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NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

O processo civil brasileiro é construído a partir de um modelo estabelecido pela Constituição da


República. É o chamado modelo constitucional de processo civil, expressão que designa o
conjunto de princípios constitucionais destinados a disciplinar o processo civil (e não só o civil,
mas todo e qualquer tipo de processo) que se desenvolve no Brasil. Começando pelo princípio
que a Constituição da República chama de devido processo legal (mas que deveria ser
chamado de devido processo constitucional), o modelo constitucional de processo é composto
também pelos princípios da isonomia, do juiz natural, da inafastabilidade da jurisdição, do
contraditório, da motivação das decisões judiciais e da duração razoável do processo.

Todos esses princípios são implementados mediante as normas (princípios e regras)


estabelecidas no Código de Processo Civil. O primeiro capítulo do Código des-tina-se,
exatamente, a tratar dessas normas fundamentais do processo civil. Esta é, portanto, a sede
em que se poderá encontrar o modo como o Código trata desses princípios. Registre-se,
porém, que o rol de normas fundamentais encontrado neste primeiro capítulo do CPC não é
exaustivo (FPPC, enunciado 369), bastando recordar do princípio constitucional do juiz natural,
que ali não é mencionado.

Impende então dizer, de início, que o Código de Processo Civil afirma expressamente o
princípio da inafastabilidade da jurisdição, isto é, o princípio que assegura o amplo e universal
acesso ao Judiciário (art. 3o do CPC; art. 5o, XXXV, da Constituição da República),
estabelecendo que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”,
reconhecendo-se, porém, que isso é compatível com a utilização da arbitragem (art. 3o, § 1o),
bem assim com a busca da solução consensual dos conflitos (art. 3o, § 2o).

Os métodos consensuais, de que são exemplos a conciliação e a mediação, deverão ser


estimulados por todos os profissionais do Direito que atuam no processo, inclusive durante seu
curso (art. 3o, § 3o). É que as soluções consensuais são, muitas vezes, mais adequadas do
que a imposição jurisdicional de uma decisão, ainda que esta seja construída
democraticamente através de um procedimento em contraditório, com efetiva participação dos
interessados. E é fundamental que se busquem soluções adequadas, constitucionalmente
legítimas, para os conflitos, soluções estas que muitas vezes deverão ser consensuais. Basta
ver o que se passa, por exemplo, nos conflitos de família. A solução consensual é certamente
muito mais adequada, já que os vínculos intersubjetivos existentes entre os sujeitos em conflito
(e também entre pessoas estranhas ao litígio, mas por ele afetadas, como se dá com filhos nos
conflitos que se estabelecem entre seus pais) permanecerão mesmo depois de definida a
solução da causa. Daí a importância da valorização da busca de soluções adequadas (sejam
elas jurisdicionais ou parajurisdicionais) para os litígios. Admite-se a solução consensual do
conflito não só antes da instauração do processo ou no curso de procedimentos cognitivos.
Também no curso da execução se admite a realização de audiência de conciliação ou de
mediação (FPPC, enunciado 485).

A solução da causa deve ser obtida em tempo razoável (art. 4o do CPC; art. 5o, LXXVIII, da
Constituição da República), aí incluída a atividade necessária à satisfação prática do direito (o
que significa dizer que não basta obter-se a sentença em tempo razoável, devendo ser
tempestiva também a entrega do resultado de eventual atividade executiva). A garantia de
duração razoável do processo deve ser compreendida, então, de forma panorâmica, pensando-
se na duração total do processo, e não só no tempo necessário para se produzir a sentença do
processo de conhecimento.

Busca-se, então, assegurar a duração razoável do processo, sendo relevante destacar o


compromisso do Código de Processo Civil com esse princípio constitucional. Há uma nítida
opção do ordenamento pela construção de um sistema destinado a permitir a produção do
resultado do processo sem dilações indevidas. Vale destacar, porém, que se todos têm direito
a um processo sem dilações indevidas, daí se extrai que ninguém tem direito a um processo
sem as dilações devidas. Em outros termos, o sistema é comprometido com a duração
razoável do processo, sem que isso implique uma busca desenfreada pela celeridade
processual a qualquer preço. E isto porque um processo que respeita as garantias
fundamentais é, necessariamente, um processo que demora algum tempo. O amplo debate
que deve existir entre os sujeitos do procedimento em contraditório exige tempo. A adequada
dilação probatória também exige tempo. A fixação de prazos razoáveis para a prática de atos
relevantes para a defesa dos interesses em juízo, como a contestação e os recursos, faz com
que o processo demore algum tempo. Mas estas são dilações devidas, compatíveis com as
garantias constitucionais do processo.

A observância de um sistema de vinculação a precedentes, especialmente no que concerne às


causas repetitivas; a construção de mecanismos de antecipação de tutela, tanto para situações
de urgência como para casos em que a antecipação se funda na evidência; a melhoria do
sistema recursal, com diminuição de oportunidades recursais; tudo isso contribui para a
duração mais razoável do processo. É, porém, sempre importante ter claro que só se pode
cogitar de duração razoável do processo quando este é capaz de produzir os resultados a que
se dirige. E estes são resultados que necessariamente têm de ser constitucionalmente
legítimos, pois resultados constitucionalmente legítimos exigem algum tempo para serem
alcançados.

