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Director: José Paulo Serralheiro ano XVI | n.

º 171 | OUTUBRO | 2007


http://www.apagina.pt · redaccao@apagina.pt Mensal | Continente e Ilhas 2 Euros [IVA incluído]

Apesar de reclamar mais e melhor formação

Governo lança
para o desemprego
dezenas de milhares
de professores
ler Em Foco nas páginas 26 a 29

Como ensinar deslumbramentos


num bairro de pessoas pobres
O testemunho de Pascal Paulus em Entrevista a “a Página”

páginas 21 a 23

05 07 12 20 35
Marketing Avaliação Precisa-se de Uma missão Em defesa
devora “portáteis” a fazer de conta cérebros talentosos quase impossível do trabalho de casa
Jaime Carvalho e Silva, do Departamento de
Há um ditado americano que diz “a um O recente concurso para professor titular O que pede a sociedade aos animadores Matemática da Universidade de Coimbra, faz
homem com um martelo, tudo parece um terá sido a pior forma de iniciar a execução sócio-culturais? “Lo que se les pide a es- o elogio do trabalho de casa, seja no secun-
prego”. Filipe Reis cita esta máxima para do Estatuto da Carreira Docente (ECD), em tos profesionales de lo social es que sean dário seja noutros níveis de ensino, como
comparar o que se passa, entre nós, com a primeiro lugar porque o regime transitório Na corrida para se tornarem globalmente agentes socializadores. Es decir, que encar- uma condição essencial da aprendizagem.
presente febre da tecnofília. É que a um go- de recrutamento de professores titulares competitivas, as economias fundadas no nen, transmitan y ayuden a las personas y O trabalho de casa tem ainda a importância
vernante com um computador portátil para recusou a possibilidade de uma avaliação conhecimento, os governos, as empresas e a las comunidades a integrar valores, prin- fulcral de permitir, mais fácil e focadamente,
oferecer, tudo parecem sondagens e uma séria e credível dos candidatos. Foi um as organizações em todo o mundo deram cipios y conductas que les permitan desar- que professores e alunos identifiquem as
radiante caminhada em direcção à moder- simulacro de avaliação, diz Licínio Lima, prioridade a políticas e a programas visan- rollar su vida social y cultural dentro de los dificuldades reais no tema que está a ser
nidade. Um computador é, seguramente, lembrando que o currículo profissional dos do a produção, recrutamento e retenção de márgenes que – jurídica y normativamente trabalhado. Além de não haver verdadeira-
uma ferramenta importante para os alunos, candidatos, todos de nomeação definitiva, futuros inovadores, de ‘talentosos’, e ‘alta- – establecen las sociedades actuales, sin mente avaliação contínua sem se valorizar
mas estes, em muitas escolas, têm outras foi amputado, por vezes em mais de duas mente qualificados profissionais’. Assim que eso tenga porque significar, necesaria- os trabalhos de casa, ou melhor dito, como
carências prioritárias. Quem está a precisar dezenas de anos, por conveniência técni- começa o artigo de Susan L. Robertson so- mente, simple reproducción social.” Quem diz Silva, os trabalhos feitos fora da sala de
dos computadores é o marketing político. co-administrativa e decisão discricionária. bre as novas diásporas do saber. assim escreve é Xavier Úcar Martínez. aula no ensino secundário e no superior.
0 / COMUNICAÇÃO e escola 

Q q vc ker?
(O outro lado da história, meses depois)

IE/FN

Aquela professora mencionada no tex- cuidado de guardá-lo como a uma for- teste sobre o filme, mas que alternativa zar na escrita é válida para quem sabe
to anterior saiu apressada para o pon- taleza a ser mantida inexpugnável. Lia teria para prender-lhes a atenção? Será o que está sendo modificado. O que
to do ônibus. Enquanto pensava que para “viajar” e para se entender me- tão difícil assim entender que o tempo será que provoca na cabeça de quem
era engraçada uma professora de Por- lhor. Escrevia para falar das coisas e na/da escola não pode ser igual ao da (ainda) não domina a escrita? Como
tuguês correndo para o “ponto final”, dos seus desejos, para exorcizar seus TV e da Internet, que tem que haver um estabelecer limites para estes usos? E
passou pela porta da lan house e viu demônios e fantasmas. Também inven- espaço para elaborar coletivamente o se os alunos escreverem assim na pro-
seus alunos se acotovelando para pa- tava personagens e se sentia mais po- bombardeio de tantas coisas imediatas va? O que fazer exatamente com seus
gar e entrar no salão, que nem é gran- tente, dona daquelas ações e destinos. e fugazes? Que outro espaço seria es- alunos tão jovens? E se ela abrisse es-
de. A distância da sua casa é que é. Parece que foi ali que ela começou a se, senão a escola? te novo espaço aos alunos? Será que
Muito! Pensou na sua fantasia infantil lidar com a contradição, conceito que Estranha a sensação de estar como iriam invadi-lo a qualquer hora? Será
com o tele-transporte: desintegra aqui, aprenderia muito depois. que condenada a habitar um “tempo que ela acabaria tendo que trabalhar
integra de novo no destino. Será que o que está em jogo agora é só dos dinossauros”! Se os seus alunos muitas horas mais? Será que escre-
Todos eles morando no Rio, na Cidade mais um conflito de gerações? Lembra soubessem que ela também navega veriam todo dia? Será que mandariam
Maravilhosa, nenhum podendo ver o da cara que os alunos fizeram quan- na Internet horas a fio nos finais de se- uma avalanche de mensagens até en-
Pão de Açúcar ou o Cristo Redentor... do ela anunciou o filme para o dia se- mana... Se soubessem que de vez em tupir a sua caixa de entrada? Manda-
O entorno deles não inclui cartões pos- guinte. Eles nem perguntaram qual era quando ela passa pelo You Tube... Se riam vírus, será? Se ela conversasse
tais visíveis no cotidiano, mas nem por o título ou algo parecido. Foram logo soubessem que alguns professores tudo isso com eles...
isso ela vai baixar aquele “jogo” cha- implicando com a duração. “No tempo usam o Google até para ver se os alu- Vai saltar no próximo ponto. O tempo
mado Second Life. Não tem dinheiro dela”, quando tinha filme na escola, era nos copiaram os trabalhos de algum passou rápido. Ela também corre mui-
real para jogar fora em transações com uma festa! Claro que, vez por outra, ela site... Se soubessem que ela só co- to, embora não goste nem um pouco.
esta coisa faz-de-conta do mundo vir- também pensava na escola como uma meçou mandando e-mails em lingua- O fato é que tem mil coisas a fazer ago-
tual. Ela não só faz as contas, como chatice, mas era especialmente um lu- gem formal e agora até usa um pouco ra. Vai ter que pensar nisto depois.
não quer desistir de estabelecer cone- gar para aprender milhões de coisas. de “internetês”, abreviando palavras,
xões vitais. Também não quer ver sua Ela se pergunta onde, neste tempo tão quando mais de duas pessoas falam
vida exposta em sites como o Orkut, comprimido, os alunos vão aprender a com ela no MSN ao mesmo tempo... Raquel Goulart Barreto
este diário público. Lembra do “meu ver mais do que vídeo clipes e discutir Pensa que essa coisa de ir “comendo Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
querido diário” da adolescência e do o que viram. Chato ter que incluir um vogais” e achando jeitos de economi- Laboratório Educação e Imagem, ProPEd-UERJ

  Memórias da minha morte

Lição de Relações Públicas à 47.ª Volta

Inesquecível foi a Volta a Portugal em Bicicleta de 1985 que cumpri integrado na equipa de reportagem do “Jornal Júlio Roldão tinha grande dificuldade em chegar à fala com os ciclistas pelo facto de os tratar
de Notícias”. Assegurava dois espaços diários dessa cobertura jornalística - um de puro fait divers, “No Coração jornalista por senhor fulano ou senhor beltrano em vez de os tutear pelo número do dorsal a
da Volta, a Volta no Coração”, e outro de entrevistas aos ciclistas amadores, subordinadas ao mote “A minha roldeck@gmail.com pretexto de lhes perguntar o nome - “ó 27, como é que tu te chamas?”.
profissão é...” -, mas o que se tornou inesquecível foi o microcosmo que sempre se gera num serviço destes. Ensaiei o método e a comunicação resultou. “É triste, mas, como não estão habitu-
Atravessar o país a 35 km/h, sob um calor de rachar, num carro sem ar condicionado e com os cinco lugares da ados a ser tratados de senhor, quando os chamas assim ficam desconfiados e não
lotação sempre ocupados é dose. Mesmo dispensados de ditar para a sede do jornal, pelo telefone, as classi- te respondem”, disse-me Carlos Pinhão com a indisfarçável doçura que sempre
ficações da etapa, dos prémios especiais (montanha, juventude, pontos) e a geral, nome a nome, com o tempo transmitia. Foi uma das minhas grandes lições de uma Volta corrida numa equipa
de cada ciclista ao segundo, como era prática em anos anteriores. que o Fernando Cardoso, da Secção Desportiva, coordenou e que incluiu ainda o
Acresce que o JN dedicava muito mais páginas à Volta do que os restantes jornais - a Volta a Portugal em colaborador desportivo Ramos Tavares, o Fernando Timóteo, que assegurava os
Bicicleta era então organizada pela própria Empresa do Jornal de Notícias, o que justificava a generosidade do “bonecos” *, e o Jaime Baptista, o Jaiminho, que conduzia o “gaiolo” *.
espaço concedido à corrida e ao “circo” que a envolve.
Nessa Volta, a 47ª, cruzei-me com um amigo mais velho, profissional que sempre admirei, nome grande des-
sa escola de jornalismo que foi “A Bola”, o (lis)poeta Carlos Pinhão, que numa única e generosa observação * “bonecos”, gíria jornalística para fotografias.
deu-me uma inesquecível lição de relações públicas. Atento à minha ingenuidade jornalística, reparou que eu “gaiolo”, calão do Norte para “carro”

a página da educação · outubro 2007


EDITORIAL / 0

«Pode-se não perceber nada na superfície,


mas nas profundezas o inferno está em chamas».
(Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 1998)

As escolas públicas, o deus mercado


e a democracia – ou como os discursos
baseados na evidência e nas falinhas mansas
encobrem as práticas mais canalhas
O capitalismo global não tem inimigos externos. Agora o inimigo é a opinião públi- peração, Cidadão e cidadania. Produzir «capital humano», em vez de formar cida-
ca que é preciso manipular, em cada país, de modo a manter o poder, sem anular, dãos, faz parte da religião neoliberal e do novo credo educacional.
ainda, o direito de voto. A arma mais poderosa dos actuais governos já não é o Das muitas tendências neoliberais, em matéria de educação, uma vai em crescendo.
velho poder militar, mas competentes gabinetes de comunicação. Aos velhos ge- Ela tende a organizar o sistema de modo a que os alunos considerados com baixo
nerais sucederam os directores de marketing. potencial de aprendizagem sejam discretamente descartados, aprendendo apenas
Estratégias sofisticadas, bem planeadas e poderosas, são usadas para transfor- o básico, em escolas pobres. O poder sabe, ao contrario do que apregoa, que na
mar os discursos interesseiros, dos donos do mercado, em ideias populares. «Fa- economia global, quer a nível internacional quer em cada nação, não só prevalece,
zendo aparecer os interesses das corporações financeiras como se fossem a ex- como se vai alargando, a quantidade de trabalho que exige baixa qualificação. Por
pressão política de toda a sociedade» (Popkewitz). isso, defendem a concentração do investimento na formação de elites, embora já
Um exemplo desta estratégia é o argumento segundo o qual o futuro da nação pensem também que o trabalho altamente qualificado pode ficar mais barato se im-
depende inteiramente da educação e que a escola pública não está a respon- portado . A observação do mercado de trabalho, a nível internacional, mostra que a
der capazmente a este desafio. Com esta ideia vem embrulhada a declaração de desigualdade educativa vai em crescendo e com ela a desigualdade e económica.
que não há crise do capitalismo e que as insuficiências deste se devem à falta de As reformas neoliberais subordinam a educação às regras do mercado. Os seus defen-
mão-de-obra altamente qualificada. Isto é dito onde a realidade nos mostra que a sores consideram que os alunos, oriundos das classes média e média alta, têm maior
mão-de-obra qualificada está em larga maioria sem emprego, ou a ser escandalo- potencial de «retorno» do investimento em educação. E que é neles que vale a pena in-
samente explorada em trabalho desqualificado. vestir. A massa dos pobres – pescando nela algum que se destaque – deve ser «demo-
Ao culpabilizarem o sistema público de ensino, os defensores da submissão da so- craticamente» encaminhada para formações profissionalizantes básicas e baratas. Para
ciedade aos interesses momentâneos do mercado, apropriam-se das preocupações criarem um sistema educativo que facilite estes objectivos têm vindo a propagandear, e
dos pais e de outros cidadãos, favorecendo os argumentos a favor da privatização a naturalizar, conceitos como a «livre escolha da escola» e o «cheque-ensino».
da educação. Além disso, conseguem disfarçar os seus interesses egoístas, apre- A «livre escolha da escola» é apresentada em nome da liberdade dos pais. De
sentando-os como conclusões cientificas e verdades inquestionáveis e universais. facto, trata-se de uma enganadora manipulação do termo liberdade. No acesso
A afirmação de que uma boa educação, só por si, é um pré-requisito para que a qualquer bem de consumo, só ilusoriamente somos livres de o obter, pois cada
todos tenham um bom emprego, e um bom salário, é uma mistificação. Tal mis- um é condicionado pelos recursos económicos de que dispõe. Assim, a aplicação
tificação faz parte do pacote discursivo e das práticas dos que recusam discutir deste modelo de mercado no acesso à educação, colocar-nos-ia em contradição
o sistema e as condições económicas dos países. Condições que favorecem ou com os princípios democráticos da igualdade e universalidade que decorrem do
restringem a quantidade e a qualidade dos empregos disponíveis, bem como a conceito de educação como um bem público. Para disfarçar a desigualdade pro-
facilidade ou dificuldade de acesso ao mercado de trabalho. «Não há evidência de duzida por esta medida, os elitistas invocam o «cheque-ensino».
uma relação directa entre as boas qualificações dos estudantes e altos salários fu- O «cheque-ensino» é mais uma mistificação. Se fosse introduzido seria magro à
turos quando se controlam variáveis como a de classe social» (Spring). A estrutura partida e com tendência para a anorexia a prazo. Emagrecendo-o progressiva-
salarial e o nível das remunerações, são determinantes no incentivo à procura de mente, o Estado encontraria nele o modo de escapar às suas obrigações educa-
formação, sobretudo, por parte dos mais pobres. tivas universais. Mas acima de tudo, ele seria o melhor meio de promover a desi-
É evidente que um nível educacional mais elevado melhora as oportunidades indi- gualdade de acesso dos cidadãos à boa educação. Neste modelo, o que conta
viduais de acesso ao trabalho. Mas também é evidente que o facto de elevarmos não é tanto o valor do cheque dado pelo Estado mas o que cada um lhe pode
os níveis de qualificação, tem contribuído para acentuar as desigualdades eco- juntar. E é esse complemento, à medida do bolso de cada um, a decidir a melhor
nómicas e culturais. O argumento de que uma boa educação, só por si, produz ou pior escola a que os seus terão direito.
vantagens económicas, esconde a importância que a divisão nacional e inter- A «liberdade de escolha da escola» e o «cheque-ensino», são duas das ferramen-
nacional do trabalho têm no incremento da desigualdade social e no acesso ao tas que o neoliberalismo quer usar para desenvolver a nova sociedade de classes
trabalho qualificado. Continuam a ser as políticas económicas – e não as políticas cada vez mais desigual e mais subserviente ao poder dominante.
educativas – a determinar o aumento ou a diminuição, e a natureza, dos postos de Nesta perspectiva, os sistemas de educação pública (sem esquecer o que neles é
trabalho, e, questão crucial, os níveis salariais e a menor ou maior desigualdade preciso transformar e recriar), têm um imenso sentido para milhões de crianças e
educativa e social. jovens. Para milhões, a escola é quase a única oportunidade de aumentarem o seu
A retórica que diz que o futuro da nação depende apenas da educação , é mais uma «capital cultural» num mundo cada vez mais injusto (Bourdieu). A escola pública é
forma de fugir à responsabilidade de reconhecer a incapacidade do capitalismo em essencial para salvaguardar e desenvolver a democracia.
responder às obrigações dos direitos de cidadania. E serve também para abrir as A política educativa que tem vindo a ser aplicada em Portugal, copiada da deriva
portas a mais um negocio, sem riscos, feito à custa do desmantelamento do Esta- neoliberal, é, antes de mais, um ataque à democracia e à cidadania. Paradoxal-
do, da privatização da educação, e do incremento das desigualdades sociais. mente, é-nos apresentada sob a capa das boas intenções e do interesse geral.
No bombardeamento mediático a que estamos sujeitos, conceitos como com- Mas, como já dizia a minha avó, «de boas intenções está o inferno cheio».
petitividade, eficiência, produtividade, sacrifício, cliente, consumidor, substituíram
conceitos democráticos como, por exemplo, igualdade, solidariedade, paz, coo- José Paulo Serralheiro

a página da educação · outubro 2007


04 / EDUCAÇÃO desportiva 

IE/FN

Governo & políticas desportivas


Embora se viva numa enorme crise do Estado Providência em que o desporto, como ao liquidar-se paulatinamente uma estrutura nacional que lhe dava um mínimo de
não podia deixar de ser, também tem vindo a sofrer profundas consequências, hoje, operacionalidade e prestígio nacional e internacional. Tudo isto, salvo raras excep-
os países desenvolvidos com o Reino Unido – lembramos que Londres vai organizar ções, perante a incompreensível complacência das Associações dos Profissionais
os Jogos Olímpicos em 2012 –, Austrália, Canadá e países do Norte da Europa à de Educação Física e da própria Sociedade Portuguesa de Educação Física.
cabeça, estão novamente a investir em políticas públicas em matéria de desporto, E assim, atingiu-se o culminar de uma situação insustentável iniciada em meados
conducentes não só a apoiar a alta competição como a generalização da prática dos anos oitenta, quando uma perspectiva neo-mercantilista começou a desres-
desportiva, com objectivos de promoção social, equilibrando, deste modo, os ex- ponsabilizar o Estado das suas funções sociais em matéria de desporto, passando
cessos que o mercado introduziu nos sistemas desportivos nos últimos anos. para o movimento desportivo responsabilidades para as quais este não tinha nem
Se olharmos para o que se passou nos últimos anos em matéria da promoção competência nem vocação para as exercer.
objectiva da prática desportiva numa lógica nacional, através de políticas con- Assim, ao cabo de mais de dois anos de governação estranhamos que o IDP, orga-
certadas entre as escolas, os clubes e as autarquias, pouco ou nada há a referir. nismo com especiais atribuições em matéria de promoção do desporto, insista em
De facto, os nossos Governos limitaram-se a acompanhar a medo o desporto fe- deslocar progressivamente a sua missão para a actividade física que hoje é uma
derado, mantendo todo o programa nacional de preparação olímpica – incluindo indústria que se auto-sustenta numa forte dinâmica económica e ainda bem, mas
o correspondente pacote de financiamento – sob o arbítrio decisional do Comité que nada tem a ver com a promoção do desporto que é e deveria continuar a ser
Olímpico de Portugal, situação “sui generis” que desresponsabiliza o Estado pela a verdadeira missão do IDP. Estranhamos ainda que o IDP, pura e simplesmente,
condução efectiva do desporto a nível da competição internacional, com os re- ignore as diversas problemáticas que oportunamente foram levantadas no impor-
sultados que vimos recentemente com o apuramento do futebol nacional para os tante documento da União Europeia sobre desporto neste momento em discussão
Jogos Olímpicos de Beijing. (o “Livro Branco sobre o Desporto na UE”), apenas se referindo explicitamente ao
E quanto ao desporto de base, se formos procurar programas de promoção activa desporto num minúsculo programa apelidado de “Mexa-se”. Quer dizer que o IDP,
no território nacional, estudo sistematizado e recolha de elementos de caracteriza- com pergaminhos em matéria de desenvolvimento do desporto com raízes nos
ção da prática desportiva no todo nacional, definição de quadros estratégicos de anos quarenta do século passado, reduziu a sua vocação principal a um progra-
desenvolvimento desportivo local, parcerias locais entre clubes e escolas, lança- ma de exercício físico importado de uma autarquia da periferia. Depois, surge um
mento de quadro de competições desportivas escolares nacionais, programas de Nelson Évora e o país descobre que afinal em matéria de desporto, para além de
formação de treinadores, de captação e formação de voluntários, não é possível alguns resultados de atletas de excepção que dependem fundamentalmente deles
identificar seja o que for com o mínimo de consistência. e dos seus treinadores, o desporto está parado.
O que hoje se constata é que aonde estas políticas deviam começar que é no sis- Há um trabalho urgente a desenvolver que deve decorrer em paralelo com o de-
tema de ensino, as coisas passam por uma profunda crise de identidade. De facto, senvolvimento da Lei de Bases do Desporto e da Actividade Física. Caso contrá-
o “modelo pedagogista da educação física”, aliado a um pós-moderno “exercício rio, Laurentino Dias ficará na história do desporto nacional, como mais um ministro
para a saúde”, para além de estar a repetir erros do passado, está a transformar que por aqui passou sem que se tivesse dado por isso.
uma disciplina curricular vocacionada para o ensino do desporto numa espécie
de “actividade paramédica” sem qualquer sentido no quadro das necessidades Gustavo Pires
das crianças e dos jovens do país. Por outro lado, o desporto escolar enquanto com José Pinto Correia
actividade de complemento curricular foi reduzido ao grau zero da sua dignidade, Universidade Técnica de Lisboa

FORMIGAS
A história individual determina a vida em sociedade

A experiência acumulada pelas formigas da espécie “Cerapachys biroi”, durante a sua juventude, determina o veio provar que “a história individual desempenha um papel importante na organização das sociedades de in-
seu comportamento durante a fase adulta, de acordo com um estudo publicado na revista “Current Biology”. sectos, a experiência vivida aparece como uma variável fundamental no desenvolvimento do comportamento”.
Uma equipa de biólogos da Universidade de Paris 13 separou em dois um grupo de formigas em idade de procu- Originárias do Japão e da Tailândia, as formigas “Cerapachys biroi” foram eleitas para esta experiência porque
rar alimento para as larvas. Metade foi colocada numa zona onde havia alimento, a outra, numa área sem alimen- se reproduzem sem fecundação, pelo que todos os indivíduos desta espécie são clones.
tos. Um mês depois o primeiro grupo tinha-se especializado na procura de alimentos, enquanto o segundo se
mostrava mais orientado para cuidar das jovens crias no interior do ninho. Segundo os cientistas, a descoberta AL/ Fonte: AFP

a página da educação · outubro 2007


TEXTOS bissextos / 05

  Revista de imprensa

Professores sujeitos
a nota mínima
O Estatuto da Carreira Docente exige que os futuros professo-
res façam uma prova de ingresso na profissão. Na proposta
de portaria que regulamenta o estatuto, o Governo é claro: os
erros gramaticais, as más construções frásicas e uma maior
dificuldade em falar em público ou expor ideias vão fechar as
portas do ensino aos jovens licenciados. O documento esti-
pula que, mesmo depois de cinco anos de universidade e o
grau de mestre conferido em instituições cujos cursos são
reconhecidos pelo Ministério da Ciência e Ensino Superior,
os professores sejam avaliados com três exames distintos.
Correio da Manhã
03.09

Fenprof acusa Governo


de despedimento em massa
IE/FN
A Fenprof acusou ontem o Governo de José Sócrates de estar
a promover o equivalente a um dos maiores despedimentos
colectivos no País, a propósito do concurso de colocação de
professores que, na primeira fase, deixou de fora quase 45 mil
candidatos. “Este é o maior, ou dos maiores, despedimento
A tecnofilia como ideologia
colectivo que teve lugar neste país, da responsabilidade de
um Governo que ainda por cima quando se candidatou e se “Hoje a dominação eterniza-se e amplia-se não só me- laboratórios, e termina, com ironia, pedindo a
apresentou a votos prometeu criar empregos”, afirmou Mário diante a tecnologia, mas como tecnologia; e esta pro- um governante que passe por lá a oferecer o
Nogueira, dirigente da Fenprof. porciona a grande legitimação ao poder político ex- que faz mesmo falta. É aqui que é necessário
Meia Hora pansivo, que assume em si todas as esferas da cultura. voltar a Marcuse quando ele diz que “a tec-
04.09 Neste universo, a tecnologia proporciona igualmente a nologia proporciona igualmente a grande ra-
grande racionalização da falta de liberdade do homem cionalização da falta de liberdade do homem
e demonstra a impossibilidade ‘técnica’ de ser autóno- e demonstra a impossibilidade ‘técnica’ de
mo, de determinar pessoalmente a sua vida. Com efeito, ser autónomo, de determinar pessoalmente a
CGTP quer aumento esta falta de liberdade não surge nem irracional nem sua vida”. A tecnofilia como ideologia gover-
de 5,8% no salário mínimo como política, mas antes como sujeição ao aparelho nativa, racionaliza essa falta de liberdade que
A CGTP reivindicou ontem um aumento de 5,8% para o Sa- técnico que amplia a comodidade da vida e intensifica a consiste em dizer paternalmente - tomem lá
lário Mínimo Nacional, de modo a que o seu valor passe para produtividade do trabalho. A racionalidade tecnológica o que vos dou, que eu é que sei do que é
426,5 euros em Janeiro de 2008 e respeite o compromisso protege assim antes a legalidade da dominação em vez que vocês precisam – e expõe à vista de to-
de chegar aos 450 euros em 2009 e aos 500 euros em 2011. de a eliminar e o horizonte instrumentalista da razão dos as contradições da nossa modernidade
Entretanto, o Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado abre-se a uma sociedade totalitária de base racional”1 (sempre) inacabada.
(STE) revelou ontem que o poder de compra dos trabalha- Repito: não estou a discutir os benefícios des-
dores da Administração Pública diminuiu mais de 10% nos Vale a pena recordar estas palavras de Marcuse numa época tas tecnologias para o ensino e a aprendiza-
últimos sete anos. Na apresentação da proposta de actuali- em que, pelo país, andam ministros em corrupio a distribuir gem, pese embora eles só possam ser avalia-
zação das condições de trabalho na Administração Pública computadores pelas escolas, e o governo promove e patroci- dos a partir das formas como estão a ser inte-
para o próximo ano, o sindicato revelou que os trabalhadores na shows comerciais sobre quadros interactivos com pupilos grados na cultura organizacional das escolas.
cujos salários foram congelados em 2003 e 2004 perderam, contratados para o efeito. Na verdade, esta tecnofilia gover- Creio ainda que, no domínio das competên-
em termos acumulados, 10,3% do poder de compra. Já os nativa pode ser reconduzida à ideia que Marcuse expôs nos cias em informática e em usos pedagógicos
restantes trabalhadores não abrangidos pelo congelamento anos 60 e que Habermas, seu comentador, desenvolverá um de ferramentas informáticas, há muito a fazer.
perderam 7% desse poder. pouco mais tarde: a de que, nas sociedades avançadas, a Como qualquer pessoa compreende a mera
Destak técnica e a ciência funcionam como ideologia ao proporcio- instalação de uma rede informática não ga-
05.09 narem e garantirem, como defende Marcuse, “a grande legiti- rante que ela seja efectivamente aproveitada e
mação ao poder político expansivo”. potenciada, além de que exige recursos para a
A questão, bem entendido, não é saber se as escolas preci- sua manutenção e reparação quando há ava-
OE 2008 não cobre sam ou não de computadores, ou de quadros interactivos, rias. Mas sejamos optimistas: quando a rede
salários em mais de metade das nem tão pouco discutir os benefícios da introdução alarga- e o material informático da escola do leitor do
universidades da dessas ferramentas nas práticas de ensino e aprendiza- Público se avariar, ou tornar obsoleto, o canali-
As verbas do Orçamento do Estado que vão ser transferidas gem desde o ensino básico. A questão é: porque precisam zador e o reparador de telhados vão finalmente
para as instituições de ensino superior no próximo ano não as escolas de visitas ministeriais transformadas em autênti- chegar. Li algures que há um ditado americano
cobrem as despesas com pessoal em oito das 14 universi- cos “potlatch” tecnológicos? A minha resposta é: as escolas que diz “a um homem com um martelo, tudo
dades públicas. Nos politécnicos, são afectados cinco dos não precisam, mas o marketing político sim. A imagem de um parece um prego”; aqui é caso para dizer, a um
15 institutos (…). Em 2008, a dotação pública do ensino governante oferecendo portáteis ou visitando uma imacula- governante com um laptop para oferecer, tudo
superior cresce ligeiramente, mas de forma residual: as ver- da sala de aulas equipada com computadores só pode tra- parecem sondagens e uma radiante caminha-
bas a distribuir directamente pelas instituições passam dos zer benefícios: nem sequer é preciso dizer nada, os objectos da em direcção à modernidade.
970,5 milhões de euros de 2007 para 977,1 milhões (cresce mostrados já dizem tudo, são modernos, ou melhor, levam a
0,68%). Açores, Algarve, Madeira, Trás-os-Montes, Aveiro, modernização àquelas pessoas e àqueles sítios pelas mãos Filipe Reis
Évora, ISCTE e Beira Interior são as universidades que têm daqueles modernizadores. Instituto Superior de Ciências do Trabalho
uma situação mais delicada. Nos politécnicos, Tomar, Bra- No mesmo dia em que termino a escrita deste texto um leitor e da Empresa (ISCTE), Lisboa
gança, Portalegre, Guarda e Viana do Castelo são os que se do Público escrevia isto numa das “Cartas ao Director”: “Na
vêem mais afectados na capacidade de cobrir os salários atra- minha escola (...) não há grande falta de computadores. O pro-
vés das verbas do OE de 2008. blema desta escola é que, no ano passado...”.2 De seguida, 1 Citação de Herbert Marcuse colhida no livro de Habermas, Técnica e Ciência
Jornal de Negócios o leitor fala de casas de banho fechadas por falta de arranjo, como Ideologia, Ed. 70, p.49
11.09 chuva nos pavilhões e no ginásio e falta de material para os 2 Publico nº 6379 de 16/9/07

a página da educação · outubro 2007


0 / DO PRIMÁRIO 

Dislexia

Volto ao questionável acto de rotular e tratar alunos que a professora regular não era entendida em dis- Tito fez o trabalho que o grupo o ajudou a fazer (a
como “deficientes”. Trago-vos dois episódios, que po- lexias. pressão social justa e fraterna resulta sempre…), ape-
dem ilustrar uma realidade oculta: há fenómenos de in- Uma semana de ociosidade depois, o professor apro- sar de “trocar umas letrinhas”, como depois comen-
comunicabilidade nas nossas escolas, cuja responsa- ximou-se do moço: tou, pedindo desculpa pelo que não devia. Perante a
bilidade não deve ser imputada somente às escolas. Então?... Desde que chegaste, ainda não fizeste nada. afável autoridade do professor e a persuasão exerci-
A Bárbara é uma aluna com dislexia. A professora O aluno não estava diagnosticado de autista, mas da pelos colegas do grupo, restava ao Tito escolher
“especial” passa pela sala, duas vezes por semana. não deu troco. O mestre insistiu: entre duas atitudes: ou fazia o trabalho, ou fazia o
Mas já confessou que (afinal) “não é especialista em E posso saber porquê? trabalho… Optou por fazer o trabalho. Qualquer outro
dislexias (sic) e que, portanto, pouco pode ajudar”… O moço fez ouvidos de mercador. “disléxico” inteligente optaria por essa hipótese.
A professora dita “regular” diz que “faz o que pode, Não me ouviste? Posso saber porquê, Tito? Imaginava o professor Luís o que se estaria a passar
mas que não se espere milagres, porque com deza- Aquele mocetão quase a fazer doze anos de idade, naquela cabecinha: “então este professor não saberá
nove alunos mais uma “disléxica” na sala, o tempo enfim, reagiu: o que é um disléxico?” É claro que o professor sabia.
não chega para tudo”… Eu sou Titinho! Não sou Tito! Você não sabe? Tanto sabia, que o Titinho – entretanto promovido a
A meio da manhã, diz a professora para a “disléxica”: Está bem, Tito. Mas diz-me por que não te vejo traba- Tito pelo grupo – foi fazendo exercícios que o ajuda-
“Vais ficar sem recreio, porque eu não consigo ler o lhar como os outros meninos. ram a ultrapassar algumas dificuldades. Porém, não
texto que escreveste!”. Resposta pronta da Bárbara: Você não sabe? todas…
“Tu não consegues ler, mas eu consigo!” A Bárbara é Não, não sei. O Tito pendurou o seu casaco, atirando ao chão ca-
disléxica, mas não é parva. Eu, na outra escola, também não fazia nada. sacos de colegas. O professor chamou-lhe a aten-
A dislexia existe! Há necessidade de identificar a dis- Ai não?... ção. O “disléxico” respondeu: Não são meus!... Pois
lexia a tempo, de modo que não se converta, defini- Não. Só quando a setora do especial lá ia é que eu não eram, mas o Tito apanhou os casacos do chão e
tivamente, num obstáculo ao sucesso e à realização fazia uns joguinhos. pendurou-os nos respectivos cabides.
pessoal. E, muito mais que identificar, é imperioso Ai sim? A mãe do Tito chegou, ao final do dia. Retirou do ca-
que um especialista, no seio de uma equipa, dê res- É. Está a ver? Eu não fazia nada. E você não me pode bide o casaco do filho, provocando a queda de ou-
posta às Bárbaras. Porém, há casos e casos, e bem obrigar porque… tro casaco, que estava pendurado num cabide adja-
diferente é o caso do Tito. Esgotada a paciência, o professor interrompeu-o: cente. O professor fitou a senhora, insistentemente.
O Titinho (como a extremosa mamã lhe chamava) Porque é que não fazias nada, na outra escola? Apercebendo-se da recriminação no olhar do profes-
chegou à escola acompanhado de um processo com Você não sabe? sor, a senhora exclamou: Não fui eu!....
cinco centímetros de altura. Eram relatórios de psi- Já te disse que não. O professor Luís afastou-se, sem dizer palavra, re-
cólogos, mais os dos pedopsiquiatras, mais os rela- É que eu sou disléxico. flectindo sobre as dislexias familiares, que fazem a
tórios das professoras de educação especial, mais Ai, tu és disléxico? Eu sou Luís! E, agora, vais pegar infelicidade de muitos Titinhos.
os dos médicos… Veredicto: “disléxico”. Tratamento: nesta folhinha e vais fazer o que o teu grupo tem no
dois anos sob orientação de uma professora “espe- plano para tu fazeres. José Pacheco
cial” mais três anos a pastar fichas, no fundo da sala, Ficou de boca aberta e sem tempo para retorquir. O Escola da Ponte, Vila das Aves

