parte do entendimento da
maioria das pessoas na terra. Porém, não devemos nos
distanciar do verdadeiro objetivo desta revelação, utilizando-a
como instrumento de satisfação de tolas vaidades e quiméricas
ilusões: Somos viajores de tempo que se perde no calendário do
homem e sabemos hoje, da origem dos nossos sofrimentos; que
o presente é a somatória da luz que granjeamos ou das trevas
que nos cabe vencer ...

LUCAS
Aconselha-me a não me preocupar tanto em desvencilhar
minhas reencarnações passadas?!

ÉVERSON
Muitos de nós quando na terra ou mesmo aqui no mundo
espiritual, despendemos valorosos esforços no intuito de
descortinar o passado; sem nos ater, porém, as cruciantes
necessidades do presente. Se direcionarmos valorosos esforços
na solução dos problemas da presente reencarnação, com
certeza estaremos nos preparando a descortinar o passado com
maior equilíbrio e discernimento.
(Sorri) .

LUCAS
Tem razão, meu caro Éverson! Que soluções imediatas me
trariam o descortinar o passado arrastando consigo um
complexo ainda maior de desarmonia, se nem iniciei a busca da
solução dos problemas de agora...?!
(pequena pausa)
...É pensando justamente nisto, que gostaria de solicitar a
permissão de tentar auxiliar aqueles que deixei, mas que vivem
em meu coração... Por todo este tempo você tem me
aconselhado a buscar minha própria harmonia para futuramente
poder auxiliar com maior segurança... Mas sinto que já se

141
aproxima o momento em que devo cooperar de mais perto na
solução dos problemas que cercam meus familiares que ficaram
na terra...

ÉVERSON
Sim! Não foi por acaso que socorremos Matilde logo após seu
desencarne há poucos dias. Trabalharemos por prepará-la
juntamente com Armando para novas experiências na carne
num futuro próximo, a fim de que busquem por si mesmos o
reajuste tão necessário...

LUCAS
Como conseguir tal intento, se Armando mantém o coração em
profunda fixação de ódio e vingança contra meu Padrasto
Samuel e àqueles que considera responsáveis pela situação em
vive entre a Terra e o céu?!

ÉVERSON
Seu trabalho perseverante e o desejo sincero de cooperar na
realização da felicidade daqueles a quem ama removerá as
montanhas de ignorância.

LUCAS
Sinto que jamais poderei ser inteiramente feliz aqui ouvindo os
gemidos de dores que, na terra, não procurei amenizar...

ÉVERSON
Nosso coração geralmente nos indica o caminho mais difícil,
mas raramente o equivocado! ...
(Dando alguns passos para sair, depois de um breve sorriso)

LUCAS
Éverson!... Perdoa-me a indisciplina, mas uma única coisa
gostaria que me respondesse, se fosse possível...
(pausa)
... Meu Pai... onde está meu pai? Por que não nos
encontramos?! Será um desses orientadores que tanto carinho
tem me dispensado?!..
(Pára, fica um tanto intrigado, balança a cabeça e fixa Éverson)

ÉVERSON
Não conseguiu ainda distinguir por entre o brilho dos olhos
daqueles que lhe cercam o mesmo perfume de amor daquele

142
que lhe embalou nos braços, aconchegando-lhe ao peito e
dizendo-lhe: “Meu filho amado”?!

LUCAS
(Titubeante)
... Não sei... você foi aquele que sempre esteve mais próximo
de mim, tutelando-me como verdadeiro pai... perdoa-me se....

ÉVERSON
Certa feita Jesus perguntou àqueles que vieram dizer-lhe que
sua mãe e seus irmãos o procuravam: “Quem é minha mãe,
quem são meus irmãos?”... Com isto lhe digo que deve esforçar
por amar a todos aqueles que convivem com você com a mesma
intensidade com que busca e ama a seu pai...

ÉVERSON e LUCAS saem caminhando pelo corredor do templo sob o efeito da nuvem fina
de fumaça branca....

MESCLAR COM:

ÉVERSON e LUCAS continuam caminhando AGORA NUMA PRAÇA (EXT. QUALQUER


PRAÇA NA DIMENSÃO FISICA - DIA) onde algumas pessoas transitam de um lado para o
outro na rotina comum.

LUCAS e ÉVERSON caminham na praça. Algumas pessoas (encarnadas) transitam de um


lado ao outro no local.

LUCAS
(Caminha para frente, emocionado)
Poder voltar a meu lar, rever minha adorada mãe; Lúcio, meu
querido irmão; meu padrasto Samuel, a quem agora
compreendo tendo-o a conta de um doente necessitado de
auxílio... Kárin, minha adorada namorada...meus amigos;
Silmara, que soube renunciar e amar em silêncio, sendo a
escada que me ascendeu ao mundo de paz em que me encontro!
(Olhando para as ruas e para tudo na praça)
...As ruas, as praças...Ah! Minha adorada cidade, nunca pensei
que fosse tão bela...
(Vira de súbito para Éverson)
... Éverson, poderei ir aos lugares que desejo? Visitar Maikon,
meus amigos...?