Um processo rápido e que não produz resultados constitucionalmente adequados não é


eficiente. E a eficiência é também um princípio do processo civil (art. 8o). Impõe-se, assim, a
busca do equilíbrio, evitando-se demoras desnecessárias, punin-do-se aqueles que busquem
protelar o processo (e daí a legitimidade de multas e da antecipação de tutela quando haja
propósito protelatório), mas assegurando-se que o processo demore todo o tempo necessário
para a produção de resultados legítimos.

Vale destacar que do art. 4o do CPC (e de uma grande série de outros dispositivos, como o art.
317 e o art. 488, entre muitos outros exemplos que poderiam ser indicados) se extrai um outro
princípio – infraconstitucional – fundamental para o sistema processual brasileiro: o princípio da
primazia da resolução do mérito. É que, como se vê pela leitura do art. 4o, “as partes têm o
direito de obter [a] solução integral do mérito”. O processo é um método de resolução do caso
concreto, e não um mecanismo destinado a impedir que o caso concreto seja solucionado.
Assim, deve-se privilegiar, sempre, a resolução do mérito da causa. Extinguir o processo sem
resolução do mérito (assim como decretar a nulidade de um ato processual ou não conhecer de
um recurso) é algo que só pode ser admitido quando se estiver diante de vício que não se
consiga sanar, ou por ser por natureza insanável, ou por se ter aberto a oportunidade para que
o mesmo fosse sanado e isso não tenha acontecido. Deve haver, então, sempre que possível,
a realização de um esforço para que sejam superados os obstáculos e se desenvolva atividade
tendente a permitir a resolução do mérito da causa. É por isso, por exemplo, que se estabelece
que no caso de se interpor recurso sem comprovação de recolhimento das custas devidas deve
haver a intimação para efetivar o depósito (em dobro, para que não se estimule a prática
apenas como mecanismo protelatório) do valor das custas, viabilizando-se deste modo o
exame do mérito (art. 1.007, § 4o), ou se afirma que “[d]esde que possível, o juiz resolverá o
mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual
pronunciamento nos termos do art. 485”. Há, pois, no moderno direito processual civil
brasileiro, um princípio da primazia da resolução do mérito, o qual, espera-se, seja capaz de
produzir resultados bastante positivos no funcionamento do sistema de prestação de justiça
civil.

Outro princípio fundamental do processo é o da boa-fé objetiva (art. 5o; FPPC, enunciado 374:
“O art. 5o prevê a boa-fé objetiva”). Não se trata, pois, apenas de se exigir dos sujeitos do
processo que atuem com boa-fé subjetiva (assim entendida a ausência de má-fé), mas com
boa-fé objetiva, comportando-se da maneira como geralmente se espera que tais sujeitos se
conduzam. A vedação de comportamentos contraditórios (nemo venire contra factum
proprium), a segurança resultante de comportamentos duradouros (supressio e surrectio), entre
outros corolários da boa-fé objetiva, são expressamente reconhecidos como fundamentais para
o desenvolvimento do processo civil. A boa-fé processual orienta a interpretação da postulação
e da sentença, permite a imposição de sanção ao abuso de direitos processuais e às condutas
dolosas de todos os sujeitos do processo, e veda seus comportamentos contraditórios (FPPC,
enunciado 378).

Pense-se, por exemplo, no caso de o juiz ter indeferido a produção de uma prova requerida
pelo demandante, ao fundamento de que tal prova se destinaria a demonstrar um fato que já
estaria comprovado. Posteriormente, o pedido é julgado improcedente, ao fundamento de que
aquele mesmo fato não estaria provado, sendo do autor o ônus probatório. Essas são condutas
contraditórias e, por isso mesmo, contrárias ao princípio da boa-fé objetiva. Não se admite que
o juiz assim proceda (FPPC, enunciado 375: “O órgão jurisdicional também deve comportar-se
de acordo com a boa-fé objetiva”). Em casos assim, ou realmente o fato está provado e, por
conseguinte, a sentença de improcedência por falta da prova está errada, ou o fato não está
provado, e nesse caso seria imperioso reabrir-se a atividade probatória para não surpreender-
se a parte que originariamente tivera aquela prova indeferida (FPPC, enunciado 376: “A
vedação do comportamento contraditório aplica-se ao órgão jurisdicional”).

Também decorre da boa-fé objetiva o reconhecimento de que comportamentos produzem


legítimas expectativas. Figure-se um exemplo: intimado um devedor a cumprir uma decisão
judicial em certo prazo sob pena de multa, este deixa transcorrer o prazo sem praticar os atos
necessários à realização do direito do credor. Este, então, fica inerte, não toma qualquer
iniciativa, e permite que os autos sejam arquivados. Passados alguns anos, o credor
desarquiva os autos e postula a execução da multa vencida por esses anos de atraso no
cumprimento da decisão. Em um caso assim, deve-se considerar que o comportamento do
credor, que não tomou qualquer providência para evitar o arquivamento dos autos por tão
prolongado tempo, gerou no devedor a legítima confiança em que não seria executado, daí
resultando a perda do direito do credor à multa já vencida (supressio). Isso não implica, porém,
dizer que o credor não tenha direito à satisfação do seu direito já reconhecido. Será preciso,
porém, novamente intimar o devedor para cumprir a decisão no prazo que lhe fora assinado,
sob pena de tornar a incidir a multa. Mas a multa pelo decurso dos anos anteriores não será
mais devida por força da violação da boa-fé objetiva.