FRANCÊS E ALEMÃO
Alunos britânicos sem interesse em aprender línguas estrangeiras

O número de alunos britânicos que aprendem línguas estrangeiras é cada o número de alunos que aprendiam o francês e o alemão, disciplinas Num editorial, o diário “The Times” apelou ao governo para que valorize
vez menor. Os idiomas mais afectados são o francês e o alemão, reportam consideradas difíceis, caiu 14,4 por cento. a aprendizagem de línguas estrangeiras, defendendo o regresso à obriga-
estatísticas do ministério da Educação publicadas este mês. A mensagem que se passa aos jovens não é particularmente forte sobre o toriedade após os 14 anos: “Se para o governo não faz diferença, porque
O alemão é a língua estrangeira que registou a maior baixa com menos valor futuro do conhecimento de uma língua estrangeira, por conseguinte é que os jovens se vão interessar?”
10,2 por cento de alunos sujeitos a exame no final do ano lectivo de têm tendência a tomar outras opções”, aponta Greg Watson, director execu- Entretanto, o governo anunciou em Março que os alunos britânicos de-
2007 comparativamente ao anterior. O francês registou uma queda de tivo do comité de exames de línguas estrangeiras, indo mais longe nas suas vem iniciar a aprendizagem de uma língua estrangeira aos 7 anos.
8,2 por cento. observações: “São os empregadores que sentem a falta de competências
Em 2004, o governo britânico pôs fim ao ensino obrigatório de línguas linguísticas, no entanto, nada fazem de positivo em termos salariais para
estrangeiras para alunos maiores de 14 anos. No início escolar de 2005, valorizar quem as tem!” AL/ Fonte: AFP

a página da educação · outubro 2007


LUGARES da educação / 07

  Revista de imprensa

Um simulacro de avaliação

Ensino privado cresce


Só no ano lectivo de 2006/2007, e segundo números
preliminares do gabinete de estatística do Ministério
da Educação a que o SOL teve acesso, as escolas
particulares ganharam mais de cinco mil alunos no
básico e no secundário, o que corresponde a um au-
mento de 2,8 por cento. O privado contabiliza agora
cerca de 197 mil estudantes nestes dois níveis de en-
sino, o número mais elevado dos últimos cinco anos.
ANA ALVIM
No mesmo período, a escola pública perdeu dezenas
de milhares de alunos, tendência a que a tutela co-
meça agora a pôr travão com a aposta nos cursos Embora crítico do Estatuto da Carreira Docente (ECD) número dos envolvidos, os prazos estabelecidos e o carác-
profissionalizantes. que vigorou até à aprovação do novo ECD pelo Decre- ter centralizado-desconcentrado da decisão administrativa. A
Sol to-Lei nº 15/2007, de 19 de Janeiro, não recebi este no- escola concreta de cada docente, seja enquanto instância mi-
15.09 vo diploma favoravelmente. O seu conteúdo, em diver- nimamente responsável pela avaliação e promoção, contextu-
sas áreas, e a forma como foi aprovado, em braço-de- alizadas, dos seus professores, seja enquanto locus incontor-
ferro com os sindicatos e os professores, não auguram nável à produção de sentido e de juízo crítico sobre o currículo
Emigrantes na Alemanha nada de bom. Em qualquer caso, a principal crítica que profissional de cada um, foi uma vez mais desprezada. Os cri-
nas ruas contra falta formulei, desde as primeiras versões do documento, térios foram definidos fora e acima de cada escola, e totalmen-
de professores embora contra a opinião da maioria dos intervenientes, te a posteriori face ao desempenho objecto de pretensa avalia-
A Federação das Associações Portuguesas na Alema- foi a de que o ECD proposto insistia em criar duas cate- ção. Algo do tipo: seja educador ou professor durante mais de
nha (FAPA) manifesta-se hoje em Dusseldorf contra a gorias de professor mas, contraditoriamente, se reve- vinte ou trinta anos que depois lhe comunicaremos aquilo que
falta de professores de português naquele país, ape- lava pouco exigente, em termos substantivos, quanto virá a ser valorizado para a sua promoção a titular.
sar de o Ministério da Educação (ME) ter anunciado à avaliação do currículo académico, científico e pro- Mas o que é mais surpreendente é que o próprio currículo
que vai colocar mais docentes. Em Julho passado, fissional dos docentes, manifestando dificuldades em profissional dos candidatos, todos de nomeação definitiva,
uma professora denunciou que cerca de 900 alunos libertar-se das amarras técnico-burocráticas que vêm foi subitamente amputado, por vezes em mais de duas deze-
nas áreas de Dusseldorf, Frankfurt e Estugarda iriam dominando as escolas e os professores portugueses. nas de anos, para, por conveniência técnico-administrativa
ficar sem aulas de português porque os professores O primeiro exemplo disso mesmo aí está, em toda a e decisão discricionária, passar a incluir apenas o período
que as leccionavam se tinham reformado. “Esses seis sua expressão, com o recente concurso para professor compreendido entre 1999/2000 e 2005/2006, inclusive. Apa-
professores eram pagos pelas entidades alemãs, mas titular. Tratou-se da pior forma de iniciar a execução do garam tudo o resto das suas histórias e vidas profissionais,
reformaram-se e a Alemanha, que já desde 2000 avi- ECD, deixando claro que o regime transitório de recruta- os diferentes ciclos de desenvolvimento profissional, seus
sava Portugal que não iria contratar mais docentes, mento de professores titulares (regulado pelo Decreto- investimentos, estratégias de carreira, etc.
não os substituiu”, explicou o presidente da FAPA, Lei nº 200/2007, de 22 de Maio) recusou a possibilidade O que esta opção significou para docentes com manifesto
Vítor Estradas. de uma avaliação séria e credível dos candidatos. prestígio entre os seus pares, grande experiência e dedica-
Público Quem conhece por dentro, com profundidade e criti- ção sem falhas, por vezes anos a fio detentores dos mais
16.09 cidade, as escolas portuguesas, só dificilmente será elevados cargos escolares (os verdadeiros professores ti-
capaz de assegurar que o processo seguido terá con- tulares avant-la-lettre, mas já com provas dadas), que por
tribuído para “dotar as escolas de um corpo docente circunstâncias diversas não desempenharam, ou desempe-
Três quartos dos adultos altamente qualificado, com mais experiência e forma- nharam menos, cargos nos últimos anos, só está ao alcance
só têm ensino básico ção”, através de um concurso documental perversa- de quem conhece as escolas sem ser apenas à distância e
Não há dados para 12 as regiões comunitárias, mas mente limitado à “aplicação de uma grelha de critérios vistas de cima. E as circunstâncias de participação fluida
entre todas as outras, o panorama da qualificação dos objectivos e quantificáveis” que visaria “seleccionar os a que me refiro não são apenas de ordem pessoal. Envol-
trabalhadores portugueses é, no mínimo, desolador. docentes que revel[assem] ter melhores condições pa- vem, frequentemente, decisões dos conselhos executivos e
Começando a ler a lista das regiões com mais pesso- ra o exercício das funções específicas atribuídas a esta de outros órgãos escolares, práticas rotineiras e regras con-
as que nunca ultrapassaram a escolaridade mínima, categoria”, ou seja, a professor titular. suetudinárias por vezes criticáveis, critérios de oportunidade
entre todos os 27 países que hoje integram a União Seguiu-se a via mais fácil em termos administrativos, nem sempre claros e edificantes; quase todos conhecidos
Europeia, em último lugar aparecem os Açores (81% do que resultou um simulacro de avaliação; critérios dos docentes experientes e, tantas vezes, objecto da sua
das pessoas tem o 9° ano ou menos, ou seja, oito em burocráticos exactos e uniformes, mensuração e quan- aquiescência passiva, compreensão, solidariedade, tolerân-
cada dez), depois o Norte (80%), o Centro (78%), a tificação, um processo à prova da emissão de qualquer cia, ou mesmo interesse activo e empenhado.
Madeira e o Alentejo. Só o sexto pior qualificado, a juízo fundamentado. Em suma, um concurso sem ava- Seria altura de lhes pôr termo, dentro e fora das escolas, exi-
ilha de Malta, não é português. Mas a interrupção liação digna desse nome, reduzido à mais elementar e gindo políticas, critérios e regras claros e transparentes, nome-
é curta: logo a seguir vem o Algarve. E Lisboa não desqualificante natureza contábil, em plena contradi- adamente na designação para cargos de gestão e na atribui-
está assim tão bem qualificada quanto isso: só tem ção com a retórica oficial. ção de responsabilidades de coordenação pedagógica. A des-
quatro regiões estrangeiras pior colocadas. Consi- Por isso a “certificação das candidaturas” se revelou politização deste tipo de decisões só pode acarretar situações
derando todo o país, três em cada quatro pessoas mais importante do que qualquer outro procedimento e equívocas, surpresas desagradáveis e danos de diverso tipo.
com idade para trabalhar nunca passou do 9.° ano, o júri, a quem competia formalmente a “avaliação dos Veremos se, e até que ponto, é que será possível resgatar a
à semelhança do que acontece em Malta. Nos 27 pa- candidatos”, não chegou, de facto, a avaliá-los. Tal ta- avaliação e promoção docentes, a realizar ordinariamente no
íses, já agora, a média está pouco acima de um em refa seria sempre supérflua, e também arriscada, face à futuro próximo, deste precedente desastroso e pouco presti-
cada quatro. perfeição objectivista e à lógica positivista do respectivo giante de provimento de professores titulares.
Jornal de Notícias “formulário electrónico” de candidatura. De resto, seria Licínio C. Lima
17.09 sempre substantivamente impossível, tendo em conta o Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho

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0 / FORMAÇÃO e desempenho 

ANA ALVIM

Isto não é vida!


Começo a pensar seriamente que isto não é vida! Esta foi a expressão de desâ- Esta realidade apela a ajustamentos pelo lado da formação. As mudanças propos-
nimo de uma professora profissionalizada de Geografia ao saber que não fora tas pela Declaração de Bolonha incluem desafios nesse sentido, nomeadamente
colocada depois de sete anos de docência. Como ela, milhares de candidatos formações flexíveis e profissionalizantes. Embora concebido nesse contexto, o
viram frustradas as expectativas de continuarem ou iniciarem a actividade como Regime Jurídico da Habilitação Profissional para a Docência define uma estrutu-
professores. Habituámo-nos, ao longo de anos, por esta altura, ao confronto com ra para a formação inicial de professores do ensino básico, em dois ciclos, que
esta realidade com dimensões cada vez mais inquietantes e que, durante o resto pouco correspondem a esses – necessários – desafios. O 1º ciclo – licenciatura
do ano, fica mais ou menos silenciada. Persistem, no entanto, os efeitos de fac- – tem finalidades e utilidade pouco definidas. Seria desejável que este constituísse
tores que a vão agravando. Nos últimos dois anos a rede escolar perdeu milhares o fim de uma etapa formativa que dotasse o diplomado com competências para
de professores. Os efeitos demográficos e a orientação das políticas educativas trabalhar em áreas específicas de intervenção social. Ou, se assim o desejasse,
agravarão, por si só, a empregabilidade docente. O discurso político da qualidade, continuar, em seguida ou mais tarde, no 2º ciclo/mestrado, a sua formação nu-
da racionalização e da eficácia na educação não virá, certamente, ao encontro dos ma área de um conjunto de opções em que também se incluiria a docência. Sem
anseios dos candidatos a professores. Esperamos, pelo menos, que o impacto profundas alterações da matriz de formação apresentada no referido diploma, e
penalizador para os professores daquelas mudanças, seja compensado, na me- através de opções para aprofundamentos em áreas específicas, seria possível
dida do possível, através de investimentos sistemáticos e regulares na formação realizar, durante a licenciatura, formações profissionalizantes. Alargar-se-iam as
contínua dos professores que permanecem no sistema. opções dos diplomados no mercado de trabalho e sustentar-se-iam concepções
Apesar deste cenário de desemprego na educação e noutros sectores, o número de profissionalidade docente mais adequadas às realidades da sociedade em que
e a diversidade de diplomados estão longe das necessidades de um desenvolvi- vivemos. Aquela é mutável e desenvolve-se durante a carreira sendo feita de re-
mento normal para Portugal. Existe uma extrema debilidade da sociedade e do configurações de competências em função dos tempos e contextos. O que ho-
mercado de trabalho para integrar os que, em cada ano, vão concluindo as suas je é esperado de um professor não é, seguramente, o mesmo que há 20, 10 ou
formações e, mais do que isso, para manter muitos dos que nele já tinham sido co- mesmo 5 anos. A ideia dominante do professor enquanto prático reflexivo tende a
locados. Tem faltado a definição de opções mais claras de desenvolvimento e para centrar-se no espaço estrito da docência e obscurecer o contexto real a montante
tal, das necessidades de formação. Por esta e outras razões, algumas internas às e a jusante desse espaço. O conhecimento, a compreensão e, eventualmente, a
instituições de formação, permanece um grave desajustamento na relação entre a intervenção em áreas do domínio alargado em que se insere a docência constitui,
quantidade, a qualidade e a diversidade das formações e o desenvolvimento de- certamente, uma mais valia para a construção de uma profissionalidade mais di-
sejado. Na docência, face aos referidos constrangimentos, tem sido claramente nâmica e abrangente da realidade social.
excessivo o número de diplomados. E muitos dos que procuram lugares na docên-
cia, mesmo profissionalizados, fazem-no porque o mercado de emprego noutros Carlos Manuel Neves Cardoso
domínios não tem dimensão para os integrar. Escola Superior de Educação, ESE de Lisboa/CIED

COISAS da AMÉRICA
Cinco por cento das famílias americanas não sabem falar inglês

Quase cinco por cento das famílias americanas - 14 milhões de pessoas - não falam inglês, de acordo com os Na Califórnia, estado mais povoado dos EUA, a percentagem de lares que não falam inglês é de um em cada
mais recentes dados dos Serviços do Censo dos Estados Unidos. dez, e para 42,5 por cento dos californianos o inglês não é o idioma falado em casa. O mesmo acontece com
Dos 111,6 milhões de lares nos Estados Unidos (4,8 por cento) estão “isolados linguisticamente”, o que signi- 36,5 por cento dos habitantes do Novo México e 33,8 por cento da população do Texas (sudoeste). Em Los
fica que todos os membros destas famílias com mais de 14 anos, têm dificuldades em falar inglês. Angeles, mais de um em cada dois habitantes (53,4 por cento) fala outra língua em casa, enquanto em Miami
O idioma mais falado por essas famílias é o espanhol (27,6 por cento), seguido pelas línguas asiáticas (27,4 por essa proporção chega a 48,6 por cento.
cento). Em 2006, um em cada cinco habitantes (19,7 por cento, contra 17,9 por cento em 2000) com mais de cin-
co anos falava uma língua que não o inglês em sua casa, mas 60 por cento também falam inglês correctamente. AL/ Fonte: AFP

a página da educação · outubro 2007


LUGARES da educação / 09

  Revista de imprensa

Escolas frias dão polémica


Quatro em cada cinco escolas são frias e têm excesso de
humidade no ar. A acusação foi feita ontem pela DECO,
depois de dois estudos realizados em Fevereiro em 40
salas de aula de 20 escolas portuguesas, mas foi pronta-
mente contestada pelo ministério da Educação. Há muitas
escolas que, além de frias e húmidas, não terão ventilação
adequada nos edifícios, degradados e com ar interior de
má qualidade. Em 80 por cento das escolas, a renovação
do ar é insuficiente, segundo a DECO...
Jornal de Notícias
19.09

Portugueses figuram entre os


que mais cedo saem da escola
Apenas 26% dos portugueses, entre os 25 e 64 anos,
possui o ensino secundário. Menos de metade da média
dos restantes países da OCDE (68%). Abaixo de Portugal,

As “novas oportunidades”
só o México (21%). A média sobe se estreitarmos a fai-
xa etária. Quarenta e três por cento dos portugueses entre
os 25 e 34 anos concluíram o secundário. Mesmo assim,
Portugal continua muito longe da média da OCDE (77%)
e a “anos-luz” de países como a República Checa, onde
94% dos jovens concluem o secundário. Espanha e Itália
e a “democratização segregativa”
são os países mais próximos, com taxas de 64 e 66%,
respectivamente.
IE/FN
Jornal de Notícias
19.09
Pierre Merle, na sua análise do processo de democra- (igualdade de acesso das diferentes categorias sociais a um
tização do ensino em França1, desenvolve uma tipolo- determinado nível de ensino). E, contudo, apenas a última será
Investimento abaixo da média gia que contempla três modalidades de democratiza- capaz de desafinar a correia de transmissão que transmuta
Portugal gasta anualmente 5030 euros em despesas de ção: uniforme, igualizadora e segregativa. No primeiro desigualdades sociais em desigualdades escolares que vão le-
educação por aluno, desde o ensino básico até ao supe- tipo, a democratização do ensino traduz-se num in- gitimar novas desigualdades sociais, refundando a educação
rior, estando no 23.° lugar entre os 34 países analisados vestimento generalizado de todos os grupos sociais como campo de emancipação e de maior justiça social.
pela OCDE. Com menor investimento do que Portugal na escolarização da respectiva prole, proporcionan- Estas considerações surgem como necessárias à problema-
ficam apenas seis países europeus: Grécia, a República do-lhe mais anos de estudos, mantendo-se, contu- tização e questionamento da bondade da muito propalada
Checa, Hungria, Estónia, a Polónia e a Eslováquia. No fim do, a décalage entre os vários grupos. No segundo “Iniciativa Novas Oportunidades”, nomeadamente no eixo de
da tabela constam ainda México, Turquia, Chile, Rússia caso (democratização igualizadora), o alongamento intervenção jovens. Se “fazer do nível secundário o patamar
e Brasil. Nos diferentes níveis de ensino, Portugal surge do nº médio de anos de estudos surge acompanha- mínimo de qualificação para jovens e adultos” se nos afi-
sempre abaixo da média dos países da OCDE. Assim, nos do de uma diminuição do hiato entre os diversos gru- gura como um objectivo socialmente louvável, concretizá-lo
gastos com o primeiro e segundo ciclos do ensino bási- pos, desde logo porque os mais favorecidos, primeiro pela expansão da oferta das fileiras menos prestigiadas do
co, Portugal despendeu 4054 euros, menos 997 do que a nos níveis iniciais, foram progressivamente atingindo secundário, segmento com clara sobre-representação das
média da OCDE. Já no terceiro ciclo do básico e ensino a “saturação” com taxas de escolarização de 100%. categorias sociais mais desfavorecidas (cursos profissio-
secundário foram gastos por ano e por estudante 5342 eu- Contudo, como salienta Duru-Bellat (2006: 20), “mais nalizantes), e que proporcionam acesso às ocupações com
ros, enquanto a média da organização se situa nos 6301. estudos para todos não quer dizer os mesmos es- remunerações mais modestas, pode criar a ilusão de uma
No ensino superior, o investimento do Estado português é tudos para todos.”2 É aqui que entra o conceito de certa democratização (desde logo quantitativa), e até melho-
de 6703 euros contra uma média de 9613 euros. democratização segregativa. Este tipo de democra- rar a posição do país no ranking europeu da escolarização
Global Notícias tização do ensino, em expansão em geografias só- (sempre importante para fins de “cosmética política”), mas
19.09 cio-políticas bastante diversas, incluindo Portugal, muito provavelmente não corrigirá as assimetrias e as desi-
pretende dar conta da coexistência de fenómenos de gualdades, antes as recomporá e diferirá no tempo.
crescimento generalizado das taxas de acesso dos Esta medida de política educativa enquanto “tecnologia so-
Superior está a aumentar vários grupos sociais a um determinado nível de es- cial” (Grácio, 1986)3 parece cumprir aqui a importante função
propinas até ao máximo colarização (por exemplo, o secundário), com reforço de reorientar certos grupos de jovens no sentido da escolha de
O valor da propina anual no 1.° ciclo do Ensino Supe- das desigualdades nas oportunidades de acesso às certas fileiras (por exemplo através de condições de frequência
rior (licenciatura), também aplicado em muitos casos nos várias fileiras desse nível de escolaridade. Neste caso, aparentemente mais vantajosas para os que fizerem essa op-
mestrados integrados, sofreu uma subida generalizada no parafraseando Duru-Bellat, não será tanto o concluir ção), preservando outras (as que conferem acesso às posições
sector do Estado. Há 18 instituições, entre universidades e (ou não) o secundário que faz a diferença, mas o tipo sócio-profissionais mais gratificantes) como “reservas sociais”
faculdades, que se colaram à propina máxima legal, isto é, de secundário concluído. de acesso limitado aos herdeiros no sentido bourdieusiano do
949,14 euros. Os aumentos chegam a atingir os 22,81%. O que diversos estudos demonstram é que, apesar termo. Neste caso, a “democratização quantitativa” convive (e
Contrariando a lei 49/2005, de 30 de Agosto, muitas uni- de a percentagem de crianças e jovens oriundos de encobre) a “democratização segregativa” pois, apesar de gerar
versidades aplicam a mesma propina para todos os cur- meios populares terem globalmente aumentado nos “excluídos do interior” (Bourdieu), confere uma aparente face
sos, não distinguindo, por exemplo, Medicina de Letras. vários níveis e fileiras de ensino, essa evolução foi de legitimidade ao sistema deslocando, sub-repticiamente, o
(…) Universidades com cursos de áreas tão distintas bastante diferente nos distintos percursos escolares. ónus da exclusão para os ombros dos excluídos.
quanto Engenharias, Ciências Sociais, Letras e Medicina Por isso, observa Duru-Bellat, “a democratização, real Virgínio Sá
- curso com o índice de custo mais elevado nas regras a certos níveis, não é antinómica com uma hierarquiza- Instituto de Educação e Psicologia (IEP) da Universidade do Minho
oficiais de financiamento do Estado - optaram por fazer ção social crescente dos diferentes itinerários” (idem.
tábua rasa da lei, aplicando a mesma propina em todos Ibidem). Na verdade, como sustenta Antoine Prost, a
os casos. É assim nas universidades de Coimbra, Porto, democratização “quantitativa” (crescimento do acesso 1 Merle, P.(2002). La Démocratisation de l’enseignement. Paris : La Découverte.
Beira Interior e Minho. aos diferentes níveis do sistema educativo das crian- 2 Duru-Bellat, M. (2006). L’inflation scolaire. Paris: Seuil.
Jornal de Notícias ças de categorias sociais desfavorecidas), não asse- 3 Grácio, S. (1986). Politica educativa como tecnologia social. As reformas de ensino técnico de 1948 e
21.09 gura necessariamente a democratização “qualitativa” 1983. Lisboa: Livros Horizonte

a página da educação · outubro 2007


10 / ENTRELINHAS e rabiscos 

res cheio de injustiças que se espelhava


agora também na ausência de alguns
colegas; e embora sejamos profissio-
nais correctos, os nossos olhos fingem
mal, perante os alunos, as tristezas cau-
sadas por tantas mudanças – às vezes
necessárias – mas levadas a cabo tan-
tas vezes de forma estonteante.
Entre outras, calhou-me a turma de
Desporto. Equipas “famosas”. Lá fui.
Afinal a turma é impecável, raparigas e
rapazes cheios de vontade de aprender.
Conversar sobre futebol (eu que não
percebo mesmo nada…) e tentar expli-
car que há outras modalidades despor-
tivas igualmente importantes. Achei que
ia ser difícil, num país em que os jornais
dedicam ao futebol um número de pá-
ginas bem superior ao que dedicam a
todas as outras dezenas de modalida-
des; num país em que qualquer canal
ANA ALVIM
televisivo põe tudo quanto é cão ou ga-

A turma de desporto
to (poetas, pintores, escritores, desig-
ners, jornalistas não desportivos, enfim
gente com “responsabilidade” e que se

para António Vitorino de Almeida preocupa pouco se a sua arte é ou não


divulgada entre as populações – gente
“culta”) a falar sobre o “desporto-rei”;
ou melhor, a discutir horas quantos cen-
Quando a rentrée se aproximava verti- cada dia que tivesse subido e todos in- tas, a nível discente e também no que tímetros quadrados da mão de Scollari
ginosamente, nós, os professores, cos- teriorizaram mais uma vez que os alu- diz respeito a professores, parece boa a assentaram na cara do outro; num país
tumávamos sentir, em conjunto com nos precisam de manuais como de pão notícia de que vamos ter câmaras para em que os especialistas/cientistas na
um leve sabor amargo de fim de férias, para a boca, o que não é verdade. Pelo segurança da comunidade. Tão sozinhos área - que os há em Portugal da melhor
o entusiasmo pelas novidades que o menos competiria aos responsáveis do estamos - e somos já quase todos só “os qualidade – raramente vão à televisão.
novo ano escolar nos traria, principal- ME esclarecer a população a este res- mais velhinhos” - que a coisa se começa Perante este dilema voltei em pensa-
mente em relação à distribuição de ser- peito. Mas louve-se a justeza relativa da a tornar perigosa. Pouca gente esclare- mento às férias e lembrei-me do Ma-
viço. Este ano, não sei bem por que ra- boa nova da obrigatoriedade de manter ceu que não foram simplesmente 45 mil estro António Vitorino de Almeida, com
zões, muitos de nós escorregaram para o manual durante seis anos. professores que ficaram sem emprego; vários convidados, em espectáculos
a escola como quem vai pela primeira Nada nos deve espantar daqui para a a senhora ministra da educação esque- apoiados pela Câmara de Caminha, de
vez até à cadeira do barbeiro, cheio de frente depois de vermos uma primeira ceu-se de frisar bem que pelo menos 17 aldeia em aldeia, a mostrar coisas de
medo de vir de lá sem uma orelha. página do “Público” com grande cha- mil perderam o emprego; isto é: já tinham qualidade, da música dita clássica, ou
É ainda um tempo em que vimos ha- mada e foto da inauguração de algo trabalhado alguns anos e não tiveram lu- não, àqueles que pareciam a priori ter
bituados a poder ler o jornal de fio a numa escola, em que um prelado faz gar: há menos alunos e os professores outros gostos, se se permitir a imagem,
pavio, como devia ser todos os dias a respectiva aspersão, na presença que ainda estão nas escolas passaram a que pareciam gostar só de futebol. E
apesar do péssimo serviço que tantas da Senhora Ministra da Educação e ter mais horário lectivo. Que geração se- os centros culturais a abarrotar de Po-
vezes nos é prestado. em que o senhor Primeiro Ministro se rá esta que vai ser educada nas escolas vo, em pé, a aplaudir. E a minha sin-
Todos os órgãos de informação fala- benze; tudo isto, certamente dentro do só por pessoas com mais de 45 anos? gela homenagem a ficar aqui, perante
ram na questão dos preços dos manu- respeito pela liberdade religiosa de ca- Há-de ter repercussões e dar para alguns alguém que ainda se preocupa com a
ais escolares; os tablóides e os outros, da um, mas esquecendo-se suas ex- estudos das Ciências Sociais… dignidade e a identidade nacionais.
os que dizem não o ser, alertaram meio celências que representam ali os prin- Lá fui então até à escola. Ao contrário Gostava de ver aqueles comentadores
mundo para essa questão, esquecendo cípios da Constituição da República do que num diz-se-que-disse-e-que- de sofá das nossas televisões por esse
todas as outras que o uso exagerado Portuguesa, segundo a qual a escola diz várias vezes repetido na RTPN, não país fora, nas férias, com o Maestro.
destes instrumentos de trabalho pode é laica; convém até interrogarmo-nos estávamos ali com vontade de fazer cair Se António Vitorino de Almeida me des-
provocar; e neste apreço pelo desvio da se não se trata de um acto anticonsti- em cima dos alunos a nossa amargu- se a honra de ser professor na minha
atenção dos pais em relação às ques- tucionalissimamente (como eu gostava ra profissional (ninguém, poderia, aliás, escola, a turma de desporto era para
tões essenciais (ignorância ou inten- desta palavra quando era jovem estu- dizer uma coisa dessas); somos profis- ele. Para falar de futebol e de música.
ção?) acabaram por ser bem servidos dante…) grave. Como cidadão (a mi- sionais e muito dignos; porém, neste De vida e de educação.
pelo Ministério da Educação (ou vice- nha convicção religiosa não interessa primeiro dia de aulas notava-se já um
versa?); toda a gente discutiu o preço aqui…) sinto-me confuso. cansaço que vinha do ano anterior: uma José Rafael Tormenta
dos manuais como se fosse o pão de Agora que a escolas estão a ficar deser- frustração por um concurso para titula- Escola Secundária de Oliveira do Douro

RISCO DE VIDA NA SOMÁLIA


Fome ameaça de morte milhares de crianças

Milhares de crianças correm o risco de morrer à fome devido à desnutrição severa que assola as regiões do Desde Janeiro, o número de somalianos que têm necessidade de ajuda humanitária passou de um para um
centro e do sul da Somália, anteriormente consideradas o “sótão de trigo” de um país devastado por 16 anos milhão e meio, de acordo com a mesma fonte. O país conta com cerca de 10 milhões de habitantes.
de guerra civil. O alerta vem da UNICEF: “Um total de 83 mil crianças sofrem de desnutrição e 13.500 destas As forças governamentais somalianas, apoiadas pelos seus aliados etíopes e pela força de paz da União africana,
crianças são atingidas por uma desnutrição severa correndo o risco de morrer.” “A desnutrição não é uma novi- não chegam a fazer cessar a guerrilha que actua em Mogadíscio há oito meses. O governo de transição, instau-
dade na Somália. Contudo os níveis também críticos atingidos na região conhecida como o ‘sótão de trigo’ do rado há três anos, não pode exercer o seu controlo sobre este país dirigido por clãs desde a queda, em 1991, do
país são alarmantes”, sublinha a UNICEF acrescentando que “a continuação da violência em Mogadíscio pode presidente Mohamed Siad Barra, que marcou o início da guerra civil em que a Somália está mergulhada.
provocar novas deslocações de populações.” AL/ Fonte: AFP

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DISCURSO directo / 11

  Sublinhado

Territórios
de acesso
reservado IE/FN

Em pleno sudeste asiático, encostada à China, à Ín-


Das sociedades mediáticas como
dia, ao Bangladesh, à Tailândia e ao Laos, a Birmânia
volta a estar no centro das atenções dos órgãos de
comunicação social com novo fôlego da oposição
objecto de reflexão educativa
democrática a tentar uma alteração ao regime de di-
tadura militar que vigora no país. A destruição, numa plantação algarvia, de um popular, constrói-se, na prática, através de modalidades mais
hectare de milho transgénico, em 73 hectares ou menos subtis e poderosas de modelagem das crenças e
Aung San Suu Kyi, Prémio Nobel da Paz e rosto em- possíveis, foi elevada à categoria de uma ma- de orientação das perspectivas sobre o mundo e os aconte-
blemático da resistência birmanesa, actualmente em nifestação de carácter terrorista por uma par- cimentos que acabam por condicionar aquele voto.
prisão domiciliária, já depois de uma nova detenção te significativa dos fazedores de opinião que a No debate público sobre educação, um dos principais pro-
arbitrária nas prisões do regime, ocorrida este ano, imprensa portuguesa vai acolhendo. Ainda que blemas dos personagens que se situam no campo político
apareceu à porta de casa para saudar manifestantes reconheçamos ser esse um acto ilícito, não dei- democrático tem a ver com as dificuldades em lidar com o
que protagonizam o presente movimento. xamos de confessar a nossa perplexidade pe- tipo de debate e de acção que ocorre nas sociedades medi-
rante um julgamento tão severo. Que tipo de áticas. Por vezes, entendem-se tais dificuldades como uma
Na primeira linha destas manifestações mostram-se terroristas são estes que, perante a presença de manifestação de incompetência, sem se cuidar de saber se
monges budistas, o que revela o profundo isolamen- um diminuto contingente da GNR, interrompem, não será, antes, uma manifestação de impotência no âmbito
to em que se encontra a Junta Militar que sufoca o de imediato, a acção que protagonizavam, sem de um jogo onde a margem de manobra daqueles persona-
país à frente de um regime tão ilegítimo e agarrado oferecer resistência e deixando-se identificar? gens não é tão ampla como alguns querem fazer crer. É que
ao poder que não hesita em assassinar quem ouse Só por ingenuidade é que poderíamos acredi- já sentimos na pele, e de que maneira, a manipulação de-
manifestar-se contra, mesmo que sejam monges. tar que estamos, apenas, perante uma reacção clarada de dados que, sugeridos nos títulos dos jornais, são
A Junta proibiu os ajuntamentos de mais de cinco emocional, e por isso excessiva, de mulheres e completamente contraditórios com os relatórios de onde fo-
pessoas, decretou o recolher obrigatório na capital e homens maduros e vividos que se sentem afec- ram extraídos. Já sentimos na pele como a valorização de al-
declarou o centro da cidade local de acesso reserva- tados pela dor do dono da plantação. Só por in- gumas declarações sobre educação e escolas são avaliadas
do, eufemismo normalmente utilizado para caracteri- genuidade é que não atribuiríamos nenhum sig- não pela plausibilidade e pelo rigor das mesmas, mas pelo
zar zonas de Guerra. Há notícias do assassínio de três nificado ao facto da generalidade da imprensa estatuto que a imprensa atribui àquele que as profere. Um
monges que integravam uma manifestação. ter ignorado os alimentos transgénicos como estatuto que quantas vezes se constrói como um exercício
fonte de debate, ao contrário do que é habitual de maledicência que se limita a explorar o medo, a ignorân-
Este ciclo de protestos contra o regime iniciou-se em acontecer em casos que envolvam um tipo de cia e as evidências de uma realidade que parece dispensar a
Agosto com manifestações convocadas para reagir controvérsia pública equivalente àquele que te- análise cuidada e criteriosa.
a uma situação também sufocante, no plano econó- mos vindo a analisar. Sabemos que aquilo que definimos como realidade foi sem-
mico, para as populações, sem meios mínimos para É por causa destas e de outras que importa per- pre, e de algum modo, produto do olhar que aborda e inter-
sobreviver com dignidade num cenário de inflação guntar até que ponto é que as sociedades me- preta essa realidade. Isso não significa, contudo, que esse
galopante. diáticas acabam por ser um instrumento de des- olhar justifique uma leitura arbitrária da mesma ou, pelo me-
truição, a prazo, de sociedades que se intitulam nos, que o arbitrário de todos os olhares não possa e não
Pior e sem perspectivas de um qualquer exílio, vivem como democráticas. Trata-se de uma questão deva ser tão controlado quanto possível, sobretudo quando
os iraquianos, território de acesso tão militarmen- pertinente, sobretudo quando se vê aceitar a gera notícias e comentários com um impacto público como
te reservado que a admitida retirada dos ocupantes manipulação como modo de comunicação es- aquele que é suposto a imprensa gerar. O problema das so-
poderá ser tão mortífera quanto a permanência da trategicamente aceitável numa sociedade onde ciedades mediáticas, então, não tem tanto a ver com a ar-
ocupação – a situação vivida é tão má que parece as regras da intercompetitividade se assumem bitrariedade da leitura daqueles que são os seus mentores,
preferível a humilhação da perda de soberania. como as regras da vida, legitimando-se, assim, mas com as razões que justificam, incentivam e difundem
a lei do mais forte como modo de governação essa mesma arbitrariedade, de forma a que esta não só se
George W. Bush insiste em adiar a data para a retirada inevitável. É uma questão, igualmente, pertinen- torne aceitável, como constitua, igualmente, o fundamento
das tropas americanas, apesar do Senado começar te quando se contribui, de forma deliberada, pa- das leituras que se tornam inevitáveis à força de serem di-
a falar na necessidade dessa decisão, agora que se ra que nos transmutemos de actores sociais em vulgadas por um núcleo restrito de comentadores e de pro-
aproximam as eleições presidenciais norte-america- consumidores de uma realidade que tende a ser jectos editoriais que se caracterizam mais pelo que têm em
nas, muito mais sentida e mais desejada. Bush não entendida como uma espécie de «reality show» e comum do que por aquilo que os diferencia.
pode ser reeleito e os que querem suceder-lhe prefe- não como uma instância em cuja construção, de O que fazer?
rem parecer mais diplomáticos do que guerreiros. algum modo, todos participamos. É, finalmente,
uma questão pertinente quando sabemos que Ariana Cosme
Júlio Roldão o controlo político nas sociedades mediáticas Rui Trindade
Jornalista. Porto embora se afirme juridicamente através do voto Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto

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12 / RECONFIGURAÇÕES 

IE/FN

Levando as diásporas ao mercado: erguendo o


talento (e o patriotismo) nas economias nacionais
Na corrida para se tornarem globalmen- vestigadores de outros países. ge com uma ‘terceira via’ de solução Mundial, Programa Conhecimento para
te competitivas, as economias funda- Estas iniciativas ligadas ao ‘conheci- para este problema. Trata-se de uma o Desenvolvimento, Diásporas das Altas
das no conhecimento, os governos, as mento’, ‘talento’ e ‘competitividade solução que também foi considerada Qualificações e Migração dos Talentos,
empresas e as organizações em todo o global’ ressuscitaram um velho deba- apelativa por agencies multilaterais, revela que o Banco privilegia as redes
mundo deram prioridade a políticas e a te acerca da fuga dos cérebros, par- como o Banco Mundial, particularmen- de diáspora que são fracções da classe
programas visando a produção, recru- ticularmente quando os cérebros em te quando essas diásporas são redes capitalista internacional. Possuem um
tamento e retenção de futuros inovado- consideração provêm daquelas par- profissionais cujos membros são vis- bom conhecimento daquela que um
res, de ‘talentosos’, e ‘altamente quali- tes do mundo que mais têm a perder tos como tendo um pé em cada um dia foi a sua cena ‘local’ e são assumi-
ficados profissionais’. “A competitivida- com isso, isto é, os países com baixos dos campos; localização e acesso ao dos como sendo agentes dispostos a
de da América”, escreveu o presidente rendimentos. Trata-se também de uma conhecimento, qualificações e recur- participar numa procura de capital para
da Microsoft Corp, Bill Gates, numa questão política sensível, dado o foco sos no ‘norte’ e um sentido de dever novos mercados. São, como diz Anna
coluna no Washington Post em 2007, do desenvolvimento da agenda desde em relação às suas origens no ‘sul’. É Saxenian na sua investigação sobre Si-
depende de “…um só factor crítico: os anos 1990; a realização das Metas também uma opção a ser explorada licon Valley, os novos Argonautas – os
inovação… o nosso estatuto enquanto de Desenvolvimento do Milénio visa- pelos governos e empresas nacionais, aventureiros económicos globais e os
centro mundial de novas ideias, não po- vam a redução da pobreza global e o desejosas de se envolverem com o co- investidores pioneiros do século XXI,
de ser assumido como algo garantido. incremento do crescimento económi- nhecimento, qualificações e estabele- cujos conhecimento e qualificações
Outros governos estão a acordar para co e a atribuição de uma maior prio- cerem conexões com os seus patrio- podem ser postos a funcionar em fa-
o papel vital que a inovação desempe- ridade ao conhecimento pelas agên- ticamente considerados concidadãos. vor do desenvolvimento. O seu talento
nha na competitividade”. E Gates con- cias multilaterais para impulsionar o Em vez de estes trabalhadores globais para furar caminho, para conseguir os
tinua argumentando que duas transfor- processo de desenvolvimento. Edu- serem incentivados a desenvolver ati- melhores contactos e para fazer dinhei-
mações são necessárias se os Estados cação, conhecimento e qualificações tudes mais cosmopolitas, são reforça- ro de uma boa ideia pode servir assim
Unidos quiserem manter a seu domínio foram assumidos como centrais para dos o nacionalismo e o respectivo sen- como um ponto de entrada nos novos
económico global; a reforma radical da a realização destas agendas. Contu- tido do dever. Algumas destas iniciati- mercados, neste caso nos países em
educação escolar, e a introdução de do, perante factos como 1 em cada vas nacionais figuram como sucessos desenvolvimento. Ao assumirem o pa-
mudanças no sistema de emigração 10 pessoas adultas com educação ter- nos relatórios do Banco Mundial , por pel de intermediários culturais também
como consequência dos acontecimen- ciária são nascidas nos EUA, Austrá- exemplo GlobalChile (Chile), Red Cal- reduzem os custos de transacção as-
tos gerados em torno do 11 de Setem- lia ou na Europa Ocidental, em 2001, das (Colômbia), Redde Talentos (Méxi- sociados ao facto de se fazer negócio
bro, no sentido de fazer reflectir sobre ou como 30 a 50% da população no co) e KEA-NZ (Nova Zelândia). Pode- em territórios não familiares. A fuga de
a importância de trabalhadores estran- mundo em desenvolvimento formada mos ser encorajados, pois, a ler esta cérebros transformou-se agora em cir-
geiros altamente qualificados. no campo da ciências e da tecnologia ‘terceira via’ praticada pelo Banco culação de cérebros e em lucro, valen-
Gates não está sozinho neste aspecto. vive no mundo desenvolvido, podemos Mundial como uma solução ganhador- do não só aquilo que está a ser posto
Do outro lado do Atlântico, a Comissão ver as contradições e tensões, nos paí- ganhador para um assunto particular- em circulação e as suas implicações
Europeia lançou uma série de iniciativas ses desenvolvidos, entre as estratégias mente complexo. para o desenvolvimento, mas também
com o objectivo de tornar a Europa a orientadas para a procura de talentos e À primeira vista, o empenhamento do os interesses de classe da própria re-
sociedade do conhecimento mais com- o compromisso com o desenvolvimen- Banco Mundial na promoção das diás- de de diáspora. Estas redes, assim, ac-
petitiva do mundo. Estas iniciativas in- to dos países com baixos rendimentos. poras de qualificações como um me- tuam como pontos de penetração de
cluem políticas internamente orientadas Segundo algumas estimativas, haverá canismo de desenvolvimento é apelati- ideias neo-liberais; de capital produtivo
para ‘mobilizar o poder dos cérebros da mais cientistas africanos a trabalhar vo. O Banco Mundial, aparentemente, e de investimento, e são as condutas
Europa’, para recrutar os talentos mais nos EUA do que em África. é sensível às necessidades dos países para a circulação da base estrutural e
brilhantes dos países não pertencentes A ‘opção diáspora’ - que está a apelar em desenvolvimento e à falta de conhe- ideacional de uma macro-ordem pós-
à União Europeia, e iniciativas legislati- aos sentimentos patrióticos dos ‘na- cimento e de qualificações. Contudo, fordista globalmente integrada.
vas para agilizar o acesso aos talentos cionais’ e residentes fora do país no há uma outra forma de ler o interesse
estrangeiros através de um ‘uma auto- sentido de regressarem, numa espécie do Banco Mundial nesta questão. Um Susan L. Robertson
rização científica’ de residência para in- de ‘remessa de conhecimento’, emer- olhar mais atento à iniciativa do Banco Universidade de Bristol, Uk

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E AGORA professor? / 13

  Erva Moira

Tribalismo parece
atravessar o tempo

Senado americano
aprova divisão do Iraque
em estados étnicos
O Senado dos Estados Unidos aprovou em Setembro um pla-
no para dividir o Iraque em três estados, de acordo com as
suas etnias, apresentado como a única solução para encerrar
a guerra e retirar as tropas americanas, que ocupam o país
desde a invasão em 2003.
O Senado aprovou a proposta por 75 votos a favor e 23 con-
tra. O plano foi apresentado pelo senador democrata Joseph
Biden. Traçado com a assessoria de Leslie Gelb, especialista
em política externa da administração do ex-presidente Jimmy
Cárter, a ideia é estabelecer um sistema federal, sustentado na
Constituição iraquiana, que dividiria o país em três entidades
- curda, chiita e sunita - com um governo federal sediado em
Bagdad encarregado da administração dos lucros do petróleo
e da segurança nas fronteiras.
A divisão do Iraque em função das diferentes comunidades
maioritárias (curda, chiita e sunita) é recusada pelo governo de Profissões que se aprendem e
George W. Bush. O líder do partido Democrata no Senado, Harry
Reid, disse que “a adopção da emenda Biden reflecte o impor-
tante reconhecimento por parte do Senado de que a reconcilia-
que dificilmente se ensinam...
ção política deve ser o objectivo essencial dos iraquianos”.

Esta reflexão surge no seguimento da apresentada no jornal A escola “cria” e licencia profissionais espe-
Tribo que vive isolada A PÁGINA, nº 168, de Junho 2007, em que o enfoque princi- cializados nas mais diferentes áreas, inclusi-
é descoberta na fronteira pal radicava nas questões do ensino e da aprendizagem do ve para a área social, mas continua a haver
entre Brasil e Peru voluntariado. espaços sociais para os quais a escola não
Indígenas que vivem isolados foram vistos na região ama- Como refere Ricardo Vieira (2006), relativamente ao volunta- licencia nem prepara.
zónica peruana perto da fronteira com o Brasil, informaram riado e ao modo de ser assistente social, seja de uma forma Nesta área, a educação não formal, a apren-
nesta quarta-feira o Instituto de Recursos Naturais do Peru profissional, seja de modo informal, provavelmente estaremos dizagem ao longo da vida e o voluntariado
(Inrena) e a Sociedade Zoológica de Frankfurt. De um peque- mais perante um processo de aprendizagem do que de ensi- são vitais para a formação de futuros profis-
no avião que sobrevoava o Parque Nacional do Alto Purus fo- no, como, de resto, parece acontecer com outras profissões sionais. Os Assistentes Sociais são um exem-
ram localizados cinco abrigos construídos recentemente com que tocam o âmbito social, entre as quais a de professor co- plo concreto deste processo, como tenciono
folhas de palmeira e 21 indígenas, entre mulheres, crianças e mo tem sido abundantemente estudado (Nóvoa, 1987; Vieira, vir a reflectir aqui mais vezes.
jovens, que saíram para observar a aeronave, dispersando-se 1999b). Mas outras profissões haverá em que esse processo
em seguida, segundo as instituições. Num segundo sobrevoo se encontra igualmente presente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
uma mulher foi vista segurando flechas com uma expressão Na minha pesquisa de doutoramento sobre as Trajectórias ·  ABRAHAM, A. (1984). L´Enseignant est une Personne, Paris: Les Édit. ESF.
de enfrentamento. O resto do grupo, que se refugiava sob a Pessoais, (re) construção identitária, representações e práti- ·  BOURDIEU, Pierre (1980). Le Sens Pratique, Paris: Minuit.
vegetação amazónica, foi avistado logo depois, segundo o In- cas profissionais dos Assistente Sociais, estudo a maneira de ·  NÓVOA, A. (1987). Les Temps des Professeurs, 2 vols, Lisboa: INIC.
rena. Os indígenas estavam numa praia, numa das margens ser dos profissionais do Serviço Social, seus modelos de ac- · JOSSO, Marie Christine (2002). “As dimensões formadoras da escrita da narrativa
do rio Las Piedras, que fica dentro do parque do Alto Purus, ção e convicções de intervenção social, com base no estudo da história de vida: da estranheza do outro à estranheza de si” in JOSSO, Marie
na região de Madre de Dios, 1.100 km ao sul de Lima. Os téc- da designada escola paralela, ou escola de vida, para além da Christine (2002). Experiências de vida e formação, Lisboa: Educa, (pp. 130-146).
nicos do Inrena e da sociedade alemã encontraram também educação formal que confere o diploma. · HALL, Stuart (1997). [1992]. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade, Brasil:
cinco acampamentos abandonados noutras áreas do mesmo Nesta pesquisa o conceito de habitus (Bourdieu, 1980) assu- DP&A Editora.
rio. Estes grupos nómadas deslocam-se voluntariamente num me particular importância. Com este conceito, Pierre Bour- ·  LAPLANTINE, F. e NOUSS, A. (2002). A Mestiçagem. Lisboa: Instituto Piaget.
âmbito territorial protegido pelas leis peruanas, chegando a dieu procura articular as posições objectivas das estruturas · MAALOUF, Amin (2000). As Identidades Assassinas, Difel Difusão Editoria, S.A.
cruzar a fronteira com o Brasil. sociais, a subjectividade da criatividade individual e as situa- · VIEIRA, Ricardo (2006). “Da Construção da Identidade Profissional do Professor”,
“Este avistamento afasta qualquer dúvida sobre a existência ções concretas da acção social. in MUNHOZ, A. FELDENS, D. SCHCK, R. (2006). Aproximações sobre o
desses grupos, desconhecidos pela grande maioria da so- Também para Christine Josso (2002), o profissional que age Sujeito Moderno: Traçando Algumas Linhas, Lajeado, RS: UNIVATES.
ciedade peruana, que não pedem nada a ninguém e que só não o faz só considerando os ensinamentos formais da hete- · VIEIRA, R. (1999a). Ser Igual, Ser Diferente: Encruzilhadas da Identidade.
desejam viver sem ser incomodados”, afirmou o Inrena. roformação e da ecoformação; fá-lo também com a autofor- Porto: Profedições.
Estes grupos indígenas costumam habitar as margens dos mação e reflexividade sobre a experiência de vida. · VIEIRA, R. (1999b). Histórias de Vida e Identidades, Professores e Intercultu-
rios amazónicos, onde aproveitam os ovos das tartarugas É nesse sentido que consideramos que o Assistente Social é ralidade. Porto: Biblioteca das Ciências do Homem, Edições Afrontamento.
aquáticas que fazem a desova nas praias. Eles também pro- também uma pessoa (Abraham, 1984) e é essa pessoa tor-
curam as cabeceiras dos rios, ao pé das montanhas, quando nada profissional que interage com os seus públicos-alvo de Cristóvão Margarido
começa a temporada de chuvas, em busca de outros recursos intervenção. Claro que o profissional e a pessoa são vistos Investigador do CIID
que caçam, pescam e colectam para se alimentar. aqui como processos dinâmicos, compósitos, mestiços e ina- Centro de Investigação Identidades e Diversidades
cabados: (Nóvoa, 1992; Vieira 1999a , 1999b, 2006; Maalouf, ESE – IPLeiria
JPS/ Fonte: AFP 2002; Laplantine e Nouss, 2002; Hall, 1997). cmargarido@esel.ipleiria.pt

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14 / IMPASSES e desafios 

A política tem, para muitas pessoas, um certo travo a pa- do envolvimento cívico e político, nas suas diversas formas (mais ou me-
lavrão. A política é o lugar da discussão, das dissensões, nos participadas, mais ou menos episódicas, …) e em diferentes contextos

Para além da morte


da oposição, … tudo tão contrário a um mundo (desejavel- (associações juvenis ou culturais ou ambientais ou…), parece depender de
mente?) perfeito em que as decisões fossem fundadas em factores como a escolaridade e a crença na possibilidade de fazer a dife-
critérios racionais que dariam origem a evidentes consensos. rença. Aqui, a escolaridade é também o sinal de uma literacia que remete
Ora, como diria Ferlinghetti, “mesmo no céu não se canta para uma capacidade global de “ler” e “interpretar” o mundo em diversos
constantemente” – e este discurso anti-político tem signifi- domínios. Por exemplo, e tenho vindo há anos a insistir neste ponto, um
cativos riscos para a democracia que só sobrevive porque há professor de ciências naturais faz mais pela literacia política dos seus alunos
lugar para o reconhecimento e a expressão pública da diver- se apresentar o conhecimento científico, não como um facto inquestionável,

da política…
sidade e do pluralismo. É por isso que a desvalorização da mas sim como o produto de um processo de inquirição, sempre inacaba-
política comporta um risco intenso em termos da educação do e tentativo, do que se discursar sobre a importância das eleições. Isto,
das novas gerações, educação essa que deveria ser uma porque “a ciência” é, hoje em dia, frequentemente usada como “argumento
responsabilidade assumida por todos os adultos e institui- final e decisivo” de decisões que são, na sua essência, políticas – como foi
ções sociais – desde os partidos políticos, passando pelos óbvio nos ainda recentes debates a propósito da interrupção voluntária da
média até, naturalmente, às escolas – e não uma preocupa- gravidez. Finalmente, porque a vivência da escola, tanto dentro quanto fora
ção “arrumada” numa qualquer área curricular. dos seus muros, na sua relação com a comunidade envolvente, propicia um
No entanto, não quer isto dizer que as escolas não sejam con- conjunto de oportunidades para aprender sobre o poder, a negociação, a
textos nucleares de aprendizagem (da) política, quer este pro- discussão e a participação – competências essenciais para o exercício de
jecto seja (ou não) explícita e intencionalmente assumido como múltiplos papéis na comunidade, incluindo o papel de cidadã/o.
tal. Desde logo, porque são espaços onde inevitavelmente in- Mas não quero aqui desvalorizar o papel dos dispositivos curriculares
teragem pessoas diferentes – e a política, lembra Arendt, ten- que estão actualmente em vigor com o objectivo explícito de promover a
de a emergir no espaço entre pessoas que se envolvem na cidadania dos alunos, como é o caso da Formação Cívica e da Área de
resolução de problemas comuns. Depois, porque a qualidade Projecto. Efectivamente, aqueles de nós que acompanham o processo de
decisão e implementação de dispositivos curriculares nesta área desde a
Reforma Curricular de 1989, reconhecem as vantagens destas áreas cur-
riculares não disciplinares, por duas razões principais. Em primeiro lugar,
pela universalidade, na medida em que abrangem todos os alunos
do ensino básico. Em segundo lugar, porque a decisão de não
exigir uma formação específica aos professores envolvidos
permitiu uma disseminação que não fora possível com os
dispositivos anteriores. No entanto, esta opção também
tem riscos que é essencial reconhecer. Desde logo, definir
uma área para abordar as questões da educação para
a cidadania pode corresponder a delimitar e acantonar
essas questões; na medida em que há professores
responsáveis por essa área pode gerar-se a ideia de
que são os responsáveis exclusivos ou principais por
essa tarefa. Depois, porque a ausência de uma forma-
ção específica e intensiva pode dificultar a operacionali-
zação de objectivos, conteúdos e competências a promover nes-
sas áreas; aqui, há claramente um deficit de informação, pela ausên-
cia de estudos sistemáticos acerca da implementação da Formação
Cívica e da Área de Projecto e porque são relativamente escassas as
descrições de experiências do terreno. Mas os poucos estudos que já
vão aparecendo indiciam uma ênfase em questões mais interpessoais e
alguma ausência de política nestas áreas curriculares.
Corro certamente o risco de estar a injustiçar as muitas professoras e pro-
fessores que fazem da promoção de uma consciência cívica e política, da
discussão de visões alternativas do mundo, do envolvimento dos alunos
e das alunas em decisões colectivas e do estímulo à sua participação na
vida das suas comunidades uma componente importante do seu quoti-
diano na escola. Mas estou seguramente à espera do dia em que estes
profissionais da educação assumam o protagonismo na descrição das
suas experiências que revele como as escolas portuguesas são ainda
locais onde a nobreza da política se vive todos os dias.

Isabel Menezes
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto

POLÉMICA
Abertura da primeira escola pública bilingue árabe em Nova Iorque

A abertura de uma escola pública bilingue onde se ensinará o árabe, em Brooklyn (Nova Iorque), está a suscitar Por outro lado, vários grupos anti-racismo e a favor da imigração, insistiram, em comunicado, na necessidade
reacções contraditórias, temendo-se que este projecto sirva para a propagação do Islão radical. de uma escola com estas características em Nova Iorque. “A cidade conta com mais de 60 programas de educa-
A academia internacional Khalil Gibran (poeta cristão de origem estadounidense-libanés), cuja abertura foi ção bilingues, que unem o inglês com a aprendizagem de idiomas como o espanhol, o chinês e o russo. Estas
aprovada pelo “Mayer” da cidade, Michael Bloomberg, será financiada através do departamento de educação escolas, longe de serem enclaves separatistas, são o mais eficaz na aproximação entre os imigrantes e o resto
de Nova Iorque. O representante democrata Dov Hikind, pelo Estado de Nova Iorque, considerou numa carta que dos estudantes”. Quarenta e cinco alunos já se encontram inscritos para o curso de 2007-2008.
“a abertura de uma escola árabe é uma ideia perigosa”, justificando a sua posição com o argumento de que as
crianças poderiam ser “doutrinadas”. AL/ Fonte: AFP

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EXPOSIÇÃO de arte / 15

Maximum 10kg
(ou bom Londres é o Porto)
Fernão Lopes, jornalista Maximum 10kg é o título deste colectivo londrino, exposição Abstract
(mesmo que não reconhecido organizada por Ana Efe, “uma iniciativa de curadoria que se
pretende revelar uma materialização de múltiplos gestos e
como tal), escreveu, no capítu-
ideias sem fronteiras espacio/temporais” The title for this news story about an exhibition, in the portuguese city of
lo XXII da Crónica de D. João I, São ao todo 14 artistas: Oswaldo Ruiz, Szu Han Chen, An- Porto, of 14 artists with various nationalities, living and studying arts in
que foi um tal Rui Pereira, que toaneta Galabova, Paula Naughton, Siobhán McAuiley, Ana London, is the same as the title for the exhibition itself, and evokes the

não o actual ministro da Admi- Efe, Bethany Murray, Lisa Flynn, Sérgio Cruz, Samantha Mo- low cost airlines, referring their maximum baggage allowance.
gelonsky, Francisca Aninat, Tânia Bandeira, Helena Hans e The journalist, on the other hand, evokes a known episode of portugal’s
nistração Interna, entenda-se,
Manuela Barczewski. history, occurring during the succession crisis of 1383/85, in which D.
quem, virando-se para o Me- Artistas que aparentemente exibem o seu trabalho de uma for- Joao, Master of Avis, soon to be king D. Joao I of Portugal, was talked
estre, futuro D. João I, disse: ma autónoma, mas que, na realidade, possuem em comum a into giving up a trip to London to take part in the Revolution that would

“Querees que vos diga, vivência de uma cidade, Londres, uma cidade que se apre- turn him king.
senta como um veículo de diversidade e de multiculturalidade. The initial text includes still a witticism, of a politic nature, as it is noted
Senhor? Vos, dizem que vos Uma cidade também mais aberta por acção das companhias that Rui Pereira, actual portuguese Internal Affairs Minister, has the same
hiis pera Imgraterra; mas a áreas de baixo custo. name as the Master of Avis’s counsellor, the one who convinced him to
mim pareçe que boom Londres Não será por acaso que no Turbine Hall West Entrance da renounce such trip to London. The return trip for our 14 artists.

he este” (1) . Estas palavras de Tate Modern se lia, este Verão, que “em 2007, pela primeira There is even reference in the text to an expression stated in the Turbine Hall
vez na História, metade da Humanidade vive em cidades”. West Entrance of the Tate Modern saying that “in 2007, for the first time in
Rui Pereira terão sido secun- Não será também por acaso que há quem diga que as cores history, half the world’s population lives in cities”, and also reference to the
dadas pelas de um escudeiro de Londres “são o preto // e são o branco // a ausência total colours of the exhibition, as well as to some sentences using the expression
fidalgo a quem chamavam Al- e a soma de todas as cores”. “maximum 10 kg”.
Cores e outros “sentidos” visíveis no Porto, durante 6 dias,
voro Vaasquez de Gooes, no
na programação da casaviva 167, paredes meias com o ate-
último quartel do século XIV, lier portuense da escultora Ana Efe que organiza este acon- Ficha técnica da exposição
mais de 600 anos antes de ser tecimento da rentrée cultural “não oficial” do Porto.
criada a Ryanair, uma das mais Pretexto para outros textos, “Maximum 10 kg” vai fazer-nos Maximum 10kg
lembrar, a partir deste mês de Outubro, que a expressão não casaviva167
famosas companhias aéreas
se refere apenas, e em exclusivo, ao peso máximo dos ani- Praça Marquês do Pombal, 167 · 4000-390 Porto
de baixo custo (low cost), com mais de estimação aceitáveis em certos hotéis ou ao peso das
base em Dublin, na Irlanda, e bagagens de mão das companhias aéres de baixo custo. (2) Inauguração
com voo directo de Londres A não perder. Quinta-Feira 4 de Outubro às 19h
Stomper Party (DJ Greg Poole) 20 h
(Stansted) para o Porto, muito
texto de Júlio Roldão que agradece as fotos cedidas por Ana Efe
provavelmente a carreira que e a tradução, para inglês, de um resumo deste artigo, tradução Horário
trará os 14 artistas que aceita- “cravada” ao Tiago Roldão. Sexta-Feira, 5 de Outubro, das 15h às 20h
ram o desafio da escultora Ana Sábado, 6 de Outubro, das 15h às 20h
(1) na grafia original da Crónica de D. João I de Fernão Lopes Domingo, 7 de Outubro, das 15h às 20h
Efe, também ela entre os 14,
(2) “Small pets (maximum 10 kg) are accepted at an additional cost of EUR 14 per pet per day”. Segunda-Feira, 8 de Outubro, das 15h às 18h
para exporem, colectivamente, “Last time I flew (with Ryanair), the restrictions on hand baggage were 50x35x23 cm (20x14x9 inch) Terça-Feira, 9 de Outubro, das15h às 18h
no Porto, de 4 a 9 de Outubro. and maximum 10 kg “

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16 / CINEMA 

A prova
de Bruxelas

IE/FN

À primeira vista, é um caso de esquizofrenia. A mesma União Europeia que, “heroi- A situação não foi sempre tão límpida. Quando em 1998 Bruxelas deu novamente
camente” há menos de dois anos, foi a vanguarda do combate pela Convenção da o seu aval ao sistema de apoios, estes foram julgados compatíveis com o mercado
Unesco sobre a diversidade cultural, tenta no presente um reenquadramento dos comum porque o cinema é uma indústria cultural. Três anos depois, a reflexão “afi-
sistemas nacionais de ajudas ao cinema que as enfraquece consideravelmente. na-se”. Numa “Comunicação sobre o Cinema” publicada em 2001, e confirmada
O objectivo da Comissão Europeia é simplesmente tornar compatíveis os progra- em 2004, Bruxelas fixa quatro critérios à autorização de apoios: a ajuda deve ser
mas de ajuda dos estados membros às suas produções cinematográficas com as destinada a um “produto cultural” (a apreciação do que é um “produto cultural”
regras de concorrência pura em vigor no mercado único europeu. Coisa complica- é deixada aos Estados); o apoio financeiro não deve exceder 50% do orçamento
da, pois existem mais de 600 mecanismos de apoio ao cinema nos 27 países da total do filme, exceptuando-se os orçamentos muito pequenos; os suplementos
União...Bruxelas realça sobretudo o “território nacional” de algumas medidas, que para certas prestações técnicas são formalmente proibidos; por fim, o critério mais
obriga o produtor do filme a gastar parte do seu orçamento no país que o apoiou. discutido , ligado às “clausulas de territorialização”, segundo o qual os Estados
Na procura de uma maior eficácia , a Comissão não esconde o seu desejo de uma não estão autorizados a impor a um produtor que gaste no seu território, em troca
“territorilização nacional” dos apoios. Porque isso, assegura, tornará mais fácil as dos apoios, mais de 80% do orçamento da obra. “Em 1998, a decisão da autoriza-
co-produções num mercado menos fragmentado. ção dos apoios franceses ocupava uma quinzena de páginas. Em 2006, a decisão
Nestes tempos de incerteza, é dizer pouco que a “Comunicação sobre a Cultura”, sobre o conjunto do sistema ocupa 160. Isto prova que nestes anos a Comissão
documento assinado pela Comissão Europeia de 2007, foi acolhido com frieza. desenvolveu muito mais detalhadamente o mecanismo dos apoios, numa base
A Comissão reafirma dois princípios-chave. Primeiro, a política cultural incumbe mais sofisticada. Provocando um efeito de bala: onde poderia mostrar-se mais to-
aos estados membros. Segundo, existe, em relação aos apoios à indústria, uma lerante, torna-se mais exigente”, inquieta-se Xavier Merlin, director dos Negócios
especificidade do campo cultural que lhe permite não cumprir as estritas regras Europeus e Internacionais do CNC francês.
da concorrência. Formulada pela primeira vez no tratado de Maastricht (1992), a E tudo indica que as coisas vão piorar. Novo exemplo do voluntarismo de Bruxelas
precisão é vital: “Podem ser consideradas compatíveis com o mercado comum (...) são os “testes culturais”, aplicados em vários países desde o fim de 2006.
os apoios destinados a promover a cultura e a conservação do património, quan- Em Cannes, este ano, as agências nacionais de cinema europeias denunciaram
do não alterem as condições das trocas e da concorrência na Comunidade em o risco da generalização destes testes, que “levará à adopção de uma definição
medidas contrárias ao bem comum.” O artigo 87 permitiu salvaguardar as ajudas muito restritiva de cultura e cinema”, defendendo ainda, a uma só voz (coisa im-
públicas ao cinema em todo o espaço europeu durante anos. pensável há anos atrás!), “a actual configuração dos apoios”. Estas reuniões, que
Mas não nos deixemos enganar. Esta declaração de intenções foi adoptada por desde 2003 se tornaram trianuais (Berlim + Cannes + San Sebastian ou Veneza),
proposta da direcção geral da Cultura, representada pelo comissário eslovaco Jan podem, e devem, tornar-se foco de reflexão ambicioso. Actualmente contra a po-
Figel. Isso não quer dizer que os comissários da concorrência ( Neelie Kroes) e dos lítica da Comissão Europeia.
Media (Viviane Reding), que também tinham uma palavra a dizer sobre o dossier, Só por curiosidade... já tinham ouvido, ou lido, alguma coisa sobre isto, por cá?
partilhassem a mesma opinião. A Comissão Europeia não é , de facto, um governo.
Cada comissário tem uma autonomia proporcional ao seu peso político e... como Paulo Teixeira de Sousa
é de calcular, o comissário da Cultura não é seguramente dos maiores. Escola Secundária Fontes Pereira de Melo, Porto

POBREZA EM PAÍS DE RICOS


Cerca de 10 por cento dos australianos vivem na pobreza

A Austrália figura entre a maioria dos países desenvolvidos, mas um estudo tornado púbico vem alertar para o Estes números colocam a Austrália no 14º lugar do ranking onde se estabelece o nível de pobreza das popula-
facto de cerca de 10 por cento da sua população estar a viver na pobreza apesar do florescimento económico do ções, dos 18 países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
país. Realizado pelo Conselho Australiano dos Serviços Sociais, este estudo reforça a ideia de que “o governo O primeiro-ministro conservador John Howard mostrou-se céptico quanto a estes resultados, pondo em causa
deve agir de maneira mais eficaz para que a prosperidade económica seja aproveitada por todos”. os métodos utilizados pela OCDE e argumentando que a fraca taxa de desemprego na Austrália seria uma prova
Este organismo, comparou a situação da Austrália à de outros países desenvolvidos em sectores chave como a que a pobreza não está a progredir no país.
educação, saúde e habitação. As conclusões do estudo referem que a incidência de população a viver na pobreza
aumentou de 7,6 por cento (em 1994) para 9,9 por cento em 2004. Cerca de 2 milhões de australianos. AL / Fonte: AFP