143
ÉVERSON
Quando nossos corações guardam os mais nobres objetivos
somos automaticamente livres para ir onde nossos ideais
impulsionam... Meu amigo: ama e serás sempre livre!...

CORTA PARA:

EXT. EM FRENTE À CASA DE SILMARA - DIA

VISÃO rápida da rua e frente da casa simples de Silmara....

MESCLAR COM:

INT. SALA CASA DE SILMARA

PASSEAMOS pelo ambiente de muita simplicidade....

VEMOS a figura emocionada de LUCAS se formar no ambiente da sala modesta, logo atrás
ÉVERSON que se mantém em silêncio, respeitando a emoção do amigo.

EM MOVIMENTO

LUCAS segue a frente caminhando pela SALA, olhando todo o ambiente...

SURGE na pequena cozinha onde depara com SILMARA próxima ao fogão, atenta a uma
água que aquece ao fogo para preparar um chá simples...

LUCAS
Estou muito emocionado... Nunca parei para analisar as
qualidades de Silmara e jamais imaginaria ser ela a ponte que
me ligaria à vida de equilíbrio em que agora me manifesto!

ÉVERSON
É, na terra, geralmente o ouro está oculto em rústicos
cascalhos...

144
SILMARA abre o armário a procura de alguma coisa, mas não encontra. Em seguida vai até a
bolsa, sobre a mesa, tira uma outra bolsinha pequena a procura de dinheiro, encontrando
apenas algumas moedas. Suspira, um tanto decepcionada.

OUTRO ÂNGULO

MAIKON adentra na cozinha ainda trajando um modesto pijama de bolinhas azuis.

MAIKON
Mamãe!...

SILMARA
Maikon... você não se arrumou ainda, meu filho!? Estou
atrasada e ainda tenho que lhe deixar na escolinha...

MAIKON
Mamãe, eu estou com fome... depois eu me arrumo...

SILMARA pára de repente e aproxima do filho.

SILMARA
Mamãe não comprou pão hoje pra você... não deu tempo, mas
na escolinha eles servem o lanche nove horas...

MAIKON
Há três dias que a professora disse que não tem merenda... que
é pra gente levar de casa...

SILMARA
Está bem, Maikon! Vou ver se consigo comprar alguma coisa
na mercearia pra você levar...

LUCAS vira-se para ÉVERSON profundamente emocionado.

LUCAS
Éverson... eles estão passando necessidade... meu filho não tem
um pedaço de pão pra comer pela manhã...

145
ÉVERSON
É, meu amigo, eles sempre passaram necessidade...

LUCAS
Silmara nunca me disse nada de suas dificuldades...

ÉVERSON
E precisava?
(diz com suavidade e respeito à emoção do amigo)

LUCAS soluça num pranto abafado e triste, enquanto SILMARA serve o café da manhã de
ambos, restrito a uma xícara de chá.

ÉVERSON
...Esta será a alimentação de Silmara, de Maikon e de milhões
de irmãos nossos na terra até a hora do almoço...

PLANO MAIS ABERTO

VEMOS MÃE e FILHO tomarem chá, sentados à mesa.

MESCLAR COM:

INT. AGÊNCIA DE MODELOS – SECRETARIA (SALA DE KÁRIN E ÊMILY)

KÁRIN e ÊMILY trabalham atentas aos seus afazeres. O telefone toca ora por vez, sendo
atendido por Kárin.

LUCAS e ÉVERSON surgem no ambiente. LUCAS se emociona diante das duas mulheres.

LUCAS
Sinto imensa saudade de Kárin, de Êmily, de todos...

ÉVERSON
Podemos dizer até que a saudade é a febre do amor... só
sentimos saudades de quem amamos!

146
LUCAS
Êmily é sensitiva, por que não nos percebe agora?

ÉVERSON
Porque agora você não desejou que o percebesse. E mesmo se o
desejar, as impressões que transmitirá para ela serão as
melhores possíveis devido o estado de equilíbrio em que se
encontra...

OUTRO ÂNGULO

INSERT DA PORTA que se abre para entrada de HERVÊ, sorridente e feliz ao deparar com
Kárin, que lhe retribui o sorriso.

LUCAS fica ligeiramente boquiaberto. ÉVERSON em silêncio, observa-o.

HERVÊ
Passei aqui pra lhe dar um beijo!
(Beijando a moça na boca)

LUCAS
Éverson... eles?!...

ÉVERSON
Sim! A vida prossegue na terra e tudo concorre para a harmonia
e o progresso da organização Divina...

HERVÊ
Quando terminar o expediente vamos sair pra comprarmos
nossas alianças, ok?!

ÊMILY
Eu não acredito que vocês vão comprar alianças?
(surpresa e exaltada)

KÁRIN
Por que a surpresa, Êmily? Ficaremos noivos e as alianças é
uma formalidade maravilhosa... quero um anel lindíssimo!

147
(olhando para a mão distendida a sua frente)

ÊMILY
Não! Não é por nada, não! Mas estou percebendo que só eu não
desencalho... Mas tenho fé, hei de encontrar minha alma
gêmea!...