Outro exemplo se tem nos casos em que se manifesta a assim chamada “nulidade de
algibeira”. Essa é expressão que tem sido empregada para fazer referência a nulidades que a
parte deixa de arguir, guardando-a, como um trunfo, para alegar em momento posterior,
quando considere mais conveniente. Pense-se, por exemplo, no caso em que a parte requer
que as intimações a ela dirigidas sejam feitas no nome de um determinado advogado. O juízo,
por engano, faz as intimações em nome de outro advogado, que também é procurador daquela
parte, e todas as intimações são atendidas normalmente. Quando, porém, é proferida uma
decisão que é desfavorável a essa parte, e – mais uma vez – a intimação é feita em nome de
advogado distinto daquele indicado no requerimento inicial, a parte não atende à intimação
nem impugna a decisão proferida para, tempos depois, com o nítido propósito de ganhar
tempo, alega a nulidade da intimação. Tem-se considerado, porém, e acertadamente, que
nesses casos, o fato de a parte ter atendido às intimações anteriores gerou a legítima
expectativa de que aquela forma de intimar deveria ser reputada correta, de modo que viola a
boa-fé “guardar” a alegação de nulidade da intimação para o momento mais conveniente.

A boa-fé objetiva também impede que o julgador profira, sem motivar de forma específica a
alteração, decisões diferentes sobre uma mesma questão de direito aplicável a situações de
fato análogas, ainda que em processos distintos (FPPC, enunciado 377).

Em seguida, impende tratar do princípio do contraditório (art. 5o, LV, da CRFB). Este é, dos
princípios fundamentais do processo, o que se revela como sua nota essencial. Em outros
termos, o que se quer dizer com isso é que o contraditório é a característica fundamental do
processo.

Mais adiante se verá – quando do trato deste instituto fundamental do direito processual – que
o processo deve ser entendido como procedimento em contraditório. Assim é que, para o
Estado Constitucional Brasileiro, a construção da decisão judicial deve dar-se através de um
procedimento que se realiza com plena observância de um contraditório efetivo (qualificação do
contraditório que se encontra expressa na parte final do art. 7o).

O princípio do contraditório deve ser compreendido como uma dupla garantia (sendo que esses
dois aspectos do contraditório se implicam mutuamente): a de participação com influência na
formação do resultado e a de não surpresa.

Em primeiro lugar, o contraditório deve ser compreendido como a garantia que têm as partes
de que participarão do procedimento destinado a produzir decisões que as afetem. Em outras
palavras, o resultado do processo deve ser fruto de intenso debate e da efetiva participação
dos interessados, não podendo ser produzido de forma solitária pelo juiz. Não se admite que o
resultado do processo seja fruto do solipsismo do juiz. Dito de outro modo: não é compatível
com o modelo constitucional do processo que o juiz produza uma decisão que não seja o
resultado do debate efetivado no processo. Não é por outra razão que, nos termos do art. 10,
“o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do
qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria
sobre a qual deva decidir de ofício”.

A decisão judicial, portanto, precisa ser construída a partir de um debate travado entre os
sujeitos participantes do processo. Qualquer fundamento de decisão precisa ser submetido ao
crivo do contraditório, sendo assegurada oportunidade para que as partes se manifestem sobre
todo e qualquer possível fundamento. Isso se aplica, inclusive, às matérias cognoscíveis de
ofício (como, por exemplo, a falta de legitimidade ou de interesse). Ser de ordem pública
alguma matéria significa que pode ela ser apreciada de ofício, isto é, independentemente de ter
sido suscitada por alguma das partes. Quer isto dizer, porém, que essas são matérias que o
juiz está autorizado a suscitar, trazer para o debate.

Autorização para conhecer de ofício, porém, não é autorização para decidir sem prévio
contraditório. As questões de ordem pública, quando não deduzidas pelas partes, devem ser
suscitadas pelo juiz, que não poderá sobre elas pronunciar-se sem antes dar oportunidade às
partes para que se manifestem sobre elas.

O modelo constitucional de processo impõe, assim, um processo comparticipativo, policêntrico,


não mais centrado na pessoa do juiz, mas que é conduzido por diversos sujeitos (partes, juiz,
Ministério Público), todos eles igualmente importantes na construção do resultado da atividade
processual. Consequência disso é o assim chamado princípio da cooperação, consagrado no
art. 6o: “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em
tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.”

Seria evidentemente uma ingenuidade acreditar que os sujeitos do processo vão se ajudar
mutuamente. Afinal, litigantes são adversários, buscam resultados antagônicos, e seria absurdo
acreditar que o demandante vai ajudar o demandado a obter um resultado que lhe interesse
(ou vice-versa). Mas não é disso que se trata. O princípio da cooperação deve ser
compreendido no sentido de que os sujeitos do processo vão “co-operar”, operar juntos,
trabalhar juntos na construção do resultado do processo. Em outros termos, os sujeitos do
processo vão, todos, em conjunto, atuar ao longo do processo para que, com sua participação,
legitimem o resultado que através dele será alcançado. Só decisões judiciais construídas de
forma comparticipativa por todos os sujeitos do contraditório são constitucionalmente legítimas
e, por conseguinte, compatíveis com o Estado Democrático de Direito.

