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AS CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL1

Lino Castellani Filho*

RESUMO: THE CONCEPTS OF PHYSICAL


O presente texto - síntese da parti- EDUCATION IN BRAZIL.
cipação em evento (set/2011) organiza- Abstract: The present text – syn-
do pelo Grupo de Estudos e Pesquisas thesis of participation in an event (sep-
“Ephysis”, da Escola de Educação Física tember/2011) organized by the Group
e Esporte da USP - buscou refletir sobre of Studies and Research “Ephysis”,
os referenciais teórico-conceituais que School of Physical Education and Sport
orientam os diferentes modos de pensar of USP in 2011 - sought to reflect on
e agir em Educação Física no Brasil, no the theoretical and conceptual refe-
bojo de uma reflexão maior centrada no rentials that guide the different modes
tema “Educação Física e Sociedade: As think and act in Physical Education in
contribuições das subáreas Biodinâmi- Brazil, in the bunt of a larger reflection
ca, Sociocultural e Pedagógica”. centered on the theme “Physical Edu-
Palavras-chave: Educação. Educa- cation and Society: the contributions
ção Física. Política Educacional. Con- of Subareas Biodynamics, Sociocultural
cepções Pedagógicas. Metodologia de and Educational”.
Ensino. Dinâmica curricular. Keywords: Education. Physical
1
O presente texto se origina de transcrição de palestra Education. Educational Policy. Pedago-
conferida predominantemente a alunos de graduação, gical concepts. Teaching Methodology.
em Seminário (set/2011) - organizado pelo Grupo de
Estudos e Pesquisas Ephysis, da Escola de Educação Dynamic curriculum.
Física e Esporte da USP - denominado “Educação
Física e Sociedade: As contribuições das subáreas
Biodinâmica, sociocultural e Pedagógica - Subte-
ma: As Concepções de Educação Física no Brasil”, O MOMENTO...
mantendo em sua estrutura as características próprias
da oratória mesclada com construções mais elaboradas, A iniciativa da USP é extrema-
necessárias à sua melhor compreensão. Deve, portanto,
ser compreendido a partir dessa sua natureza. mente oportuna. Nós estamos viven-
**
Doutor Em Educação; Professor Visitante - FEF/UNB; do momento extremamente rico na
Professor Livre-Docente - FEF/Unicamp (1986/2011);
Pesquisador-líder do Observatório de Políticas de Educação Física (EF) brasileira, por-
Educação Física, Esporte e Lazer – Observatório do que não é de hoje que assistimos certo
Esporte (CNPq/Unicamp); Secretário Nacional de
Desenvolvimento do Esporte e do Lazer/Ministério do incômodo em seu interior por conta
Esporte (2003/06); Presidente do Colégio Brasileiro de da relação existente entre duas grandes
Ciências do Esporte, CBCE, (1999/2003).

Horizontes – Revista de Educação, Dourados, MS, n.1,


n.2, v1, janeiro
julho a adezembro
junho dede
2013
2013 11
Universidade Federal da Grande Dourados

áreas que de alguma maneira formam de instituições acadêmicas, científicas,


e balizam a intervenção profissional- de gestão de instituições universitárias
-acadêmica de seus profissionais. As ou algo desse tipo... Essa lógica do em-
duas grandes áreas científicas — de preendedorismo me incomoda porque
uma maneira bem simples, ciências abafa, sufoca aquilo que eu penso estar
biológicas de um lado e as humani- na base da possibilidade que nós temos
dades, de outro — estão vivendo um hoje de discutir a EF, que é justamente
momento de recrudescimento de certo a necessidade de intervir politicamente
embate, penso eu, que precisa ser con- no campo, na construção das políticas
duzido de forma a fazer com que a área educacionais, nas políticas de pós-gra-
como um todo saia dele fortalecida. duação, em tudo aquilo, portanto, que
diz respeito à nossa área.
SOBRE MILITÂNCIA Estou dizendo isso provavelmente
ACADÊMICA... não para as pessoas que deveriam estar
ouvindo... Temos aqui pessoas que se
Penso que uma característica da encaixam no perfil de militante a que
geração da qual faço parte está ligada à venho me referindo, sem o qual mo-
ideia da militância, da compreensão de mentos como este não estariam acon-
que apreender a realidade, longe de se tecendo... Não é à toa que essas pessoas
caracterizar como “ponto de chegada” são as que estão à frente dessa iniciativa
do processo de conhecimento, deve ser desta Escola, escola essa para a qual nu-
entendido como “ponto de partida” da tro um carinho muito grande. Minha
intervenção nessa mesma realidade. E graduação se deu nela... Faço parte da
para que esta intervenção se dê de forma última turma que se formou lá no gi-
consequente, rigorosa, é fundamental násio do Ibirapuera... O hoje diretor da
que nós nos apropriemos da compreen- Escola, o Professor Eduardo Negrão,
são da realidade a partir da mediação da era meu colega de turma... O Chamá-
teoria, e que a partir dessas reflexões e es- vamos Cadú...
tudos déssemos conta de produzir uma
intervenção que tivesse uma qualidade Aqui estão vocês todos enfim...
diferenciada daquela até então presente. Dentro dessa lógica da militância, para
mim soa como convocação as vezes que
Chamo atenção para isso porque a Yara sinaliza a intenção de se ter aqui
percebo hoje a ausência cada vez maior uma conversa sobre os assuntos que, de
desse militante acadêmico, substituído alguma forma, me dizem respeito. Pen-
pelo empreendedor acadêmico... Não so ser isso fundamental para que pos-
sei como é que está aqui na USP, aqui samos buscar fazer valer aquilo em que
na Escola, mas eu sei que lá na minha acreditamos. Foi isso que me levou ao
faculdade, na Unicamp, em concursos Colégio Brasileiro de Ciências do Espor-
públicos é mais valorizada a capacidade te, CBCE... Não foi a toa que eu passei
do docente de captar recursos financei- praticamente quatro anos à frente dessa
ros do que o tempo que ele tem em sala sociedade científica, uma experiência
de aula, o tempo que ele tem à frente muito valiosa para mim. Foi também