ENQUANTO todos sorriem na dimensão física, ÉVERSON volta-se para LUCAS.

ÉVERSON
Sente algum rancor por Hervê?!

LUCAS
Vejo que minha morte foi considerada um acidente como
qualquer outro... ninguém imagina a verdade!...
(suspira)
... Não! Eu não sinto nenhuma mágoa de Hervê... Também não
posso avaliar a extensões de minhas reencarnações passadas! O
que posso ter feito eu a este rapaz em outras vidas...

HERVÊ sai da sala.

ÉVERSON
Fico feliz por compreender assim! Por outro lado, Hervê lhe
furtou a vida... você adquiriu créditos perante ele. Na família
que ele e Kárin começam a organizar, ficará com certeza,
aberta uma porta de acesso a um possível retorno seu à grande
escola da vida física...

CORTA PARA:

INT. CASA DE LUCAS – SALA PRINCIPAL – NOITE

LUCAS e ÉVERSON ULTRAPASSAM A PORTA, entrando.

SAMUEL, de fisionomia abatida e envelhecida, dorme numa poltrona confortável, envolto


num cobertor fino e cinza.

148
ARMANDO sentando numa cadeira, debruçado sobre seu encosto, fixa o homem que dorme a
sua frente. Olhar entristecido e também de fisionomia mais abatida.

A sala está com pouca iluminação.

PLANO ABERTO

LUCAS e ÉVERSON caminham para próximo de ARMANDO.

ÉVERSON
Aqui devo deixa-lo a sós...

LUCAS
Éverson, terei algum êxito diante o coração endurecido de
Armando?

ÉVERSON
Quanto maior a dificuldade, maior é o amor que devemos
empregar! Só o amor resolve definitivamente nossos problemas
e nossas dores... boa sorte!

SIMULTANEIDADE

MARIANA adentra a sala, vindo do quarto, aproximando de SAMUEL.

ÉVERSON DESAPARECE.

MARIANA
Samuel, venha dormir na cama! Esta brisa fria lhe fará mal...
venha!

ENQUANTO MARIANA ERGUE o marido com dificuldade ELE sustenta o braço sobre a
mulher com caminhar trôpego, rumando para o corredor que conduz aos quartos...

VEMOS ARMANDO erguer-se da cadeira e seguir o casal com expressões de profunda


mágoa...

149
ENQUADRAMOS ARMANDO que se volta de súbito...

ÂNGULO MAIS ABERTO

INSERT DE LUCAS

ARMANDO vacila alguns segundos, depois esfrega a boca numa expressão de raiva e parte
para cima de LUCAS com agressividade...

ARMANDO
...Desgraçado, maldito! Com que direito adentra novamente
esta casa? Você que nunca soube dar valor em nada, que perdeu
a carcaça de carne nas vagabundagens do mundo...

LUCAS
Retornei porque desejo ajudar... simplesmente ajudar!

ARMANDO
Agora vem com cara de santo, dizendo que quer ajudar; fazer
com que todos sejam felizes. Por que não se preocupou com
isto enquanto estava lá?...

LUCAS
Você tem razão! A tola vaidade e o orgulho nos enceguecem
quando na carne. Olvidamos os compromissos do coração e
geralmente negligenciamos o trabalho de reajuste com os
compromissos imediatos!

ARMANDO
Não precisa falar bonito comigo que eu te conheço!

(pequena pausa)

Veja! Enquanto esteve fora, meu intento logrou êxito... ele mal
consegue se locomover, vive entre dores intensas e delírios
contínuos que eu crio em sua mente...logo estará totalmente
entregue aos vampiros do vale...

VÃO SURGINDO na sala alguns vultos negros que tomam a direção dos quartos.

150
ARMANDO
Está vendo? Eu tenho vários aliados que me ajudam atormenta-
lo. Devia se aliar a nós, já que sabe que esse assassino foi a
causa maior do sofrimento de todos vocês.... Igualmente me
traiu e covardemente, roubou-me a vida como se matasse um
animal qualquer; no entanto, nunca pensou que eu tinha uma
mãe, cansada e doente tendo em mim seu único arrimo na terra.
Quantas vezes recusou ajudá-la, dizendo que não tinha nenhum
compromisso, que meus direitos de empregado já tinham sido
pagos!...

(Caminha até outra extremidade, limpa a face suada e revoltada, virando-se novamente
para LUCAS, que mantém em silêncio)

...durante todo este tempo em que você sumiu, eu estive com


ela. Via-a definhar, presa de espíritos violentos que a
dominaram. Sou um desgraçado e infeliz e a vingança é minha
eterna companheira!

LUCAS
Por que não conseguiste auxiliar sua pobre mãe? Rogaste
auxílio aos bons espíritos?!

