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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

A CIDADE JARDIM BELO-HORIZONTINA E O CAMPO DO


PATRIMÔNIO CULTURAL:
representações, modernidade e modos de vida

Karime Gonçalves Cajazeiro

Belo Horizonte
2010
Karime Gonçalves Cajazeiro

A CIDADE JARDIM BELO-HORIZONTINA E O CAMPO DO


PATRIMÔNIO CULTURAL:
representações, modernidade e modos de vida

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciências Sociais, da Pontifícia
da Universidade Católica de Minas Gerais,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Ciências Sociais.

Linha de Pesquisa: Cultura, Identidades e


Modos de Vida

Orientadora: Prof. Dra. Luciana Teixeira de


Andrade

Belo Horizonte
2010
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Cajazeiro, Karime Gonçalves


C139c A Cidade Jardim Belo-Horizontina e o Campo do Patrimônio Cultural:
representações, modernidade e modos de vida / Karime Gonçalves
Cajazeiro. Belo Horizonte, 2010.
151f.: il .

Orientadora: Luciana Teixeira de Andrade


Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
Bibliografia.

1. Patrimônio Cultural – Proteção. 2. Belo Horizonte. 3. Cidades- Jardins.


4. Modernidade. I. Andrade, Luciana Teixeira de. II. Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais. Programa de Pós- Graduação em Ciências
Sociais. III. Título.

CDU: 719(815.11)
À minha família.
AGRADECIMENTOS

Agradeço aos funcionários e professores do curso de Pós-graduação em Ciências


Sociais da PUC Minas e à CAPES, pelo auxílio financeiro necessário à realização do
mestrado. Em especial, à minha orientadora Luciana, por suas sugestões e críticas sempre
construtivas. Aos professores Tarcísio e Jupira pelas valiosas observações durante o exame de
qualificação.
Aos companheiros do programa, especialmente à Maria Cecília e ao Robério, que em
diversos momentos contribuíram com opiniões, discussões ou com importantate apóio
emocional.
Agradeço, com carinho, aos colegas da Diretoria de Patrimônio Cultural, em especial à
Michele, pelo incentivo para que eu ingressasse na pós-graduação, por proporcionar o tempo
necessário para a realização deste trabalho e pelas observações em relação à pesquisa, e à
Françoise, companheira de aflições, que além de colega é uma valiosa amiga e incentivadora
nos momentos mais difíceis.
Aos meus pais, Edna e Edimar, esteio de todas as empreitadas da minha vida. Aos
meus irmãos, Kelson e em especial ao Deni, pelo incentivo e pelas inúmeras discussões em
torno do tema “mestrado”. Ao Bonfá, pelo companheirismo e à minha filha Nara, pela doce
presença, sempre ao meu lado.
Não posso deixar de lembrar, ainda, dos entrevistados da Cidade Jardim, sem a
participação dos quais este trabalho não teria sido realizado.
RESUMO

Este estudo possui como tema o campo do patrimônio cultural e como objeto analítico, o
bairro Cidade Jardim, localizado na região centro-sul de Belo Horizonte e sujeito a ações
patrimonialistas em função de suas particularidades urbanísticas e arquitetônicas que
simbolizam um modo de vida peculiar na cidade. Desse modo, além da discussão sobre os
processos sócio-culturais que permearam a implantação e a ocupação do bairro, este estudo
volta-se para a apresentação do campo institucional de proteção ao patrimônio e das
representações presentes entre a população local em relação ao bairro e a seus bens culturais.

Palavras-chave: patrimônio cultural, cidades jardins, modos de vida, modernidade.


ABSTRACT

This study has as its theme the field of cultural heritage and as the analytic object, the
Cidade Jardim district, located in central-south region of Belo Horizonte and shares subject to
protective acts because of its urban and architectural features that symbolize a way of life
peculiar to the city. Thus, besides the discussion on the socio-cultural processes that
permeated the establishment and occupation of the neighborhood, this study turns to the
presentation of the institutional field of cultural heritage protection and the representations
present in the local population in relation to the neighborhood and its cultural objects.

Keywords: cultural heritage, gardens cities, ways of life, modernity.


INDÍCE DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 - Diagrama da cidade jardim de Howard. ..............................................................21


FIGURA 2 - Área residencial de Letchworth...........................................................................23
FIGURA 3 - Área residencial de Hampstead Garden...............................................................25
FIGURA 4 – Planta do loteamento Cidade Jardim Fazenda Velha. .........................................36
FIGURA 5 – Planta de parcelamento do bairro Cidade Jardim, datado de 1970. ....................37
FIGURA 6 – Vista aérea do bairro Cidade Jardim, na década de 1950....................................51
FIGURA 7 – Vista aérea do bairro de Lourdes, nas imediações da Praça da Assembléia, na
década de 1960. ........................................................................................................................52
FIGURA 8 – Bairro Cidade Jardim, no final da década de 1940. ............................................53
FIGURA 9 – Execução de serviços de infraestrutura no bairro Cidade Jardim, no final da
década de 1940, apresentando ao fundo, a antiga sede da Fazenda do Leitão, atual Museu
Histórico Abílio Barreto. ..........................................................................................................60
FIGURA 10 - Aspectos urbanísticos passeio ajardinado da rua Conde de Linhares................61
FIGURA 11 - Aspectos urbanísticos: passeio ajardinado da rua Bernardo Mascarenhas. .......61
FIGURA 12 - Aspectos urbanísticos: arborização da rua Sinval de Sá....................................61
FIGURA 13 - Aspectos urbanísticos: ruas arborizadas. ...........................................................61
FIGURA 14 - Aspectos urbanísticos: jardim frontal de uma das casas localizada na rua Conde
de Linhares. ..............................................................................................................................62
FIGURA 15 - Aspectos urbanísticos: jardim frontal do IAPB. ................................................62
FIGURA 16 - Residência modernista modificada....................................................................63
FIGURA 17 – Edificação modernista modificada para abrigar o uso de serviço.....................63
FIGURA 18 – Substituição do ajardinamento frontal por estacionamento de veículos em
edificação adaptada para o uso não residencial. .......................................................................63
FIGURA 19 - Aspecto da rua Bernardo Mascarenhas............................................................108
FIGURA 20 - Trecho da rua Bernardo Mascarenhas, nas imediações da praça Godoy
Bethônico................................................................................................................................108
FIGURA 21 - Praça Godoy Bethônico. ..................................................................................109
FIGURA 22 - Sede do Museu Histórico Abílio Barreto.........................................................109
FIGURA 23 - Vista aérea do bairro Cidade Jardim, com destaque para a avenida do Contorno.
................................................................................................................................................ 115
FIGURA 24 - Edifícios do IAPB............................................................................................122
FIGURA 25 - Prédio do Museu Histórico Abílio Barreto. .....................................................122
FIGURAS 26 E 27 - Casas referenciadas nos estilemas tradicionais.....................................123
FIGURAS 28 E 29 - Casas em estilo modernista...................................................................124

MAPA 1 - Delimitação do bairro popular e bairro oficial Cidade Jardim................................12


MAPA 2 – Delimitação da ADE Cidade Jardim.......................................................................13
MAPA 3 - Belo Horizonte: áreas de proteção do patrimônio...................................................81
MAPA 4 - Áreas de proteção na região central de Belo Horizonte. .........................................82
MAPA 5 - Bairro Cidade Jardim: estilo dos imóveis com interesse para tombamento..........100
MAPA 6 - Bairro Cidade Jardim: imóveis com interesse de preservação. .............................101
LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Legislação urbanística original do bairro Cidade Jardim ................................50


QUADRO 2 – Resumo do aparato legal, em âmbito municipal, para proteção ao patrimônio
cultural. .....................................................................................................................................85
QUADRO 3 – Propostas analisadas pela DIPC e pelo CDPCM-BH no perímetro da ADE
Cidade Jardim. ..........................................................................................................................97
QUADRO 4 - Ações de gestão urbana instituídas para o bairro Cidade Jardim. ...................102
QUADRO 5 - Critérios de seleção dos entrevistados.............................................................104
LISTA DE ABREVIATURAS

ADE – Área de Diretrizes Especiais


APCBH – Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte
CDPCM-BH – Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município
DIPC – Diretoria de Patrimônio Cultural da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte
IAPI – Instituto de Aposentadoria e Previdência da Indústria
IAPB – Instituo de Aposentadoria e Pensão dos Bancários
IPUC – Inventário do Patrimônio Cultural Urbano
JK – Juscelino Kubitschek
LPOUS – Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo
PBH – Prefeitura Municipal de Belo Horizonte
UDN – União Democrática Nacional
COMPUR – Conselho Municipal de Política Urbana
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 10

2 NO CAMINHO DA MODERNIDADE: UMA CIDADE JARDIM PARA BELO HORIZONTE


............................................................................................................................................................... 17
2.1 Cidade Jardim: a concepção inicial ............................................................................................. 18
2.2 Os derivados da concepção howardiana ..................................................................................... 25
2.3 O lugar imaginado: a proposta de cidade jardim para Belo Horizonte ................................... 31
2.4 O lugar efetivo: aspectos sócio-culturais, urbanísticos e arquitetônicos .................................. 39
2.4.1 A implantação do bairro: contexto histórico e vinculações políticas......................................... 39
2.4.2 A ambiência urbana do bairro Cidade Jardim, seus aspectos urbanísticos, arquitetônicos e
sócio-culturais ...................................................................................................................................... 49
2.4.3 Estilo de vida de morar no bairro Cidade Jardim: o período entre 1940 e 1970 ...................... 66

3 A CIDADE JARDIM E O CAMPO DO PATRIMÔNIO CULTURAL ..................................... 73


3.1 O campo do patrimônio cultural.................................................................................................. 74
3.2 O processo de consolidação da política de proteção ao patrimônio em Belo Horizonte ......... 78
3.2.1 Área de Diretrizes Especiais : um instrumento urbanístico para a preservação do patrimônio
............................................................................................................................................................... 85
3.3 As ações de proteção instituídas para o bairro Cidade Jardim: a regulamentação da ADE
Cidade Jardim e o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município........................ 89
3.3.1 O bairro Cidade Jardim e os parâmetros especiais para a ocupação e o uso do solo............... 90
3.3.2 As ações do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município .............................. 95

4 O BAIRRO CIDADE JARDIM SOB A ÓTICA DA POPULAÇÃO LOCAL.......................... 103


4.1 As representações sobre o bairro Cidade Jardim sob a ótica da população local ................. 106
4.1.1 Alteridade, ambiência urbana e laços de sociabilidade: aspectos de um estilo de vida .......... 106
4.1.2 Valor de uso e ressonância .........................................................................................................115
4.2 Os herdeiros e o futuro do bairro: representações e expectativas dos ex-moradores ........... 126

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 131

6 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 135

ANEXOS ............................................................................................................................................ 143


1 Roteiro de entrevista - Tipo A – Moradores................................................................................. 143
2 Roteiro de entrevista - Tipo B - Proprietários de estabelecimentos........................................... 144
3 Roteiro de entrevista - Tipo C – Ex-moradores/herdeiros.......................................................... 145
4 Entrevistas realizadas .................................................................................................................... 146
5 Sistematização de informações sobre o bairro Cidade Jardim : representações na imprensa
entre os anos 1940 a meados de 1970............................................................................................... 147
10

1 INTRODUÇÃO

Esta dissertação possui como tema o campo do patrimônio cultural e como objeto
analítico o bairro Cidade Jardim, localizado na região centro-sul de Belo Horizonte. Este
bairro foi identificado pelo poder público municipal como uma das áreas da cidade
merecedora de ações protecionistas que visam a manutenção das características que lhe
conferem singularidade no contexto belo-horizontino (PBH, 2004).
Projetado no final dos anos 1930, foi somente na década de 1940, durante a gestão de
Juscelino Kubitschek à frente da prefeitura de Belo Horizonte, que o bairro Cidade Jardim
seria lançado. A maioria das residências construídas no bairro entre os anos 1940 e 1960 foi
concebida a partir da adoção dos paradigmas e sintagmas1 do movimento moderno, fato que
ensejou a sua vinculação ao ideário de modernidade. Além da modernidade expressa pela
arquitetura, o bairro foi associado aos ideais progressistas de JK e representava, à época de
sua implantação, uma novidade na forma de morar, posto que sua concepção dotou a cidade
de uma solução urbanística até então inédita, derivada da concepção de cidades jardins
formulada por Ebenezer Howard no final do século XIX.
No que se refere aos aspectos sociológicos da ocupação do lugar, destaca-se que foi
possível verificar que na Cidade Jardim viveram pessoas de destaque no cenário empresarial
belo-horizontino e nacional, tais como banqueiros, industriais e construtores2. Esse dado se
torna elemento central para a compreensão do processo de ocupação do lugar, uma vez que o
bairro, lançado como “bairro burguês moderno” (CEDRO, 2002), é, atualmente, um bairro de
elite, para a qual se produziram, no Brasil, espaços residenciais exclusivos inspirados no
modelo de cidade jardim.
O bairro Cidade Jardim encontra-se protegido, atualmente, em dois âmbitos distintos,
um que se refere à sua definição como Área de Diretrizes Especiais – ADE Cidade Jardim e
outro que aponta para a proteção do lugar como Conjunto Urbano Bairro Cidade Jardim3. O
primeiro destes âmbitos se define no bojo da legislação urbanística municipal que,
pretendendo a proteção do patrimônio cultural, estabelece parâmetros diferenciados para a

1
Estes conceitos serão definidos adiante.
2
Estas informações foram obtidas a partir da análise do dossiê de proteção do Conjunto Urbano Bairro Cidade
Jardim (PBH, 2004).
3
Os procedimentos relativos à proteção da área como Conjunto Urbano Bairro Cidade Jardim ainda não foram
finalizados, como se verá adiante. Todavia, a área possui processo de proteção em andamento, encontrando-se,
portanto, sujeita ao acompanhamento do CDPCM/BH.
11

ocupação e uso do solo, tais como o coeficiente de aproveitamento (quanto se pode construir
em um lote) ou a taxa de permeabilidade (quanto de área vegetada ou permeável deve possuir
um lote). No ano de 2008, a ADE Cidade Jardim, já prevista na Lei de Parcelamento,
Ocupação e Uso do Solo desde 1996, foi regulamentada e, desse modo, foram detalhados os
parâmetros urbanísticos para a ocupação e instalação de usos no local. Além dos parâmetros
especiais, a regulamentação da ADE detalhou os argumentos que sustentam o controle urbano
diferenciado para esta área da cidade.
O segundo formato se processa no âmbito do Conselho Deliberativo do Patrimônio
Cultural do Município/CDPCM-BH e se refere, especialmente, ao tombamento dos imóveis e
à análise qualitativa das intervenções em edificações localizadas no perímetro de proteção.
A mancha de proteção relativa ao patrimônio cultural municipal para o bairro Cidade
Jardim (PBH, 2008a), a ADE Cidade Jardim, é delimitada pelas avenidas Raja Gabaglia,
Prudente de Morais (excluindo-se os lotes voltados para esta via), do Contorno e pelas ruas
César Campos, um trecho da Manoel Couto e da Perdigão Malheiros e, finalmente, pela rua
Teixeira Mendes, correspondendo à maior parte do núcleo que equivalia ao parcelamento
original do bairro Cidade Jardim (mapa 2). No entanto, essa demarcação não coincide com os
limites oficiais e populares4 identificados pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (mapa
1).
O limite oficial do bairro Cidade Jardim incorpora parte da Vila São José e exclui o
terreno pertencente ao Ministério da Agricultura, voltado para a avenida Raja Gabaglia e rua
Josafá Belo. Já o limite popular incorpora a área de propriedade federal e os quarteirões que
margeiam a rua Teixeira Mendes, ao passo que exclui a Vila São José. Ao bairro oficial
correspondem as áreas cujo parcelamento encontra-se, oficialmente, definido como Cidade
Jardim, enquanto o limite popular engloba áreas que, ao longo do tempo, foram
simbolicamente incorporadas ao bairro5. No caso em tela, esta incorporação apresenta
conotações mercadológicas uma vez que o bairro Cidade Jardim é uma das áreas mais
valorizadas do município.

4
O limite e denominação oficiais de um bairro encontram-se definidos no projeto do seu parcelamento, aprovado
junto à Prefeitura de Belo Horizonte, ou seja, corresponde ao bairro oficialmente registrado na prefeitura. Já a
definição do limite ou da denominação popular considera a percepção subjetiva da população em relação à
delimitação e identidade dos lugares, podendo ou não ser coincidente com o limite oficial. Destaca-se que em 19
de janeiro de 2009, a administração municipal, por meio da Lei n.º 9691, oficializou a utilização dos limites
populares pelas entidades do poder público e concessionárias de serviço.
5
Esta incorporação corresponde às quadras localizadas ao sul do bairro, após a rua Teixeira Mendes.
12

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MAPA 1 - Delimitação do bairro popular e bairro oficial Cidade Jardim.


Fonte: DIPC/FMC, adaptado pela autora
LEGENDA
Limite bairro popular
Limite bairro oficial
Vila São José
Ministério da Agricultura
Museu Histórico Abílio Barreto
13

MAPA 2 – Delimitação da ADE Cidade Jardim


Fonte: PBH, 31 de maio de 2008.

Importante destacar que o foco desta dissertação volta-se para a área de proteção ao
patrimônio cultural, ou seja, para a área inserida no perímetro da ADE Cidade Jardim.
Por essa perspectiva, destaca-se, inicialmente, que o campo da política de patrimônio
cultural, a partir dos anos 1980, introduziu novas questões e desafios a serem considerados
pelas ações preservacionistas, entre elas a questão da significação atribuída aos bens
patrimoniais pelos atores sujeitos às ações de patrimonialização. No âmbito da proteção de
edificações e espaços urbanos, ganha força o entendimento de que a proteção desses bens
deve considerar os processos sociais que informam a cidade, ou seja, deve incorporar a visão
14

dos habitantes em relação a seus bens, numa tentativa de perceber como eles utilizam e
valorizam os espaços do seu cotidiano. Nesses termos, o ponto central da dissertação pretende
capturar a ótica daqueles que utilizam os patrimônios protegidos, no caso específico, a
população local do bairro Cidade Jardim.
Desse modo, tendo em vista a classificação do bairro como patrimônio cultural do
município de Belo Horizonte (PBH, 2008a) e tomando como referência os argumentos
colocados pelo poder público para proteção da área, quais sejam, a vinculação a um modo de
vida particular (PBH, 2004), suas condições paisagísticas especiais e o conjunto arquitetônico
modernista nele existente (PBH, 2004; PBH, 2008a), esta dissertação pretende responder a
dois problemas de pesquisa: a. Como se desenvolveram os processos históricossociais ligados
à conformação do bairro Cidade Jardim que reverberaram na sua particularização
patrimonialista?, e b. Quais as representações presentes entre a população do bairro Cidade
Jardim sobre esse espaço urbano e os bens culturais nele existentes e quais as consequências
de tais representações para a preservação do bairro? Como parâmetros para a investigação são
propostos os aspectos de ressonância dos bens culturais identificados pelo poder público e do
valor de uso das edificações, bem como a análise dos elementos que denotariam um estilo de
vida de morar no Bairro Cidade Jardim.
Considerando os problemas de pesquisa colocados, esta dissertação encontra-se
dividida em três partes principais, cada qual correspondendo a um capítulo. A primeira delas
apresenta os conteúdos históricos e sócio-culturais do bairro Cidade Jardim, a partir de uma
análise que visa apreender os elementos que foram responsáveis por sua particularização e
patrimonialização no cenário belo-horizontino. Desse modo, além de abordar, sucintamente,
reflexões sobre o tema das cidades jardins, o primeiro capítulo apresenta os contornos do
lugar imaginado e do lugar efetivo.
Em relação ao lugar imaginado, a pesquisa volta-se para a análise relativa ao campo
das ideias urbanísticas, numa tentativa de apontar os ideais que motivaram a proposição de
um modo de morar até então inédito em Belo Horizonte. No que se refere ao lugar efetivo, o
estudo aborda os aspectos que dão concretude às especificidades do bairro, com enfoque em
dois pontos principais: no contexto político e cultural que permeia sua implantação,
notadamente imerso na busca pela modernidade local, e nos seus conteúdos urbanísticos,
arquitetônicos e sócio-culturais.
A segunda encontra-se direcionada para as ações de proteção ou para o campo
institucional de proteção ao patrimônio cultural. Partindo da contextualização da política de
15

patrimônio em âmbito nacional, a pesquisa discorre sobre a constituição das ações


preservacionistas em Belo Horizonte, com foco na atuação do Conselho Deliberativo do
Patrimônio Cultural do Município/CDPCM-BH e nos instrumentos previstos na legislação
urbanística municipal que servem a fins preservacionistas. Essas duas esferas de atuação
política do patrimônio são detalhadas para o caso do bairro Cidade Jardim.
Por fim, o último capítulo apresenta as representações presentes entre a população
local sobre a Cidade Jardim e seus bens culturais, considerando como aspectos para essa
discussão, além da ressonância dos bens culturais e do valor de uso das edificações, a
percepção sobre a ambiência do bairro.
Tendo em vista os problemas de investigação apresentados, quais sejam, o primeiro
relativo aos processos históricossociais de formação do bairro Cidade Jardim e o segundo às
representações da população local sobre esse espaço urbano e os bens culturais existentes,
este estudo demandou a utilização de dois tipos de metodologia.
Em relação ao primeiro problema colocado, cujo produto encontra-se exposto no
primeiro capítulo da dissertação, a pesquisa foi realizada com a utilização de fontes
documentais. Estas serviram de apoio para traçar as reflexões sobre o tema das cidades jardins
e sobre a particularização desse modelo no cenário belo-horizontino, numa reflexão sobre os
processos de construção do “lugar imaginado”, relacionado ao plano das ideias urbanísticas, e
do “lugar efetivo”, que se refere ao plano de consolidação da ocupação do lugar.
Como fontes de pesquisa para a reflexão sobre o “lugar imaginado”, recorri a
documentos produzidos por Lincoln Continentino: 1. Administração Municipal e Urbanismo,
texto apresentado em uma conferência no Rotary Clube de Belo Horizonte, em 1933; 2. Plano
de Urbanismo de Belo Horizonte, de 1935, documento no qual Continentino expôs as
justificativas e formulações iniciais para a elaboração de um plano para a cidade; 3. Plano de
Urbanização de Belo Horizonte, documento apresentado no 1° Congresso Brasileiro de
Urbanismo e que contém a síntese de suas formulações urbanísticas para Belo Horizonte; e 4.
Urbanização de Belo Horizonte e seu Saneamento, texto publicado na revista Arquitetura e
Engenharia em 1954. No que se refere ao lugar efetivo, as discussões embasaram-se na
análise de matérias jornalísticas publicadas a partir dos anos 1940 constantes no material que
subsidiou a elaboração dos estudos para proteção do Conjunto Urbano Cidade Jardim,
realizados pela Diretoria de Patrimônio Cultural/DIPC da Prefeitura de Belo Horizonte, que
contemplaram a consulta a documentos da imprensa arquivados na Hemeroteca Pública
Estadual (ver anexo 5). Embora não seja possível mensurar a exaustão de tais fontes, acredita-
16

se que suas análises tenham fornecido instrumentos para apreender os conteúdos


históricossociais que permearam a constituição do lugar e a partir de tais elementos inferir os
aspectos relacionados aos seus conteúdos sócio-culturais. Outras matérias acessadas se
referem a clippings sobre o bairro Cidade Jardim consultados no Museu Histórico Abílio
Barreto, instituição que também forneceu fotografias antigas. No Arquivo Público da Cidade
de Belo Horizonte/APCBH, foram pesquisados o acervo fotográfico e o Livro de Termo de
Venda de Lotes em Hasta Pública – 1928 a 1946.
As análises empreendidas no primeiro e segundo capítulos foram também subsidiadas
pelos estudos desenvolvidos pela DIPC relativos à proteção do Conjunto Urbano Bairro
Cidade Jardim e de alguns imóveis aí localizados, assim como processos de análise de
intervenções pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município. Dados
importantes foram acessados a partir do Inventário do Patrimônio Cultural Urbano do bairro
Cidade Jardim/ IPUC Cidade Jardim (CASTRIOTA & PEREIRA, 1999).
Já o segundo problema demandou a adoção de metodologia de pesquisa que
possibilitasse a percepção de aspectos subjetivos, que são definidos a partir de valores,
atitudes e opiniões dos entrevistados. Desse modo, a análise sobre as representações se
referencia na metodologia qualitativa, utilizando como técnica de investigação a entrevista
semi-estruturada.
Esta entrevista combina perguntas fechadas (ou estruturadas) e abertas. O entrevistado,
neste caso, tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto, sem condições pré-fixadas
pelo entrevistador. Assim, o roteiro para orientar as entrevistas foi dividido nos seguintes
temas: identificação do entrevistado, modos de vida e campo do patrimônio cultural (anexo).
Paralelamente à elaboração do roteiro de entrevista (anexos 1, 2 e 3), foram estabelecidos os
critérios que norteariam a escolha dos entrevistados. Estes critérios, como se verá
detalhadamente no terceiro capítulo, tiveram como premissa a necessidade de contemplar os
distintos grupos existentes na população local, diferenciação esta que se estabelece a partir da
relação do entrevistado com o bairro – se morador, filho de morador ou proprietário de
estabelecimento –, e segundo a existência ou não de uma ação específica da política de
patrimônio sobre seu imóvel.
17

2 NO CAMINHO DA MODERNIDADE: UMA CIDADE JARDIM PARA BELO


HORIZONTE

A cidade jardim belo-horizontina foi projetada no final dos anos 1930 pelo engenheiro
sanitarista Lincoln Continentino e lançada nos anos 1940, durante a gestão de Juscelino
Kubitschek à frente da prefeitura. Esse período é marcado, tanto no contexto local quanto no
nacional, por um intenso movimento que pretendia lançar bases para alavancar o processo de
modernidade do país. Coube ao Estado, associado à burguesia industrial e econômica
emergente, criar as condições para esse processo.
No campo das ideias urbanísticas, Belo Horizonte, entre o final dos anos 1930 e
meados dos anos 1940, absorvia as premissas preconizadas pelos movimentos de arquitetura e
urbanismo internacionais. Assim é que a proposta de uma cidade jardim para o município irá
ser tomada como uma solução urbanística para as áreas residenciais. A nova cidade jardim
belo-horizontina se apresentou como uma novidade no contexto da cidade, posto que oferecia
soluções formais e de ocupação até então inéditas no município. Nesses termos, a condição
paisagística particular – ruas largas dotadas de consistente arborização, a intensidade da
utilização de jardins, a inexistência de muros no cercamento dos lotes e a grande distância
entre as edificações –, foi mesclada à novidade que a previsão de um bairro exclusivamente
residencial ofereceria.
A novidade se fazia presente também na arquitetura do bairro, uma vez que a maioria
das residências aí construídas entre os anos 1950 e 1960 foi concebida a partir da adoção dos
paradigmas e sintagmas6 do movimento moderno, fato que ensejou a sua vinculação ao
ideário de modernidade. Além da modernidade expressa pela arquitetura, o bairro foi
associado aos ideais modernistas de JK.
No contexto atual, o bairro foi classificado como patrimônio cultural do município de
Belo Horizonte (PBH, 2008a), proteção esta embasada em argumentos pautados em

6
Paradigmas e sintagmas são categorias utilizadas por Denise Bahia (1999) para analisar a casa modernista em
Belo Horizonte. Segundo essa autora, a utilização destes conceitos parte da premissa de que o modernismo é
uma linguagem, um conjunto de signos, e a partir desse entendimento, os objetos analisados, no caso as casas
representativas da arquitetura modernista, foram lidos com base em dois eixos principais: o paradigmático e o
sintagmático. Nesses termos, os paradigmas referem-se aos diferentes sistemas que compõem o edifício, entre
eles, implantação, partido e sistema construtivo, enquanto os sintagmas representam os diferentes tipos, as
diferentes soluções arquitetônicas que compõem os distintos sistemas. Por exemplo, o paradigma implantação
pode ser lido a partir dos sintagmas com recuo frontal ou sem recuo frontal; o paradigma partido pode ser
considerado a partir dos sintagmas linear ou em “L”; o paradigma sistema construtivo pode ser dos tipos
massivo, esqueleto, misto (BAHIA, 1999).
18

particularidades associadas à existência de um modo de vida especial (PBH, 2004), em suas


condições paisagísticas e no conjunto arquitetônico modernista nele existente (PBH, 2004;
PBH, 2008a).
A abordagem analítica dos aspectos sócio-culturais ligados à conformação do bairro
Cidade Jardim e à sua particularização no cenário belo-horizontino, a partir de uma
perspectiva que considera os processos e dinâmicas históricossociais vinculados à ocupação
do lugar, constitui o tema tratado neste primeiro capítulo.

2.1 Cidade Jardim: a concepção inicial

A formulação do modelo de cidade jardim data do final do século XIX e se encontra


vinculada a um contexto no qual a produção de pensamento sobre a cidade refletia acerca do
novo modo de vida que emergiu nas cidades a partir do processo de industrialização. Essa
produção, verificada também no princípio do século XX, volta-se, preferencialmente, para a
proposição de soluções que visavam contornar a degradação das condições de vida no meio
urbano.
Mumford (1998) coloca que entre os anos de 1820 e 1900, a desordem nas grandes
cidades fazia com que elas se assemelhassem a um campo de batalhas, produzindo um
ambiente urbano que, desde o local de moradia dos pobres aos bairros das classes dominantes,
se caracterizava pela imundice e pela grande concentração de pessoas. Nesse cenário, as
casas, comumente, abrigavam uma grande quantidade de moradores, sendo que, nos locais
onde havia o aproveitamento de antigas edificações, cada quarto passou a abrigar uma família
inteira. Já as novas casas careciam de boa solução espacial e materiais de acabamento. Tanto
em novos como em velhos bairros “chegou-se a um máximo de imundice e sujeira que nem a
mais degradada cabana de um servo teria alcançado na Europa medieval” (MUNFORD, 1998,
p.499).
A preocupação com a degradação das condições de vida nas cidades ensejou a
formulação de propostas que apontavam para a remodelação do espaço citadino. Algumas das
propostas que intencionaram sanar a degradação própria das cidades industriais visavam a
melhoria do modo de vida urbano por meio da adoção de mecanismos que modificassem
também a degradante condição social do operariado. Paula (2008) destaca que uma
19

formulação de urbe pautada no planejamento das formas, das funções, dos meios financeiros e
administrativos, assim como na consolidação de um processo que favorecesse as massas e
controlasse a migração proveniente do campo em direção à cidade industrializada, constituiu
uma tendência de orientação da atuação de urbanistas no século XX.
O modelo de cidade jardim, formulado pelo estenógrafo inglês Ebenezer Howard no
final do século XIX e princípio do século XX, consiste em uma proposta de reforma social do
modo de vida em cidades, que se processaria a partir da implantação de um sistema auto-
suficiente de base cooperativa (BONFATO, 2008). Suas ideias, assim que foram lançadas,
alcançaram circulação mundial7, fato que certamente influenciou a produção de diversos
'derivados'8 do modelo howardiano. Tais derivados, como será exposto adiante, guardam entre
si semelhanças na solução formal, com desenho urbano condizente com as condições do
terreno natural, utilização de farta arborização e ajardinamento, tal como efetivado nas duas
primeiras cidades jardins, Letchworth e Welvyn, ambas implantadas na Inglaterra nas
primeiras décadas do século XX.
No entanto, como pensara Howard, a proposta cidade jardim ideal não se restringiria a
aspectos meramente formais ou exclusivamente nominais. Sua formulação original
intencionava a transformação do modo de vida em cidades, ou seja, se almejava a criação de
um ambiente urbano distinto daquele que caracterizava as cidades industriais no século XIX.
As concepções relacionadas ao tema das cidades jardins foram expostas, pela primeira
vez, em 1898, quando Howard publicou o livro Tomorrow: A Paceful Path to Real Reform,
posteriormente reeditado como Gardens Cities of Tomorrow, em 1902. Suas “cidades jardins
do amanhã” objetivavam a construção de localidades auto-suficientes, capazes de propiciar a
seus moradores os benefícios da vida na cidade mesclados às qualidades inerentes à vida no
campo. Em outros termos, as cidades jardins, segundo as aspirações howardianas, deveriam
constituir-se na ‘pedra fundamental de uma forma superior e melhor de vida industrial em
todo o país ”(HOWARD, 1996, p. 185). No seu entendimento, uma solução alternativa para a
vida nas cidades industriais se fazia necessária, uma vez que era “deplorável que pessoas
[continuassem] afluindo às cidades já superpovoadas, esvaziando ainda mais os distritos
rurais” (HOWARD, 1996, p.105).
Antes de pensar em soluções formais definitivas para a nova urbe - estas deveriam ser

7
Menezes (2009) aponta que a repercussão positiva da obra de Howard contribuiu para que o movimento das
cidades jardim se tornasse internacional, influenciando movimentos urbanísticos em vários países: França,
Alemanha, Finlândia, Polônia, Áustria, Hungria, Bélgica, Japão, Egito, Estados Unidos e Brasil.
8
Bonfato (2008) utiliza o termo 'derivados' para se referir às experiências urbanísticas que foram inspiradas na
20

atribuídas a planejadores que a partir da análise dos diversos tipos de terrenos estariam livres
para conceber a solução espacial de cada uma das cidades jardim -, Howard se ocupou em
analisar e propor reformulações nos sistemas sociais subjacentes ao novo modo de vida
demandado pela Revolução Industrial.
Em termos ideológicos, a proposta de cidade jardim de Howard concilia duas
perspectivas defendidas por reformadores no princípio do século XX. A primeira, de cunho
socialista, acredita que o processo de produção e distribuição de riquezas, realizado de modo
mais equitativo, deve ser atribuído à comunidade, ao passo que a segunda, própria dos
individualistas, afirma a necessidade veemente de incrementar a produção.9 Howard
empreende uma síntese conciliadora entre ambas as visões e, embasando-se nelas, ancora a
cidade jardim nos seguintes princípios: a) na organização do fluxo migratório das cidades
congestionadas para distritos rurais espaçados, que seriam adquiridos antecipadamente e
mantidos com receitas provenientes do arrendamento das propriedades b) na experimentação
do modelo em pequena escala, evitando-se o ímpeto de adotá-lo no âmbito nacional; c) na
criação de condições monetárias para que os migrantes se estabelecessem, evitando ou
minimizando a cobrança de taxas, objetivo que seria atingido pelo recolhimento de taxas dos
membros já estabelecidos e a posterior transferência delas para a execução das obras públicas
que o fluxo migratório demandasse e, finalmente, d) o desenvolvimento da cidade jardim
deveria resguardar, em abundância, “os dons gratuitos da natureza – ar puro, luz do sol,
espaços arejados, e áreas de lazer – empregando de tal forma os recursos da ciência moderna
que a arte possa suplementar a natureza e que a vida possa tornar-se um permanente gozo e
deleite” (HOWARD, 1996, p.176).
A cidade jardim, como se observa na figura, seria composta por um núcleo central
urbano com 30.000 habitantes, em área de 400 hectares, e 2.000 habitantes na porção
destinada à produção agrícola, ocupando uma área de 2.020 hectares que circundaria o núcleo
central. Apresentaria, ainda, além de um parque central, áreas destinadas à ocupação
industrial, localizadas no anel externo da cidade, ao comércio, que seria desenvolvido no
Palácio de Cristal, e à moradia, com cada casa ocupando um lote único e independente. O

formulação howardiana, guardando com ela, semelhanças formais.


9
Ao longo se sua proposta, Howard relata seu entendimento sobre os conceitos de ‘individualismo’ e
‘socialismo’. Para ele, uma sociedade guiada pelo individualismo é aquela na qual haja a possibilidade de seus
membros se associarem de modo livre, bem como haja oportunidades mais completas e seja facultado aos
indivíduos a escolha sobre o que decidirão fazer ou produzir. Já a sociedade socialista é a que possui uma
condição de vida pautada no bem-estar da comunidade e que o espírito coletivo encontre-se expresso na atuação
da municipalidade.
21

território da nova urbe seria dividido em seis setores, cada um delimitado por boulevard
arborizado, assim como as demais vias da cidade, com 36 metros de largura, que partem de
um parque central e conduzem ao perímetro externo. Este é circundado por uma ferrovia, que
configura o meio de acesso ao ambiente rural. Outros anéis viários, dotados de arborização e
dispostos em volta do parque central, concêntricos a ele, complementariam o sistema.

FIGURA 1 - Diagrama da cidade jardim de Howard.


Fonte: www.urbanidades.arq.br

Além da preocupação com um sistema viário que garantisse facilidade de acesso a


todos os pontos da pequena cidade e com a necessidade de resguardar aspectos naturais no
meio urbano – parque e arborização de vias, além da manutenção de um cinturão verde em
torno da porção urbanizada (a zona agrícola) –, Howard se ocupou dos meios necessários à
atração de adeptos e à implantação de sua proposta urbana. Howard destacou que a terra
agrícola na qual se implantaria uma cidade jardim deveria ser adquirida por uma comunidade
22

organizada antes de nela se instalar. O empréstimo que financiaria a aquisição do referido


terreno seria amortizado pela taxas de participação ou taxas-aluguel pagas pelos membros da
comunidade que, no entanto, não se tornariam proprietários da terra. Esta pertenceria à
comunidade e seria administrada por representantes da municipalidade, estabelecendo-se,
assim, o sistema de arrendamento de propriedades. A continuidade no pagamento das
referidas taxas garantiria, ainda, recursos destinados a cobrir os custos da infraestrutura
urbana, dos edifícios comunitários e de manutenção da cidade (HOWARD, 1996).
Outra questão tratada por Howard (1996) se refere ao possível crescimento da cidade
jardim. A tendência ordinária de crescimento de uma cidade é a de que, uma vez tendo se
tornado reconhecidamente atrativa, uma soma de população acima do previsto inicialmente se
incline a ocupá-la. Com este cenário, o cinturão agrícola sofreria grande pressão no sentido de
sua ocupação, processo este que ocasionaria sua eliminação e, consequentemente, de uma das
principais características da cidade jardim. Tendo em mente tal tendência, Howard (1996)
defende a criação de uma “constelação de cidades”, ou seja, o agrupamento de várias cidades
jardins, interligadas umas às outras, mas garantido, necessariamente, a manutenção do
cinturão agrícola entre elas. Em outros termos, quando a cidade jardim implantada já não
comportasse mais o acréscimo de moradores sem prejuízo da ocupação de seu cinturão verde,
uma nova cidade seria implantada nas proximidades, garantindo-se a construção de sistema
viário que permitisse a interligação entre elas. A interligação, realizada através de rodovias e
ferrovias, possibilitaria, segundo sua proposta, o compartilhamento de atividades comerciais,
culturais e de lazer. Esse complexo de cidades foi por ele denominado de Cidades Sociais.
Ottoni (1996) relata que Howard, após o lançamento de seu livro, percorreu a
Inglaterra pronunciando conferências em que expunha suas ideias sobre a nova cidade ideal e,
devido à sua habilidade em atrair adeptos, funda a “Associação das Cidades Jardins”, em
1899. Posteriormente, em 1902, se consolida a fundação da The Garden City Pioneer
Company, empresa responsável pela viabilização da aquisição de um terreno destinado à
implantação da primeira cidade jardim. Trata-se de Letchworth, construída em ritmo lento,
mas que em 1913 já contava com uma população de 8.000 habitantes, dos 32.000
programados (OTTONI, 1996).
O projeto de Letchworth foi elaborado por Barry Paker e Raymond Unwin,
considerando-se as ideias howardianas e a influência das propostas urbanísticas de Camillo
23

Sitte10, que advoga a favor do retorno da beleza nas intervenções em meio urbano. No
entanto, Howard, segundo Bonfato (2008), jamais recomendara um desenho urbano para as
novas cidades jardins. Nos diagramas da sua proposta, constava que o desenho urbano a ser
adotado deveria considerar a adaptação aos diversos tipos de terreno, e caberia à criatividade
de cada um dos planejadores a criação da forma urbana final da nova cidade.

FIGURA 2 - Área residencial de Letchworth.