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movido pelo conceito de militância que me levou a estudar os papéis repre-


que me vi envolvido na presidência da sentados pela EF no cenário educacional
Adunicamp — Associação de Docentes armado no palco social brasileiro. Isso
da Unicamp, experiência ímpar de co- me fez ver que esses papéis foram se mo-
nhecer uma instituição universitária de dificando na medida em que os cenários
outro lugar, me permitindo olhar e per- educacionais se modificavam, e a modi-
ceber coisas que de outros lugares não ficação desses cenários se dava pela pre-
necessariamente são vistas... E foi ela, sente no próprio palco social brasileiro...
militância, que me levou recentemente
O Brasil ao se movimentar, modi-
(2003/06) ao Ministério do Esporte,
ficava-se, e esse movimento da socieda-
imbuído da vontade e certa pretensão de
de brasileira gerava mudanças no cam-
querer intervir, de não me contentar em
po da educação, que por sua vez gerava
simplesmente saber como as coisas são,
outras no interior da EF e a fazia buscar
mas me valer do conhecimento e fazer
representar papéis que se ajustassem a
dele uma ferramenta forte de interven-
esse novo cenário e a esse novo palco...
ção na realidade, buscando dar conta de
Isso mostra quanto a história é dinâmi-
construir aquilo que defendemos... Isso
ca, quanto ela é movimento, processo...
marcou a geração dos anos 1980...
Tal percepção nos afasta de uma visão
estática de história, descontextualizada,
MINHA RELAÇÃO COM A factual da história. Isso faz nos perce-
HISTÓRIA... ber sujeitos da história, nos coloca como
responsáveis pela construção desta histó-
Eu vi alguns de vocês entregando ria... E entender como é esse processo,
trabalhos à Yara, referentes ao livro “A como é que as coisas aconteceram, estão
Educação Física no Brasil: A história acontecendo se torna fundamental para
que não se conta”. Esse livro, hoje em que possamos estabelecer parâmetros
sua 19ª reimpressão (2011), faz com de como intervir para que ela ganhe um
que muitos me tenham como historia- determinado rumo à frente.
dor... Nunca me percebi historiador...
Tenho no método materialista histó- Pois é a partir da compreensão his-
rico dialético a forma através da qual tórica que vamos entender a gênese, en-
busco me apropriar da compreensão tre nós, lá no século XIX, da sua (dela,
da realidade, para que a partir desta EF) relação paradigmática com o parâ-
compreensão eu possa qualificar a mi- metro da aptidão física, que a fez, ao lon-
nha intervenção nela... Esta é a relação go de todo o século XX — até o início
que mantenho com a história. Acima da década de 1980 com uma hegemonia
de tudo, metodológica. praticamente inquestionável — cons-
truir a sua forma de ser exclusivamente
Pois foi o interesse de conhecer o pautada na lógica dessa relação. Toda
velho para construir o novo — partin- vez que se falava em EF se respondia
do do pressuposto que o novo não surge aptidão física, correspondente à ideia de
pela negação do velho, mas sim pela sua promoção de saúde compreendida em
apreensão e subsequente superação — seus limites biofisiológicos.

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A própria busca do rendimento É certo que temos certa dificul-


físico estava vinculada à tese da neces- dade em lidar com a expressão EF.
sidade da capacitação física (a Carta Isso porque comumente ela é confun-
Magna de 1937, gestada à luz do Esta- dida com a própria atividade física. É
do Novo, falava em adestramento físico!) fácil observar, aqui mesmo no cam-
do trabalhador brasileiro visando qua- pus, uma pessoa respondendo ir fa-
lificá-lo fisicamente para a construção zer educação física, quando indagada
de um projeto de sociedade brasileira, sobre o que vai fazer em determinado
articulado ao modo de produção capi- momento do dia... Você faz atividade
talista centrado no modelo industrial, física, você se exercita, você se envol-
superando o que tínhamos até o início ve em atividades corporais, em práticas
daquela década, qual seja, o modelo corporais... EF é vista como sinônimo
agrário-comercial exportador. dessas outras expressões...
Essa necessidade da capacitação EF também é reconhecida como
física para o trabalho fornece legitimi- componente da educação escolar bra-
dade à EF, fazendo com que avancemos sileira. Uma disciplina — durante
século adentro presos à relação paradig- muito tempo tida como atividade
mática mencionada. A nossa presença — curricular que junto aos demais
no ambiente escolar ou mesmo fora da componentes dá conta do processo de
escola se justificava, em linhas gerais, formação humana e profissional dos
pelo dar conta do aprimoramento da jovens que passam pelo universo da
aptidão física da população brasileira em Educação Básica. E, mais recentemen-
geral e da melhoria da aptidão física do te, EF também é o nome que vimos
educando brasileiro em particular. E es- dando à configuração de nossa área
sas não são expressões minhas. A expres- acadêmica. Dessa forma temos essa
são melhoria da aptidão física do educan- mesma expressão tendo três sentidos
do é parte constitutiva de um artigo do diferentes, o que tem levado à confu-
decreto 69.450/1971, regulamentador são conceitual quando não fica claro o
da lei 5692/1971 no pertinente à pre- contexto no qual surge sua utilização,
sença da EF no espaço escolar. Já a ex- trazendo dúvidas sobre em qual desses
pressão aprimoramento da aptidão físi- sentidos ela estaria sendo empregada...
ca da população brasileira, é localizada
Aqui, num primeiro momento
em outro documento legal, desta feita
vamos falar da EF vinculada à ideia
de 1975 (L. 6521), regulamentado em
de componente curricular, de disci-
1977 pelo Decreto 80.228, que tratava
plina e prática pedagógicas. E quando
exatamente da definição de diretrizes e
falo de componente curricular, estou
bases para a EF e Esporte nacionais.
me reportando à escola. Mas com um
Pois foi essa lógica, portanto, que pouquinho de esforço vocês vão po-
norteou a formação profissional e os der também perceber que não neces-
primeiros passos da produção de co- sariamente o diálogo precisa ser feito
nhecimento dentro dessa área por nós exclusivamente com a escola. Porque,
chamada EF. na verdade, o que historicamente deu

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identidade à EF e a seus profissionais, sociedade brasileira. Os movimentos so-