ARMANDO
Somos revoltados e ninguém nos ouve. Minha mãe tornou-se
uma presa da revolta. Há alguns meses morreu para os homens,
na mais profunda miséria. Eu estava lá, tentei ser o primeiro a
recebê-la nos braços, dizendo do muito que tenho sofrido,
contar-lhe a verdade que o túmulo cerrou em meus lábios e
aconchegar-me em seu colo... Oh! Quão grande a minha
desdita... ela ao ouvir a minha voz, excomungou-me a alma,
blasfemando-me o nome como filho ingrato e infeliz,
responsável por toda miséria que experimentou na vida... tentei
mesmo assim ajudá-la, mas o que tenho de bom para ofertar?
Sou igualmente um miserável, vagando entre o ódio e a dor!
Restou-me vê-la presa de comparsas tão ignorantes quanto ela...
que hoje arrastam em vale próximo, enlouquecidos pela
revolta!

LUCAS
Gostaria de ver tua mãe!?...Poderás abraçá-la, pedir perdão e
juntos a auxiliaremos!

ARMANDO
(Sorri irônico e desconsolado)

151
Se não aceita a minha ajuda, aceitará a sua?! E o que pode você
fazer, se igualmente é um condenado feito nós, que deve ter
sido socorrido como indigente pelos de colarinho branco!?

LUCAS
(Fala animado,aproximando um pouco mais)
Neste tempo que estive longe daqui, recebi a misericórdia de
espíritos benevolentes, que me auxiliaram a entender a
grandiosidade da vida, do amor e do perdão, bem como nossa
constante necessidade de estar trabalhando em prol do infinito
bem a fim de que a felicidade possa ser uma realidade em
nossas vidas...

ARMANDO
(Numa pequena pausa e voltando a se exaltar)
Você se tornou um deles e mandaram que viesse aqui fazer-me
desistir da minha vingança. Mas enganam-se! Nem você, nem
ninguém me afastarão desta casa. Hum!
(resmunga)
Deve ter mesmo aprendido a lutar pela felicidade própria, quer
que eu saia daqui para que todos tenham paz, para que vivam
felizes, mas pouco se importam comigo... desde que os deixe
em paz...!

LUCAS
Jamais poderei estar tranqüilo sabendo que sofres... laços que
desconhecemos nos atam uns aos outros. Sinto que fazemos
parte de uma família com muitos problemas a solucionar. Sei
que não entenderás por ora, mas quero que saiba que mesmo
tendo sido o que puxou o gatilho contra quem mais amei
durante toda uma vida, jamais consegui odiá-lo; assim como
agora vejo em Samuel um enfermo do sentimento, carente de
compreensão e de apoio para divisar a luz que o aguarda...

ARMANDO procura ocultar a emoção que as palavras do jovem causam em seu sentimento.
Caminha para o lado, esfregando as mãos.

ARMANDO
Não posso abandonar todos meus planos, logo agora que estou
por consumá-lo! Para mim interessava tão somente estar com
minha mãe... só ela poderia me tirar do inferno em que vivo...

LUCAS
(entusiasmado)

152
Pois então, Armando, se desejas isto, por que não lutar?!

SILENCIO. ARMANDO, perturbado e encabulado, olha para LUCAS.

ARMANDO
Como sabe meu nome?!... Andou vasculhando minha vida para
depois vir me chantagear! É um hipócrita e mentiroso!

LUCAS
Não posso negar... sei muito sobre você, mas quem me confiou
tão importantes confidências foi igualmente alguém tão
próximo ao seu coração... Há duas semanas equipe de
trabalhadores em atividade nas regiões umbralinas socorreram
desditosa mulher em profundo abatimento que, após tomar
consciência do recanto de paz e de luz em que se encontra,
rogou em lágrimas buscássemos seu filho ingrato a fim de lhe
aquecer o coração....

ARMANDO se perturba, emocionando.

ARMANDO
Mente para me fazer abandonar esta casa e mente sem nenhum
escrúpulo. Eu sei que os que socorrem os vales a ignoram a
conta de uma revoltada sem condição de qualquer auxílio...

LUCAS
Engana-se julgando-me agir em benefício próprio. Se busco
esta casa, busco igualmente os problemas que a dominam a fim
de arregimentar esforços nas soluções que beneficiarão a
todos...

ARMANDO
Se procura beneficiar a todos porque começa por aquele que
mais devia odiar?! Sim, porque você sabe que eu e Samuel
matamos seu pai...

LUCAS
Porque é o perdão a grande virtude que abre portas a todas as
outras! Sem esta virtude divina nossa felicidade é sempre
incompleta... Venha, Armando, orientadores maiores se
compadeceram de nossos sofrimentos, concederam-me a
benção de conduzi-lo aos braços de sua mãe...

153
(Estende-lhe a mão)

ARMANDO vacila entre lágrimas que não consegue conter.

ARMANDO
Não posso... não posso! Por favor, me deixem em paz...
(Ajoelhando e cobrindo o rosto com as mãos)

PLANO MAIS ABERTO

VEMOS LUCAS aproximar-se, tocando-lhe suavemente o ombro.

MUDA-SE O AMBIENTE em que se encontram e agora VEMOS a enorme PORTA EM


ESTILO COLONIAL, semelhante às dos templos medievais, abrir-se lentamente em suaves
reflexos de luz azul, alternando com outros tons e a figura de MATILDE ir tomando forma
por entre a névoa esfumaçada que se forma. Vem emocionada, apresentando ainda fragilidade
em sua recuperação perespiritual.