O modelo de processo cooperativo, comparticipativo, exige de todos os seus sujeitos que


atuem de forma ética e leal, agindo de modo a evitar vícios capazes de levar à extinção do
processo sem resolução do mérito, além de caber-lhes cumprir todos os deveres mútuos de
esclarecimento e transparência (FPPC, enunciado 373). Em outras palavras, é preciso ver, no
processo, uma comunidade de trabalho em que todos os seus sujeitos atuam da melhor
maneira possível para a construção do resultado final da atividade processual.
Sendo o contraditório uma garantia de participação com influência, decisões judiciais contrárias
a alguma das partes só são legítimas se produzidas com respeito a um contraditório prévio,
efetivo e dinâmico. Não é por outra razão que o art. 9o expressamente dispõe que “[n]ão se
proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”. Evidentemente,
porém, é legítimo decidir a favor de uma das partes sem ouvi-la previamente, pois aí não
haverá violação ao contraditório. Daí a legitimidade constitucional de se julgar improcedente o
pedido liminarmente, sem prévia citação (art. 332). É que nesse caso se decidirá a favor do réu
sem ouvi-lo previamente; mas o autor, contra quem se decide, terá sido ouvido anteriormente à
prolação da sentença de improcedência liminar.

O parágrafo único do art. 9o, porém, prevê três exceções à exigência de oitiva prévia da parte
contra quem se decide. A primeira exceção é a tutela provisória de urgência. Neste caso tem-
se uma exceção legitimada pelo princípio constitucional do acesso à justiça, já que a urgência
na obtenção da medida exige que esta seja deferida inaudita altera parte, sem oitiva da parte
contrária, sob pena de, respeitada a exigência de oitiva prévia da parte contra quem se decide,
não ter a decisão qualquer efetividade. De todo modo, e por força do princípio da
proporcionalidade, a exceção ao contraditório é estabelecida de forma a causar o menor
prejuízo possível. Daí por que a decisão concessiva de tutela de urgência que se profere
inaudita altera parte é provisória, podendo ser modificada ou revogada a qualquer tempo, após
a efetivação do contraditório (art. 297). Não há, pois, uma supressão completa do contraditório,
mas apenas sua postecipação, isto é, sua postergação para momento posterior.

Há exceção à exigência de prévia oitiva da parte contra quem se decide também nos casos de
tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III. O primeiro desses casos é o de
demanda repetitiva, em que já há tese firmada em precedente vinculante em favor da
pretensão deduzida pelo demandante, sendo suas alegações de fato comprováveis através de
prova exclusivamente documental preconstituída. Trata-se, neste caso, de uma técnica de
aceleração do resultado do processo, compatível com o princípio da duração razoável do
processo, em casos em que já existe uma tese firmada em um precedente judicial que vincula
o juízo competente para conhecer da causa. Mais uma vez, porém, é preciso ter claro que não
se trata de uma decisão definitiva. O caráter provisório da decisão proferida inaudita altera
parte, neste caso, é uma exigência do princípio do contraditório, uma vez que ao demandado,
contra quem se terá proferido aquela decisão concessiva da tutela da evidência, deve ser
assegurada a possibilidade de promover o distinguishing, isto é, de demonstrar que o caso
submetido a julgamento é diferente daquele que gerou o precedente e, por isso, nele a tese
firmada não deve ser aplicada (ou que é caso de operar-se o overruling, a superação do
precedente).

A segunda hipótese em que se admite a concessão inaudita altera parte da tutela da evidência
é a da demanda fundada em contrato de depósito, estando este comprovado
documentalmente, caso em que será desde logo determinada a entrega da coisa, sob
cominação de multa. Este é o caso em que o demandado é apontado como sendo depositário
infiel, assim entendido o depositário que descumpre sua obrigação de restituir a coisa, com
todos os seus frutos e acrescidos, quando o exija o depositante (art. 629 do Código Civil). Ora,
se a lei civil impõe a devolução da coisa depositada tanto que o depositante a exija, não
haveria sentido em que o direito processual civil não fosse capaz de prever mecanismos para a
pronta restituição da coisa depositada, sob pena de frustrar-se o próprio direito material. Uma
vez mais, porém, tem-se aí uma decisão provisória, sempre sendo possível ao demandado,
após regular contraditório, demonstrar que não era caso de devolução do bem.