Fonte: www.urbanidades.arq.br

Desse modo, Parker e Unwin se valeram dos recursos urbanísticos defendidos por
Sitte, especialmente no uso de ruas sinuosas em áreas mais tranqüilas, notadamente as
residenciais, como se observa na figura 2. Bonfato (2008) observa que os urbanistas
vinculados ao movimento pela cidade jardim incorporaram as concepções estéticas de Sitte,
numa atitude de reafirmação dos princípios do pitoresco oriundos da tradição paisagística
inglesa11. Em suas palavras sobre o imbricamento das perspectivas sittianas e howadianas na

10
As opções formais de Paker e Unwin, de acordo com Bonfato (2008), apresentam influência das concepções
de Camillo Sitte, que em sua obra referencial para o urbanismo, intitulada Construção das Cidades Segundo seus
Princípios Artísticos, publicada em 1889, advoga a favor da preocupação com a estética nas intervenções
urbanísticas, requisitando a volta da beleza às cidades. A eliminação desta, segundo o entendimento sittiano,
decorria dos processos intrínsecos ao funcionamento da era industrial, quando “o racionalismo retilíneo do
capital se sobrepunha ao belo e ao charme da sinuosidade e do apelo artístico ao desenho urbano” (BONFATO,
2008, p. 131).
11
Tais princípios se referem à valorização da natureza, porém tratada de modo domesticado, vinculada ao urbano
24

concepção de cidades jardins e seus derivados, coloca que:

Ao buscar semelhanças, notamos que, em determinados momentos, seus


pensamentos [de Howard e Sitte] sobre a boa forma da cidade acabaram por
convergir para um desenho urbano com tendências para o pitoresco, para o sinuoso,
alinhando-se à natureza do terreno. Tal fato fez o conceito de cidade jardim e seus
derivados, quase naturalmente, aderir a esse tipo de desenho urbano (BONFATO,
2008, p.48)

Em Letchworth, as ruas foram tratadas com desenho sinuoso, as casas foram


construídas isoladamente entre si, recuadas do alinhamento do terreno e dotadas de jardins em
suas porções frontais. Os passeios receberam gramados, arbustos e árvores. O projeto
propunha, ainda, um sistema de ruas secundárias de acesso a cul de sacs12 (OTTONI,1996).
Desse modo, pelo desenho de Parker e Unwin, estavam definidas, formalmente, as principais
características urbanísticas de outros empreendimentos que, posteriormente, se inspirariam no
modelo howardiano. Acrescente-se às características acima mencionadas o fato de que o
projeto para Letchworth previu a ocupação da área correspondente ao entorno da malha
urbana por um cinturão agrícola, tal como previa o modelo howardiano (Paula, 2004).
A segunda cidade jardim a ser construída, também em território inglês, foi Welwyn,
implantada a partir de 1920 em terreno localizado a quinze quilômetros de Letchworth.
Empreendida por Howard, o projeto da nova localidade ficou a cargo do arquiteto Louis de
Soissos. Sua concepção apresenta preocupação com o ajustamento entre o desenho urbano e o
sítio natural, além da presença das mesmas características urbanísticas constantes em
Letchworth (OTTONI, 1996).
Paula (2008) observa que, embora tanto Letchworth quanto Welvyn não tenham
alcançado as expectativas de Howard, ambas tornaram-se referência para um bom
planejamento urbano. Essa referência é ancorada no fato de que as duas cidades oferecem
qualidade de vida ambiental a seus habitantes, somada ao suporte oferecido à população em
quase todas as suas demandas.

e exposta em jardins. (Paula, 2008)


12
O cul de sac caracteriza-se por uma rua sem saída, cujo final possui desenho circular, ao redor do qual se
implantam as edificações.
25

2.2 Os derivados da concepção howardiana

A primeira adaptação do modelo howardiano se processou já no final da década de


1910, mais precisamente no ano de 1907, quando foi implantado um subúrbio nos arredores
de Londres, nomeado de Hampstead Garden (figura 3). Projetado por Unwin, esse derivado
do conceito de cidade jardim consistiu em motivação para a cisão entre Unwim e Howard,
posto que este viu no projeto do novo subúrbio uma inadequação às finalidades às quais o
modelo por ele formulado pretendia alcançar. Isso porque o subúrbio jardim projetado por
Unwin se distanciava da proposta inicial de Howard na medida em que a nova localidade não
se tornaria auto-suficiente. Em outros termos, “subúrbios jardins caracterizavam-se mais
como extensões, conectadas com o tecido urbano ou não, mas viabilizadas pela sua relação de
dependência com a cidade pré-existente” (WOFF apud BONFATO, 2008, p. 40).

FIGURA 3 - Área residencial de Hampstead Garden.


Fonte: http://www.geograph.org.uk

Os derivados do moderno howardiano possuem denominações que oscilam entre os


termos de “cidades jardins”, “bairros jardins” ou “subúrbios jardins”, às vezes sem uma
adequação precisa entre a nomenclatura utilizada e a proposta urbana implementada. Observa-
se que a atribuição de “cidade jardim”, não raro, foi utilizada como instrumento de
convencimento mercadológico pelos especuladores imobiliários que, ao desejarem a
26

construção de novos bairros, enxergaram nas características formais do modelo howardiano


uma opção economicamente viável, haja vista a atuação da Cia City, em São Paulo, a ser
relatada logo adiante.
Nesses termos, convém destacar a distinção entre os termos subúrbio jardim e cidade
jardim. Enquanto, “a rigor, [o termo cidade jardim refira-se] a núcleos urbanos que buscavam
viver independentemente de outras cidades e que surgiram dentro de uma perspectiva de
planejamento com finalidades sociais mais amplas e um espírito que buscava reunir cidades e
campos em um todo orgânico” (WOFF apud BONFATO, 2008), subúrbio jardim refere-se a
áreas implantadas nos arredores do tecido urbanizado, apresentando com ele uma relação
direta de dependência. Com o passar do tempo, áreas implantadas inicialmente como
subúrbios jardins podem se transformar em bairros jardins, passagem esta ocasionada por um
processo de incorporação do subúrbio jardim ao tecido urbano. Esse é o caso do Jardim
América, em São Paulo, que segundo Paula (2008) nasce como subúrbio, no final dos anos
1910, mas já no período compreendido entre 1926 e 1940, dado o crescimento da cidade, se
transforma em um bairro da capital.
No caso brasileiro, o que se verifica na maior parte das realizações é a utilização de
fragmentos formais da formulação howardiana e das duas primeiras cidades jardins. Esses
elementos foram incorporados a projetos de construção de bairros ou subúrbios, produzindo
bairros jardins e subúrbios jardins que, dada a inexistência de independência em relação à
cidade, guardam com a concepção original apenas a referência nominal e/ou a referência
formal. Desse modo, a alguns derivados da proposta de Ebenezer Howard foi acrescida a
adjetivação de jardins, com o objetivo de atrelar, simbolicamente, os empreendimentos ao
conceito de “boa forma de se viver em cidades”.13
A atribuição da adjetivação de cidade jardim a bairros e subúrbios normalmente é
pautada na utilização de elementos que sugerem a influência do modelo howardiano,
percebida nas características físicas das áreas analisadas. Estas guardam semelhanças entre si
no que se refere à utilização de um traçado orgânico que se adequa à morfologia do terreno e
ao uso intensivo de arborização e de ajardinamento. Tais características são comumente
utilizadas para evocar o modelo proposto por Howard, consagrando-se como meio para atrelar
determinadas intervenções urbanísticas ao conceito de “um bom modo de se viver”, ou seja,
faz com que os derivados do modelo howardiano, no Brasil, carreguem apenas a carga

13
Sobre as experiências urbanísticas brasileiras inspiradas no modelo das cidades jardins, consultar LEME,
Maria Cristina da Silva (org.).Urbanismo no Brasil 1895-1965. São Paulo: Nobel, 1999.
27

simbólica e puramente formal do nome, assumindo uma feição exclusivamente nominal


(BIENAL INTERNACIONAL DE ARQUITETURA, 1997). O bairro Cidade Jardim, em
Belo Horizonte, antecipando a discussão das próximas seções, apresenta-se como uma área
que tem aproximações nominal e formais em relação à concepção howardiana.
De acordo com Szmrecsányi (1996), o tema das Cidades jardins no Brasil remete a
bairros ricos, de vastas moradias, dotados de gramados e farta arborização. Esse entendimento
corrobora a análise de Ottoni (1996) sobre a apropriação dos elementos inerentes ao modelo
howardiano, para quem as ideias de Howard foram utilizadas para produzir “subúrbios jardins
de qualidade variável, para defender somente a melhoria do ambiente residencial de classe
média alta” (OTTONI, 1996, p. 67).
A primeira experiência brasileira de planejamento urbano de fato inspirada na cidade
jardim se iniciou em 1915, quando uma empresa de capital inglês, a City of São Paulo
Improvements and Freehold Company Ltda, a Cia City, lançou, na cidade de São Paulo, um
empreendimento denominado Jardim América, que se destinou, inicialmente, à ocupação de
camadas médias da população paulista.14 O projeto deste bairro foi realizado pelo escritório
de Raymond Unwin e Barry Parker, ambos planejadores que atuaram no desenho das duas
primeiras cidades jardim – Letchworth e Welvyn. Coube a Parker a configuração espacial que
foi implantada.
Paula (2008), ao analisar os contextos sociais e políticos que envolveram a construção
do Jardim América, seu desenvolvimento e transformação em área sujeita a políticas
patrimonialistas, evidencia que longe de representar uma iniciativa de reformulação das
condições sociais de habitabilidade na cidade, o projeto para o Jardim América “foi pensado
com vistas a atender aos interesses de uma empresa, que via no Brasil um amplo espaço de
expansão capitalista” (PAULA, 2008, p. 145). Apesar de oferecer solução urbanística que
propiciava qualidade ambiental aos seus moradores, o empreendimento se constituía em um
produto, que além de produzir lucros serviu de propaganda para outros empreendimentos da
empresa no Brasil. O cunho mercadológico da proposta embasava-se na oferta de residências
isoladas no meio de vastos terrenos, privilégio habitacional até então próprio da elite. De
acordo com a autora, “esse atributo foi explorado pela Companhia City no contexto da

14
Paula(2008) coloca que somente após 1940 que a condição de bairro elitista se configurou. O entendimento da
autora se pauta em dois pontos principais. Em primeiro lugar, no fato de que, inicialmente, os lotes no bairro
Jardim América foram adquiridos por meio de financiamentos, que incluíam, às vezes, a construção da
edificação, modo de aquisição que não é próprio das classes abastadas. Em segundo lugar, a autora se pauta no
estudo de Silvia Woff sobre a tipologia das residências e a forma de morar em São Paulo, do qual se conclui que
as primeiras casas construídas no bairro não eram destinadas à moradia da elite e sim da classe média.
28

proposta urbanística que as propagandas apresentavam sob o prisma da qualidade de vida,


espelhada também em anúncios que promoveram a venda de terrenos nas cidades jardins
inglesas, sinônimos de moradia ajardinada e saudável” (PAULA, 2008, p. 154). O catálogo da
3a. Bienal Internacional de Arquitetura (1997) expõe que, em São Paulo, o sucesso do Jardim
América entre as elites fez com que ele fosse imitado em outros inúmeros empreendimentos
na cidade.15
Outro autor, se referindo aos bairros lançados pela City na capital paulista e que se
inspiraram no modelo da cidade jardim, afirma que “nas propagandas dos loteamentos
lançados na região percebe-se uma recorrência de sua associação a uma ideia de exclusividade
e distinção, que conferia a seu proprietário/morador um imediato reconhecimento social e lhe
garantia a posse de um símbolo de status” (MENEZES, 2009, p. 164), ideia esta presente
também, como se verá no terceiro capítulo, entre as representações construídas sobre a cidade
jardim belo-horizontina.
Ainda no Brasil, na década de 1920, outro bairro seria projetado a partir de princípios
formais do modelo proposto por Howard. Uma região alagada de Recife, denominada
Campina do Derby, foi urbanizada com a intenção de expandir a cidade e dominar um espaço
inóspito para a urbanização. As intervenções realizadas consideraram a necessidade de
drenagem do bairro, com realização de aterros e abertura de um canal. Priorizou-se, ainda, a
construção de largas avenidas, dotadas de arborização, de uma praça de eventos e de um
bosque. Em relação à Campina do Derby, Leme observa que esse bairro obteve uma ocupação
lenta e luxuosa e que se afirmou como ícone da modernidade de Recife (LEME, 1999) .
Porto Alegre, nas décadas de 1930 e 1940, também é marcada pela implantação de
projetos urbanísticos derivados modelo de Cidade jardim. Em 1937 foi realizado o projeto
para urbanização da Vila Assunção, fruto da iniciativa privada para atender a classe média
alta. Leme (1999) aponta características presentes no bairro que são condizentes com o
modelo da cidade jardim: destinação do interior das quadras, na porção correspondente ao
fundo dos lotes, como áreas destinadas ao lazer e descanso (tal como projetado por Parker no
Jardim América), desenvolvimento de um traçado orgânico acompanhando a conformação do
terreno, a utilização de áreas ajardinadas e a construção de praças (LEME, 1999).
Ainda em Porto Alegre, outra iniciativa foi desenvolvida a partir do mesmo modelo,

15
Bonfato(2008), ao estudar as realizações do engenheiro Macedo Vieira em São Paulo aponta aproximadamente
30 loteamentos que foram denominados de bairros jardins. Tais loteamentos encontram-se distribuídos no
entorno da área central da cidade. O engenheiro projetou, ainda, outros bairros jardins nas cidades do Rio de
Janeiro, Campinas, Atibaia e Campos do Jordão.
29

mas acrescia-se à solução meramente formalista da cidade jardim a preocupação com a oferta
de moradia aos trabalhadores da indústria. Trata-se da Vila do Instituto de Aposentadoria e
Previdência da Indústria/IAPI, cuja construção, executada no período compreendido entre a
década de 1940 e o ano de 1952, foi destinada à moradia operária, contando com 2446
unidades. A área escolhida para implantação da Vila se localizava em ponto afastado do
centro, no bairro Passo da Areia, ao norte da cidade e no então novo eixo de expansão da
atividade industrial. Como princípios formais próprios ao modelo das cidades jardins foram
adotados a organicidade do traçado urbanístico e o uso intensivo de áreas verdes integradas às
edificações. Este empreendimento foi gerido pelo IAPI, que concedia aos moradores o direito
de uso das unidades habitacionais enquanto conservava em seu poder a propriedade das
residências (LEME, 1999).
Em Salvador, também se verifica a tendência de incorporação de determinados
princípios howardianos ao planejamento da cidade. Assim, na década de 1940, o Escritório do
Plano de Urbanismo da Cidade de Salvador elabora um modelo urbano que prevê a
implantação de bairros satélites ligados à área central por vias expressas (tal como
diagramado por Howard para a interligação entre metrópole e cidades jardins), a localização
dos edifícios públicos administrativos no centro e as indústrias na periferia, criando várias
avenidas arborizadas e um cinturão verde. A motivação para a utilização de determinadas
formulações howardianas em Salvador pode ser buscada em uma conferência realizada na
cidade no ano de 1935, cujo tema era As Cidades Jardins como único meio de impedir que os
trabalhadores rurais se fixem nas cidades tentaculares, proferida pelo engenheiro Milton
Oliveira da Rocha na Semana de Urbanismo (BIENAL INTERNACIONAL DE
ARQUITETURA, 1997). Milton da Rocha, além de aludir diretamente ao modelo de cidade
jardim como meio para impedir a fixação de trabalhadores rurais em cidades, critica a
apropriação do modelo nos bairros paulistanos do Jardim América e Jardim Europa,
afirmando que eles “não representam absolutamente o ideal socializante e confortável de
Ebenezer: (...) são simplesmente os princípios do urbanismo aplicados a um recanto da
cidade” (in BIENAL INTERNACIONAL DE ARQUITETURA, 1997). Em que pesem as
intenções totalizantes de Rocha, as soluções urbanísticas influenciadas por Howard não se
concretizaram plenamente, com Salvador exibindo o modelo urbano proposto na década de
1940 apenas parcialmente.
No Rio de Janeiro, a apropriação dos aspectos formais das cidades jardins é
influenciada por Alfred Agache, urbanista francês que elaborou um plano entre os anos de
30

1928 e 1930 que previa amplas reformas para a cidade. Entretanto o plano foi apenas
pontualmente realizado, dado o arquivamento da proposta pelo governo Vargas. Agache
indicou Howard como sua fonte de inspiração e, a partir de então, alguns bairros cariocas
foram nominalmente adjetivados, a exemplo do bairro Jardim Laranjeiras, beneficiado com
um Decreto-Lei em 1937 que proibiu a destinação da área a outras atividades que não a
residencial (BIENAL INTERNACIONAL DE ARQUITETURA, 1997). Outras localidades,
como as ilhas do Governador e Paquetá, dentro do plano de Alfred Agache para a cidade em
1930, foram inspiradas formalmente nas propostas de Howard.
O indicativo de apropriação dos princípios formais das cidades jardins inglesas foi
percebido, ainda, na construção de duas cidades no estado do Paraná – Maringá e Cianorte.
Empreendidas pela Companhia de Melhoramentos do Norte do Paraná, empresa de capital
britânico, ambas as cidades apresentam padrão urbanístico diferenciado em relação ao padrão
executado no país até então. Nesses termos, cada qual possui a paisagem urbana marcada pela
arborização, iniciada com um cinturão de chácaras ao redor das cidades e que se consolidou
com maior intensidade que em outras cidades brasileiras (PAULA, 2004).Tanto Maringá
quanto Cianorte foram concebidas pelo engenheiro civil Jorge Macedo Vieira16, que projetou,
ainda, vários loteamentos, muitos deles denominados de bairros jardins. Macedo Vieira
iniciou sua carreira profissional como estagiário da Cia City, ao lado do arquiteto Barry Paker,
fato que sugere a motivação da adoção dos elementos característicos do modelo de cidade
jardim em seus projetos.
Transpondo o foco da discussão para o objeto deste estudo, Belo Horizonte apresenta
também uma intervenção urbanística inspirada no modelo howardiano. Trata-se do bairro
Cidade Jardim, localizado na região centro-sul da cidade. Esse empreendimento, lançado pelo
poder público municipal durante a gestão de Juscelino Kubitschek à frente da prefeitura, é
produto de um plano urbanístico idealizado pelo engenheiro Lincoln Continentino na gestão
do prefeito José Osvaldo de Araújo, entre 1938 e 1940. Esse plano estabelecia um conjunto de
diretrizes que previam intervenções na cidade, porém sem alterações substanciais em sua
estrutura. Entre os objetivos do plano, destaca-se o que pretendia que os bairros adquirissem o

16
Bonfato (2008), ao analisar a obra de Macedo Vieira, destaca que o trabalho deste engenheiro civil pode ser
subdividido em duas frentes de atuação principais. A primeira relaciona-se à implantação de loteamentos nos
arredores da área central de São Paulo, bem como em outras localidades, como Rio de Janeiro, Atibaia e Campos
do Jordão. A segunda refere-se à implantação de cidades novas, frente iniciada com o projeto para a Estância
Hidromineral de Águas de São Pedro (SP) em 1936. Outras cidades por ele projetadas foram Maringá (PR), em
1947, a Cidade Balneária do Pontal do Sul, em 1951, e Cianote (PR), em 1955. Macedo atuou também em obras
pontuais, tais como projetos para construção de pontes e canalização de córregos.
31

caráter de 'cidade celular', tornando-se independentes do centro. Além disso, desejava-se o


estabelecimento de um zoneamento para a cidade, subdividindo-a em zonas residenciais,
comerciais e de serviços. Tais ideias seriam experimentadas em um novo bairro, o Cidade
Jardim Fazenda Velha,17 o atual Cidade Jardim, e a elas seriam incorporadas os princípios
urbanísticos derivados das formulações de Ebenezer Howard (PBH, 2005b).
Desse modo, a cidade jardim belo-horizontina, enquanto projeto urbanístico, se
aproximava das formulações howardianas, posto que havia a intenção de que ela adquirisse o
caráter de 'cidade celular de vida autônoma' (CONTINENTINO, s.r.d.). Coube aos
regulamentos municipais relativos à construção de novas edificações incentivarem a execução
dos princípios formais que aderiram ao modelo das cidades jardins.

2.3 O lugar imaginado: a proposta de cidade jardim para Belo Horizonte

A proposição de um bairro em Belo Horizonte que fosse derivado do modelo de cidade


jardim preconizado por Ebenezer Howard no final do século XIX e princípio do século XX se
insere em um contexto no qual as esferas ligadas à gestão da cidade voltavam-se para a
reflexão sobre os rumos do seu crescimento urbano. A crítica dirigia-se para os processos de
desenvolvimento urbano instalados na cidade desde sua construção, a partir do projeto de
Aarão Reis para a nova capital de Minas Gerais. Assim, “os anos [19]30 representam uma
inflexão importante na história do urbanismo em Belo Horizonte, pois nesse momento já se
percebe [...] os efeitos da forma de crescimento que a cidade vinha tendo desde a sua
fundação” (GOMES & LIMA, 1999, p. 120).
O processo de repensar a cidade ecoa na formação de uma Comissão Técnica
Consultiva da Nova Capital, durante a gestão do prefeito José Soares de Mattos (1933-1935).
Esta se dividia em outras cinco subcomissões, uma delas de arquitetura e urbanismo, da qual
fazia parte o engenheiro politécnico Lincoln Continentino, que na gestão do prefeito seguinte,
Otacílio Negrão de Lima, encaminha ao governo da municipalidade um documento em que
defendia um plano de expansão racional da cidade (GOMES & LIMA, 1999).
Lincoln Continentino, desde seus trabalhos junto à Comissão Técnica Consultiva da
Nova Capital, se afirma como nome importante no campo das formulações de propostas

17
A notícia de lançamento do bairro, veiculada na imprensa em 24 de dezembro de 1944, já não faz referência à
denominação Fazenda Velha, constando apenas o atual nome do bairro, Cidade Jardim.
32

urbanas em Belo Horizonte. Formado pela Escola Livre de Engenharia de Belo Horizonte,
Continentino dedicou-se à realização de um curso de especialização em engenharia sanitária
na Universidade de Harvard, entre 1927 e 1929.
Após retornar dos Estados Unidos, ele conciliou sua carreira acadêmica com a técnica.
Além da cátedra na Escola de Engenharia desde 1932, atuou no âmbito da administração
pública estadual – chefia da Inspetoria de Engenharia Sanitária da Diretoria de Saúde Pública
do Estado de Minas Gerais, entre 1928 e 1936, e direção do Serviço de Saneamento e
Urbanismo da Secretaria de Viação e Obras, no período de 1936 a 1941. Em âmbito
municipal, foi consultor técnico da Prefeitura de Belo Horizonte de 1938 a 1940 e de 1950 a
1956. Continentino teve, ainda, uma rápida passagem pelo governo federal, em 1937,
oportunidade em que se dedicou à consultoria no Ministério da Educação e Saúde (FJP, 1996).
A dupla atuação de Lincoln Continentino, em duas esferas distintas, quais sejam a
pública e a acadêmica, constitui a exemplificação belo-horizontina de um processo verificado
em outras localidades brasileiras. Bonfato (2008), ao contextualizar o campo profissional dos
engenheiros no início do século XX, afirma que o quadro de docentes das escolas de
engenharia era formado por profissionais que trabalhavam também na esfera pública. Esse
fato fez-se relevante na medida em que possibilitou a ampliação do campo de discussão sobre
as novas perspectivas sobre o urbanismo, viabilizando a circulação de tais ideias também no
meio governamental.
A propagação das ideias próprias do campo do pensamento urbanístico nas primeiras
décadas do século XX decorre de um cenário no qual a intensa circulação de profissionais
empreendeu uma vasta esfera de intercâmbio de formulações e modelos de intervenções
urbanas (BONFATO, 2008). Assim, além da possível influência da primeira experiência
urbana brasileira de planejamento inspirado nas cidades jardins, o bairro Jardim América,
construído em 1910, especula-se que Continentino tenha também tido contato com o modelo
howardiano durante a sua estadia nos Estados Unidos.
No cenário norte-americano, as ideias de Ebenezer Howard adquiriram notoriedade
quando o movimento City Beautiful, voltado para o embelezamento das cidades, chega ao fim
no princípio dos anos 1900. Com o fim desse movimento, emergiu uma nova perspectiva que
aderiu a princípios de intervenção urbana que defendiam a promoção da democracia política e
a justiça social. Alguns dos pensadores adeptos a esses princípios sintonizavam-se também
com os ideais de reforma do modo de vida em cidades postulados por Howard. Essa
aproximação com a proposta howardiana motivou o empreendimento de algumas novas
33

cidades jardins nos Estados Unidos, até o final dos anos 1930 (BIENAL INTERNACIONAL
DE ARQUITETURA, 1997).
Nesse contexto, a passagem de Continentino pelos Estados Unidos certamente o
colocou em contato com as discussões sobre as novas perspectivas em voga no campo do
urbanismo e, quando retorna ao Brasil, ele apresenta-se “marcado pela concepção de
urbanismo e saneamento vigente nos Estados Unidos [...]” (FJP, 1996, p.2)
Já em 1933, ou seja, quatro anos após seu retorno da América do Norte, Continentino,
em uma conferência realizada no Rotary Clube de Belo Horizonte, cujo tema era a
administração municipal, defende a adoção do modelo de cidade jardim para as áreas
residenciais belo-horizontinas. No tópico intitulado Alguns princípios básicos de urbanismo
que devem ser observados na execução dos planos de melhoramentos e expansão das
cidades, ele coloca que os distritos residenciais deveriam ser constituídos por cidades
celulares de vida autônoma (CONTINENTINO, s.r.d.). Destaca-se que a intenção de auto-
suficiência das cidades jardins constitui um dos pontos centrais do modelo das cidades
jardins. Entretanto, Continentino não expressa, nesse documento, como se daria a almejada
independência.
Além da definição das proporções das diversas funções nas cidades jardins celulares,
propostas de forma autônoma, consta na conferência proferida por Continentino a
preocupação com o aproveitamento das condições naturais do terreno, tanto no que se refere à
implantação do arruamento quanto à construção de parques naturais e de recreio em locais
inóspitos à ocupação, como áreas com relevo acidentado ou áreas sujeitas à inundação
(CONTINENTINO, s.r.d.).
Continentino se ocupa também do traçado das vias e da necessidade de arborização
delas, prevendo que as ruas secundárias poderiam apresentar trechos em curva, como meio de
estabelecer um obstáculo ao tráfego de automóveis. Propõe, ainda, a implantação de cul de
sacs e, em relação ao tratamento da paisagem e das edificações, defende que “deve-se reduzir
ao mínimo o uso antiquado e colonial de muros confinantes [e que] a arborização para climas
tropicais deve ser abundante. As árvores existentes devem ser poupadas ao máximo possível,
bem como as florestas e matas circunvizinhas à cidade” (CONTINENTINO, s.r.d., p. 324)
As proposições formais de Continentino são coincidentes com as soluções que
aderiram ao conceito de cidade jardim: utilização de intensa arborização, vias sinuosas, cul de
sacs e preocupação com a adaptação do plano urbanístico às condições morfológicas do
terreno são algumas das características que se fazem presentes nos derivados adjetivados com
34

o termo jardins.
Além de considerações de caráter geral sobre o tema do urbanismo, Continentino
elabora, no ano de 1935, um documento em que apresenta à Comissão Técnica Consultiva de
Belo Horizonte as justificativas e alguns esboços a serem considerados no Plano de
Urbanismo de Belo Horizonte. Sua proposta era a de que, naquele momento, fossem
realizados estudos que subsidiassem o desenvolvimento de um plano de expansão racional da
capital.
Já no princípio da década de 1940, em sua conferência realizada no 1o. Congresso
Brasileiro de Urbanismo, Continentino expõe o conteúdo do referido plano de expansão, ou
do Plano de Urbanismo de Belo Horizonte. Tratado como plano diretor da cidade, o estudo,
na ocasião ainda em execução, segundo a perspectiva de Lincoln Continentino, produzia
resultados concretos: “na administração do atual prefeito, dr. Juscelino Kubitschek, estão em
construção os prolongamentos de quatro avenidas radiais: Afonso Pena, Amazonas, Tocantins
[atual Assis Chateaubriand] e Pedro I” (CONTINENTINO, 1941, p. 41).
Além de intervenções no sistema viário18, o citado plano previa soluções para o
sistema de transporte – incluindo a construção de uma estação de ônibus interurbanos, de uma
estação central e do projeto de unificação das vias férreas19 –, para a construção de um novo
aeroporto, para o saneamento – sistema de esgoto, águas pluviais, abastecimento de água,
limpeza pública e serviços de mercado, entreposto de leite, matadouro e cemitérios – e para
produção de energia elétrica. Tratava-se, ainda, da questão do planejamento da ocupação do
território: subdivisão de terrenos e cidades jardins; zoneamento e código de edificações;
centro cívico e universitário; sistema de parques e jardins. No documento produzido para o 1°
Congresso de Urbanismo, cada um dos citados temas foi tratado em item específico que, além
de um breve diagnóstico da situação, trazia também a solução pensada por Continentino para
o problema.

18
Para os problemas inerentes ao sistema viário, Continentino havia desenvolvido o Plano das Grandes Avenidas
ou Artérias de Tráfego, que consistia na ligação entre a zona urbana com a suburbana e cidades vizinhas, posto
que ele diagnosticou deficiências no sistema viário da área suburbana e sua ligação com a área urbana. A
proposta consistia na implantação de um sistema de artérias rádio-concêntricas, distantes entre si cerca de 1 km.
Seria feito, ainda, o prolongamento de algumas vias radiais da cidade e o projeto de uma segunda via periférica,
envolvendo a avenida do Contorno. Esta segunda via seria designada de Circuito de Turismo
(CONTINENTINO, 1941).
19
Trata-se da proposta de locação das linhas que servem ao uso industrial afastadas do centro urbano, mas
interligadas, preferencialmente, através de linhas subterrâneas com as estações de passageiros, implantadas na
área central da cidade. Continentino se ocupou em definir, especificamente, os pontos de intervenção no sistema
de transporte, como por exemplo, a construção de um túnel de 120 metros que atravessaria a praça da Lagoinha e
outro de 240 metros que atravessaria as ruas Contagem, atual Padre Eustáquio, e Conquista, ambas no bairro
Carlos Prates (CONTINENTINO, 1941).
35

No que se refere às aproximações com o tema das cidades jardins, Continentino


propõe um sistema geral de parques e jardins públicos para Belo Horizonte, que seria
conformado pelo Parque Municipal, já existente embora com tamanho menor que o previsto
no plano da nova capital, e por outros que viriam a ser construídos. Segundo sua proposição, a
área destinada a parques e jardins no município deveria ser da ordem de 15% a 20% do
território total da cidade (CONTINENTINO, s.r.d.). Para as zonas residenciais, que
corresponderiam a mais de 50% da área total da cidade, a construção de novos arruamentos
obedeceria ao traçado das cidades jardins inglesas (CONTINENTINO, 1941).
Nas áreas suburbanas, a implementação de reformas nos arruamentos, diagnosticados
por Continentino como “traçados em montanha russa”, com diversas ruas demasiadamente
íngremes, conduziria à diversas vantagens: aproveitamento integral das áreas subdividas em
decorrência do novo desenho das vias, transformação de áreas inúteis de arruamento em
parques e playgrounds, implantação de loteamento mais adequado às edificações - com maior
testada e menos profundidade – e, por fim, da efetivação do

caráter de cidade celular, tão independente quanto possível do centro urbano, dotada
de igreja, comércio local e escola primária, colocada no meio de um playground,
evitando viagens longas e inúteis dos seus moradores, que, para satisfação das suas
necessidades fundamentais da vida, não precisam se afastar da periferia de seu
bairro residencial (CONTINENTINO, 1941, p. 51).

Além de aspectos gerais sobre os espaços urbanos inspirados nas cidades jardins e a
definição de que estes deveriam ser adotados no tratamento do espaço urbano - na ordenação
das zonas residenciais e no aumento da área de parques e da arborização, Continentino
definiu, especificamente no Plano de Urbanismo de Belo Horizonte, a proposta de um novo
bairro jardim para a Belo Horizonte, o Cidade Jardim Fazenda Velha, atual Cidade Jardim20
(figura 1). Sua proposta destinava-se à construção de “uma cidade jardim provida de um
parque local, atravessado pelo córrego do Leitão, correspondente a 15% de sua área e
envolvendo a sede da Fazenda Velha [atual Museu Abílio Barreto], único prédio remanescente
do Arraial de Curral d'El Rey” (CONTINENTINO, 1941, p. 51). Os lotes foram concebidos
com grandes dimensões – 1000m2 de área mínima e frente mínima de 25 metros –, e as

20
Continentino não trata da Pampulha em um item específico, mas se refere a ela da seguinte maneira: “a atual
administração está executando na Pampulha um bairro residencial de primeira ordem, adotando uma
regulamentação de construções previamente estabelecida e aplicável às cidades jardins” (CONTINENTINO,
1941, p. 53).
36

edificações, que seriam construídas com consideráveis afastamentos umas das outras e da via
pública, estariam visíveis a partir da rua, uma vez que foi vedada a construção de muros no
cercamento dos terrenos.

FIGURA 4 – Planta do loteamento Cidade Jardim Fazenda Velha.


Fonte: ESTADO DE MINAS, 24 de dezembro de 1944, adaptado pela autora.

Acrescente-se à definição da localização do parque que comporia o bairro, aspecto


primordial segundo a proposta original de Howard, a previsão, por Continentino, do desenho
das ruas em consonância com as condições do terreno natural, a proposição de cul de sacs, a
reserva das porções posteriores dos lotes a pequenos parques internos (CONTINENTINO,
1941) e a concentração de todas as atividades comerciais em um único local, como se percebe
na figura 1, cujo correspondente no modelo howardiano seria o Palácio de Cristal. No entanto,
algumas proposições – parque central, cul de sacs, parques internos e local de comércio – não
se efetivaram e, à exceção do centro comercial e do parque, já não se encontravam
representados na planta de loteamento do bairro, divulgada em 1944 (figura 01). Nessa planta,
percebe-se que o local reservado ao comércio foi proposto no quarteirão próximo ao parque
que serviria à Cidade Jardim. Este se localizaria ao redor da antiga sede da fazenda do Leitão.
A implantação parcial da proposta de Continentino para a Cidade Jardim certamente
motivou seu posterior posicionamento crítico em relação à adoção do modelo de cidades
37

jardins no Brasil. Assim, ao se comparar o mapa de lançamento do bairro, veiculado no Jornal


Estado de Minas (figura 1), e a planta de parcelamento do bairro21 (figura 2), observam-se as
modificações realizadas em relação à proposta original: o local do comércio cedeu espaço
para a praça Godoy Bethônico e os terrenos ao redor da antiga sede da fazenda e destinados à
implantação de um parque foram parcelados. Nota-se, ainda, que a área localizada no lado
leste da rua Teixeira Mendes, em destaque na figura 2, não compunha o projeto original do
bairro.

FIGURA 5 – Planta de parcelamento do bairro Cidade Jardim, datado de 1970.


Fonte: DIPC/FMC

21
A planta de parcelamento refere-se às demarcações legais de quarteirões, lotes e espaços públicos.
38

A insatisfação de Continentino em relação à aplicação do modelo das cidades jardins


ao cenário brasileiro é manifestada quando ele coloca que

a concepção moderna de Howard, das cidades jardins, a mais simples e econômica


para áreas residenciais, ainda não obteve, no Brasil, a consagração merecida, isto
porque, por incrível que pareça, ainda não foi aplicada integralmente entre nós. O
Jardim Europa e o Jardim América de São Paulo são cidades jardins de luxo, dotadas
de parques no interior dos quarteirões, de ruas curvas de traçado paisagístico, mas o
desmembramento posterior que sofreram os seus lotes alterou bastante o projeto
primitivo. Em Belo Horizonte, a cidade jardim e o bairro da Pampulha têm o caráter
residencial de luxo com lotes mínimos de 1000m2, mas as recomendações principais
da cidade jardim não foram aplicadas aí. Talvez nenhuma cidade jardim brasileira
contenha ainda o parque interior central com cerca de 10% da área total do terreno,
onde ficam situados a escola primária, a igreja, o centro social, o playground e
pequeno centro de esportes para adulto, constante de pequena piscina, campo
conjunto de voley e basquete e outro de tênis. (CONTINENTINO, 1954)

Em que pese o descontentamento de Continentino quanto aos rumos dos derivados


howardianos no Brasil, verifica-se, no bairro Cidade Jardim, a manutenção das características
formais que aderiram aos modelos qualificados como jardins. Desse modo, no cenário atual,
nota-se a presença de consistente arborização dos logradouros públicos, a intensa utilização de
jardins, a manutenção de grandes lotes, a existência de consideráveis distâncias entre as
edificações, além da suave sinuosidade do desenho das vias, características estas que, a
exemplo de outras localidades no Brasil, se prestam à adjetivação dessa conformação urbana
como um bairro jardim. Essa conformação urbana mantém, ainda hoje, a vinculação do lugar
ao conceito do 'bom modo de se viver em cidades', tal como se percebe quando ele é
representado, na imprensa belo-horizontina, como um “oásis dentro da cidade” (ESTADO DE
MINAS, 03 de junho de 2008).
Os apontamentos tecidos até o momento sobre as ideias que apoiaram a concepção do
bairro Cidade Jardim são úteis para o entendimento dos aspectos formais que embasaram a
formulação de uma proposta urbana diferenciada da ocupação presente na cidade até então,
referindo-se, portanto, ao lugar imaginado por Lincoln Continentino para as áreas
exclusivamente residenciais. No entanto, a exemplo do próprio planejamento previsto para a
construção da nova capital de Minas, do plano do papel ao plano da concretização das ideias
diversos processos históricossociais operam, produzindo um espaço urbano que pode se
aproximar ou se distanciar do planejamento almejado.
O bairro, unidade de análise em foco, configura um espaço social que é construído
39

pela população que nele se estabelece e pelos processos e dinâmicas histórico-sociais da vida
citadina (RIBEIRO, 2008). Nesses termos, são os processos sociais subjacentes à ocupação do
lugar é que darão consistência e conteúdo à nova localidade, aproximando, ou não, o lugar
efetivo do lugar imaginado.
Por essa perspectiva, convém destacar que o bairro Cidade Jardim, no decorrer do seu
processo de desenvolvimento, foi dotado de conteúdos urbanísticos e sociológicos recorrentes
na maioria dos derivados brasileiros do modelo howardiano. No lugar, ocupado pela classe
alta belo-horizontina, foram construídas suntuosas residências, dispostas em meio a amplos
terrenos ajardinados e a uma paisagem urbana marcada pela intensa arborização, pelo
ajardinamento dos passeios, pelo constante diálogo visual entre o espaço público e o privado,
possibilitado pelos fechamentos frontais em gradil ou elementos transparentes. As nuances
sócio-culturais que induziram este tipo de ocupação constituem o tema da próxima seção
deste capítulo.

2.4 O lugar efetivo: aspectos sócio-culturais, urbanísticos e arquitetônicos

2.4.1 A implantação do bairro: contexto histórico e vinculações políticas

Um breve histórico do processo de desenvolvimento do bairro Cidade Jardim deve


remontar ao início da ocupação da cidade. Esse bairro foi implantado em parte da Fazenda do
Leitão, pertencente ao antigo Arraial de Curral Del Rey, e que, além dele, abrangia as regiões
hoje correspondentes aos bairros de Lourdes, São Bento e Santa Lúcia, além da Villa Paris,
Coração de Jesus e parte do Santo Antônio. Após a construção da nova capital, inaugurada em
1897, a região da antiga Fazenda do Leitão foi desapropriada e transformada, no ano de 1889,
na Colônia Agrícola Afonso Pena (PBH, 2005a)22.