foi sua relação com o ensino, com a do- ciais, os movimentos populares se rearti-
cência. E esse ensino/docência se dava culam e se reorganizam. O mesmo se dá
em níveis e lugares distintos. Tanto no com os partidos políticos... Os debates
âmbito da educação escolar como fora, começam a fruir sob o ocaso da saída
nos clubes, centros esportivos, centros de cena dos militares, mais preocupados
comunitários, todos os lugares onde a em preservarem os dedos mesmo que
prática corporal e esportiva se fazia pre- sob o risco de perderem os anéis...
sente, a presença desse profissional se
Como não poderia deixar de ser
dava na lógica da docência, no assumir
também no campo da educação se dá
a postura de professor. Não é à toa que
início a um grande debate sobre os ru-
os atletas profissionais até hoje se diri-
mos da educação brasileira e é nele que
gem ao técnico chamando-o de profes-
a EF se espelha e começa a refletir acer-
sor... Na verdade é essa a relação que se
ca dos papéis que couberam a ela repre-
estabelece. O professor é quem ensina a
sentar ao longo de sua existência. Isso
tática, a técnica, enfim tudo o que diz
sendo feito a partir da necessidade pos-
respeito ao fazer de uma ou outra mo-
ta naquele momento de se perspectivar,
dalidade esportiva...
no cenário que se apresentava no hori-
zonte brasileiro a partir dos fatos que se
OS ANOS 1980 sucediam naquele dinâmico presente,
as possibilidades históricas de constru-
É nessa perspectiva que vamos en- ção de nosso futuro... Certo era que o
contrar nos anos 1980, em nosso país, jeito que ela vinha sendo não se coadu-
o momento de ruptura paradigmática nava com o país que se forjava em prin-
em que se descortina a possibilidade de cípios democráticos... E aí começamos
se pensar a EF para além de sua relação a questionar a lógica que nos impedia
paradigmática com a aptidão física, na de pensar a EF de forma contextuali-
direção de outra, desta feita de natureza zada, dificultando nossa percepção dos
histórico-social... Não é à toa que isso processos de formação e de produção
acontece nos anos 1980. Vivíamos na- de conhecimento notadamente em di-
quele momento histórico todo um pro- reção distinta daquela vinculada ao eixo
cesso de redemocratização da sociedade paradigmático aqui já mencionado.
brasileira. Os militares, que desde 1964
até aquela data estavam determinando Configura-se nos anos 1980, por-
os destinos da sociedade brasileira, não tanto, a possibilidade de outra relação
mais identificam condições de perma- paradigmática, de natureza histórico-
necer à frente dessa sociedade e articu- -social, que identificava o esporte, o
lam politicamente o regresso à caserna, jogo, a dança, a ginástica como dimen-
devolvendo à sociedade civil a possibili- sões da cultura humana denominadas
dade de tomar para si a responsabilida- por uns de cultura corporal, por outros
de de construção do futuro brasileiro, a de cultura corporal do movimento, além
partir do presente que ali se desenhava. de cultura do movimento e motricida-
Esse é um momento de oxigenação da de humana, para não irmos além... As

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denominações foram surgindo, muitas campo das ciências biológicas, porque


delas com base epistemológica anun- continuávamos precisando deles para
ciada ao lado de outras com constructo responder perguntas do tipo “O que
epistemológico desconhecido até dos acontece com o seu corpo, com o seu or-
que a anunciavam... ganismo quando submetido à atividade
física, ao exercício físico? Como se adqui-
Mas, fato concreto é que se abre
re condicionamento físico, rendimento
a possibilidade de se pensar o presen-
físico-esportivo? Pois aí sim não é a fi-
te no âmbito da EF como produto do
losofia, história, sociologia ou antro-
trabalho humano. O Homem produziu
pologia que vai me ajudar, mas sim a
o esporte e o vem ressignificando visan-
fisiologia do exercício... Portanto, é o
do o atendimento de suas necessidades
conjunto de disciplinas científicas desse
sociais, e buscar saber a qual necessida-
outro campo científico que vai forne-
de social o homem pretendeu responder
cer as ferramentas teóricas para nós...
quando produziu e desenvolveu essas prá-
E a partir dos anos 1980 ficamos com
ticas sociais, desencadeia outro sentido
a possibilidade de nos formarmos, tra-
ao processo de formação profissional
balharmos e produzirmos conhecimen-
e acadêmica, obrigando os que a ela se
to a partir desses dois grandes campos
circunscrevem a buscar outros referen-
científicos: Ciências Biológicas e Ciên-
ciais para responder às questões origi-
cias Humanas e Sociais.
nárias das ciências humanas e sociais
não presentes no universo das ciências
biológicas. A fisiologia, a bioquímica, a A INTERLOCUÇÃO COM A
biomecânica, a histologia, a citologia, a EDUCAÇÃO E AS PRIMEIRAS
embriologia não nos forneciam e for- APROXIMAÇÕES ÀS
necem instrumental teórico para res-
CONCEPÇÕES DE FILOSOFIA
ponder as seguintes perguntas: Por que
se coloca uma chuteirinha na porta da A ELA SUBJACENTES
maternidade quando nasce um menino Pois foi justamente a partir dos anos
no nosso país? Por que é o futebol que dá 1980 que, ao nos desvencilharmos das ca-
identidade esportiva ao brasileiro? Não é deias estabelecidas pelas instituições médi-
o voleibol, não é o basquete, não é o rúg- ca, militar e esportiva — que impunham
bi, não é o beisebol. É o futebol... Como à EF seus valores, estabelecendo-os como
se constrói a identidade cultural corporal? parâmetros da prática pedagógica por
Por que dançamos samba aqui e os argen- ela desenvolvida — que se abre a possi-
tinos— nossos vizinhos — tango? Por que bilidade de outras formas de intervenção
não é o tango que está aqui e o samba lá? pedagógica, vinculadas a outras maneiras
Como se configura a cultura corporal? de se dar concretude à existência da EF.
Para responder a essas perguntas E a partir da segunda metade daquela
precisávamos da filosofia, da sociologia, década, desencadeia-se um movimento
da antropologia, da história e tivemos de anunciar o novo... Porque, vejam que
que correr atrás desses referenciais sem interessante: na primeira metade daqueles
abrirmos mão dos outros inerentes ao anos estávamos vivendo a euforia da re-

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democratização. Era o momento de saber respostas à seguinte pergunta: Qual a