ARMANDO
Oh! Meu Deus... minha mãe... minha pobre mãe!
(Armando arrasta-se pelo chão, indo ao encontro da mãe, que dá alguns passos com
muita dificuldade, estendendo os braços)

MATILDE
Ah! Meu filho... meu pequeno Armando... venha, meu filho...
somos miseráveis do caminho, mendigos da própria sorte...
temos tão somente um ao outro! Minhas dores são muito mais
do coração que do corpo que agora tenho...

ARMANDO
(Parando no percurso)
... Não posso abraçar a quem abandonei... nem sou digno de
estar com você. Ah! Se soubesse o que fui capaz de fazer... sou
um réprobo assassino e cruel... tirei a vida de um pai de família
para abastecer nosso miserável lar na terra, e o que consegui foi
aumentar ainda mais nosso sofrimento... Roubaram-me a vida e
condenei-me a uma vingança interminável...

INSERT de LUCAS do lado esquerdo, no corredor.

154
MATILDE
Já soube de tudo que lhe aconteceu, filho meu. Mas rogo aos
céus neste instante tão somente abraçar o fruto de minhas
angústias e rogar a Deus que nos perdoe os erros. Na terra como
céu... será sempre meu filho!

ÂNGULO MAIS ABERTO

VEMOS ÉVERSON PELAS COSTAS, aproximar pelo lado direito do corredor.

MÃE e FILHO abraçam-se e, amparado um no outro desaparecem por entre a luz que a porta
deixa vazar aos nossos olhos, sendo seguidos por LUCAS e ÉVERSON.

CORTA PARA:

INT. CASA DE LUCAS – SALA PRINCIPAL – DIA

PLANO GERAL

SAMUEL sentado na sua poltrona com um manto cobrindo-lhe parte das pernas, com a
cabeça ligeiramente inclinada. Apático e indiferente a tudo que acontece ao seu redor. Olhar
paralisado, fixando o horizonte. Movimentos lentos, sem qualquer maior reflexo.

MARIANA sentada numa poltrona transversal, de frente com SILMARA.

MAIKON diverte-se com alguns carrinhos e outros brinquedos no tapete central, que divide
as duas mulheres que tomam chá.

LUCAS sentado numa poltrona, tendo EVERSON as suas costas, demonstra satisfação diante
à harmonia que reina entre todos.

SILMARA
Sinto que o senhor Samuel tem melhorado!...

MARIANA
Também tenho percebido isto. Pelos menos as crises nervosas e
as convulsões nunca mais se repetiram, graças a Deus!

155
OUTRO ÂNGULO

LÚCIO vindo da copa com uma bandeja na mão contendo um bule com chá e alguns
biscoitos.

LÚCIO
Trouxe mais chá e biscoitos para Maikon!

MAIKON ergue-se sorridente, aproximando de LUCAS e servindo biscoito, sentando logo a


seguir ao lado de SILMARA.

LÚCIO
Mamãe, Silmara já lhe contou a novidade?

SILMARA
Que novidade, Lúcio?

MARIANA
Não, meu filho! E novidade é algo que estamos precisando...

LÚCIO
Hoje ela ficou de dar a resposta se virá morar definitivamente
conosco...

SILMARA
(um tanto desajeitada)
Lúcio! Eu disse que pensaria na possibilidade...mas...

MARIANA
Ah! Minha filha, sabe que Maikon tem sido nossa única alegria
nesta casa. Sinto que Samuel cria outros ares quando ele está
por perto. Por outro lado, já que você e Lúcio vão se casar em
breve, não acho justo que fiquem separados por mais tempo...

LUCAS ergue-se da poltrona, surpreso.

LÚCIO aproxima de SILMARA e beija-lhe ternamente os lábios.

156
LÚCIO
Eu agora serei seu pai, Maikon! E esta será sua nova casa! O
que acha disso?

MAIKON
Eu gosto da casa da vovó. Aqui tem muita comida gostosa!

SILMARA
Maikon!
(Repreendendo, num sorriso)

MAIKON
Então agora eu devo te chamar de pai ou de tio?

TODOS SORRIEM.

LÚCIO
Como você preferir!

MAIKON
Mamãe, já que vamos morar aqui... eu já quero dormir aqui
hoje!

SILMARA
Você pode ficar, mas eu ainda tenho que cuidar de meu velho
lar...

LÚCIO
Isso mesmo! Dormirás aqui e o quarto de Lucas agora é o seu
quarto...

MAIKON
Oba! Olha, mamãe, agora eu terei um quarto só pra mim!

ENQUANTO MAIKON sai em disparada para o quarto que agora é seu, os demais
componentes da sala, com exceção de Samuel, ficam sorrindo...

157
OUTRO ÂNGULO

ENQUADRAMOS LUCAS e ÉVERSON

LUCAS
(Um tanto surpreso)
Éverson...eles vão se casar?!... Eu sempre desconfiei que Lúcio
nutria mais que amizade por Silmara!

ÉVERSON sorri com simplicidade, num aceno positivo com a cabeça.