22
A implantação de colônias agrícolas na cidade de Belo Horizonte é decorrente de um contexto no qual o
governo mineiro tinha a intenção de estabelecer zonas agrícolas ocupadas, preferencialmente, por imigrantes
europeus, “pessoas que através do seu trabalho e de seus costumes pudessem se converter em exemplos para as
populações locais e contribuir para o progresso do estado” (AGUIAR, 2006, p.280). Visava, ainda, à atração dos
operários que haviam contribuído com a construção da nova capital. Para mais informações sobre as colônias
agrícolas de Belo Horizonte consultar AGUIAR, Tito Flávio Rodrigues. Vastos Subúrbios da Nova Capital:
formação do espaço urbano da primeira periferia da capital. UFMG, Tese de Doutorado, 2006.
40

De acordo com o Decreto Estadual n.º 1258, de 21 de fevereiro de 1899 (AGUIAR,


2006), as terras inseridas na Colônia Agrícola Afonso Pena que se localizavam ao redor da
antiga sede da Fazenda do Leitão, atual Museu Histórico Abílio Barreto, no bairro Cidade
Jardim, seriam destinadas a um campo de demonstração, cujo objetivo era fornecer suporte
técnico às atividades dos colonos nos demais núcleos de Belo Horizonte. Todavia, como
adverte Aguiar (2006), as colônias agrícolas – enquanto empreendimentos voltados para o
processo de modernização agrícola do estado – fracassaram, pois elas não se consolidaram
como centros de pequena lavoura e nelas não se fixaram os grupos numerosos de agricultores
estrangeiros esperados pelos administradores mineiros (AGUIAR, 2006).
As colônias agrícolas foram incorporadas à zona suburbana entre os anos de 1912 e
1914 (AGUIAR, 2006), mas, de pronto, tais espaços não foram convertidos em áreas
urbanizadas. A ex-colônia Afonso Pena, em parte da qual se localizavam as terras que
originaram o bairro Cidade Jardim, passou por um processo de ocupação por assentamentos
clandestinos e favelas, nas partes altas e nos trechos vizinhos ao bairro Santo Antônio, local
este ocupado pela classe média nos anos 1950 e 1960. Outras porções desta ex-colônia se
constituíram em terrenos de reserva para a expansão urbana, originando, a partir dos anos
1970, os bairros de classe média alta tais como Luxemburgo e São Bento, com a abertura da
avenida Prudente de Morais. Por fim, o sítio ocupado pelo extinto campo de demonstração,
nas imediações da sede da Fazenda Velha, passou para o domínio do governo federal, que ali
instalou uma enfermaria veterinária e o posto zootécnico federal (PBH, 2005b). Até os anos
1940, este sítio apresentava, ainda, ambiência rural, “banhado pelo córrego do Leitão, tendo à
vista os terrenos adjacentes, cortados por caminhos de terra” (BITTENCOURT, 2004, p.42).
O processo de alteração das feições rurais do lugar, rumo à incorporação dele ao
cenário urbanizado, se inicia no final dos anos 1930, no mandato do prefeito José Oswaldo de
Araújo. Durante sua gestão, o engenheiro sanitarista Lincoln Continentino, como mencionado
anteriormente, elaborou um plano de urbanismo para Belo Horizonte, que entre suas diretrizes
gerais previa a implantação de um bairro jardim na cidade. Além da elaboração do projeto
urbanístico para o novo bairro, nessa gestão foi assinado o Decreto n.º 38, de 19 de novembro
de 1938, que autorizava a abertura de crédito com o intuito de pagamento, ao Tesouro
Nacional, dos valores relativos à compra “de terrenos do antigo Posto Veterinário, adquiridos
pela Prefeitura para a edificação da Cidade Jardim” (PBH, 1938). Iniciavam-se, assim, os
procedimentos políticos que objetivavam a construção de um novo bairro para a elite belo-
horizontina. Posteriormente, durante o mandato de Juscelino Kubitschek à frente da
41

prefeitura, o bairro seria lançado. Nas palavras de JK,

Decidi dotar a cidade de um bairro modelo – uma experiência de conúbio das


vantagens da vida rural com as felicidades urbanas. Seria a Cidade Jardim – uma
área privilegiada, com residências sombreadas por árvores e situadas nos centros
dos respectivos terrenos, sem divisas asfixiantes. [...] escolhi um grande terreno, [...]
e dada a extensão da área, fixei em mil metros a metragem de cada lote. Essa ideia
eu guardava comigo para só ser executada mais tarde, quando a Cidade Jardim já
estivesse urbanizada. Em fins de 1943, dei início a todas essas obras
(KUBITSCHEK, 1976) (grifo meu).

O lançamento do bairro Cidade Jardim se insere em um contexto no qual tanto o


governo brasileiro quanto a gestão belo-horizontina pretendiam inserir o país e a cidade na
trilha da modernização. No entanto, destaca-se que o discurso que pregava a instituição do
novo, do moderno, já se fazia presente desde o início da cidade, em fins dos anos 1890.
Contidos nos pressupostos positivistas do século XIX, o planejamento e a construção da nova
capital de Minas Gerais representou, naquele momento, o alinhamento com as tendências em
voga no planejamento, notadamente aquelas utilizadas no remodelamento de Paris e no
projeto de Washington, revelando o jeito local de ser moderno:

Os países periféricos, sem condição própria para instituir a modernidade, recorriam


à importação de tendências estrangeiras de forma a se fazerem modernos,
independente de necessidades reais ou se a postura adotada estaria em conformidade
com a realidade nacional. [...] tudo que acontecia na Europa e nos Estados Unidos
significava o atual e o novo (CEDRO, 2002, p. 141).

Desse modo, a demolição do antigo Curral Del-Rei e a construção, em seu lugar, de


uma nova cidade, planejada por Aarão Reis segundo os princípios positivistas e higienistas em
voga, com construções concebidas segundo os modelos arquitetônicos de inspiração européia,
representou, naquele momento, a atualidade, o requinte, a modernidade.
Para Cedro (2002), Juscelino Kubitschek, durante sua gestão na prefeitura belo-
horizontina, se inspirou no projeto modernizador da nova capital de Minas, utilizando-o como
roteiro para administração municipal dele. Todavia, ao assumir a prefeitura, JK se ressentia da
inexistência de condições que possibilitassem a inserção de Belo Horizonte no rol das cidades
modernas.
Vislumbram-se, desse modo, dois momentos da modernidade local: o primeiro do final
do século XIX e princípio do século XX, calcado na ação política que implantou um plano
42

urbanístico positivista que possuía a pretensão de fundar a modernidade, e o segundo, já em


meados dos anos 1940, no qual a ação política toma como pressuposto a inexistência da
modernidade e trabalha com o objetivo de estabelecê-la.
Importante destacar, em relação ao tema da modernidade no Brasil, que no campo do
pensamento social brasileiro, segundo as reflexões de Tavolaro (2005), existem duas vertentes
para a explicação das “particularidades” da modernidade do Brasil. Na primeira delas,
aspectos culturais de constituição da sociedade brasileira são tomados como variável
independente, capaz de explicar o Brasil semimoderno. Nesta vertente se encontram Freyre,
Holanda, Faoro e Matta, que defendem que os elementos do tipo de sociabilidade
característicos do período colonial – a herança patrimonial-patriarcal –, ainda se encontram
presentes, fato que impede a completa consolidação das instituições da modernidade, ou seja,
nessa perspectiva analítica, encontra-se embutida a ideia de que “no Brasil contemporâneo,
Estado, economia e sociedade civil jamais teriam sido capazes de se diferenciar plenamente,
e, dessa forma, de se dinamizar a partir de lógicas e códigos próprios” (TAVOLARO, 2005, p.
10). Segundo a análise de Tavolaro (2005) em relação à formulação desses pensadores, a
impossibilidade de plena diferenciação se relaciona ao fato de que o aparelho estatal
brasileiro, delineado por códigos pessoais e privados, se constituiu de modo a centralizar ou,
em alguns momentos, a monopolizar tarefas que nas sociedades plenamente modernas teriam
sido empreendidas por outras esferas sociais. Entre essas tarefas, Tavolaro (2005) cita a
produção social da vida material, a resolução de conflitos cotidianos e a reprodução cultural.
Já a outra vertente de pensamento sustenta que o caso brasileiro caracteriza-se pela
modernidade periférica, ou seja, o fato de o Brasil não ter alcançado os requisitos para
instituir as sociabilidades características das sociedades modernas centrais se relaciona com a
constatação de que “é a insuperada condição de ‘dependência estrutural’, marcando a
economia brasileira desde os momentos primeiros de sua formação, que acaba por assumir o
papel de ‘variável independente’, supostamente capaz de explicar a pretensa particularidade
do padrão de sociabilidade que se consolidou entre nós” (TAVOLARO, 2005, p. 10). Segundo
os pensadores dessa perspectiva analítica,

o caminho tomado em direção à modernidade no Brasil não foi o mesmo da França,


dos estados Unidos e da Inglaterra: o aparato estatal brasileiro teria sido levado a
adotar uma postura consideravelmente mais ativa em esferas sociais as mais
variadas, a fim de superar insuficiências e capturar o desenvolvimento nacional.
Mais do que nos países centrais, pois, o Estado seria necessariamente chamado a
43

intervir tanto na economia como na política a fim de fazer frente a deficiências


estruturais e à incapacidade de setores da sociedade brasileira de executarem tarefas
que deles se esperariam em condições de plena autonomia. “Ao se tornar fonte
autocrática de poder, o aparato estatal teria sufocado o florescimento de
organizações civis independentes” (TAVOLARO, 2005, p. 10)

Nas últimas décadas, se consolida outra tendência de pensamento sobre a modernidade


brasileira, se opondo às duas supracitadas pelo fato de questionar a premissa básica das
anteriores, que tomam o modelo da modernidade norte-americana e européia como parâmetro
a partir do qual se caracterizariam os desvios da modernidade nas sociedades semimodernas
para uma vertente ou de modernidade periférica para outra. Trata-se de uma corrente que
defende a existência da modernidade multifacetada, cujos argumentos se pautam no
entendimento da modernidade como um processo, em outros termos, “trata-se de vislumbrar
as instituições modernas em sua dimensão processual, ou seja, como o resultado contingente e
historicamente variável dos confrontos entre projetos particulares levados adiante por
subjetividades individuais e coletivas” (TAVOLARO, 2005, p.11). Por essa perspectiva, a
modernidade brasileira, ou mesmo a modernidade dos países centrais, seria produto da disputa
entre os diferentes grupos sociais por seus projetos. Ao tomar a modernidade como processo,
não haveria que se considerar, portanto, uma única matriz moderna.
Fato é que o contexto da modernização brasileira é marcado pela inexistência de
transformações de cunho infra e superestruturais (CEDRO, 2002). Ao contrário, o processo de
modernização, no Brasil, se deu sem maiores rupturas e sua condução foi empreendida pelo
Estado, ou seja, a mesma “não proveio de um processo natural construído a partir de
manifestações culturais e comportamentais, bem como de conquistas sociais, políticas e
econômicas, mas da instituição pelo alto, conduzida por via do Estado, que culminou com a
modernidade sem modernização” (CEDRO, 2002, p. 27).
Trata-se de um processo de “conciliação” entre as elites políticas, orientadoras do
processo de modernização, que “incorpora seletivamente e de modo autoritário as instituições
da modernidade ocidental” (DOMINGUES, 1998, p. 218). Nesse caso, “devemos supor que a
instauração das estruturas do estado moderno foi anterior a um movimento societário pela
democratização” (AVRITZER apud DOMINGUES, 1998, p. 220). O governo de Getúlio
Vargas durante o Estado Novo constitui um período representativo desse processo.
No plano local, o ímpeto modernizante belo-horizontino, no período correspondente ao
governo de JK à frente da prefeitura, constitui reflexo de um cenário no qual o Brasil se vê
marcado pela forte intervenção estatal no processo de modernização, ou seja, refere-se à
44

condução desse processo pelo Estado. Tal arranjo se fez fortemente presente no país,
notadamente durante o período correspondente ao Estado Novo (1937-1945), sob o governo
de Getúlio Vargas. Foi em um intervalo desse período – 1941 a 1945 – que Juscelino
Kubitschek assumiu a prefeitura de Belo Horizonte, a convite de Benedito Valadares23, então
interventor do Estado de Minas Gerais.
Marcelo Cedro (2002), em sua análise sobre o governo de JK na prefeitura de Belo
Horizonte, identifica diversos pontos de convergência entre o discurso juscelinista e o
proferido pelos ideólogos do Estado Novo. Nesse sentido, o discurso positivista-organicista
do Estado Novo fora absorvido por JK para se referir à cidade: esta, segundo seu
entendimento, encontrava-se doente, tal como apregoava Getúlio Vargas em relação ao estado
que encontrou o Brasil, sendo necessário, enquanto prefeito, sua atuação como médico
(CEDRO, 2002). No plano nacional, os discursos elaborados professavam que a enfermidade
da sociedade brasileira encontrava-se associada à preguiça e ao conformismo do povo
brasileiro bem como ao atraso representado pelo antigo regime oligárquico. No plano local,
Belo Horizonte, segundo o discurso modernizante, padecia de condições que pudessem inseri-
la no rol das cidades modernas.
A inserção no rol das cidades modernas foi tomada, então, como principal objetivo da
administração juscelinista. Assim, é por meio da atuação da administração municipal, em sua
busca pela inserção do ‘novo’ no cenário belo-horizontino, que irão se processar mudanças
nos modos de vida na cidade. A construção da Pampulha, a criação de novos bairros
residenciais, a instituição das escolas de arquitetura e de artes, a promoção da Exposição de
Arte Moderna de 1944 certamente são acontecimentos que contribuíram com a promoção da
alteração dos hábitos de vida da sociedade belo-horizontina (CEDRO, 2002).
A modernidade era sentida, ainda, nas obras que imprimiam a modernização no espaço
urbano por meio da abertura e remodelamento de vias, da utilização de novas linguagens
arquitetônicas, da realização de obras de infraestrutura tais como saneamento e canalização do
leito de rios. Pari passu a esse processo, Belo Horizonte assistiu a um movimento de
segregação espacial coordenado pelo poder público.
Thaïs Pimentel (1993) aponta que as reformas e construções empreendidas durante a
gestão juscelinista foram realizadas com o objetivo de se estabelecer um maior controle da

23
Segundo Cedro (2002), o convite feito por Benedito Valadares a JK não foi aceito imediatamente, uma vez que
este havia prometido que não ingressaria mais na política face à sua decepção com o episódio em que o Estado
Novo dissolveu o congresso. Ainda de acordo com esse autor, antes que Kubitscheck tivesse tido tempo para se
decidir sobre o convite, sua nomeação foi publicada.
45

população. Assim, aglomerações faveladas foram suprimidas e espaços com ocupação


homogênea foram implantados: foi promovida a remoção de parte dos moradores da Pedreira
Prado Lopes para a Vila Operária, nas proximidades do bairro Gameleira, e em seu lugar foi
construído o conjunto IAPI – Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários, que, além
destes, destinava-se aos funcionários públicos da prefeitura. Para JK, a remoção dos
moradores da Pedreira se fazia necessária, pois aquele lugar representava “fonte de discórdia
onde vivia um aglomerado de pessoas da mais diversa procedência, [...] gente humilde,
trabalhadora, vivia, muitas vezes, no barracão separado do vizinho malandro e desordeiro
apenas por frágil parede de tábuas ou latas. A promiscuidade, a falta de ordem [...] imperavam
[...]” (KUBITSCHEK apud CEDRO, 2002, p.46). Considerando tamanha desordem, JK
empreende a remoção, posto que ele “não despreza a ordem porque ela é companheira do
progresso” (KUBITSCHEK apud CEDRO, 2002, p.46).
Para o outro extremo do espaço social, a elite, a intervenção no espaço urbano será
realizada com vistas a criar nobres locais de moradia. Assim, Juscelino promoveu a
construção dos bairros Sion, Pampulha e Cidade Jardim, todos implementados como “[...]
bairros burgueses modernos [...]” (CEDRO, 2002, p. 16), nos quais não havia a possibilidade
de moradia da classe social menos favorecida (CEDRO, 2002).
É nesse contexto que JK resgata as propostas do engenheiro sanitarista e funcionário
da prefeitura Lincoln Continentino24 para a cidade e, entre elas, lança o loteamento Cidade
Jardim, cuja implantação seria executada, como já dito, nos terrenos adquiridos do Ministério
da Agricultura. Era a ação governamental municipal introduzindo a modernidade “do
momento” no cenário da cidade.
Assim como as outras realizações da gestão juscelinista, o lançamento do bairro
Cidade Jardim foi noticiado pela imprensa. Todavia, como alerta Cedro (2002), a imprensa,
no período em questão, encontrava-se sob estreita vigilância do Estado – função atribuída ao
Departamento de Imprensa e Propaganda da Prefeitura. Ele adverte que, no decorrer de sua
pesquisa, voltada para a análise da administração municipal de JK, verificou que as

24
Há relatos constantes nos arquivos do Programa de História Oral da UFMG – Área Temática: História das
Elites que revelam que Juscelino Kubitscheck estivera presente em reunião organizada pela Sociedade Mineira
de Engenheiros em que Lincoln Continentino apresentou seu Plano de Urbanismo para Belo Horizonte. De
acordo com tais relatos, havia a expectativa de engenheiros civis e empreiteiros de que fossem retomados em
Belo Horizonte os investimentos na realização de obras, assim como acontecera na primeira gestão de Otacílio
Negrão de Lima (1935 a 1938). A partir dessa expectativa, a Sociedade Mineira de Engenheiros convida
Juscelino para assistir a uma palestra de Continentino sobre o tema do urbanismo em Belo Horizonte,
oportunidade em que JK absorve as colocações do palestrante e as transforma em sua proposta para a
administração da cidade.
46

manchetes, reportagens, opiniões pessoais e editoriais exaltavam, predominantemente, o


dinamismo do prefeito, assim como reforçavam seu discurso modernizante (CEDRO, 2002).
O mesmo se passou com as matérias veiculadas nessa época que se relacionavam ao
lançamento do bairro Cidade Jardim.
O jornal Estado de Minas de 24 de dezembro de 1944 noticiava o lançamento de “uma
nova cidade dentro de Belo Horizonte”, se referindo ao edital que colocaria em hasta pública
os primeiros lotes do bairro. Além da evocação do novo no título da notícia, o jornal afirmou
que o bairro se constituiria no “mais moderno núcleo residencial de que será a capital dotada,
graças à ação dinâmica e inteligente do prefeito Juscelino Kubitschek, em cuja gestão Belo
Horizonte tem alcançado os mais elevados foros de centro civilizado” (ESTADO DE MINAS,
24 de dezembro de 1944).
O apelo ao novo também se fazia sentir nos conteúdos simbólicos que se pretendia
associar ao bairro. Assim, foram elencados os fatores de “desenvolvimento e de conforto”
que o novo bairro ofereceria a seus habitantes: a instalação de cinco colégios na Cidade
Jardim, a previsão da implantação de linhas de ônibus no bairro – até então o transporte
público era realizado através de bondes –, o caráter exclusivamente residencial no novo
espaço – à exceção de algumas quadras destinadas ao comércio local – e a construção de um
parque, nas imediações da antiga sede da Fazenda Velha, que possibilitaria lazer para os
moradores do local.
A novidade se fazia presente, ainda, na forma urbana planejada. Nos lotes, conforme o
edital publicado em 24 de dezembro de 1944, só seria permitida a construção de uma única
edificação, condição distinta daquela verificada no restante da cidade. Assim, na Cidade
Jardim as edificações seriam construídas com grandes afastamentos umas das outras, dada a
combinação de fatores como a grande dimensão dos lotes e a exigência de afastamentos
laterais e posteriores entre os edifícios. Outra inovação era representada pela exigência de
que os lotes fossem fechados com sebes vivas, de existência de jardins na porção frontal das
residências e de implantação de faixa gramada nos passeios. Todas essas informações foram
veiculadas no Edital de hasta pública, em seqüência à matéria que apregoava o novo na
cidade.
Os mesmos conteúdos associados ao desenvolvimento e à modernidade foram
reforçados, pouco tempo depois, em janeiro de 1945, em uma matéria que anunciava que as
hastas públicas já realizadas teriam “despertado o mais vivo interesse [...]” (ESTADO DE
MINAS, 27 de janeiro de 1945).
47

Não há como mensurar o impacto de tais notícias no imaginário social, investigação


esta que fugiria ao escopo desta dissertação, mas, no entanto, é possível especular que tais
informações tenham contribuído para a atração de adeptos às novas linguagens estéticas e
formas urbanísticas empreendidas pelo governo JK. E quem eram esses novos adeptos?
Segundo Castriota e Pereira (1999), o lançamento do bairro coincidiu com a realização
de investimentos no saneamento e embelezamento da região, realizações estas inseridas no
programa de modernização, que compreendia também a criação de espaços nobres dentro da
cidade. Com essa ação, “[...] o prefeito Juscelino Kubitschek garantiu a ocupação do bairro
por parte da elite política e econômica da época [...]” (CASTRIOTA & PEREIRA, 1999,
s.r.p.), levando, dessa maneira, para fora do perímetro da avenida do Contorno, uma parcela
da população abastada da cidade. Destaca-se que o bairro foi de fato ocupado a partir dos
anos 1950, sendo notória, entre os moradores, a presença de nomes importantes no cenário
empresarial mineiro, tais como Ajax Corrêa Rabello e Paschoal Costa25.
O engenheiro Ajax Corrêa Rabello possui atuação vinculada ao cenário de
modernização da cidade. Amigo de Juscelino Kubitschek, Rabello era proprietário da
Construtora de Estradas, que tivera participação central no programa rodoviário para Minas26,
do governo JK, além de integrar, ainda, o consórcio de empresas que iniciou a incorporação
do Conjunto JK, em 1953 (PIMENTEL, 1993). Outra iniciativa sua foi a fundação do
Hospital Vera Cruz, localizado na avenida Barbacena e inaugurado em abril de 1949. De
acordo com informações constantes no site do hospital, Rabello, além da construção do
edifício, empreendeu a compra do terreno para sua construção. A aquisição do terreno foi
realizada quando Juscelino Kubitschek, então prefeito da cidade, promoveu o leilão desses
lotes.
Paschoal Costa foi proprietário da Massas Vilma, empresa cuja origem se liga à
atuação da família Costa, que se muda para Belo Horizonte em 1923 (PBH, 2008b). A
expansão dos negócios da empresa, iniciados com a produção familiar de massas na década de

25
Além desses moradores, uma pesquisa realizada a partir de informações arquivadas na Diretoria de Patrimônio
Cultural da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, constantes no dossiê de tombamento do Conjunto Urbano
Bairro Cidade Jardim, revela que outros importantes nomes da elite mineira moraram no bairro. Eram
banqueiros, empresários do setor de comércio automotivo e da indústria de mineração, diretores de
multinacionais e hospitais.
26
Segundo Pimentel (1993) assim que se elegeu governador de Minas Gerais, JK providenciou a instalação de
uma concorrência pública para a execução de seu plano de construção de estradas. A vitória de Ajax Rabelo na
concorrência para construção das estradas decorre da intermediação de interesses de Ajax a pedido do
governador, de modo a torná-lo apto a participar da concorrência por meio de sua associação a outros atores que
possuíam garantia bancária e o equipamento rodoviário necessário. Efetivada a associação, “Ajax Rabelo pôde
participar da concorrência, vencê-la e se enriquecer” (PIMENTEL, 1993, p.95).
48

1920, se liga ao contexto de incentivo à industrialização mineira, pois,


com um ambiente favorável aos empreendimentos industriais e com o forte apoio e
incentivo do governo ao desenvolvimento industrial no Estado de Minas Gerais, a
fábrica adquire novos equipamentos e, em 1959, inaugura o primeiro moinho Vilma,
sendo o segundo a se instalar em Belo Horizonte (PBH, 2008b, p. 60).

Em 1966, Paschoal Costa contrata Eduardo Mendes Guimarães, nome referencial na


produção da arquitetura modernista em Belo Horizonte, para projetar sua residência no bairro
Cidade Jardim. A casa, “expressivo exemplar arquitetônico da experiência modernista em
Belo Horizonte” (PBH, 2008b, p. 144), serviu de residência para a família até os anos 1990,
quando então passou a abrigar o Núcleo de Filosofia Sônia Viegas. Em 2009, foi objeto de
projeto que intenciona transformá-la na sede do Instituto Cultural Paschoal Costa.
Mas o novo bairro não atraiu apenas empresários. A casa da rua Manoel Couto n.º 420,
por exemplo, foi projetada em 1954 por Geraldo Ferreira de Lima, a pedido do médico
radiologista Júlio de Paula, então com 20 anos de idade (PBH, 2005b). De acordo com o
depoimento de Geraldo de Lima, constante no dossiê dessa edificação27, Júlio de Paula, antes
de contratá-lo, conversou com outros arquitetos, mas nenhum deles havia apresentado
projetos que refletissem sua “vontade de modernidade” (PBH, 2005b, p. 34). Aliava-se, desse
modo, a dupla intencionalidade de ser moderno: a primeira representada pela opção de morar
no bairro Cidade Jardim e a segunda por residir em uma casa de arquitetura moderna.
A implantação do bairro se constituiu no primeiro esforço governamental com o intuito
de fazer com que a elite ocupasse terrenos externos ao anel da avenida do Contorno: oferecia-
se à elite a possibilidade da residência exclusivamente entre iguais, em localidade vizinha à
“cidade” delimitada pela avenida do Contorno.
A implantação do bairro Cidade Jardim significou a atuação direta do poder público
municipal na produção de um espaço exclusivo, elitizado. Assim, desde a elaboração do
projeto do novo bairro, durante a gestão do prefeito José Osvaldo de Araújo, passando pela
administração juscelinista, e durante os governos seguintes, leis e decretos foram publicados
com o intuito de manter as condições especiais do lugar.
Desse modo, além dos custos relacionados à desapropriação dos terrenos do Ministério
da Agricultura, o governo municipal foi responsável pela criação de medidas que facilitariam
a aquisição de novos lotes: o edital de hasta pública previa a possibilidade de parcelamento do
valor do terreno e no caso do adquirente ser funcionário público, isentava-o do pagamento de

27
A casa da rua Manoel Couto n.º 420 foi protegida por tombamento pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio
Cultural do Município em 2005.
49

sinal28. Promoveu, ainda, a realização de doações de lotes para a implantação de instituições


educacionais – Colégios São Paulo, Loyola, Dominicanos, dos Salesianos e Sion29 e
religiosas. A título de curiosidade, vale observar que sem a realização de hasta pública, o
poder público municipal autorizou a venda de terrenos destinados à fundação de uma “Casa
das Domésticas” e de uma “Escola de Serviços Domésticos” (PBH, 1946), provavelmente
com o objetivo de oferecer qualificação aos profissionais demandados pelos modos de vida da
elite local30.
Em outros termos, tratava-se da ação governamental conduzindo a consolidação de um
espaço distinto no município, distinção esta que se processava tanto no meio físico quanto nos
conteúdos sócio-culturais associados e presentes no lugar.

2.4.2 A ambiência urbana do bairro Cidade Jardim, seus aspectos urbanísticos,


arquitetônicos e sócio-culturais

A consolidação das características paisagísticas particulares do bairro Cidade Jardim


vincula-se à atuação direta do poder público municipal que, por meio do estabelecimento de
legislação urbanística especial, reforçou os incentivos e restrições contidos no primeiro edital
de hasta pública dos lotes do bairro Cidade Jardim. Desse modo, a Lei n.° 39, de 30 de julho
de 1948, promulgada durante a segunda gestão do prefeito Otacílio Negrão de Lima (1947-
1951), estabeleceu regulamentos para a ocupação de bairros residenciais como o Sion e a
Cidade Jardim. Essa legislação definiu critérios de ocupação para o solo urbano distintos
daqueles que até então eram praticados no restante da cidade, medida esta que agia no sentido
de reforçar os aspectos distintivos da forma de morar que o novo bairro propiciaria. Ou seja,
garantia-se a exclusividade do uso residencial e determinava-se que as edificações a serem
construídas adotassem padrões especiais, diferentes daqueles utilizados no restante da cidade:
proibia-se, por exemplo, o fracionamento de lotes e a construção de anexos que pudessem ser

28
No livro de Termo de Venda de Lotes em Hasta Pública – 1928 a 1946, constante no acervo do Arquivo
Público da Cidade de Belo Horizonte, é possível verificar que, em um primeiro momento, um considerável
número de funcionários adquiriu lotes no bairro Cidade Jardim: entre as 18 vendas registradas no período entre
julho e dezembro de 1946, 12 eram aquisições realizadas por funcionários.
29
Entres, apenas o Colégio dos Jesuítas – atual Loyola – e o São Paulo foram implantados. Já o Colégio Sion,
atual Santa Dorotéia, foi construído no bairro Sion.
30
A construção da “Casa das Domésticas” no bairro Cidade Jardim não se efetivou uma vez que há um Decreto
Municipal datado de 07 de novembro de 1956 que autoriza a Casa das Domésticas a alienar os lotes adquiridos
da prefeitura no bairro Cidade Jardim. O dinheiro obtido nesta operação de venda estava vinculado à aquisição e
reforma de um edifício na rua dos Timbiras, n.° 1228. Posteriormente, em 25 de janeiro de 1961, a Casa das
Domésticas foi declarada como instituição de utilidade pública pelo então presidente do Brasil, Juscelino
50

visíveis a partir da rua. Um aparato normativo específico para o bairro serviu ao


estabelecimento de um ambiente urbano diferenciado. De modo resumido, a legislação
especial estabelecia:

QUADRO 1 – Legislação urbanística original do bairro Cidade Jardim


Lei LEI N.º 39 DE 30 DE JULHO DE 1948
Definição Estabelece as normas para construção em bairros residenciais
específica
Determinações Em relação ao espaço público Em relação às normas para as novas
edificações
1. Não permitiu o fracionamento de lotes; 1. Os prédios não poderiam ter mais do que
2. Impediu a construção no alinhamento da via três pavimentos;
pública; 2. Definiu o afastamento frontal mínimo de
3. Estabeleceu o uso de cercas vivas, com 5 metros, devendo este ser aumentado no
altura máxima de 1 metro, para o fechamento caso de lotes com mais de 30 metros de
da frente e laterais dos terrenos; O fechamento profundidade, proporcionalmente à mesma;
frontal poderia ser substituído por gradil 3.Determinou o afastamento lateral mínimo
também com altura máxima de 1 metro; de 2,5 metros;
4. Determinou a construção de faixas 4.Definiu que possíveis anexos fossem
jardinadas nos passeios; incorporados volumetricamente à edificação
5. Estabeleceu que a projeção da edificação principal ou não fossem vistos a partir da
poderia ocupar, no máximo, 40% do lote. rua.

Mesmo para os padrões urbanísticos atuais, os parâmetros definidos para o bairro


Cidade Jardim apresentam-se mais restritivos, ou sob outra ótica, incentivam a formação de
uma ambiência urbana de caráter mais fluida, com maior amplitude visual entre os edifícios.
Nesse sentido, convém notar a fixação, no texto da lei de 1948, do afastamento frontal
mínimo de 5 metros, enquanto a legislação urbanística atual, salvo regulamentação de
algumas Áreas de Diretrizes Especiais, estabelece afastamentos frontais mínimos de 3 ou 4
metros31.
Interessante observar, comparativamente, dois pontos da cidade ocupados pela elite, a
partir de registros fotográficos realizados nas décadas de 1950 e 1960, constantes nos
arquivos do APCBH. A figura 3, referente ao bairro Cidade Jardim, revela as particularidades
impressas no espaço urbano pela legislação urbanística. Comparativamente ao bairro de

Kubitscheck, decreto este revogado no ano de 1992 (BRASIL, 1961).


31
Na legislação atual, a definição do afastamento frontal é feita de acordo com a classificação viária definida pela
legislação urbanística. Assim, nas vias locais o afastamento mínimo é de 3,0metros, enquanto para as demais
vias o afastamento é de 4,0metros. A exceção pode ocorrer em áreas sujeitas a parâmetros especiais, como ocorre
com a ADE Cidade Jardim, cuja legislação fixou o afastamento frontal mínimo de 5 metros para os lotes de
esquina e de 10 metros para os demais.
51

Lourdes (figura 4), local em que não havia regulamentos especiais, nota-se, neste último e em
especial na região destacada, um maior adensamento do lugar, ou seja, um maior número de
edificações em um mesmo quarteirão, além de maior proximidade entre os edifícios e entre
estes e a via pública. Posteriormente, no ano de 1951, a Lei n.º 39, de 30 de julho de 1948, foi
revogada no que se referia ao bairro Sion32, permanecendo, entretanto, em vigor para o bairro
Cidade Jardim.

FIGURA 6 – Vista aérea do bairro Cidade Jardim, na década de 1950.


Fonte: APCBH/Coleção José Goes.

32
As exigências constantes na Lei 39/1948, em relação ao bairro Sion, foram restabelecidas em 1970, por meio
da Lei n.° 1849, de 26 de agosto de 1970. Em 1993, a Lei 39/1948 foi definitivamente revogada.
52

FIGURA 7 – Vista aérea do bairro de Lourdes, nas imediações da Praça da Assembléia, na década de 1960.
Fonte: APCBH/Coleção José Goes.

Todavia, apesar de todas as novidades pensadas para a nova cidade de Belo Horizonte
(ESTADO DE MINAS, 24 de dezembro de 1944), os registros documentais existentes
evidenciam que, durante a década de 1940, o local não havia ainda se efetivado como um
novo centro residencial. A lentidão na execução das obras de terraplanagem do bairro somada
ao fato de que, nesse mesmo período, o vizinho bairro de Lourdes se afirmava como um novo
e aristocrático local de moradia das classes abastadas (PBH, 1997), certamente concorreram
para a lenta ocupação da Cidade Jardim. A análise constante no Inventário do Patrimônio
Cultural Urbano do Bairro Cidade Jardim/IPUC Cidade Jardim (CASTRIOTA & PEREIRA,
1999) revela que a efetiva ocupação do lugar se deu entre os anos 1950 e 1960. Nesse estudo
foi realizado o levantamento da datação da época de construção das edificações33. Verificou-

33
Não foram encontrados dados cadastrais de 15,64% dos imóveis do bairro Cidade Jardim, embora o estudo
53

se que apenas 7% das edificações do bairro (19 unidades) foram construídas na década de
1940, em sua maioria nas ruas Bernardo Mascarenhas, Conde Linhares e Eduardo Porto,
sendo que, segundo o referido estudo, a quase totalidade dessas edificações não apresentam os
estilemas da arquitetura moderna. Na década de 1950, 39% das edificações do bairro (112
unidades) são construídas e, no período posterior, década de 1960, são erguidas 22% das
edificações (63 unidades) (CASTRIOTA & PEREIRA, 1999). Esse diagnóstico é reforçado
pela fotografia apresentada abaixo (figura 5), datada do final da década de 1940 e tomada a
partir das imediações da rua Bernardo Mascarenhas. Nota-se que, à exceção do prédio do
Colégio Loyola, as demais edificações apresentam estilo arquitetônico de inspiração eclética.

FIGURA 8 – Bairro Cidade Jardim, no final da década de 1940.


Fonte: APCBH/Relatório de Prefeitos do ano de 1949.

O estudo aponta, ainda, no que se refere à caracterização estilística das edificações


existentes, que “[...] o bairro se coloca como referencial do modernismo vigente, cujos
exemplares representam 39% das edificações existentes” (CASTRIOTA & PEREIRA, 1999,

aponte que o aspecto arquitetônico de tais edificações remetam à década de 1950. A delimitação da área de
abrangência do referido estudo, além da área inserida no perímetro da ADE Cidade Jardim, incorporou a face de
quadra do bairro voltada para a avenida Prudente de Morais e a face da rua Teixeira Mendes oposta ao limite da
54

s.r.p.). A opção pela arquitetura moderna na maioria das residências da Cidade Jardim pode
ser explicada a partir de sua inserção no contexto brasileiro vinculado à modernização pelo
alto, ou seja, a partir da atuação do Estado na condução do processo de modernização do país.
No cenário brasileiro, o governo de Getúlio Vargas utilizou a arquitetura moderna como a
linguagem estética para algumas de suas realizações estatais.
Nesses termos, a afirmação do modernismo arquitetônico enquanto uma nova
linguagem, no contexto brasileiro, relaciona-se, de acordo com Cavalcanti (2006), à primazia
dos arquitetos modernos em três frentes de atuação iniciadas com o Estado Novo e por ele
conduzida: o domínio sobre o passado por meio da política de proteção ao patrimônio
cultural, a conquista de um mercado estatal na construção dos prédios públicos34 e a
elaboração de projetos para a habitação popular. Cavalcanti (2006) destaca que “a conquista
de um mercado estatal era absolutamente fundamental em um país no qual as elites e as
empresas privadas apenas adotavam um estilo depois que ele tivesse sido experimentado e
aprovado em obras públicas” (CAVALCANTI, 2001). Em outros termos, além do domínio
sobre o passado, os modernos possuíam domínio sobre o presente e o futuro no campo
arquitetônico, fato que, de acordo com as colocações de Cavalcanti (2006), certamente
influenciou a adoção do modernismo enquanto paradigma estético da modernidade do final
dos anos 1930 ao início dos anos 1960.
Outro fator que certamente serviu à aceitação da linguagem modernista se liga à ampla
divulgação desse estilo empreendida por periódicos durante as décadas de 1950 e 1960. Lara
(2001), em sua análise sobre a utilização da linguagem modernista pela classe média
brasileira, observa que durante a década de 1950 foi recorrente a divulgação da arquitetura
modernista em publicações dirigidas tanto para o público especializado, como arquitetos e
engenheiros, quanto para os setores médios e altos da população brasileira. A partir da análise
de cinco periódicos veiculados entre os anos de 1950 e 1959 – Arquitetura e Engenharia,
Módulo, Casa e Jardim, Manchete e o Cruzeiro35 -, Lara (2001) observa que a arquitetura

ADE, perfazendo um total de 284 unidades.


34
A construção do Ministério de Educação e Saúde (1937-1943) é considerada um marco no início da 'parceria'
entre o governo brasileiro e os arquitetos modernos no âmbito da elaboração de projetos arquitetônicos para o
setor público (CAVALCANTI, 2006).
35
A revista Arquitetura e Engenharia constitui uma publicação especializada de Belo Horizonte, direcionada para
profissionais da construção, que enfatizava, em suas matérias, os aspectos tecnológicos da arquitetura e
engenharia. O jornal Módulo, também voltado para público especializado, foi editado, no Rio de Janeiro, por um
grupo de arquitetos modernos liderados por Oscar Niemeyer. Casa e Jardim, ainda publicada mensalmente, é
uma revista sobre o ambiente doméstico da arquitetura, dirigida ao público das classes altas e médias. Manchete
constituiu um publicação semanal de variedades e notícias; O Cruzeiro, a mais popular dessas revistas, era
semelhante à Manchete, mas um pouco mais conservadora e dirigida à classe média (LARA, 2001).
55

moderna foi abordada em reportagens de todas as revistas analisadas. Todavia, Lara (2001)
coloca que houve variações de abordagem.
Entre as revistas pesquisadas, duas delas serão aqui consideradas, tendo em vista que
são revistas de variedades, direcionadas ao público não especializado e que, portanto, não
tratam especificamente do tema da arquitetura: O Cruzeiro e Manchete. Assim, entre as
revistas direcionadas para o público geral, a revista mais conservadora, O Cruzeiro36,
demonstra, em princípio dos anos 1950, um tom crítico em relação às mudanças no modo de
vida urbano, mas contribui com a divulgação do modernismo na medida em que veicula
reportagens sobre a Pampulha e a falta de zelo com seu conjunto arquitetônico37, sobre Oscar
Niemeyer e seus prêmios e realizações internacionais, assim como representações da
arquitetura moderna em anúncios sobre mobiliário e materiais de construção.
Outra revista dirigida para o público não especializado era a Manchete38, que, ao
contrário do periódico O Cruzeiro, segundo Lara (2001), talvez se identificasse mais com a
classe média emergente. Nesse veículo, a arquitetura moderna era representada com
entusiasmo, como demonstrou a reportagem publicada em dezembro de 1962, intitulada
“Brasil: poder mundial arquitetônico”. Na referida matéria, foram apresentadas fotografias de
importantes realizações arquitetônicas modernistas brasileiras, como a Pampulha (Oscar
Niemeyer, 1942), o Ministério da Educação e Saúde (Lúcio Costa e equipe, 1937), o Hospital
Sulamérica (Oscar Niemeyer, 1947), além de casas particulares, sendo o foco da reportagem
voltado para a repercussão do modernismo brasileiro na Europa e nos Estados Unidos (Lara,
2001). Lara (2001) coloca, ainda, em relação à Manchete, que “de 1952 até o fim da década,
quase todo o assunto da revista semanal teve pelo menos uma nota sobre os novos edifícios,
as competições ou exibições da arquitetura moderna”39 (LARA, 2001, p. 131).
Interessante observar que a arquitetura moderna representada nos periódicos pode ser
tomada como um dos elementos que simbolizaria o “moderno modo de vida”. Isso porque a
pesquisa realizada por Lara (2001) aponta que

36
Segundo Lara (2001), O Cruzeiro pode ser identificada com a UDN, que primeiramente fez oposição à Vargas
e posteriormente à Juscelino Kubitschek, ambos os políticos associados ao processo de modernização do Brasil.
37
De acordo com Lara (2001), em maio de 1954, doze anos após a inauguração da Pampulha, foi veiculada na
revista matéria que criticava o fato de os edifícios do lugar não passarem por manutenção adequada.
38
Lara (2001) observa que a Manchete sempre foi simpática a Kubitschek, e seu proprietário, Adolpho Bloch,
era amigo próximo de JK.
39
No original: “from 1952 until the end of the decade, almost every issue of the weekly magazine had at least a
note about new buildings, competitions and exhibitions of modern architecture” (LARA, 2001, p.131).
56

uma grande quantidade de anúncios utilizou a arquitetura moderna para vender


praticamente tudo, de carros a linhas telefônicas, mas principalmente mobiliário e
materiais de construção. Diferente de O Cruzeiro, os anúncios na Manchete não
apresentavam apenas a arquitetura moderna, mas também possuíam layout moderno,
cores modernas e pessoas vestidas com roupas modernas. A palavra “moderno” foi
freqüentemente utilizada nos anúncios. Se “modernizar”, “sempre ser moderno”,
“originalidade e modernismo”, “funcional e moderno” são poucas entre as muitas
variações da palavra “moderno nos anúncios (LARA, 2001, p. 133). (Tradução
minha)40

No plano local, a construção da Pampulha por Juscelino Kubitscheck e a construções


dos modernos edifícios projetados por Oscar Niemeyer introduziram o estilo modernista na
capital mineira. Em meio a esse novo cenário, “a agilidade política e a profusão de obras
públicas conduzidas por JK promoveram a absorção por parte da sociedade, em todos os seus
patamares, dos valores e modos de vida modernos expressos em seus feitos [...]”
(CASTRIOTA & PEREIRA, 1999, s.r.p.).
Denise Bahia (1999) coloca que, segundo Sylvio de Vasconcelos, os novos modos de
vida introduzidos na cidade se relacionam com a mudança de hábitos e costumes. Para ele, tal
mudança se inicia com a Pampulha, que introduz na vida social belo-horizontina o hábito do
esporte e novas experiências de uso de espaços coletivos e públicos e de formas de
sociabilidade. O Cassino, a Casa do Baile e o Iate Clube figuravam como equipamentos que
trouxeram ao cenário local novos acontecimentos sociais. No Cassino, além dos jogos, eram
oferecidos jantares, shows e espetáculos artísticos que incluíam atrações internacionais,
inserindo a capital mineira na rota cultural nacional (CEDRO, 2002). Novidades foram
sentidas também no comportamento do belo-horizontino:

Os encontros, as festas e as aventuras do jogo começavam a fazer parte do cotidiano


da Pampulha, inclusive na área da gastronomia [...]. Também houve uma
transposição da moda internacional para a capital mineira. A elite da cidade passou a
copiar o estilo de vestir dos grandes centros de moda, já que, naquele momento,
havia um novo lugar para se freqüentar, à altura das grandes metrópoles (CEDRO,
2002, p. 82).