sob quais premissas a EF tinha se estabe- concepção de Filosofia da Educação que
lecido. Nele se desencadeou momentos norteia, de maneira predominante, as
de desmascaramento dos compromissos ações no campo da Educação Física no
político/sociais aos quais sua intervenção Brasil? Para essa busca, nos valemos
estava comprometida... fundamentalmente de Demerval Sa-
viani, à época docente do Programa de
Só que esse movimento de denún-
Pós-Graduação em Filosofia e História
cia chega a um ponto que passa a dar
da Educação da PUC/SP, ao qual nos
sinais de esgotamento, desencadeando,
encontrávamos vinculado.2
simultaneamente a ele, outro de índole
anunciador de novas possibilidades de Com efeito, Demerval Saviani ao
ser... E na busca do anunciar essas ou- tratar das Concepções de Filosofia da
tras configurações de intervenção – e a Educação, classifica-as dentro de três
intervenção que se tinha era pedagógi- linhas mestras:
ca – inaugura-se a oportunidade de or-
1. Teorias Não críticas,
ganização de novas teorias pedagógicas
para além daquela hegemonicamente 2. Teorias Crítico-Reprodutivistas e
presente — vinculada à melhoria da ap- 3. Teorias Histórico-Críticas.
tidão física do educando e ao aprimora-
mento da aptidão física da população Ao referir-se a essa classificação em
brasileira —, dentre as quais o da refle- relação às outras existentes, defende-a
xão sobre a Cultura Corporal do homem por entendê-la mais abrangente do que
e da mulher brasileiros. as demais, qualidade esta que deve fazer
prevalecer uma corrente sobre as de-
Fundamental para esse movimen- mais, condenando desta forma, o plu-
to foi a interlocução estabelecida com ralismo ou equivalência das mesmas.
a Educação por parte de setores da EF
que, ao buscar qualificação acadêmica Ao abordar as Teorias Não críticas,
com aportes epistemológicos das ciên- faz alusão às Concepções
cias humanas e sociais, nela identifica a. Humanista Tradicional,
um fértil espaço de reflexão crítica, au- b. Humanista Moderna e
sente da formatação da área acadêmica
c. Analítica.
EF, a qual se estrutura fortemente in-
fluenciada pela sua umbilical relação A primeira confundia-se com a
com as ciências biológicas. constituição dos chamados Sistemas
Nacionais de Ensino no início do sécu-
A aproximação e subsequente par-
lo passado. Sua organização inspirou-
ticipação nos debates presentes no âm-
bito da Educação levaram-nos a pensar 2
À época desenvolvíamos estudos de Mestrado junto
sobre as influências que as diferentes àquele Programa. As citações a seguir reportam-se à
Demerval Saviani, a saber: A filosofia da Educação e o
concepções de filosofia da Educação ti- problema de Inovação em Educação. In: GARCIA, W.
veram e continuavam tendo sobre a EF. E. (org.) Inovação Educacional no Brasil. São Paulo:
Cortez Editora/ Autores Associados, 1980; As Teorias da
Em outras palavras, passamos a buscar Educação e o problema da Marginalidade. In: ___. Escola
e Democracia. Cortez Editora/ Autores Associados, 1983.

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-se no princípio de que a educação era clero. “A dominação na nobreza e do cle-


direito de todos e dever do Estado. Tal ro era uma dominação não natural, não
direito originava-se do modelo de so- essencial, mas social e acidental, portanto
ciedade que correspondia aos interesses histórica”. Assim, configurado o caráter
da nova classe que se consolidaria no não natural dos privilégios usufruídos
poder: A burguesia. Em sua maneira de pela nobreza e pelo clero, se expôs sua
pensar, a tarefa de consolidação de uma característica de injusto. Enquanto in-
sociedade democrática, entendida aí a justo, não mais poderia continuar vi-
consolidação da democracia burguesa, gendo. Teria que ser, tal modelo social,
se daria através do ensino. substituído por outro que se pautasse
na igualdade dos homens. “É nesse sen-
Interessante se faz resgatar a ques-
tido, então, que a burguesia vai reformar
tão da pedagogia da essência ao longo
a sociedade, substituindo uma sociedade
da história. Na Grécia antiga, não en-
com base num suposta direito natural por
controu ela maiores problemas, pois so-
uma sociedade contratual”.
mente era considerado Ser humano, o
Homem livre. O escravo não era consi- E é justamente sobre essa base da
derado Ser Humano, daí que a pedago- sociedade contratual que as relações de
gia da essência só se dirigia e se realizava produção vão se alterar, passando-se
nos Homens livres. do trabalhador–servo, vinculado a ter-
ra, para o trabalhador livre, não mais
Durante a Idade Média, ao pen-
vinculado a ela, mas livre para dispor, a
samento da pedagogia da essência as-
seu bel prazer, de sua força de trabalho,
sociou-se uma ideia que articulava a
vendendo-a se e quando quiser, me-
concepção de essência humana com a
diante contrato. “Esse é o fundamento
criação divina; portanto, por ser a es-
jurídico da sociedade burguesa”.
sência humana já determinada, isso
significava dizer que seus destinos tam- Definida sua ascensão ao poder, a
bém já estavam previamente estabeleci- classe burguesa, tornando-se classe domi-
dos. Portanto, a diferenciação Senhor nante, passa a estruturar o sistema educa-
- Servo já estava na própria essência do cional com a finalidade de, através dele,
Homem, que a justificava. consolidar a sua ordem democrática, es-
tendendo o direito à educação a todos,
Na Idade Moderna, com a ruptura
tornando os servos, cidadãos e como tais
do modo de produção feudal e a gesta-
participantes da ordem política. O papel
ção do modo de produção capitalista,
da escola, então, tornou-se evidente: “A
percebe-se uma inversão de valores. A
Escola era proposta como condição para a
Burguesia desponta como classe que
consolidação da ordem democrática”.
se propõe ascender ao poder, funda-
mentando tal intenção na filosofia da Porém, enquanto classe dominan-
essência, utilizando-a como um suporte te, a classe burguesa passou a não ver
para justificar a igualdade dos Homens com bons olhos a politização da mas-
como um todo, partindo dessa forma sa. Coloca-se então, contra a história,
de pensar, suas críticas à nobreza e ao abrindo mão de sua postura revolucio-

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nária que a acompanhou na luta pelo cia instrumental. Articulou-se, a partir