O último caso em que se admite a prolação de decisão judicial inaudita altera parte é o da
decisão que determina a expedição do mandado monitório (art. 701). Trata-se de decisão que
integra, necessariamente, a estrutura do procedimento monitório, que tem entre suas
características fundamentais o que se costuma chamar de inversão de iniciativa do
contraditório, já que neste caso só haverá contraditório pleno se o demandado optar por
oferecer embargos (art. 702), sem os quais constituir-se-á de pleno direito o título executivo
judicial (art. 701, § 2o).
Consequência dessa percepção do contraditório como garantia de participação com influência
é que deve ser ele, também, compreendido como uma garantia de não surpresa. Significa isto
dizer que o resultado do processo não pode ser tal que surpreenda qualquer dos seus
participantes. É o que ocorre, por exemplo, quando se profere decisão acerca de uma questão
de ordem pública suscitada de ofício sem que sobre ela se tenha garantido às partes
oportunidade para prévia manifestação. Do mesmo modo, tem-se decisão surpresa naqueles
casos em que o juiz emite pronunciamento valendo-se de fundamento (de fato ou de direito)
que não tenha sido submetido ao debate entre os participantes do processo.

Sempre foi da cultura do processo civil brasileiro admitir-se a prolação de decisões fundadas
em argumentos de direito que não tivessem sido submetidos a debate prévio. Era o que se
extraía da clássica parêmia da mihi factum, dabo tibi ius (“dá-me os fatos que te darei o
direito”). É que tradicionalmente se acreditou que a incumbência das partes era apresentar ao
juízo os fatos da causa, cabendo ao órgão jurisdicional estabelecer o direito aplicável. Ocorre
que esta é uma forma de atuar incompatível com o Estado Constitucional, já que presa à
ultrapassada ideia de que o processo serve apenas para que o Estado dê solução às causas
que lhe são submetidas, construindo os resultados de forma solipsista. Este juiz solipsista,
egoísta, que constrói a decisão judicial sozinho, é incompatível com o Estado Democrático de
Direito, o qual exige que o exercício do poder estatal se dê de forma comparticipativa, já que a
participação da sociedade é um dos elementos integrantes dessa forma de Estado
expressamente estabelecida pela Constituição da República. Assim, só é constitucionalmente
legítima (ou, dito de outro modo, só é democrática) a decisão judicial construída em
contraditório por todos os participantes do processo, aos quais incumbe debater todo e
qualquer possível fundamento da decisão judicial. Não se admitem, portanto, as decisões
chamadas “de terceira via”, ou seja, as decisões baseadas em fundamento que o juiz tenha
“tirado da cartola”, invocando-o de forma surpreendente, sem submetê-lo a prévio debate.

Além do princípio do contraditório, incumbe também ao juiz assegurar a observância do


princípio da isonomia (art. 5o, caput e inciso I, da CRFB). É que o art. 7o estabelece que “[é]
assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades
processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções
processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”. Isonomia, como provém de
clássica lição, ainda aceita pela maior parte da doutrina brasileira, é tratar igualmente os iguais
e desigualmente os desiguais, nos limites da desigualdade. Essa é, porém, uma ideia imprecisa
(já que não é possível “medir” a desigualdade entre pessoas). Resulta daí a necessidade de
que se compreenda o princípio da igualdade como um dever, normativamente imposto, de que
a todos se trate com igual respeito e consideração, promovendo-se um processo equilibrado. E
consequência disso é que a igualdade, no plano processual, deve ser compreendida como um
complexo formado por três elementos: igualdade de equipamentos, igualdade de
procedimentos e igualdade de resultados. Disso resulta que as partes devem ter acesso a
meios equivalentes para exercer seus direitos e faculdades processuais e, quando o emprego
dos mesmos meios gerar resultados desequilibrados será preciso que elas recebam
tratamentos diferenciados, a fim de assegurar que pessoas em situações jurídicas
substancialmente idênticas obtenham, do processo, resultados idênticos. Evita-se, assim, que
partes vulneráveis saiam vencidas do processo não por não terem razão, mas pela
circunstância de serem mais fracas. O mais forte não pode se sagrar vencedor por ser mais
forte. Este não seria um resultado conforme o Direito. Justifica-se, pois, a existência de
tratamentos diferenciados no processo como forma de assegurar um processo equilibrado.

Pois do princípio da isonomia devem ser extraídas duas ideias: primeiro, que as partes devem
atuar no processo com paridade de armas (par conditio); segundo, que casos iguais devem ser
tratados igualmente (to treat like cases alike).

A paridade de armas garantida pelo princípio da isonomia implica dizer que no processo deve
haver equilíbrio de forças entre as partes, de modo a evitar que uma delas se sagre vencedora
no processo por ser mais forte do que a outra. Assim, no caso de partes que tenham forças
equilibradas, deve o tratamento a elas dispensado ser igual. De outro lado, porém, partes
desequilibradas não podem ser tratadas igualmente, exigindo-se um tratamento diferenciado
como forma de equilibrar as forças entre elas. É isso que justifica, por exemplo, a concessão do
benefício da gratuidade de justiça aos que não podem arcar com o custo do processo (arts. 98
e seguintes); a redistribuição do ônus da prova nos casos em que haja dificuldade excessiva,
impossibilidade de sua produção ou maior facilidade na obtenção da prova do fato contrário
(art. 373, § 1o); do benefício de prazo em dobro para os entes públicos (art. 183) etc.