40
No original: “a plethora of advertisements usede modern architecture to sell practically everything, from cars
to lottery to telephone lines, but mainly furniture and construction materials. Different from O Cruzeiro, the ads
in Manchete not only display modern architecture but they also have modern layouts, modern color and people
dressed in modern clothing. The Word ‘modern’ is very frequent in advertisements. To ‘modernize yourself’, to
be ‘forever modern’, ‘originality and modernism’, ‘functional and modern’ are a few among the many variations
of the Word modern in advertisements”(LARA, 2001, p. 133).
57

A Casa do Baile também cumpriria o mesmo papel, porém sem o glamour existente no
Cassino.
Desse modo, a novidade presente tanto na arquitetura moderna, da qual o complexo
arquitetônico da Pampulha é exemplar, quanto nos novos meios de sociabilidade que eram
oferecidos à sociedade belo-horizontina, certamente serviu de motivação para que os feitos
juscelinistas e a modernidade por eles representada fossem absorvidos por parcela da
população, produzindo, na mesma, o anseio de se integrar a eles, ainda que simbolicamente. A
opção pela estética modernista na arquitetura é um meio para a realização dessa vinculação
simbólica. Por outro lado, morar no bairro Cidade Jardim, na medida em que ele é
efusivamente atrelado à imagem do prefeito, também pode ser tomado como símbolo de
alinhamento com a modernidade. De fato, essa imagem conserva-se na atualidade, quando a
Cidade Jardim é associada à representação de um “reduto da modernidade” (ESTADO DE
MINAS, 27 de julho de 2003) ou ainda, como sendo portadora de uma “alma moderna”
(ESTADO DE MINAS, 22 de dezembro de 2000).
Tomando, então, a arquitetura como objeto analítico, a partir de um recorte que
considera os bens modernistas identificados pelo poder público para proteção por
tombamento no bairro Cidade Jardim (PBH, 2004), constata-se que 85 % desses bens (32
unidades) apresentam a incorporação de todos os sintagmas e paradigmas preconizados pelo
movimento moderno na arquitetura, ou seja, se apresentam como exemplares cuja
incorporação da nova linguagem estética, no que se refere à concepção do edifício, se deu por
completo. Os outros 15% (06 unidades) são apontados como exemplares nos quais a
incorporação do modernismo foi acompanhada de uma ação tradicionalista, formal ou
estética, na solução do edifício. Destaca-se que a significativa quantidade de imóveis
modernistas em um único bairro fez com que ele passasse a ser considerado como “um
verdadeiro reduto do patrimônio modernista da cidade. Depois da Pampulha, o bairro Cidade
Jardim é o ponto mais expressivo da arquitetura moderna em Belo Horizonte” (ESTADO DE
MINAS, 22 de dezembro de 2000).
Todavia, o bairro exibe, conjuntamente com os representantes do modernismo
arquitetônico, algumas edificações representativas do ecletismo tardio41. Para Castriota &

41
O IPUC Cidade Jardim procedeu a divisão estilística dos bens em “Moderno” e “Outros Estilos”. Os
exemplares vinculados às concepções tradicionalistas estariam inseridos nesta segunda classificação. Em outro
estudo, elaborado para fins da regulamentação da ADE Cidade Jardim (PBH, CASTRIOTA & PEREIRA, 2000),
é possível aferir, pelo mapa de “Estilos Arquitetônicos”, que 64 edificações são representantes do estilo moderno
enquanto 39 edificações se vinculam aos estilos tradicionais, incluindo-se aí a Sede do Museu Histórico Abílio
Barreto – representante da arquitetura colonial e edifícios vinculados ao art decó e ao ecletismo tardio. Se
58

Pereira (1999), constata-se, por meio da arquitetura tradicional presente no bairro, que parte
da sociedade belo-horizontina mantinha-se imageticamente vinculada aos antigos padrões
estéticos próprios do ecletismo – estilo em voga na capital durante seus primeiros anos até a
década de 1920. Tal vinculação poderia ser explicada ainda, de acordo com os citados autores,
pela crescente influência dos Estados Unidos sobre os países da América do Sul: “sendo o
neoclássico o estilo norte-americano por excelência e sendo a burguesia brasileira alimentada
por suas revistas e filmes, explica-se facilmente uma releitura da decoração eclética feita pela
fatia conservadora [...]. Mantendo-se alienada dos novos paladares, levantava padrões
reduzidos das mansões cinematográficas do alto continente” (CASTRIOTA & PEREIRA,
1999, s.r.p.).
Por essa perspectiva, mesmo quando expressa elementos estéticos vinculados ao
ecletismo, a arquitetura no bairro tende à modernidade, pois, como já explicitado em outro
ponto desta dissertação, o processo da modernidade brasileira se processa a partir da
importação de tendências estrangeiras. Desse modo, se por um lado essas edificações
constituem exemplos de prática arquitetônica ainda referenciada em estilemas tradicionais,
por outro ângulo, sob o ponto de vista simbólico, também se inserem no cenário da
modernidade local, na medida em que foram inspiradas em modelos internacionais,
particularmente o norte-americano. Há que se considerar, ainda, que embora tais edificações
ainda exibam tratamento estético tradicionalista, a concepção em planta já apresenta, em
alguns casos, os avanços presentes na arquitetura modernista, tais como a setorização
funcional dos ambientes.
O quadro estilístico do bairro é composto também pela única edificação colonial que
restou do extinto vilarejo de Curral Del Rei, a antiga sede da Fazendo do Leitão e atual Museu
Histórico Abílio Barreto. Outras referências estilísticas distintas do movimento moderno
podem ser verificadas no ‘proto-moderno’ representado pelos edifícios do Conjunto do
Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários /IAPB42, construídos nas ruas Bernardo

tomarmos como dado comparativo os bens identificados pelo poder público para proteção por tombamento,
verifica-se que 64% desses bens (38 unidades) são representantes do movimento moderno enquanto os 36%
restantes (22 unidades) são exemplares dos estilos tradicionalistas.
42
Segundo o dossiê de tombamento do IAPB (PBH, 2005c), entre o final dos anos 1930 e início dos anos 1950,
o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários adotou medidas que visavam à facilitação da aquisição de
casa própria por seus associados, dentre elas, a construção de moradias vendidas de modo facilitado. Ainda
segundo este documento, o primeiro empreendimento do instituto foi construído no bairro Santo Antônio, a Vila
Inneco, formada por diversas casas erguidas próximas à margem do córrego do Leitão que, ocupadas
inicialmente na modalidade de aluguel, foram posteriormente vendidas a seus ocupantes em 1951. O segundo
empreendimento, datado dos anos 1950, foi a construção dos prédios residenciais na Cidade Jardim, o Conjunto
Habitacional IAPB, em um terreno localizado na esquina das rua Bernardo Mascarenhas e Carvalho de Almeida.
59

Mascarenhas e Carvalho de Almeida, e no estilo art dèco percebido nas soluções utilizadas no
Colégio São Paulo, cujo projeto fora elaborado por Mário Berti, filho do arquiteto Rafaello
Berti, autor de inúmeros edifícios art dèco em Belo Horizonte, tais como a Santa Casa de
Misericórdia e o Colégio Santo Agostinho (CASTRIOTA & PEREIRA, 1999 s.r.p.). Soma-se
a esse quadro o conjunto edificado existente no Ministério da Agricultura, de vinculação
estilística neocolonial, mas que, dado o isolamento do terreno desse ministério, não apresenta
diálogo com o restante do bairro.
Apesar do significante número de edifícios construídos no bairro entre as décadas de
1940 a 1960, fontes documentais revelam que a Cidade Jardim teria permanecido, de fato,
sem os efeitos da modernidade até meados dos anos 1970, quando a modernização é
notadamente sentida no meio urbano por meio da canalização do córrego do Leitão e
implantação da avenida Prudente de Morais.
O relatório do prefeito Otacílio Negrão de Lima, datado de 1949, aponta que nesse ano
foram finalizados os serviços de terraplenagem do bairro. Apesar da conclusão dos serviços
de terraplenagem, durante os anos 1950, segundo depoimentos de moradores, a paisagem do
lugar encontrava-se marcada por “mansões luxuosas, carros modernos, ruas sem calçamento e
cabritos pastando” (ESTADO DE MINAS, 31 de outubro de 1990), sendo que nessa mesma
época, durante períodos chuvosos, problemas advindos das enchentes decorrentes do
transbordamento do córrego do Leitão assolavam o local. Segundo outra moradora, “o
córrego enchia e se transformava numa lagoa” (JORNAL DE CASA, 18 de dezembro de
1977). Além do alagamento que atingia o bairro, as chuvas provocavam a suspensão do
fornecimento de água (ESTADO DE MINAS, 20 de junho de 1971), levando a
municipalidade a criar um serviço “Reclame Água”: “Os moradores da Cidade Jardim,
Funcionários, Santo Agostinho e Carmo devem reclamar pelo tel. 35-4822 se não estão
recebendo água normalmente [...]” (ESTADO DE MINAS, 07 de agosto de 1971). A
iluminação pública de extensa porção do bairro foi realizada no ano de 1954 (ESTADO DE
MINAS, 02 de fevereiro de 1954) e, durante toda a década correspondente, o bairro Cidade
Jardim permanecera como “um bairro de terra batida” (ESTADO DE MINAS, 31 de outubro
de 1990).

Assim como as unidades da Vila Inneco, os imóveis foram inicialmente cedidos na forma do pagamento de
aluguel e depois vendidos a seus moradores.
60

FIGURA 9 – Execução de serviços de infraestrutura no bairro Cidade Jardim, no final da década de 1940,
apresentando ao fundo, a antiga sede da Fazenda do Leitão, atual Museu Histórico Abílio Barreto.
Fonte: APCBH/Relatório de Prefeitos -1949.

Assim, apesar de ter sido anunciado como um ícone da modernidade percebe-se que, à
exceção do casario representativo da nova arquitetura - a modernista -, e do trânsito de
modernos veículos pelo lugar, de fato, os efeitos da modernização, no que se refere ao
tratamento dos espaços públicos e dos aspectos infraestruturais, se fizeram sentir lentamente,
apenas durante as décadas de 1950 e 1960. Vislumbra-se, assim, que no processo inicial de
ocupação do bairro Cidade Jardim a modernidade era sentida sem a presença da modernização
efetiva.
Transpondo o foco da discussão para o cenário atual, alguns pontos merecem destaque.
Primeiro, em relação à paisagem do lugar, nota-se que o bairro manteve os principais aspectos
definidos na época de sua implantação, ou seja, a despeito das profundas transformações
paisagísticas ocorridas em outros lugares da cidade, a Cidade Jardim preserva sua
configuração inicial: passeios e quintais ajardinados, consistente arborização dos espaços
públicos, predominância de edificações residenciais horizontais, dispostas em terrenos de
61

grandes dimensões e com consideráveis afastamentos umas das outras (figuras 7 a 12).
Acrescente-se a essa ambiência o significativo número de imóveis que ainda preservam suas
características arquitetônicas originais. Entre esses, o dossiê de proteção do bairro Cidade
Jardim indica a proteção por tombamento de 58 edificações, sendo 38 representativas do
modernismo e 20 dos estilemas tradicionais (PBH, 2004).

FIGURA 10 - Aspectos urbanísticos passeio FIGURA 11 - Aspectos urbanísticos: passeio


ajardinado da rua Conde de Linhares. ajardinado da rua Bernardo Mascarenhas.
Foto: Karime Gonçalves Foto: Karime Gonçalves

FIGURA 12 - Aspectos urbanísticos: arborização da FIGURA 13 - Aspectos urbanísticos: ruas


rua Sinval de Sá. arborizadas.
Foto: Karime Gonçalves Foto: Karime Gonçalves
62

FIGURA 14 - Aspectos urbanísticos: jardim frontal de FIGURA 15 - Aspectos urbanísticos: jardim frontal
uma das casas localizada na rua Conde de Linhares. do IAPB.
Foto: Karime Gonçalves Foto: Karime Gonçalves

Embora tenham sido mantidos os principais aspectos urbanísticos da época de


implantação, nota-se, atualmente, que no bairro alguns processos encontram-se em curso. Tais
processos são demandados pelos novos modos de vida e de modo geral concorrem para a
modificação da ambiência do lugar (figuras 13 a 15)43. Assim, é recorrente a existência de
reformas nos imóveis, às vezes irregulares e descaracterizantes, para adaptação a novos usos
ou para adaptação aos padrões vigentes de gosto arquitetônico.
Um exercício de percepção revela a existência de intervenções para a substituição
dos jardins frontais por estacionamentos e para a construção de muros que obstruem a
visibilidade das edificações, prejudicando o diálogo entre o espaço público e o privado. Além
disso, percebe-se uma tendência homogeneizante no tratamento estético das residências, que,
para se adequar à contemporaneidade, são tratadas com a utilização de materiais de
acabamento em voga, como os vidros verdes e a pintura branca, à semelhança de outras áreas
destinadas às classes altas em Belo Horizonte, tais como os bairros Mangabeiras e Belvedere.

43
Na edificação da figura 13, que mantém o uso residencial, houve substituição dos materiais de acabamento das
fachadas e alteração nos fechamentos frontais. Na edificação representada na figura 14, reformada para abrigar o
uso de serviço, houve substituição dos materiais de acabamento das fachadas e alteração nos fechamentos
frontais.
63

FIGURA 16 - Residência modernista modificada. FIGURA 17 – Edificação modernista modificada


Foto: Karime Gonçalves para abrigar o uso de serviço.
Foto: Karime Gonçalves

FIGURA 18 – Substituição do ajardinamento frontal por


estacionamento de veículos em edificação adaptada para o uso não
residencial.
Foto: Karime Gonçalves

Um estudo elaborado em 1999 (CASTRIOTA & PEREIRA, 1999) identificou que


apesar de 83% das edificações do bairro (235 unidades) serem mantidas em bom estado de
conservação, identificou-se, a partir da observação externa dos imóveis, que cerca de 30% dos
mesmos (83 unidades) passaram por reformas que alteraram a volumetria, a linguagem
arquitetônica ou efetivaram acréscimos nos edifícios, sendo que destes, 47% (39 unidades)
correspondiam a imóveis com desenho modernista. O estudo alerta para o fato de que apenas
67% das unidades alteradas encontravam-se em bom estado de conservação, ou seja, as
reformas empreendidas em 33% dos edifícios, além de os descaracterizarem, não
contribuíram para a manutenção do estado de conservação adequado.
A inclinação à execução de reformas nas edificações pode ser tomada como variável
64

para a percepção dos valores atribuídos aos edifícios por aqueles que deles se apropriam.
Nesses termos, acredita-se que edifícios com boa manutenção e com características estilísticas
originais sem alterações apresentam preponderância do valor afetivo pautado na memória,
condição que incentiva a manutenção das características físicas dos imóveis como forma de
resguardar os meios materiais que expressam os modos de vida de outras épocas. Por outro
lado, a tendência à realização de intervenções com substituição de parâmetros estéticos e
formais evidencia o arrefecimento do valor afetivo ancorado na memória, situação esta em
que os edifícios encontram-se sujeitos à realização de intervenções demandadas pelos novos
modos de vida – como a execução de muros para garantir sensação de segurança e
privacidade, ou pelos novos gostos vigentes – como a atualização arquitetônica operada pela
utilização de vidros verdes e pintura branca, por exemplo.
Em consulta aos arquivos da Diretoria de Patrimônio Cultural, verifica-se que esse é o
caso de uma proposta de modificação submetida à apreciação do CDPCM/BH, referente a um
imóvel na época em processo de tombamento e atualmente tombado. Nesse caso, havia a
intenção dos moradores de realizar a atualização arquitetônica da edificação, com parâmetros
intervencionistas que pretendiam a substituição dos materiais de acabamento originais –
cobogós e pastilhas 2X2 cm brancas, azuis e amarelas -, a alteração dos vãos e a modificação
de toda a divisão interna da residência. No lugar dos materiais externos originais, verifica-se,
por meio da simulação apresentada, que seria adotada a estética branca e os novos vãos
receberiam vedação com vidros azuis. Essas intervenções foram realizadas sem a aprovação
do CDPCM/BH, que considerou que as obras realizadas fizeram com que “a leitura global da
edificação fosse modificada e o seu estilo modernista parcialmente descaracterizado” (PBH,
2005a, p. 79).
Uma vez descritos os conteúdos paisagísticos presentes na Cidade Jardim, faz-se
necessário apresentar algumas considerações sobre as sociabilidades verificadas no lugar a
partir da observação em campo. Essa empreitada permitiu apreender as formas de relação do
bairro com a cidade, caracterizada pela existência de dois níveis distintos de relacionamento44.
O primeiro deles é percebido na condição de isolamento do bairro, marcado pela

44
O IPUC Cidade Jardim (CASTRIOTA & PEREIRA, 1999) identificou três níveis de interface do bairro com a
cidade: o espaço da passagem, o espaço da cidade e o espaço do bairro. O primeiro se refere à apropriação da
Cidade Jardim como área de articulação viária com outros bairros, atribuindo a determinadas vias locais a função
de articulação de fluxos externos: avenidas do Contorno, Raja Gabaglia e rua Josafá Belo. O segundo nível,
relativo ao espaço da cidade, é conformado pelos lugares que oferecem a possibilidade de um maior fluxo de
pessoas externas ao bairro, como o Museu Histórico Abílio Barreto e os Colégios Loyola e São Paulo. Já o
espaço do bairro se refere à ambiência em que predomina a ocupação residencial.
65

preponderância do uso residencial que, apesar de permeável visualmente por meio dos gradis,
não oferece possibilidade de diálogo com aqueles que transitam pelo espaço público. Essa
condição é verificada especialmente na parte oeste do bairro, nas quadras localizadas entre a
rua Conde de Linhares e a avenida Raja Gabaglia. Nessa porção, à exceção de alguns pontos
específicos de atração de pessoas como os colégios Loyola e São Paulo, o quê se verifica é
existência de uma ambiência notadamente residencial e sem maior circulação de pessoas pelo
espaço público, fazendo com que a ela seja atrelada a imagem de isolamento em relação ao
restante da cidade. É o bairro fechado em si mesmo, condição essa já presente no bairro em
outras épocas, como se depreende da fala de um padre local: “'este bairro é sossegado, bairro
chique, de alta sociedade. Movimento só dos colégios” (JORNAL DE CASA, 18 de dezembro
de 1977. Ele acrescenta ainda que “as casas são todas fechadas, não se vê os moradores […] e
é muito difícil você ser recebido se não for conhecido” (JORNAL DE CASA, 18 de dezembro
de 1977).
Já o segundo nível de relacionamento bairro/cidade é verificado na porção leste da
Cidade Jardim, que inclui a rua Conde Linhares e a porção delimitada por ela e pela avenida
Prudente de Morais. Nessa área verifica-se uma maior intensidade de fruição dos espaços
públicos, ocasionada principalmente pela existência de alguns equipamentos e usos atratores
de pessoas. O Museu Histórico Abílio Barreto, com sua programação cultural, e a Igreja Santo
Inácio de Loyola figuram como equipamentos capazes de atrair pessoas residentes na
comunidade e fora dela. O Museu Histórico Abílio Barreto, além de seu acervo, apresenta
atrações semanais que possibilitam a interface do bairro com o restante da cidade: “há muito
espaço para a criançada se divertir, fico de olho para não perder nada” (ESTADO DE MINAS,
21 de junho de 2008), comenta uma frequentadora, enquanto outra relata que “sempre que há
um evento no Museu Histórico, trago meus netos, que moram na Pampulha” (ESTADO DE
MINAS, 21 de junho de 2008).
Acrescente-se ao cenário dessa segunda porção a maior concentração de usos não
residenciais (CASTRIOTA & PEREIRA, 1999), situação esta que contribui com abertura
desse trecho do bairro. Além de abrigar uma unidade do Tribunal Regional Eleitoral, aí se
localizam atividades como lojas de roupa, escritórios de advocacia, spa, unidade da
Beneficência da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte/BEPREM, a sede do Clube
Nacional, entre outras.
Essa distinção espacial presente na Cidade Jardim fez-se presente na fala de moradores
do bairro. Nesse sentido, é evidente uma distinção entre a “parte de cima”, delimitada pela rua
66

Conde de Linhares e avenida Raja Gabaglia, e a “parte de baixo”, correspondente às quadras


localizadas entre a avenida Prudente de Morais e rua Conde de Linhares. De acordo com a
percepção de alguns moradores, a “parte de cima” seria realmente a Cidade Jardim enquanto a
“parte de baixo”, por apresentar alguns edifícios de três pavimentos e a presença de usos não
residenciais, já não pertenceria mais aos limites oficiais do bairro, representação esta que não
se confirma uma vez que ambas são reconhecidas oficialmente como Cidade Jardim.

2.4.3 Estilo de vida de morar no bairro Cidade Jardim: o período entre 1940 e 1970

O tema dos estilos de vida remete à questão da identidade e, por conseguinte, ao tema
da diferença. Pautando-se, então, nas diversas nuances que problematizam a diferença,
entendida sob uma perspectiva relacional, é que o tema estilo de vida se apresenta aos estudos
próprios das ciências sociais.
Segundo Waizbort (2000), o termo estilo de vida foi cunhado por Georg Simmel, que
no início do século XX dedicou ao tema o capítulo intitulado 'estilo de vida', em Philosophie
des Geldes. Ainda segundo Waizbort, a utilização do termo constitui uma inovação
terminológica e analítica de Simmel, que ao conduzir a discussão pautada na questão do estilo
apontou para o universo da estética. Para Simmel, o estilo de vida constitui um fenômeno
histórico, é um retrato de um determinado momento dentro de um processo mais amplo, que é
o processo da cultura. Segundo sua concepção, a multiplicidade de opções de consumo ou de
vertentes estilísticas é produto da objetivação das esferas da vida e do alargamento de
conhecimento histórico, constituindo, portanto, uma característica do estilo de vida inerente à
modernidade.
Já Pierre Bourdieu conduz a discussão sobre estilo de vida para o campo da identidade
das classes sociais. Nesses termos, suas formulações são fundamentalmente embasadas no
entendimento de que os objetos culturais constituem um meio para distinção entre as classes
num determinado espaço social. De acordo com esse autor, a diferenciação entre as classes a
partir dos estilos de vida é possibilitada por um trabalho de construção e observação a partir
do qual é possível identificar conjuntos de indivíduos relativamente homogêneos que são
caracterizados pelos conjuntos de suas propriedades. Ou seja, tais grupos são identificados a
partir de “sistemas de diferenças” (BOURDIEU, 2007).
67

Bourdieu (2007) considera que os distintos estilos de vida são determinados a partir da
manifestação dos diferentes sistemas de disposições. Esses são influenciados pelo habitus e
pela vivência do habitus e, conseqüentemente, pela disposição estética das classes. Suas
colocações tomam como pressuposto o fato de que os bens culturais, ou manifestações dos
diferentes sistemas de disposições, constituem o meio pelo qual se revelam os sistemas de
diferenças, determinados tanto pelo capital cultural quanto pelo capital econômico dos
indivíduos. Em outro termos, a teoria de Bourdieu aponta para a existência de objetos ou
elementos que são capazes de demarcar a diferenciação, ou para usar a conceituação
bourdieriana, a distinção entre os grupos sociais.
Anthony Giddens define estilo de vida como “(...) um conjunto mais ou menos
integrado de práticas que um indivíduo abraça, não só porque essas práticas preenchem
necessidades utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular de auto-
identidade”(GIDDENS, 2002, p. 79).
Assim, o estilo de vida pressupõe uma atitude de escolha frente a diferentes
possibilidade de consumo. Além do exercício de escolha, um estilo de vida será permeado
pela rotinização das opções de vestir, comer, lugares a freqüentar, etc. Em suma, estar inserido
em determinado estilo de vida significa mais do que agir; se relaciona diretamente com quem
se quer ser, atitude que revela a intenção de autoconstrução da identidade.
De modo resumido, enquanto para Simmel havia o estabelecimento de um estilo de
vida mais amplo, com as diferenças eletivas representando um fenômeno integrante de um
mesmo momento histórico, qual seja o que caracteriza o estilo de vida da modernidade,
Bourdieu trata das diferenciações em um mesmo espaço temporal, no qual as diferenças
configuram as manifestações dos sistemas de disposições que irão determinar o
posicionamento dos atores no espaço social. Ou seja, para Bourdieu, os estilos de vida
representam a materialização dos sistemas de diferenças.
Giddens tece considerações que aproximam suas formulações das construções de
Bourdieu. Um primeiro ponto aproximativo diz respeito à associação entre estilo de vida e
construção da identidade, sendo que no caso de Bourdieu é clara a conotação de identidade de
classes pautada na adoção de determinada disposição estética, ao passo que a discussão de
Giddens é mais focalizada no plano da escolha individual. Um segundo ponto de aproximação
das formulações diz respeito ao entendimento de que as opções colocadas à disposição para
consumo, elemento orientador da definição de um estilo de vida, não são acessíveis a todos da
mesma maneira, sendo influenciadas pelas circunstâncias econômicas ou de visibilidade das
68

opções para Giddens ou pelo capital econômico e cultural para Bourdieu.


Como aspecto comum às três formulações é possível considerar que as opções de
consumo escolhidas dentro dos diversos espectros da vida social influenciam a feição de
determinado estilo de vida, sendo que a manifestação das opções de escolha - os produtos,
bens culturais, gastronomia -, é que representaram os signos de um determinado estilo de
vida. No caso em análise, que se volta para o estudo de um lugar dentro da cidade, adquire
importância a identificação dos elementos de distinção, dos aspectos que revelam a
materialização, no meio urbano, do sistema de diferenças presente no espaço social.
Desse modo, tendo em mente as referências teóricas expostas, destaca-se que um dos
aspectos que servem à identificação de um determinado estilo de vida é representado pelas
disposições estéticas que conduzem as opções de consumos dentro de um leque de
possibilidades, não se esquecendo que tal escolha é condicionada por questões relacionadas,
nos termos de Bourdieu, ao capital econômico e cultural dos atores.
Assim como as opções de vestir, comer e se divertir, o modo de morar representa a
manifestação do sistema de disposições que caracteriza, segunda as formulações de Bourdieu,
as nuances dos distintos estilos de vida. Nesses termos, dentro de um amplo espectro de
possibilidades de formas de morar, as opções serão condicionadas pelo capital econômico e
pelo capital cultural, demarcando fisicamente no espaço urbano as diferenças existentes no
espaço social.
Uma das dimensões inerentes ao modo de morar, a física, constituirá o meio para a
materialização da disposição estética de determinado grupo ou classe, atuando, portanto,
como elemento de distinção. Outra dimensão do modo de morar diz respeito às formas de
apropriação do local de moradia, que se relaciona com as práticas de vizinhança, lazer,
consumo, etc. Uma terceira dimensão se refere às representações construídas sobre o lugar.
Nesse sentido, é possível identificar, no caso do bairro Cidade Jardim, a
particularização das três dimensões subjacentes ao modo de morar, dimensões estas que
somadas possibilitariam a definição dos contornos de um estilo de vida que se pauta nas
condições distintivas propiciadas pelo modo de morar.
A especificidade física do bairro é dada pelas condições paisagísticas do lugar no
contexto da cidade, cujos elementos de distinção são representados pela configuração
urbanística e pela existência de um sólido conjunto representativo da arquitetura modernista.
Já a dimensão relacionada às representações simbólicas se vincula à imagem do bairro como
lugar de concentração da elite belo-horizontina ou como 'bairro dos colunáveis'. Uma terceira
69

dimensão é sugerida pelas possibilidades de conforto e exclusividade que o bairro ofereceria.


Tomando os aspectos físicos como ponto de início da discussão sobre as nuances do
modo de morar, é importante considerar que a disposição estética a uma linguagem formal
associada à ideia de modernidade, pautada no modernismo arquitetônico, sugere que a
utilização dos signos estéticos e formais preconizados pelo movimento moderno brasileiro é
um indício de que parte dos moradores do bairro Cidade Jardim pretendiam alinhar suas
posições com as daqueles que almejavam a modernização do país. Tal suposição é embasada
no contexto sócio-cultural do final dos anos 1930 a 1960, no qual houve a intencional
associação entre o modernismo arquitetônico enquanto linguagem estética e o ideário
nacionalista e progressista para o país, haja vista as realizações estatais empreendidas, no
plano nacional, pelos governos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Tal vinculação se
inicia com a obra do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro nos anos 1930 e se
consolida na década de 1960, com a inauguração da cidade de Brasília. Destaca-se que ambas
figuram como realizações ícones para o movimento moderno brasileiro no campo da
arquitetura e do urbanismo.
No cenário belo-horizontino, a utilização da linguagem modernista na arquitetura é
inaugurada na gestão de Juscelino Kubitschek como prefeito, que ao encomendar a Oscar
Niemeyer o projeto da Pampulha e seus edifícios, introduziu a nova linguagem estética na
paisagem da cidade. A construção da Pampulha é parte de um contexto em que se buscava a
consolidação de um ciclo de progresso para a cidade45 (PASSOS, 1996). Em 1943 foram
inaugurados oficialmente o Cassino, o Iate Club e a Casa do Baile e, nessa época, a Pampulha
foi saudada como o “marco de um novo ciclo urbanístico de Belo Horizonte” (PASSOS, 1996,
p. 284), não se poupando elogios ao novo centro de turismo e lazer, “com o qual JK colocou a
capital no mapa como centro do maior conjunto de arte moderna do país, ou melhor, do
mundo” (PASSOS, 1996, p. 284)
De fato, a introdução da nova linguagem estética no cenário belo-horizontino iria
influenciar a produção arquitetônica da cidade e, nesses termos, o bairro Cidade Jardim,
definitivamente implantado após a inauguração da Pampulha46, foi ocupado por diversas

45
As obras realizadas na gestão de JK davam grande visibilidade à sua intenção progressista. Entre as realizações
de JK voltadas para a modernização da cidade destaca-se a construção da Pampulha, a abertura das avenidas
Amazonas, da antiga Pampulha - atual Antônio Carlos - , Silviano Brandão, Pedro II, entre outras, a implantação
do bairro Cidade Jardim, a viabilização do IAPI.
46
A primeira hasta pública para venda de lotes no bairro Cidade Jardim foi realizada no dia 28 de dezembro de
1944, correspondendo aos lotes do quarteirão conformado pelas ruas Eduardo Porto, Josafá Belo, Conde
Linhares e avenida do Contorno. No entanto, a implantação do loteamento se efetiva em meados dos anos 1950,
como indica do Relatório de Prefeitos referente ao ano de 1949. (PBH, 1949)
70

residências que foram concebidas a partir da utilização dos sintagmas e paradigmas do


movimento moderno da arquitetura.
Importante destacar que a arquitetura e o ambiente urbano, tendo como objeto as
formas duráveis, representam, de modo concreto em nossa cidade, a materialização das
diferenças entre as classes sociais. Uma das facetas dessa diferenciação encontra-se expressa
na produção da estética dominante, que ao adotar símbolos de distinção reproduz, no espaço
citadino, sua posição no espaço social. Ao que parece, o bairro Cidade Jardim e o conjunto de
suntuosas residências nele construídas constituem dois elementos que materializam no espaço
urbano a diferenciação existente no espaço social.
O bairro Cidade Jardim representava, à época de sua construção, uma inovação no que
se refere aos modos de morar. Isso porque suas características formais, somadas às definições
da legislação urbanística, levaram a um tipo de ocupação até então inédito na cidade de Belo
Horizonte: ruas largas dotadas de consistente arborização, os passeios ajardinados, os lotes de
grandes dimensões, ocupados por vastos jardins frontais e quintais, bem como a suntuosa
arquitetura construída no lugar, elementos estes que foram destacados durante o processo de
implantação e ocupação do lugar e que particularizaram a Cidade Jardim no cenário belo-
horizontino. A implantação desse bairro se insere em um contexto em que havia a intenção
governamental de preparar a capital para o novo ciclo de progresso que se anunciava e, desse
modo, “a cidade jardim de Continentino e JK representou um momento de ruptura com a
cidade tradicional, propondo modelos alternativos para a cidade moderna” (PBH, 2005a).
Nesse caso, a busca por novos modelos, conforme o plano de urbanização de Lincoln
Continentino para Belo Horizonte, se pautou no entendimento de que para as áreas
residenciais deveria ser adotado o modelo de cidade jardim.
Alguns aspectos representativos do referido modelo se faziam presentes no bairro
belo-horizontino: a existência de farta arborização, de quintais, de jardins na frente dos
imóveis, de passeios com faixa vegetada, de lotes com grandes dimensões, a leve sinuosidade
das vias, todos esses, elementos que serviram à criação de um ambiente com características
físicas próprias dos derivados do modelo howardiano. Há que se destacar, ainda, que, embora
não implantado, o parque previsto ao redor da sede do Museu Histórico Abílio Barreto é
também elemento presente na formulação originária das cidades jardins. Como resquícios
dessa ideia, restam a área ajardinada que circunda esse edifício, com superfície equivalente a
meio quarteirão aproximadamente, e a praça Godoy Bethônico.
As características especiais da Cidade Jardim atraíram moradores de elite. Nos anos
71

1970, o bairro ficou conhecido como o bairro dos colunáveis e morar nesse lugar passou a ser
porta de entrada para a alta sociedade e para os sofisticados eventos que ocorriam nas
residências do bairro (PBH, 2005a). Os jornais da época noticiavam, nas colunas sociais, as
recepções, suas minúcias decorativas e os convidados, a exemplo da passagem que se segue:

Todo mundo que compareceu anteontem à residência do casal Jovino Bedran, na


Cidade Jardim encantou-se com a decoração. Foi realizado lá um chá pela própria
decoradora responsável, Crisálida Boerger, e mais de sessenta pessoas estiveram
presentes. Tanto Crisálida como Lélis Bedran recebiam à porta.
Os presentes iam de imediato correndo todos os cômodos, e depois se reuniam no
living onde foi servido o buffet. Quem foi, se impressionou sobretudo com alguns
detalhes como a coleção de tapetes persas em tons claros. A porta de entrada é
envolvida por um passe-partout de vidro fosco. Também no hall de entrada uma
estátua importada diretamente da Grécia.
[...]
Hoje, Lélia e Jovino Bedram voltam a abrir a casa para um dinner do mais alto
estilo. Mesinhas serão espalhadas pelo living para o jantar à francesa. (ESTADO DE
MINAS, 9 de janeiro de 1971).