PLANO MAIS ABERTO

MARIANA
(Suspirando)
Gostaria tanto que Lucas estivesse entre nós... quantos planos
tinha para nós... tratava-me feito rainha idealizando uma
felicidade que jamais mereci...

LUCAS
(Afastando-se de Éverson e aproximando da mãe)
Mereceu sim, mãe... e merece muito mais! Continuo sonhando
castelos mil para você, só que agora compreendo que eles são
construídos na terra a peso de nosso sacrifício, de nossa
renúncia e de nosso amor...

LÚCIO
(erguendo-se, suspirando e aproximando da mãe sempre carinhoso)...
Não fique triste, mamãe... agora sabemos que Lucas não
morreu, que deve estar sempre comungando com nossos
ideais...

LUCAS volta para junto de ÉVERSON e o PLANO SE FECHA NELES.

LUCAS
Por que tamanha diversidade de sentimentos invadia-me o
peito quando no corpo físico? Profundos laços de amor me
uniam e me unem a Lúcio e mamãe, senti atraído
irresistivelmente para Kárin ao passo que jamais me adaptei a
simplicidade de Silmara.. quanto a Maikon... sentia que o
amava, mas ao mesmo tempo quando diante dele era tomado de

158
súbita melancolia e um estranho complexo de culpa,
procurando com isto, evitá-lo ao máximo...

ÉVESON
Vocês são viajores de várias reencarnações. Somaram
experiências e criaram laços profundos que se perdem no
tempo. Por agora deve trabalhar auxiliando e se preparando
para novas metas de evolução. Esta é apenas uma página do
infinito livro de sua história... da nossa história...

LUCAS
Quanto a Armando e Matilde? Sinto imenso desejo de auxiliá-
los na difícil tarefa de recomeço...

ÉVERSON
Armando e Matilde fazem parte da família espiritual na qual
está vinculado no momento. Preparar-se-ão para nova
reencarnação de aprendizado e reconciliação. Seus desejos
sinceros em auxiliá-los alegra-nos muito, como igualmente
alegrará a seu pai...

LUCAS
Meu pai!!?

ÉVERSON
Sim, seu pai Antônio! É um espírito nobre, que soube perdoar
e compreender os trágicos acontecimentos que lhe
intersectaram a marcha das experiências.

LUCAS
Então esteve com meu pai por todo este tempo! Por que não lhe
falou sobre mim, sobre as dificuldades que passávamos?! Será
que vive indiferente a nossa dor?!

ÉVERSON
Seu pai nunca os abandonou e jamais deixou de amá-los e
protegê-los... é como um irmão maior a mostrar-lhes o
caminho...

LUCAS
Quando poderei vê-lo!?

159
ÉVERSON
(Sorri e depois de uma pequena pausa)
Hoje ainda! Quando a noite vier adormecer os corpos dos
encarnados e deixá-los mais acessíveis à comunhão com o céu
das experiências espirituais...

LUCAS
Então será hoje...hoje o dia que poderei abraçar meu querido
pai! Quanto tempo esperei por esta oportunidade... quanto
tempo!!!
(suspira profundamente)

MESCLAR COM:

INT. CASA DE LUCAS – SALA PRINCIPAL – POUCO DEPOIS DA MEIA NOITE

PLANO ABERTO

Pouca iluminação se faz no ambiente. PASSEAMOS pela sala. INSERT do quadro de JESUS
sob efeito de tênue luz.

SILÊNCIO sibilino predomina no ambiente.

ENTRA EM QUADRO a confortável poltrona onde VEMOS LUCAS sentado sob efeitos de
luz que parecem vir da janela entreaberta. Uma brisa com suave vento levanta o pano leve da
cortina na janela, fazendo ir de um lado ao outro.

ÂNGULO MAIS ABERTO

VISUALIZAMOS ÉVERSON ereto próximo ao Hall que divide copa e sala principal.

VULTOS HUMANOS LUMINOSOS ultrapassam a porta dirigindo-se para o corredor onde


localizam os quartos, desaparecendo em seguida diante nossos olhos.

ÉVERSON
Lucas, inúmeros espíritos bondosos estão trabalhando neste
instante para que o encontro que tanto almeja possa se dar...
Veja, Lucas! Seu pai se aproxima...

160
LUCAS caminha para o centro da sala e o foco de luz de um tom indescritível, chama-lhe a
atenção ao mesmo tempo que provoca nele intensa emoção.

AS LUZES misturam-se com uma névoa esfumaçante a predominar por todo o espaço do
corredor e VEMOS a figura de MAIKON DESLIZAR um pouco acima do chão, por entre as
luzes com alguns vultos luminosos a sua volta, como a lhe proteger naquele instante. O garoto
trás a fisionomia de quem se esforça para não ceder ao sono que parece querer dominar-lhe.

LUCAS
Maikon!
(sussurra quase num gemido)
Oh! Meu Deus, então é Maikon... meu pai que por todo tempo
esteve ao meu lado....

VEMOS MAIKON POUSAR suavemente no chão, olhar em direção a LUCAS que em


pranto, ajoelha-se.

MAIKON
Papai.. papai...!

MAIKON APROXIMA do pai.