poder, postura essa agora assumida por dessa valorização, a pedagogia tecnicista
parte daqueles que por ela eram explo- como ponta de lança da concepção ana-
rados. Passou, portanto a burguesia a lítica de Filosofia da Educação.
negar a pedagogia da essência, contra-
“A partir do pressuposto da neu-
pondo a ela a pedagogia da existência
tralidade científica e inspirando-se nos
em que os Homens não eram consi-
princípios de racionalidade, eficiência
derados mais iguais; muito pelo con-
e produtividade, essa pedagogia ad-
trário, eles eram diferentes e essas di-
voga a reordenação do processo edu-
ferenças deveriam ser respeitadas. Daí
cativo de forma a torná-lo objetivo e
que, ao respeitarem-se as diferenças
operacional. (...) Passa-se através dela,
dos Homens, armava-se o arcabou-
a conceber a Educação como um sub-
ço necessário para justificar a tese de
sistema cujo funcionamento eficiente
que há Homens mais capazes do que
é essencial ao equilíbrio do sistema
outros, mais espertos do que outros,
social de que faz parte. Sua base de
mais... A pedagogia da existência, por-
sustentação teórica desloca-se para a
tanto, vai assumir um caráter reacio-
psicologia behaviorista, a engenharia
nário ao “contrapor-se ao movimento
comportamental, a ergonomia, infor-
de libertação da humanidade em seu
mática, cibernética, que possuem em
conjunto, legitimando as desigualdades,
comum a inspiração filosófica neopo-
legitimando a dominação, legitimando
sitivista e o método funcionalista”.
a sujeição, legitimando os privilégios”.
O caráter revolucionário da pedagogia Para as Teorias Não Críticas, a Edu-
da essência transparece quando, “ao cação é autônoma em relação à socieda-
defender a igualdade essencial entre os de, a qual é concebida como harmoniosa
homens, continua sendo uma bandeira integração de seus membros. Segundo
que caminha na direção da eliminação ela compete à Educação corrigir as dis-
daqueles privilégios que impedem a re- torções que porventura nela venham a
alização de parcela considerável dos Ho- existir. Daí entender-se a rotulação de
mens”. “A Escola Nova surge, pois, como entusiasmo pedagógico e otimismo peda-
um mecanismo de recomposição da He- gógico inerentes respectivamente às con-
gemonia da classe dominante, hegemo- cepções Humanista Tradicional e Huma-
nia essa ameaçada pela crescente parti- nista Moderna de Educação.
cipação política das massas, viabilizada
pela alfabetização através da escola uni- Já no seio das Teorias Críticas vemos
versal e gratuita”. que para as Crítico-Reprodutivistas, a
Educação é dependente da estrutura so-
A desilusão com a Escola Nova deu cial na qual se encontra inserida. Nelas, a
margem ao surgimento de outras ten- sociedade é percebida através da divisão
dências nas quais se radicaliza a preo- entre grupos e classes sociais antagôni-
cupação com os métodos pedagógicos cos que se relacionam na base da força,
presentes no escolanovismo, vindo a que se manifesta fundamentalmente nas
desembocar na valorização da eficiên- condições de produção da vida material.

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Dentro das Teorias Crítico-Repro- reprodução das relações de produção do


dutivistas, vamos encontrar distintas tipo capitalista. Isto porque por ela pas-
percepções de Sistema de Ensino. As- sam crianças de todas as classes sociais
sim, encontramos aquela que o conce- que recebem durante o período de per-
be enquanto Violência Simbólica. Tal manência no ambiente escolar saberes
concepção sistematiza-se através de práticos embalados na ideologia domi-
um corpo de proposições logicamente nante. É, portanto, através dela que se
articuladas segundo um esquema ana- dá a veiculação da ideologia dominante.
lítico-dedutivo. “Não se trata da análise
Por fim, ainda na abordagem das
da educação como fato social, mas a ex-
Teorias Crítico-Reprodutivistas encon-
plicitação das condições lógicas de pos-
tramos em Baudelot e Establet a con-
sibilidades de toda e qualquer educação
cepção do Sistema Dualista de Ensino.
para toda e qualquer sociedade de toda
Em A escola capitalista francesa os au-
época ou lugar”. Em A Reprodução, P.
tores dedicam-se a mostrar que a Es-
Bourdieu e J. C. Passeron tomam como
cola, apesar de sua aparência unitária e
ponto de partida que toda e qualquer
unificadora, é uma escola dividida em
sociedade estrutura-se como um siste-
duas grandes redes que correspondem
ma de relações de força material entre
à divisão da sociedade capitalista em
grupos ou classes. “À violência material
duas classes fundamentais: a burguesia
(dominação econômica) exercida pelos
e o proletariado. Essa Teoria admite a
grupos ou classes dominantes sobre os
existência da ideologia do proletariado.
grupos ou classes corresponde a violên-
Porém, considera que tal ideologia te-
cia simbólica (dominação cultural)”. A
nha origem e existência fora da Escola,
função da educação é a reprodução das
nas massas operárias e em suas organi-
desigualdades sociais. Pela reprodução
zações. A Escola, portanto, é um apare-
cultural, ela dá a sua contribuição es-
lho ideológico da burguesia e a serviço
pecífica para a reprodução social.
de seus interesses.
Já L. Althusser, entende o Sistema
No quadro da concepção do Siste-
de Ensino enquanto aparelho ideológi-
ma Dualista de Ensino, o papel da es-
co do Estado. Em seu livro Ideologia e
cola não é outro senão o de “impedir
Aparelhos ideológicos do Estado, Althus-
o desenvolvimento da ideologia do prole-
ser distingue no Estado, os Aparelhos
tariado e a luta revolucionária”. Isso se
Repressivos de Estado (o Governo, a Ad-
considerando que “o proletariado dispõe
ministração, o Exército, a Polícia, os
de uma força autônoma e forja na prática
Tribunais, as Prisões...) e os Aparelhos
da luta de classes suas próprias organiza-
Ideológicos de Estado — A.I.E. (Religio-
ções e sua própria ideologia. Para isso ela é
so, Escolar, Familiar, Político, Sindical,
organizada pela burguesia como um apa-
de Comunicação, Cultural...). Para ele,
relho separado da produção”.
o Aparelho Ideológico de Estado do-
minante é o Escolar. Como A.I.E. do- Se na Concepção Humanista, tan-
minante, entende-se que a escola cons- to na Tradicional quanto na Moderna,
tituiu o instrumento mais acabado de percebem-se correntes que possuem em

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comum o fato de derivar a compreensão risticamente. O que lhe interessa é o


da Educação de uma determinada visão Homem concreto, ou seja, “o Homem
de Homem (Essencialista na Humanista como conjunto das relações sociais”. Tam-
Tradicional, Existencialista na Moder- bém ela entende que compete à Filoso-
na), na Concepção Analítica de Filosofia fia da Educação explicitar os problemas
da Educação não está explicitado nem educacionais. Entende, contudo, “que
uma visão de Homem nem um sistema os problemas educacionais não podem
filosófico geral. Entende ela, “que a ta- ser compreendidos senão por referência
refa da Filosofia da Educação é efetuar a ao contexto histórico em que estão inseri-
análise lógica da linguagem educacional”. dos”. Assim, para essa Teoria, o papel da
Educação está em “colocar-se a serviço
Também a Concepção Histórico-
na nova formação social em gestação no
-Crítica de Filosofia da Educação se
seio da velha formação até então domi-
recusa a colocar determinada visão de
nante”. Vejam quadro explicativo:
Homem no ponto de partida, aprio-

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CONSTRUINDO AS que, se apresentando na BIOLOGIZA-