Já a exigência de que casos iguais recebam decisões iguais nada mais é do que aplicação da
norma constitucional que afirma a igualdade de todos perante a lei (art. 5o, caput, da
Constituição da República). Ora, se todos são iguais perante a lei, então casos iguais devem
receber soluções iguais. E este é um dos fundamentos a estabelecer a exigência de construção
de um sistema em que se reconhece a eficácia vinculante de precedentes judiciais. Afinal,
definida pelo tribunal competente qual é a norma jurídica aplicável a determinado tipo de
situação (e por determinação da norma deve-se entender, evidentemente, a determinação da
interpretação atribuída ao[s] texto[s] normativo[s], já que não se confunde o texto com a norma,
e esta é a interpretação atribuída ao texto), impende que casos iguais recebam a aplicação da
mesma norma (ou seja, da mesma interpretação), sob pena de se ter soluções anti-isonômicas,
com casos iguais sendo resolvidos diferentemente. Fosse isso legítimo e não se poderia dizer
que são todos iguais perante a lei.

Outros princípios que são expressamente referidos como normas fundamentais do processo
civil são os da dignidade da pessoa humana, proporcionalidade, razoabilidade, legalidade,
publicidade e eficiência (art. 8o).

O princípio da dignidade da pessoa humana está posto no art. 1o, III, da CRFB. Deve-se
entender por dignidade da pessoa humana a garantia de que cada pessoa natural será tratada
como algo insubstituível, que deve ser reputada como um fim em si mesmo, tendo cada pessoa
responsabilidade pelo sucesso de sua própria vida. Incumbe ao juiz – e aos demais sujeitos do
processo – garantir respeito à dignidade humana, assegurando o valor intrínseco de cada vida
que é trazida ao processo. Daí se infere, necessariamente, que aos sujeitos do processo é
preciso sempre ter claro que os titulares dos interesses em conflito são pessoas reais, cujas
vidas serão afetadas pelo resultado do processo e que, por isso mesmo, têm o direito de
estabelecer suas estratégias processuais de acordo com aquilo que lhes pareça melhor para
suas próprias vidas. É inadmissível tratar as partes como se não fossem pessoas reais, meros
dados estatísticos. Afinal, se para o Judiciário cada processo pode parecer apenas mais um
processo, para as partes cada processo pode ser o único, o mais relevante, aquele em que sua
vida será decidida. E é dever do juiz assegurar que isto seja respeitado.

Também se faz expressa referência no art. 8o aos princípios da razoabilidade e


proporcionalidade. Estes são princípios cujo conteúdo ainda gera, na doutrina constitucional,
tremenda controvérsia, sequer havendo consenso acerca de serem os termos razoabilidade e
proporcionalidade sinônimos ou não. O STF tem invocado a razoabilidade e a
proporcionalidade em diversas decisões, usualmente fazendo referência a eles como
projeções, no plano substancial, do princípio do devido processo legal (substantive due
process). Deve-se entender o princípio da proporcionalidade (ou razoabilidade, entendidos os
termos, portanto, como sinônimos) como uma proteção contra excessos ou deficiências. Em
outros termos, do princípio da proporcionalidade resulta uma garantia de que não haverá
proteção excessiva (como se daria, por exemplo, no caso de se criar um benefício de prazo
para a Fazenda Pública que decuplicasse seus prazos), assim como não haverá proteção
deficiente (como se daria, por exemplo, no caso de se estabelecer que o benefício de prazo
para a Fazenda Pública se manifestar no processo consistiria, tão somente, em aumentar em
um dia os prazos para ela, o que não teria qualquer efeito prático na sua proteção). A
proporcionalidade, pois, permite dimensionar a aplicação dos outros princípios e regras do
ordenamento brasileiro.

O princípio da legalidade deve ser entendido como uma exigência de que as decisões sejam
tomadas com apoio no ordenamento jurídico. Não incumbe ao Judiciário fazer a lei, mas
interpretar e aplicar a lei que é democraticamente aprovada pelo Legislativo. Quem vai ao
Judiciário busca ver seu caso solucionado de acordo com o que consta do ordenamento
jurídico, não tendo os juízes legitimidade para criar soluções, segundo sua consciência ou seus
valores pessoais, para os casos que lhes são submetidos. O papel criativo do juiz se limita à
interpretação, a qual é evidentemente limitada por textos que ele não está legitimado a criar.
Deve-se, pois, julgar cada causa submetida ao Judiciário conforme o ordenamento jurídico
vigente. A Constituição e a lei não são meras sugestões.

Este, aliás, é um ponto que merece ser destacado. Não cabe a juízes e tribunais “reescrever” a
lei conforme seus valores ou preferências. Leis que não sejam inconstitucionais devem ser
aplicadas, ainda quando o juiz não goste delas. Leis ruins existem, claro, mas o local
apropriado para modificá-las ou revogá-las é o Legislativo, e não o Judiciário. Nem se pode
admitir que, sob o disfarce de uma suposta “interpretação” se deixe, simplesmente, de aplicar a
lei sem que se realize seu controle de constitucionalidade, o que viola não só o princípio da
legalidade mas também o enunciado da Súmula Vinculante nº 10 e o art. 927, II, do Código de
Processo Civil.