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ERA digital / 17

  Cartas na mesa

DESIGUALDADE
Mulheres ganham
30 por cento menos
que os do homens Tecnologias digitais
na América Latina
para a inclusão social (II parte)
IE/FN
A mulher latino-americana recebe um salário entre 20
por cento e 30 por cento menor do que o homem para
desempenhar as mesmas actividades, a jornada labo- A expansão do acesso e a utilização das tecnologias e) a organização, concepção, implementação e avaliação
ral é redobrada pelas tarefas domésticas, declarou à digitais para promover a inclusão social não depen- dos projectos tecnológicos para a inclusão social deve-
AFP a directora regional do Fundo da População das de apenas da quantidade ou da qualidade dos equi- rão ser abertos e flexíveis e partir de pequenas iniciativas.
Nações Unidas (UNFPA), Marcela Suazo. “A mulher pamentos instalados e das linhas de acesso à Inter- Os projectos centralizados, e implementados a grande
está cada vez mais inserida ao mercado de trabalho, net, nem mesmo de programas exteriores ao local escala sem espaço para experimentação e inovação local
mas em muitos casos o nível salarial é 20 a 30 por que se instalam como “coisa” (ver o filme The Thing não satisfazem o desenvolvimento local e acabam por ter
cento menor do que do homem com igual formação e John Carpenter) para a qual dificilmente se encon- apenas um efeito transitório e superficial.
responsabilidade. Uma diferença que pode chegar a tra sentido. Se assim for a “coisa” ocupará uma tal f) os mecanismos de mercado são eficazes na expressão
46 por cento, disse Suazo, que participou da X Confe- centralidade que passará à margem dos indivíduos e expansão do acesso às tecnologias mas não são sufi-
rência sobre a Mulher realizada este mês em Quito. e dos processos sociais – torna-se objecto de culto, cientes para os processos tecnológicos de inclusão so-
“As mulheres tendem a encontrar uma maior abertura de crença, de medo (ou de proibição) mas permane- cial. É necessário o apoio institucional à aquisição dos
em trabalhos de menor remuneração e em condições ce fora da vida das pessoas e terminará fechado em computadores e artefactos digitais (isenção de impostos,
mais deploráveis”, acrescentou a directora do UNFPA lugar seguro ou na embalagem, ou no lugar de culto, benefícios fiscais, aquisição/distribuição de equipamen-
para América Latina e o Caribe. Suazo, apresentou o isolado da vida quotidiana e do processo social para tos e de acesso à rede a baixo custo), à pesquisa sobre
documento “Para um novo pacto social e de género” que se não deteriore e necessariamente se desactu- o desenvolvimento tecnológicos - hardware, software, ar-
na X Conferência. Nele se lê que de 1990 a 2004 cerca alize e torne objecto inútil. tefactos, linguagens, etc., aos estudo das causas e con-
de 33 milhões de mulheres ingressaram no mercado Warschauer preconiza que um programa para a ex- sequências do acesso restrito, às questões do acesso a
de trabalho na América Latina, aumentando a taxa de pansão do acesso e a utilização das tecnologias di- software livre (open source).
participação de 39 para 45 por cento, enquanto que a gitais para promover a inclusão social necessita: Estas talvez as razões para reflectir sobre os projectos que
do homem se manteve em 74 por cento. a) do estudo prévio das estruturas sociais, dos pro- encontramos nas escolas, nos bairros, nas periferias urba-
No entanto, 16 por cento da força de trabalho femi- blemas sociais, da organização social, das rela- nas, nas zonas afastadas dos grandes centros, nas comuni-
nina na região dedica-se ao serviço doméstico, uma ções sociais, das práticas sociais locais – apren- dades isoladas ou para ler a obra de Mark Warschauer (Pro-
ocupação que em vários países recebe remunerações der, colaborar, partilhar, progredir e de como estas fessor nos Departamentos de Educação e de Informática na
inferiores ao salário mínimo e exige mais de oito ho- se podem ampliar com o acesso e a utilização das Universidade da Califórnia) Technology and Social Inclusion:
ras de trabalho. tecnologias; Rethinking the Digital Divide (2003) em que nos baseamos
As mulheres pobres enfrentam a necessidade de b) a identificação da centralidade do social e a ca- para organizar estas notas. Para mim a elaboração destas
ingressar num trabalho mesmo que em condições pacidade dos indivíduos e das organizações para notas reponde à necessidade de construir referências e ins-
precárias. E apesar do aumento da participação da a inovação e a mudança. Não se trata de impingir trumentos teóricos antes da partida para trabalho de cam-
mulher no mercado de trabalho, o seu ingresso ainda as tecnologias às pessoas mas de criar a longo po em Jequitibá, Estado de Minas Gerais no Brasil. A re-
está condicionado a tarefas como o cuidado de crian- prazo comportamentos intrinsecamente motiva- gião, antigamente rica porque atravessada pela estrada real
ças, doentes e idosos, alertou Suazo. dos para o envolvimento nas tecnologias, para e objecto de múltiplos projectos de desenvolvimento, ficou
Na América Latina 60 por cento das razões pelas o aperfeiçoamento e adequação das tecnologias à margem das mudanças sociais. Rica em capital social, em
quais uma mulher demora ou deixa de ingressar no aos indivíduos e ao processo social. Isto exige memória local e em património imaterial não conseguiu en-
mercado de trabalho tem a ver com esses trabalhos, mudanças sociais que facilitem a aprendizagem contrar formas de superar a pobreza endémica que parece
acrescentou. Até 2025 a população com mais de 60 de novos comportamentos e melhorias nas con- ter-se definitivamente instalado na região. Inicia-se porém
anos será de mais de 100 milhões, dos quais 32 por dições de vida local; um processo de criação de telecentros e de relação com
cento correspondem ao México, o que significa que c) a exploração dos efeitos catalíticos das tecnolo- as universidades através dos investigadores que ali realizam
mais mulheres se vão dedicar aos trabalhos domés- gias tendo no entanto em atenção que algumas trabalho de campo. Esta também a razão destas notas e de
ticos, seja de forma remunerada ou não. mudanças não se devem propriamente às tecno- pressupostos a ter em conta na investigação. A parte terceira
Segundo Suazo, os indicadores assinalam que ainda logias mas podem simplesmente advir da inte- destas notas decorrerá depois da passagem ao terreno.
há desigualdades na região, por isso são necessárias racção humana decorrente do próprio processo
políticas públicas que permitam ensinar o homem a tecnológico;
dividir o trabalho doméstico. d) dificilmente um projecto de desenvolvimento tec- José da Silva Ribeiro
“É o momento para um novo pacto que tenha em con- nológico depende só ou principalmente dos es- Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais.
ta estas novas realidades para que sejam desenvolvi- pecialistas. Os líderes locais, as lideranças locais Laboratório de Antropologia Visual, Universidade Aberta
das políticas que respondam e ampliem as oportuni- e as dinâmicas locais são decisivos para o su-
dades de participação das mulheres e o exercício de cesso dos projectos tecnológicos orientados pa-
seus direitos”, concluiu. ra a inclusão social. Habituadas a gerir projectos
sociais poderão os líderes ou animadores locais NOTA:
AL/ Fonte: AFP aprender a integrar nestes as tecnologias. A 1ª parte deste artigo pode ser lida na Página de Agosto-Setembro ou em www.apagina.pt

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18 / AFINAL onde está a escola? 

IE/FN

O computador e os seus usos


Uma das discussões que vêm ocorrendo entre os docentes, especialmente das nos e as alunas a tecer seus conhecimentos, então esses recursos são tão válidos
redes públicas de ensino, diz respeito à introdução de computadores nas escolas quanto lápis, caneta, caderno, giz, quadro-de-giz, apagador, borracha e outras
para uso didáctico. tantas tecnologias já de tão largo uso que nem nos lembramos mais que o são.
Se a utilização do computador se fizer em substituição ao uso do quadro-de-giz pelos O computador é uma tecnologia, talvez mais do que quaisquer outras, que nos
professores e pelas professoras ou em substituição ao próprio professor e à própria permite entender a não-linearidade da tessitura dos saberes e das lógicas; a não-
professora, como me parece que algumas discussões levam a crer, considero um linearidade das formas de escrita e dos processos de produção textual.
grande equívoco. Ao lado da televisão e do vídeo, o computador assim utilizado se Do ponto de vista pedagógico, aumenta em muito a solidariedade entre os alunos
constitui em mera “máquina de ensinar”. São esses três instrumentos que costumam e as alunas, uma vez que há os que já sabem operar com o computador, os que
estar englobados no discurso oficial de “novas tecnologias”. O que se veicula é a equi- estão começando a saber e os que ainda não sabem: todos e todas podem se
vocante e perigosa possibilidade de virem a substituir a relação professor/aluno. ajudar a dominar as operações necessárias.
Equivocante porque a relação educativa fundamental se faz nas relações que os Tenho observado que usuários do computador tendem a ser solidários entre si di-
seres humanos estabelecem entre si mediatizados pelo mundo, já nos ensinava vidindo seus saberes, suas dificuldades e suas descobertas. É quase febril: quan-
Paulo Freire. A máquina, qualquer que seja, se constitui numa das múltiplas me- do se está num grupo de usuários, a conversa acaba girando em torno dos avan-
diações. Não que a máquina não ensine: sem dúvida que ela ensina; mas a relação ços, das dúvidas, de como alguém conseguiu superar esta ou aquela dificuldade
educativa vai para além do ensinar e do aprender racional. Os seres só se consti- no uso da máquina; alguém sempre ainda não sabe alguma coisa e sempre tem
tuem como tais em função de suas relações afectivas e intelectivas. Desvincular o alguém que já saiba e se dispõe a ensinar.
afecto é desvincular o que de fato nos promove como seres humanos. Além dis- Em tempo, a utilização do uso do computador também é, para mim, nesse mo-
so, é tentar a impossível tarefa de anular o efeito do exemplo na educação. Mais mento algo novo. Fui premida a esse aprendizado pela escritura da tese de dou-
que conteúdos, ou melhor, para além dos conteúdos, o professor e a professora torado. Depender de outros para digitar, me levava a escrever com prazos muito
se constituem em exemplos para os alunos e as alunas. Nem sempre exemplos a estreitos, pois ficava na dependência da digitação, da correcção da digitação, dos
serem seguidos, é verdade, mas sempre exemplos; exemplos de como os seres acertos necessários e todos os etc. correspondentes. Além disso, escrever implica
humanos são vários, diversos, múltiplos, complexos. Quanto maior o contacto em re-escrever, em escrever de outra maneira, em acrescentar, em retirar...enfim,
que tivermos com a diversidade de que se compõe a espécie humana, mais ricas em mexer inúmeras vezes no texto... o que acaba dando uma certa preguiça. O
serão as possibilidades de formação de nossa subjectividade, de nossa forma de uso do computador, ao contrário, configura-se num estimulador desses proces-
ser e de viver, de nossa forma de estar no mundo. Por isso considero, além de sos, maximizando o prazer da escrita.
equivocante, também perigosa a tentativa de se substituir o ser humano pela má-
quina. Se entendemos que essas tecnologias (e outras mais) são instrumentos que Joanir Gomes de Azevedo
professores e professoras podem utilizar no sentido de auxiliá-los a ajudar os alu- Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Rio de Janeiro

BUSH E OS IMIGRANTES
Futuros imigrantes ilegais terão acesso negado nos EUA por toda a vida

George W. Bush, anunciou uma proibição permanente de entrada nos Estados Unidos aos futuros imigrantes que contribuam para interceptar os imigrantes ilegais. “Só depois destas ferramentas de segurança estarem em
ilegais, renovando assim a pressão por uma reforma migratória, tema central da sua agenda de política interna. funcionamento é que outras partes da lei entrarão em vigor”, destacou.
Um pacote de reformas revisto foi apresentado ao Senado nos últimos dias. O anterior fora chumbado pelo Esta lei acontece numa altura em que o secretário americano do Comércio, Carlos Gutiérrez, de origem cubana,
senado a 7 de Junho. enfatizou durante um discurso perante a Federação Nacional das Minorias em Washington que os EUA precisam
Numa das suas aparições semanais na rádio, Bush revelou que na proposta revista, quem atravessar a fronteira dos imigrantes para sustentar o crescimento económico e acompanhar as necessidades crescentes de mão-de-
dos Estados Unidos ilegalmente não só será deportado, como nunca mais terá permissão para voltar ao país, se- obra. “A imigração não é algo que deva ser tolerado, mas incentivado, porque é a nossa grande oportunidade
ja com visto de trabalho ou de turista. Bush acrescentou que a nova lei dará prioridade à segurança fronteiriça. de levar vantagem sobre o resto do mundo”, sustentou. “Os imigrantes complementam a nossa necessidade de
A medida inclui 4,4 mil milhões de dólares de assistência à Patrulha Fronteiriça dos Estados Unidos para força de trabalho, trazem criatividade, vitalidade e iniciativa”, resumiu Carlos Gutiérrez.
contratar mais agentes, construir defesas adicionais, adquirir câmaras de infravermelhos e outras tecnologias AL / Fonte: AFP

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FORA da escola também se aprende / 19

  Trigo limpo

A cada 30 segundos um
suicídio – ao mesmo
tempo que se discute
a legalidade da execução
dos condenados à morte

Cerca de 3 mil pessoas cometem o suicídio por dia no mun-


do, ou seja, uma em cada 30 segundos. E por cada pessoa
que acaba com a própria vida, pelo menos 20 vêem gorada a
sua tentativa. O alerta vem da Organização Mundial da Saúde
(OMS) por ocasião do Dia Mundial de Prevenção do Suicídio.
“A percentagem de suicídios aumentou 60 por cento, em
todo o mundo, nos últimos 50 anos, sendo que o aumen-
to mais forte foi registado nos países em desenvolvimento”,
acrescentou a organização. O suicídio é actualmente a terceira
causa de mortalidade entre os 15 e os 34 anos, ainda que a
maioria dos suicídios sejam cometidos por adultos.
A Finlândia, um dos países com maior incidência de suicí-
dios, conseguiu inverteu este cenário, registando números
comparáveis aos dos seus vizinhos europeus. O número de
suicídios caiu 40 por cento nos últimos 15 anos. As razões
para esta forte diminuição são muitas, segundo o psiquiatra
Jouko Lonnqvist, chefe do departamento de Saúde Mental do
IE/FN
Instituto Nacional de Saúde Pública. “O diagnóstico, a pre-
venção e o acompanhamento melhoraram. Realizamos cam-

A atividade lúdica
panhas de informação sobre a depressão, melhor identificada
e tratada agora. O apoio social e psicológico aos doentes foi
reforçado”, assegura.
Em 1991, os finlandeses registavam, juntamente com neozelan-
deses e islandeses, o recorde mundial de mortes voluntárias. As
campanhas de sensibilização em escolas e quartéis também pa-
como processo educativo
recem ter dado frutos: o índice de suicídios entre adolescentes e
jovens caiu 30 por cento durante o mesmo período. No final dos anos 1970 no Brasil, a importância do uso de ciar a importância que tem para o sujeito, sua
Sem distinção de sexo, a mortalidade por suicídio atinge núme- jogos no processo ensino-aprendizagem nas escolas, sobre- formação e desenvolvimento integrais a rea-
ros assustadores nas regiões mais isoladas e pobres do leste e tudo de educação infantil (crianças de 2 a 6 anos, na época), lização de atividades lúdicas, não importa a
do norte do país. Além dos tradicionais problemas mentais (de- era considerada, debatida e entendida como a mais “progres- sua idade, meio social ou outras variáveis.
pressão), pessoais (divórcio) ou sociais (desemprego), os cien- sista” das posturas educativas. Inspiradas no trabalho de Je- Podemos juntar a isso aquilo que já sabemos
tistas consideram o alcoolismo como principal factor de risco. an Piaget a respeito dos processos de desenvolvimento da a respeito da função socializadora da prática
Os finlandeses consomem por ano o equivalente a 10 litros de inteligência, inúmeras publicações tratavam do assunto. Foi de jogos coletivos, do bem-estar produzido
álcool por pessoa, segundo dados da OMS correspondentes a época da proliferação desenfreada dos brinquedos e jogos nos diferentes sujeitos quando são bem-su-
a 2004. Menos que os franceses (14 litros) e mais que os com finalidade pedagógica e de escolas que desenvolviam cedidos no enfrentamento de desafios. Po-
seus vizinhos suecos (7 litros) e noruegueses (6 litros). suas ações pedagógicas com essa inspiração. demos, ainda, referir o argumento pedagógi-
Os médicos descartaram o estereótipo de que os ambien- Passados quase trinta anos, e com o advento e valorização co de que muitos jogos, ao exigir dos alunos
tes muito frios favorecem o suicídio. “A relação existe, mas de outras tendências pedagógicas, o assunto perdeu sua cen- que tragam para a prática concreta alguns
não é determinante”, assegura Lonnqvist. Exemplo disso, a tralidade no debate pedagógico. Atualmente, poucos são os dos conhecimentos escolares, cumprem fun-
Noruega, que situada na mesma latitude regista metade dos autores que se dedicam ao tema, mas a grande questão que ção de reforço e fixação dos referidos conte-
suicídios. subjazia a discussão da época permanece em aberto e me- údos, para afirmar que as atividades lúdicas
Enquanto nestes países se trabalha para poupar vidas nos rece permanecer no debate educacional, creio. De que modo na educação de jovens e adultos são, não só
EUA discute-se se é ou não constitucional o Estado matar podemos perceber a importância das atividades lúdicas para desejáveis, como necessárias ao bom de-
utilizando determinados métodos. o processo educativo, dentro e fora da escola? Para além dos senvolvimento do trabalho.
O Supremo Tribunal dos EUA vai examinar o recurso de dois modismos pedagógicos de antes e de agora, como podemos, Mas, ao final da discussão, o que se destaca
condenados à morte no Kentucky, que alegam que o método hoje, compreender a relação entre essas atividades e os pro- como mais importante é o reconhecimento da
de execução por injecção letal é contrário à Constituição. cessos de formação e de aprendizagem dos sujeitos sociais? indissociabilidade entre as diferentes formas
O Tribunal aceitou considerar os dois casos de condenados à Acreditamos que as atividades lúdicas possuem um grande de inserção no mundo e o enredamento per-
morte no seio de uma crescente controvérsia devido aos efei- potencial como fator de aprendizagem, na medida em que, ao manente das atividades cotidianas, lúdicas
tos das injecções ministradas. Em causa está o argumento de desenvolvê-las, estamos exercitando nossa plenitude, confor- ou não, com os processos escolares de ensi-
que a injecção tem um efeito lento e doloroso sendo, por isso, me afirma Luckesi em texto recente . Segundo o autor, o que no-aprendizagem: aprendemos dentrofora da
a morte nestas circunstâncias contrária à proibição constitu- mais caracteriza a ludicidade é a experiência de plenitude que escola, de modo permanente e articulado.
cional de exercer “castigos cruéis e degradantes”. ela possibilita a quem a vivencia em seus atos (1998). E argu-
Esta é a primeira vez em mais de cem anos, que o Supremo menta: Com isso, queremos dizer que, na vivência de uma ati- Inês Barbosa de Oliveira
Tribunal vai analisar se um método de execução é válido ou vidade lúdica, cada um de nós estamos plenos, inteiros nesse Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de
se viola a Constituição. momento; nos utilizamos da atenção plena, como definem as Janeiro, UERJ. Coordenadora do grupo de pesquisa “Redes de
Todos os estados norte-americanos, onde vigora a pena de tradições sagradas orientais. Enquanto estamos participando conhecimentos e práticas emancipatórias no cotidiano escolar”,
morte utilizam injecções letais, à excepção do Nebrasca que verdadeiramente de uma atividade lúdica, não há lugar, na nos- vinculado ao Laboratório Educação e Imagem.
utiliza a electrocussão. sa experiência, para qualquer outra coisa além dessa própria
atividade. Não há divisão. Estamos inteiros, plenos, flexíveis,
AL/ Fonte: AFP alegres, saudáveis (2000). A preocupação do autor é eviden- 1 http://www.luckesi.com.br/textos/ludicidade_e_atividades_ludicas.doc

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20 / PEDAGOGIA social 

IE/FN

¿Qué demandas hace la sociedad


a los animadores socioculturales?
Hay que comenzar por una evidencia. La del animador sociocultural es una de las acaba de corresponder con las realidades complejas y reticulares en las que hoy
llamadas profesiones sociales y como tal el encargo es claro: lo que se les pide desarrollan su trabajo estos profesionales. Cada vez más los modelos políticos en
a estos profesionales de lo social es que sean agentes socializadores. Es decir, el ámbito local se caracterizan por la proximidad, la participación y por formas muy
que encarnen, transmitan, y ayuden a las personas y a las comunidades a inte- diversificadas de articulación entre los diferentes agentes del territorio. Estamos
grar valores, principios y conductas que les permitan desarrollar su vida social y pasando de unos modelos verticales, normativos, de arriba abajo, a otros que son
cultural dentro de los márgenes que – jurídica y normativamente – establecen las relacionales, horizontales y negociados entre los agentes. En este nuevo marco los
sociedades actuales, sin que eso tenga porque significar, necesariamente, simple animadores se sitúan entre una diversidad de agentes que obedecen a intereses
reproducción social. Creo, sin embargo, que ésta es una respuesta que no acaba muy variados y que poseen oportunidades y posibilidades de poder diversas.
de satisfacer porque resulta demasiado general. ¿Cómo se mueve el animador entre todos estos agentes: la administración; el
Esta respuesta encajaría, probablemente mejor, en la sociedad de los 70 y 80 que mundo empresarial; las entidades del tercer sector; y las redes de parentesco y
en la del 2010. Han pasado y están pasando demasiadas cosas para una respues- vecinaje- el denominado cuarto sector? ¿Qué funciones cumple y en relación a
ta tan simple. Citaré, solo por contextualizar, algunos de los cambios que están qué demandas?
modificando de forma sustancial las maneras de vivir y de entender la sociedad. El Dubet ha analizado en profundidad los cambios experimentados por las profesio-
paso de la cultura del esfuerzo a la estética del consumo, magistralmente analizada nes sociales como resultado de la evolución y transformación de nuestras socie-
por Bauman, como uno de los cambios importantes de la sociedad que vivimos. dades. Este autor identifica tres lógicas de acción diferenciadas que, en función de
La normalización de las tecnologías de la comunicación y la información como uno cómo se combinen, pueden ayudar a responder la pregunta sobre las demandas
de los medios a través de los que desarrollamos aspectos recientes de nuestra que la sociedad hace al animador sociocultural y las respuestas que estos profe-
sociabilidad. El ciberespacio es el nuevo territorio en el que experimentamos nue- sionales pueden dar:
vas formas de relación social. Second Life es uno de los más actuales exponentes 1. La lógica del CONTROL: los animadores son mediadores entre unos referentes
de esta nueva socialidad. El avance inexorable de la globalización económica y normativos (políticos –leyes-, comunitarios –tradiciones-, socioculturales –cos-
la emergencia, cada vez con más fuerza, de nuevas comunidades culturales. La tumbres- etc...) y las personas participantes. Los animadores encarnan a las
presencia del riesgo en todos los aspectos de la vida que nos fuerza a la búsqueda instituciones; son la institución. Esta lógica, que se fundamenta en el principio de
de soluciones biográficas a contradicciones que son sistémicas según la acertada igualdad, puede convertirse, en los casos más extremos, en simple brutalidad.
sentencia de Beck. Y, para acabar, la colonización del ámbito social por la emer- 2. La lógica del SERVICIO: Los animadores son expertos que poseen unas com-
gencia de la cultura según el análisis de Touraine. Una colonización que, simplifi- petencias y dominan unas estrategias y unas técnicas que les permiten dar
cando, supone que se prioriza el reconocimiento de las características identitarias respuesta y ayudar a resolver problemáticas de tipo sociocultural y comunita-
por encima de las problemáticas sociales. rio. Ésta se fundamenta en el principio del mérito. En los casos más extremos
Todas estas caracterizaciones nos muestran unas sociedades muy complejas el animador es un mercenario que pone la técnica al servicio del cliente.
donde no acaba de estar muy claro lo que significa ser social y, en consecuencia, 3. La lógica de la RELACIÓN: Los animadores son personas que se relacionan con
habría que empezar definiendo qué tipos de socialidad han de posibilitar las inter- otras personas gracias a unas determinadas cualidades personales. La dimen-
venciones de los animadores. sión relacional se fundamenta en el principio del reconocimiento del otro pero,
Jacquard describió, de una manera muy gráfica, a finales del 70, la ubicación del ma- en los casos más extremos puede ser simplemente narcisismo o demagogia.
estro dentro del sistema escolar señalando que siempre se movía en el ámbito de las Estas tres lógicas configuran buena parte de las posibilidades respecto a las
traiciones. Aplicando esta idea al animador sociocultural, se diría que es un técnico demandas hechas a los animadores y las respuestas que éstos pueden llegar a
que está entre los políticos y las comunidades. Los primeros lo contratan para que dar. En cualquier caso, es necesario acabar apuntando que, dentro de lo que el
trabaje con –o sobre- las segundas. Siempre tiene que escoger a quien traiciona: a código deontológico de la profesión posibilita, las funciones, los proyectos, los ob-
los políticos desarrollando una tarea claramente educativa, que puede hacer que la jetivos o las acciones concretas que los animadores desarrollan han de ser objeto
comunidad se levante contra ellos reivindicando y exigiendo sus derechos. O puede de negociación previa entre todas las personas implicadas directa o indirectamen-
decidir traicionar a la comunidad haciendo una tarea normativa y de control que para te por los resultados de sus acciones profesionales.
nada tiene en cuenta a las personas. En el primer caso puede llegar en perder su tra-
bajo y en el segundo a desarrollarlo de una manera muy ineficaz e insatisfactoria. Xavier Úcar Martínez
Este planteamiento, que nos ayuda a visualizar a los animadores como profesio- Departamento Pedagogia Sistemática y Social
nales de la acción sociocomunitaria, dibuja una relación vertical que tampoco se Universidad Autónoma de Barcelona

a página da educação · outubro 2007


ENTREVISTA / 21

ANA ALVIM

“A escola é castradora quando a sociedade


a utiliza como um instrumento de dominação”
Pascal Paulus, professor associado ao Movimento da Escola Moderna
em entrevista à PÁGINA da educação

Diplomado pela Escola Normal de Gent, na Bélgica, em 1977, Conte-nos um pouco acerca do seu percurso pessoal: porquê a opção pelo
onde se formou como professor do ensino primário, faz uma primeiro ciclo e de que forma um professor belga acaba por vir dar aulas para
curta passagem pelo ensino público laico belga e é convida- Portugal…
do a integrar uma equipa cujo objectivo era criar, na cidade Eu sou professor do ensino primário de formação – ou “instituteur”, como se de-
de Leuven, uma escola assente na pedagogia institucional. signa em francês, que considero uma palavra mais adequada por corresponder
No início dos anos 80 trabalha na alfabetização de adultos e melhor à especificidade do trabalho de monodocência, permitindo um trabalho
participa em projectos de desenvolvimento local e trabalho pedagógico continuado com crianças e jovens e a criação de um espaço cultural
com jovens sob contrato de aprendizagem. de referência.
Vem para Portugal no final da década de 80, onde trabalha O contacto com a pedagogia institucional, concretizada através do meu pai, pro-
como coordenador pedagógico numa escola privada. A equi- fessor de jovens em contexto de trabalho que haviam sido afastados do sistema
valência parcial do diploma permite-lhe começar a trabalhar educativo regular, foi determinante na minha opção. Para a minha decisão contri-
no primeiro ciclo do ensino básico público e, paralelamente, buiu igualmente o estágio que realizei numa turma organizada por um professor
como formador de formação contínua de professores do 1º que fazia parte de um grupo ligado à pedagogia institucional e
ciclo nas áreas da matemática e do desenvolvimento curri- que trabalhava com Fernand Oury, “instituteur” francês ligado ao Movimento da
cular, função que exerceu ao longo de 18 anos. Integrou tam- Escola Moderna francesa.
bém a equipa do Laboratório de Aprendizagens, da Câmara Esta experiência constituiu para mim um encantamento: ver como é possível pôr
de Cascais, um espaço de reflexão e de experimentação para os miúdos a organizarem-se por eles próprios, através da mediação do professor,
técnicos ligados ao ensino uma conceptualização de turma que Fernand Oury designava por “turma coo-
É, desde 2005, professor efectivo da escola básica do pri- perativa organizada pela pedagogia institucional”, onde o conselho de turma é o
meiro ciclo Amélia Vieira Luís e sócio do Movimento da Es- instituinte de toda a organização da turma.
cola Moderna e da cooperativa Sociedade de Estudos e In-
tervenção em Engenharia Social, na qual tem participado em De que forma veio parar a Portugal?
projectos de desenvolvimento local, baseado na intervenção Depois de alguns anos a trabalhar na Bélgica ligado a vários projectos fundados
com mulheres, em zonas urbanas. na pedagogia institucional, conheci um grupo português num congresso interna-
Autor dos livros “Histórias de matemática – uma abordagem cional do Movimentos da Escola Moderna, realizado em Lovaine, na Bélgica. Esse
da didáctica experimental da matemática” (publicado em co- encontro marcou-me decisivamente, não só pelo teor do debate que proporcionou
autoria com Miguel Narciso) e “A escola faz-se com pessoas como pelo facto de me ter apercebido que havia pessoas neste país a implementar
– Undi N ta Bai?” e de dezenas de artigos em diversas publica- aquilo que eu procurava fazer na Flandres.
ções periódicas, Pascal Paulus é também colaborador regu- À paixão pedagógica junta-se uma paixão pessoal, já que conheci a minha mu-
lar de A Página da Educação na rubrica “Coisas do tempo”. lher, também ela professora, através do Movimento da Escola Moderna. A ideia

a página da educação · outubro 2007


22 / ENTREVISTA 

de virmos para Portugal concretizou-se porque na-


quela altura, em meados dos anos 80, nos parecia
pedagogicamente mais aliciante trabalhar na escola
primária portuguesa do que na flamenga. Além de os
desafios serem maiores, agradava-nos a forma co-
mo estava organizado o ensino e pareceu-nos que
o programa do 1º ciclo aprovado em 1989 facilitava
a gestão institucional. A realidade entretanto mudou,
mas na altura estes factores foram determinantes na
nossa escolha.

Trabalha numa escola dos arredores de Lisboa


com uma população essencialmente composta por
crianças filhas de pais imigrantes ou pertencentes a
minorias. É mais difícil trabalhar nessas condições?
Penso que trabalhar com filhos de imigrantes ou tra-
balhar com filhos de residentes é basicamente o mes-
mo. Há, no entanto, uma série de condicionantes que
complicam a relação com a escola. Uma delas é o
facto de estas crianças serem oriundas de famílias
que não têm um estatuto social, ou cujo estatuto não
é reconhecido como o estatuto padrão. Faço minhas
as palavras de um colunista do jornal Público, que se
referia recentemente ao facto de hoje em dia já não
existir “proletariado” mas sim “precariado”.
Estas crianças são precisamente filhas desse pre-
cariado, pessoas que muitas vezes estão apenas de
passagem no país, em transição para outros países
europeus como a Inglaterra, a Holanda ou a Suiça.
Muitos dos meus alunos chegam mesmo a perguntar-
ANA ALVIM
me porque razão eu próprio não emigro… porque têm
noção de que aqui a vida está difícil. “A escola é um espaço cultural e um espaço de humanização. É, ao mesmo
Depois, a escola e os próprios professores são quase tempo, um espaço de passagem. E nesse sentido é, em si própria, um espaço
vistos como funcionários das finanças (risos) e a rela-
ção entre as duas partes é praticamente reduzida ao
artificial. (…) No que esse espaço se converte depende de todos os elementos
mínimo indispensável. Quando a escola contacta os que nele interagem.”
encarregados de educação é habitualmente para lhes
dar conta do mau comportamento das crianças… A
própria escola cria com estas pessoas uma relação limitado para se ocupar delas. Nos últimos anos, mui- consagrado no Estatuto da Carreira Docente. Na mi-
hierárquica, burocraticamente bem definida. tas delas tiveram oportunidade de frequentar o ensino nha opinião, para as crianças se desenvolverem co-
Um dos aspectos que mais me surpreende, por exem- pré-escolar, o que é muito bom. Mas que por si só não mo cidadãos têm de ter contacto com uma forma de
plo, é o facto de uma criança só se poder matricular é suficiente, porque não há uma cultura de referência democracia directa e não delegada, como habitual-
se tiver o boletim de vacinas em dia, coisa que eu nun- escolar nas respectivas famílias. Neste sentido, é pre- mente acontece. E isto tem de ser aprendido e ex-
ca tinha visto na Bélgica. Eu compreendo os motivos ciso estar extremamente atento às referências trazi- perienciado numa comunidade pequena. E um bom
que estão por trás desta medida, mas ainda assim, na das por estas crianças e pelos pais para, a partir daí, instrumento para a pôr em prática é o chamado Con-
minha opinião, não deixa de ser algo estranho. Ou se- ter âncoras que possam ajudar a fazer a transferência selho de Cooperação.
ja, há uma estrutura que nada tem a ver com a escola da cultura que lhes é própria para uma outra cultura.
e que coloca entraves. A relação que a partir daí se Acrescente-se a isso, e este aspecto parece-me mui- Que é uma das metodologias defendidas pelo Mo-
estabelece é, naturalmente, uma relação hierárquica. to importante, o facto de a escola, em muitos sen- vimento da Escola Moderna…
tidos, ter a mesma cultura autoritária, de cima para Sim, exactamente. Que se inicia pela organização do
Sente que esse contexto socialmente desfavo- baixo, que se vive no bairro. Famílias em que o pai trabalho na sala de aula, no qual se apela à coope-
recido que retratou coloca mais dificuldades na manda na mãe, e a mãe, por sua vez, manda nos ração dos alunos, e que num segundo momento se
implementação do trabalho pedagógico dos pro- filhos. Quando estes se portam mal, o pai reprime a concretiza num momento formal, que é o Conselho
fessores? mãe que reprime os filhos. de Cooperação, onde se tratam os assuntos mais im-
Eu costumo dizer que trabalho num bairro de pessoas Na escola pública está presente exactamente este portantes que dizem respeito à vida da turma.
pobres. Assim é mais claro. Um bairro que pertence género de estrutura vertical, na qual a criança, situa- De resto, tudo se resume a uma questão de tempo e
a uma freguesia onde cerca de um terço do total de da na base, é alvo de sanções disciplinares ditadas de paciência. Não será no primeiro dia que as crian-
fogos é de habitação social (noventa por cento dos por um regulamento interno que lhe é imposto por ças vão contar o que lhes vai na alma, mas é uma
quais concentrados aqui) e onde existem quatro es- adultos. Ora, para uma criança que em casa tem co- forma de construir espaços onde esta abertura se tor-
colas do primeiro ciclo, duas delas pertencentes ao mo referência a autoridade do adulto, que manda e na possível, e que, pouco a pouco, vai criando laços
nosso agrupamento. Estas duas escolas servem cer- castiga caso ela desobedeça, a associação é quase mais fortes entre o professor e as crianças.
ca de 300 crianças, todas elas oriundas deste meio. imediata, apenas diverge na forma.
Ou seja, não há outros miúdos na minha escola a não E dado que as crianças nos seus grupos de pertença Que resultados práticos tem colhido da imple-
ser os miúdos do bairro social, havendo portanto, um se revoltam contra a autoridade dos adultos, acabam mentação do Conselho de Cooperação?
fenómeno de “guetização” muito forte. por fazer o mesmo revoltando-se contra a autoridade Ele resulta sobretudo quando é aplicado na resolu-
Recentemente, foi construído em frente ao bairro so- da escola… Dentro deste contexto, tentar implemen- ção de aspectos muito práticos e concretos do quo-
cial um empreendimento privado, sendo curioso ve- tar uma comunidade democrática e pô-la a funcionar tidiano da sala de aula, como determinar, por exem-
rificar que, à medida que este vai sendo habitado, é um desafio muito grande. plo, o que fazer quando um pincel utilizado para uma
aumenta o número de carrinhas de escolas e colégios cor fica inutilizado por ter sido aplicado numa cor
que vêm buscar os miúdos. Portanto não há nenhu- Como é esse esforço de tentar pôr em prática diferente. Em primeiro lugar, claro, ter mais atenção
ma interacção entre os dois contextos. uma comunidade democrática na escola e na sala para que isso não volte a acontecer. Depois, com-
Posto as coisas nestes termos, é óbvio que existem de aula? Os outros professores acompanham-no prar outro pincel. É através destes pequenos meca-
dificuldades pedagógicas acrescidas no nosso traba- ou têm uma certa desconfiança dessa atitude? nismos que os alunos se apercebem de que há um
lho. Eu lido com crianças que muitas vezes não têm Não posso falar pelos restantes professores. Feliz- debate possível sobre a forma de se organizarem na
sequer um livro em casa e cujos pais têm um tempo mente, a liberdade metodológica do professor está sala de aula.

a página da educação · outubro 2007


ENTREVISTA / 23

nem devemos, escapar: os conteúdos programáti-


cos. Enquanto grupo, a nossa tarefa é dar resposta
à encomenda que nos foi proposta, para a qual nos
organizamos e trabalhamos.
Mas isto só faz sentido se o que aprendermos servir
para alguma coisa depois de sairmos daquele espaço
cultural. Daí a ideia de que a escola só tem sentido se
a pensarmos como um espaço de construção entre
pessoas, sejam elas crianças ou adultos, num con-
texto de alfabetização ou de formação contínua… A
ideia continua a ser a mesma. A mais valia do saber
que aí se gera é construída a partir das pessoas, com
as pessoas, para aquelas pessoas.