LUCAS
Ah! Meu filho, meu filho... perdoa-me... perdoa-me!

MAIKON
Papai! Pensei que nunca mais o veria... mamãe disse que você
agora mora no céu...

LUCAS
Moro, filho, mas virei abraçá-lo sempre que puder... prometo-
lhe!

MAIKON
Você não gostava de me abraçar, lembra?

LUCAS

161
Sim, lembro! Mas seu tio Lúcio, sempre lhe deu muito carinho,
não é mesmo?!
(disfarçando as lágrimas)

MAIKON
Tio Lúcio é muito legal... ele gosta muito de mim e da mamãe...

LUCAS
Quero lhe dizer uma coisa... tio Lúcio agora será seu pai... vai
lhe dar muitos abraços e lhe fará muito feliz. Deve amá-lo
muito. Ele fará por você o que papai não fez...

MAIKON
(Esfregando os olhos, sonolento)
Sim! Mamãe disse que ele será meu pai... vamos morar com a
vovó Mariana e o vovô Samuel...
(quase desfalecendo)

LUCAS
(insistente)
Maikon, está me ouvindo?...Maikon?

MAIKON
Estou com sono... com muito sono!
(Desfalece nos braços do pai, que o segura ainda muito emocionado)

ÉVERSON APROXIMA com passos suaves.

ÉVERSON
Lucas, temos que devolver Maikon ao seu corpo físico...

LUCAS
Deixe-o um pouco mais em meus braços... por favor!

ÉVERSON afasta-se. UM FOCO DE LUZ vem do alto.

O ÂNGULO SE DISTANCIA.

162
VEMOS LUCAS soluçando com MAIKON desfalecido em seus braços.

FADE OUT.

SURGE NA TELA ESCURA em letras do tipo cursiva:


“Alguns anos depois...”

INT. CORREDOR DA AGÊNCIA DE MODELOS – DIA

VEMOS MAIKON percorrer o corredor sorridente. Várias pessoas passam por ele,
cumprimentando-o.

DE OUTRO ÂNGULO

BETO surge, intersectando-o.

BETO
Maikon! E aí, como vai?

EM MOVIMENTO andando pelo corredor.

MAIKON
Sarado! Inteiro!

BETO
É bom você estar inteiro mesmo. O pessoal vão querer fazer
você em picadinhos! Estão lhe esperando por mais de uma hora
e pra variar você está atrasado novamente!

MAIKON
Ah! Que saco! Fizessem o ensaio sem mim!...

BETO
Como se isso fosse possível!

MAIKON

163
(confidencia ao amigo)
Saí com a Samyra Sayadd ontem! Ah! Cara! Que espetáculo...
To acabado...acabado! Mas com tudo em dia...

APROXIMANDO DO ESCRITÓRIO DE KÁRIN.

ENQUADRAMOS A PORTA onde se lê em letras trabalhadas de metal:


“DIRETORIA: KÁRIN M. LANZCHERTVICH”.

BETO
Que cara sortudo! Você saiu com a Samyra Sayadd!? Eu não
acredito...

MAIKON
To lhe falando, cara!

A PORTA DO ESCRITORIO ABRE-SE e sai INGRID ao corredor deparando com os dois


rapazes que param de súbito.

BETO
Oi, Ingrid! Tudo bem?

INGRID
Oi Beto! Olá...
(virando-se para Maikon)

BETO
(um tanto desajeitado e alisando ligeiramente os cabelos)
Oi, Ingrid! Este é o Maikon, um de nossos modelos contratado recentemente... (virando-
se para Maikon) Maikon, esta é a Ingrid, ela é....

MAIKON
(Um tanto encabulado, cortando o amigo)
Olá!... você é a mais nova modelo da Agência?

INGRID
(Sorrindo divertida)
Não levo o menor jeito pra passarelas. Sou filha da Kárin e do
Hervê... Mas, tenho que ir, pois estou atrasada para o colégio!
Tchau pra vocês...
(saindo na direção contrária)

164
MAIKON é puxado por BETO para continuarem o percurso de antes.

ÂNGULO MAIS ABERTO

VEMOS MAIKON E BETO e ao fundo INGRID que se distancia.

MAIKON
Meu Deus! Quinze aninhos, Filha da dona Kárin e do senhor
Hervê... Ai meu Deus! Eu vou enlouquecer!... Beto, não sei o
que aconteceu, cara! Mas, de repente eu me senti totalmente
refeito!

BETO
É isso mesmo: quinze aninhos, educação refinada, alta
sociedade! Só que não é pro seu bico!

MAIKON
(Solta um suspiro e um sorriso irônico)
O tempo decidirá... nada como um dia atrás do outro e uma
noite longa e maravilhosa separando-os!

FADE OUT.

SILENCIO NA TELA.

OUVIMOS O CHORO DE UM BEBE, logo depois...

VEMOS MAIKON saindo no corredor de um hospital, usando roupas apropriadas para


visitas ou assistência de partos. Emocionado quase em lágrimas:

MAIKON
Eu sou pai! Ah! Meu Deus, eu sou pai! É um menino...um
meninão! Macho... macho do saco roxo!