INTERFACES DA FILOSOFIA ÇÃO da EF, traduzia a presença sempre
DA EDUCAÇÃO COM A marcante que a categoria médica exer-
ceu e ainda exercia na própria história
EDUCAÇÃO FÍSICA
da EF. Sua percepção de Saúde se li-
À mesma época, motivados pelos mitava a seus aspectos bio-fisiológicos,
estudos no campo da Filosofia da Edu- não acompanhando o conceito então
cação, nos dedicamos a desenvolver um difundido pela Organização Mundial
quadro das tendências que permeavam da Saúde (OMS), que desenvolvia a
a EF brasileira, na busca de sinais que ideia de Saúde Social. Sua forte influên-
pudessem vir a apontar para a sua in- cia era facilmente percebível pelo sim-
serção no campo das Teorias Críticas e, ples levantamento das disciplinas da
nele, no da teoria Histórico-Crítica. Isso área médica que compunham as grades
porque tínhamos o entendimento de curriculares das 95 Escolas de Educação
que os estudos na EF não levavam em Física – de nível superior – então em
conta o próprio modelo educacional funcionamento (hoje, dados do INEP
brasileiro, não buscando perceber as in- de 2010 apontam a existência de 957
fluências na EF, das diversas concepções cursos!), como também pelo passar de
de Filosofia da Educação, vinculando- olhos sobre aquilo que era produzido
-se essencialmente a uma narração em termos de Ciência do Esporte.
cronológica e mecanicista dos fatos de
Outra pode ser entendida como
sua história. Tais estudos se detinham
aquela que conduz à PEDAGOGIZA-
na análise dos diferentes métodos gi-
ÇÃO da EF. De certa forma, colocava-
násticos que a influenciavam (alemão,
-se em contraposição à biologização e à
sueco, francês, dinamarquês, esportiva
influência dos médicos, mas tinha na
generalizada) sem, contudo, mesmo em
pedagogia fim em si mesmo. Tanto uma
relação a eles, buscar compreendê-los
como a outra, integravam o quadro das
no quadro histórico de suas origens em
Concepções Acríticas de Filosofia da Edu-
seus respectivos países, nem tampouco
cação. Fortemente influenciadas por
analisar o processo de incorporação dos
uma teoria e prática tecnicista, traziam
mesmos pela EF brasileira. Notávamos
em si uma influência neopositivista que
também, à época, a ausência de abor-
as fazia portadoras de uma postura de-
dagens que viessem a percebê-la dentro
fensora da ideia de neutralidade científi-
do contexto sócio-político-econômico
ca, de uma ciência apolítica, como que
da sociedade brasileira, buscando atra-
se isso fosse possível. Não se apercebiam
vés dessa relação analisar os papéis que
que ao assim se posicionarem, colabora-
a ela coube representar em diversos mo-
vam na manutenção e reprodução dos
mentos históricos.
valores dominantes. Para elas, Inovar
Grosso modo, a reflexão acerca das significava o simples utilizar de novos
Tendências na Educação Física no Bra- instrumentos que se acrescentavam aos
sil nos permitiu afirmar existir, àquela convencionais, compondo com eles ou
altura, três tendências principais: a) A os substituindo. Em nenhum instante,

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porém, enxergavam o arranhar do as- ções sociais”. Para ela, inovar significava
pecto estrutural da sociedade brasileira. mudar raízes; significava colocar a EF a
Tais inovações eram – na maioria das serviço de novos fins, a serviço da mu-
vezes – confundidas, tanto pelos profis- dança estrutural da sociedade.
sionais da área como pela própria im-
Como se vê dois blocos de tendên-
prensa dita especializada, com o que de
cias distintos, antagônicos. Um com-
mais avançado existia no setor. Porém,
posto pela biologização e pela pedagogi-
de fato, pela postura acrítica, era o que
zação da EF; outro por uma proposta
de mais conservador existia na área.
transformadora de sua prática. Análises
Porém, uma terceira tendência co- de conjuntura demonstravam que a
meçava a ganhar corpo no cenário da tendência que trabalhava a concepção
EF brasileira. Para ela, educar era um transformadora da prática da Educação
ato político. A ação pedagógica tinha Física vinha conquistando e ocupando
seu aspecto político no possibilitar a espaços cada vez maiores na busca de
apropriação pelas classes populares, do estabelecer uma correlação de força que
saber dominante, instrumentalizando- lhe permitisse desestabilizar o quadro
-as para a transformação social. Para hegemônico mantido pelas outras duas
ela interessava o “Homem concreto”, tendências. Vejam o quadro estabeleci-
o “Homem como conjunto das rela- do àquela época:

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Olhando pelo retrovisor da histó- desenvolvidos na Educação, no bojo do


ria, diríamos que não nos equivocamos processo de redemocratização da socie-
em nossas análises, mas sim que, com dade brasileira, que vão propiciar à EF
os pés fincados no presente, reconhece- o esboçar de novas possibilidades peda-
mos que o projeto contra-hegemônico gógicas. A esta altura, estamos trilhan-
então imaginado não se mostrou forte do a segunda metade dos anos 1980,
o suficiente para “ferir de morte” o que ingressando nos anos 1990.
colocava – e se coloca até hoje – como
Para efeito de melhor visualização
hegemônico. Valendo-nos do par dia-
do estado-da-arte presente na EF de-
lético Realidade histórica/Possibilidade
senvolvemos então um quadro no qual
histórica, diríamos que as condições
situamos as teorias pedagógicas da EF
objetivas necessárias à materialização
brasileira a partir de sua relação com
daquilo que se anunciava como possi-
o estabelecido na realidade concreta,
bilidade histórica, não se deram até o
chamando de abordagens àquelas que
presente momento...
ao dialogarem com o presente, não se
colocavam de forma a conceberem no-
AS TEORIAS PEDAGÓGICAS vas possibilidades pedagógicas, apenas
DA EDUCAÇÃO FÍSICA abordando-as, e de concepções as que,
ao estabelecerem mediação com a reali-
É a superação da compreensão da dade se propunham a conceber mudan-
exclusividade da relação paradigmática ças, não necessariamente comprometidas
da EF com o parâmetro da aptidão físi- com o novo. Dentre essas últimas, indo
ca, associado à aproximação aos estudos além, as distribuímos em não sistemati-