Num dos seus textos já se referiu à escola co-


mo uma instituição “castradora”. Até que ponto é
possível mudar essa percepção?
A escola é castradora quando a sociedade a utiliza
como um instrumento de dominação. Neste sentido,
penso que a mudança terá de ir mais além do que a
simples alteração de práticas pedagógicas.
Paulo Freire dizia com insistência que só existe peda-
gogia quando se trabalha com as pessoas. A escola,
no fundo, é um instrumento político que pode assumir
o seu papel de duas formas totalmente distintas: um
em que domina, reproduzindo socialmente indivíduos
que se limitam a executar aquilo que se lhes ordena;
outro no qual assume valores humanistas, formando
e dando possibilidade às pessoas de se deslumbra-
rem – a “escola dos deslumbramentos”. Uma escola
ANA ALVIM
em que o aluno está na posse dos instrumentos que
“Na minha opinião, para as crianças se desenvolverem como cidadãos têm lhe permitem a si próprio evoluir num contexto de de-
de ter contacto com uma forma de democracia directa e não delegada, como mocracia participativa.
A escola castradora a que me refiro não corresponde
habitualmente acontece. E isto tem de ser aprendido e experienciado politicamente a esta última dimensão, reflectindo, afinal,
numa comunidade pequena.” aquilo que é a democracia representativa das nossas
sociedades, onde os alunos não têm a palavra, onde
aprendem não a ser cidadãos mas meras entidades.
E isso acaba por ser aplicado a outros contextos, interior de uma comunidade escolar (e a minha não
como as relações entre os alunos e entre estes e é tão pequena quanto isso) procurar aqueles que, tal Foi, durante muitos anos, formador de professo-
a escola? como eu, estão atentos àquilo que acontece na co- res. Que conselho daria a quem se está a iniciar
Sim, mas só com o decorrer do tempo. Este ano, por munidade escolar e no bairro em que ela se integra. E na profissão?
exemplo, tive miúdos de 5 e 6 anos que iniciavam pensar que há sempre a possibilidade de estabelecer Um professor é, antes de mais, um ser humano. É
o ensino primário. E a nossa escola, apesar de ser uma parceria. precisamente isso que o qualifica. E como qualquer
um estabelecimento de intervenção prioritário e de no Por outro lado, também considero fundamental não ser humano ele tem um determinado patamar de se-
projecto estar contemplado a reorganização do es- interferir no trabalho dos outros quando isso não é de- gurança, que só evolui quando ele aceita confrontar-
paço exterior, não tem qualquer tipo de equipamento sejado. Nesse sentido, nunca critico nenhum colega e se com os seus pares, permitindo-lhe questionar-se e
lúdico no recreio, tarefa que compete à autarquia. mantenho-me disponível para o debate. A partir daí é ultrapassar os obstáculos que se lhe deparam.
Aproveitando uma discussão sobre este tema realiza- sempre possível trabalhar em conjunto. O importante, Julgo que a formação inicial de professores, quando
da numa outra turma, lancei a ideia aos meus alunos na minha opinião, é não ficar no isolamento. conduzida com inteligência, possui um conjunto de
de elaborarmos uma proposta à câmara municipal, elementos interessantes (como o figurino de estágios,
que também foi acolhida por outro professor. E is- O livro que editou sob a chancela da Profedições in- o ano probatório e a figura de professor cooperante)
so implicou uma planificação do trabalho, através da titula-se “A Escola Faz-se com Pessoas – Undi N Tai que possibilitam a construção desse processo.
realização de inquéritos, de recolha de informação, Bai?”. O título do livro pretende, de alguma forma, Ao novo professor não basta ter muitos conhecimen-
do estabelecimento de contactos, da construção de ilustrar essa concepção de escola e de trabalho? tos científicos, é indispensável ter esse patamar mí-
uma maqueta, etc. No final, produzimos um peque- A escola é um espaço cultural e um espaço de hu- nimo de segurança e contar com alguém mais expe-
no filme que mostrava aos responsáveis autárquicos manização. É, ao mesmo tempo, um espaço de pas- riente que, servindo de referente, o ajude a fazer a
qual o tipo de recreio que as crianças gostariam de sagem. E nesse sentido é, em si própria, um espaço gestão da sua aprendizagem de forma que mais tarde
ver implementado. artificial. O grupo de trabalho que se encontra nesse possa ser ele o referente na gestão da aprendizagem
Apesar de se tratar de um trabalho eminentemente espaço é, também ele, artificial. Ninguém escolheu dos seus alunos.
prático, pelo meio surgem sempre discussões, que estar com aquelas crianças. E nenhuma daquelas Neste sentido, julgo que o ano probatório proposto
já são de ordem organizacional. Depois, o trabalho crianças escolheu estar naquele espaço, com aque- no novo figurino de formação inicial pode constituir
conjunto de duas turmas acaba sempre por originar les adultos. A única condição que está pré-definida é uma excelente forma de ir ganhando algumas certe-
algum tipo de conflito. Nesse caso, temos de os dis- o facto de a escolaridade obrigatória obrigar à pas- zas provisórias em espaços onde o jovem professor
cutir e ver qual a melhor forma de os ultrapassar… sagem por um espaço comum. No que esse espaço ainda não sente muito à vontade. Acima de tudo, po-
se converte depende de todos os elementos que nele rém, penso que é um processo que passa muito mais
Tendo em conta que a metodologia de trabalho do interagem. Cada uma das crianças com a sua história pelas pessoas do que por uma mudança radical do
Movimento da Escola Moderna é um pouco dife- de vida e o professor com a sua história de vida. processo de formação em si.
rente daquele que é habitualmente desenvolvido Depois, na minha opinião, este espaço só tem sen-
pela maioria dos professores, sente-se isolado na tido se também interagir com o exterior. Ele é uma Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa
sua forma de trabalhar? espécie de laboratório, onde se aprende o que é ser
Por vezes, mas a necessidade de falar com outros cidadão num contexto de participação directa. Todos
colegas sobre o quotidiano da escola faz com que nós temos hipóteses de agir sobre o contexto que NOTA
procure romper esse isolamento, quando e se ele nos rodeia. Há neste espaço algumas regras exterio- Pascal Paulus é autor do livro «A escola faz-se com pessoas. Undi N ta Bai?», editado pela
acontece. Porque há sempre a possibilidade de no res a ele e uma “encomenda” à qual não podemos, Profedições. Pedidos: livros@profedicoes.pt ou 226002790.

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24 / PONTO de encontro I 

IE/FN

David Rodrigues, professor e colaborador de A Página, acaba de lançar o seu segundo livro de poesia

“Grande mestra é a natureza se


David Rodrigues é professor Este é já o segundo livro de poesia melhor em que consiste o Haiku e a soubermos ser bons alunos...
associado da Faculdade de que publica. De onde surgiu o seu in- razão de ser da sua escolha? O meu interesse pelos Haiku é pois o
Motricidade Humana, insti- teresse por este género literário? O primeiro livro “Espírito de Corpo: tex- de visitar os valores mais simples da vi-
tuição na qual se doutorou O meu interesse pela poesia adveio tos prensados”, publicado em 2006, foi da, aqueles que se podem aprender da
na área de Educação Espe- sobretudo da sua leitura. Lembro-me um livro sobretudo dedicado ao Corpo. natureza. As nossas sociedades estão
cial e Reabilitação. Ensina e que desde adolescente me emociona- Já neste livro publiquei vinte e sete haiku. tão preocupadas em produzir riqueza
investiga na área da Educa- va com a grandiloquência ou com as Este segundo livro – “Estações Sentidas” que por vezes se perdem na rota de
ção Especial, sendo coorde- dores que eram relatadas em poesia. – é constituído por 111 destes poemas. saber para quê ou para quem esta ri-
nador do Fórum de Estudos Depois li tudo o que me passava ao al- Este interesse pelos Haiku advém, em queza serve.
de Educação Inclusiva. O ar- cance dos olhos e, mais tarde, comecei grande medida, por tê-los encontrado Partindo da minha experiência, o Haiku
gumento para esta entrevis- a ser mais selectivo. Assim adquiri um na obra de vários poetas. Venceslau de parece criar dependência... é o caso de
ta, porém, não é tanto a sua conhecimento razoável tanto da poesia Morais, Casimiro de Brito, Herberto Hel- muitos amigos meus, que mal lêem os
actividade profissional mas que se edita em Portugal como de al- der, Eugénio de Andrade, Albano Mar- Haiku ficam com uma indomável von-
mais a sua veia de escritor. guns autores estrangeiros. Depois foi o tins, só para citar alguns poetas portu- tade de os fazer. Por isso, o Haiku é tão
Com vinte livros publicados grande salto de receptor para emissor. gueses, foram seduzidos tal como eu usado em educação, como uma forma
no âmbito científico, “Esta- Gostar de poesia – até mesmo gostar de por este tipo de poesia. Talvez porque, de iniciação poética para jovens. Ainda
ções Sentidas” – o livro que certa poesia ou de certo autor – não nos antes de mais, o Haiku tem o encanto há pouco tempo, Maria Kodama, viúva
acaba de lançar pela editora compromete, não nos expõe; mas dar a do desafio: exprimir uma ideia poética do escritor Jorge Luis Borges, organi-
Indícios de Oiro – representa conhecer algumas linhas que seja so- em dezassete sílabas constitui uma em- zou um livro de Haiku escrito por alu-
a sua segunda incursão pe- bre as nossas emoções é já uma tarefa presa complexa de forma a encontrar nos do ensino primário e secundário.
la literatura de ficção, com a que implica uma grande exposição. Es- as palavras exactas, necessárias e sufi- Um último factor interessante sobre o
particularidade de ser total- ta exposição é tanto mais difícil quanto, cientes, para tornar inteligível a ideia que Haiku é a enorme disseminação que
mente escrito obedecendo a como é o meu caso, se tem consciência se quer expressar. tem a nível mundial: podemos encon-
uma ancestral forma de po- que a nossa contribuição é muito limita- Um outro factor que considero muito trar em todos os países sítios, publica-
esia japonesa minimalista: da. Será que vale a pena este pequeno interessante no Haiku é a sua ligação ções, associações, grémios literários,
o Haiku. No preâmbulo de passo gigantesco de passar de leitor de íntima à observação da natureza, uma concursos, seminários, clubes que se
ambos os livros refere que poesia a produtor de poesia? ligação que é feita no momento pre- dedicam a esta forma poética. Talvez
“escolheu a arte, a música, a Mas sempre tive um fascínio por escrever sente (assumida pelo poeta como um seja na actualidade a forma poética
família, os amigos e algumas textos curtos. Tenho uma série de contos “insight”, uma intuição) encravado no mais popular e disseminada. Para o
causas sociais para lhe faze- escritos e não publicados em que cada curso entre o passado e o futuro. Nes- constatar basta consultar a Internet.
rem companhia na jornada”. um não tem mais de três mil caracteres. te aspecto o Haiku assume um papel
Nesta entrevista, a Página dá Daqui à poesia é um caminho mais fá- de contra-corrente à nossa vida quoti- Tendo em conta que o Haiku apare-
a conhecer as motivações cil. Talvez por a poesia ser feita de textos diana por duas razões principais: antes ce sempre associado a uma das es-
deste professor para a escri- mais enxutos e mais densos do que se de mais porque é uma forma sintética, tações do ano ou contendo referên-
ta e desvenda alguns dos se- esperaria, à partida, por exemplo, de um subtil e precisa que surge numa socie- cias à natureza, este segundo livro
gredos do Haiku. texto em prosa. Densificar e simbolizar dade que cultiva o excesso, a repeti- versa algum destes temas em par-
são, para mim, as operações que podem ção e a exuberância; por outro lado, ticular?
converter um texto em poesia, e se a isto porque desenha uma ponte com a na- Gosto do termo “estação”. Dá ideia
se juntar o “engenho e arte”, pode até tureza da qual as pessoas (e sobretu- que confrontados com o correr do tem-
nascer uma boa poesia. do as populações urbanas), estão ca- po nós inventamos quatro estações (is-
da vez mais distantes. Numa época em to é, formas mais permanentes de “es-
Ambos os livros têm a particulari- que esta separação entre o Homem e tar”, como se fosse um “estar grande”)
dade de serem escritos seguindo a natureza começa a dar sinais de uma para assistirmos ao tempo a passar e
a tradição formal do “Haiku”, uma irreversibilidade dramática a temática talvez criar a ilusão que o tempo corre
ancestral forma de poesia japonesa do Haiku convida-nos a observar com e nós atrasamo-lo, nós “estamos”. Os
minimalista caracterizada por ver- reverência e respeito o que está à nos- Haiku referem-se muito frequentemen-
sos de três linhas. Pode explicar-nos sa volta. Grande mestra é a natureza se te a este correr lento mas inexorável

a página da educação · outubro 2007


PONTO de encontro II / 25

IE/FN

soubermos ser bons alunos...”


do tempo olhando-o através das mo- vinhos, precisam de um período de re- sores e com os especialistas da área,
dificações que ele provoca na nature- pouso para apurar o seu valor... Depois, o que não permite que as medidas que
za. A palavra japonesa “kigo” designa há uma tarefa na qual eu não sou mui- o ministério pensa que são adequadas
precisamente estas marcas próprias to fluente que é a de encontrar editores (umas serão, outras menos...) se expo-
de cada estação que não deixam de para estes trabalhos. Mas acredito que nham a qualquer tipo de contraditório.
ser sempre passageiras e fortuitas face no momento certo eles aparecerão. Esta atitude “iluminada” do ME tem
ao fluir do tempo. Esta é a concepção criado resistências e descrença escu-
mais tradicional do Haiku da qual po- Para além da sua faceta de escri- sadas na bondade das medidas.
deria dar o exemplo do famoso Haiku tor, o David Rodrigues é sobretudo
do grande poeta japonês, Bashô: “O reconhecido pela sua actividade en- Qual é o âmbito de actuação do FEEI e
velho tanque/ uma rã mergulha/baru- quanto investigador na área do en- que balanço faz da sua intervenção?
lho de água”. No entanto, muitos poe- sino especial e como coordenador O Fórum de Estudos de Educação In-
tas, na actualidade, usam o Haiku com do Fórum de Estudos de Educação clusiva (FEEI) (www.fmh.utl.pt/feei) é
conceitos menos estritos. Vejamos o Inclusiva (FEEI). Nessa qualidade, e um projecto que procura pela positiva
exemplo de um Haiku do poeta Casi- apesar de regularmente escrever no promover as condições para o desen-
miro de Brito publicado em Maio des- nosso jornal sobre este tema, qual o volvimento de projectos inclusivos. Pa-
te ano no Japão: “De canto em canto/ seu comentário acerca da reorgani- ra isso temos um centro de documen-
vou caindo/no charco do silêncio”. zação da Educação Especial levada tação, organizamos formações, temos
No meu livro “Estações Sentidas” pro- a cabo pelo actual Governo? contactos internacionais, fazemos in-
curo escrever sobre as quatro estações É verdade. A minha profissão não é po- vestigação (foi publicado no mês pas-
em que se divide o ano, numa temáti- eta, é professor universitário. Isso até sado o livro “Percursos de Educação
ca mais ligada à natureza (ex: “Com mil se vê pela publicação: publiquei vinte Inclusiva em Portugal: dez estudos de
olhos negros/ a oliveira olha mansa/ as livros como académico e só dois co- caso), e discussão de linhas progra-
aves que passam” ou “O granito áspe- mo poeta... Trabalho há muitos anos máticas. Consideramos que os nossos
ro/ficou com pele de veludo/nasceu-lhe na formação, intervenção e investiga- quase 600 membros são boas notícias
um trevo”) e numa segunda parte escre- ção em Educação Especial. É difícil fa- da Educação Inclusiva e um patrimó-
vo com uma maior liberdade temática zer um balanço muito sucinto sobre a nio que temos que valorizar e preser-
(ex: “A estrada onde vou/ tem flores de sua questão, mas vou tentar usar uma var. O balanço que faço é muito posi-
um lado e noite de outro/ caminho nas resposta inspirada na economia de pa- tivo só poderia ser ainda mais positivo
bermas” ou “O lago não sabe/ até que lavras do “Haiku”... Penso que muitas se contássemos com parcerias (nome-
chegue o vento/ quantas ondas tem”). das medidas que estão a ser tomadas adamente com as entidades oficiais)
Deixe-me fazer uma referência ao ex- são positivas e bem intencionadas (ex: que permitissem que a nossa reflexão
celente prefácio ao livro que é feito pe- a defesa da educação de todos os alu- e formação tivesse ainda mais impac-
lo meu amigo, o escritor Gonçalo M. nos na escola regular, a extinção de to entre os professores. Mas estamos
Tavares, onde, numa linguagem muito escolas especiais como lugares de es- satisfeitos com o que alcançamos e
bela e precisa, explica em que consiste colarização, etc.). Tenho criticado, no sobretudo motivados e fortalecidos
o Haiku e como deve ser lido. entanto, alguns aspectos desta política para continuar. A Educação Inclusiva
(a utilização da Classificação Interna- é um desígnio nacional assumido por
Está a preparar mais algum trabalho cional de Funcionalidade da Organiza- milhares de professores, por pais, por
no campo da poesia ou da literatura? ção Mundial de Saúde para construir alunos, pelo Governo e pelo Presiden-
O mais difícil é começar, depois os pro- planos de intervenção para alunos, a te da República; não estamos a falar
jectos sucedem-se e encadeiam-se... restrição dos serviços de apoio espe- sozinhos: estamos a oferecer o nosso
tenho um livro de contos para crianças cializado só a alunos com uma con- trabalho para criar um serviço de qua-
e um livro de contos prontos e outros dição de deficiência, entre outros as- lidade para atingir um objectivo estra-
projectos que esperam a prova do tem- pectos) mas um ponto fundamental da tégico e ético do nosso país.
po para poderem ver a luz do dia. Acho minha crítica prende-se com a ausên-
que estas produções, tal como alguns cia de diálogo do ME com os profes- Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa

a página da educação · outubro 2007


26 / EM FOCO I 

Onde está a justificação?

Desemprego cresce
assustadoramente
entre os professores

ANA ALVIM

A taxa de desemprego entre os professores atinge níveis preocupantes. A ministra Maria de Lurdes Rodrigues rejeita respon-
sabilidades e fala de um “desajustamento entre a oferta de formação e as necessidades do sistema educativo”. Os sindicatos
recusam este argumento e consideram que o problema se deve sobretudo à política de dispensas na função pública e à má
gestão da oferta de formação no ensino superior. Neste Em Foco, procuramos lançar algumas pistas para o debate ouvindo
opiniões e apontando algumas soluções preconizadas por parte de quem reflecte sobre esta questão.

De acordo com dados do Ministério da Educação, nos últimos dois anos a rede pela actual situação. Para a mais representativa organização sindical do sector, a
de ensino público perdeu mais de dez mil professores, cerca de 7500 dos quais Federação Nacional dos Professores (FENPROF), não há desajustes entre oferta
só ao longo do último ano lectivo. Segundo a Federação Nacional dos Professores e procura que justifiquem o aumento do desemprego entre os professores, nome-
(FENPROF), a estes poderão juntar-se outros dez a doze mil até ao final de 2008 adamente pelo facto de a grande maioria dos candidatos que não obtiveram co-
e entre 16 e 23 mil nos próximos três anos. Apesar desta perda progressiva, este locação já ter dado aulas no ano passado. Mário Nogueira, secretário-geral desta
ano existem mais 14 mil alunos matriculados no sistema de ensino relativamente estrutura, afirmou que a actual situação se deve exclusivamente às políticas de
ao ano anterior. “redução de trabalhadores na função pública”, referindo como exemplo os cerca
No concurso de colocação de professores, cujos resultados foram divulgados no de 4400 professores que se aposentaram no passado ano lectivo e que não foram
final de Agosto, apenas 3252 dos quase 48 mil professores candidatos obtiveram substituídos, acusando o actual Governo de promover “um dos maiores despe-
um horário completo na primeira fase. Neste universo contavam-se mais de 20 dimentos colectivos de que há memória” no país. Neste sentido, recordou que o
mil que, em 2006/07, tinham dado aulas. Na segunda-feira seguinte à divulgação trabalho dos professores não se resume à sala de aulas, havendo necessidade de
destes resultados, milhares de docentes acorreram aos centros de emprego, ser- mais docentes para trabalhar com crianças com necessidades educativas, ou no
viços da Segurança Social e lojas do cidadão para se candidatarem ao subsídio desenvolvimento de outros projectos em contexto escolar, como o papel de me-
de desemprego. diadores na gestão de conflitos.
A ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, considerou que o aumento O presidente da Federação Nacional de Educação (FNE), João Dias da Silva, la-
do desemprego se deve ao “desajustamento entre a oferta de formação e as ne- mentou a actual situação e apontou medidas como a criação de mecanismos de
cessidades do sistema educativo”, argumentando ainda que mais de metade dos apoio à promoção do sucesso nas escolas ou o estabelecimento de um enquadra-
candidatos são provenientes de ciclos de ensino que não estão em crescimento. mento legal que permita dar prioridade a estes professores no desenvolvimento
“Temos cada vez menos alunos no ensino básico e, portanto, não há condições de actividades de enriquecimento curricular no 1° ciclo. O coordenador da FNE
para responder às expectativas destes diplomados no ensino”, sublinhou a minis- defendeu ainda que a tutela deveria promover “formações curtas a nível superior”,
tra, rejeitando quaisquer responsabilidades por esta situação. em articulação com o Ministério da Ciência e do Ensino Superior, que permitam a
Os casos mais dramáticos observam-se no ensino pré-escolar, no 1º ciclo e nas reconversão profissional dos professores, seja os que se encontram em exercício
áreas disciplinares de Português e História do 2º ciclo. As necessidades do sistema seja os candidatos ao ensino que continuam a sair das faculdades e “cujo destino
centram-se agora em professores do 3º ciclo e do ensino secundário, sobretudo de- mais óbvio é o desemprego”.
vido ao aumento da oferta nos cursos de educação e formação profissionalizantes. Carlos Chagas, presidente do Sindicato Nacional e Democrático dos Professores
(SINDEP), acusou também o Governo de ser o único responsável pela situação. “Es-
te Governo determina o número de vagas da formação inicial de professores no ensi-
Sindicatos responsabilizam ministra no superior e por razões que se prendem com uma política de má gestão vem agora
dizer que há excesso e que nada tem a ver com isso”, afirmou Chagas, garantindo
As duas principais federações de sindicatos de professores reagiram em unís- que caso existisse uma boa gestão por parte da tutela haveria lugar no sistema de
sono às declarações de Maria de Lurdes Rodrigues, responsabilizando a tutela ensino para os cerca de 45 mil docentes que agora se encontram no desemprego.

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EM FOCO II / 27

ANA ALVIM

Reconverter e alargar o perfil dos profissionais de educação luz verde do Governo para esta nova denominação, a instituição decidiu avançar, em
1993, para a abertura de novos cursos de banda larga: Relações Humanas e Comu-
Apesar de mostrar preocupação com a crescente falta de empregabilidade que nicação do Trabalho, Turismo Cultural, Comunicação Social e Educação Multimédia,
afecta os recém-formados, Luís Rothes, professor da Escola Superior de Educa- Serviço Social e Animação Cultural. “Se esta reconversão não tivesse ocorrido, a
ção do Instituto Politécnico do Porto, recusa o “alarmismo” das organizações sin- ESE de Leiria já teria provavelmente fechado as suas portas”, garante Vieira.
dicais e afirma que “o sistema educativo não pode ser pensado para dar emprego Questionado sobre este tema, o presidente do Conselho Coordenador dos Insti-
aos professores”. Questionado sobre o futuro das instituições de formação de tutos Superiores Politécnicos (CCISP), Luciano Rodrigues de Almeida, considera
professores face à actual conjuntura, Rothes garante que não receia pela sobre- que a definição de um quadro orientador da formação de professores em Portu-
vivência das mesmas. gal depende, antes de mais, dos “objectivos do país no domínio da sua política
“Num país com um significativo atraso educativo como o nosso, existe uma mani- educativa”. Na sua opinião, “esta é uma das matérias em que a ausência de um
festa necessidade de técnicos superiores de educação que possam actuar em áre- pacto de regime que afaste as tentações que cada ministro sente de fazer a ‘sua’
as como a formação de adultos, o ensino das artes ou o serviço de carácter social, reforma, destruindo o trabalho do anterior sem o avaliar, compromete qualquer
entre outras. A formação não pode é continuar direccionada para áreas onde o sis- esforço sério de regulação”. Em matéria de educação, aliás, Luciano de Almeida
tema já atingiu a saturação”. Para isso, explica, “é preciso apostar em formações de considera que “os partidos políticos têm sido completamente irresponsáveis, ha-
banda larga que permitam ampliar o perfil de actuação dos futuros profissionais de vendo muitos actores do sector educativo em Portugal que ainda não entenderam
educação, paralelamente com ofertas formativas que garantam uma rápida recon- que a educação é um bem público”.
versão e actualização dos saberes científicos”. É precisamente em contextos como
este, diz ainda, que “o processo de Bolonha pode constituir uma oportunidade”.
Ricardo Vieira, professor da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Formação para a docência tem vindo a diminuir
Leiria (IPL), partilha das mesmas opiniões e vai mais longe ao afirmar que no nosso
país “existe a ideia enraizada de que a obtenção de um curso garante necessaria- De acordo com o Observatório da Ciência e Ensino Superior, o número de recém-
mente um emprego”. No caso dos professores, adianta, “o Ministério da Educação formados nas áreas vocacionadas para a docência tem vindo a diminuir desde
foi durante muitos anos a entidade formadora e empregadora, não tendo havido 2003. Ainda assim, as universidades e politécnicos portugueses formaram 88161
preocupação em regular o mercado”, circunstância que acabou por se traduzir no mil professores entre 1998 e 2005. Analisando os dados mais detalhadamente,
actual desequilíbrio. Perante o facto consumado, e embora admitindo que a sua pode verificar-se que o número de alunos que obtiveram um diploma em cursos
proposta não seja propriamente inovadora, uma das soluções para o desemprego da área de Educação passou de 6667 no ano lectivo de 1997/98 para 15012 em
docente poderá passar, a curto prazo, por acções pontuais de reconversão profis- 2002/03, ano em que esta tendência se começou a inverter. De facto, em 2003/04
sional que lhes permita assumirem funções de apoio técnico – nomeadamente em o número caiu para 12166 diplomados e para 10246 no ano seguinte, evolução à
áreas emergentes como as novas tecnologias – cultural e pedagógico às escolas. qual não terá sido alheia a diminuição do número de vagas disponibilizadas pelas
Face à previsível diminuição do número de candidatos aos cursos orientados para a instituições de ensino superior com oferta nesta área. Relativamente ao número
via de ensino, as instituições de formação deverão, também elas, saber “adaptar-se total de diplomados, o sector educativo representava 14 por cento em 1997/98,
e reconverter a sua oferta”. Tanto mais, explica Vieira, quanto “à escola de hoje se tendo subido para 22 por cento em 2002/03. No ano seguinte representava ape-
colocam desafios e problemas que exigem um novo perfil de educador”, vocaciona- nas 18 por cento, tendo regressado para valores próximos do início do período em
do para o trabalho social, como a ligação à família, a mediação de conflitos ou o de- análise (15 por cento) em 2004/05.
senvolvimento e animação de projectos locais. Para que isto aconteça, porém, “o ME Apesar de a análise destes dados permitir verificar que existe uma diminuição do
terá de abrir espaços de intervenção nas escolas e legitimar estes novos papéis”. número de candidatos a professor lançados para o mercado de (des)emprego, o
Antecipando a actual conjuntura, a ESE de Leiria apontava, já no início dos anos 90, número daqueles que não consegue colocação nas escolas tem conhecido uma
para a necessidade de reequacionar a sua oferta formativa e alterar a designação progressão inversamente proporcional. Tendo em conta este problema crescente,
para Escola Superior de Educação e Ciências Sociais. Apesar de nunca ter obtido que tipo de resposta oferece o Instituto do Emprego e Formação Profissional?