De sua vez, o princípio da publicidade exige que os atos processuais sejam praticados
publicamente, sendo livre e universal o acesso ao local em que são praticados e aos autos
onde estão documentados seus conteúdos. Esta é uma garantia de controlabilidade do
processo, já que permite que toda a sociedade exerça um controle difuso sobre o conteúdo dos
atos processuais. Excepciona-se, porém, esta publicidade naqueles casos em que o processo
tramita (ou algum ato processual tem de ser praticado) em segredo de justiça (art. 189), em
que é possível limitar-se o acesso ao ato processual às partes e seus procuradores e ao
Ministério Público (art. 11, parágrafo único). O art. 11 volta a fazer alusão ao princípio da
publicidade ao afirmar que todos os julgamentos serão públicos. No Direito brasileiro há uma
ampla publicidade do ato de julgar. Basta ver que são públicas as sessões de julgamento dos
tribunais (algumas delas até transmitidas por via televisiva ou pela Internet), sendo permitido a
qualquer pessoa presenciar o momento em que os juízes proferem seus votos. Esta é uma
peculiaridade do Direito brasileiro, não se encontrando equivalente no Direito comparado. De
um modo geral, em outros lugares, o ato de julgar é sigiloso, posteriormente dando-se
publicidade à decisão já proferida. De outro lado, no Brasil o próprio ato de decidir é público.

Por fim, o art. 8o faz menção ao princípio da eficiência. Este é princípio que tradicionalmente
era conhecido como princípio da economia processual, e sua incidência no sistema processual
decorre do art. 37 da CRFB. Pode-se compreender a economia processual como a exigência
de que o processo produza o máximo de resultado com o mínimo de esforço. É este o princípio
que legitima institutos processuais como o litisconsórcio facultativo, a cumulação objetiva de
demandas, a denunciação da lide etc. É que se deve entender por eficiência a razão entre o
resultado do processo e os meios empregados para sua obtenção. Quanto menos onerosos
(em tempo e energias) os meios empregados para a produção do resultado (e desde que seja
alcançado o resultado constitucionalmente legítimo), mais eficiente terá sido o processo.

O art. 11 (já mencionado por conta do princípio da publicidade) faz também alusão ao princípio
da fundamentação das decisões judiciais, que está consagrado no art. 93, IX, da Constituição.
Todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade.

O CPC exige, concretizando o princípio constitucional, uma fundamentação substancial das


decisões. Não se admite a prolação de decisões falsamente motivadas ou com “simulacro de
fundamentação”. É o que se dá nos casos arrolados no § 1o do art. 489, o qual enumera uma
série de casos de falsa fundamentação, as quais são expressamente equiparadas às decisões
não fundamentadas (FPPC, enunciado 303: “As hipóteses descritas nos incisos do § 1o do art.
489 são exemplificativas”). Assim, não se considera fundamentada a decisão que “se limitar à
indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a
causa ou a questão decidida”. Deste modo, não são aceitas, por falsamente fundamentadas,
decisões que digam algo como “presentes os requisitos, defiro”, ou “sendo provável a
existência do direito alegado e havendo fundado receio de dano irreparável, defiro a tutela de
urgência”, ou qualquer outra a estas assemelhada.
Do mesmo modo, é falsamente fundamentada a decisão que “empregar conceitos jurídicos
indeterminados” (como razoável, proporcional ou interesse público) “sem explicar o motivo
concreto de sua incidência no caso”.

Também é nula por vício de fundamentação a decisão que “invocar motivos que se prestariam
a justificar qualquer outra decisão”. Assim, por exemplo, é nula a decisão que, ao receber a
petição inicial de uma demanda de improbidade administrativa, o faz com apoio no
“fundamento” segundo o qual tal recebimento deve se dar em defesa dos interesses da
sociedade, não tendo o demandado demonstrado de forma definitiva que não ocorreu qualquer
ato ímprobo, motivo pelo qual deve incidir o “princípio” in dubio pro societate. Decisão como
esta, a rigor, poderia ser utilizada em qualquer caso. E decisão que serve para qualquer caso,
na verdade, não serve para caso algum.

É nula, também, a decisão que “não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo
capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador” (art. 489, § 1o, IV). Este caso
de vício de fundamentação demonstra, de modo muito claro, a intrínseca ligação existente
entre o princípio da fundamentação das decisões e o princípio do contraditório. É que este
princípio assegura aos sujeitos do processo participação ampla no debate destinado a construir
a decisão. Daí se precisa extrair, então, que o princípio do contraditório não garante às partes
só o direito de falar, mas também o direito de ser ouvido. Ora, não haverá contraditório efetivo
e dinâmico se os argumentos deduzidos pelas partes não forem levados em consideração na
decisão judicial. Impende, então, que o órgão jurisdicional leve em conta todos os argumentos
suscitados pelas partes e que sejam capazes, em tese, de levar a uma decisão favorável.

Isto combate o vício de muitos tribunais brasileiros de afirmar algo como “o juiz não está
obrigado a examinar todos os fundamentos suscitados pelas partes, bastando encontrar um
fundamento suficiente para justificar a decisão”. Esta é postura que claramente viola o princípio
do contraditório e, portanto, é frontalmente contrária ao modelo constitucional de processo civil
brasileiro. É claro que tendo o ór-gão jurisdicional encontrado um fundamento suficiente para
decidir favoravelmente a uma das partes, não há qualquer utilidade (e, portanto, não há
interesse) em que sejam examinados outros fundamentos deduzidos pela parte e que também
levariam a um resultado a ela favorável. Afinal, estes outros fundamentos não poderiam levar a
um resultado distinto do já alcançado. Há, porém, necessidade de exame de todos os
fundamentos deduzidos pela parte contrária e que, em tese, seriam capazes de levar a um
resultado distinto. Em outros termos, é direito da parte ver na decisão que lhe é desfavorável a
exposição dos motivos que levaram à rejeição de todos os fundamentos que suscitou em seu
favor. Só assim se poderá afirmar que sua participação no processo de formação da decisão foi
relevante, que ela foi ouvida (ainda que não tenha sido atendida) e, portanto, que foi
plenamente respeitada sua participação em contraditório.