A exemplo dessa reunião, vários outros acontecimentos sociais foram veiculados nos
anos 1970. A análise das ‘colunas sociais’ da época revela que a imprensa belo-horizontina,
em especial o jornal Estado de Minas, noticiava as particularidades dos diversos tipos de
eventos realizados nas casas do bairro. De jantar oferecido em “honra do diretor da
Volkswagen”(ESTADO DE MINAS, 13 de outubro de 1971) à recepção em homenagem a
dirigente de empresa Alemã, com direito a “mini-concerto do Ars Nova” e apresentação de
cada número em português e alemão (ESTADO DE MINAS, 06 de abril de 1971), os eventos
eram descritos a partir dos símbolos distintivos que expressavam. A comida, a decoração, as
vestes dos convidados eram apresentadas como sinônimo de bom gosto e requinte.
Desse modo, considerando o período compreendido entre os anos 1940 e 1970, é
possível traçar os contornos do 'estilo de vida de morar na Cidade Jardim' da referida
temporalidade. Vislumbra-se que o bairro Cidade Jardim se vinculou, desde o início, a um
estilo de vida que se pretendia especial, primeiramente marcado pelas possibilidades
paisagísticas e exclusivas que o espaço oferecia e, num segundo momento, pela associação a
um modo de vida refinado, representado simbolicamente por meio dos eventos noticiados na
imprensa. Nesses termos, um modo de morar diferenciado foi tomado como meio para a
distinção, materializando no espaço urbano a diferenciação inerente ao espaço social. As três
dimensões subjacentes ao modo de morar, quais sejam a física, a relativa às representações
72

construídas sobre o lugar e a que decorre de um ambiente que oferece conforto e


exclusividade foram particularizadas no caso do bairro Cidade Jardim.
Morar nesse espaço urbano foi associado, no momento de lançamento do loteamento,
às ideias de conforto, praticidade, exclusividade e compartilhamento de um ambiente urbano
que se propôs distinto, por meio de seu tratamento paisagístico e pelo uso residencial quase
exclusivo. A própria ideia da qual derivou a concepção do bairro, a de cidades jardins,
introduziu elementos que, embora não tivessem se concretizado inteiramente, traziam
aspectos de novidade urbana ao intencionarem a criação de um ambiente que mesclasse
características urbanas e naturais. Assim, em consonância com as formulações bourdierianas
sobre o conceito de estilo de vida, há indícios que sugerem que um modo de morar particular,
decorrente de uma disposição estética alinhada aos ideais modernizantes, apresentou-se no
momento de lançamento do loteamento.
Esse alinhamento encontra-se presente, por exemplo, nas motivações que levaram uma
moradora ao bairro: “a socialite, famosa pelas recepções às comitivas oficiais que chegavam à
capital mineira, abandonou a Savassi porque queria uma casa maior, em local nobre, tranqüilo
e bonito, com o estilo americano das casas com jardins e sem muros” (JORNAL HOJE EM
DIA, 27 de julho de 1997). O estilo americano das casas com jardins e sem muros, solução
urbanística presente nos subúrbios norte-americanos, e também nos derivados da concepção
howardiana, se apresentou como elemento atrativo. Ademais, essa passagem revela outro
aspecto da ocupação do lugar, qual seja o relacionado à importação de modelos estrangeiros,
característica esta do processo de modernização pelo qual passou o Brasil.
Já nos anos 1970, o foco volta-se para o tipo de sociabilidade instalada no lugar,
processada a partir dos inúmeros eventos da elite que aconteciam nas residências do bairro.
Assim, é possível verificar que no período, o “bairro dos colunáveis” se apresentava à
sociedade belo-horizontina como o lócus do refinamento tal como notado nas descrições
veiculadas em colunas sociais sobre os dinners, os aniversários e as recepções em
homenagem a ilustres figuras. Nesses termos, à imagem de alinhamento à modernidade,
própria do momento de lançamento do novo bairro, acresce-se a representação de bairro que
se constitui numa 'porta de entrada para alta sociedade belo-horizontina', somando, dessa
maneira, mais um conteúdo ao estilo de vida de morar no bairro Cidade Jardim.
73

3 A CIDADE JARDIM E O CAMPO DO PATRIMÔNIO CULTURAL

A cidade conforma-se a partir da atuação de diversos grupos sociais que, possuindo


interesses distintos, agem sobre ela, moldando suas feições paisagísticas e sócio-culturais. A
cidade é, por conseguinte, polissêmica, no sentido de que é interpretada de modos diferentes
pelos diferentes atores (ALBANO, 2004).
Por essa perspectiva, segundo Albano (2004), a gestão da cidade constitui-se também
uma forma de interpretação do espaço urbano. Essa gestão pressupõe a atuação do poder
público municipal, entre outras esferas, na saúde, na educação, no trânsito, na cultura e no
ordenamento da ocupação e uso do solo urbano. A questão do patrimônio cultural urbano
emerge de modo imbricado nas gestões cultural e afeta ao planejamento urbano municipal.
Isso porque, se por um lado apresenta um claro viés cultural, por outro, interfere e é afetada
pelos rumos do desenvolvimento urbano. Interpretar, pois, o espaço urbano, considerando-se
as implicações do viés cultural e de ordenação urbana, compõe o desafio da gestão do
patrimônio no meio citadino.
Este capítulo pretende apresentar as diversas formas de interpretação do patrimônio
cultural, interpretação esta que oscila ao longo do tempo, a partir dos referenciais que são
tomados como argumentos para justificar as ações de proteção. Desse modo, especificamente
no caso brasileiro, o que se vê é a transformação da interpretação calcada na excepcionalidade
de bens individuais, para a compreensão do patrimônio cultural a partir de sua inserção no
meio urbano ou natural, por exemplo. Por essa perspectiva, assiste-se ao complemento da
legislação que respalda as ações preservacionistas: se em um primeiro momento, no caso
brasileiro, o Decreto-Lei 23/37 tratava apenas da questão do tombamento de bens individuais,
mesmo prevendo a garantia da manutenção das condições que propiciam suas visibilidades, a
partir dos anos 1980, o aparato legal introduzido pela Constituição Federal de 1988
possibilitou a incorporação da gestão do patrimônio cultural concatenada com a gestão do
solo urbano.
As nuances desse processo de incorporação de referências interpretativas é o tema do
presente capítulo, incluindo, ainda, a particularização desse contexto no cenário belo-
horizontino e as ações protecionistas incidentes sobre o bairro Cidade Jardim.
74

3.1 O campo do patrimônio cultural

A segunda metade do século XX assistiu a uma ampliação do conceito de patrimônio


e, particularmente, no caso brasileiro, em termos legais, a partir dos anos 1980, aos bens de
excepcional valor histórico, arquitetônico ou artístico, muitas vezes ligados à história oficial
do país, somaram-se as referências ditas comuns, ligadas à cotidianidade e às diferentes
culturas, representadas tanto por bens materiais quanto pelos aspectos imateriais decorrentes
de diferentes práticas culturais da sociedade brasileira47. Desse modo, são acrescidas à lista
patrimonial novas categorias de referência à memória e à cultura, o que possibilita, por
exemplo, o reconhecimento e a valorização do modo de vida de grupos distintos, suas práticas
culturais, bem como os lugares e objetos deles representativos.
Cabe destacar, no entanto, que a discussão sobre a natureza dos bens a serem
elencados como patrimônio, desde os anos 1930, já se apresentava como tema de debate entre
os intelectuais brasileiros. Rodrigo Melo Franco e Mário de Andrade se colocavam em lados
opostos no que se refere à natureza dos bens que deveriam compor a lista do patrimônio
cultural brasileiro (ABREU, 2004).
Enquanto o primeiro, em sua gestão junto ao antigo Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional/SPHAN, hoje Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional/IPHAN, volta-se para a preservação de bens materiais móveis e imóveis, que eram
eleitos de modo unilateral pelos agentes estatais como elementos representativos da memória
e história nacional, o segundo aponta para uma discussão que objetivava a inclusão e
reconhecimento das diferentes culturas, seus objetos e práticas como elementos que, de fato,
são capazes de revelar as diversas nuances da sociedade brasileira. Portanto, enquanto em um
extremo há o paradigma que entende o patrimônio cultural como o conjunto de bens que são
representativos da cultura nacional, perspectiva esta que durante muito tempo orientou a
atuação do SPHAN, no outro há aquela que defende que o patrimônio cultural do país é
formado pelo conjunto das culturas do território brasileiro.

47
A Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 216, definiu que:
“Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes
formadores da sociedade brasileira, nas quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar,
fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos,
edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de
valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico” (BRASIL, 1988).
75

Como relata Cavalcanti (2006), as decisões relacionadas ao patrimônio tomadas pelo


então ministro Gustavo Capanema no ano de 1936 influenciaram as feições da cultura
brasileira tal como a conhecemos hoje. Naquela época, segundo o autor, o governo se
dedicava, no plano da educação e da cultura, à “[...] formação da mentalidade futura do
homem brasileiro, a qual não estaria solidamente alicerçada caso não fosse estabelecido no
presente o que importava do nosso passado” (CAVALCANTI, 2006, p. 97).
Nesse contexto, a construção de um capital simbólico que fosse representativo da
imagem do Estado brasileiro que o governo de Getúlio Vargas intencionava é delegada a uma
corrente de profissionais vinculados ao movimento moderno. De acordo com Cavalcanti, “os
modernos são considerados merecedores, pelo Estado, de tornar digna, em seu nome, a
produção que será sacralizada, com a inscrição nos Livros de Tombo e a legislação que
impede o seu desaparecimento ou descaracterização” (CAVALCANTI, 2006, p.10).
A intenção em forjar um passado digno e projetar para o futuro uma imagem de nação
explica, pois, a prevalência do projeto patrimonialista pautado na preservação de bens de
pedra e cal, que foram tomados como representativos da cultura nacional. Ou seja, ao definir
o projeto de uma imagem nacional, pouca abertura foi dada para que as diversas nuances
culturais da sociedade brasileira fossem incorporadas ao discurso oficial. Este, no campo da
política de patrimônio, adotou o legado colonial como imagem legítima do passado da nação
e que, portanto, deveria ser objeto de preservação. Além das ações de preservação, os
elementos do período colonial foram tomados como referência para a produção da arquitetura
moderna, fato que particularizou a produção brasileira no contexto internacional.
Embora o entendimento da proteção de bens de pedra e cal tenha predominado na
atuação do IPHAN, operando com a ação preservacionista pautada em critérios históricos e
artísticos de eleição dos bens, os anos 1980 e mais incisivamente os anos 1990 assistem a uma
guinada nas práticas de proteção do patrimônio cultural, na medida em que ganha espaço o
entendimento defendido por Mário de Andrade, que em seu anteprojeto para criação do
Decreto Lei 25/37(BRASIL, 1937)48 esboçava uma versão culturalista e antropológica, dando
destaque à noção que enfatizava os aspectos intangíveis da cultura (ABREU, 2004, p.15).
A abertura a novos tipos de patrimônio no Brasil é reflexo de um contexto, nacional e
internacional, que desde os anos 1960 coloca novas questões relacionadas à preservação do

48
O Decreto Lei 25/37 (BRASIL, 1937) criou o órgão estatal de proteção do patrimônio histórico e artístico
brasileiro e estabeleceu as normas para sua salvaguarda. Ressalta-se que na formulação final do documento,
prevaleceu entendimento de que deveriam ser protegidos os bens de natureza material, de excepcional valor
histórico ou artístico e que constituíssem em referência à memória da nação.
76

patrimônio, decorrentes da ampliação tipológica, cronológica e geográfica49 do conceito. Essa


ampliação fez com que os critérios protecionistas fossem revistos e, desse modo, a
preservação de bens arquitetônicos incorporou novos conceitos que tendem a pensar os bens
protegidos em conjunto com o meio no qual se inserem. Ou seja, a concepção contemporânea
do patrimônio cultural tende a incorporar a gestão do espaço como um todo (CASTRIOTA,
1999, p. 135).
Paralelamente à questão da gestão dos bens culturais e sua inserção no meio urbano, a
ampliação tipológica do patrimônio cultural é marcada, ainda, pela incorporação de ações que
visam à preservação de bens de natureza imaterial, fato que leva a reflexões sobre a dimensão
intangível dos patrimônios. Assim, a discussão sobre as questões intangíveis do patrimônio
cultural faz com que novos aspectos sejam incorporados às perspectivas preservacionistas
pelos agentes envolvidos com a proteção do patrimônio cultural. Entre tais aspectos, pode-se
relatar aquele que se relaciona com os componentes tangíveis e intangíveis do espaço, a
ambiência. Segundo as definições contidas na Recomendação de Nairóbi para salvaguarda
dos conjuntos históricos, produto da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura, ocorrida em Nairobi, de 26 de outubro a 30 de
novembro de 1976, a ambiência é conformada pelo quadro, natural ou construído, que
influencia a percepção estática ou dinâmica dos lugares, ou a eles se vincula por laços sociais,
econômicos ou culturais. Em outros termos, a dimensão estática, relacionada ao quadro físico,
natural ou construído, é amalgamada ao quadro dinâmico, que se refere às atividades do lugar,
às apropriações dos usuários no espaço.
Cabe destacar que essa nova abordagem sobre o patrimônio, voltada para a
compreensão de sua relação com os aspectos sócio-culturais do meio que o cerca, é
incorporada à legislação, no caso brasileiro, a partir da promulgação da Constituição Federal
de 1988, que em seu artigo 216 se refere, particularmente, como objeto de proteção, aos
“conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico” (BRASIL, 1988, grifo meu). Ou seja, aos bens
culturais considerados individualmente se somam as noções de conjunto urbano e sítio no

49
De acordo com Choay (2001), a ampliação tipológica se refere à valorização de tipologias arquitetônicas
diversificadas, extrapolando o campo da arquitetura monumental e incorporando, por exemplo, bens vinculados
ao cotidiano das comunidades. Já a ampliação geográfica é representada pelo engajamento de outros continentes,
além do europeu, na defesa do patrimônio cultural, e a ampliação cronológica é decorrente da inclusão de obras
contemporâneas na lista de bens protegidos, abrindo possibilidade para que seja dispensado o valor de
antiguidade na proteção de um bem.
77

aparato legal que respalda os atos de proteção50.


Outra inovação estabelecida pelo texto da Carta Magna que refletiu na questão da
proteção ao patrimônio cultural se relaciona ao fato de que, naquele momento, foi atribuída
maior autonomia aos municípios e, no que se refere ao tema em discussão, foi imputada a eles
a tarefa de gestão e planejamento urbano.
De acordo com Simão (2001), até o final da década de 1970, os governos locais eram
privados de autonomia em relação ao governo central, concentrador dos processos
administrativos e decisórios. Ainda de acordo com essa autora, a partir da Constituição de
1988, os municípios ganham autonomia em diferentes setores, entre eles aquele que trata do
ordenamento territorial, ficando determinado, ainda, que municípios com população superior
a 20.000 habitantes fossem obrigados a elaborar seus Planos Diretores Urbanos. Esse
documento “constitui um complexo de normas legais e diretrizes técnicas que tem por
objetivo balizar o desenvolvimento urbano de uma localidade, a partir de suas características e
potenciais específicos, garantindo o desenvolvimento harmônico e disciplinado”
(BRASILEIRO, 2001, p. 125).
Com a tarefa de empreender o ordenamento territorial, alguns municípios, entre eles
Belo Horizonte, caminharam para a elaboração de Planos Diretores51. No caso da capital
mineira, a questão da gestão do patrimônio cultural urbano foi contemplada no texto legal,
aprovado pela Câmara Municipal em 1996, incorporando, ainda, a noção ampliada de
patrimônio, por meio do reconhecimento da categoria imaterial e da proteção de conjuntos
urbanos.
A noção de conjuntos urbanos concatena-se à concepção patrimonialista que defende a
abordagem articulada entre bens culturais e o meio no qual eles se encontram inseridos. Em
outros termos, a ação patrimonialista calcada na identificação de conjuntos urbanos aponta
para a abordagem dos bens culturais como componentes da ambiência que os envolve.
Pensar o patrimônio a partir de sua relação com o meio em que se insere é o
pressuposto que desde os anos 1990 orienta a política de patrimônio do município de Belo
Horizonte. A exposição dessa política constitui o tema do próximo item deste capítulo.

50
Convém considerar, todavia, que o entorno de bens culturais tombados a nível federal já era objeto de gestão,
uma vez que o Decreto-Lei 25/37 prevê a salvaguarda das condições de visibilidade dos bens tombados, “o que
envolve questões volumétricas, tipológicas, materiais, de cor, ritmo, etc. A manutenção da visibilidade [dos bens]
é o ponto de partida para a manutenção das características do conjunto” (BRASILEIRO, 2001, p. 121).
51
Segundo Simão (2001), durante a década de 1990, alguns grandes centros urbanos brasileiros empreenderam
seus “projeto-cidade” (Borja e Castells apud Simão, 2001), se referindo às ações de planejamento urbano, entre
elas os Planos Diretores, instituídas a partir do processo de redemocratização do país e da promulgação da
Constituição de 1988.
78

3.2 O processo de consolidação da política de proteção ao patrimônio em Belo Horizonte

A consolidação da política de proteção ao patrimônio cultural em Belo Horizonte se


processou ao longo dos anos 1990, década na qual foram, de fato, instituídas as ações
direcionadas à salvaguarda municipal de bens culturais52.
A Lei Orgânica do Município de 21 de março de 1990 definiu, em seu artigo 168, que
compete ao poder público municipal, em parceria com a sociedade, proteger “seu patrimônio
histórico e cultural, por meio de inventários, pesquisas, registros, vigilância, tombamento,
desapropriação e outras formas de acautelamento” (PBH, 1990). Essa mesma legislação
corroborou o entendimento de patrimônio definido pela Constituição Federal de 1988, ou seja,
categorizou o patrimônio histórico e cultural belo-horizontino como
Art. 167 – [...] os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou
em conjunto, que contenham referência à identidade, à ação e à memória do povo
belo-horizontino, entre os quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações tecnológicas, científicas e artísticas;
IV - as obras, os objetos, os documentos, as edificações e outros espaços destinados
a manifestações artísticas e culturais, nesta incluídas todas as formas de expressão
popular;
V - os conjuntos urbanos e os sítios de valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (PBH, 1990).

Além de definir as categorias nas quais se enquadrariam os bens culturais da cidade, a


Lei Orgânica listou, especificamente, alguns bens que a partir de então deveriam ser objeto de
proteção municipal, via instrumento de tombamento. Todavia, é importante colocar que
mesmo antes do tratamento da questão da preservação cultural no bojo da Lei Orgânica
Municipal, algumas ações a ela direcionadas já haviam sido efetivadas ainda nos anos 1980.
Tais ações foram motivadas, em 1983, pela perda de um edifício importante para a memória
coletiva da cidade, o Cine Metrópole, localizado na rua da Bahia. Naquela época, mesmo com
a mobilização contrária de setores da sociedade civil e com a tentativa frustrada de
tombamento do prédio na estância estadual (RANGEL E NUNES, 2006), a demolição se

52
Mesmo antes da existência de leis municipais para salvaguarda do patrimônio, Belo Horizonte já possuía bens
tombados a nível federal: a casa da Fazenda do Leitão, atual sede do Museu Histórico Abílio Barreto, tombada
em 1951, a Igreja de São Francisco de Assis, protegida em 1947, o Lavatório da antiga Matriz de Boa Viagem no
antigo Curral d’El Rei, proteção realizada em 1960. A proteção de todo o Conjunto Arquitetônico e Paisagístico
79

efetivou. Na esfera municipal, esse fato motivou a aprovação da Lei n.° 3802, de 06 de julho
de 1984, que institui o instrumento de tombamento para os bens culturais de Belo Horizonte
cujo interesse de preservação seja reconhecido. Fato é que a criação da Lei 3802/84 constituiu
um marco decisivo para a consolidação da política no âmbito municipal, tendo em vista que,
além do instrumento do tombamento, essa legislação criou o Conselho Deliberativo do
Patrimônio Cultural do Município/CDPCM-BH, órgão que a partir de então possui a
atribuição de deliberar sobre os rumos da política de proteção ao patrimônio da cidade.
Posteriormente à criação do CDPCM/BH, foi instituído, na estrutura organizacional da
Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, o Serviço de Bens Culturais, transformado em
Departamento de Memória e Patrimônio Cultural, Gerência de Patrimônio Histórico Urbano e
atual Diretoria de Patrimônio Cultural (ARROYO, 2006), órgão municipal responsável pelo
apoio técnico ao CDPCM/BH e pela gestão da política patrimonialista na cidade.
Todavia, apesar de ter sido criado em 1984, o instrumento do tombamento só passou a
ser utilizado nos anos 1990, primeiro com a Lei Orgânica e depois com as primeiras ações
realizadas pelo CDPCM-BH53. Desse modo, em 1994 foram protegidos pelo CDPCM-BH,
pioneiramente, onze conjuntos urbanos localizados no centro da cidade, dentro do perímetro
da avenida do Contorno, tomando como pressuposto para essa proteção argumentos que
privilegiavam a noção de ambiência e de paisagem cultural em contraposição aos valores até
então consolidados no campo da política de patrimônio, como a unicidade e a
excepcionalidade dos bens (ANDRADE & ARROYO, 2009). Além da mancha de proteção de
cada um dos conjuntos urbanos, foi definido o tombamento de vários imóveis, a partir de
então eleitos como bens culturais. Estes são “dos mais variados usos, como residências, casas
comerciais, instituições públicas, centros culturais, museus, praças, passeios públicos, áreas
verdes e de lazer” (ARROYO, 2006, p.10), expressando também variedade no que se refere
ao ato criador de cada um desses bens, ou seja, a “pluralidade [dos bens protegidos] também
se expressa nas opções construtivas que podem abranger desde detalhados projetos
arquitetônicos que acompanham estilos de época, como também edificações erigidas a partir
do desejo e referências de seus proprietários” (ARROYO, 2006, p.10).
A orientação de proteção de bens dentro da perspectiva de conjuntos urbanos foi
corroborada pelo Plano Diretor da cidade – Lei n.° 7165/96, que sem seu artigo 15 definiu:

da Pampulha data de 1997.


53 De acordo com Cunha (1997), o CDPCM-BH chegou a se reunir algumas vezes em 1986, mas só foi
80

Art.15- São diretrizes de proteção da memória e do patrimônio cultural:


I - priorizar a preservação de conjuntos e ambiências em relação a edificações
isoladas;
II - proteger os elementos paisagísticos, permitindo a visualização do panorama e a
manutenção da paisagem em que estão inseridos;
III- promover a desobstrução visual da paisagem e dos conjuntos de elementos de
interesse histórico e arquitetônico;
[...]
X - criar o arquivo de imagem dos imóveis tombados;
XI- definir o mapeamento cultural para áreas históricas e de interesse de preservação
da paisagem urbana, adotando critérios específicos de parcelamento, ocupação e uso
do solo, considerando a harmonização das novas edificações com as do conjunto da
área em torno (PBH, 1996a)

Além do tombamento de determinados bens, a proteção de um conjunto urbano, no


caso da política belo-horizontina, pressupõe o estabelecimento de diretrizes gerais para todos
os imóveis inseridos nas manchas de proteção. Tais diretrizes visam à garantia da visibilidade,
da apropriação visual dos bens na paisagem urbana (ARROYO, 2006). Assim, em todos os
conjuntos foram definidas diretrizes para altura máxima no caso de ampliações e novas
edificações, além de normas direcionadas ao controle da poluição visual e ao tratamento dos
passeios públicos. Para algumas quadras, vias e imóveis, foram ainda estabelecidas diretrizes
especiais de projeto que pretendem, por exemplo, aumentar os afastamentos frontais e
ajardinar o espaço público.
Ao longo dos anos 1990 e 2000, a atuação do CDPCM-BH se consolidou, novas áreas
da cidade e bens foram protegidos, totalizando, atualmente, aproximadamente 600 bens
culturais tombados, quinze conjuntos urbanos, dois conjuntos arquitetônicos e a proteção
paisagística da Serra do Curral54. As reuniões do CDPCM-BH ocorrem mensalmente e nelas,
além de decisões acerca dos tombamentos, ocorrem deliberações referentes a intervenções em
imóveis inseridos nas áreas protegidas. Segundo Andrade & Arroyo (2009), “mesmo já tendo
sido implementadas diretrizes de proteção para essas áreas, são necessárias revisões
periódicas tendo em vista a intensidade de novas construções, reformas e restaurações nos
imóveis tombados” (ANDRADE & ARROYO, 2009, p. 10).

implantado efetivamente em 1990.


54
Encontram-se protegidos os conjuntos urbanos Praça Rui Barbosa e Adjacências, Bairro Floresta, Rua dos
Caetés e Adjacências, Avenida Afonso Pena e Adjacências, Avenida Álvares Cabral e Adjacências, Rua da Bahia
e Adjacências, Praça da Liberdade-Avenida João Pinheiro e Adjacências, Praça da Boa Viagem e Adjacências,
Avenidas Carandaí-Alfredo Balena e Adjacências, Praça Hugo Werneck e Adjacências, Praça Floriano Peixoto e
Adjacências, Lagoa da Pampulha e Adjacências, Bairro Santo Antônio, Praça Raul Soares - Avenida Olegário
Maciel e Avenida Barbacena - Grandes Equipamentos. Além entres, há o Conjunto Arquitetônico de Tipologia de
Influência da Comissão Construtora da Nova Capital e o Conjunto Arquitetônico Sylvio de Vasconcellos.
81

MAPA 3 - Belo Horizonte: áreas de proteção do patrimônio

Legenda

Conjuntos Urbanos
ADEs de Interesse Cultural :
leis municipais n.ºs 7166/96;
8137/2000; 9037/05; 9563/08
ADE de Proteção da
Paisagem
Área de Tombamento da
Serra do Curral
Área de Entorno da Serra do
Curral
Avenida do Contorno

Fonte: DIPC/FMC, adaptado pela autora


82

MAPA 4 - Áreas de proteção na região central de Belo Horizonte.

Lagoinha

ADE Santa Tereza

ADE Cidade
Jardim

Legenda

Conjunto Urbano
ADE de Interesse Cultural
Imóveis Tombados
Avenida do Contorno

Fonte: DIPC/FMC, adaptado pela autora

Importante destacar, ainda, a atuação do órgão municipal de proteção ao patrimônio


cultural, que na estrutura da Prefeitura de Belo Horizonte encontra-se vinculado à Fundação
Municipal de Cultura e possui como atribuição o apoio técnico às decisões do CDPCM-BH.
Assim, além de realizar o suporte operacional às reuniões mensais, a Diretoria de Patrimônio
Cultural/DIPC atua cotidianamente na gestão das áreas protegidas e encaminha,
periodicamente, demandas relativas a intervenções e estudos sobre conjuntos e imóveis para
deliberação do CDPCM-BH.
Expostas as ações de proteção ao patrimônio cultural desenvolvidas no âmbito do
CDPCM/BH e pela DIPC, convém detalhar outro instrumento que serve também aos intuitos
preservacionistas. Trata-se da definição, na legislação urbanística, das Áreas de Diretrizes
83

Especiais/ADEs. Estas foram primeiramente definidas no Plano Diretor da Cidade – Lei n.°
7165/96 como áreas que em função de suas características demandariam a adoção de
parâmetros urbanísticos diferenciados, nos seguintes termos:

TÍTULO V - DAS ÁREAS DE DIRETRIZES ESPECIAIS


Art.75 - Devem-se fixar diretrizes especiais para as áreas que, por suas
características específicas, demandem políticas de intervenção e parâmetros
urbanísticos e fiscais diferenciados - a serem estabelecidos em lei -, os quais devem
ser sobrepostos aos do zoneamento e sobre eles preponderantes, tais como:
I - proteção do patrimônio cultural e da paisagem urbana;
II - proteção de bacias hidrográficas;
III -incentivo ou restrição a usos;
IV - revitalização de áreas degradadas ou estagnadas;
V - incremento ao desenvolvimento econômico;
VI - implantação de projetos viários.
§ 1º - Os parâmetros urbanísticos relativos a coeficientes de aproveitamento do solo
e taxa de permeabilização propostos para as áreas de diretrizes especiais devem ser
iguais ou mais restritivos que os do zoneamento no qual elas venham a se situar.
§ 2º - No caso do inciso I, a lei que detalhar a política de intervenção e os
parâmetros urbanísticos e fiscais diferenciados deve ser instruída com parecer
do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município (PBH, 1996A)
[grifo meu].

Desse modo, a legislação urbanística municipal definiu um instrumento especial que,


sobreposto aos parâmetros definidos para a cidade, poderia criar restrições e incentivos
especiais à ocupação urbana de determinadas áreas. No caso da proteção ao patrimônio
cultural e da paisagem urbana, esse instrumento diferencia-se da proteção dos conjuntos
urbanos na medida em que possibilita o controle de parâmetros urbanísticos não abrangidos
pelas ações emanadas pelo CDPCM-BH, como por exemplo, o coeficiente de aproveitamento
(quanto é possível construir em um lote), a taxa de ocupação (a projeção da área edificada em
um terreno), a taxa de permeabilidade (o quanto de área permeável um lote deve possuir) ou
os usos que são permitidos, todos os parâmetros cujo estabelecimento deve se dar no bojo da
legislação urbanística municipal. Essas duas ações, uma no âmbito da legislação urbanística e
outra no bojo das decisões do CDPCM/BH, se complementam, sendo a primeira voltada para
o estabelecimento das normas gerais que nortearão a ocupação do solo urbano de uma
determinada área, enquanto a segunda é direcionada para a eleição dos bens patrimoniais e a
avaliação qualitativa em suas intervenções e naquelas realizadas em seu entorno. Arroyo
(2004) sugere, todavia, que é desejável que ambas as ações sejam tratadas de modo conjunto,
pois, apesar de utilizarem instrumentos diferentes, estes se somam em relação ao
84

planejamento do solo urbano, voltando-se, neste caso, para a preservação e incentivo ao


patrimônio cultural.
A Lei de Uso e Ocupação do Solo de 1996, Lei n.º 7166/96, definiu os parâmetros
55
urbanísticos das áreas da cidade, estabelecendo “zonas” cuja classificação teve como
pressuposto a capacidade de adensamento decorrente das condições de infraestrutura instalada
e das demandas de preservação e proteção ambiental, histórica, cultural, arqueológica ou
paisagística (PBH, 1996b). Sobreposto a esse zoneamento geral, foram delimitadas as áreas
para as quais os parâmetros deveriam ser diferenciados em função de características especiais
– as áreas de diretrizes especiais/ADEs, entre elas as que demandariam medidas para a
preservação do patrimônio cultural, as áreas de diretrizes especiais de interesse cultural.

55
A cidade foi subdivida e classificada em 11 zonas diferenciadas, a saber: Zona de Preservação Ambiental –
ZPAM, Zona de Proteção – ZP, Zona de Adensamento Restrito – ZAR, Zona de Adensamento Preferencial –
ZAP, Zona Central – ZC, esta subdividida em Zona Central de Belo Horizonte – ZCBH-, Zona do Hipercentro –
ZIP-, e Zona Central de Venda Nova – ZCVN-, Zona Adensada – ZA, Zona de Especial Interesse Social – ZEIS
(Vilas, favelas e áreas destinadas à implantação de conjuntos habitacionais e Zona de Grandes Equipamentos –
ZE (destinadas a equipamentos de grande porte) (PBH, 1996B).
85

QUADRO 2 – Resumo do aparato legal, em âmbito municipal, para proteção ao patrimônio cultural.
Lei 7165/96 - Plano
Diretor: estabelece as
Lei Orgânica do diretrizes de proteção ao
Município: incorpora a patrimônio cultural
visão culturalista de municipal; cria as Áreas
patrimônio presente no de Diretrizes
texto da Constituição Especiais/ADEs, que
Federal de 1988; entre outros objetivos,
estabelece a tarefa do podem servir à
poder público municipal preservação do
de proteger seu patrimônio cultural;
patrimônio cultural e Lei 7166/96 - especifica e
realiza a proteção por delimita as ADEs, entre
tombamento de alguns elas as Áreas de
bens. Diretrizes Especiais de
Interesse Cultural.

1984 1994 2009


Consolidação da política de patrimônio:
1990 1996 efetivação das reuniões mensais do
CDPCM/BH e dos mecanismos de gestão
do patrimônio no âmbito administrativo do
poder público municipal; realização da
proteção de novos conjuntos e revisão dos
já protegidos; realização de novos
tombamentos.

Lei 3802/84, que O CDPCM/BH realiza a


organiza a proteção proteção de onze
do patrimônio em conjuntos urbanos e de
BH: institui o bens imóveis dentro do
instrumento de perímetro destes
tombamento conjuntos.
e cria o CDPCM/BH.

Fonte: Quadro elaborado pela autora.

3.2.1 Área de Diretrizes Especiais : um instrumento urbanístico para a preservação do


patrimônio

De acordo com a legislação urbanística municipal (PBH, 1996), as ADEs são áreas
que exigem a implementação de políticas específicas, de caráter permanente ou não. Essa
necessidade se ancora no fato dessas áreas apresentarem características cuja manutenção é
desejada ou potencialidades cujo incentivo é almejado. Com o intuito de manter
características especiais ou incentivar potencialidades, a legislação urbanística lança mão de
parâmetros diferenciados que podem possuir natureza urbanística (como coeficiente de
aproveitamento e afastamentos diferenciados), fiscais (relacionados, por exemplo, à isenção
tributária) e/ou de funcionamento de atividades (de incentivo ou restrição a determinados
usos), de acordo com as especificidades identificadas em cada área. Esses parâmetros se
86

sobrepõem aos do zoneamento e sobre eles preponderam, ou seja, não podem ser mais
permissivos do que aqueles previstos no zoneamento.
No caso da proteção ao patrimônio cultural, Arroyo (2004) coloca que a
regulamentação das ADEs de interesse cultural pode ser tomada como um caminho para a
solução de um dos principais desafios da conciliação entre as políticas de patrimônio histórico
e planejamento urbano: “o equilíbrio entre potencialidades construtivas e a proteção de áreas
referenciais da cidade, inibindo a especulação imobiliária e valorizando, em relação ao
mercado imobiliário, a preservação de ambiências de caráter simbólico” (Arroyo, 2004, p.
32).
A Lei 71666/96 definiu a delimitação de 18 ADEs, sendo que desas, 5 possuem foco
na proteção cultural ou paisagística. A ADE da Serra estabelece limite de altura de 15 metros
para as edificações em parte do bairro Serra; a ADE da Bacia da Pampulha possui foco
direcionado para a preservação ambiental da Lagoa da Pampulha; a ADE Residencial
Central almeja manter a predominância do uso residencial em parte da área central; a ADE
Vale do Arrudas destina-se ao incentivo a projetos de reurbanização ao longo do leito do rio
Arrudas, em função das suas condições de degradação e subutilização; a ADE do Estoril é
destinada ao uso residencial unifamiliar; as ADEs do Mangabeiras, do Belvedere, do
Belvedere III e São Bento são destinadas ao uso exclusivamente residencial; a ADE da
Savassi possui foco na adoção de incentivos e normas destinadas à revitalização da área; a
ADE Hospitalar visa ao controle da especialização de usos da área da saúde e adequação dos
já existentes; a ADE de Interesse Ambiental é constituída por áreas que possuem interesse
de preservação ambiental; a ADE Venda Nova56 se volta para o desenvolvimento de
atividades econômicas ligadas ao setor têxtil. Já as demais áreas de diretrizes especiais,
destinam-se à proteção de características relacionadas ao patrimônio cultural ou da paisagem
urbana: ADE Cidade Jardim volta-se para a preservação paisagística, cultural e histórica;
ADE de Santa Tereza, destinada à manutenção do uso predominantemente residencial, em
função de suas características de ocupação histórico-cultural; a ADE Lagoinha, com foco na
proteção do patrimônio cultural e da paisagem urbana, na revitalização de áreas degradadas
ou estagnadas e no incremento ao desenvolvimento econômico; a ADE da Pampulha,
direcionada para a manutenção do uso residencial horizontal e das suas condições

56
De acordo com informações obtidas na Diretoria de Patrimônio Cultural, a ADE Venda Nova, ainda não
regulamentada, foi objeto de estudos pela equipe da PBH. Tais estudos, que objetivavam subsidiar a
regulamentação dessa ADE, apontavam para a inclusão da ADE Venda Nova no rol das ADEs de interesse
cultural.
87

paisagísticas; e por fim, a ADE Trevo, destinada à preservação da paisagem nas proximidades
da lagoa da Pampulha.
Entre as ADEs de caráter cultural, a primeira a ser regulamentada foi a de Santa
Tereza, por meio da Lei n.° 8137/00, que “Altera as Leis n.ºs 7.165 e 7.166, Ambas de 27 de
Agosto de 1996 e dá Outras Providências” (PBH, 2000). Importante colocar que essa área de
proteção cultural definiu-se a partir da mobilização popular em prol da manutenção da
ambiência do bairro, que se organizou temendo que a mudança da lei de uso e ocupação do
solo afetasse a qualidade de vida na área. Nesses termos, em meados de 1996, surgiu o
movimento Salve Santa Tereza, que além de moradores locais agregou representantes de
outros setores como a igreja católica, o Instituto de Arquitetos do Brasil e a Ordem dos
Advogados do Brasil (SOUZA et al, 2009). O pleito do movimento ancorou-se no
entendimento de que os elementos que tornavam o bairro particular, que faziam com que ele
se diferenciasse no contexto da cidade, deveriam ser mantidos. Entre tais elementos,
figuravam a preservação de quintais e áreas verdes e a defesa do patrimônio histórico, cultural
e arquitetônico do bairro, reconhecido pelo movimento como um lugar tradicional e
acolhedor, que é ponto de encontro cultural e que possui um jeito de cidade do interior
(SOUZA et al, 2009).
Desse modo, os argumentos que subsidiaram a definição dos parâmetros da ADE
Santa Tereza se pautaram no entendimento de que, em função da ocupação histórico-cultural e
das características ambientais do lugar, o uso residencial deveria ser protegido e mantido.
Além do incentivo ao uso residencial, a lei que regulamentou a ADE estabeleceu mecanismos
de controle da verticalização da área, ao limitar a 15 metros a altura de novas edificações
(equivalente a edifícios com 5 pavimentos), a exceção de lotes lindeiros a algumas vias do
bairro e a bens com interesse de preservação, para os quais foi fixado o limite de 9 metros de
altura (que equivale a edifícios com 3 pavimentos) 57.
Destaca-se que embora o texto dessa ADE faça referência à ocupação histórico-
cultural e à paisagem como elementos de motivação para o estabelecimento de parâmetros
diferenciados, não há explicitação de quais componentes da ocupação histórico-cultural e da
paisagem deveriam ser preservados.
Essa indefinição já não é verificada no caso da segunda ADE de interesse cultural

57
Uma pesquisa intitulada Bairros históricos de Belo Horizonte: patrimônio cultural e modos de vida, em curso
nos anos de 2009 e 2010, financiada pela FAPEMIG e realizada pelo Programa de Pós-graduação em Ciências
Sociais da PUC Minas, em parceria com a Diretoria de Patrimônio Cultural da PBH, possui, dentre os objetivos
de estudo, avaliar a eficácia do instrumento de ADE na preservação do patrimônio Cultural do bairro de Santa
88

regulamentada, a ADE Pampulha. Prevista no texto da Lei 7166/96 como área que deveria ser
objeto de definição de normas especiais, visando à preservação da paisagem e da cobertura
vegetal, à manutenção dos altos índices de permeabilidade do solo, à existência de locais
reservados aos usos não residenciais e ao estabelecimento dos mecanismos necessários à
existência desses usos, ao controle de bota-fora e à efetivação de um programa de educação
ambiental (PBH, 1996B). Em 2005, esses objetivos nortearam a elaboração do texto da Lei
n.° 9037, de 14 de janeiro de 2005, que, entre outros, estabelecia os parâmetros especiais para
a ADE Pampulha. Importante colocar que essa legislação não se restringe apenas à área de
proteção da paisagem imediata à lagoa da Pampulha, mas incorpora também as áreas cuja
ocupação interferem visualmente na paisagem da lagoa, o bairro Trevo, e aquelas cuja
ocupação interfere diretamente em suas condições ambientais – a bacia da Pampulha. Essa
legislação definiu que:

Art. 5° - As ADEs da Bacia da Pampulha, da Pampulha e Trevo visam a assegurar


condições de recuperação e de preservação ambiental da represa da Pampulha,
proteção e valorização do patrimônio arquitetônico, cultural e paisagístico e fomento
ao potencial turístico da área (PBH, 2005).

No texto da lei de regulamentação foram detalhados os elementos da paisagem cuja


preservação era almejada. Assim, foram expostos os argumentos que sustentavam o
estabelecimento de medidas especiais para essa área da cidade. Focando na questão do
patrimônio, ficou estabelecido, especificamente, que a ADE Pampulha “tem como objetivo a
proteção e valorização do patrimônio arquitetônico, cultural e paisagístico e o fomento do
potencial turístico da área, por meio da definição de parâmetros adequados de ocupação e de
uso do solo” (PBH, 2005, art.º 21).
Além de parâmetros urbanísticos gerais que pretendem garantir a ocupação
característica do entorno imediato da lagoa - casas construídas em meio a terrenos com
grandes afastamentos entre si e em relação à via pública, jardins frontais, permeabilidade
visual dos gradis e horizontalidade da ocupação -, os artigos 35, 36 e 37 da lei de
regulamentação fixaram a participação do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do
Município na gestão da área.
O artigo 35 estabeleceu que as intervenções pretendidas em edificações que constam

Tereza.
89

do Inventário da Arquitetura Moderna de Belo Horizonte58 devem ser objeto de aprovação


pelo CDPCM/BH, assim como as intervenções de qualquer natureza nos lotes e espaços
públicos da avenida Otacílio Negrão de Lima, que contorna a lagoa da Pampulha. O controle
da poluição visual também foi tratado de modo especial, sendo que, nesse caso, a instalação
de engenhos publicitários em todo o perímetro da ADE depende da prévia anuência do órgão
municipal de patrimônio histórico.
A última ADE de interesse cultural a ser regulamentada foi a ADE Cidade Jardim, mas
como se trata da área em estudo nesta dissertação, trataremos dela em um item separado.
Convém lembrar, entretanto, que há ainda a ADE da Lagoinha, não regulamentada e, portanto,
sem a definição de parâmetros especiais que garantam a proteção do patrimônio cultural do
lugar, incentivem as potencialidades e controlem os processos de estagnação identificados na
legislação urbanística de 199659.

3.3 As ações de proteção instituídas para o bairro Cidade Jardim: a regulamentação da


ADE Cidade Jardim e o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município

O bairro Cidade Jardim é, atualmente, objeto de duas ações de proteção do seu


patrimônio cultural que possuem formatos distintos. Enquanto uma é derivada de uma
legislação urbanística especial, que define os parâmetros para a ocupação e uso do solo, as

58
O Inventário da Arquitetura Moderna em Belo Horizonte constitui um estudo elaborado em 2003 pela
Diretoria de Patrimônio Cultural, em parceria com a pesquisadora Denise Bahia, que trata da arquitetura
modernista em Belo Horizonte, com destaque para os imóveis existentes no bairro São Luiz e Cidade Jardim.
59 Art. 88 – A ADE da Lagoinha, em função de sua localização estratégica e da importância cultural e econômica
da região, é destinada:
I – à proteção do patrimônio cultural e da paisagem urbana;
II – à revitalização de áreas degradadas ou estagnadas;
III – ao incremento do desenvolvimento econômico.
§ 1º - No que se refere ao incremento das atividades econômicas na ADE da Lagoinha, devem ser adotadas
políticas que contemplem:
I - a permanência das atividades econômicas existentes na área;
II - o estímulo à implantação de novas atividades compatíveis com as lá existentes;
III – a implantação de incubadoras de empresas e de equipamentos indutores similares, visando a modernizar os
processos produtivos.
§ 2º - A permanência e a implantação das atividades econômicas referidas no parágrafo anterior podem ser
estimuladas por incentivos fiscais.
§ 3º - Os projetos de reurbanização necessários para as áreas degradadas ou subutilizadas podem ser feitos por
meio de operações urbanas (PBH, 1996B).
90

definições da outra são proferidas pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do


Município/CDPCM-BH e se relacionam, especialmente, ao tombamento e à análise das
intervenções em edificações localizadas no perímetro de proteção. Atuando de modo
complementar na proteção do bairro, essas ações constituem o próximo ponto de análise deste
estudo.