CRÉDITOS FINAIS DO FILME.

165
FIM.

Término da criação do roteiro: domingo, 25 de janeiro de 2004 00:02: 36.

Roteiro para Filmagem – Fotografia, cenários e acessórios (Relatório


Sintético):

1 – Ambiente externo rural – fazenda, riachos, nascentes, cavalos, etc. (Pode-se explorar
imagens do Pantanal Sul Mato-grossense).
2 – Casa de Lucas – Ambiente urbano classe média – sala, ante-sala, copa, barzinho, escadas
para piso superior, corredor, quartos e banheiro.
3 – Ambiente externo – jardim da casa de Lucas com entrada para carros e portão de acesso com
segurança.
4 – Agência de Modelos – ambiente externo: estacionamento de veículos;
Ambiente interno: camarim, anfiteatro, passarela, sala de reuniões, escritórios, corredor,
elevador.
5 – Casa Noturna – Fachada externa e interior (carro para Lucas)
6 – Boate – ambiente externo: fachada com visão ampla inserindo estacionamento, motos e
carros;
ambiente interior: área de lazer com ornamentação natural; banheiro coletivo feminino,
barzinho interno, pista de dança, pequeno palco onde cantam grupo musical, etc.
7 – Avenida – extensa e sem movimentação, período noturno (onde ocorre o acidente alta hora
da madrugada: Morte de Lucas); corpo de bombeiros, carro e moto. Não há perda para o carro,
mas pode haver perda parcial da moto.
8 – Cenário interno de uma Igreja católica.

9 – Cemitério – vista ampla, alas e túmulos (arborizado).


10 – Vila ou Cortiço – com visão ampla do corredor (entre três a quatro metros) que divide os
pequenos cubículos porta a porta – classe baixa, pobres. Ambiente interior: sala e quarto.

166
12 – Local Virtual 01 (pág. 99) – Ambiente interno com efeitos de iluminação e fumaça.
13 – Local Virtual 02 (pág. 99) – Ambiente externo – umbral (lama abundante, galhos e troncos
de arvores secos com efeito de chuva e relâmpagos).
14 – Casa de Silmara (classe baixa) – Externo: visão ampla da fachada, calçada e rua; Ambiente
interno: sala, pequena copa. – carro para Emily e moto para Rogério.
15 – ambiente externo, diurno e com movimentação de trânsito: Cruzamento de duas ruas ou
avenidas – Acidente com moto (Morte de Rogério). Não há perda para a moto.
15 – ambiente urbano – avenida movimentada, arquitetura de espera de ônibus circular e ônibus
urbano.
16 – Local Virtual 03 – Visão de uma porta de madeira semelhante aos templos medievais,
permitindo abrir-se em duas folhas para os efeitos visuais exigidos pelo roteiro.
17 – Templo externo - Entrada de uma associação espiritualista simples – de preferência evitar
arquitetura moderna; ambiente interno: salão com cadeiras para público e em torno de uma mesa
ampla em madeira fina. Nenhum ornamento nas paredes, nenhum quadro e de preferência
ambiente pintado em cores suaves e claras. Uma maca de hospital.
18 – Local Virtual 04 – Um jardim especial com flores e plantas de variadas espécies, árvores e
pássaros, fonte com águas cristalinas descendo de uma cascata artificial: visão de um jardim
extra-físico – mundo espiritual.
19 – Local Virtual 05 – Interior de um templo (muito semelhante com o descrito no item 17
“interior” – diferenciar as cadeiras, colocando com cores suaves e de ornamentação divergente
do templo físico. Uma tela onde é projetado imagens de paisagens simultâneas e seqüenciais.
Efeitos de fumaça, gelo seco ou neblina podem ser usados durante toda a cena.
20 – Qualquer Praça – ambiente externo, dia e pouca movimentação.

21 – Vista panorâmica e urbana (Dia, trânsito, movimentação urbana, etc.)

Personagens:
Protagonistas: 1.Lucas; 2.Kárin; 3.Hervê; 4.Lúcio; 5.Éverson; 6.Armando; 7.D.Mariana;
8.Samuel; 9.Silmara; 10.Maikon (de 6 à 8 anos).
Coadjuvantes: 1.Luis Flávio; 2.Cibele; 3.Marisa; 4.Emily; 5.Wagner; 6.Max; 7.Silvio;
8.Estevão; 9.Junior; 10.Carlos; 11.Elisa; 12.Matilde; 13.Rogério; 14.Dona Eulália; 15.Maria;
16.Maria Rita.
Apoio: 1.Recepcionista da boate; 2.Cláudia; 3.Marcos; 4.Pai de Lucas (costas); 5.Padre (no
enterro); 6.Espírito-A; 7. Homem; 8.Mulher; 9.Mãe de Rogério; 10.Homem-E; 12.Mulher-E;
13.Enfermeiro-E; 14.Beto; 15.Maikon (Adulto); 16.Ingrid.
Figurantes: (Quantidade mínima) 20 figurantes permanentes e aproximadamente 80 avulsos
para 03 cenas especiais.

167

Você também pode gostar