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28 / EM FOCO III 

ANA ALVIM

A PÁGINA colocou esta questão ao delegado regional do norte do IEFP, Avelino Lei- como o número de professores existente por grupos etários e por grupos disci-
te, que considera o trabalho com os candidatos a professor “muito difícil”. Isto, ex- plinares, o número previsto de aposentações, a variação de cargas horárias e as
plica, porque “a maioria interiorizou um projecto de vida que não contempla outras horas destinadas a cargos pedagógicos, bem como o número de professores pre-
alternativas para além do ensino, sendo habitualmente pouco provável convencer vistos nos cursos de formação de professores. Como forma de avaliar o impacto
pessoas nesta situação a aceitar ofertas de emprego noutras áreas de actividade”. de medidas alternativas de política educativa, são considerados três parâmetros
Como exemplo, refere o facto de o IEFP ter mantido ao longo dos últimos anos um variáveis (dimensão da turma, idade de reforma e formação de professores) que,
conjunto de acções de formação destinadas a reencaminhar a saída profissional combinados entre si, ajudam à definição de diferentes cenários.
de activos qualificados – designado Programa Fordesq –, nas quais se encontra- Apesar de garantir que houve interesse por parte do Ministério da Ciência e do
vam inscritos um significativo número de professores, “descontinuadas em função Ensino Superior – na altura tutelado pelo ministro Pedro Lynce – em conceber um
dos seus resultados praticamente nulos”. Muitos dos candidatos, diz, “desistiam modelo prospectivo similar para o sistema educativo português, o facto é que o
mal lhes aparecia uma oportunidade para preencher um horário, ainda que incom- pedido acabou por ficar na gaveta. Na mesma ocasião, Anselmo de Castro lamen-
pleto, em escolas localizadas a centenas de quilómetros de distância, em regiões tava a falta de interesse dos decisores políticos numa planificação mais rigorosa do
como o Alentejo ou o Algarve”. sistema, afirmando ser muito difícil introduzir este tipo de cultura no nosso país.
A esta circunstância, acresce o facto de o IEFP receber uma escassa oferta de A questão que se coloca é, então, porque razão nem o Governo nem as institui-
emprego na área da docência – exceptuando casos pontuais provenientes de ga- ções de ensino superior se socorrem de instrumentos desta natureza no sentido
binetes de estudo ou similares –, dada a natureza muito específica do processo de de regular o mercado de emprego e salvaguardar situações como a que actual-
recrutamento inerente ao sistema de ensino, reduzindo consideravelmente a capa- mente se vive. Colocamos esta questão aos presidentes do Conselho de Rei-
cidade deste organismo em proporcionar uma resposta específica a este sector. tores das Universidades Portuguesas (CRUP) e do Conselho Coordenador dos
“Estamos num regime de mercado livre onde cada um pode obter as qualificações Institutos Superiores Politécnicos. Ao longo de uma semana tentamos contactar o
que entender, mas não podemos esperar que toda a gente encontre emprego na presidente do CRUP, mas Fernando Seabra Santos mostrou-se indisponível para
respectiva área de formação. Os professores que estão no desemprego, à seme- responder ao nosso convite.
lhança de outros profissionais, têm de perceber que muitas vezes têm de optar por Na opinião de Luciano Rodrigues de Almeida, presidente do CCISP, o “evidente de-
uma área que não corresponde necessariamente à sua formação. O grande drama sajustamento entre a oferta de formação superior e as necessidades da rede esco-
dos professores nesta situação é que na maioria dos casos demoram muito tempo lar” resulta de “responsabilidades partilhadas” entre o Governo e as instituições de
a aperceber-se dessa inevitabilidade”. ensino superior. “O Governo porque tinha a obrigação de ter promovido os estudos
prospectivos que permitissem com rigor fazer o levantamento das necessidades de
professores a médio prazo, o que pressupunha a definição de uma política educati-
Partilha de responsabilidades entre Governo e instituições va capaz de sobreviver a um ministro e a um governo e de aproximação aos níveis
de ensino superior de desempenho da média da União Europeia. As instituições porque, enquanto
centros de saber e na omissão do Governo, tinham a obrigação de ter elas próprias
Em Março do ano passado, a Página publicava uma entrevista com Eduardo An- promovido esses estudos e adequado a sua oferta de formação”.
selmo de Castro, professor da Universidade Aveiro (UA), que, em colaboração com Neste domínio, sublinha, “o conservadorismo das nossas instituições de ensino
uma equipa de investigadores, desenvolveu um modelo de análise prospectiva superior e de grupos de interesses instalados tem conseguido dificultar qualquer
que permite determinar com precisão o número de professores necessários ao iniciativa de auto-regulação”. Regulação, admite este responsável, que “acabou
sistema educativo português, nas diferentes áreas disciplinares, até 2020. Para por ser feita à custa da diminuição de candidatos”, à qual se seguiu uma redução
além de permitir determinar a procura, Anselmo de Castro garantia que ele pode drástica do número de vagas por parte das instituições, sem qualquer estudo
ser aplicado, sem demasiada rigidez, às possibilidades de saída profissional. O prospectivo que a sustentasse.
modelo foi testado com sucesso pela própria UA num estudo de viabilidade pa- Concluindo num tom crítico, Luciano de Almeida afirma que “em geral, as nossas
ra a instalação de um pólo na cidade de Viseu, e o Instituto Politécnico de Leiria instituições de ensino superior são incapazes de tomar decisões e incapazes de
encomendou um modelo semelhante de procura e de colocação da formação de promover mudanças, porque estão prisioneiras de jogos de interesses corporati-
professores para o ensino básico e secundário. vos que as paralisam”. Além disso, diz, “têm uma deficiente concepção de ‘auto-
Nessa entrevista, Anselmo de Castro explicava que o modelo assenta no cruza- nomia’ e não a usam em matérias em que supostamente estão obrigadas a fazê-lo,
mento de parâmetros como as previsões demográficas da população, o número como o da regulação da sua oferta pedagógica”.
de alunos, as taxas de escolarização e a dimensão média das turmas existentes
por nível de ensino, prevendo a possibilidade da extensão do ensino obrigatório
para doze anos a partir de 2010. Partindo desses resultados, cruzam-se dados Ricardo Jorge Costa

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EM FOCO IV / 29

Algumas notas
de reflexão
Rui Vieira de Castro
Universidade do Minho
Instituto de Educação e Psicologia

A existência de um número muito significativo de pessoas


com qualificação profissional para a docência que hoje não
encontram trabalho correspondente a essa qualificação é
um facto que não pode deixar de merecer reflexão, seja por
parte dos principais empregadores, seja por parte das insti-
tuições de formação, seja, enfim, por todos aqueles a quem
as questões da educação importam ou dizem respeito. Não
podendo ser este o lugar para um comentário extenso sobre
o tema, deixaria, no entanto, algumas linhas de leitura que
julgo pertinentes:

1. Há uma profunda contradição entre a existência de níveis


de qualificação escolar da nossa população, que ficam
claramente aquém do que seria desejável, e a existência
de um corpo de pessoas profissionalmente habilitadas
que não podem dar o seu contributo efectivo para o au-
mento dessa mesma qualificação. Não me parece que
esta contradição possa ser respondida apenas com base
em expectativas acerca das virtualidades do “mercado
educacional”. Haverá certamente lugar para o desenho e
desenvolvimento de políticas públicas que possam apro-
veitar o esforço que o país ao longo dos anos foi despen-
dendo na formação de profissionais qualificados.
2. No que diz respeito à formação dos novos profissionais,
haverá que aprender com os erros do passado e explorar
novas possibilidades. Existe hoje, e julgo que fundada, a
convicção de que a formação de professores se tornou
para muitas instituições de ensino superior um projecto
instrumental de expansão da sua oferta educativa, sem
que muitas vezes a qualidade dessa oferta tenha sido
suficientemente acautelada, situação para que alguma
demissão do Estado na regulação da oferta acabou por
contribuir. A verificação de que muitos licenciados não
encontram hoje acolhimento no sistema enquanto pro-
fissionais e de que alguma rarefacção na procura deste
tipo de formações vai acontecer pode ser uma oportu-
nidade para se repensar, em novas bases, de maior exi-
gência, a formação dos professores. Julgo que alguns
passos positivos foram dados com a publicação recente
do decreto-lei nº 43/2007 que aprova o regime jurídico
de habilitação profissional para a docência na educação
pré-escolar e nos ensinos básico e secundário. A avalia-
ção rigorosa dos projectos em sede de acreditação dos
cursos será um mecanismo com significativas potencia-
lidades.
3. Se temos uma certeza é de que professores profissio-
nalmente qualificados serão cada vez mais necessários.
Por outro lado, muitos estudantes continuarão a ver na
profissão de professor um horizonte desejável. Neste
quadro, o desafio maior que se coloca é o de encontrar
as formas mais adequadas de conjugar estes dois tipos
de expectativas, de forma a garantir a expansão susten-
tada de ofertas educativas de qualidade.”
ANA ALVIM

a página da educação · outubro 2007


30 / À MESA do café 

Professores e sindicatos

Preferiam vê-los “amansar a fera” em vez


de todos os dias ameaçarem que a vão matar
A PÁGINA da Educação lançou o desafio a quatro professores para se pronunciarem sobre as suas preocupações educativas
e a actuação das organizações sindicais de professores. O “facilitismo” instituído nas escolas, a insensibilidade ministerial,
os baixos salários, a precariedade das colocações, a falta de discussão sobre as questões deontológicas, a necessidade de
formação ao longo da carreira, foram as preocupações mais sublinhadas. Na conversa os docentes falaram da actuação sin-
dical como um todo, ainda que alguns fizessem questão de se assumir como sindicalizados.

Paulo Dias, 31 anos Bandeiras de luta


Professor de Geografia na Escola Secundária de Fafe
10 anos de serviço | 5º escalão Entende que o principal papel dos sindicatos seja o de defender as condições
laborais do trabalhador. Mas, no caso dos professores, refere, “o sindicato devia
Está há um ano na Escola Secundária de Fafe, conta estar mais dois. Depois? imiscuir-se nas situações pedagógicas”. Porquê? “Porque isso também mexe com
Sorri. De novo a incerteza. No aspecto pessoal está preocupado com o futuro. o bem-estar do professor no seu local de trabalho”, responde. De que forma?
Sobretudo no que toca ao vencimento e à estabilidade profissional. Ao ponto de se “Melhorando o ambiente de trabalho, não só em termos de condições materiais
colocar a questão sobre se manterá ou não o ensino como a sua actividade “para nas escolas mas também a relação entre professores e alunos, nomeadamente ao
o resto da vida”. Apesar de já pertencer aos Quadros de Zona, diz-se “apreensivo”. nível da segurança.” O sindicato, segundo Paulo Dias, devia ainda “defender um
As condições de trabalho são outra das suas preocupações, nomeadamente o aumento de poder disciplinar dos professores”. A questão salarial e a valorização
facto de trabalhar em escolas cada vez mais distantes do Porto, cidade onde resi- do estatuto social do professor seriam, para Paulo Dias, duas lutas que nunca de-
de. Os custos com as deslocações pesam também no vencimento. Um depósito veriam ser retiradas da agenda sindical.
por semana é quanto Paulo Dias gasta. Feitas as contas por alto, 160 euros num Questionado sobre a actuação das organizações sindicais ligadas ao ensino, Pau-
ordenado de 1220 euros líquidos mensais. lo Dias hesita em atribuir-lhes uma nota. “Daria mais do que 10 porque num go-
Sobre o que o preocupa ao nível do ensino Paulo Dias responde sem hesitação: verno com maioria absoluta os próprios sindicatos dizem ter pouca margem de
“O facilitismo!” Di-lo por comparação ao tempo em que era aluno. “Há um facilitis- manobra.” E recorda as negociações feitas no que toca ao Novo Estatuto da Car-
mo que está cada vez mais presente em termos de aprendizagem e de objectivos reira Docente. “Um ou outro pormenor foi alterado, mas sem grande peso no seu
que os alunos supostamente deveriam atingir no final do ano lectivo já de si muito conteúdo geral.”
reduzidos”, critica o professor, acrescentando: “Alteraram-se as nomenclaturas
de objectivos mínimos para específicos mas isso só vem escamotear a realidade,
porque se exige menos dos alunos e passa-se a ideia de ‘brincar para aprender’, Miguel Sousa, 42 anos
com a qual eu não concordo.” Professor de Educação Física | Escola Secundária da Ribeira Grande,
Outra das questões que o preocupa é ver constantemente posto em causa o papel São Miguel, Açores
do professor. “Se o aluno não corresponde aos objectivos a culpa é sempre do 17 anos de serviço
professor, mas é preciso ver que há outros culpados, nomeadamente as condi-
ções familiares, sociais, económicas e até da própria sociedade que dá mais valor Está efectivo na escola onde lecciona e se estivesse no Continente estaria a con-
ao ter que ao ser...” E explica: “Cultiva-se a mentalidade de que importa passar a correr a Professor Titular, faz questão de referir, lembrando que o escalamento da
qualquer custo onde o saber ou não saber pouco interessa...” carreira nas ilhas é diferente.
Por fim, diz o professor, “a actuação das hierarquias superiores da educação” não es- Sobre as preocupações com o ensino actual, Miguel Sousa elege o que afirma
tá a contribuir para uma melhoria do estado da educação. “Veja-se a questão em que ser a tentativa de “os governantes quererem transformar a escola que é a casa da
a ministra põe em causa a importância dos trabalhos de casa... compreendo que, por educação, na casa da instrução”. E explica: “O sucesso escolar foi reduzido ao
um lado, nem todos os alunos tenham acesso aos mesmos meios de pesquisa e in- passar ou não de ano, isto é dizer que na escola só se instrui. Os nossos políticos
formação, mas, por outro lado, deve-se valorizar o trabalho fora do tempo lectivo.” querem que as crianças saibam muito de português ou matemática, mesmo que
sejam mal-educados ou tenham mau carácter”. Por isso conclui: “A escola deixou
de educar. É claro que a escola deve dotar os alunos dos mecanismos suficientes
Concentração sindical para procurarem uma profissão, mas não pode ser só isso.”

“Já fui sindicalizado mas deixei de ser porque quando precisei de ajuda não fui
bem orientado!”, resume Paulo Dias enquanto tenta encontrar as razões de tal A criação de uma Ordem de Professores
atendimento: “Provavelmente por ser um sindicato pequeno, a quota paga era a
mais barata na altura, rondava os cinco euros...” Outros aspectos mais pragmáti- Na sequência da sua preocupação, Miguel Sousa admite que gostaria de ver as orga-
cos originaram a desistência: a dificuldade no acesso, a falta de estacionamento nizações sindicais “a ajudar o Governo a definir o que é o sucesso escolar, uma vez
e a incapacidade de resolução de problemas via telefone. “Entretanto, casei com que o argumento do executivo para mudar o Estatuto de Carreira Docente foi a pro-
uma professora que é sindicalizada e apoio-me no sindicato dela... assim fica dois moção do sucesso escolar”. Miguel Sousa adianta-se na definição com um exemplo
em um”, graceja. de uma realidade que está presente no seu quotidiano. “A ministra devia perceber que
Questionado sobre a actuação dos sindicatos, Paulo Dias comenta: “Penso que um filho de agricultores que tem de se levantar às 4 horas da manhã para ordenhar
os sindicatos são importantes em qualquer actividade profissional!” Mas adianta: a vaca, apanhar o carro para ir para a escola, voltar às 19 horas da noite para nova-
“O problema é existirem vários sindicatos, o que reflecte também a disparidade mente ir ordenhar vacas, começar a estudar às 21h e ao outro dia estar a pé às 4h, já
de categorias dentro do corpo docente.” O ideal para este professor seria a con- tem sucesso escolar!” No entender deste professor “não se pode fazer uma avaliação
centração. “Um só sindicato que englobasse todas as sensibilidades para ter mais quantitativa do sucesso escolar sob o risco de reduzir a escola a números”.
força.” Mas também, acrescenta, “mais neutro em termos de cores partidárias”. Outra das suas preocupações em relação à actuação dos sindicatos é “a sua sede
A esta diversidade típica da profissão, Paulo Dias recorda ainda outra divisão que de poder”, que diz ser “ tão grande quanto a dos políticos”. A sua posição quanto
diz estar a contribuir ainda mais para a perda de força da classe: a divisão entre a este aspecto passaria pela criação de uma Ordem dos Professores. “Para mim
professores titulares e não titulares. “Uns vão avaliar o trabalho dos outros, uns es- o sindicato devia admitir que as questões laborais dos professores são demasia-
tão num patamar superior aos outros...”, comenta. Uma actuação que Paulo Dias damente graves e, por isso, justificavam o delegar das questões deontológicas
diz ser a de “dividir para reinar” e que prevê contribuir para agravar o “mal-estar numa eventual Ordem.” Mas esclarece: “Isto não significa que Ordem e sindicatos
entre a classe docente”. estivessem de costas voltadas!”

a página da educação · outubro 2007


À MESA do café / 31

ANA ALVIM

Sindicato em avaliação vas algumas declarações dos sindicalistas que ouve na televisão, sobretudo no
que toca à legislação ministerial. “Um decreto-lei pode ser interpretado de várias
Questionado sobre a nota a atribuir à actuação sindical, o professor é peremptório: maneiras, mas acho que muitas vezes os sindicatos só destacam os pontos ne-
“Dava nota negativa, claramente! Era necessário bater o pé, não tanto em relação gativos…”
às carreiras, mas contra a tentativa de tornar o professor num burocrata ao invés Apesar de, como insiste em dizer, “ter uma relação aberta com a direcção da es-
de um pedagogo. Temos mais papéis para preencher que alunos para ensinar!” cola”, Bianca Almeida recorre várias vezes ao seu sindicato. Interessam-lhe as
A nota justifica-se ainda por outra crítica. Miguel Sousa diz que na discussão em acções de formação que são promovidas pela organização. E é essa parte “forma-
torno das formas como os professores vão ser avaliados, está a ser esquecida a tiva” que se reflecte na nota que a professora atribui à actuação sindical: 10.
falta de instrumentos para que estes se possam defender de uma avaliação in-
justa. “Os alunos têm o direito de protestar a nota e os professores não têm esse Pedro Graça, 40 anos
direito, por isso gostava de ver isso clarificado no Estatuto”, contesta. Professor – associado e membro do conselho pedagógico da Faculdade
de Ciências da Nutrição e Alimentação
12 anos de serviço
Bianca Almeida, 24 anos
Professora do 1º ciclo | Ensino Particular e Cooperativo Uma preocupação de quem participa em órgãos de gestão – como é o seu caso
3 anos de serviço | Efectiva – é a “qualificação pedagógica dos docentes”, diz Pedro Graça, que critica o fac-
to de a progressão na carreira ser feita apenas a partir de indicadores de produ-
Nas formações que tem feito, Bianca Almeida, professora do 1º ciclo tem visto de tu- ção científica. “São um factor de qualidade pedagógica, mas não só”, observa o
do. “Professores muito empenhados e professores muito revoltados!” A revolta é atri- docente. “Um professor pode escrever vários ‘papers’ por ano mas estar pouco
buída à actuação do ministério. Uma situação que, apesar de estar no ensino particu- apetrechado para divulgar ciência numa sala de aula”, diz. “No ensino superior faz
lar e cooperativo, não a deixa indiferente. “Vejo os professores do ensino público com falta uma forma de valorizar os docentes que investem na investigação e ao mes-
condições de trabalho difíceis que dificultam a prática de um ensino diferente.” mo tempo têm boas capacidades pedagógicas”, acrescenta Pedro Graça.

Problemas laborais e alunos Problemas no Superior

Mas será que as questões laborais dos professores não estarão a sobrepor-se aos Entre outras preocupações sobre o estado do Ensino Superior, Pedro Graça des-
interesses educativos dos alunos? “Não!”, afirma a professora. O facto, esclarece taca a “fuga de cérebros”, ou seja, “a procura dos bons profissionais para outros
Bianca Almeida, é que “as alterações nas carreiras foram muito significativas e têm campos que não a docência”, algo que diz acontecer “sobretudo na área das ciên-
tornado muito difícil ao professor saber o que esperar da escola em termos de fu- cias”. O problema, aponta Pedro Graça, é económico. “Muitas vezes um professor
turo.” A “insegurança” é para a professora a causa de todos os problemas. do ensino público consegue ter um rendimento superior trabalhando apenas meia
dúzia de horas fora da instituição de ensino.”

Mais greves não!


Sindicatos mais virados para a formação
Neste cenário, a actuação dos sindicatos merece alguns reparos da professora.
“Acho que a prioridade de actuação não deveria passar tanto pelas greves, mas Por tudo isto, Pedro Graça gostaria de ver os sindicatos a apostar mais na área
por procurar estabelecer uma ligação com o Ministério da Educação através de da formação. Essa devia ser cada vez mais uma das atribuições sindicais. No en-
uma via mais suave.” O melhor a fazer seria “amansar um bocado as feras”, graceja tanto, “o sindicato ainda é visto como um corpo reivindicativo ao qual se recorre
a professora. Mas essa sua visão não encontra feedback na propaganda sindical quando se tem problemas com a entidade empregadora”, alerta. O ideal seria que
que Bianca diz receber. “Os panfletos que recebo em casa apelam sempre à ‘luta o sindicato actuasse como um parceiro mais presente no que toda à “construção
contra’ ou ‘à greve’”, lamenta Bianca, recordando que toda a acção que se repete da carreira”, na procura de cursos e de formações.
acaba por perder a sua eficácia. O “alarmismo” com que vê os sindicalistas tratar
certas questões também lhe merece críticas. Bianca Almeida vê como excessi- Andreia Lobo

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32 / SAÚDE escolar 

Os alunos estão
demasiado quietos…

IE/FN

A actividade física é um dos determinantes da saúde que deve ser desenvolvido em que se estima que o sedentarismo é responsável por 1 milhão e 900 mil mor-
em meio escolar. O exercício físico regular, além de ser um importante componente tes a nível mundial, e que dois terços da população mundial não realiza exercício
no crescimento e desenvolvimento do sistema músculo-esquelético, contribui pa- físico regular, é importante definir que quantidade de exercício é necessário para
ra a diminuição do risco de obesidade infantil. Os estudos nacionais apontam para ser benéfico à saúde.
uma prevalência do excesso ponderal em cerca de um terço na população escolar, Se nos adultos se deve realizar 30 minutos diários de actividade física cumulativa
esteja-se a mesma a referir ao jardim-de-infância, ensino básico ou secundário. moderada (por exemplo, caminhar, andar de bicicleta, dançar ou praticar jogos
Por outro lado, estudos científicos têm apontado uma relação entre o exercício recreativos), as crianças e adolescentes necessitam de complementar esta activi-
físico regular e um melhor desempenho escolar nas crianças. A nível dos adoles- dade com a prática efectiva de 20 minutos adicionais de actividade física vigorosa,
centes, os estudos associam-no a uma menor probabilidade destes se tornarem três vezes por semana. Já para controlar o peso, se recomenda, pelo menos, 60
fumadores, bem como adoptarem outro tipo de consumos nocivos, e, no que diz minutos diários de actividade física vigorosa ou moderada.
respeito aos jogos em equipa, a um desenvolvimento de competências na área Nas escolas, a prática da actividade física encontra-se prevista nos programas do
das capacidades sociais, ao promover a integração social. 1º ciclo básico, na área curricular disciplinar da expressão e educação físico-mo-
As vantagens não se ficam por aqui. Sabe-se que os comportamentos praticados tora, de frequência obrigatória, estando a educação física prevista também nos
pelos jovens serão mais facilmente replicados na vida adulta, pelo que a conti- restantes ciclos de ensino, sendo este um espaço privilegiado para que os jovens
nuidade da prática de exercício físico nesse ciclo de vida está associada a uma possam realizar o exercício físico adequado. Além de programas desportivos es-
redução do risco de morte prematura, dado diminuir o riscos de algumas doenças, colares, outras iniciativas desportivas e actividades físicas providenciadas fora do
sejam elas do foro cardio ou cerebrovascular, músculo-esquelético, metabólico, horário escolar são algumas das estratégias que a escola pode utilizar para a pro-
cancerígeno e psiquiátrico. Por outro lado, as próprias crianças portuguesas obe- moção da actividade física regular. A escola tem, deste modo, a responsabilidade
sas já começam a manifestar patologia cardiovascular e metabólica, além desta acrescida de ser o local privilegiado de luta contra um mundo promotor do seden-
doença crónica estar associada a uma baixa auto-estima, mau rendimento e ab- tarismo. É importante pôr as crianças e os jovens a mexerem-se todos os dias!
sentismo escolares.
No ambiente obesogénico que actualmente se vivencia – isto é, um ambiente que Nuno Sousa
encoraja comportamentos que aumentam o risco de obesidade – e numa altura Médico de saúde pública, Porto

PINTURA e CIDADANIA
Crianças de rua inspiram artista queniano

Num hospital psiquiátrico para crianças Jesse, um jovem pintor queniano aperta mãos, troca e encontra a ins- “Certas pessoas dizem que as minhas pinturas são deprimentes, mas há sofrimento por toda a parte”, diz o ar-
piração para as suas obras que descrevem um universo perturbado. tista. Jesse luta também: expôs nos Estados Unidos e no Quénia, vende telas, essencialmente a Ocidentais, mas
“Não encontro ideias observando o céu. Exploro os meios que são estigmatizados e de que as pessoas têm continuou sempre a trabalhar como cabeleireiro para ganhar a sua vida neste país pobre da África do Leste.
medo”, explica Jesse Seng Ang, de 25 anos. Num mundo à margem que é o motor da sua obra, Jesse sente-se Jesse, nunca estudou arte mas lançou-se na pintura em 2003, depois de ter trabalhado como cartoonista para
em casa: alguns dos seus parentes sofrem de doenças mentais. Em 2006, recebeu uma bolsa para ir pintar nos um jornal local queniano. “Não era feliz, não ganhava muito dinheiro e não tinha liberdade, parei”, recorda-se.
Estados Unidos. “Ali, não me autorizavam a entrar nos hospitais psiquiátricos.” Ficava louco, não tinha inspira- “Queria ajudar, e encontrei a inspiração para as pinturas no voluntariado”, conta. Porque além de pintar, Jesse
ção. Terminei as minhas telas e voltei ao Quénia”. compartilha o seu saber: tenta aconselhar as famílias dos doentes que sofrem de perturbações psiquiátricas,
Para “atelier”, Jesse utiliza o centro de reabilitação Daraja [“ponte” em swahili], que acolhe crianças das ruas geralmente abandonadas no Quénia e dá cursos de pintura às crianças errantes. “A pintura, é extraordinária para
de Nairobi. Pinta na sala onde as crianças, sentadas na terra, sonham com uma vida melhor enquanto assistem as crianças de rua ajuda-as a crescer.”
a um filme. AL/ Fonte: AFP

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DA CIÊNCIA e da vida / 33

Conservação da biodiversidade
a ciência e os valores
A história do conflito entre os promo- no conhecimento científico que detém humano também depende e beneficia
tores de um empreendimento imobi- mas, sobretudo, nos princípios filosófi- dele. O desaparecimento de certas es-
liário americano e os advogados da cos e éticos em que se alicerça. pécies ser-lhe-á, assim, prejudicial. O
protecção de um pequeno rato salta- Afinal, por quê valorizar a biodiversida- prejuízo pode ser imediato - temos de
dor, referida na crónica anterior, tem o de? Em termos gerais, podem apon- nos habituar a viver sem bacalhau?; ou
seu quê de burlesco mas constitui um tar-se três razões: porque podemos vir potencial - será que aquela planta rara
paradigma das questões que hoje se a precisar dela – valores associados à da amazónia contém uma nova subs-
levantam repetidamente em relação à utilidade; porque gostamos dela – va- tância terapêutica?
conservação da biodiversidade. São lores associados ao prazer e à estéti- Por outro lado, sabemos que os seres
assuntos que causam frequentemente ca; ou porque achamos que devemos vivos integram redes complexas de in-
discussões acesas e tomadas de po- – valores associados à ética ou moral. teracções e fluxo de matéria e energia,
sição vincadas em torno de “o que é A obtenção de um consenso universal os ecossistemas. O desaparecimento
que vale realmente a pena preservar” e torna-se, evidentemente, muito difícil. de uma espécie chave pode pôr em
“o que é importante para o bem estar e Mas numa era em que as acções hu- causa o equilíbrio de toda esta estrutu-
desenvolvimento humano”. O papel da manas sobre o ambiente estão a de- ra, repercutindo-se também nas condi-
Ciência e dos cientistas neste contexto sencadear alterações tão rápidas, esta ções de vida da humanidade. A aplica-
é também paradigmático do seu papel é uma discussão essencial. ção deste critério assume hoje um lugar
IE/FN
na sociedade em geral, sendo por is- A Ciência diz que ritmo de desapareci- importante na política de conservação.
so um exemplo muito interessante de mento de espécies vivas na actualida- Mas como ter a certeza se uma espécie
discutir. A Ciência procura obter uma de é muito superior à taxa de extinções é realmente fundamental para o funcio- res jovens). Mas mesmo que se conclua
descrição e explicação útil do modo observada noutras eras. Mas isso é namento do ecossistema? Não é raro que determinada espécie não “oferece”
de funcionamento do universo que nos bom ou mau? Afinal, a extinção de es- sermos surpreendidos pela nossa fal- nenhum “serviço” essencial, implicará
rodeia. Poderá chegar à conclusão de pécies é um processo natural. Poder- ta de conhecimento. Quando as gran- isso que não merece ser protegida?
que determinado elemento de um sis- se-á argumentar que o problema é que des árvores começaram a desaparecer Estes exemplos sublinham como a te-
tema é necessário para o seu funcio- as extinções actuais são consequência do parque natural do Yellowstone, nos mática da biodiversidade proporciona
namento, ou que a sobrevivência de A da actividade humana e que, por isso, EUA (e com elas os castores, o que por uma oportunidade extraordinária de
depende de B. Mas não lhe compete se trata de um processo artificial, lo- sua vez provocou modificações no cur- discussão actual e interdisciplinar para
atribuir valores, classificações de bom go, mau. Mas se considerarmos que o so dos rios e efeitos nas condições bio- explorar nas escolas, pelo que vale a
ou mau. E a resposta a estas perguntas ser humano é parte do mundo natural, físicas da região), não foi de imediato pena voltar a abordar.
é uma resposta sobre valores. A defini- então as consequências da sua acti- evidente que se tratava apenas de uma
ção de valores e a tomada de decisões vidade também o serão. Onde reside, consequência do desaparecimento do Margarida Gama Carvalho
subsequentes tem de ser feita pela afinal, o problema? lobo (e do resultante aumento da popu- Instituto de Medicina Molecular e Faculdade
sociedade como um todo, com base Como parte do mundo natural, o ser lação de veados que destruíam as árvo- de Medicina de Lisboa

  Foto ciência com legenda

Nebulosa Tarântula
Situada na grande nuvem de Magalhães, a Tarântula,
também chamada de 30 Doradus é a maior nebulosa
difusa que se conhece. A sua massa representa cerca
de 500 000 vezes a do Sol e estende-se por uma área
de mais de 6000 anos-luz, embora a sua parte mais
visível tenha um diâmetro de apenas 700 anos-luz.
No centro desta vasta nuvem de hidrogénio ioniza-
do é possível observar um aglomerado de estrelas
jovens muito quentes que formam um núcleo muito
brilhante com 80 anos-luz de diâmetro, o R136. É
neste enxame compacto de estrelas que é produzi-
da a maior parte da energia. Esta mesma energia é
depois emanada por acção do vento resultante das
explosões estelares, o que lhe confere uma forma se-
melhante a uma aranha, daí o seu nome.

Foto: WFI, MPG/ESO telescópio de 2,2 m, La Silla, ESO

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34 / O ESPÍRITO e a letra 

Lisboa, o Tejo e o resto

Oitocentos anos de História, dizem, espalhados por outros tantos quilómetros de ou o Parque Mayer, mas gozam ainda que se fartam na Feira da Ladra e do Re-
costa peninsular e marítima, paisagem dividida em duas partes pelas águas do lógio, passeiam pelo Parque das Nações, vão ao Casino de Lisboa perder alguns
Tejo, que corre de Albarracim e atravessa calmo as terras de Aranjuez e Toledo, maravedis que lhe fazem falta para outras coisas na triste ilusão de enriquecer do
desaguando as suas mágoas no coração da capital lisboeta já sem fragatas, faluas pé para a mão, coitados, visitam o Centro Cultural de Belém e a colecção Berardo
ou bergantins de outros tempos. Olha-se e percorre-se esta faixa continental em para excursionista ver - enfim, as gentes lisboetas passam o tempo enquanto o
dois tempos, é um modo de dizer, não há muito mais para nos causar espanto. tempo deixa, nas vinte e quatro horas do dia, sofrem muito quando o Benfica ou
O que sobra da paisagem é ainda esse sal de um colectivo desespero na procla- o Sporting perdem ou passam os dias de Verão na Trafaria e na Caparica, mas di-
mada brandura dos nossos costumes. Tretas! Somos diferentes de outros povos zem aos vizinhos que foram lavar o corpo nas areias de Punta Cana ou Maldivas.
por sabermos silenciar o desencanto que ciranda num e noutro sentido. E pouco Vivem numa agitação constante e o barulho ensurdecedor do trânsito e, por mais
mais. Antes de Abril, o flagelo fascizante vigiava todos os actos e palavras; depois viadutos, túneis, crel’s e cril’s que se construam as dores de cabeça não desapa-
de Abril, outras desvairadas águas passaram por debaixo da ponte que foi Salazar recem e juntam-se às do orçamento familiar tão desequilibrado.
de má memória. Mas não aprendemos muito. O que resta da nossa aventura pelos Em Lisboa vive-se como se pode, estendem-se as pernas, vê-se a Gina Llolobri-
longes dos anos já corridos, não basta para encher o saco da viagem que acabou gida que chega toda sorridente ao aeroporto da Portela para uma festa da Lili Ca-
em Novembro triste de 1975. Na cobardia escondida e encapotada dos bombistas neças ou qualquer programa televisivo demasiado pobre e goucha... Em Lisboa,
ou no cruzar das espadas para outras futuras revoluções. Talvez necessárias, mas no começo deste século e já depois de Abril ter chegado e colocado a capital em
ainda por haver. E na saudade que guardo de Alexandre O’Neill, na admiração pela polvorosa por pouco tempo, na memória de uma classe política na sua maioria
poesia que de si sempre posso ler e no silêncio em que repousa no cemitério de inculta mas ávida nas manigâncias do poder, que despontou e até hoje não se re-
Benfica, o Poeta de “Feira Cabisbaixa” ainda me diz ao ouvido: novou, neste século que não é de outras luzes e certamente de outras trevas, com
um governo socialista e socrático sem bússola que o oriente e trace outro rumo,
Ó Portugal, se fosses só três sílabas, mas afinal não passa de um barco à deriva que a todos nos aflige, vive-se como
linda vista para o mar, se pode e nos deixam, já que este pedaço de sol e de céu azul é pago a peso de
Minho verde, Algarve de cal, oiro, fica caro, e ninguém faz contas...
jerico rapando o espinhaço da terra, Por isso, ser cronista de Lisboa é talvez correr o risco ou o perigo de ser moiro nos
ó Portugal, se fosses só três sílabas domínios de el-rei ou judeu que “depois do sol-posto fosse achado pela cidade” e
de plástico, que era mais barato. “com pregão publicamente açoitado por isso”... Mas Lisboa tem muito de provin-
ciana, a par de um cosmopolitismo disfarçado ou encoberto de ser ou ainda querer
E a seu modo, num estilo bem pessoalíssimo, Fernão Lopes foi cronista implacável ser “capital da cultura” neste ano da graça de 2007. E todavia não é cosmopolita
do seu tempo, mesmo que nas andanças pelos paços reais focasse de preferên- quem quer, nem é civilizado quem mais o deseja. E assim o queirosiano homem
cia o quotidiano da época que caminhava lenta, sem as arrelias e perturbações de Tormes de “A Cidade e as Serras” continua vivo em qualquer cidadão pacato
do nosso tempo incómodo e fatigante. Mas ser cronista deste tempo e mundo, e burguês desta Lisboa moderna, segue ao volante de um Chevrolet emprestado,
estar bem atento ao que se passa intramuros numa cidade como Lisboa, capital- como era o de Álvaro de Campos pela estrada de Sintra ao luar e ao sonho, a loira
do-país-todo, não é tarefa que agrade, por ser preciso ter uma atenção lúcida e mulher espigadota e fartota num saia-e-casaco enfeitado de malmequeres verme-
intervencionista. E, mesmo com simpatia, Lisboa não se pode encarar de olhos lhos e azuis, os filhos guedelhudos no banco de trás, em passeio arrastado pelo
vesgos e sem um sorriso nos lábios: existe de tudo nesta grande-pequena cida- Estoril, Cascais, Guincho, Malveira da Serra, Praia Grande, Colares ou Sintra de
de europeia, nos anos iniciais do século vinte e um, acontece um pouco de tudo todos os devaneios. Mas ser contemporâneo desta nossa boa gente nestes anos
nesta urbe com mais de um milhão de habitantes à hora de ponta, no vaivém dos iniciais do novo milénio, já depois de todas as tormentas dobradas e passadas,
cacilheiros de uma para a outra banda. Não se conhecem bem os limites da cidade é na realidade ser talvez parente pobre de um futuro de que mal se vislumbram
e não se pode percorrê-la numa noite como el-rei fazia ledo ao som das trompas as raízes da própria árvore da vida. Não sei. E ainda evoco estes versos do irmão
de prata. Lisboa cresceu, estendeu-se, tem muita gente que não é daqui, e isso da Ophéliazinha a quem Pessoa escreveu cartas de amor que “nunca foram ridí-
pouco importa. Lisboa não passa de um corpo macrocéfalo e alguns quilómetros culas”, esse Carlos Queiroz que foi um poeta triste, esquecido e nascido há cem
de extensão, e é hoje, como dizem os cartazes espalhados em cada esquina, um anos e de quem quase ninguém se lembra, que proclamava com sincera ironia:
pólo de atracção turística ou esse “slogan” já gasto de ser o eixo fulcral de muitos
negócios, hoje contados em milhões de euros em tempo de comunidade europeia. Português e vivo
Cidade que cativa as gentes que chegam da província e se instalam, como podem É diminutivo.
e é possível, nos arredores que entram cada vez mais pela cidade adentro. Só fazemos bem
E assim, mesmo com alguma simpatia, Lisboa é uma cidade grande, largos milha- Torres de Belém.
res que trabalham, comem, dormem, passeiam, divertem-se, vão muito ao futebol
e menos ao cinema e ao teatro, lêem os jornais, sobretudo os desportivos, claro,
vão às docas de Alcântara, a Alfama, ao Bairro Alto, às Amoreiras ou ao Colombo, Serafim Ferreira
frequentam ainda às casas típicas, bares e discotecas, já não têm a Feira Popular Escritor e critico literário

DESENVOLVIMENTO
Dívidas revertem a favor do Fundo Mundial de luta contra o HIV

A conferência mundial de Berlim espera reunir 8 mil milhões de dólares destinados ao Fundo Mundial de luta “A luta contra a pobreza mundial e as doenças ligadas à pobreza são um dever para os países ricos”, afirmou
contra o HIV, a tuberculose e a malária. a ministra alemã do Desenvolvimento Heidemarie Wieczorek-Zeul, que considerou que a nova iniciativa re-
Representantes de cerca de 30 países participaram nesta conferência de dois dias para discutir a elaboração de presenta “um ganho para todas as partes envolvidas”.O presidente do Fundo Mundial, Michel Kazatchkine,
um projecto-piloto para o Fundo durante o período 2008-2010, com a esperança de reunir entre sete e oito mil destacou este acordo, considerando que “é a primeira vez que dívidas bilaterais são revertidas em benefício
milhões de dólares. de um fundo multinacional”. O HIV, a tuberculose e a malária são as principais doenças que afectam muitas
A conferência começou com a assinatura de uma nova iniciativa que pretende reverter parte das dívidas contra- regiões no mundo.
ídas por diferentes países para o Fundo Mundial.
A Alemanha renunciou assim a um total de 50 milhões de euros que a Indonésia lhe devia depois deste país se
comprometer a dedicar metade ao Fundo Mundial. AL/ Fonte: AFP

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DO SECUNDÁRIO / 35

  Inquéritos On-line

O que espera do próximo ano lectivo?