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zadas e sistematizadas de acordo com a be e tomam conhecimento do motivo


articulação delas com uma determinada de sua contratação e a expectativa que
compreensão de Metodologia de Ensino, cerca seu trabalho. Isso posto você vai
fundada em uma concepção de currícu- selecionar do conhecimento presente
lo ampliado que se vale da tese de con- no universo da EF aquele do qual vai
cepção ampliada de Estado desenvolvida precisar para dar conta de seu trabalho
pelo marxista italiano Antonio Grams- no Clube...
ci. Tal referencial baliza o trabalho apre-
Depois de selecionarmos o co-
sentado ao público sob a forma de livro
nhecimento a ser utilizado, precisamos
por um Coletivo de Autores, em 1992,
organizá-lo e sistematizá-lo levando em
sob o título Metodologia de Ensino da
conta a forma como a instituição onde
Educação Física, obra essa que após 14
eu estou trabalhando está organizada.
reimpressões teve sua 2ª edição Revista
Se estiver numa escola e trabalhando na
publicada no ano de 2010.
Educação Básica, e nela no ensino fun-
Através dela somos movidos a ex- damental, preciso identificar a forma
plicitarmos o projeto de escolarização a como ele se desenvolve: Séries, Ciclos,
partir do qual se deve organizar o pro- em oito ou nove anos... Isso para bus-
jeto pedagógico. À luz deles configura-se car organizar esse conhecimento obe-
uma dinâmica curricular articulada em decendo à lógica da organização dessa
três eixos, a saber: a) Trato do conheci- escola, da forma como a escola se pre-
mento (seleção, organização e sistema- para para dar conta de seu objetivo. De
tização); b) Organização Escolar (defini- novo, substituam Escola por Clube...
ção do Tempo e do Espaço pedagógicos); e O processo não se distingue. É preciso
c) modelo de gestão escolar (centralizador organizar o conhecimento. Depois que
ou participativo). eu organizo, levando em conta a forma
como a instituição está organizada, pas-
Ao pensarmos o Trato do Conheci-
so a sistematizar o conhecimento levan-
mento partimos do pressuposto de não
do em conta a presença dele no tempo
ser todo conhecimento que a EF possuí
de escolarização do educando...
que deve compor seu conteúdo pro-
gramático, mas sim um determinado A EF não fazia assim, e não o fa-
conhecimento que tivesse relação com zia porque não tinha que se preocupar
o projeto de escolarização e, por con- com o trato do conhecimento, porque
seguinte, com o projeto pedagógico seu objetivo na escola era melhorar a
que a escola pleiteasse desenvolver para aptidão física do aluno... E para melho-
dar conta de seu objetivo. Vejam só... rar sua aptidão física nós professores
Temos, num primeiro momento, que precisávamos dominar um determina-
fazer a seleção do conhecimento. Qual do conhecimento, mas não tínhamos
conhecimento eu incorporo ao progra- a obrigação e intenção de transmitir
ma curricular, qual eu deixo do lado de esse conhecimento para o aluno. Nos-
fora? Estamos falando de Escola, mas so compromisso para com ele era a de
pensem vocês num Clube... Vocês são melhorar seu quadro de aptidão física...
contratados para trabalhar num clu- Para tanto ele teria que correr e se exer-

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citar dentro de referências que nós, pro- projeto pedagógico que vai nos dizer de
fessores, estabelecíamos. A partir dessa quanto tempo iremos precisar...
leitura apreende-se com facilidade o
E vai sinalizar também, para nós,
sentido da configuração da EF escolar
de que espaço pedagógico precisaremos.
sob a forma de Atividade — e não Dis-
Ora, no momento que tínhamos como
ciplina — curricular.
objetivo a melhora da aptidão física, o
No eixo da organização escolar espaço pedagógico que precisávamos era
também não precisávamos nos preo- justamente aquele que nos permitisse
cupar com o tempo pedagógico necessá- fazer nossos alunos se movimentarem,
rio para a EF, já que ele se apresentava correrem... Porque era através da movi-
normatizado em texto legal (Decreto mentação corporal que a aptidão física
69450/71). Isso porque para melhorar poderia ser desenvolvida. No momento
a aptidão física do educando seria ne- em que passamos a ter outro objetivo
cessário – conforme parâmetros estabe- que não esse exaustivamente mencio-
lecidos pela fisiologia do exercício — três nado, nos abrimos a pensar em outro
sessões semanais de cinquenta minutos de tipo de espaço pedagógico. Uma sala de
duração, intercaladas uma da outra em aula “teórica”, por exemplo. Quando
turmas não mistas... temos a intenção de levar nossos alunos
a refletirem acerca das experiências de
Assimilamos então o fato de que a
práticas corporais por eles vivenciadas
EF deveria acontecer três vezes por se-
em outro momento da aula, fazê-lo em
mana, e por ser norma, não a questio-
ambiente protegido do barulho exter-
návamos... No momento em que nos
no possibilita e facilita a concentração,
abrimos a outras possibilidades pedagó-
ampliando o aproveitamento daquele
gicas que não a de buscar a melhoria da
momento pedagógico...
aptidão física do aluno, nos percebemos
diante da imperiosidade de perguntar- Por fim o modelo de gestão escolar.
mos qual o tempo pedagógico que a EF A forma adotada de gestão da Escola,
precisaria para dar conta de tratar o co- se não determina delimita o lugar dos
nhecimento da forma como ele precisa- que compõem a comunidade escolar a
ria ser tratado para que ela pudesse, de coadjuvantes ou protagonistas do que
fato, integrar-se ao projeto pedagógico acontece naquele espaço educacional.
da escola... E como se daria essa integra- Quanto mais sujeito de sua história o
ção? Colaborando na configuração do aluno (e não só ele) for, maior a possibi-
projeto de escolarização dessa escola... lidade de construirmos com ele a com-
preensão daquilo que nos diz respeito
Quando falamos em tempo pedagó-
especificamente: A EF e a dimensão da
gico, à medida que não mais objetivamos
cultura humana que nós estamos cha-
a melhoria da aptidão física do educan-
mando aqui de Cultura Corporal.
do e dependendo do que teremos como
escopo educativo, poderemos entender Vejam os quadros referentes, res-
necessário para viabilizá-lo quantidade pectivamente, às teorias pedagógicas e à
distinta de aula semanal. Em síntese é o compreensão de metodologia de ensino:

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De lá para cá um fato se tornou in- para a superação do embate que nela