3.3.1 O bairro Cidade Jardim e os parâmetros especiais para a ocupação e o uso do solo

Em relação à primeira ação, qual seja a derivada das definições contidas na Lei de
Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo de Belo Horizonte – Lei 7166/96 (PBH, 1996),
destaca-se que estabeleceu-se um perímetro de proteção para o bairro Cidade Jardim, por
meio da criação da Área de Diretrizes Especiais Cidade Jardim /ADE Cidade Jardim, cuja
regulamentação deveria ocorrer a partir de lei específica. Os parâmetros definidos pela Lei
7166/96 reforçaram a manutenção das características principais do bairro que foram
determinadas pela primeira legislação de controle da ocupação do lugar, Lei n.° 39, de 30 de
julho de 1948, com exceção para a possibilidade de destinação do uso diferente do residencial
para as edificações localizadas nas vias de maior circulação de veículos, as avenidas Raja
Gabaglia e do Contorno.
A ADE Cidade Jardim foi regulamentada pela Lei 9.563/08 (PBH, 2008a) e, de modo
geral, foram mantidos os parâmetros de ocupação que conferem especificidade paisagística ao
lugar, mas foi permitida certa flexibilização do uso residencial no bairro. Essa legislação
definiu, em seu artigo 1º, parágrafo único, que a “ADE Cidade Jardim constitui área sujeita a
políticas específicas de preservação paisagística, cultural e histórica que visam a reforçar sua
identidade e sua referência no Município [...]” (PBH, 2008a). Apresenta, ainda, quatro
objetivos que são especificamente visados: a manutenção da tipologia de ocupação original60,
a preservação do estilo arquitetônico modernista, a preservação do alto índice de cobertura
vegetal e a compatibilização entre a tipologia de ocupação existente no bairro e o alto índice
de cobertura vegetal com o uso do solo, cuja flexibilização encontra-se prevista na legislação
de regulamentação. Destaca-se, ainda, que a demanda pela compatibilização, nos termos da

60
A tipologia de ocupação original é caracterizada pela existência de grandes afastamentos entre as edificações,
pelo uso de jardins nos espaços externos, pela horizontalidade das edificações e pela manutenção de suas
visibilidades a partir da rua.
91

lei, busca o controle da poluição sonora e atmosférica, a restrição de usos que demandem
carga e descarga, além da imposição de dificuldades ao aumento do fluxo de tráfego de
veículos (PBH, 2008a).
No que tange ao desestímulo à substituição de edificações, a Lei 9563/08 criou
mecanismos de controle da ocupação, fazendo com que se mantivessem os mesmos padrões
atualmente praticados. Nesses termos, fixou o limite de altura para novas edificações em 9
metros, restringiu parâmetros como taxa de ocupação (possibilidade de ocupação de no
máximo 40% da área do terreno com a edificação), coeficiente de aproveitamento (limitação
de área construída a 80% em relação à área do terreno), além da cota mínima de terreno por
unidade habitacional de1000 m2 ou igual à área do terreno no caso de lotes com área menor
que esta medida, o que equivale, no caso do bairro Cidade Jardim que possui lotes com área
aproximada de 1000 m2, à possibilidade de construção de apenas uma residência em cada lote.
Os afastamentos generosos entre as edificações foram mantidos, estipulados em 3
metros no mínimo entre a edificação e as divisas e, no caso do afastamento em relação à via
pública, foi estabelecido o mínimo de 10 metros, à exceção dos lotes de esquina, para os quais
vale o afastamento frontal mínimo de 5 metros. Esses afastamentos frontais devem, nos
termos da lei, ser obrigatoriamente ajardinados, com ressalva para a possibilidade de
impermeabilizar 25% da área de afastamento para o acesso de veículos e construção de
guaritas.
A manutenção das condições da paisagem do bairro é incentivada, ainda, pela
limitação da utilização do piso intertravado61 para composição de áreas permeáveis, fixada em
no máximo 10% da área permeável mínima exigida, pela obrigatoriedade de existência de
faixa ajardinada no passeio e pela proibição de supressão de espécies arbóreas sem
autorização da prefeitura, com a ressalva de que quando esta é autorizada, o plantio de uma
nova espécie no mesmo terreno deve ser realizado. A visibilidade das casas do bairro
encontra-se resguardada, legalmente, pela imposição da proibição de utilização de elementos
como muros com altura superior a 80 cm nos fechamentos frontais dos lotes. Estes devem ser
realizados com elementos vazados ou transparentes, tais como gradis ou vidro.
O controle da poluição visual também é objeto de definição de parâmetros especiais.
Nesse caso, mediante licenciamento municipal, é possível a instalação de dispositivos de

61
O piso intertravado - peça feita em concreto que, vazada ao centro, permite o plantio de grama - , normalmente
é utilizado em áreas onde se deseja locar estacionamento de veículos, ao mesmo tempo em que possibilita a
contagem da área revestida com este piso no percentual de área permeável. A legislação urbanística belo-
horizontina considera 80% da área coberta com blocos intertravados no cálculo da área permeável. Por exemplo,
92

comunicação visual no bairro Cidade Jardim; ressalta-se que uma das etapas do processo de
licenciamento pressupõe a aprovação pelo órgão municipal de preservação do patrimônio.
Todavia, os engenhos publicitários não poderão comprometer a paisagem local ou obstruir a
visão de elementos arquitetônicos característicos das edificações. Devem atender, ainda, a
deliberação do CDPCM/BH que trata das normas para a instalação de engenhos publicitários
em áreas de proteção62.
Já o objetivo de permanência da tipologia residencial característica do bairro é
abordado no item da lei de regulamentação que trata das intervenções nos imóveis existentes.
Nele são especificados os elementos cuja manutenção é obrigatória no caso de submissão de
projetos de reforma para aprovação: fachadas e vãos, volumetria, rampas, escadas e demais
acessos externos, jardins e quintais, cabendo, todavia, recurso ao Conselho Municipal de
Política Urbana no caso de imóveis sem proteção cultural específica em que o proprietário
não concorde com a manutenção dessas características. A legislação ressalva, ainda, que os
imóveis existentes no perímetro da ADE não poderão ter área permeável inferior a 30%, nem
tampouco as vagas de estacionamento existentes nos imóveis poderão servir a outras
finalidades, salvo serem transformadas em áreas ajardinadas.
Em outros termos, a legislação urbanística impôs a todas as edificações existentes no
perímetro da ADE restrições semelhantes às do tombamento, ou seja, determina a manutenção
das características formais dos imóveis. Há que se refletir que, se por um lado, essa medida
cria mecanismos para a manutenção da tipologia residencial original, por outro, impõe a
proprietários de imóveis sem tombamento restrições que, ao mesmo tempo, não possuem
medidas compensatórias. Para os imóveis tombados, há a previsão, por exemplo, da isenção
de IPTU, no caso de bens culturais que se encontram em bom estado de conservação,
incentivo não extensível aos imóveis sem proteção.
No que se refere à questão do uso do solo, a regulamentação da ADE definiu que a
flexibilização do uso residencial só é possível no caso de edificações existentes na data da
publicação da lei. Em outros termos, novas edificações não poderiam abrigar uso diverso do
residencial. Para os imóveis lindeiros às avenidas Raja Gabaglia e do Contorno, que
circundam o bairro, são permitidos os usos previstos para as vias arteriais, ou seja, essa
determinação segue a lógica genérica da legislação urbanística. Para outras vias localizadas

uma área com 100 m2 revestida entre piso contabilizará 80 m2 para efeito de cálculo da área permeável.
62
O CDPCM-BH, por meio da Deliberação n.° 109/2004, estabeleceu normas para a instalação de engenhos
publicitários, de antenas de telecomunicação e de intervenção em calçadas de imóveis localizados em áreas
protegidas.
93

dentro do bairro e que já possuem um considerável fluxo de pedestres e veículos - Conde


Linhares, Bernardo Mascarenhas, Tenente Renato César e Carvalho de Almeida -, foram
permitidos, além do residencial, usos dos grupos de serviço, de comércio e de serviço de uso
coletivo63, desde que não haja acréscimo de área edificada no imóvel que se pretende ocupar.
Para as demais vias do bairro, todavia com caráter mais local, o leque de possibilidades
não residenciais, também limitados à área edificada, é reduzido, se restringindo aos grupos de
serviços (escritórios de administração sem venda de mercadorias e de profissionais liberais e
técnicos) e de serviços de uso coletivo (associação cultural, biblioteca, estabelecimento de
cultura artística, centro de documentação, centro de pesquisa, locais para exposição,
associação de moradores do bairro, asilo e casa de convivência, representação de organismos
internacionais e representação diplomática) (PBH, 2008a).
Importante colocar ainda em relação à regulamentação da ADE que o texto da lei
prevê a possibilidade de interposição, pelos interessados, de recurso ao COMPUR no caso de
projetos de reforma não aprovados pelo executivo municipal. Nesse caso, a análise do referido
conselho deverá basear-se nos critérios:

I - correspondência entre a intervenção proposta e a necessidade decorrente da


atividade a ser instalada;
II - correspondência entre a intervenção proposta e a necessidade decorrente do
atendimento às normas urbanísticas em vigor no Município[...];
III - consideração da importância da edificação no conjunto urbanístico da área;
IV - consideração da possibilidade da implantação de intervenção de mesmo caráter
com menor impacto sobre a edificação e o conjunto;
V - consideração da reversibilidade da intervenção (PBH, 19 de junho de 2008).

A pesquisa no site do Diário Oficial do Município de Belo Horizonte/DOM revela que

63
Os seguintes usos, de acordo com cada um dos seis grupos, são possíveis nestas vias: A. Serviços de uso
coletivo: associação cultural, biblioteca, estabelecimento de cultura artística, centro de documentação, centro de
pesquisa, locais para exposição, associação de moradores do bairro, asilo e casa de convivência, representação de
organismos internacionais e representação diplomática; B.Comércio: livraria, adega, antiquário, artesanato,
objeto de arte e adornos, artigos de vestuário; C. Serviços: instituições de crédito, seguro, capitalização,
comércio e administração de valores imobiliários, comércio e administração de imóveis, serviços de alojamento
e alimentação (restaurantes, albergues e pensões), serviços domiciliares (chaveiros, lavanderias self-service,
locação de artigos para festas, etc.), serviços pessoais (agência de casamento, centro de estética, confecções e
reparação de artigos de vestuário sob medida, escola de mergulho, estúdios fotográficos, locação de filmes,
estúdios de gravação etc.), serviços técnico-profissionais (agências de publicidade, consultórios, escritórios,
laboratório fotográficos, serviços de informática, serviços de decoração, etc.) e serviços auxiliares de indústria e
comércio (confecção de carimbos, locação de equipamentos de pequeno porte, serviços de vigilância, etc.).
Incluiu-se ainda, um sétimo grupo denominado “outros serviços”, que possibilita a instalação de administradoras
de cartões e de consórcio, agências de intercâmbio cultural e turismo, administradoras de locação, compra e
venda de telefones, empresas de gravação, lapidação e vitrificação de jóias e pequenos objetos, além de sede
administrativa de empresas.
94

desde a regulamentação da ADE 3 casos de análise de propostas para edificações na ADE


Cidade Jardim foram submetidos à apreciação do COMPUR. Desses, 1 se referia à
intervenção na edificação e 2 à regularização de uso.
No caso de intervenção, pleiteava-se a aprovação de projeto de reforma de uma
edificação localizada na avenida Raja Gabaglia, prevendo a alteração no ajardinamento
frontal. Segundo o parecer do COMPUR n.° 55/2009 (PBH, 02 de janeiro de 2010), a referida
alteração foi solicitada com o intuito de ampliar a capacidade de estacionamento, propondo
para isso a modificação da localização de rampa existente e a escavação de nova rampa,
intervenção esta que resultaria na supressão de área de jardim. Além disso, pleiteava-se o
aumento da área edificada. Ainda segundo o referido parecer, o executivo municipal, por meio
da Gerência Executiva do COMPUR, manifestou-se contrariamente à proposta com base nas
diretrizes constantes da legislação de regulamentação da ADE Cidade Jardim, que possuem o
intuito de preservar a ambiência local e o alto índice de cobertura vegetal. Nesses termos,
houve o entendimento de que a supressão dos jardins, visíveis do logradouro público,
implicaria em prejuízo à ambiência e ao índice de cobertura vegetal local, “uma vez que são
os jardins aliados à tipologia residencial unifamiliar predominante os responsáveis pelo
caráter do bairro” (PBH, 02 de janeiro de 2010).
O parecer da conselheira relatora, que também se posicionava contrariamente à
proposta, foi aprovado na reunião do COMPUR, inviabilizando, desse modo, a supressão da
área ajardinada frontal e o aumento da área edificada. Priorizou-se, portanto, conforme as
diretrizes estabelecidas pela legislação urbanística, a manutenção das características
paisagísticas da Cidade Jardim.
Já os outros dois casos se referiam à regularização de atividades não residenciais em
imóveis pertencentes ao perímetro da ADE: uma escola infantil e uma casa de recepções e
salão de festas. Em ambos os casos, houve manifestação favorável do COMPUR, contanto
que os interessados atendessem a determinados condicionantes. Tais condicionantes se
respaldaram, em ambos os casos, nas diretrizes e normas fixadas pela lei de regularização da
ADE.
No caso da escola infantil, o COMPUR solicitou o atendimento à taxa de
permeabilidade mínima estabelecida para a ADE e determinou que a área correspondente ao
afastamento frontal fosse obrigatoriamente ajardinada. Houve também determinação de que o
muro de fechamento frontal fosse substituído por elemento vazado ou transparente,
garantindo, assim, a desobstrução visual da edificação. Além disso, o COMPUR condicionou
95

a regularização da atividade à disponibilização de vagas de estacionamento para alunos e


funcionários na área da escola ou em área próxima, como meio de minimizar o aumento de
tráfego provocado pelo funcionamento da atividade, à regularização dos engenhos de
publicidade segundo as normas do CDPCM-BH e à retirada de elementos instalados na
fachada frontal.
Para a regularização da atividade de casa de festas, exigiu-se que o empreendimento
mantivesse em seu terreno ou em local próximo a ele as vagas de estacionamento exigidas
pela legislação urbanística, além de obrigatoriedade de manutenção de manobrista durante a
realização de eventos, “com vistas à mitigação dos impactos ocasionados pela circulação de
pessoas no bairro, no período noturno (PBH, 03 de setembro de 2008). Além destas medidas,
foi exigida a adoção de mecanismos para a melhoria do sistema de isolamento acústico e de
vibração, além do atendimento às demais medidas mitigadoras previstas na legislação
urbanística64.
Desse modo, vislumbra-se que a legislação urbanística reforçou, por meio da
regulamentação da ADE Cidade Jardim, os aspectos formais característicos da concepção
howardiana, bem como destacou a necessidade de preservação do seu conjunto arquitetônico
modernista. Ressalta-se que a regulamentação da ADE Cidade Jardim tomou como fato
inconteste: 1. Que o bairro é uma referência históricoarquitetônica de Belo Horizonte que
precisa ser reforçada; 2. Que se faz necessário proteger a ambiência local, o estilo
arquitetônico modernista, a tipologia de ocupação original e viabilizar a preservação
sustentável da área. Por outro lado, possibilitou o desenvolvimento de novas atividades em
toda a extensão do bairro, fato que demanda investigações futuras com o intuito de verificar
quais os impactos desses novos usos na conformação da ambiência do lugar.
Em relação à atuação do COMPUR, a conclusão a que se chega, pela análise dos
casos até então submetidos à sua apreciação, é a de que as premissas que nortearam a
elaboração da legislação que regulamentou a ADE Cidade Jardim, pautadas na manutenção
das características paisagísticas e relativas ao controle de impactos gerados por novos usos no
local, encontram-se contempladas nas decisões proferidas por aquele conselho.
3.3.2 As ações do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município

64
Entre as medidas mitigadoras previstas pelo art. 97 da Lei n.° 8137/2000, destacam-se medidas para minimizar
impactos causados pelo aumento do fluxo de veículos, implantação de sistema de alarme e segurança, medidas
de prevenção e combate a incêndio, controle da poluição do ar, adoção de mecanismos de pré-tratamento de
efluentes gerados, etc.
96

No que se refere à segunda ação de proteção, qual seja, a derivada dos


posicionamentos do CDPCM/BH, destaca-se que o bairro Cidade Jardim foi objeto de um
estudo elaborado pela Diretoria de Patrimônio Cultural da Prefeitura Municipal de Belo
Horizonte/DIPC, em 2004, que visava à proteção do bairro como Conjunto Urbano Bairro
Cidade Jardim. O estudo, que além da fixação do limite de altura para as novas edificações
indicava os imóveis edificados entre os anos 1940 e 1960 que estariam sujeitos à proteção por
tombamento, chegou a ser apresentado ao CDPCM/BH, mas tendo em vista que, na época, o
estudo para regulamentação da ADE Cidade Jardim encontrava-se em fase de finalização, a
deliberação sobre a proteção do conjunto foi adiada.65
O referido estudo, compilado em um dossiê de tombamento, coloca a arquitetura
modernista em evidência, mas não desconsidera a importância de outros bens culturais que
possuem influência estilística tradicional. Além do acervo arquitetônico, o dossiê destaca a
importância dos elementos que conferem ao bairro a ambiência característica das cidades
jardins. Nesses termos, o sentido da preservação é ancorado, segundo o referido dossiê, na
peculiaridade do conjunto arquitetônico e paisagístico do bairro no contexto da cidade,
peculiaridade esta que seria representativa de uma forma de morar singular no município de
Belo Horizonte.
No entanto, apesar do adiamento da deliberação sobre a proteção do Conjunto
Urbano Bairro Cidade Jardim, em 2005 foram abertos, pela DIPC, os processos de
tombamento dos bens culturais inseridos em seu perímetro, fato que ensejou o monitoramento
da área pelo setor de patrimônio cultural da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte e pelo
CDPCM-BH.
Os dados expostos neste subitem são produto de uma pesquisa realizada nos arquivos
da DIPC, que levantou os casos de análise de intervenções em imóveis pertencentes ao
perímetro da ADE Cidade Jardim pelo CDPCM/BH, bem como traçou um panorama acerca
da proteção por tombamento. No caso das propostas de intervenção, buscou-se, sobretudo,
identificar quais os anseios de modificação entres proprietários em relação aos imóveis

65
O dossiê de tombamento do Conjunto Urbano Bairro Cidade Jardim entrou na pauta da reunião do Conselho
Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de 16 de março de 2004 e o adiamento de sua análise se deu
em função da apresentação dos estudos para regulamentação da ADE Cidade Jardim, em fase de conclusão,
conforme informações da ata da reunião do CDPCM/BH de 16 de março de 2004, publicada no Diário Oficial do
Município em 19 de maio de 2004. Na ocasião, segundo informações obtidas na DIPC, havia a expectativa do
CDPCM-BH de que a proteção da Cidade Jardim por meio do instrumento da ADE poderia minimizar os
possíveis conflitos com o tombamento do conjunto.
97

objetos de discussão pelo CDPCM-BH.


Inicialmente, destaca-se a existência de 12 propostas de intervenção encaminhadas ao
órgão municipal de proteção para análise, no período compreendido entre 1996 e 2008.
Dessas, 05 se referem a ensejos de modificações em imóveis tombados ou listados para
proteção específica, todas submetidas à apreciação do CDPCM-BH. Entre os demais projetos
referentes a imóveis sem interesse de preservação, apenas 1 foi submetido à apreciação do
CDPCM/BH, conforme quadro resumo que se segue:

QUADRO 3 – Propostas analisadas pela DIPC e pelo CDPCM-BH no perímetro da ADE Cidade Jardim.
IMÓVEL USO ORIGINAL/NOVO DESCRIÇÃO DAS MODIFICAÇÕES CUJA APROVAÇÃO ANÁLISE REALIZADA PELA DIPC OU PELO CDPCM/BH66
USO FOI SOLICITADA
A1 Residencial / Modificações no primeiro pavimento, visando A proposta foi integralmente aprovada pelo
Misto: ao atendimento do novo uso, com CDPCM-BH em setembro de 2007. Após a
Modificação para reformulação na disposição e dimensão de aprovação pelo CDPCM-BH, outro pedido foi
adaptação a novo uso alguns ambientes, que passariam a novas encaminhado, desta vez solicitando substituição das
– salão de beleza funções; acréscimo de área no subsolo para janelas originais em madeira por outras metálicas
atender ao uso residencial: construção de área quadriculadas e substituição do gradil por vidro.
de lazer, não visível ao nível da rua; execução Este pedido não foi aprovado pela DIPC, pois,
de novo fechamento frontal, em muro com contrariava a proposta já analisada pelo CDPCM-
altura de 1 m e restante em gradil. BH

A2 Residencial / Obra iniciada sem aprovação e embargada pela Em setembro de 2009, o projeto não foi aprovado
Serviço: PBH. Modificações realizadas no fechamento pelo CDPCM-BH, que solicitou a recuperação do
Modificação para frontal que, todavia, garantiram a visibilidade pátio interno e a elaboração de um projeto de
adaptação a novo uso do bem. O projeto contemplava a reversão de restauração do bem cultural. Por outro lado,
– escritório de algumas intervenções descaracterizantes, mas permitiu que no futuro projeto de intervenção, a área
advocacia mantinha alterações realizadas na disposição de um pilotis existente na porção posterior pudesse
dos ambientes, como o fechamento do pátio ser fechada com material translúcido e utilizada
interno para abrigar um auditório. como auditório.
A3 Residencial / Não detalhado, mas a proposta revela a Somente as alterações internas foram aprovadas pela
Residencial: intenção de adaptar internamente o imóvel aos DIPC em janeiro/2004. A proposta de substituição
Modificação internas novos modos de vida - com a construção, por de materiais, da escada e a alteração do fechamento
e acréscimo de área exemplo, de uma suíte máster -, e de modificá- frontal foram submetidos à apreciação do CDPCM-
para construção de lo esteticamente pela substituição dos BH.
uma suíte máster. materiais de acabamento originais, do O CDPCM/BH deliberou pela aprovação da
fechamento frontal e da escada de acesso. proposta em março de 2004 após adequação do
projeto pelos interessados no que se refere à
manutenção dos revestimentos externos originais.
Foram autorizadas a modificação no fechamento
frontal, mantendo, todavia, a permeabilidade visual
e a alteração na escada frontal de acesso.

IMÓVEL USO ORIGINAL/NOVO DESCRIÇÃO DAS MODIFICAÇÕES CUJA APROVAÇÃO ANÁLISE REALIZADA PELA DIPC OU PELO CDPCM/BH
USO FOI SOLICITADA
A4 Residencial / Primeira proposta avaliada pelo CDPCM- Na primeira análise, realizada em setembro de 2008,
Institucional BH: previa a demolição de todas as alvenarias foi reprovada a proposta inicial. Na ocasião, o
internas da edificação para transformá-lo em CDPCM-BH estabeleceu diretrizes para um novo

66
Quando as propostas não demandam a alteração de características arquitetônicas significativas do bem cultural
tombado ou em processo de tombamento, ou quando a mesma é prevista em imóvel sem interesse para a
preservação, a proposta é analisada somente pela Diretoria de Patrimônio Cultural. Por outro lado, quando as
intervenções pretendem promover significativas modificações nos imóveis, há a necessidade de avaliação dos
projetos pelo CDPCM-BH.
98

um amplo espaço de exposições. projeto de intervenção: a. preservação do


Segunda proposta avaliada pelo CDPCM- agenciamento interno e da solução dos pátios; b.
BH: demolição de paredes divisórias entre os retirada da cobertura em Zetaflex dos pátios; c.
quartos, dos armários no corredor, do lavabo, preservação do pilotis sem vedação e flexibilização
do elevador, da escada de acesso ao pavimento da área restante do primeiro pavimento com a
inferior e do acréscimo de muro no manutenção das esquadrias de correr voltadas para a
fechamento frontal. garagem; d. preservação e restauração dos
revestimentos originais de piso, teto e parede do
segundo pavimento; e. restauração das fachadas e
manutenção dos seus revestimentos originais f.
restauração das esquadrias existentes; g.
manutenção e restauração do gradil original; h.
manutenção e restauração da área permeável
existente e da sua condição ajardinada; i.
manutenção do volume original da edificação
garantindo seu partido horizontalizado.
A segunda proposta, analisada pelo CDPCM-BH
em dezembro/2008, foi aprovada, uma vez que
foram atendidas as diretrizes estabelecidas.

A5 Residencial / Sem aprovação do CDPCM-BH foram O CDPCM-BH na ocasião da análise das obras
Residencial realizadas obras para substituição dos irregulares, em junho de 2005, deliberou pelo
materiais de acabamento originais tombamento do bem e pela necessidade de
característicos do modernismo arquitetônico, elaboração de projeto de restauração que
alteração dos vãos, modificação de toda a contemplasse a restituição dos elementos originais.
divisão interna e substituição do fechamento
frontal por muro em alvenaria.
B1 Residencial / Modificações no agenciamento interno. Aprovada pela atual DIPC em março de 1996.
Residencial
B2 Residencial / Previsão de diversas modificações internas. Aprovada pela atual DIPC em agosto de 1995.
Serviço

B3 Residencial / Foi pleiteada a regularização das diversas Aprovada em junho/2006 pela atual DIPC com a
Residencial intervenções realizadas ao longo dos 50 anos ressalva de que outras possíveis propostas que
de construção da edificação. Segundo os pretendam alterar as características arquitetônicas da
interessados, tratava-se de “pequenas edificação devem ser precedidas da aprovação de
modificações funcionais e estéticas”. Registro Documental*.
B4 Residencial / Solicitação de modificação do fechamento Trata-se de edificação listada como Registro
Residencial frontal em função de segurança e “maior Documental*. A primeira proposta não foi aprovada
imponência”, segundo as palavras do arquiteto pois, segundo parecer da DIPC, “altera a leitura da
que realizou o projeto. cãs e interfere na ambiência do conjunto urbano”.
Uma segunda proposta é apresentada e aprovada em
agosto de 2006, uma vez que a mesma não
configuraria descaracterização do corpo principal da
casa.
B5 Residencial / Modificação nos materiais externos de Trata-se de edificação inicialmente indicada para
Serviço acabamento e em todo agenciamento interno tombamento, mas que em novembro de 2004 foi
do edifício para atender a novo uso. listada para Registro Documental pelo CDPCM-BH.
Na ocasião, o conselho aprovou as intervenções
propostas.
B6 Residencial/ Funcionamento inadequado das esquadrias Aprovada pela DIPC em agosto/2008: autorização
Institucional originais concedida caso não fosse possível recuperar as
esquadrias originais, deveria ser executada outras
com mesmo desenho.

A – Edificação tombada ou com processo de tombamento aberto


B – Edificação sem interesse para proteção
* - As edificações listadas como Registro Documental podem ser demolidas ou sofrer alteração das características arquitetônicas principais,
mas somente após a aprovação do Registro Documental, que é um estudo elaborado pelo proprietário que apresenta o histórico e as
características arquitetônicas do bem.

Apesar do pequeno número de projetos submetidos à análise é possível vislumbrar,


na maioria dos casos, que as solicitações de intervenção foram motivadas pela adaptação a
novos modos de vida ou às demandas oriundas da adaptação ao uso não residencial. No
primeiro caso, percebe-se a intenção de atualização da estética e da disposição interna,
somada a intenções de substituição dos elementos de fechamento frontal. A análise dessas
99

propostas revela que a adaptação das edificações a novos modos de vida normalmente vem
acompanhada de soluções formais e estéticas que podem, potencialmente, modificar as
características arquitetônicas dos bens, competindo, portanto, com as intenções
preservacionistas de manutenção dos elementos de caracterização estilística dos imóveis e de
composição da ambiência particular da Cidade Jardim.
Essa tendência se fez presente nas propostas de reforma de duas casas com interesse
para preservação, no quadro 3 identificadas como A3 e A5. Em A3, pleiteava-se inicialmente,
além da alteração no fechamento frontal, em que a permeabilidade visual existente cederia
lugar a um muro branco ornamentado por arbustos de pequeno porte, a substituição dos
materiais de acabamento da fachada, a alteração na escada de acesso principal e modificações
internas, que incluíam a construção de uma suíte master. Após diversas análises, o projeto foi
aprovado pelo CDPCM-BH, contudo com modificações em relação à proposta inicial.
Permitiram-se, dessa maneira, as alterações na parte interna e no desenho da escada, mas foi
decidido que deveria ser mantida a permeabilidade visual possibilitada pelo fechamento
frontal e os materiais de acabamento característicos do estilo modernista da edificação.
Já em A5, a reforma realizada sem a aprovação do CDPCM-BH promoveu a
substituição dos materiais de acabamento externos, característicos do estilo modernista, por
outros que pretendiam “atualizar” a residência. Nesse caso, foi adotada a “estética branca”,
com vedação em vidros azuis, intervenções estas que segundo a análise da conselheira relatora
do processo modificaram a leitura global da edificação e descaracterizaram o estilo
modernista parcialmente (PBH, 2005a).
No caso de adaptações a novos usos, nota-se, pelas propostas analisadas, uma menor
tendência em modificar as características estéticas dos edifícios, mas, por outro lado, há a
intenção de significativas alterações na destinação e, em alguns casos, na disposição interna
dos ambientes, como verificado em A1, A2 e A4.
Além da análise de projetos de intervenções em imóveis pertencentes ao perímetro da
ADE Cidade Jardim, é tarefa do CDPCM-BH se pronunciar sobre a proteção de bens culturais
no bairro. Até dezembro de 2009, no perímetro da ADE foram contabilizados 5 imóveis
tombados - 4 com tipologia residencial unifamiliar, as casas das ruas Manoel Couto n.º 420,
Raja Gabaglia n.º 285, Sinval de Sá n.° 422 e Olímpio de Assis n.° 77 -, e um residencial
multifamiliar, o IAPB formado por quatro prédios. Há, ainda, 53 edificações em processo de
tombamento, sendo que do total de imóveis tombados ou com interesse para preservação, 38
são característicos da vertente modernista e 20 são representantes de estilemas tradicionais.
100

Entre os bens tombados, dois deles foram inseridos na agenda de discussão do CDPCM-BH
em função da realização de obras irregulares, denunciadas à PBH (PBH, 2005a; PBH, 2009).
Já os edifícios do IAPB foram objeto de abaixoassinado de seus moradores que pleitearam seu
tombamento (PBH, 2005c).
Em relação ao prédio que abriga o Museu Histórico Abílio Barreto, convém relatar
que embora ele não se encontre protegido a nível municipal, seu tombamento foi realizado a
nível federal em 1951, no contexto de uma política de patrimônio que reverenciava as obras
representativas do passado colonial brasileiro.

MAPA 5 - Bairro Cidade Jardim: estilo dos imóveis com interesse para tombamento.

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1240
1238
1253
727

1212

1225
Estilo Modernista
Estilemas Tradicionais
Estilo Colonial
Sem estilo definido

Fonte: DIPC/FMC. Elaborado por DIPC/FMC. Adaptado pela autora.


101

MAPA 6 - Bairro Cidade Jardim: imóveis com interesse de preservação.

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Legenda
Bem cultural tombado
Bem cultural em processo de
tombamento
Fonte: DIPC/FMC. Elaborado por DIPC/FMC. Adaptado pela autora.

Por fim, convém traçar um resumo das ações preservacionistas instituídas para o
bairro Cidade Jardim e aquela que instituiu parâmetros diferenciados para a ocupação do
lugar. Assim, é possível esquematizar as ações de gestão urbana que vigoraram ou que se
encontram em vigor para o bairro Cidade Jardim da seguinte maneira:
102

QUADRO 4 - Ações de gestão urbana instituídas para o bairro Cidade Jardim.


MECANISMO DE
GESTÃO

Legislação Lei LEI N.º 39 DE 30 DE LEI 7166 DE 27 DE LEI 9563 DE 30 DE MAIO DE 2008
Urbanística JULHO DE 1948 AGOSTO DE 1996 (em vigor)
Define os critérios (revogada) (em vigor)
para o parcelamento,
a construção e a Definição Estabelece as normas Estabelece os Regulamenta a Área de Diretrizes
instalação de específica para construção em regulamentos para Especiais Cidade Jardim – ADE Cidade
atividades no espaço bairros residenciais parcelamento, ocupação e Jardim; Destaca-se que esta última lei
urbano. No caso das uso do Solo de Belo revoga as disposições das legislações
Áreas de Diretrizes Horizonte. anteriores que são contrárias ao texto da
Especiais, prevê o regulamentação.
estabelecimento de
Determinações 1. Os parâmetros 1. Definiu a Área de 1. Determina que as obras de reforma
critérios mais
estabelecidos por esta Diretrizes Especiais do devem manter as características externas
restritivos com o
legislação previam a bairro Cidade Jardim – das edificações cabendo, no entanto,
intuito de incentivar
construção de ADE Cidade Jardim, que recurso ao Conselho de Política Urbana –
ou manter condições
residências deveria ser objeto de COMPUR;
ambientais ou
unifamiliares e com no regulamentação. 2. Determina que a supressão de árvores
culturais especiais.
máximo três 2. Estabeleceu que o só é possível mediante reposição dentro
pavimentos. 2. As bairro seria destinado ao do mesmo lote onde ocorreram as
porções frontais dos uso residencial supressões. 3. Mantém a exigência de:
lotes deveriam ser unifamiliar, com exceção a) espaçamento entre as edificações, b)
destinadas a jardins. das avenidas Raja construção de uma única edificação
3. O fechamento frontal Gabaglia e do Contorno. dentro do lote e c) ajardinamento da
deveria ser feito por 3. Manteve a exigência de: porção frontal.
cercas vivas ou gradis. a) espaçamento entre as 3. Estabelece uma altura máxima de
edificações e entre estas e 9,0metros para as novas edificações.
a via pública; b) 4. Determinados usos passam a ser
construção de apenas um permitidos em todo o perímetro do
edifício em cada lote. bairro.
Deliberações do 1. O CDPCM/BH delibera, a partir das análises qualitativas elaboradas pela equipe técnica da DIPC, sobre os
Conselho projetos de intervenção nas edificações tombadas ou indicadas para tombamento no estudo do Conjunto Urbano
Deliberativo do Bairro Cidade Jardim;
Patrimônio Cultural 2. Delibera, ainda, sobre o tombamento das edificações indicadas para proteção no estudo do Conjunto Urbano
do Bairro Cidade Jardim.
Município/CDPCM-
BH
Monitoramento da 1. Acompanhamento e análise de processos de intervenção em edificações, tombadas ou indicadas para tombamento,
Diretoria de bem como daquelas que não possuem interesse cultural específico.
Patrimônio 2. Encaminhamento dos projetos de intervenção que demandam alterações significativas em bens tombados ou
cultural/DIPC indicados para tombamento para a análise do CDPCM/BH.
3. Elaboração dos dossiês de tombamento das edificações, incluindo a proposição de critérios de intervenções nas
edificações protegidas.

COMPUR Instância de recurso no caso de manifestação negativa do executivo municipal na aprovação de projetos de reforma.
Um dos critérios a ser considerado nas avaliações do COMPUR se refere à consideração da importância da
edificação no conjunto urbanístico da área, o que pressupõe a manifestação prévia do CDPCM-BH.

Destaca-se que essas ações foram importantes para a manutenção das características
da ambiência local. Contudo, a efetiva preservação da Cidade Jardim depende também do
modo como a população local interpreta este espaço diferenciado da cidade. Sendo assim, a
análise das representações e expectativas presentes entre a população local no que se refere ao
bairro e seus bens culturais constitui o tema do próximo capítulo.
103

4 O BAIRRO CIDADE JARDIM SOB A ÓTICA DA POPULAÇÃO LOCAL

Gonçalves (2007) tece uma analogia entre o campo do patrimônio e os gêneros de


discurso. Essa associação parte do entendimento de que nas sociedades modernas complexas
existem gêneros de discursos67 associados a diferentes áreas, grupos, categorias e situações
sociais. Tais gêneros, expressos por meio de enunciados variáveis que são proferidos a partir
do lugar e situação sociais ocupado pelos atores, interagem mutuamente, estabelecendo uma
relação dialógica que “nos constituem enquanto sujeitos individuais e coletivos”
(GONÇALVES, 2007, p. 141).
Para Gonçalves (2007), os discursos do patrimônio são articulados em nome de uma
totalidade a qual pretendem representar. Essa representação assumiria, nesse sentido, o papel
de expressão autêntica daqueles conteúdos selecionados, dos símbolos eleitos para
preservação. No caso do bairro Cidade Jardim, o discurso oficial proferido em torno da sua
preservação elegeu a arquitetura modernista, a ambiência do bairro e, por conseguinte, o
modo de vida simbolizado por esses elementos como a totalidade que representaria o
patrimônio a ser protegido (PBH, 2004, 2008).
Por outro lado, as recentes discussões em torno do tema do patrimônio tendem a
apontar para a necessidade de considerar os discursos daqueles que se encontram sujeitos às
ações patrimonialistas (CASTRIOTA, 1999; SANTOS, 1986, GONÇALVES, 2005). Em
consonância com essa perspectiva, esta pesquisa se volta para a apreensão da percepção da
população local em relação ao bairro e aos bens culturais nele existentes.
No caso do bairro Cidade Jardim, inicialmente a pesquisa voltou-se para a apreensão
das representações presentes entre a população local sobre o bairro, focando, prioritariamente,
em dois perfis principais, o de moradores e o de donos de estabelecimentos instalados no
lugar. As primeiras entrevistas revelaram a preponderância de entrevistados de primeira
geração, assim considerados aqueles que, dentro do círculo familiar, primeiramente
adquiriram um imóvel no local. O perfil desses entrevistados é de pessoas com mais de 80

67
Para Gonçalves (2007), estabelece-se um discurso quando alguém profere um enunciado, em um espaço social
e temporal determinado, dirigido à outra pessoa ou outro grupo social que o responderá. O autor cita, por
exemplo, o gênero de discurso do palácio, no qual se incluiriam dos discursos de posse, de inauguração, de
encontros científicos, sala de aula, elogios fúnebres, ou seja, os enunciados construídos numa situação social
caracterizada pela formalidade das ações. Outro gênero a que ele se refere é o do discurso da praça pública,
associado ao cotidiano, tais como o anúncio do camelô, os xingamentos, ofensas proferidas em brigas de ruas,
conversas de botequim, etc.
104

anos e que moram há mais de 30 no bairro. Tal recorrência demandou a diversificação no


perfil de entrevistados e, desse modo, procurou-se registrar as representações da segunda
geração, tanto daqueles que ainda moram na Cidade Jardim quanto daqueles que são ex-
moradores e ao mesmo tempo futuros herdeiros de imóveis na Cidade Jardim. Essa
diversificação fez-se necessária pois é este grupo, a partir de suas expectativas em relação ao
futuro do bairro, que irá interferir diretamente, daqui a algum tempo, nas feições dessa área de
proteção ao patrimônio cultural.
Desse modo, a definição dos critérios que inicialmente nortearam a escolha dos
entrevistados se pautou em dois parâmetros principais. O primeiro deles se referia ao tipo de
relação que o entrevistado possui com o bairro, ou seja, se é morador, ex-morador, ou possui
estabelecimento comercial ou de serviço no lugar. O segundo se referia à existência ou não de
uma ação direta da política de patrimônio municipal incidindo sobre o imóvel de sua
propriedade (PBH, 2004), ação esta que se estabelece quando uma edificação encontra-se
listada para proteção pelo órgão de patrimônio histórico municipal68. A adoção entre critério
se pautou na necessidade de abordar as representações dos atores que, uma vez sujeitos a
diferentes nuances da política de patrimônio municipal, tenderiam, supostamente, a apresentar
distintos interesses, discursos e práticas em relação ao bairro e seus bens. Outro critério
decorria do uso atual da edificação, se residencial ou se comercial/serviço. Por essa
perspectiva, a seleção dos entrevistados contemplou:

QUADRO 5 - Critérios de seleção dos entrevistados.