Também há vício de fundamentação na decisão judicial que “se limitar a invocar precedente ou
enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o
caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos”. Este é tema a que se voltará mais
cuidadosamente adiante, no capítulo dedicado ao estudo dos precedentes judiciais. De todo
modo, não se pode agora deixar de dizer que o princípio da fundamentação das decisões é
afrontado em casos nos quais o órgão jurisdicional se limita a indicar ementas de outros
acórdãos em que teriam sido decididos casos iguais ou análogos. A mera indicação de
ementas não é correta invocação de precedentes. Impõe-se a precisa indicação dos
fundamentos determinantes (rationes decidendi) da decisão invocada como precedente, com a
precisa demonstração de que os casos (o precedente e o agora decidido) guardam identidade
que justifique a aplicação do precedente.

Há, por fim, vício de fundamentação na decisão judicial que “deixar de seguir enunciado de
súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de
distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”. Mais uma vez se tem aqui
uma hipótese cujo exame aprofundado deve dar-se no capítulo dedicado ao estudo dos
precedentes. De toda maneira, impende agora deixar claro que não estará legitimamente
(constitucionalmente) fundamentada a decisão judicial que, em caso no qual a parte tenha
invocado algum precedente (ou enunciado de súmula, ou jurisprudência predominante) que lhe
favoreça, deixe de indicar os motivos pelos quais dele se afasta, apontando a distinção entre o
precedente e o caso agora examinado (distinguishing) ou a superação do entendimento
adotado no precedente (overruling).

Conclui-se o capítulo das normas fundamentais do processo civil com um dispositivo (art. 12,
na redação da Lei nº 13256/2016) destinado a estabelecer a exigência de que os órgãos
jurisdicionais profiram suas sentenças e acórdãos obedecendo, preferencialmente, a uma
ordem cronológica de conclusão. A fim de assegurar o respeito a essa exigência, dispõe o § 1o
que a secretaria do órgão jurisdicional elaborará uma lista de processos aptos a julgamento (o
que, na linguagem forense, sempre se chamou de “processos conclusos para sentença”), a
qual deverá estar disponível para consulta pública em cartório e na Internet.

Assim, incumbe ao juiz ou tribunal proferir suas sentenças (mas não necessariamente as
decisões interlocutórias) ou acórdãos, preferencialmente segundo a ordem cronológica em que
os autos tenham sido enviados à conclusão. Ficam excluídos dessa regra, porém (art. 12, §
2o), as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de improcedência
liminar do pedido; o julgamento de processos em bloco para aplicação de tese jurídica firmada
em julgamento de casos repetitivos; o próprio julgamento de casos repetitivos; as decisões de
extinção do processo sem resolução do mérito (art. 485); as decisões monocráticas proferidas
nos tribunais pelo relator (art. 932); o julgamento de embargos de declaração e de agravo
interno; as preferências legais (como é o caso do processo em que é parte o idoso, ou os
processos de habeas corpus) e os casos em que haja meta, estabelecida pelo CNJ, a cumprir;
os processos criminais (quando o órgão jurisdicional tiver competência cível e criminal); e as
causas que exijam urgência na prolação da decisão, assim reconhecida expressamente por
decisão fundamentada. Para estas, sequer preferencial a ordem cronológica é.

Vale apenas referir, com relação a uma dessas exceções (a das decisões monocráticas
proferidas pelo relator nos tribunais), que esta deve ser entendida modus in rebus. Quer-se
com isto dizer que devem existir duas ordens cronológicas distintas de conclusão (isto é, duas
filas a serem observadas): uma para as decisões monocráticas (que devem preferencialmente
ser proferidas em ordem cronológica de conclusão, observadas as demais exceções previstas
no § 2o do art. 12); outra para os acórdãos, devendo os processos ser incluídos na pauta de
julgamento para apreciação pelo colegiado observando-se preferencialmente a ordem
cronológica de conclusão ao relator (sempre observadas as exceções expressamente
previstas).

O nítido objetivo aqui é evitar favorecimentos, de modo que um processo, por qualquer razão,
tenha andamento mais rápido que outro, sendo decidido primeiro, não obstante tenham os
autos ido posteriormente à conclusão.

Impende ter claro, porém, que apenas a decisão final do procedimento (tanto na primeira
instância como nos tribunais) se submete à regra preferencial da ordem cronológica. Decisões
interlocutórias (mesmo nos tribunais, como é o caso da decisão do relator que atribui efeito
suspensivo a um recurso) não “entram na fila”, bastando nesses casos a observância dos
prazos estabelecidos pela lei processual para que as decisões sejam proferidas.

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