concebível aos meus olhos, qual seja, é se trava, de forma implícita, entre o
inadmissível um processo de formação campo de produção de conhecimento
profissional/acadêmica no âmbito da pautado pelo universo das ciências hu-
EF que não contemple a apreensão — no manas e sociais e aquele outro com base
sentido de constatação/demonstração/ epistemológica nas ciências biológicas.
compreensão/explicação da realidade
Não é de hoje que pensar Univer-
social complexa — das teorias pedagó-
sidade é pensar lugar de produção de
gicas circunscritas ao modus operandi
conhecimento, pesquisa. Não está tão
dos seus profissionais, por tê-las como
distante no tempo (falamos da “Nova
parte do conhecimento identificador de
República”) a época em que um grupo de
um campo de intervenção denomina-
estudos de reforma da educação superior
do EF. Todavia, não tenho receio em
— GERES — desenvolveu a tese, àquela
dizer que aproximadamente 90% dos
altura refutada, de definir distintos graus
cursos superiores de EF hoje existentes
organizativos para as instituições de edu-
não dão conta de garantir a apropriação
cação superior, desde as voltadas priori-
por parte de seus alunos do aqui men-
tariamente para a produção de conhe-
cionado, fruto de uma massificação da
cimento até as centradas na repercussão
educação superior que, dissociada da
desse conhecimento na perspectiva do
observância de critérios definidores de
ensino e da formação profissional.
parâmetros de qualidade social, acaba
desqualificando o acesso à educação su- Se lá as intenções do GERES não
perior por parte de setores da sociedade vingaram, tiveram força suficiente para
que, ludibriados pelo (falso) discurso se manifestarem em outro momento
da democratização do acesso à educa- de nossa história, já no Governo FHC,
ção, continuam se defrontando com a quando então se estabelece os cinco ní-
realidade de acessibilidade desigual ao veis de organização da educação superior
mundo do trabalho. (universidades, centros universitários, fa-
culdades integradas, faculdades isoladas
e institutos de educação superior) atri-
O IMPACTO DA
buindo praticamente somente à primei-
ESTRUTURAÇÃO DA PÓS- ra, a primazia da pesquisa e formação do
GRADUAÇÃO NA EDUCAÇÃO pesquisador, destinado às demais a tarefa
FÍSICA BRASILEIRA da formação profissional a partir do co-
nhecimento gerado nas universidades.
Penso caber aqui, para o movimen-
to que vimos analisando, ainda que ra- Mas isso não é tudo. Se já não bas-
pidamente, referências ao significado tasse, se reproduziu no campo acadêmi-
da estruturação da área acadêmica da co, científico & tecnológico, o quadro
EF até porque o mote central para os de desigualdade econômica que fez das
trabalhos que aqui estão sendo articu- regiões norte, nordeste e centro- oeste
lados está diretamente associado à ideia brasileiras, centros subdesenvolvidos
da necessidade de buscarmos caminhos em comparação ao sul e sudeste, à me-

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dida que concentrou-se nessa duas regi- aporte biofisiológico da aptidão física e
ões toda a estrutura geradora de pesqui- sim no de natureza histórico-social.
sa/conhecimento, fazendo das demais
De lá para cá se deu a construção
reféns do que lá se produz.
e desenvolvimento da EF em sua estru-
Pois a pós-graduação na EF brasi- tura acadêmica refletidos, 34 anos de-
leira se organiza a partir desse modelo pois, em seus programas de mestrado e
de desenvolvimento desigual... Sua de doutorado. Ratificando nossa linha
primeira experiência stricto sensu é de argumentativa, apenas um programa de
1977 e se deu nesta Escola de EF, USP, mestrado se situa no nordeste e outros
que até fim daquela década se coloca- dois no centro-oeste (este também com
va como referência hegemônica na for- um doutorado), estando todos os de-
mação dos profissionais da área, vindo mais no eixo sul/sudeste brasileiro, em
a perder esse status a partir da década um claro processo de colonização da
seguinte, quando, como vimos, o cons- formação acadêmica nortista/nordesti-
tructo epistemológico hegemônico é na aos valores de um Brasil economica-
colocado em xeque pela configuração mente mais desenvolvido, nos moldes
de outra possibilidade de relação pa- do modo de produção capitalista peri-
radigmática já não mais centrada no férico. Vejam o quadro:

Horizontes – Revista de Educação, Dourados, MS, n.2, v1, julho a dezembro de 2013 29
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Acontece que a definição da Gran- É esse debate que está posto, e ele,
de Área Saúde como o lugar de inserção embora se dê no campo da pós-gradua-
dos programas de pós-graduação em EF, ção, interfere diretamente na formação
no conjunto da pós-graduação brasilei- do graduando e na intervenção que nós
ra, impactou negativamente — a par- podemos e devemos fazer no universo
tir de outra correlação de forças, mui- da educação escolar brasileira.
to mais favorável ao campo biológico,
Para avançarmos nesse debate se faz
cujos docentes/pesquisadores saíram
imperioso reconhecermos a existência
na frente em seus processos de titulação
da crise. Reconhecer a presença de uma
acadêmica, alcançando postos de dire-
lógica de produção de conhecimento
ção do processo de constituição da área
que não se coaduna com a produção
acadêmica de forma quase que absoluta
intelectual. Da forma que está — regi-
— nos avanços conquistados no campo
da pela égide do par produzir/publicar
político e epistemológico no debate da
— vimos assistindo à ampliação do en-
formação profissional, pelos que se situ-
godo, seja pelo seu distanciamento das
avam no campo das humanidades.
questões sociais que afligem a sociedade
Penso aí estar a gênese da Crise que brasileira, seja pela aceitação como ori-
estamos vivendo. E é dentro dessa crise ginal daquilo que no muito poderia ser
que os debates que estão sendo articula- visto como inédito... Não encontramos
dos pela EEFE/USP vêm se colocando. originalidade no que vem sendo produ-
É mais do que chegada a hora de en- zido porque o tempo de uma produção
frentarmos esse debate... original não se coaduna com o tempo
estabelecido pelos organismos que defi-
A única solução, dentro da forma
nem a política da pós-graduação e com
como o jogo vem sendo jogado, é a pura e
a forma como esta política está sendo
simples extinção da área das humanidades?
percebida pela área da EF, a nosso ver,
Dentro do campo das Humanida- equivocada, a par dos equívocos con-
des, o que de fato está presente na dife- ceituais presentes nela própria.
renciação entre o que é chamado socio-
Assim, é esse debate que a EEFE/
cultural do que é chamado pedagógico?
USP, muito oportunamente, está pro-
De que forma essas duas subáreas piciando, no instante que se propõe a
da área das Humanidades na EF podem trazer para cá pessoas – profissionais, es-
sobreviver vinculando-se aos critérios tudiosos, pesquisadores, que para além
estabelecidos pela grande área da saúde? de suas pesquisas se detêm no estudo
e reflexão sobre a política educacional,
A única saída é o distanciamento, imbuídos de uma visão de área acadê-
a ruptura, com definição de programas mica necessária ao amadurecimento de
distintos: um centrado só no universo saídas para o impasse ora presente.
das biomédicas e exatas e outro no uni-
verso das humanidades? Ou existe pos- Fico envaidecido e — sem falsa
sibilidade de “casamento”? modéstia — orgulhoso de fazer parte

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desse conjunto de profissionais. Espero


ter atendido as expectativas dos que me
convidaram. Agradeço a atenção de vo-
cês e me coloco à disposição, daqui para
frente, conversar, dialogar ou talvez es-
clarecer pontos que eu não tenha dado
conta de deixar claro.
Obrigado.

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