Tipo de relação com o bairro Ação relacionada com a política de
patrimônio
1. Morador (primeira ou segunda geração) 1.Imóvel com proteção ou indicação para
proteção
2 Proprietário de atividade de comércio ou 2.Imóvel sem restrição de proteção
serviço
3. Ex-morador/herdeiro de segunda geração

Uma vez selecionada a lista de imóveis a partir dos critérios citados no quadro 5 uma

68
O estudo relativo à proteção do Conjunto Urbano Bairro Cidade Jardim, elaborado pelo órgão municipal de
proteção ao patrimônio cultural, aponta a lista das edificações a serem protegidas por tombamento. Estas
possuem processos de tombamento em curso, cuja conclusão depende do encaminhamento desses processos para
a manifestação do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município – CDPCM/BH.
105

pesquisa foi realizada na lista telefônica disponível na internet, por meio da qual foi possível
identificar tanto os responsáveis pelas edificações, quanto os usos atuais. Então, a partir de
contato telefônico, as entrevistas foram agendadas, não havendo, por parte da maioria dos
selecionados, objeções ou condicionamentos especiais para as suas realizações. Apenas em
dois contatos telefônicos houve negativa em conceder entrevista.
Vale registrar, todavia, que o critério pautado na existência de uma ação direta da
política de patrimônio sobre o imóvel do entrevistado não se mostrou, durante as entrevistas,
como item revelador de diferentes posicionamentos. Isso porque, exceto em dois casos, não
houve manifestação de conhecimento, por parte dos entrevistados, sobre a incidência ou não
de algum grau de proteção específico sobre os imóveis dos quais são proprietários.
Assim, foram entrevistados 4 representantes dos primeiros moradores do bairro, 2
moradores de segunda geração, 2 proprietários de estabelecimentos de serviço no local e 4
representantes do grupo de herdeiros, totalizando 12 entrevistas qualitativas, conforme anexo
4. O perfil etário dos entrevistados oscilou entre 48 e 88 anos.
Convém destacar, ainda em relação aos aspectos metodológicos, que apesar do cuidado
na diversificação do perfil dos entrevistados, trata-se de uma pesquisa qualitativa que possui a
intenção de abordar representações, relativas ao campo do patrimônio, existentes entre a
população local. Desse modo, a pesquisa foi realizada com a ciência de que os resultados aqui
expostos não são produto de uma amostra construída a partir de critérios estatísticos e que,
portanto, sejam representativos “da população” do bairro Cidade Jardim; tão somente
expressam “parte” das representações presentes entre a população local no que se refere às
categorias investigativas elencadas, quais sejam, a ambiência, a ressonância e o valor de uso.
Para fim de organização do capítulo, a análise das entrevistas encontra-se dividida em
dois itens. O primeiro deles trata da ótica da população local, abarcando moradores da
primeira e da segunda geração e os proprietários de estabelecimentos no local. Já o segundo
item apresenta as expectativas da segunda geração, com foco privilegiado nos ex-
moradores/futuros herdeiros, ou seja, naqueles que não mais residindo no local, mantêm laços
diretos com os pais que ainda moram no bairro.
106

4.1 As representações sobre o bairro Cidade Jardim sob a ótica da população local

4.1.1 Alteridade, ambiência urbana e laços de sociabilidade: aspectos de um estilo de vida

Como já explicitado no primeiro capítulo, há elementos que sugerem a existência de


um estilo de vida de morar no bairro Cidade Jardim. Além dos aspectos urbanísticos de
constituição do lugar e daqueles relacionados ao tipo de ocupação existente - sendo os
elementos físicos, segundo os termos bourdierianos, a materialização das opções estéticas de
determinado grupo no espaço social -, a definição dos contornos desse estilo de vida se
referencia também nas representações construídas sobre o lugar. Nesses termos, até a década
de 1970, é possível vislumbrar a existência de um estilo de vida sofisticado, revelado à
sociedade belo-horizontina por meio da divulgação jornalística dos inúmeros eventos e
recepções que aconteciam no bairro.
Considerando-se o cenário contemporâneo, há também indícios de um modo de vida
particular, porém não mais ancorado primordialmente nas imagens reveladas pela imprensa;
agora, são os elementos conformadores de uma ambiência especial que aparecem nos relatos
como os principais aspectos que denotariam o estilo de vida atual de morar no bairro Cidade
Jardim. Esses elementos, associados a conteúdos de caráter subjetivo, tais como o
entendimento do que significa “morar bem” e “ser privilegiado”, caracterizam o sentimento
de alteridade da população local em relação a outros espaços da cidade. Em outros termos, a
alteridade, entendida como a consciência da diferença em relação ao outro, se constitui no
principal instrumento para definição dos contornos desse estilo de vida atual.
Tomando como referência a discussão exposta no primeiro capítulo desta dissertação,
essa consciência da diferença em relação ao outro, manifestada por meio dos conteúdos
simbólicos associados ao bairro, constituiriam o que Bourdieu (2007) define como os
elementos de distinção, responsáveis pela demarcação de determinado grupo no espaço social.
No caso em tela, o bairro Cidade Jardim figuraria como um espaço urbano distinto, tanto
pelas peculiaridades próprias de sua ambiência, quanto pelas expressões subjetivas a ele
associadas. Nesses termos, como se verá no decorrer deste capítulo, além de figurar como “o
mais tradicional dos bairros de elite”, a Cidade Jardim é representada como uma área da
cidade em que é possível morar bem devido à suas condições urbanas e à maneira de morar
107

que o bairro propicia: em uma casa confortável e próxima ao centro.


Outro aspecto relacionado à definição dos modos de vida é representado pela questão
dos laços de sociabilidade, cuja investigação é tema recorrente nos estudos das Ciências
Sociais, especialmente naqueles cujos objetos de pesquisa são áreas urbanas e seus grupos
sociais. Esse tema se apresenta como um dos elementos centrais para a compreensão do modo
de vida de determinado grupo social, pois, tomando como referência a teoria simmeliana
(SIMMEL,2006), é em torno dele que se processam as interações entre indivíduos -
conformadoras da própria sociedade -, ou, em outros termos, as redes de relacionamento que
amarram as tramas de determinado modo de vida.
Tendo em vista, portanto, esses três aspectos - ambiência, alteridade e laços de
sociabilidade (para fins da presente pesquisa entendidos como relações de vizinhança) -, é que
se pretende delinear os contornos do estilo de vida atual do bairro Cidade Jardim.
A investigação relacionada à ambiência do bairro foi tratada em um item no qual se
solicitou que os entrevistados expressassem sua percepção em relação a aspectos como
segurança, trânsito, edificações, espaços públicos e comércio e serviços. O que se percebe, a
partir da análise das respostas, é que prevalece a imagem positiva da ambiência local, com
ressalvas pontuais, relacionadas especialmente ao trânsito e à grande quantidade de veículos
estacionados nas vias do bairro (figuras 16 e 17). Há a identificação das ruas Josafá Belo e
Olímpio de Assis, que se configuram como vias de passagem, ligando a avenida do Contorno
à Raja Gabaglia, como local de trânsito intenso. Outra percepção negativa associada ao
trânsito se refere ao grande número de veículos estacionados pelas vias do bairro, percepção
esta comumente associada ao incremento de atividades não residenciais na área.
108

FIGURA 19 - Aspecto da rua Bernardo Mascarenhas. FIGURA 20 - Trecho da rua Bernardo


Foto: Karime Gonçalves Mascarenhas, nas imediações da praça Godoy
Bethônico.
Foto: Karime Gonçalves

Outro item que apareceu, em alguns relatos, com conotação negativa se refere à
segurança, mas, nesse caso, ela foi tratada como uma condição geral “de todo lugar”, e não
apenas do bairro Cidade Jardim, como na fala: “é razoável; não é 100% porque em lugar
nenhum é, mas é razoável” (M, 86 anos, dona de casa). Em apenas uma entrevista, a questão
da segurança foi associada a causas pontuais, decorrentes das condições do próprio bairro.
Nesse caso, houve a associação entre a insegurança e o fato da Cidade Jardim ter se tornado
um corredor de passagem para outros bairros da cidade e, outrora, ao colégio Imaco, que
durante algum tempo funcionou no prédio da antiga Escola de Odontologia, na praça Godoy
Bethônico. De acordo com a perspectiva entre entrevistado,

Essa movimentação de corredor chamou a atenção e a segurança piorou [...]. Nesse


imóvel da odontologia, saiu a faculdade de odontologia e ficou este imóvel aí. Este
imóvel não tem uma definição ainda para isto e o prédio vazio traz insegurança. Foi
tentado colocar um colégio aí há algum tempo atrás e isso trouxe uma dor de cabeça
danada, porque trouxe uma população diferente que fica atraída pelas casas [...].
Porque o corredor de passagem não é só de carros ou de transeuntes classe média ou
alta. É o corredor de passagem para a barragem Santa Lúcia. É um corredor também
de quem mora na favela. A vila [São José] é bem pacata, ali moram garçons... são
pessoas muito... são trabalhadores. Agora lá na barragem já mistura, com tráfico, não
sei como está agora (L.A., 49 anos, médico).

Ainda em relação à ambiência, os entrevistados foram instigados a falar sobre as casas


existentes no bairro e sobre os espaços públicos, questões estas que pretendiam apreender a
percepção mais geral da população local sobre um dos componentes da paisagem urbana.
Expressões como “são casas muito grandes” e “luxuosas mesmo” apareceram como
caracterizadoras das residências existentes no bairro, assim como, em uma das falas, revelou-
109

se a percepção do bairro como um “lugar definido” (L, comerciante, 70 anos), se referindo ao


fato de que o bairro se encontrava completamente ocupado, sem lotes vagos. Já em relação
aos espaços públicos, predominou a referência em relação à única praça existente no bairro - a
Godoy Bethônico (figura 18) -, que recebeu avaliação positiva em relação ao seu estado de
conservação. Apenas dois dos entrevistados se referiram ao Museu Histórico Abílio Barreto
(figura 19) como espaço de convivência e em apenas um dos relatos houve referência às ruas
do bairro como espaços de natureza pública, nesse caso, exclusivamente para a prática de
corrida (L.A., médico, 49 anos). Essa ótica preponderante, que desconsidera as ruas como
espaços públicos, talvez seja decorrente do fato de que no bairro Cidade Jardim não há uma
relação de apropriação delas como lugares de efetivação de laços de sociabilidade. A
realização de observação em campo permitiu esta constatação: não se percebeu, em especial
na porção entre a rua Conde de Linhares e a avenida Raja Gabaglia, circulação de moradores
a pé. As vias são comumente utilizadas como estacionamento de veículos e as poucas
presenças verificadas são de trabalhadores das residências e estabelecimentos existentes na
região.

FIGURA 21 - Praça Godoy Bethônico. FIGURA 22 - Sede do Museu Histórico Abílio


Foto: Karime Gonçalves Barreto.
Foto: Karime Gonçalves

Quanto aos usos não residenciais presentes no bairro, evidenciou-se o sentimento de


mudança na fala de dois dos entrevistados, mudança esta associada à possibilidade recente de
regularização de determinadas atividades de comércio e serviço. Nesse sentido, foi manifesta
a percepção de que os usos de comércio e serviços estariam “começando” ou de que “há uma
perspectiva de permissão de lojas e consultórios”, sendo importante registrar que em ambos
os casos a percepção do item “comércio e serviços”, associada à ciência da permissividade
possibilitada pela legislação, foi emitida por proprietários de estabelecimentos de serviço no
lugar. Já entre os moradores, a percepção em relação ao comércio e serviços associou-se ao
110

uso decorrente das necessidades cotidianas, ora sendo definido como “satisfatórios”, ora
sendo associado à dificuldade de acesso a pé às atividades básicas de suporte ao uso
residencial: “[...]vai comprar pão, tem que ir de carro. Nada a pé” (M, 80 anos, dona de casa),
e ainda, “aqui pertinho não tem supermercado e é uma ladeira tremenda” (A., 86 anos,
agrônomo aposentado), revelando certo desconforto em relação à dificuldade de acesso às
atividades comerciais de suporte à vida cotidiana.
Já a investigação sobre os laços de sociabilidade revelou que as relações de
vizinhança, na maioria dos casos, não se processam com muita intensidade, estando restritas
aos eventos associados à igreja do local, a Santo Inácio de Loyola, localizada na rua Bernardo
Mascarenhas, próxima à praça Godoy Bethônico. Grupo de oração, que acontece no salão do
Colégio São Paulo e bingos, palestras e jogos que ocorrem no salão paroquial da igreja foram
citados como eventos que contam com a participação de moradores do bairro. Outro evento
que conta com a participação dos mesmos é a festa junina que ocorre há cinco anos no bairro.
Esse evento é organizado por ex-moradores, em sua maioria filhos daqueles que
primeiramente ocuparam o lugar, ou seja, a segunda geração de moradores. De acordo com
uma das entrevistadas, “a nossa geração, todo mundo mora fora, e então na época de festa
junina você encontra todo mundo aqui” (A., 67 anos, pedagoga).
As falas evidenciaram que os moradores se conhecem, mas não é comum o hábito de
frequência aos lares. Um dos entrevistados revelou que “não há uma convivência muito
grande de vizinho; quando a gente se encontra é em um evento religioso” (E., 75 anos,
arquiteto). Em outra fala, percebe-se a atribuição da pouca convivência entre vizinhos à
modernidade, que impõe ritmos de vida diferenciados entre as pessoas:

“[...] desajustes de horários de encontro e de chegada e de saída, de maneira que não


há, realmente, coincidência de três ou quatro habitantes chegarem e saírem. Isso não
é só aqui não. Eu morei na França, na Alemanha e na Áustria [...], mas lá como aqui
havia esse aspecto de cada um ter seu gênero de vida, seus horários e, portanto,
aquela conversa de cidade do interior, que reúne todo mundo, sábado, domingo, em
frente ao coreto e a banda toca, isso funciona na cidade do interior. Aqui isso não
funciona, definitivamente não. Não há relação nenhuma, e isso é que é importante
frisar, de animosidade entre vizinhos, como muitas vezes faz pensar e às vezes até
maliciosamente é dito que os ocupantes, os habitantes das áreas de poder aquisitivo
não dão confiança a seus laterais, a seus vizinhos. Existe, sim, essa absoluta
desconexão entre entrada e saída [...]” (A., 85 anos, médico).

Importante relatar, ainda, a diferenciação nos laços de sociabilidade atuais identificada


111

por um dos entrevistados. De acordo com a percepção de J.A. (49 anos, advogado), há, ainda,
estreitas relações de vizinhança entre os “tradicionais”, por ele caracterizados como aqueles
moradores que adquiriram um lote e construíram a casa na Cidade Jardim. Ele relata que era
comum seu pai, falecido recentemente, freqüentar a casa de vizinhos para jogar tênis e ouvir
música clássica. Mas ele já não verifica a mesma intensidade no caso daqueles que
compraram a casa dos “tradicionais”. Entre estes e os novos moradores, ele não percebe
intensidade nas relações de vizinhança.
Em relação ao passado, as entrevistas evidenciam posicionamentos diferentes no que
se refere às relações de vizinhança, ora pendendo para a inexistência de laços estreitos, ora
destacando a convivência cotidiana da juventude no bairro. Uma das entrevistadas que foi
morar no bairro com a família na década de 1970 (S, 48 anos, engenheira) conta que, antes de
se transferir para a Cidade Jardim, morava em Lourdes e lá havia o hábito de se encontrar
com vizinhos, brincar na rua. Depois que se mudou, afirma que deixou de ter essas relações
de vizinhança, as brincadeiras se extinguiram, restando apenas as idas ao colégio.
Já outras duas entrevistadas, irmãs que são ex-moradoras de um dos imóveis lindeiros
à praça Godoy Bethônico, relatam que “tínhamos amigos, os vizinhos eram todos da mesma
idade.Todos da rua eram da mesma idade” (A, 67 anos, pedagoga), enquanto sua irmã
descreve a praça como um antigo local de sociabilidade: “a gente quando mocinha, nesta
idade de 15, 14 anos, a gente freqüentava a praça [...]. A gente andava em turma. E aqui
antigamente era a Faculdade de Odontologia e Farmácia, então tinha coisa de estudante. Tinha
um ambiente de estudante [...] Então, aqui tinha muito jovem...[a pracinha era] ponto de
arrumar namorado e tudo” (ML, 66 anos, psicanalista).
Desse modo, a partir das entrevistas realizadas, é possível perceber que na Cidade
Jardim há relações de vizinhança, todavia, no cenário atual, essas se encontram vinculadas,
prioritariamente, a eventos sociais locais. A exceção a esse cenário é verificada no caso dos
moradores de primeira geração, entre os quais, segundo um entrevistado, é comum a
freqüência entre os lares. Há que se ressaltar que as possíveis causas para o arrefecimento das
relações sociais cotidianas entre vizinhos são dadas pelo ritmo de vida atual, segundo as
afirmações de um dos entrevistados (A., 85 anos, médico), ou pelo considerável número de
idosos habitando o bairro, fato que dificultaria a locomoção e, consequentemente, a realização
de visitas, de acordo com a percepção de outro entrevistado (A., 51 anos, construtor).
Outro aspecto ligado à definição de um estilo de vida particularizado se refere aos
elementos, identificados pelos moradores, que conferem ao lugar o sentimento de alteridade
112

em relação ao restante da cidade. Uma primeira tentativa de captar esse sentimento foi
realizada através do questionamento sobre os motivos que levaram essas pessoas a morarem
ou a instalarem suas atividades no bairro. Uma segunda pergunta tentou apreender quais os
elementos que diferenciavam o bairro Cidade Jardim de outros bairros da cidade.
Apenas um dos entrevistados (J, médico, 88 anos) declarou que não houve motivação
especial na escolha da Cidade Jardim69. Afora essa declaração, todas as outras falas revelaram
conotações especiais: “status”, “morar bem”, “proximidade com o centro”, “localização
fantástica”, “lotes grandes”, “facilidade de estacionamento”, “público classe A”, “referência
de bairro de qualidade” foram expressões utilizadas para qualificar os motivos de escolha do
bairro, ou seja, as expressões associadas ao bairro revelam adjetivos que conferem ao local
uma condição especial, de alteridade, em relação a outros bairros.
Um dos entrevistados revelou que: “eu escolhi pelo status do bairro, a proximidade
aos colégios e o acesso a todos os serviços da Savassi, do Colégio Loyola e do centro” (E., 75
anos, arquiteto), fala que sintetiza a maior parte dos relatos sobre a escolha desta área da
cidade. Outra entrevistada revela sua predileção por áreas em que se possa “morar bem”, com
a diferenciação de que na Cidade Jardim havia a possibilidade de habitar uma casa: “Eu
morava em Lourdes, então já morava bem. [...] Eu queria um ponto na região central e por ser
casa também” (S, 48 anos, engenheira). As possibilidades de tranqüilidade e de espaços
generosos oferecidas pelo bairro também apareceram, nos relatos, como fator de atração: “A
gente morava na rua São Paulo no bairro de Lourdes e já estava ficando movimentado demais,
não podia parar carro, a garagem também era pequena, cabia um carro só” (M, 80 anos, dona
de casa).
A condição especial, presente nas características urbanísticas do bairro Cidade Jardim
que foram definidas em seu planejamento, depreende-se, pelas falas, se constituiu em um dos
principais fatores de atração de moradores. Já a concentração de moradores de classe alta
serviu de incentivo para que, recentemente, serviços voltados para esse grupo social lá se
instalassem, como se percebe no relato de um comerciante, proprietário de um salão de beleza
no local, em relação aos motivos que o levaram ao bairro: “facilidade de estacionamento e
espaço, a casa é grande. E também o tipo de morador que mora aqui, é meu público, o
morador de classe ‘A’” (L, 70 anos, comerciante).
O segundo questionamento, que tentou mensurar as representações sobre as

69
Ele procurava imóveis pela cidade e entre eles já havia visto duas casas construídas no bairro, quando, no final
da década de 1960, gostou de um lote vago existente ao lado de uma delas e então procurou o proprietário para
113

particularidades da Cidade Jardim em relação a outros bairros da cidade, revelou que tais
representações encontram-se associadas, na maioria dos relatos, às condições próprias da
ambiência do lugar e à condição central do bairro70. Nesses termos, foram utilizados adjetivos
como “conforto”, “privilegio”, “regalia”, todos eles decorrentes das características físicas do
lugar. Além desses adjetivos, houve reconhecimento de que o bairro oferece “grandes
acomodações”, em referência ao tamanho das casas do bairro.
Um dos relatos expôs que “a gente que mora aqui é privilegiado, primeiro porque
moro numa casa que tem um espaço legal e é em uma região central” (S, 48 anos,
engenheira). Outro morador revelou que

o bairro é bem sossegado, bem tranqüilo e bem perto de tudo. Então eu considero
uma regalia você ter 1000 m2 de área aqui, de terreno dentro da cidade praticamente,
é como se fosse uma chacrinha dentro da cidade. Então, é um privilegio muito
grande morar na Cidade Jardim. Porque nas outras áreas o terreno é bem menor, no
máximo 600metros ou até menos, em outros lugares o lote, quem mora em casa
mora num lote de 400 metros, 300 metros quadrados. Aqui você tem um lote de
1000 metros quadrados, bem separado um do outro, casa grande e perto da cidade.
(A., 86 anos, agrônomo aposentado).

A condição do conjunto edificado do bairro também apareceu como elemento de


distinção (Bourdieu, 2007) do lugar: “é um bairro parado, porque aqui não pode construir
prédio, então, não compara com nenhum” (M, 80 anos, dona de casa), ou ainda, “[...] é mais
uniforme no padrão das casas [...] os outros bairros são muito misturados, aqui é mais
uniforme, [...] no tipo das casas, no padrão, só padrão alto, lá [nos outros bairros] tem mais
mistura” (L. 70 anos, comerciante).
Em outro relato, houve a comparação do bairro com a Pampulha e com Lourdes,
ambos locais de moradia da classe alta, tal como a Cidade Jardim. De acordo com este
entrevistado,

Gosto de morar no bairro. É perto de tudo. Eu morei na Pampulha que é terrível,


longe pra danar. Morei em Lourdes, onde as acomodações não são adequadas; o
bairro é muito valorizado, mas as acomodações, [...] a maioria é muito pequena e o
custo que você tem é maior do que ter uma casa aqui na Cidade Jardim. Algumas

fazer a negociação. Lá construiu sua casa, se mudando para o bairro em 1961.


70
Nas entrevistas, a avenida do Contorno aparece como uma via referencial para os moradores, delimitando
física e simbolicamente o “centro”, na fala de alguns, ou então a “cidade”, na fala de outros.
114

pessoas já descobriram a Cidade Jardim pra morar, em casa mesmo[...] (L.A., 49


anos, médico).

Outro elemento de diferenciação do bairro em relação a outros que possuem o mesmo


padrão de ocupação, como o São Luiz, na Pampulha, o Mangabeiras ou o Belvedere, é
representado pelo entendimento de que a Cidade Jardim é o mais tradicional dos bairros
voltados para o público classe A. Na fala de um dos entrevistados, a Cidade Jardim é o “bairro
matriz” desse tipo de ocupação: “nunca foi barato, pois foi lançado como bairro de elite, com
mais qualidade e casas com padrão mais elevado” (J.A., 49 anos, advogado). Ainda de acordo
com seus relatos, a distinção (BOURDIEU, 2007) se expressava na medida em que “morar na
Cidade Jardim” se tornava uma referência social: abria portas e significava uma “espécie de
nobreza” (J.A., 49 anos, advogado).
Além dos elementos de diferenciação da Cidade Jardim em relação a outros bairros da
Cidade, foi solicitado que os entrevistados apontassem os elementos que mais caracterizavam
o bairro. Nas respostas foram feitas referências, mais uma vez, a elementos próprios da
ambiência local, tais como a tranqüilidade existente - alguns relatam o som de passarinhos ao
se levantar-, e à existência de arborização nas vias: “há ainda um pouco de verde e
tranqüilidade” (S., 48 anos engenheira). Outra fala destaca que o que caracteriza o bairro “são
as ruas largas, arborizadas, as casas bonitas [...] todo mundo acha bonito e vem para uma rua
desta e sai daquela confusão. [...] as ruas são bonitas, tudo tranqüilo, tranqüilo mesmo” (M, 80
anos, dona de casa).
115

Avenida do Contorno

FIGURA 23 - Vista aérea do bairro Cidade Jardim, com destaque para a avenida do Contorno.
Fonte: Google Earth.

Ao se comparar o bairro Cidade Jardim com as áreas nobres localizadas em seu


entorno imediato (figura 20), especialmente os bairros Santo Agostinho e Lourdes, evidencia-
se o diferencial constante nas falas dos entrevistados: a Cidade Jardim, além de ser um bairro
de ocupação notadamente horizontal, possibilita morar em casa, num local distinto e próximo
ao centro da cidade.

4.1.2 Valor de uso e ressonância

Segundo Choay (2001), Alois Riegl, historiador da arte vienense, foi o primeiro teórico
a desenvolver um trabalho crítico sobre os bens patrimoniais a partir dos valores de que foram
investidos ao longo da história. De acordo com as colocações riegelianas, há duas categorias
116

de valores, sendo o primeiro grupo, de rememoração, ligado ao passado, e o segundo, de


contemporaneidade, referenciado no presente. De acordo com essa teorização, o valor
histórico ou de rememoração se liga a um passado, remetendo a um saber. Já o valor de
contemporaneidade liga-se ao presente e pode ser subdividido em valor artístico e de uso71.
Esses valores, segundo as colocações de Riegel, possuiriam exigências simultâneas e
contraditórias com o valor de uso, por exemplo, contrariando o valor artístico e histórico.
(CHOAY,2001). A simultaneidade e contrariedade dos supracitados valores evidenciam a
interpenetração do passado e do presente em um mesmo objeto, característica esta que é
potencializadora de conflitos que se relacionam com o valor priorizado em determinado bem
cultural. Em outros termos e a título de ilustração, é possível imaginar que uma casa protegida
por tombamento e ocupada possui, para seu habitante, supremacia do valor de uso. Nesse
caso, o valor de uso poderá se chocar com o valor artístico e histórico do bem, no momento
em que o gosto contemporâneo do morador demandar uma intervenção física que o insira nos
modismos arquitetônicos vigentes. Nesse caso, passado e presente se interpenetram e se
contrapõem, provocando conflitos que, segundo Choay (2001), são negociáveis e dependem
do estado do bem considerado e do contexto sócio-cultural em que se insere. Nesses termos,
torna-se relevante, para fins do estudo proposto, a apreensão sobre o valor de uso que os
moradores e usuários possuem frente às casas existentes no bairro Cidade Jardim.
Outro valor não constante da teoria de Riegel mas que, atualmente, se relaciona
diretamente com o valor de uso e interfere na preservação do patrimônio é o valor de troca.
Tal como o valor de uso, o valor de troca se refere ao presente, mas diz respeito ao potencial
valor monetário do bem protegido. Enquanto o primeiro tende a representar uma relação
estreita entre o bem cultural e seu usuário, e por que não dizer, permeada por afetividade, o
segundo é associado apenas ao aspecto de valoração do objeto no mercado imobiliário.
Em contextos urbanos nos quais o solo urbano é investido de considerável valor
econômico, como é o caso do bairro Cidade Jardim, o valor de troca tende, pelo menos
potencialmente, a se sobrepor aos demais valores, em especial aos valores de uso e ao valor
histórico. Destaca-se, todavia, que as entrevistas realizadas com os moradores de primeira
geração apontam para uma tendência de conciliação entre o valor de uso e o valor de troca,
como se verá logo adiante.

71
O valor artístico se refere ao potencial que o objeto possui de ser acessível à sensibilidade do observador,
produzindo um efeito relativo, referente às obras antigas ainda acessíveis à sensibilidade moderna, ou de
novidade, ligada à aparência fresca e intacta da obra. Já o valor de uso se relaciona às condições práticas de
utilização de determinado bem patrimonial.
117

Transpondo essas referências para este estudo, é possível vislumbrar a utilização do


aspecto de valor de uso para análise das percepções da população local da Cidade Jardim em
relação às casas do bairro. Nesses termos, duas questões centrais devem ser consideradas no
que se refere ao aspecto investigado. A primeira delas se vincula ao caráter mais geral do
termo, associado às possibilidades permitidas recentemente pela legislação urbanística de
consolidação de usos não residenciais no local. Essa percepção se relaciona com o valor de
uso das casas na medida em que interfere no valor de troca dos imóveis. A segunda questão,
cuja tônica é pontual, relaciona-se com as condições práticas de utilização dos imóveis, ou
seja, encontra-se associada aos sentimentos, de afetividade ou intenção de mudança, dos
entrevistados em relação às edificações que ocupam.
Apesar da maioria dos relatos expressarem a concordância com a mescla de usos
residencial e não residenciais no bairro, na opinião de uma das entrevistadas, a liberação de
usos não residências no lugar irá “atrapalhar o bairro todo” (M, 80 anos, dona de casa), pois,
segundo sua visão,

Aqui você tinha rua sossegada, tranqüila, agora vão estacionar carro de um lado e do
outro, você não tem mais jeito de parar. Vem uma pessoa na sua casa e não pode
mais parar, porque vai ficar cheio. O quarteirão de baixo já está quase todo cheio,
porque tem casa alugada para isso. E aqui não tinha. Esta parte toda por aqui, agora
já tem (M, 80 anos, dona de casa).

Todavia, na opinião dos outros entrevistados, a liberação de usos não residenciais na


área conservaria o valor de mercado das edificações. Isso porque, segundo os relatos, o fato
de na Cidade Jardim existirem casas com grandes dimensões e um alto valor de aluguel
(alguns mencionaram valores de R$15.000,00 a R$20.000,00 mensais) dificultaria a
instalação de novas residências, ao passo que determinadas atividades comportariam o
pagamento dos custos de instalação nos imóveis72.
Apesar de intencionarem a manutenção do valor de mercado de seus bens, foi
unânime, no caso dos moradores entrevistados, o sentimento de afetividade em relação à
edificação em que habitam, fator que evidencia a intensidade do valor de uso atribuída à ela.
Expressões como “eu estou muito satisfeita com minha casa” (S, 48anos, engenheira) e “é

72
Nota-se um significativo número de escritórios de advocacia instalados no bairro, assim como outras
atividades como salões de beleza, spas, imobiliária direcionada ao mercado de luxo, etc.
118

uma casa muito bem feita [...], tudo é perfeito” (M, 80 anos, dona de casa) foram utilizadas
para qualificar o local de moradia e, em nenhum dos casos, houve manifestação de interesse
na mudança para outro imóvel dentro do bairro.
Vale registrar, no entanto, que em um dos casos houve manifestação de interesse de
substituição da moradia horizontal pela moradia vertical. Ou seja, o morador, de segunda
geração, intenciona continuar morando na Cidade Jardim, mas almeja que no futuro haja a
possibilidade de construir no lugar de sua casa um prédio: “algumas pessoas já descobriram a
Cidade Jardim pra morar em casa mesmo, mas esperando uma verticalização, porque o sonho
é este, é que meu filho more aqui também, então, moremos todos aqui num prédio. Você tem
um campo em volta que dá uma valorização diferente; não é um troço agarrado no outro”
(L.A., 49 anos, médico). Ou seja, o entrevistado, ao imaginar prédios em meio a casas,
acredita que as condições que conferem alteridade à Cidade Jardim seriam mantidas, pois
seriam resguardados os generosos afastamentos entre os edifícios, assim como seus conteúdos
sociais de distinção (BOURDIEU, 2007). Todavia, o entrevistado não esclarece, ou tece
comentários, acerca dos impactos que, certamente, o adensamento e a verticalização do bairro
provocariam na paisagem e na ambiência local, esta última também citada na maioria das
entrevistas como um dos elementos responsáveis pela particularização do bairro no contexto
belo-horizontino.
Considerando ainda os moradores entrevistados, mas selecionando apenas aqueles que
são proprietários de imóveis que possuem indicação para proteção - dois73 casos -, a situação
se repete, ou seja, esses expressam os valores positivos que decorrerem de sua concepção
arquitetônica. O primeiro caso se refere a uma edificação projetada pelo arquiteto Sylvio de
Vasconcellos (PBH, 2004), importante nome no cenário arquitetônico mineiro, autor de
diversas obras em estilo moderno. Os proprietários desse imóvel expressaram os elementos
que, associados ao valor de uso da edificação, lhe conferiam afetividade e que motivaram a
escolha da moradia:

Esta casa agradou [...]. É uma casa moderna, agradou. Nós vimos outras casas, mas

73
Um terceiro entrevistado, que atualmente mantém um estabelecimento na Cidade Jardim, foi proprietário, até
o ano de 2008, de uma casa modernista listada para tombamento. Em relação a essa edificação, relatou que
nunca realizou nenhuma modificação e que a edificação, durante muito tempo, foi visitada por pessoas
interessadas em contratar o mesmo arquiteto que a projetara. Segundo ele, esta casa abriga, atualmente, o
escritório de uma construtora que ao adquirir o edifício, o elogiou por ter mantido o aspecto original da
residência. Todavia, ao visitar a edificação, constatei que com a instalação do escritório foram realizadas
intervenções que descaracterizaram parcialmente o estilo modernista.
119

não agradaram não. [Agradou] no estilo da casa, esta questão de ter tudo aqui, a
parte principal ser aqui, na frente não tem nada. Não tem varanda, não tem nada pra
frente, toda para os fundos [...]. Está reservada, voltada para os fundos. Eu acho
muito bem bolada. (A., 86 anos, agrônomo aposentado).

Já a outra moradora dessa residência acrescenta que “ela é excelente, a divisão dela é
excelente. É bem construída, é muito boa. E tem muito espaço” (M, 80 anos, dona de casa). A
segunda edificação, também característica do movimento moderno na arquitetura, não passou
por intervenções nem na disposição dos ambientes74 nem em seus materiais de revestimento.
Seu proprietário, por diversas vezes durante a entrevista, ressaltou o quanto a casa lhe
agradava e que mesmo ela sendo grande para a moradia de apenas três pessoas (ele, sua
esposa e um neto) a considera adequada, pois, quando seus filhos, noras e demais netos vêm
visitá-lo, “a casa se torna pequena” (J, 88 anos, médico aposentado).
Desse modo, percebe-se que no caso das casas indicadas para proteção e que abrigam
ainda a primeira geração de moradores, não há conflito entre o valor de uso conferido aos
bens e à suas características arquitetônicas e estilísticas. Em todos os casos analisados, a
utilização dos edifícios, mesmo com modificações nos modos de vida decorrente, por
exemplo, da diminuição do número de membros da família, não demandou a alteração
significativa das características físicas das residências. Ao contrário, estas foram valoradas de
modo positivo75.
Já entre os imóveis pertencentes a moradores de segunda geração - dois casos -, foram
constatou-se a realização de intervenções nos ambientes internos. S. (48 anos, engenheira)
relata em relação à sua casa que ela “era antiga e quando entrei, eu reformei, mas a divisão é a
mesma praticamente. Substitui materiais elétrico, hidráulico e revestimento e construí um
muro na frente que não tinha; ele era de vidro e dava pra frente, então fiz o muro por questão
de privacidade e segurança”. Outro morador, também de segunda geração e que também
possui um consultório no mesmo imóvel, relata que no imóvel de sua propriedade o gradil foi
substituído por um muro e que houve a construção de um anexo que hoje abriga seu
consultório.
Essa tendência de mudanças nos imóveis, para uma das entrevistadas, é reflexo do
ingresso de novos proprietários na Cidade Jardim: “eu acho que muitas casas foram e estão

74
A casa, além dos revestimentos externos característicos do movimento modernista como partilhas cerâmicas e
azulejos decorados, apresenta a divisão dos ambientes também característica do estilo, com pátio interno para o
qual se volta o setor social.
75
Vale registrar que nestes casos, trata-se de proprietários com idade superior a 80 anos e que residem há mais de
120

sendo vendidas. Estão chegando pessoas mais novas, vindo para morar mesmo, reformando as
casas[...]. Mas muitas estão virando para serviço” (S. 48 anos, engenheira). Essas reformas,
segundo seu ponto de vista, “quando muda o estilo eu não gosto não, mas quando conserva só
e dá uma melhorada fica até legal, porque tem que renovar” (S., 48 anos, engenheira).
Outro entrevistado, ex-morador do bairro (J.A., advogado, 49 anos), identifica um
movimento de reforma das casas sempre que novos moradores chegam ao bairro. Para ele,
isso é reflexo do fato de que as casas antigas já não atendem mais às demandas do público A.
Ele acredita que quem vai morar na Cidade Jardim sempre vai modificar as edificações para
atualizá-las. Essas mudanças, em sua opinião, são para adaptar as casas às condições da vida
moderna da classe A, citando como exemplo de novas demandas desta classe o home theatre,
o cabeamento para internet, o maior número de sanitários, etc.. De acordo com sua percepção,
quando os novos moradores compram imóveis na Cidade Jardim sempre reformam a casa
inteira, “fazem praticamente outra casa” (J.A., 49 anos, advogado).
Já entre os entrevistados que são proprietários de estabelecimentos de serviços no local
- dois entrevistados -, não foi percebida afetividade em relação à edificação por eles ocupada.
Apesar disso, em um dos casos, houve a manifestação do entendimento de que “o espaço da
casa é bom” (L, 70 anos, comerciante), avaliação esta que motivou a escolha do imóvel para
instalar sua atividade. Essa casa, também representativa do movimento modernista,
necessitaria, segundo seu proprietário, de intervenções que pudessem modificar seu estilo
moderno: “eu gostaria de tirar a telha de amianto e colocar a de barro, fazê-la ficar mais
mineira” (L, 70 anos, comerciante). Outras alterações seriam motivadas, de acordo com a fala
do entrevistado, pela necessidade de definição de uma imagem comercial, alterando, assim, o
fechamento frontal, as fachadas e acrescentando uma rotatória junto ao acesso principal. Esta,
segundo seu entendimento, tornaria o estabelecimento “mais chique”, ao possibilitar que seus
clientes parem, literalmente, na porta do estabelecimento. Nesse caso, são notadas duas
variáveis, decorrentes do valor de uso, que se contrapõem à manutenção do estilo original,
uma de ordem estética e outra de ordem prática. A primeira intenciona adequar o estilo ao
gosto do proprietário, uma vez que este entende que a arquitetura moderna “não tem nada a
ver com a gente”, com a expressão “a gente” se referindo a seu entendimento sobre o que
seria a “mineiridade”. A segunda pretende transformar a feição residencial da edificação, por
meio da adoção de soluções que confiram a ela certo ar comercial.
Quanto ao aspecto de ressonância, destaca-se que ela se refere ao poder que os objetos

30 anos nos imóveis.


121

culturais possuem de sensibilizar seus observadores. No caso em análise, esse poder de


sensibilização se vincula ao modo como os edifícios patrimonializados são, por eles,
percebidos simbolicamente. Por essa perspectiva, convém relatar alguns apontamentos tecidos
por José Reginaldo Gonçalves em relação aos “objetos materiais” eleitos como patrimônios
culturais. Ele propõe um exercício analítico em relação ao tema dos patrimônios culturais.
Sua sugestão é a de que os objetos patrimonializados materializam uma teia de categorias por
meio das quais nos percebemos individual e coletivamente, ou seja, os patrimônios culturais
constituem nossa subjetividade ao mesmo tempo em que é construído por nós no tempo e no
espaço. Por essa perspectiva, torna-se ponto focal a compreensão dos processos sociais e
simbólicos que levam à escolha dos patrimônios (GONÇALVES, 2007).
Para ele, “na medida em que os objetos materiais circulam permanentemente na vida
social, importa acompanhar descritiva e analiticamente seus deslocamentos e transformações
(ou reclassificações) através dos diversos contextos sociais e simbólicos” (GONÇALVES,
2007, p.15). Esses contextos podem se dar no âmbito dos espaços institucionais e discursivos
- museus, coleções ou patrimônios culturais, ou, por outro lado, no âmbito dos receptores dos
patrimônios, daqueles que interagem, pela observação ou uso, com os patrimônios culturais.
Por esse viés e considerando o tema do presente estudo, torna-se objeto analítico o modo
como os objetos tornados patrimônios na Cidade Jardim são percebidos simbolicamente e em
que medida e de que forma os mesmos sensibilizam seus observadores.
Para Gonçalves (2007), a compreensão do deslocamento dos objetos ao longo das
fronteiras delimitadoras dos diferentes contextos possibilita o entendimento da “própria
dinâmica da vida social e cultural, seus conflitos, ambigüidades e paradoxos, assim como seus
efeitos na subjetividade individual e coletiva” (GONÇALVES, 2007, p. 15).
Desse modo, a ressonância dos bens culturais presentes na Cidade Jardim, ressonância
esta entendida como um elemento integrante de um processo de deslocamento de
determinadas edificações do bairro para o âmbito da categoria de patrimônios culturais, é
capaz de revelar determinadas nuances da dinâmica sócio-cultural local, assim como seus
possíveis pontos de tensão.
Para apreender a ressonância dos bens culturais existentes no bairro Cidade Jardim,
foram selecionados edifícios em estilos arquitetônicos diferenciados, considerando a divisão
desses em quatro grupos. No caso dos dois primeiros grupos - edifícios do IAPB76 e Museu

76
Os prédios do IAPB - Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários -, localizados na Cidade Jardim,
conformam um conjunto habitacional construído na década de 1950 para abrigar os bancários e seus familiares.
122

Abílio Barreto (figuras 20 e 21 respectivamente) -, questionava-se qual a imagem que vinha à


mente quando os entrevistados pensavam nesses edifícios. Para os outros dois grupos -
estilemas tradicionais e arquitetura modernista -, utilizou-se imagens fotográficas de casas
tombadas ou listadas para tombamento (figuras 22 a 25), sendo realizada a referida pergunta
também em relação a esses imóveis (ver roteiro de entrevistas, questões 30, 31 e 20 dos
anexos 1, 2 e 3 respectivamente).