A demissão da Ministra da Educação
45% 
Vai melhorar
07% 
Vai piorar
23% 
A continuação deste
24% 

Total Respostas: 1.100

Qual a sua posição em relação à divisão da


carreira docente entre professores e professores
titulares?
Absolutamente contra
73% 
Relativamente contra
09% 
Relativamente a favor
13% 
IE/FN
Absolutamente a favor

Revalorizando o trabalho de casa


02% 

Total Respostas: 1.039

no Ensino Secundário
Na sua opinião a generalidade dos portugueses está:
Muito mais felizes que há 20 anos Apesar de todos os actores do sistema educativo, Entendo que um professor, seja qual for a disciplina, deve,
03%  seja no ensino secundário seja noutros níveis de em cada semana, indicar aos alunos que tarefa estes devem
Mais felizes que há 20 anos ensino, incentivarem os alunos a estudar regular- desenvolver em casa; pode ser ler um excerto do manual
11%  mente na sequência do que vão fazendo na sala escolar e escrever numa frase sobre qual é na sua opinião a
Menos felizes que há 20 anos de aula, a verdade é que não há notícia de a gene- ideia principal, pode ser resolver um problema, pode ser in-
23%  ralidade dos alunos ler os manuais escolares (ou vestigar dados para um determinado trabalho, etc.
Muito menos felizes que há 20 anos outros livros) ou fazer (por si sós, sem explicado- Havendo verdadeiramente avaliação contínua, todo o trabalho
62%  res) as tarefas/problemas/exercícios desses ma- deve ser valorizado; para poder ser valorizado, ou o professor
nuais. Algumas pessoas até acham que a partir toma notas sobre a prestação do aluno na sala de aula como
Total Respostas: 990 do ensino secundário o aluno deve ter autonomia consequência directa do trabalho de casa, ou o professor re-
para trabalhar por si só pelo que não se justifica colhe as produções escritas dos alunos e as anota ou corrige.
enviar trabalhos para casa. Contudo, é frequente O trabalho de casa tem uma outra importância fulcral que, na
os professores se lamentarem de os alunos só te- minha opinião, é frequentemente subestimada: é aquele que
A precariedade do emprego é uma: rem dúvidas na véspera dos testes! permite mais facil e focadamente que professores e alunos
Fatalidade Ora, o trabalho regular do aluno é uma condição identifiquem as dificuldades reais no tema que está a ser tra-
03%  essencial da aprendizagem. E um aluno que não balhado; assim, os professores podem retomar alguma (e só
Escolha política favorável só ao capital consiga por si só resolver problemas significativos essa) ideia, sabendo que é aí que os alunos têm mais dificul-
64%  ou descobrir quais são as dúvidas que tem, não es- dades, os alunos ficarão alerta de que afinal não dominam tal
Uma boa opção política tá na realidade a aprender. Só se o aluno trabalhar questão e prestam redobrada atenção ao que o professor diz
04%  efectivamente, na sala de aula e fora dela, é que po- para a ultrapassar; se o aluno não receber retorno contínuo so-
Incógnita para mim demos dizer que o aluno está no centro da apren- bre o seu trabalho, nem consegue progredir devidamente, nem
06%  dizagem. Mas a generalidade dos alunos do ensino podemos dizer que haja verdadeiramente avaliação contínua.
secundário só trabalha “na véspera dos testes”. Não menos importante: os “trabalhos de casa” não precisam
Total Respostas: 988 Por outro lado alguns alunos muitas vezes tam- de ser feitos “em casa”. Sabemos que muitos alunos, pelas
bém se lamentam não só de os professores não li- mais variadas razões, não têm condições em casa para tra-
garem aos trabalhos de casa que até fizeram, mas balhar; a escola deve fornecer salas de estudo, com acompa-
também de estes não serem devidamente valo- nhamento especializado, para ajudar os alunos a fazer esses
rizados (“só conta a média dos testes”) e assim trabalhos; é até de incentivar que os alunos recorram a aju-
frequentemente desistem de os fazer. da para fazer os trabalhos de casa desde que tenham uma
PROFEDIÇÕES, Lda Na minha opinião tudo isto é uma consequência participação real no resultado final. Depois, na sala de aula,
nefasta de, na realidade e ao contrário do que de- o professor tem muitas maneiras de saber se o trabalho foi
Descontos fensores e opositores julgam, não haver (em geral) essencialmente feito pelo aluno ou por uma terceira pessoa.

20%
avaliação contínua no ensino secundário. Acho Em suma, não há verdadeiramente avaliação contínua sem
que o que faz aqui falta são tanto orientações pre- se valorizarem os trabalhos de casa (ou melhor dito, os tra-
cisas sobre o que professor espera que o aluno balhos feitos fora da sala de aula) no ensino secundário (e
faça, como a valorização real do trabalho feito na devo acrescentar, também no ensino superior). Revalorize-
Livraria on-line sequência dessas orientações. Em particular, não mos pois o trabalho feito pelo aluno fora da sala de aula.
http://www.profedicoes.pt/livraria/ só deve haver trabalho de casa, como deve ser
claro para o aluno qual o peso do trabalho de casa Jaime Carvalho e Silva
Oferta: portes por envio à cobrança na avaliação final (um mínimo de 10% – 2 valores Departamento de Matemática
em 20 – parece-me essencial). Universidade de Coimbra

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36 / SOCIEDADE e território 

Um Pólo Universitário melhor é possível


A cadeira de Ecologia Urbana do 5º ano, da Licenciatura em Arquitectura, orientou- E essa hora da mudança chegou.
se, como nos anos anteriores, numa perspectiva estratégica sobre o desenvolvi- É necessária uma revolução cultural e eco-tecnológica. E a Universidade está no
mento ecologicamente sustentável usando-se uma metodologia de investigação, centro das grandes transformações.
viagens de estudo, conferências e workshops que permitiram a realização dum
dossier e de um blogue da referida cadeira (http://ecologiaurbana.blogspot.com). 2. Linhas de Força
O painel exposto é apenas uma parcelar “imagem-desejo” realizada pelos alunos,
que testemunha um projecto sensível, susceptível de vir a ser concretizado no fu- O fosso que tem existido entre as instituições universitárias e o público em geral,
turo. Esta estratégia pedagógica pretende dar visibilidade ao invisível, permitindo é fruto da crise instalada na própria sociedade.
potenciar “o princípio da esperança” (Ernest Bloch) de maneira a que o elemento Hoje, exigem-se quadros dinâmicos capazes de uma aprendizagem concreta. É
utópico ganhe uma dimensão do possível concreto. preciso produzir uma cultura futurante, cada vez mais ligada a uma vida que se vai
Este texto-manifesto, escrito pelo professor da cadeira, constituiu um propósito transformando diante dos novos desafios. O ensino ligado à Vida é essencial para
pedagógico que deu corpo à reflexão e investigação feita durante o ano lectivo e a emergência deste novo paradigma ecológico!
que alargou o objecto de estudo do ano anterior, circunscrito apenas ao edifício
da FAUP, para um território mais vasto – Pólo Universitário. Assim a estratégia foi
transformar um campus abandonado e triste num Eco-Pólo. 3. Tarefas

O empenhamento pessoal e a participação cívica são valores imprescindíveis para


Tema: Concurso de Ideias Proposto pelo Conselho de Ministros do a democracia social.
Governo de Transição do Ano I da Era Ecológica Também a formação contínua ajudará a ultrapassar as injustiças dos acessos ao
saber e permitirá a emergência duma sociedade de cooperação face à sociedade
1. Pressupostos de exclusão social.
A formação cultural junto da imigração é cada vez mais importante, criando-se
Os desafios que a humanidade terá de enfrentar nesta nova era ecológica são: uma dinâmica mais rica para a cultura e para a sociedade, graças à multi, inter e
1. O esgotamento energético, as poluições globais e em especial as mudanças transculturalidade.
climáticas; A delinquência e a xenofobia têm que dar lugar ao diálogo de civilizações e ao
2. A emergência duma urbanização crescente (desertificação do interior, centra- enriquecimento mútuo das culturas, graças às diferenças.
lismo das megapólis e aparecimento das metapólis); Os seniores constituem um factor importante. Cada vez é maior a massa de cidadãos
3. A comunicação global na era da informática (indústria cultural e redes de Internet); disponíveis para uma vida social, criativa e cívica se lhes for facultada uma adequação
4. O aparecimento de novas dinâmicas sociais (novas relações sociais e familia- sócio-pedagógica da vida pós-laboral em prol da comunidade e do interesse público.
res, movimentos migratórios inter e transculturais);
5. Os condicionalismos sócio-económicos (novas formas de trabalho e formação 4. Os meios práticos
bem assim como desemprego e mobilidade social alargando cada vez mais o
grupo de seniores com capacidade de intervenção cívica e social mas que dei- As Universidades deverão ser dotadas de oficinas criativas.
xaram o mundo habitual do trabalho e também o aumento da exclusão social); A sensibilização ecológica aos materiais, às energias e aos valores do desenvol-
Na arte, a cultura e o ensino têm uma crise instalada que mostra a encruzilhada em vimento ecologicamente sustentável, devem ser vivenciados e apreendidos em
que vivemos mas pré anuncia também uma viragem necessária. todos os espaços adequados e adaptados a uma formação transdisciplinar.

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SOCIEDADE e território / 37

Dar visibilidade ao invisível


As salas bioclimatizadas, os utensílios e mobiliário pedagógico e até mesmo o jardim na biológica ligam-se à zona de jardins onde se encontram também o jardim de
agro-ecológico, constituem a eco-logística para todos os sectores da Universidade. Infância, o ATL e o Jardim de Aventuras para crianças. Sistemicamente ligado a
Na zona central do Campus Universitário situa-se a mediateca com oficinas. A pro- essas estruturas aparecem as actividades agro-ecológicas constituídas por hor-
dução de documentação mediática (livros, fichas pedagógicas, revistas, discos com- tas, pomares e pequeno bosque que servem de investigação-acção no ensino e
pactos, dvd, etc.), realiza-se na oficina de multimédia articulando um espírito crítico fornecem a base alimentar para a cantina. A este sector agroecológico ligam-se
com vocação sócio-pedagógica para implementar o pensamento reflexivo (filosofia). também jardins filtrantes para a reciclagem da água. A reserva de água ligada à
A cantina, a piscina biológica e o ginásio, constituem várias estruturas espaciais piscina biológica é alimentada pelo aproveitamento das águas, nomeadamente
disponíveis para estudantes e para a comunidade envolvente. Também outras es- pluviais, recolhidas nos telhados dos vários edifícios.
truturas pedagógicas, em horários diferentes, estão disponíveis para a população O sistema climático desses edifícios integra vários processos passivos de biocli-
em geral e constituem o apoio à formação contínua: as oficinas do imaginário, o matização (estufas, telhado verde, poço canadiano e poço provençal, geotermia,
teatro e o cineclube, os vários ateliers de escultura, pintura, cerâmica e desenho, etc.) utilizando também o apoio das energias renováveis como a energia solar,
clubes de leitura e de escrita criativa. eólica e biomassa.
Outras oficinas irão constituir uma ligação à arquitectura, paisagismo e urbanismo: Todos estes edifícios foram estruturados em termos bioconstrutivos tornando-se
. Eco-construção; sustentáveis ao nível das energias renováveis, sendo mesmo capazes de produzi-
. Eco-urbanismo; rem energia renovável excedente para uso da comunidade.
. Energias renováveis; Os protótipos de energias renováveis (eólicas, acumuladores termosolares, pai-
Diversas manifestações culturais: ciclos de cinema e teatro, exposições, festivais, néis de fotopilhas, etc) constituem uma mini-central do Campus que permite dis-
conferências e work-shops, serão organizados para toda a cidade, retirando à uni- ponibilizar toda a energia renovável para a cidade.
versidade o carácter de “gueto” em que funcionava no passado. As várias Faculdades e Departamentos do Campus Universitário cuidarão dos
vários sectores que referimos e que serão campos de trabalho para a própria eco-
5. Sócio-Pedagogia / Métodos aprendizagem.

Dumazedier, Ivan Illich e Edgar Morin são exemplos defensores de democraticida- 7. Organização das Etapas
de e participação das populações no processo cultural.
É preciso cultivar um olhar macroscópico, articulando o global com o local e a Organizar um plano onde se refira a transição das várias etapas construtivas e do
singularidade com a universalidade, de modo a aprofundarmos a cidadania parti- funcionamento das futuras actividades. Mostrar nesse plano a metamorfose orgâ-
cipada e consciente na estratégia e gestão da futura eco-pólis. nica do território nas várias etapas temporais.

Para isso, é preciso também alargar a intervenção sócio-pedagógica a outras re-


giões, participando na descentralização cultural do País. Jacinto Rodrigues
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
6. Programa Logístico

O núcleo essencial do espaço do Campus Universitário assenta numa estrutura


cultural (mediateca, biblioteca, arquivo, audiovisual, cinemateca, teatro) e numa NOTA: As imagens foram organizadas pelos alunos Ana Simões, Ana Carolina Coelho, Nuno Duarte, Sara Ribeiro, Daniela Marques e Vítor
estrutura ligada à saúde e bem-estar. Várias áreas de educação física e a pisci- Segarra com o apoio da restante turma.

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38 / EM PORTUGUÊS 

O iberismo telúrico de TORGA


Nas muitas e merecidas homenagens que já tiveram lugar em O meu iberismo é um sonho Este pensamento acompanhou-o até aos últimos dias da
várias zonas do país, para comemorar o centenário do nasci- platónico de harmonia sua vida, em 1995. Já não ouviu o capitalista José Manuel
mento (12 de Agosto) de Miguel Torga, não demos por nenhu- peninsularde nações. de Mello e o jornalista José António Saraiva (repetindo o pes-
ma voz (expressivo augúrio?) que, alegando o apego do Poeta Todas irmãs e todas simismo oitocentista de Antero de Quental e Oliveira Martins)
à terra ibérica, o evocasse para defender a integração de Por- independentes. interrogarem-se, em 2004, “sobre se valerá a pena o país
tugal na Espanha, como terapêutica que alguns “managers” e Diário XV – 13/9/88 continuar a existir ou se não será mais sensato integrarmo-
“vencidos da vida” recomendam contra as cíclicas crises eco- nos na Espanha, porque os espanhóis nos governariam me-
nómicas que, segundo eles, resultam da nossa “pequenez”. lhor.” Nem ouviu José Saramago - que escreveu, em 1980,
Seria uma errónea alegação. É que, iberista até ao cerne, porventura o mais telúrico romance português da sua obra,
Torga, mesmo se visse, hoje, desolado, como numerosos “Levantado do Chão” - declarar, em 2007, numa entrevista ao
portugueses, desertando de uma pátria imersa em mais uma “Diário de Notícias”, sobre o futuro de Portugal na Península
profunda depressão económico-cultural, se estão a trans- Ibérica: “Não vale a pena armar-me em profeta, mas acho que
ferir, e uns tantos com armas (o capital) e bagagem (a famí- acabaremos por integrar-nos. Já temos a Andaluzia, a Cata-
lia), para Espanha, e como os espanhóis estão a comprar ao lunha, o País Basco, a Galiza, Castilla la Mancha, e tínhamos
desbarato as terras incultas e abandonadas, de Norte a Sul Portugal. (...) Não seríamos governados por espanhóis, have-
de Portugal, para nelas implantarem indústrias e fazendas ria representantes de ambos os países, que teriam represen-
agropecuárias, não admitiria nenhuma espécie de “rendição” tação num parlamento único com todas as forças políticas da
ou “entrega” ao “inimigo histórico” de outras eras. Ibéria, e tal como em Espanha, onde cada autonomia tem o
Torga distinguia muito bem o que significava a Castela hege- seu parlamento próprio, nós também o teríamos.”
mónica, a Espanha aglutinadora, a Ibéria matricial, a filipiza- Dando um sinal contrário, nas últimas páginas do seu “Di-
ção e o franquismo, e o que da Mãe primigénia se transmitira ário” (1993) , Torga registava, depois de ter atravessado a
em herança genética para as gerações vindouras, por último fronteira já sem quaisquer empecilhos: “Mas nem por isso
configuradas, já menos por laços de sangue do que por afi- andei por Espanha dentro de coração solto. Confrontado
nidades, em comunidades autónomas ou independentes, com a realidade do poder crescente que por toda a parte
como Portugal. nela verifiquei, a minha velha perspicácia de ibérico livre veio
E tão ciosas elas da sua sobranceria e tão complacente o à tona agravada. A arrogância e o desprezo, que lia na ca-
luso-ibérico Torga mesmo perante o sentimento possessivo ra de cada interlocutor, causaram-me ainda mais engulhos
dos irmãos genésicos separados pelos avatares da história, do que no passado. A tese de Franco na escola militar foi
que, na sua viagem a Olivença, em 1954, apenas reco- a ocupação desta faixa ocidental em poucas horas. E a da
nheceu que “também as terras murcham longe da pátria e generalidade dos demais espanhóis, mesmo civis, é indisfar-
também um burgo pode ter saudades e mirrar-se de melan- çadamente a mesma.”
colia”, sabendo que Olivença, conquistada aos mouros por O “aviso” já o tinha feito muito antes. Diante duma Revolu-
D. Afonso Henriques, fora anexada por Espanha, em 1801, ção nacional que já era almejada por Antero, mas na qual
aquando das invasões napoleónicas, e assim continuou ape- Torga não via a esperança da regeneração política do pa-
sar dos convénios internacionais que prescreveram a “de- ís, confessava: “Apetece fugir, deixar de ver esta pátria que
volução”. E com a mesma condescendência ou resignação mais ninguém sabe reconhecer, gramatical, cívica e huma-
passou pelo arquipélago das Canárias, pouco tempo depois, namente, e onde o capricho de um galoado qualquer, a má
onde só registou que “os portugueses de quinhentos deixa- disposição da sua amante ou a qualidade da aguardente que
vam padrões nos lugares que descobriam”, “esquecendo” bebe mudam o curso de uma revolução. Mas abandoná-la de
que durante século e meio Portugal discutiu com Castela que maneira? (...) Mobilado de valores morais e sentimentais,
a posse do arquipélago, alegadamente visitado, antes de telúricos, intelectuais e outros, prendem-me ao chão nativo
1336, no reinado de D. Afonso VI, pela armada portuguesa. amarras indestrutíveis. Para poder partir teria de meter no
Mas embora complacente ou resignado, porque sentindo, bornal o Marão, o Douro, o Mondego, a luz de Coimbra, a
quanto às pátrias, que “a regra, agora, é pensar em função biblioteca e as vogais da língua. Sou um prisioneiro irreme-
de continentes e não de países e em vez de Portugal talvez diável numa penitenciária de valores tão entranhados na mi-
fosse melhor escrever Europa”, visto que “o espaço vital nha fisiologia que, longe deles, seria um cadáver a respirar.”
diminui, e já nem como cidadão do mundo o homem respira Amenizava-o pensando que “é preciso ser contra isto, para
com desafogo”, não abdicava de afirmar, imune às visões ser por isto”- como o recordou Manuel Alegre, na comemo-
paracléticas do sapateiro Bandarra e do padre António Vieira ração em Coimbra.
(referindo apenas os “profetas” mais antigos), que “há um Por tudo isso, muitos o reconhecem como o escritor mais
meio específico onde cada indivíduo é menos infeliz. E o meu “português” do século XX e um dos maiores lusomundialis-
é este, de que conheço as agressões possíveis, e de que me tas de todos os tempos.
sei defender instintivamente.” (O que) “mais não é do que a
expressão profunda da minha experiência histórica, social, Leonel Cosme
telúrica, religiosa ou outra, vivida aqui.” Investigador. Porto

DEBATES NA ONU
Morales ataca biocombustíveis na Assembleia Geral da ONU

O presidente boliviano, Evo Morales, criticou a ideia dos biocombustíveis, fazendo um ataque indirecto ao dis- Morales denunciou ainda que parlamentares bolivianos e membros de seu governo têm enfrentado dificuldades
curso do presidente Luís Inácio Lula da Silva na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas. para entrar nos Estados Unidos, como ocorre com as delegações de diversos países. “Alguns países vêm para
“Não consigo entender que possamos transformar alimentos agro-pecuários em combustível para carros”, disse cá para serem ameaçados pelo dono da casa (...) o presidente Bush”, disse Morales. Se esta situação persistir,
Morales no plenário da Assembleia Geral. “devemos mudar a sede das Nações Unidas”.
No dia anterior, o presidente do Brasil afirmou: “O mundo precisa desenvolver urgentemente uma nova matriz Morales, referia-se às palavras de Bush, que, referindo-se a Fidel Castro, disse na Assembleia Geral da ONU
energética”, na qual os biocombustíveis terão “um papel vital”. “A experiência do Brasil em três décadas mostrou que “o regime de um ditador cruel aproxima-se do fim”.
que a produção de biocombustíveis não afecta a segurança alimentar”, disse Lula. JPS/ Fonte: AFP

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OLHARES de fora / 39

  Erva daninha

CRIMINALIDADE INFANTIL

Três mil crimes


cometidos por
crianças na Inglaterra
e no País de Gales

Quase 3 mil crimes foram cometidos em 2006 na In-


glaterra e no País de Gales por crianças com menos
IE/FN
de 10 anos, idade abaixo da qual nenhum processo

O cinema do instantâneo
em justiça pode ser instaurado, de acordo com um
inquérito realizado pela rádio BBC 5.
De acordo com as estatísticas de 32 das 43 forças

e sua repercussão no seio


polícias dos dois países, estas crianças, com menos
de 10 anos, foram suspeitas de ter cometido 2.840
crimes em 2006, dos quais 66 infracções de carácter
sexual.
Cerca de 1.300 infracções denunciadas foram incên-
dios voluntários e estragos. Mas crimes como a per-
das crianças e adolescentes
seguição, golpes e feridas, também figuram entre as
acusações, é referido no inquérito apresentado. Estudos sobre consumo e recepção constatam que dade, quase exclusiva, do trabalho do professor. É óbvio,
Na Inglaterra e no País de Gales, apesar de antes a maioria das crianças e adolescentes preferem fil- que as reformas educativas não se mostram eficazes en-
dos 10 anos não haver responsabilidade criminal, mes de ação e se aborrecem com aqueles filmes quanto não fizerem parte da cultura ou do modo de pen-
estes delitos são registados pela polícia. Ainda que que trabalham com grandes planos a subjetividade sar daqueles que as vão aplicar. Por isso, falar de liberdade,
representem uma pequena parte dos 5,5 milhões de e com relatos intimistas. É possível afirmar que, ante respeito mútuo, solidariedade, etc. como proposta educati-
crimes cometidos em 2006, de acordo com números as dificuldades de saber o que fazer com o passado va, pode significar, todavia uma ocorrência singular, quando
do ministério do Interior. e com o futuro, as culturas juvenis se consagram ao inexoravelmente estamos imersos numa carreira cuja meta
Lawrence Lee, advogado de um dos dois rapazes de presente, ao instantâneo. São exemplo dessa cultu- desejada, e difícil, é o exercício de uma profissão para a qual
10 anos que mataram em 1993 o pequeno James ra do instantâneo as salas de bate-papo simultâneas somente se nos exigem conhecimentos e destrezas.
Bulger, afirma que - como advogado de defesa - uma na internet, videoclips e música no volume máximo Na prática, sem dúvida, não é fácil separar as aprendiza-
redução desta idade legal não seria o mais indica- nas discotecas, no interior dos carros, na solidão do gens instrutivas das componentes atitudinais e valorativas.
do. “Mas se vestir o meu fato de cidadão, diria que walkman. As novas salas de cinema são pequenas, Em qualquer atuação docente estamos filtrando e projetando
quando atravesso qualquer cidade e vejo a idade das não só para otimizar a mercantilização dos espaços uma determinada concepção de pessoa, promovendo deter-
crianças que vagueiam como uma matilha de lobos, de entretenimento, mas para amontoar os especta- minados valores, pelo que não podemos renunciar à nossa
então considero que reduzir a idade de responsabili- dores mais perto da tela e tornar mais intensa a vio- condição de humanos que vivem e atuam a partir de valores.
dade criminosa para 8 anos é vital”, acrescentou. lência dos filmes, ampliar a sucessão de momentos É impossível, portanto, subtrairmo-nos da condição de emis-
Recorde-se que James Bulger, de dois anos, tinha em que se atropela a narração. A hiperrealidade do sores de mensagens que chegam aos alunos codificadas e
sido raptado de num centro comercial perto de Man- instantâneo, a fugacidade dos discos que precisam interpretadas a partir da nossa ótica pessoal. A escola não
chester por duas crianças que o torturaram e mata- ser escutados em cada semana, a velocidade de in- só “molda” o pensamento da criança oferecendo-lhe uma
ram. Tendo sido condenados a prisão perpétua. formação e a comunicação fácil que a audição pro- quantidade considerável de conhecimentos. Se isso fosse
Contrariando esta opinião, Bob Reitemeier, da asso- picia levaram Zygmunt Bauman a afirmar que hoje “a assim, dir-se-ia que a ação instrutiva-educativa ocorreria fo-
ciação “Children’s Society, acredita que o ideal seria beleza é uma qualidade do acontecimento, não do ra do tempo e do espaço.
dilatar a idade de responsabilidade criminosa para objeto (...) a cultura é a habilidade para mudar de te- Certamente, a experiência do valor será sempre contraditó-
os 14 anos. ma e posição muito rapidamente” (Costa, 2002). Na ria, quer dizer, existirão sempre experiências de injustiça, in-
Em Inglaterra, apesar da sociedade ser atravessada mesma direção se posiciona George Steiner quan- tolerância, etc. Por isso, a apropriação do valor representa e
por correntes repressivas dominantes, ainda há quem do sustenta que “a nossa, é uma cultura de casino exige uma opção-escolha do educando. E o ensino do valor
pense que a resolução da violência infantil passa por e de azar, onde tudo se aposta e corre perigo; na deverá incidir sempre na preparação do educando para que
outras medidas que não as meramente repressivas. E qual tudo está calculado para gerar um máximo de ele possa fazer a melhor escolha. Não faz sentido, portanto,
há mesmo quem venha chamando a atenção para o impacto e uma obsolescência instantânea” (Idem). impor os valores num processo educativo. Se não oferecer-
facto de o endurecimento, por parte da sociedade e Tudo se passa tão rápido que para milhões de jovens mos, entre muitas outras, as experiências dos valores que
do Estado, contra a violência juvenil ter aumentado de classe média e média baixa, o modelo de triunfo desejamos transmitir, a educação nesses valores converte-
essa mesma violência. social é ser um ex-big brother. se numa tarefa impossível. Se não oferecermos a possibili-
Numa entrevista à cadeia de televisão BBC News, Este “presentismo” não é uma característica pecu- dade de os nossos alunos verem outro tipo de cinema, como
Bob Reitemeier chamou a atenção para contradições liar dos jovens, pois é coerente com o modo co- romper com os valores inculcados pelo cinema dominante?
evidentes da sociedade: “Reparem na forma como as mo as políticas neoliberais reordenam ou “desor-
crianças são tratadas pelo governo e pela legislação: denam” as sociedades. O que fazer para reorientar José de Sousa Miguel Lopes
devem ter 18 anos para votar, 16 anos para ter rela- este processo? Universidade do Leste de Minas Gerais
ções sexuais e 10 anos apenas para responder por Não é fácil, sem dúvida, desprendermo-nos de um
um crime. Não é um sistema muito lógico”, disse. pragmatismo em educação que reinou durante mui- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
tos anos nas aulas de nossas escolas, e situou nas COSTA, Flávia, entrevista com Zygmunt Bauman: “Lo que queda de la belleza”, Clarin, Suplemento Cultura
AL / Fonte: AFP aprendizagens instrutivas (conhecimentos) a finali- y Nación, Buenos Aires, 7/12/02.

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40 / DA CRIANÇA 

A rapariga que me salvou


a vida, pede hoje respeito
pela sua forma de vida

IE/FN

Dedicado à rapariga do 11 de Setembro de 1973 castigo, fez de mim um bom adulto para ela, mas rejeitado porque lhe lembrava a
vida perdida, a sua família, e a imensidão de amigos, amores ternos e o desapare-
Tinha visitado o Chile, pela curiosidade de observar o Governo do primeiro So- cimento do progenitor que, sente ela, não a soube cuidar nem tratar com histórias
cialista eleito em eleições livres. A pesar que o Dr. Salvador Allende nem ter tido e contos, danças e imaginários, como relato no meu livro “O imaginário das crian-
tempo para Governar, por ter sido morto devido aos interesses de um Governo ças”, de forma disfarçada para o leitor não saber da vida privada do escritor.
estrangeiro que sublevou o exército, mandou para a prisão todos os que podia, Um dia, encontrou o homem da sua vida, teve com ele crianças e de mim, seu pai,
matando chilenos de forma indiscriminada. Apesar do meu estatuto de visitante, quer saber o estritamente necessário. Procura, como mulher que é, alguma distân-
na noite das Festas Nacionais, 18 de Setembro, fui levado para um campo de cia dos seus antigos adultos, facto racional e emotivo, que opera entre gerações.
concentração, do qual fui salvo por Jack Goody, meu professor, director e colega Estes adultos que a adoram e cuidaram dela ao longo de vário anos de vida
da Universidade de Cambridge. Este amigo tinha estado 4 anos em Auswitchs… É isto que lembramos todo os meses de Setembro: Sua Excelência o Presidente
sabia bem o que se fazia nesses sítios. Fui denunciado como Socialista, o maior Allende, o ataque às Torres Gémeas de New York, a morte de Luciano Pavarotti e
pecado do mundo, pela minha própria família, expropriada das suas terras e in- estas pequenas, trágicas históricas dos filhos que crescem, que salvam os pais
dustrias, mandadas distribuir entre os que as trabalhavam. Melanie Klein descreve mas que procuram autonomia entre a sua casa doméstica e o lar dos seus anti-
este tipo de situações bem melhor ao estudar um sobrinho de Freud em 1937, no gos adultos. Sem ser católico, não posso deixar de exclamar: Ave Maria, e agora?
seu texto “Inveja e gratidão” . Resta as solidão das solidões? O temor de falar? O desejo de receber um telefo-
Faço aqui um aparte apenas para indicar aos leitores, pais de crianças hipotetica- nema? Ou, mais importante, o respeito entre adultos?
mente expostas ao sofrimento, como é o caso da rapariga da qual vou falar. Apar- Estes pequenos grandes dramas que passamos ao deixar a nossa vida abando-
te, porque o elo central é esta rapariga. Não tolerei que ninguém entrasse no seu nada entre o crescimento dos mais novos e o envelhecimento em terra estranha
quarto, aos 35 soldados que invadiram a nossa casa e queimaram a nossa biblio- dos adultos. É preciso habituarmo-nos, suponho… e aceitar a realidade do tempo
teca. Falei com autoridade de patrão, que até os soldados me fizeram continência, e as suas mudanças.
enquanto eu dava as ordens de como devia ser levado para a prisão. Ninguém to-
cou na rapariga nem aos livros dos Séculos XV, XVI e XVII, que eu pretendia salvar.
E salvei durante os 37 anos de exílio a que fui condenado. A rapariga – erro de pai Raúl Iturra
– viu-me regressar cansado, macilento e em pranto. Desde esse dia, ela pensou Etnopsicólogo da Infância
que eu estava morto e era a minha alma que falava com ela. Não se cansou de ISCTE/CEAS/Amnistia Internacional
repetir que eu era um morto, nos seus cinco anos de idade, a idade da impressão Docente, investigador, escritor
no inconsciente como dizem Freud em 1906 e Wilfred Bion em 1963. O exílio, foi 11 de Setembro de 2007
outro dos motivos de distância entre os dois. A depressão adquirida pelo imenso lautaro@netcabo.pt

  Quotidiano

As utopias actualizadas
Vinha de uma lâmpada, não parecia ser um mago comum! Um Rousseau envelhecido e cínico (seria Jean-Jac- um custo insuportável, as aposentações são um vício dos maus, porque os bons trabalham do berço ao túmulo,
ques ou não?) encontrou o professor e disse que lhe queria contar uma história (ou estória). Começou: como faziam aqueles egípcios do tempo das pirâmides, naquela sociedade exemplar, entende? O desemprego é
- Dantes, antes da minha intervenção, só os nobres estudavam, ou até mesmo os plebeus, desde que tivessem dinhei- um bem, é como a palavra “crise”, que tanto quer dizer “problema” como “oportunidade”… A garantia de em-
ro… As pessoas do povo não precisavam de estudar, para que estudariam? O que quererão ler os analfabetos? prego é má, impede a autonomia e o desenvolvimento pessoal. Tudo tendo sempre em vista um posicionamento
- Sim, e? de esquerda, um humanismo subjacente, a intenção de sofrer para um dia, eventualmente, estar melhor.
- Sim, então eu apareci e todos começaram a estudar, os pobres também, imagine, eu convenci-os, “assim vão - E porquê isto, perguntou o professor.
aprender a trabalhar melhor” – bom negócio, não? Veja que agora até há gente que pratica exercício físico no - A culpa foi dos que estudaram! Os problemas surgiram quando eles começaram a indagar coisas como “para
intervalo do trabalho. quê” e para além do trabalho, o sentido da vida, da sociedade, das guerras e da paz. Então, nessa altura, foi
- E depois? necessário recomeçar a dizer que a educação pode ser perigosa, que é necessário “aprender a trabalhar”, hum,
- Foi necessário construir umas enormes teorias, cheias de palavras difíceis e ideias pouco acessíveis, a in- é necessário aprender aquilo que o «mercado» quer dizer, o patrão quer…
tenção era mesmo falar sem explicar, como se costuma dizer, “usar o discurso como arma”. Os textos foram
sendo feitos e baralhados, usaram-se “complicadores”, umas máquinas especiais que se ligam aos cérebros, Carlos Mota
multiplicaram-se as descrições de maneira a não se perceber o que se dizia. Explicou-se ao povo que a saúde é Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real