FIGURA 24 - Edifícios do IAPB. FIGURA 25 - Prédio do Museu Histórico Abílio


Foto: Karime Gonçalves Barreto.
Foto: Karime Gonçalves

Em 2005, os edifícios do IAPB foram protegidos por tombamento pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio
Cultural do Município – CDPCM/BH. Esse conjunto localiza-se próximo a outras edificações do IAPB
construídas no bairro Santo Antônio, do outro lado da avenida Prudente de Morais.
123

FIGURAS 26 E 27 - Casas referenciadas nos estilemas tradicionais.


Foto: Karime Gonçalves

FIGURAS 28 E 29 - Casas em estilo modernista.


Foto: Karime Gonçalves

Associadas ao Museu Histórico Barreto, foram utilizadas expressões como “marco da


cidade”, “belo exemplar da arquitetura local”, “lindo” e “coisa bem mineira”, enquanto no
caso do IAPB, a maioria das entrevistas apontou ora o desgosto pelos edifícios, ora o
entendimento de que apesar de estarem em área nobre os mesmos não se encontram
conservados. Tal “desgosto” revela uma percepção negativa em relação a edificações que,
além de serem diferentes das casas existentes no bairro, são menos nobres se comparadas a
elas.
Já no caso das casas representativas de ambos os estilos arquitetônicos, houve
manifestações de que as mesmas são “realmente bonitas” e, em alguns casos, declaração
direta de que elas devam ser preservadas. Entretanto, a afirmação positiva em relação à
proteção veio acompanhada de nuances qualificadoras da proteção. Em outros termos, foi
possível inferir que, para a maioria dos entrevistados, as ações de tombamento devem existir
quando se encontram presentes determinados critérios, tais como relevância arquitetônica,
estado de conservação e originalidade do bem.
A partir da fala de um dos entrevistados, deduz-se que as ações de proteção devem
124

ocorrer quando incidirem sobre bens que são vinculados à memória oficial, à história oficial
da cidade, “como as secretarias”, por exemplo, ou que se destaquem por sua relevância
arquitetônica:

“estão tombando uns imóveis insignificantes [...] no sentido arquitetônico, de


expressão. Imagina, se há casas importantes, muito importantes como as secretarias
[se referindo aos edifícios da Praça da Liberdade]. Deveriam ser tombadas coisas
que realmente tivessem importância para a cidade. Aquilo é uma bobagem [se
referindo ao tombamento dos prédios do IAPB]” (L, 70 anos, comerciante).

Por outro lado, o mesmo entrevistado demonstrou, em seus relatos, que os bens
culturais existentes na Cidade Jardim possuem, para ele, ressonância, na medida em que
remetem a imagens, simbolizam as forças culturais da qual emergiram e das quais eles são,
para o expectador, representantes (GONÇALVES, 2005). Em relação ao prédio do Museu
Histórico Abílio Barreto, o entrevistado revela que o prédio o faz lembrar a “Belo Horizonte
antiga”, de quando no bairro ainda não existiam casas, e mais, “eu tenho, assim, uma imagem
de uma Minas Gerais de fazenda, de coisa assim bem mineira” (L, 70 anos, comerciante). Já
as casas representativas dos estilemas tradicionais, que ele associou à representação de “bom
gosto”, o lembrou da “Belo Horizonte poderosa”, com influência, em suas palavras,
americana e européia. Para ele, “estas valem a pena serem tombadas, estas valem a pena” (L,
70 anos, comerciante), revelando a existência de um critério qualificador da proteção pautado
na imponência dos edifícios. Já em relação às casas representativas do movimento moderno, o
entrevistado ponderou que não gostava do estilo por não considerá-lo, de acordo com suas
palavras, “culturalmente” adequado. Essa inadequação, segundo ele, se processaria tendo em
vista que ele gosta “de casa que se pareça casa e o moderno tem muito vidro” (L, 70 anos,
comerciante). Em sua opinião, esse tipo de arquitetura “não tem nada a ver com a gente por
causa do clima, do nosso passado de fazenda. É cultural mesmo” (L, 70 anos, comerciante).
O segundo critério qualificador da proteção identificado se relaciona à condição de
destaque de determinado bem em relação à paisagem em que se insere. Quando estimulada a
observar as casas representativas dos estilemas tradicionais e do movimento modernista, uma
entrevistada reconhece os imóveis pelo bairro e elege os de sua preferência, todos
representativos da arquitetura tradicional. Apontando para um dos imóveis selecionados e que
se encontra tombado, a entrevistada se questiona sobre a pertinência da proteção, uma vez que
em suas palavras, “ele não possui nada de diferente”. Nesse caso, mesmo considerando que
125

todas as casas selecionadas são “ótimas” e que a Cidade Jardim “é um bairro de casas
bonitas”(M, 80 anos, dona de casa), a adjetivação pautada no gosto (“são casas bonitas”) não
é capaz de justificar o tombamento, pois essa adjetivação não é suficiente para destacar o bem
cultural protegido no contexto do bairro, uma vez que ele é um “bairro que não possui uma
casa que seja feia” (M, 80 anos, dona de casa). Já em relação ao prédio do Museu Abílio
Barreto, a entrevistada se refere a ele como um “marco da cidade”, que segundo sua memória
já era referencial quando a área ainda era desocupada, pois recorda que o antigo casarão já
marcava o “local mais longe que existia” (M, 80 anos, dona de casa).
Identificou-se, ainda, outro critério qualificador da proteção, este associado à
manutenção do estado original e à antiguidade do bem cultural. Na fala de uma das
entrevistadas, “as casas que ainda não foram mexidas, que conservam seus estilos dos anos
1960, são maravilhosas [...] eu acho que realmente devem ser tombadas mesmo, mas há
muitas que já não têm estilo nenhum, são de outra época” (S, 48 anos, engenheira).
Analisando as imagens das casas representativas dos estilemas tradicionais e modernistas, a
entrevistada defende o tombamento dos bens “porque são diferentes de hoje, são das décadas
antigas” (S, 48 anos, engenheira). Em sua opinião, todas as casas que simbolizam “estilos
diferentes de época devem ser tombadas e não deixar mudar nada” (S, 48 anos, engenheira).
Analisando a percepção dessa entrevistada, é possível inferir que há a inclinação em
representar as edificações antigas, ainda em estado original, como “elementos simbólicos de
uma época”, associação que as tornariam merecedoras da proteção por tombamento.
Por fim, e ainda no que se refere à ressonância dos bens culturais, convém mencionar
a associação entre a arquitetura modernista e o bairro Cidade Jardim. Um dos entrevistados,
de segunda geração, quando instigado a falar sobre as residências modernistas, observa que,
para ele, a “Cidade Jardim é mais este estilo [o modernista], a casa do meu pai também tem
este estilo. Eu acho que é mais característico do bairro. O estilo Brasília” (A., 51 anos,
construtor). E acrescenta, em relação aos estilemas tradicionais: “Este daqui eu acho, pelo
menos para a minha imagem, eu acho que lembra menos a Cidade Jardim” (A., 51 anos,
construtor). Já outro entrevistado, também de segunda geração, identifica a arquitetura
modernista, além da associação à imagem de Juscelino Kubitschek, como o “marcador” de
uma época, o que não aconteceria com os estilemas tradicionais. Em suas palavras, “estas
modernistas, elas marcam uma época. Estas aqui não tem época não....[as tradicionais].
Porque você chega ali em qualquer condomínio você tem casas com colunata... eu não gosto
não” (L.A., 49 anos, médico).
126

Em ambos os casos, trata-se de um olhar que identifica a arquitetura modernista como


elemento simbólico de uma época. Essa associação pode ser explicada, primeiramente, pelo
fato de que a arquitetura modernista possui um claro horizonte temporal de produção, entre o
final dos anos 1930 e o final dos anos 1960. Em segundo lugar, porque a o modernismo
arquitetônico foi atrelado à imagem dos novos tempos, ao dinamismo representado pela figura
do presidente Juscelino Kubitschek. No caso da Cidade Jardim, soma-se a essas vinculações o
fato de que ela é o bairro belo-horizontino que concentra o maior número de exemplares
modernistas projetados a partir da adoção dos sintagmas e paradigmas fundantes dessa
linguagem.

4.2 Os herdeiros e o futuro do bairro: representações e expectativas dos ex-moradores

As entrevistas realizadas com os moradores apontam para a preponderância do valor


afetivo em relação à ambiência e às casas do bairro, fator responsável pela manutenção da
maioria de suas características arquitetônicas e do reconhecimento da importância da
preservação daquelas que se destacam no cenário local, com o termo “destaque” vinculado,
entretanto, aos critérios qualificadores identificados. No que se refere à diversificação de usos,
a tônica entre os moradores entrevistados é a de que essa possibilidade é um meio para a
futura utilização comercial dos imóveis via aluguel, quando eles já não morarem nas
residências e não haja interesse dos filhos em voltar para o bairro.
Já entre os entrevistados que são proprietários de estabelecimentos no local, a ênfase é
a de reconhecimento das particularidades ambientais do bairro, mas, em relação às
edificações, prepondera um sentimento inclinado às mudanças, ou seja, as edificações devem
se adequar física e esteticamente ao novo uso instalado. Entre eles foi enfatizado, ainda, o
valor de troca das edificações, ou seja, em todos os casos, verificou-se a aceitação positiva da
diversificação de usos e conseqüentemente do valor comercial dos imóveis, com a ressalva de
que o tipo de uso a ser instalado no local é especial, direcionado à classe A.
Em ambos os casos, seja por vinculação afetiva, seja por entendimento de que o bairro
oferece possibilidades de instalação de comércio seletivo, há a sugestão de intensificação do
valor de uso dos edifícios, ou seja, há clara manifestação de interesse de permanência no
bairro, para morar ou para desenvolver uma atividade seleta no local.
127

Essa inclinação à permanência, todavia, já não se verifica entre os entrevistados de


segunda geração que são, atualmente, ex-moradores e futuros herdeiros de imóveis no bairro.
Entre estes é manifesto o desejo de não retornar ao local em que foram criados, com
justificativas para essa opção ancoradas essencialmente no “morar em casa”. Em todos os
casos foi enfatizada a percepção de que os imóveis da Cidade Jardim já não atendem, na
forma original, aos padrões atuais de moradia, seja por serem grandes demais, seja por não
apresentarem as exigências funcionais dos tempos atuais.
As irmãs A. (67 anos, pedagoga) e M.L. (66 anos, psicanalista) se mudaram com a
família para a Cidade Jardim por volta dos 14 anos de idade. Atualmente as representações
que ambas constroem do lugar possuem conotação afetiva ancorada nas lembranças dos
tempos de juventude no bairro. Todavia, essa afetividade encontra-se restrita apenas ao campo
da memória, não possuindo, atualmente, eco em suas vivências cotidianas atuais. Mesmo em
relação ao imóvel que pertence à sua família há diversas críticas relacionadas à adequação
entre o modo de vida atual e às condições físicas da edificação.
M.L. e sua irmã relatam que adoravam morar no bairro, porque tinham muitos
vizinhos amigos, que eram da mesma idade. O tom negativo que ambas associam às
condições atuais do bairro se ancora em dois problemas principais. O primeiro se relaciona
com o aumento do tráfego de veículos no local: “não tenho vontade nenhuma de voltar para o
bairro, porque agora é barulhento, a circulação aqui é horrorosa” (M.L., 66 anos, psicanalista),
percepção corroborada pela fala da irmã: “não tem estacionamento... é o problema de
trânsito” (A., 67 anos, pedagoga).
A segunda motivação decorre do padrão construtivo das casas da Cidade Jardim:
grandes edificações, construídas, em sua maioria, entre os anos 1950 e 1960, que de acordo
com o entendimento de ambas já não atendem aos modos de vida atuais. Para M.L., as casas
da Cidade Jardim “são umas casas enormes![...] o conceito para mim agora é fazer a coisa
mais funcional. Então há umas casas enormes igual aqui a casa da mamãe: há uma sala aqui
que dá um apartamento. Então, é uma coisa muito grande que não é funcional. É mal dividida,
pouco banheiro [...]. O problema das casas da Cidade Jardim é isso” (M.L., 66 anos,
psicanalista), entendimento esse complementado pela fala da irmã em relação à casa de sua
mãe: “aqui para todos os quartos tem um banheiro só” (A. 67 anos, pedagoga).
Embora destaquem aspectos negativos para retorno ao bairro, as irmãs reconhecem os
elementos associados à conformação urbanística da Cidade Jardim que são responsáveis por
sua diferenciação no contexto citadino. Para M.L. (66 anos, psicanalista), o que diferencia a
128

Cidade Jardim é o fato de que no bairro não podem ser construídos prédios, o fato de a Cidade
Jardim ser um bairro só de casas. O generoso tamanho dos lotes e a distância entre as
edificações também foram lembrados como elementos de diferenciação do lugar. Destaca-se
que ao se recordar dos motivos que levaram sua família a optar pelo bairro, foi relatado que a
Cidade Jardim “era um bairro novo, bem traçado e moderno” (M.L., 66 anos, psicanalista).
Naquilo que se refere às expectativas com o futuro do bairro, ambas se manifestaram
positivamente acerca da diversificação de usos possibilitada recentemente pela legislação
urbanística. Essa permissão facilitaria, segundo elas, a venda do imóvel que herdarão, solução
que vislumbram em relação à casa da mãe, uma vez que não intencionam voltar a morar na
Cidade Jardim. A inclinação a priorizar o valor de troca também se evidencia quando elas se
manifestam contrariamente às ações de tombamento no bairro, por considerarem que quando
ele se efetiva o proprietário “fica com um elefante branco nas mãos, sem ter o que fazer com
aquele imóvel” (M.L., 66 anos, psicanalista). Esse posicionamento, além de revelar
distanciamento em relação a valores afetivos, denota que as entrevistadas consideram que a
ação protecionista inviabilizaria outras finalidades para edificação, no caso específico, de
destinação para comercialização, já que não pretendem morar novamente na casa77.
Já outro entrevistado revela um tom menos saudosista nas representações sobre o
passado do bairro, ao passo que mantém o mesmo tom cético em relação à possibilidade de
retorno ao lugar. Ele relata que “hoje eu não penso [em voltar a morar no bairro Cidade
Jardim] porque a casa é uma casa muito grande para a realidade atual. E os meus negócios
estão mais para a área do Sion, Belvedere. Então, eu privilegio a proximidade com o trabalho,
com os negócios e também porque a casa é muito grande” (A., 51 anos, construtor). Esse
entrevistado enfatiza, ainda, que as casas do bairro possuem um padrão construtivo “mais
antigo” e, desse modo, “a tendência é a de que boa parte delas sofram reforma para adequar
aos novos tempos, sem mudar muito, mas, por exemplo, tem a questão de banheiros, tem
poucos banheiros, cozinha. Então a tendência é que haja reformas” (A., 51 anos, construtor).
Para exemplificar essa tendência, o construtor cita o caso da casa dos pais: “é uma casa que
hoje o andar de cima tem quatro quartos, tem só um banheiro social e o banheiro da suíte. Eu
como construtor, normalmente a gente faz duas ou três suítes. Hoje a população de classe
média e classe mais alta exige que se tenham mais banheiros” (A., 51 anos, construtor).

77
Registra-se, todavia, que entre os imóveis protegidos por tombamento ou listados para proteção na Cidade
Jardim, há edificações que passaram por intervenções para adaptação ao uso não residencial que foram
aprovadas pelo CDPCM-BH, como a casa da rua Olímpio de Assis, n.º 195 (que atualmente abriga um salão de
beleza) e a da avenida Raja Gabaglia n.° 285, cujo projeto de modificação prevê a implantação de um centro
129

Mesmo considerando que as casas são fruto de “projetos antigos”, o entrevistado não
deixa de revelar valores positivos decorrentes dessa antiguidade. Além de observar que apesar
das reformas internas as casas do bairro possuem seus estilos conservados, o entrevistado
revela que a arquitetura modernista da Cidade Jardim é, para ele, elemento característico do
lugar (A., 51 anos, construtor). Já os estilemas tradicionais lembram menos, para ele, a Cidade
Jardim.
Em que pese a percepção de que as casas do bairro necessitam de reformas para a
adaptação aos modos de vida atuais, esse entrevistado apresenta expectativa em relação ao
futuro que possui um tom conciliador entre as particularidades urbanísticas e arquitetônicas
presentes na Cidade Jardim e as novas demandas oriundas, por exemplo, da flexibilização de
uso.
O tom conciliador presente em suas percepções é revelado quando o construtor é
instigado a se posicionar em relação às restrições constantes na legislação urbanística para o
bairro, especialmente em relação à obrigatoriedade de manutenção das fachadas e da
proibição de substituição de jardins frontais por vagas de estacionamento. Tais restrições,
segundo seu ponto de vista, são positivas, mas “quando você vai alugar o pessoal pede mais
vagas, então, você não pode mexer, são só duas, três vagas, você tem que parar na rua e isso
desvaloriza. Se pudesse fazer um meio termo, melhorar, sem mexer na arquitetura externa,
mas aumentar um pouquinho a área, abrir um pouquinho para quatro, seis, oito carros [...]”
(A., 51 anos, construtor).
No que se refere às expectativas em relação à ocupação futura do bairro, o
entrevistado se manifesta contrariamente à verticalização do lugar: “acho que deveria
permanecer desse jeito. Ali é o pulmão da região toda, de Lourdes, então, se verticalizar vai
perder, a cidade perde” (A., 51 anos, construtor). Mas a horizontalidade do lugar só será
mantida, de acordo com suas expectativas, a partir da mescla do uso residencial e do não
residencial, mas não um uso não residencial qualquer. A tendência é, para ele, a de que se
instale no local um “comércio selecionado”. Especialmente em relação à casa de seus pais, os
planos são de aluguel e não de venda, o que revela uma inclinação à manutenção de vínculo
com o bairro, ainda que este vínculo apresente caráter baseado primordialmente no valor de
troca do imóvel78.

cultural.
78
Vale lembrar que a preponderância do valor de troca é incentivada pelos altos valores de comercialização dos
imóveis no bairro: uma pesquisa em site de imóveis, realizada em fevereiro de 2010, indica valores entre
R$1.800.000,00 e R$5.300.000,00 para venda de casas na Cidade Jardim.
130

Outro herdeiro entrevistado, J.A., 49 anos, advogado, que se mudou do bairro de


Lourdes para a Cidade Jardim quando tinha um mês de idade, não demonstra planos para o
imóvel que atualmente pertence à sua mãe, nem tampouco possui vontade de voltar a morar
na casa em que passou a infância, a adolescência e parte da vida adulta, apesar de ansiar por
sua preservação. Essa negativa decorre, primordialmente, do fato de que prefere morar em
apartamento, uma vez que considera que esse modo de vida é menos trabalhoso do que
habitar uma casa, especialmente uma casa na Cidade Jardim, que por ser grande e com muitos
jardins, demanda um constante trabalho de manutenção.
Em relação ao aspecto de ressonância dos bens culturais, entende que o diferencial do
bairro norteia-se mais pelo conjunto dos elementos conformadores das características
urbanísticas do bairro, como a arborização, os lotes grandes e recuos generosos. A diversidade
de estilos arquitetônicos, segundo sua percepção, seria fator de enriquecimento do conjunto.
Por esse viés, o entrevistado considera que o tombamento é positivo quando se faz presente
uma perspectiva conciliadora: adequação da preservação às novas finalidades do imóvel ou a
novas demandas oriundas dos novos modos de vida. Para ele, isso permitiria que as casas
fossem mantidas “com excelência”.
Mas, por outro lado, J.A. acredita que futuramente a demanda por moradia em casas
irá diminuir, por considerar que a tendência é a de que as pessoas demandem cada vez mais,
em função da comodidade, morar em apartamentos. Essa tendência, segundo suas falas, se
estenderia também à Cidade Jardim, o que ensejaria uma pressão pela introdução do uso
residencial multifamiliar no bairro. De acordo com sua percepção, esse uso multifamiliar seria
diferenciado, diferenciação esta que se ancoraria na manutenção das qualidades urbanísticas
da Cidade Jardim.
131

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para encerrar as discussões deste estudo, faz-se necessário tecer algumas observações
sobre o bairro Cidade Jardim, sua ambiência, seus processos sócio-culturais de ocupação e
sobre as representações presentes entre a população local sobre este lugar, com o intuito de
traçar um quadro geral acerca dos assuntos discutidos.
Todavia, o tom deste quadro geral não possuirá caráter conclusivo ou apresentará um
tom prescritivo. Antes de tudo, essas considerações finais apresentarão um caráter
exploratório, reflexo das tendências futuras insinuadas no decorrer da pesquisa. Faz-se
importante registrar, ainda, que a Cidade Jardim passa por um processo de mudança no que se
refere aos usos permitidos no local, processo este que interfere diretamente no valor de troca
dos imóveis e que foi legalizado por meio da regulamentação da ADE Cidade Jardim, no ano
de 2008. Em função disso, acredita-se que as percepções da população local, exploradas ao
longo deste trabalho, também se encontram sujeitas a modificações.
Há que se registrar, ainda, a divergência de opiniões registradas entre os entrevistados
que são moradores de primeira geração e aqueles que são futuros herdeiros. Por essa
perspectiva, insinua-se também um cenário em mutação, uma vez que, nos próximos anos, há
a tendência de transferência da propriedade dos imóveis da Cidade Jardim para seus
herdeiros.
Posto isso, destaca-se que ao se questionar sobre as representações presentes entre
população local em relação à Cidade Jardim, não se buscou obter uma resposta unívoca para
esse questionamento. Pelo contrário, a intenção era a de captar os diferentes pontos de tensão
que possivelmente permeariam a proteção de um lugar nobre em Belo Horizonte. A
explanação dessas múltiplas vozes pode servir de subsídios para a compreensão de como os
processos sociais tenderão a moldar, ou pelo menos a pressionar o desenvolvimento de uma
área sujeita a diferentes mecanismos de proteção do seu patrimônio.
*****
Um bairro para a elite. Assim a Cidade Jardim foi lançada, no bojo de um projeto
governamental local que pretendia colocar Belo Horizonte nos rumos da modernização. Desse
modo, junto com outros empreendimentos de vulto criados na cidade durante as décadas de
1940 e 1950, tais como a construção da Pampulha e a abertura de novas avenidas, o
lançamento e a posterior implantação do bairro Cidade Jardim representaram,
132

simbolicamente, a maneira local de se buscar a modernidade.


As notícias que veicularam o lançamento do bairro atrelavam sua imagem ao
dinamismo do prefeito Juscelino Kubitschek, enquanto, numa perspectiva mais atual, notícias
de jornal representam o lugar como o reduto da modernidade. Essas referências ancoram-se
tanto nas ideias urbanísticas que subsidiaram o projeto do bairro - o modelo de cidade jardim
representava, naquele momento, o “moderno” em termos de proposta para bairros residenciais
-, quanto no atrelamento ao projeto modernizante de JK. Complementa o quadro, o
significativo número de casas com arquitetura moderna construída no bairro durante os anos
1950 e 1960.
Desse modo, aliado à modernidade, a ocupação do bairro se consolidou. Consolidou-
se respeitando os condicionantes urbanísticos que foram impostos na época em que foi
lançado. Permaneceram preservados os aspectos físicos que imprimiram peculiaridade ao
local dentro do contexto da cidade: as ruas encontram-se fortemente arborizadas, os passeios
guardam faixas gramadas, há inúmeros jardins frontais e, em que pese a realização de
intervenções, a maioria dos imóveis ainda possui gradis ou fechamentos que permitem o
diálogo visual entre os espaços público e privado.
Todos esses atributos evidenciam a particularização da Cidade Jardim no contexto
belo-horizontino, e tais elementos serviram, e servem atualmente, à afirmação dos valores que
subsidiam a afirmação dos traços de distinção (BOURDIEU, 2007) do local no contexto
citadino. É recorrente a utilização dos conteúdos próprios da ambiência local para demarcar o
sentimento de alteridade dos moradores frente a outros bairros residenciais. A esses elementos
próprios da ambiência somam-se referências de caráter subjetivo, delineando, assim, os
contornos do estilo de vida de morar na Cidade Jardim.
Por essa perspectiva, ao ambiente particularizado pela existência de ruas arborizadas,
lotes com grandes dimensões, ostensiva utilização de jardins e grandes residências espaçadas
uma das outras são acrescidas conotações subjetivas que atrelam a imagem do bairro aos
conceitos de “morar bem”, de “status” ou de “referência de bairro de qualidade”. Todos esses
elementos encontram-se presentes nas representações dos entrevistados sobre o lugar,
evidenciando os conteúdos simbólicos de distinção (BOURDIEU, 2007) que delineiam os
contornos do modo de vida na Cidade Jardim.
Todavia, se por um lado há uma univocidade no que se refere à afirmação dos
elementos paisagísticos e subjetivos como marcas de distinção, os anseios e expectativas
relacionados, pontualmente, às edificações, variam de acordo com o perfil dos entrevistados.
133

Assim, é possível vislumbrar a existência de vozes distintas quando se trata da discussão


sobre o valor de uso das edificações ou sobre a questão da ressonância dos bens culturais.
Entre o grupo de moradores, considerando as entrevistas realizadas, verifica-se, no que
se refere ao valor de uso das edificações, que é notório o sentimento de afetividade em relação
ao espaço de moradia, sendo que no caso dos moradores de primeira geração não se verificou
embates de uso que poderiam, potencialmente, conflitar com os aspectos estilísticos e
arquitetônicos. Por outro lado, no caso dos moradores de segunda geração e dos proprietários
de estabelecimentos, foi manifesta a intenção de realização da atualização arquitetônica,
voltada tanto para adequação a novos gostos quanto para a construção de uma imagem mais
comercial da casa.
Em relação à ressonância dos bens culturais, destaca-se que há a percepção positiva
em relação ao tombamento de casas no bairro, porém, a partir da análise das falas da maioria
dos entrevistados, percebe-se que este deve acontecer quando estiverem presentes
determinados critérios qualificadores: o primeiro vinculado à relevância arquitetônica dos
bens, outro pautado na condição de destaque no cenário local e o último associado à
manutenção do estado original e da antiguidade do bem protegido.
Já entre os entrevistados que são ex-moradores do bairro e futuros herdeiros das casas
é manifesta a intenção de não retornar a morar no bairro, devido, entre outras, à inadequação
que vislumbram entre o modo de vida atual e o antigo projeto arquitetônico das residências.
Em que pese a intenção de não voltarem ao bairro, as expectativas em relação a seu futuro
oscilaram entre a transformação do lugar em uma área essencialmente comercial e a
conciliação entre a preservação paisagística e arquitetônica, com os novos modos de vida, no
que se refere ao uso residencial, e com as demandas provocadas pela instalação de usos não
residenciais. No primeiro caso, essa conciliação preservacionista ancorar-se-ia no
entendimento de que o uso residencial atual, especialmente o de classe alta, demandaria a
realização de intervenções para adaptação às novas necessidades tais como o aumento do
número de banheiros ou a inclusão de novas funções nas residências, como a suíte máster ou
o home theatre. Já na perspectiva não residencial, a exigência de um maior número de vagas
de estacionamento vem a compor um dos itens a ser considerado na ótica conciliadora.
Em suma, a Cidade Jardim é um bairro em processo de transformação, processo este
orientado, por um lado, por um conjunto de diretrizes de proteção e parâmetros urbanísticos
que pretendem manter a ambiência local em seus aspectos físicos. Estes, além de definir,
especificamente, imóveis para proteção por tombamento, estabelecem parâmetros restritivos
134

para a ocupação do lugar e parâmetros de controle para o uso não residencial no local.
Permanecem as incertezas no que se refere aos aspectos da ambiência que são moldados pelo
uso não residencial, tais como o tráfego de veículos, a substituição de jardins para
estacionamentos, ou mesmo a eliminação do caráter residencial do lugar, ou em outros
termos, do estilo de vida de morar na Cidade Jardim.
135

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PBH; SOUZA, Françoise Jean de Oliveira (Coord.); BRANDÃO, Mariana Guimarães


141

(Coord.). Rua Manoel Couto n.º 420: dossiê de tombamento. Belo Horizonte, 2005b.

PBH; SOUZA, Françoise Jean de Oliveira (Coord.); BRANDÃO, Mariana Guimarães


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143

ANEXOS positivo, como sabe como são esses encontros?


1 Roteiro de entrevista - Tipo A – 24 – Qual a expectativa do sr(a) em relação ao
futuro do bairro?
Moradores 25 – Na década de 1970 havia a imagem da Cidade
Jardim como o “Bairro dos Colunáveis”.Você acha
que essa imagem permanece?
I – Identificação do entrevistado 26 – Você associa alguma outra imagem ao bairro?
1 – Nome:
2 – Idade: III - Campo do patrimônio cultural
3 – Profissão: IIIA - Ressonância dos bens culturais
Família 27- E como o sr(a) descreveria as casas existentes
04 - Quantas pessoas moram aqui? no bairro a partir de seus aspectos físicos?
05 – Qual sua relação com o chefe da casa? 28 - Em sua opinião, entre estas edificações, há
06 – Este imóvel já abrigou outra família ou alguma que se destaque?
atividade? Você conhecia essa família? 29 - Se fosse para escolher outra casa no bairro para
07 – Esse imóvel é: ( ) Próprio morar, qual o sr(a) escolheria? Qual o motivo desta
( ) Alugado escolha?
( ) Cedido 30 - Qual a imagem que vem à sua mente quando o
sr(a) pensa:
II Modos de Vida a. no prédio do Museu Histórico Abílio Barreto
08- Quando se mudou para o bairro? b. nos edifícios do IAPB
09– Qual o motivo que levou o sr(a) a vir morar no c. mostrar foto de casa representativa dos estilemas
bairro Cidade Jardim? tradicionais
10 -E como o sr(a) descreveria o bairro quando se d. mostrar foto de casa representativa da arquitetura
mudou para cá? moderna
11- E qual o motivo de escolha desta casa? A 31 – Para o sr(a), quais os elementos que mais
arquitetura influenciou esta escolha? caracterizam o bairro (lugares, pessoas ou práticas
12 – Para o sr(a), o que significa “morar no bairro sociais)?
Cidade Jardim”; possui algum significado especial?
13 - o sr(a) gosta de morar no bairro? E nesta casa? IIIB. Valor de uso dos bens culturais
14 o sr(a) já pensou em se mudar para outro bairro? 32 – O sr(a) percebe modificações nas casas do
Por quê? bairro? Quais?
15– Se o sr(a) tivesse que morar em outro bairro, 33 - Caso positivo, como o sr(a) avalia essas
qual bairro seria este? modificações?
16 – E desta casa, já pensou em se mudar? Por 34 –Em relação à sua casa, você gosta da sua
quê? arquitetura? Por quê?
17 - Para o sr(a) o quê diferencia este bairro em 35 – A casa em que o sr(a) mora atende à você e à
relação aos outros bairros da cidade? sua família? Em quais aspectos atende e em quais
18 – E em relação a outros bairros que possuem o não atende?
mesmo padrão de ocupação, como o São Luiz, na 36 – O sr(a) já realizou alguma ou pretende realizar
Pampulha, e o Mangabeiras, ou mesmo os alguma modificação nesta casa?
condomínios fechados? 37 - Caso positivo, o que o sr(a) modificou ou
19- Como o sr(a) descreveria, em uma frase, o pretende modificar?
bairro em relação à: 38- O quê o sr(a) não alteraria nesta casa? Por
a. segurança quê?
b. infraestrutura 39 – O sr(a) já pensou em vender ou alugar esta
c. trânsito casa? ( ) sim ( ) não Por quê?
d. casas
e. espaços públicos IIIC – Política de Patrimônio Cultural
f. comércio e serviços 40 - O sr.(a) conhece alguma medida da política de
g. festas e eventos patrimônio da cidade de Belo Horizonte?
20- Como o sr(a) percebe as relações de vizinhança 41 – Se sim, qual a opinião sobre essas políticas?
no bairro?
21- O sr(a) identifica mudanças nessas relações?
Quais?
22- Quais os lugares que o sr(a) frequenta no bairro
e porque os freqüenta?
23- O sr(a) possui conhecimento de locais de
encontro dos moradores no bairro? Em caso
144

2 Roteiro de entrevista - Tipo B - positivo, como sabe como são esses encontros?
25 – Qual a expectativa do sr(a) em relação ao
Proprietários de estabelecimentos futuro do bairro?
26 – Na década de 1970 havia a imagem da Cidade
Jardim como o “Bairro dos Colunáveis”.Você acha
I – Identificação do entrevistado que esta imagem permanece?
1 – Nome: 27 – Você associa alguma outra imagem ao bairro?
2 – Idade:
3 – Profissão: III - Campo do patrimônio cultural
4 – Qual bairro em que mora:
Empregados IIIA - Ressonância dos bens culturais
5 - Quantas pessoas trabalham aqui? 28- E como o sr(a) descreveria as edificações
6 – Qual sua relação com o dono do existentes no bairro a partir de seus aspectos
estabelecimento? físicos?
7 – Este imóvel já abrigou outra atividade? 29 - Em sua opinião, entre estas edificações, há
8 – Esse imóvel é: ( ) Próprio alguma que se destaque?
( ) Alugado 30 - Se fosse para escolher outra casa/edificação no
( ) Cedido bairro para trabalhar, qual o sr(a) escolheria? Qual
II Modos de Vida o motivo desta escolha?
9 - Quando instalou sua atividade no bairro? 31 - Qual a imagem que vem à sua mente quando o
10– Qual o motivo que levou o sr(a) a vir trabalhar sr(a) pensa:
no bairro Cidade Jardim? a. no prédio do Museu Histórico Abílio Barreto
11 -E como o sr(a) descreveria o bairro quando b. nos edifícios do IAPB
instalou sua atividade aqui? c. mostrar foto de casa representativa dos estilemas
12- E qual o motivo de escolha desta casa? A tradicionais
arquitetura influenciou esta escolha? d. mostrar foto de casa representativa da arquitetura
13 – Para o sr(a), o que significa “trabalhar no moderna
bairro Cidade Jardim”; possui algum significado 32 – Para o sr(a) quais os elementos que mais
especial? caracterizam o bairro (lugares, pessoas ou práticas
14 - o sr(a) gosta de trabalhar no bairro? E nesta sociais)?
edificação?
15 o sr(a) já pensou em instalar sua atividade em IIIB. Valor de uso dos bens culturais
outro bairro? 33 – O sr(a) percebe modificações nas edificações
16– Se o sr(a) tivesse que instalá-la em outro bairro, do bairro?
qual bairro seria este? 34 - Caso positivo, como o sr(a) avalia essas
17 – E desta edificação, já pensou em se mudar? modificações?
Por quê? 35 –Em relação à sua casa, você gosta da
18 - Para o sr(a) o quê diferencia este bairro em arquitetura da casa? Por quê?
relação aos outros bairros da cidade? 36 – A casa em que o sr(a) trabalha atende ao seu
19 – E em relação a outros bairros que possuem o negócio? Em quais aspectos atende e em quais não
mesmo padrão de ocupação, como o São Luiz, na atende?
Pampulha, e o Mangabeiras? 37 – O sr(a) já realizou alguma ou pretende realizar
20- Como o sr(a) descreveria, em uma frase, o alguma modificação nesta edificação?
bairro em relação à: 38 - Caso positivo, o que o sr(a) modificou ou
a. segurança pretende modificar?
b. infraestrutura 39- O que o sr(a) não alteraria de modo algum
c. trânsito nesta edificação? Por quê?
d. edificações 40 – O sr(a) já pensou em vender ou alugar esta
e. espaços públicos edificação? ( ) sim ( ) não Por quê?
f. comércio e serviços
g. festas e eventos IIIC – Política de Patrimônio Cultural
21- Como o sr(a) percebe as relações de vizinhança 41 – Para o sr(a) o quê é patrimônio histórico-
no bairro? cultural?
22- O sr(a) identifica mudanças nessas relações? 42 - Em sua opinião, Belo Horizonte possui
Quais? patrimônio histórico-cultural? Quais?
23- Quais os lugares que o sr(a) freqüenta no bairro 43 - O sr.(a) conhece alguma medida da política de
e porque os freqüenta? patrimônio da cidade de Belo Horizonte?
24- O sr(a) possui conhecimento de locais de
encontro dos moradores no bairro? Em caso 49–Se sim, qual a sua opinião sobre esta políticas?
145

20 - Qual a imagem que vem à sua mente quando o


3 Roteiro de entrevista - Tipo C – sr(a) pensa:
a. no prédio do Museu Histórico Abílio Barreto
Ex-moradores/herdeiros b. nos edifícios do IAPB
c. mostrar foto de casa representativa dos estilemas
tradicionais
I – Identificação do entrevistado d. mostrar foto de casa representativa da arquitetura
1 – Nome: moderna
2 – Idade: 21 – Para o sr(a) quais os elementos que mais
3 – Profissão: caracterizam o bairro (lugares, pessoas ou práticas
sociais)?
II Modos de Vida
4 - Quando se mudou para o bairro? IIIB. Valor de uso dos bens culturais
5 -E como o sr(a) descreveria o bairro quando se 22 – O sr(a) percebe modificações nas casas do
mudou para lá? bairro? Quais?
6 - O Sr(a) sabe o motivo de escolha da sua casa? A 23 - Caso positivo, como o sr(a) avalia essas
arquitetura influenciou esta escolha? modificações?
7 – Para o sr(a) o que significa “morar no bairro 24 –Em relação à casa de seus pais, você gosta da
Cidade Jardim”; possui algum significado especial? sua arquitetura? Por quê?
8 - o sr(a) gostava de morar no bairro? E na casa? 25 – Já foi realizada alguma modificação na casa de
9 - Por que o sr(a) se mudou do bairro? seus pais?
10 – O Sr(a) já pensou em voltar para a Cidade 26 - Caso positivo, o que foi modificado?
Jardim? Por quê? 27 – Você ou seus pais já pensarem ou pretendem
11 - Para o sr(a) o quê diferencia este bairro em vender ou alugar a casa?
relação aos outros bairros da cidade?
12 – E em relação a outros bairros que possuem o IIIC – Política de Patrimônio Cultural
mesmo padrão de ocupação, como o São Luiz, na 28 - O sr.(a) conhece alguma medida da política de
Pampulha, e o Mangabeiras, ou mesmo os patrimônio da cidade de Belo Horizonte?
condomínios fechados? 29 – Se sim, qual a sua opinião sobre esta políticas?
13- Como o sr(a) descreveria, em uma frase, o
bairro em relação à:
a. segurança
b. trânsito
c. espaços públicos
d. comércio e serviços
14- Como o sr(a) percebe as relações de vizinhança
no bairro?
15- Quais os lugares que o sr(a) freqüenta no bairro
e porque os freqüenta?
16 – Qual a expectativa do sr(a) em relação ao
futuro do bairro? E em relação à casa de seus pais?
17 – Você associa alguma outra imagem ao bairro?

III - Campo do patrimônio cultural


IIIA - Ressonância dos bens culturais
18- E como o sr(a) descreveria as casas existentes
no bairro a partir de seus aspectos físicos?
19 - Em sua opinião, entre estas edificações, há
alguma que se destaque?
146

4 Entrevistas realizadas

Entrevistado Ocupação Idade Relação com o Geração Data de realização da


bairro entrevista
E. Arquiteto 75 Morador Primeira Outubro/2008
J. Médico 88 Morador Primeira Outubro/2009
aposentado
A. Agrônomo 86 Morador Primeira Outubro/2009
aposentado
M. Dona de 80 Moradora Primeira Outubro/2009
casa
A. Médico 85 Dono de Primeira Outubro/2009
estabelecimento/ex-
morador
L. Comerciante 70 Dono de Não se aplica Setembro/2009
estabelecimento/nunca
morou
S. Engenheira 48 Moradora Segunda Setembro/2009
L.A. Médico 49 Morador Segunda Janeiro/2010
M.L. Psicanalista 66 Ex-moradora/herdeira Segunda Janeiro/2010
A. Pedagoga 67 Ex-moradora/herdeira Segunda Janeiro/2010
A. Construtor 51 Ex-morador/herdeiro Segunda Janeiro/2010
J.A. Advogado 49 Ex-morador/herdeiro Segunda Janeiro/2010
147

5 Sistematização de informações sobre o bairro Cidade Jardim : representações na


imprensa entre os anos 1940 a meados de 1970
148
149
150
151

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