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A ESCOLA que (a)prende / 41

  Golpe de vista

UE apresentará Os melões seleccionados


em Outubro um “cartão
azul” para imigrantes
qualificados
Estamos no tempo dos melões: verdes, brancos, para certas escolas era feito em função da profissão dos
amarelos, lisos, rugosos, pontiagudos, esféricos, pais. Se os pais eram profissionais liberais ou de classe mé-
pequenos, grandes, maduros, verdes... Os me- dia eram acolhidos em certas escolas, se os pais eram ope-
A Comissão Europeia apresentará a 23 de Outubro o seu lões aparecem no fim do Verão para nos inundar a rários ou trabalhadores de outro tipo, dizia-me a presidente,
projecto de criação de uma nova permissão de residência boca com o seu doce, fresco e perfumado sumo. então vinham indicados para a minha escola. Este factor
na União Europeia, um “cartão azul” inspirado no cartão Bom, doce e perfumado... só alguns... que ou- influía, segundo ela, no lugar desfavorável do ranking em que
verde (“green card”) norte-americano que procura atrair tros (vá-se lá saber porquê) têm um parentesco, o seu agrupamento se encontrava. Isto significa que certas
uma imigração qualificada, revelou Bruxelas. no sabor, com o desinteressante pepino. Daí a escolas se comportam como os compradores de “melões
Face ao envelhecimento demográfico da União Europeia importância de conhecer essa ciência oculta que seleccionados” (na acepção popular “melão” também quer
(UE), “o desafio é atrair trabalhadores necessários para é escolher melões. Tem a ver com a forma, com dizer “cabeça”...). E curiosamente são premiados com um
enfrentar uma escassez específica”, declarou o comissário o peso, com o barulho quando percutido, com a lugar melhor no ranking por rejeitarem os melões comuns...
europeu a cargo da imigração, Franco Frattini, num dis- densidade, com a maturidade palpada junto ao... É um bom ponto de reflexão para o início deste ano de
curso em Lisboa. pé do fruto. Tão oculta é esta ciência que mui- 2007/2008. De que maneira a organização das escolas (co-
Segundo Bruxelas, metade dos imigrantes oriundos de tas vezes os compradores se sentem incapazes mo se fazem as turmas, como se seleccionam os alunos,
países mediterrâneos de Oriente Médio e norte de África, de ajuizar por si e pedem ao vendedor que lhes quem fica no turno da manhã e quem fica no turno da tarde,
titulares de um diploma universitário, residem no Canadá escolha um melão bom. Com ar doutoral, como etc. etc.) não prenuncia, não indicia um caminho mais curto e
e Estados Unidos, enquanto que 85 por cento das pessoas um médico que ausculta o doente, o vendedor de mais óbvio para a inclusão ou para a exclusão que na escola
dessas regiões que a Europa recebe não possuem estudos fruta, bate, palpa, olha, cheira, rejeita uns poucos quer dizer insucesso e abandono?
superiores. e finalmente selecciona “o tal”. Muitos lugares Quando falamos na promoção da Educação Inclusiva gosta-
Para inverter esta tendência o “cartão azul europeu” con- de venda de fruta, talvez para acelerar este pro- ríamos de lançar em cada escola a discussão sobre o que é
cederia “o direito de trabalhar num Estado-membro por cesso clínico e individual de selecção de melões, que a escola faz ou não faz para proporcionar diferença de
um período de dois anos renovável”. Depois dessa etapa começaram a dividir os melões em normais e “se- tratamento (isto é: igualdade de oportunidades) para todos
inicial, os imigrantes poderiam trabalhar “mediante certas leccionados”. Claro que o “seleccionado” é mais os alunos. Muitas vezes o nosso olhar privilegia exclusiva-
condições” num outro Estado-membro, algo que é muito caro mas reduz sensivelmente a desconfiança do mente as práticas de sala de aula, vai até à avaliação ou
difícil hoje em dia. Os imigrantes poderiam ainda acumu- comprador. Se é seleccionado, logo é garantido chega mesmo à gestão do ensino. Está bem, mas talvez
lar esses diferentes períodos de residência para obter o o seu sabor e maturidade. Como é que um me- nos devêssemos preocupar também com as formas subtis
estatuto de residente de longa duração. Frattini estima que lão atinge o patamar de “seleccionado”? Será e capciosas de organização da escola que, de uma forma
esses trabalhadores deveriam ser admitidos com base em pelo pedigree (qualidade)? Será por um exame “naturalizada”, proporcionam a certos alunos maiores con-
“critérios comuns”, como “contrato de trabalho, qualifi- prévio? Tem que ser por sinais exteriores porque dições de sucesso do que a outros. Na prática é como se
cações profissionais e um salário claramente acima dos lá dentro nunca ninguém esteve... alguns alunos entrassem já na escola com a etiqueta de “me-
salários mínimos”. Este tema dos melões vem a propósito de uma lões seleccionados”, melões cujo sucesso já estava garanti-
O comissário prevê apresentar em finais de Outubro uma conversa que tive com a presidente do Conse- do. Mas a questão da escola pública, o problema do ensino
segunda proposta da directiva para garantir que os imi- lho Executivo de um grande agrupamento de es- básico, da escola para todos, é que todos os melões (e não
grantes tenham os mesmos direitos que os cidadãos da UE colas da Zona Oeste do país. Esta experiente só os “seleccionados”) têm que ser cultivados para chega-
em matéria de segurança social e condições laborais. professora, quando trocávamos ideias sobre o rem ao máximo do seu sabor e doçura. Afinal, que mérito
Segundo Frattini, a UE tinha 18,5 milhões de imigrantes desenvolvimento da Educação Inclusiva, dizia- teria um agricultor que cultivasse melões que já soubesse à
legais em Janeiro de 2006, o que significa “cerca de 4 por me que certas escolas seleccionavam os alunos partida que iam ser “melões seleccionados”?
cento da sua população”. que recebiam. Não todos, claro, mas quando se
tratava da possibilidade do aluno frequentar uma David Rodrigues
AL/ Fonte: AFP ou outra escola, o encaminhamento dos alunos Universidade Técnica de Lisboa

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42 / REPÚBLICA dos leitores 

Pela maravilha do concurso


a professor titular,
perdoai-lhes, porque eles (não)
sabem o que fazem!

Relaciono isto, com alguma revolta interior, porque da à nova categoria. Organizei e acompanhei tan- que o sangue escorresse convulsivamente pelos de-
consegui uma pontuação elevada, mas pressenti, por tas Visitas de Estudo a museus da minha cidade, graus para a grande alegria dos chefes!
ter sido atribuída uma vaga no departamento disci- de Coimbra, de Leiria, de Alcobaça. Segui os alunos Hoje sou um arqueossítio agrilhoado como a Maravi-
plinar a que pertenço, que não ascenderia a titular. nas deslocações às casas do Gaiato, a Fátima e ou- lha que compreende as 9 Pirâmides de Gisé, ao lado
Fiquei, amarguradamente, embebido numa espécie tros lugares onde a escola me demandava. Foram de outras pirâmides que transpuseram os 90 pontos
de parémia com as novas 7 Maravilhas, pelo que me longos sete anos, tal a da Muralha da China na mi- suficientes para se ser titular e não conseguiram! Sin-
afecta! Digo isto, porque fui Director de Turma, mas nha vida, tal o sacrifício de um servo que ajudou a to-me também uma das esfinges ao lado dos que
esses anos não couberam no cabaz do lustro deter- erguer esse paredão! chegaram aos 110 pontos e foram reduzidos a pro-
minado para a contagem. Igual sorte caiu sobre Petra, Para Machu Picchu aduzo o Clube de Xadrez, atra- fessores de menores remunerações! Sinto-me um
quando as especiarias passaram ao lado, sem que vés do qual levei os alunos a participar em torneios dos obeliscos ao lado dos que ultrapassaram os 120
nada pudesse fazer”! e campeonatos realizados em Aveiro, na Benedita, pontos, mas não conquistaram a nomeação, tal co-
Sem pensar na titularidade, mas com o objectivo de em Armação de Pêra, em Braga, em Famalicão, no mo aconteceu à única Maravilha que resistiu até aos
estar mais preparado nos conteúdos que não foram âmbito do Desporto Escolar e Federado. Horas que nossos dias!
leccionados na universidade que me concedeu a li- me “tiraram” muitas sextas-feiras e sábados noite Hoje, com todas as fragilidades que afectam os pro-
cenciatura, realizei várias cadeiras na Universidade dentro! Na primeira versão do projecto, contava dois fessores, mesmo que me expliquem que nos próxi-
Aberta. Mas de nada valeram! Senti que cortaram as pontos, depois retiraram-nos! Desprezaram a car- mos anos ascenderia a titular, responderei que será
mãos como fizeram aos pedreiros do Taj Mahal, a reira única docente como fizeram à altiva urbe Inca! impossível! Acreditaria se me justificassem por que
mando do príncipe Khurram! Portanto só me resta lamentar à dimensão do vale não escolheram o Monte Saint-Michel para ser uma
Também nada ajudou ter desempenhado o cargo do Urubamba! das Sete Maravilhas?! Facilmente enumeraria mais
de Sub-coordenador! Senti-me outra vez a vítima Apresentei cincos anos à guilhotina da assiduidade, exemplares arrenegados… mas somente referirei o
que ficou exangue durante o solstício no hemiciclo registando a máxima pontuação. Cumpri até um ano Palácio Potala, apesar de ter sido erguido a 3700 me-
de Stonehenge, depois de lhe rasgarem o peito com sem uma falta! Mas tudo foi em vão e sofri na pele a tros acima do nível do mar, ninguém o nomeou?!
um punhal! angústia dos que padeceram no Coliseu! Ora vinham Quando os processos assentam, metodicamente, num
Como outrora, era necessário para a escola, fui eleito os gladiadores que me decepavam, ora o espectácu- diagrama calculado para determinados móbiles eco-
ainda Coordenador de Departamento, mas a pon- lo compreendia as quadrigas e brigas que me espezi- nomicistas, nada há fazer. Se não, digam-me quantos
tuação foi insuficiente. Com o não redondo deste nhavam para gáudio do público! Em outras festivida- milhares de professores, a nível do País, com mais de
concurso, senti-me crucificado no meu pedestal co- des saltavam as feras a deliciarem-me a carne! 95 pontos – a fasquia imposta aos professores do 10º
mo se fosse o Redentor! Perdoai-lhes, porque eles Há tempos, julguei importante fazer uma pós-gra- escalão – não acederam, como eu, à nova categoria.
(não) sabem o fizeram! duação, mas os míseros 5 pontos que atribuíam não
Recordo-me que nos 7 anos que contaram para ajudaram para a titularidade no professorado. E ao
atingir a titularidade, fiz diversas actividades a mais concorrer senti-me um dos malogrados guerreiros José Manuel Teixeira
do exercício lectivo! Mas não bastaram para a subi- que iria ser degolado no cimo de Chichen Itza, para Professor não titular

A escola cidadã
O conceito de cidadão com direitos e deveres esteve Quais são os grandes eixos que sustentam a escola reitos humanos e a solução dos problemas ou con-
– e ainda está – praticamente ausente na educação cidadã? flitos sociais, promove-se a consciência dos direitos
tradicional, que realçava exclusivamente os deveres A escola cidadã sabe que se nasce cidadão, mas um e deveres cívicos, potencia-se o raciocínio e a argu-
(Figueiredo:2001), fruto de uma pedagogia “marcada cidadão esclarecido, consciente, activo e solidário mentação sobre justiça, liberdade, responsabilidade,
pelo recurso a uma autoridade esmagadora onde o forma-se. Por isso, a escola cidadã tem um projecto solidariedade, respeito mútuo, tolerância, verdade,
educando tinha para com o educador não só obedi- educativo filantropo, que combate as desigualdades esforço, de modo a induzir o saber estar, ou seja,
ência e respeito, mas também, frequentemente, te- escolares e sociais, que promove a participação da condutas socialmente responsáveis (através dos mo-
mor” (Cabanas:2002). comunidade na construção do bem comum no inte- delos de clarificação de valores; comunidade justa;
Progressivamente, com a Revolução Francesa e o rior da escola, na reconstrução do seu conhecimento educação do carácter)
seu lema «Liberdade, Igualdade, Fraternidade», a es- e, acima de tudo, do seu projecto de vida. A escola cidadã é norteada por uma bússola que con-
cola foi sendo debilmente influenciada por pedago- A escola cidadã oferece um currículo aberto à diver- duz os professores e a comunidade numa mesma di-
gias mais progressistas que atribuíam mais direitos sidade ou à sensibilidade para as diferenças dos alu- recção – o bem comum (Sergiovanni: 2004).
à criança. Desejava-se, simplesmente, que ela fosse nos, para que todos aprendam quem são os outros. A A escola cidadã é acolhedora e encantadora, porque
criança! A defesa da sua participação em várias to- Escola Cidadã acredita que a “diversidade dos alunos tem salas amplas, espaços lúdicos, ginásios, campo
madas de decisão na escola – e “há política a partir é uma fonte de enriquecimento mútuo, de intercâmbio de jogos e zonas verdes que permitem dinamizar hor-
do momento em que são tomadas decisões” (Bar- de experiências, que permite conhecer outras manei- tas e cuidar de animais.
bier:1996) – foi sendo vista cada vez mais como uma ras de ser e de viver e que desenvolve atitudes de res- A escola cidadã é a minha – e deveria ser a nossa
necessidade, visando assim o desenvolvimento ético peito e de tolerância” (Marchesi in Rodrigues:2001). – utopia.
e moral do aluno, a educação para a participação nas Na Escola Cidadã transpira-se cidadania – ou cida-
instituições e serviços cívicos, enfim, a construção de danias –, pois os alunos têm liberdade de escolha Miguel Gameiro Silva
uma escola mais justa, mais pluralista e democrática e de decisão, discutindo colectivamente a forma de Professor
– a “Escola Cidadã” (Gadotti:2000). melhorar a vida escolar, fomenta-se a defesa dos di- Fajã de Baixo, Ponta Delgada, Açores

a página da educação · outubro 2007


REPÚBLICA dos leitores / 43

Os partidos e o sistema partidário português

Assiste-se hoje a uma intensa campanha contra o sis-


tema partidário saído da Revolução de Abril.
Intencionalmente ou não confunde-se o sistema par-
tidário com a actuação dos partidos políticos. Devido
à actuação dos partidos políticos que têm governado
o país há restrições às liberdades democráticas. Co-
mo exemplo podemos ver a lei dos partidos políticos,
aprovada pelo PS e pelo PSD, onde são impostas
por estes partidos normas de funcionamento interno
a todos os outros. Imagine-se o que seria se, por hi-
pótese, fosse o PCP a sugerir uma lei para o funcio-
namento de todos os outros partidos. Neste aspecto,
há que reconhecer que o PCP sempre defendeu que
cada organização partidária, pelas suas característi-
cas e pela sua história, é que deve procurar a melhor
maneira de se estruturar, de eleger os seus dirigentes,
sejam eles locais, regionais ou nacionais.
A chamada crise do sistema partidário é artificial. Ela
foi criada e é alimentada de modo a ajudar a perpe-
tuar no poder o mesmo bloco de interesses. Durante tema partidário anda a par com a necessidade de foi o PCP que resistiu a todo o período da ditadura,
muitos anos estes foram representados pelo regime apresentar algumas diferenças de forma como sen- e foram 48 anos. O PS formou-se em 1973 e na Ale-
existente antes do 25 de Abril, uma ditadura fascis- do profundas diferenças de conteúdo, marginalizan- manha, o PSD e o CDS (depois PP) apenas depois do
ta, e hoje representados e defendidos pelo conjunto do aqueles que realmente podem ser alternativa, por 25 de Abril, até porque muitos dos seus fundadores
PS/PSD/PP. Houve apenas as mudanças necessárias apresentarem verdadeiramente diferenças de conte- faziam parte de órgãos dirigentes do fascismo.
que a própria evolução impôs. údo. Tal só é possível impondo o pensamento único, Apesar de controlar a generalidade dos órgãos de
A grande diferença nas opções sociais e na seriedade onde o capitalismo é a única solução global para a comunicação social, o capitalismo português, histo-
política vem do PCP, o que não significa que esteja humanidade e os diferentes países devem procurar ricamente submisso ao capital estrangeiro, ainda se
isento de erros. Assim, por exemplo, para Portugal, as melhores soluções deste enquadramento. Nesta sente incomodado pela diferença e peso eleitoral do
o PCP sempre defendeu a liberdade de formação de perspectiva surgem as campanhas à modernização PCP. Assim os seus partidos preparam-se para alte-
partidos políticos, sempre defendeu a liberdade re- e salvação dos partidos comunistas. Ainda antes do rar as leis eleitorais para a Assembleia da República
ligiosa respeitando igualmente todas as opções de desmembramento da URSS foi o euro-comunismo, e para os órgãos de poder local. Por exemplo, nas
crença, mas não soube demarcar-se das opções e principalmente, com os partidos comunistas de Itália, recentes eleições para a Câmara de Lisboa, o PS que
dos erros existentes nos antigos países socialistas. França e Espanha. O resultado está à vista. Tinham, obteve 30% dos votos, teria 100% da Câmara!
Perante o ruir da URSS e seus aliados e a desagrega- nos respectivos países, uma implantação eleitoral O sistema partidário saído da Revolução de Abril tem
ção de numerosos partidos comunistas, o PCP, man- superior à do Partido Comunista Português. Em Itá- muitas potencialidades. Houve governos de maioria
tendo as suas características de classe, é uma referên- lia e Espanha dissolveram-se e em França é quase relativa (do PS e do PSD), houve governos de coli-
cia para os povos do mundo na sua luta pela liberdade insignificante. Neste período, como hoje, o combate gação (PS/CDS, PS/PSD, PSD/CDS/PPM, PSD/PP),
e independência nacional contra o imperialismo. ideológico é intenso e a chamada crise do sistema houve governos de iniciativa presidencial (Nobre da
Confundir a falha de uma experiência com a falsidade partidário insere-se nesse combate. Costa, Maria de Lurdes Pintassilgo), houve governos
de uma teoria é uma atitude cientificamente incorrecta, A campanha anti-partidos tanto aparece com o “eles de maioria absoluta ( do PSD, do PS). O sistema
como também foi incorrecta a atitude de tomar o êxito são todos iguais”, perpetuando quem está no poder, partidário permite a formação de coligações pré ou
de uma experiência como confirmação de uma teoria. ou sugerindo que todos os partidos são “ramos do pós eleitorais (AD, FRS, FEPU/APU/CDU), permite a
Muito conseguiu a humanidade com a experiência mesmo tronco”. O mesmo tronco implica as mesmas formação de novos grupos parlamentares (PRD, BE).
socialista na Rússia. Muitas das regalias sociais e dos raízes. Ora, aí está a diferença. As raízes do bloco Defender o sistema partidário saído da Revolução de
direitos dos cidadãos, enquanto trabalhadores, foram PS/PSD/PP são as mesmas. As do PCP são diferen- Abril, respeitar o regime democrático e as amplas liber-
possíveis graças ao triunfo da Revolução Bolchevi- tes. Se não fossem, o PCP não resistia como resiste, dades do cidadão é condição necessária para o de-
que. Aliás, quando o imperialismo derrotou a URSS, nem tinha conseguido combater a ditadura fascista senvolvimento económico, social e cultural do país.
os direitos sociais e laborais começaram a ser con- como o fez. O PCP formou-se em Portugal em 1921.
testados e limitados em todo o mundo capitalista. Nessa altura havia muitos partidos políticos e com Paulo Morgado
A necessidade de propagandear uma crise do sis- mais meios humanos e financeiros que o PCP, mas Professor na Escola Secundária de São Pedro da Cova

A que se destina o aprender?


O processo de ensino-aprendizagem compreende construção do seu próprio conhecimento. É funda- aprendizagem. A partir daí, os frutos advindos dessa
múltiplas interações que permeiam desde o rigor do mental (re-)criar, (re-)inventar constantemente o tra- experiência serão norteadores para ações mais efe-
conteúdo científico, fruto das investigações desen- balho educativo, embasando-o em práticas que va- tivas no intuito de despertar nos educandos o dese-
volvidas no decorrer da evolução das sociedades e lorizem os conhecimentos trazidos pelo estudante e jo em compreender o porquê dos conteúdos que lhe
civilizações, até a transposição dessas conquistas tornem-no capaz de relacionar os novos saberes às são apresentados, muito além daquilo que é exigido
para a vivência cotidiana do estudante. É papel das suas concepções prévias do mundo em que vive. nos vestibulares. Enfim, a perspectiva de um ensino
instituições que se dedicam à Educação fornecer Para alcançar resultados satisfatórios no espaço edu- que traga em si o significado pleno do seu existir.
subsídios para a concretização desses objetivos. cativo (a exemplo dos cursos pré-vestibulares) faz-se
Responsáveis pela prática educativa, como docen- condição primordial haver um espaço próprio para a
tes e coordenadores, devem atentar para as ques- avaliação, momento no qual serão empreendidas re- Jaílson Santos de Novais
tões relativas ao método de ensino. O estudante deve flexões sobre o planejamento, a execução e os resul- Universidade Estadual de Feira de Santana. Brasil
ser motivado a participar ativamente do processo de tados alcançados ao longo do processo de ensino- Departamento de Ciências Biológicas

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44 / REPÚBLICA dos leitores 

Projectos curriculares:
burocracia ou pedagogia?
Temos sido confrontados, em situações diversas, de a escola se organizar, de rentabilizar os recursos Partindo do Projecto Curricular de Agrupamento, o
com alguma confusão relativa às finalidades e lógi- internos e da comunidade, à forma de ultrapassar as professor titular de turma (1.º ciclo) ou o Conselho de
cas de alguns documentos essenciais na autonomia dificuldades e aumentar a sua eficácia. É, no fundo, a Turma (2.º e 3.º ciclos) elaboram o Projecto Curricular
das escolas: os Projectos Educativo de Agrupamento clarificação da filosofia educativa do agrupamento. de Turma, articulando o trabalho em torno de metas
(PEA), o Projecto Curricular de Agrupamento (PCA) e O Projecto Curricular encadeia-se no Educativo. A educativas comuns.
o Projecto Curricular de Turma (PCT). A pouca clareza partir do Currículo Nacional, os professores, enquan- O «síndroma do cumprimento dos programas» dá lu-
traz consigo, inevitavelmente, uma mera burocratiza- to gestores do currículo e não só meros executores, gar à acomodação do currículo aos alunos concretos.
ção de documentos que poderiam ser ferramentas têm a oportunidade de definir o conjunto de acções a O PCT deverá reflectir um processo gradual e contí-
pedagógicas, oportunidades de trabalho em equipa desenvolver pelo agrupamento, no sentido de «opor- nuo que envolve observação, reflexão e ajustamento
na perseguição de objectivos comuns. tunidade para a aprendizagem»: o conjunto de ex- das orientações e das práticas pedagógicas (DEB,
Com o DL n.º 6/2001, regulamentou-se a flexibiliza- periências educativas que os alunos vivenciarão no 2001). Os professores não são mais meros executo-
ção curricular, entrando em vigor o Currículo Nacional contexto escolar (Zabalza, 1997). res de programas, mas estrategas que sabem que a
com as Competências Essenciais que se espera a Es- Construir um PCA implica decidir a que aprendiza- realidade reage às iniciativas. “O estratega baseia-se
cola faça adquirir e desenvolver. gens se vai dar ênfase, que aspectos vão ser deixa- na observação do terreno” (Crozier, 1995).
Os “arquitectos da estrutura de Ensino” (Zabalza, dos em segundo plano, para valorizar outros conside- Nesta perspectiva, o PCT, em vez de mero documen-
1997), que trabalham ao nível central, estabelecem as rados a este nível mais importantes. Que competên- to burocrático, deverá ser um instrumento pedagógi-
aprendizagens consideradas fundamentais, explicita- cias se pretende desenvolver? Que sequências dar a co, uma vez que reflecte as opções curriculares para
das em termos de competências essenciais, trans- essas prioridades? a turma, para os alunos concretos. Turma e alunos
versais e específicas das diversas disciplinas. Dentro Deste modo, a Escola, deixando de ser uma entida- singulares que têm direito a um percurso próprio e
destas «balizas» nacionais é possível, ao nível local, de gerida administrativamente como uma organiza- adequado à sua realidade.
equacionar caminhos diferenciados que conduzam a ção que veicula um sistema uniforme, cujas decisões Esta forma de gerir o currículo em diversos níveis per-
um maior sucesso da Escola, através da adequação emanam da hierarquia, passa a ser gestora do currí- mite a diferenciação de percursos, a adaptação à he-
do Currículo Nacional aos diversos públicos. culo, na adaptação das linhas nacionais à realidade terogeneidade de alunos e realidades locais.
No uso da sua autonomia, cada agrupamento de es- local, de acordo com as suas necessidades, desejos
colas elabora o PEA e o PCA. O Projecto Educativo e características dos alunos.
reflecte a caracterização da comunidade em que o “A essência burocrática e formal (…) do Currículo Na-
agrupamento se insere, as dificuldades, os recursos cional deve dar lugar à riqueza de matizes, à proximi- Mário Henrique Gomes
e as potencialidades. Dessa caracterização, surgem dade (…) à gestão feita na escola e para os alunos da Professor
opções estratégicas a tomar, relativamente à forma escola” (Zabalza, 1997). Póvoa de Penafirme

Auto-avaliação de escola:
obrigação ou necessidade?
Perante uma sociedade em permanente mudança, a es- diversas motivações, sendo as duas principais: a ne- e Avaliação externa das escolas) para conseguir ha-
cola tem de sentir necessidade de aderir a uma cultura cessidade de estar em permanente aprendizagem e bilitar as escolas para desenvolverem o seu próprio
de avaliação que permita a prestação de contas, decor- a necessidade de dar resposta aos problemas mais dispositivo de auto-avaliação porque, na realidade,
rente da maior responsabilidade inerente à autonomia emergentes da sociedade envolvente. Nota-se que parece-nos que tem existido uma preocupação em
(ainda que decretada) e o desenvolvimento de apren- um número significativo de escolas recorre à auto- dizer às escolas o que devem fazer, em vez de as ha-
dizagens significativas que proporcionem as soluções avaliação para aquisição de conhecimento que pro- bilitar a fazer o que deve ser feito.
mais adequadas à resolução dos seus problemas. porcione a aprendizagem necessária para conseguir Para finalizar, gostaríamos de dizer que, embora exis-
Estarão, actualmente, as escolas públicas a aderir à responder à multiplicidade de problemas com que vai tam escolas que recorrem à sua auto-avaliação co-
auto-avaliação, conceptualizada como um processo sendo confrontada, sem que para isso tenha de espe- mo fonte de aprendizagem, o facto é que ainda exis-
desenvolvido pela comunidade educativa, com o in- rar por respostas fabricadas no exterior. tem algumas que não o fazem, levando-nos a pensar
tuito de se consciencializarem acerca das dinâmicas Mesmo sendo de carácter obrigatório, 62 escolas di- que desconhecem a sua realidade, o que dificultará a
produzidas no seu seio, para se conduzirem as acções zem não desenvolver auto-avaliação, essencialmen- melhoria das suas dinâmicas. Mais do que uma obri-
colectivas (aprendizagens) que sejam promotoras da te, por três razões: falta de meios humanos dispo- gação legal, a auto-avaliação deverá ser vista como
sua melhoria? Ou, pelo contrário, continuam a repetir níveis (44,8%); falta de meios humanos qualificados uma necessidade da escola, cujo intuito é, não só
os mesmos erros, a manter as mesmas limitações, (24,1%) e ausência de tempo para a administrar / ensinar, mas, sobretudo, aprender, para proporcionar
nunca se questionando sobre os resultados das suas concretizar (31,0%). Estes obstáculos podiam ter si- o sucesso educativo.
actividades ou em que consiste o seu sucesso? do já ultrapassados, visto que, após a publicação da
Num estudo exploratório, desenvolvido nas escolas Lei n.º 31/2002 , pouco ou nada foi feito pela admi-
públicas da alçada DREN (N=406) , apercebemo-nos nistração central para a sua efectiva aplicabilidade. Serafim Correia
de que, entre os anos 2003 e 2005, a maioria das São diversas as dúvidas quanto às potencialidades Doutorando em Educação: Desenvolvimento Curricular, no Instituto de
escolas (144 das 206) que participaram no estudo das actividades que estão a ser desenvolvidas neste Educação e Psicologia da Universidade do Minho
dizem promover a auto-avaliação. E, fazem-no, por âmbito (Efectividade da auto-avaliação das escolas serafcorreia@gmail.com

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CONTAS / 45

Editora: Profedições, Lda. / Jornal a Página da educação


Apresentação de contas relativas ao exercício do ano fiscal de 2006
DEMONSTRAÇÃO dos RESULTADOS ( por natureza ) em 31 DE DEZEMBRO DE 2006 BALANÇO FINANCEIRO EM 31 DE DEZEMBRO DE 2006
EXERCICIOS EXERCICIOS
CONTAS CONTAS
2006 2005
2006 2005
APLICAÇÕES DO CAPITAL Bruto Amortiz. Liquido Liquido
CUSTOS E PERDAS
Imobilizado:
61 Custo das Merc.Vend. E Cons. Imobilizações Incorpóreas:
  Mercadorias 413.88€ 413.88€ 0.00€ 431   Despesas de Instalação 35.51€ 35.51€ 0.00€ 0.00€
433   Propriedade Intelectual e outros direitos 1,240.71€ 1,240.71€ 0.00€ 0.00€
62 Fornecimentos e Serviços Externos 183,652.21€ 197,681.90€ 1,276.22€ 1,276.22€ 0.00€ 0.00€
Imobilizações Corpóreas:
64 Custos com o Pessoal
423 Equipamento Básico 17,148.18€ 13,148.47€ 3,999.71€ 750.00€
642   Remunerações 24,298.17€ 24,485.65€
425 Ferramentas e Utensilios 138.00€ 138.00€ 0.00€ 0.00€
645   Outros 5,423.47€ 29,721.64€ 5,156.70€ 29,642.35€ 426 Equipamento Administrativo 9,367.62€ 9,071.09€ 296.53€ 1,093.03€
66 Amortizações do Imobilizado 429 Outras Imobilizações Corpóreas 581.16€ 581.16€ 0.00€ 0.00€
  Corpóreas e incorpóreas 2,712.60€ 1,670.41€ 27,234.96€ 22,938.72€ 4,296.24€ 1,843.03€
63 Impostos 10.59€ 39.49€ Circulante:
Existencias:
65 Outros Custos e Perdas Operacionais 1,343.63€ 1,354.22€ 722.83€ 762.32€
32   Mercadorias 5,846.48€ 0.00€ 5,846.48€ 0.00€
(A) 217,854.55€ 229,756.98€
5,846.48€ 0.00€ 5,846.48€ 0.00€
Juros e Custos Similares Dividas de Terceiros:
683   Outros 0.00€ 63.22€ 211   Clientes C/C 22,987.91€ 0.00€ 22,987.91€ 9,259.10€
(C) 217,854.55€ 229,820.20€ 24   Estado e Outros Entes Publicos 12,963.69€ 0.00€ 12,963.69€ 7,807.11€
69 Custos e Perdas Extrordinárias 2,214.16€ 100.00€ 268   Outros Devedores 16,674.52€ 0.00€ 16,674.52€ 14,963.95€
(E) 220,068.71€ 229,920.20€ 52,626.12€ 0.00€ 52,626.12€ 32,030.16€
Depósitos Bancários e Caixa
86 Imposto sobre Rendimento do Exercicio 7,599.13€ 3,415.48€
12   Depósitos Bancários 94,554.02€ 0.00€ 94,554.02€ 76,992.85€
(G) 227,667.84€ 233,335.68€ 11   Caixa 636.03€ 0.00€ 636.03€ 479.31€
88 Resultado Liquido do Exercicio 24,953.95€ 20,819.85€ 95,190.05€ 0.00€ 95,190.05€ 77,472.16€
252,621.79€ 254,155.53€ Acréscimos e Diferimentos
PROVEITOS E GANHOS 272 Custos Diferidos 3,150.00€ 0.00€ 3,150.00€ 8,729.00€
71 Vendas - Mercadorias 737.99€ 0.00€ 3,150.00€ 0.00€ 3,150.00€ 8,729.00€
72 Prestações de Serviços 251,435.28€ 254,155.53€
TOTAL DO ACTIVO 185,323.83€ 24,214.94€ 161,108.89€ 120,074.35€
73 Proveitos Suplementares 448.52€ 0.00€
(B) 252,621.79€ 254,155.53€ CONTAS EXERCICIOS
Outros Juros e Proveitos Similares 2006 2005
781   Outros 0.00€ 0.00€ ORIGENS DO CAPITAL Bruto Amortiz. Liquido Liquido
(D) 252,621.79€ 254,155.53€ Capital
521   Quotas Proprias 5,000.00€ 0.00€ 5,000.00€ 5,000.00€
79 Proveitos e Ganhos Extrordinarios 0.00€ 0.00€
5,000.00€ 0.00€ 5,000.00€ 5,000.00€
(F) 252,621.79€ 254,155.53€ Reservas
574   Reservas Livres 3,181.61€ 0.00€ 3,181.61€ 1,099.62€
RESUMO 591   Resultados Transitados 76,969.74€ 0.00€ 76,969.74€ 58,231.88€
Resultados Operacionais: ( B )-( A ) 34,767.24€ 24,398.55€ 80,151.35€ 0.00€ 80,151.35€ 59,331.50€
Resultados Financeiros: ((D)-(B))-((C)-(A)) 0.00€ -63.22€ 88 Resultado Liquido do Exercicio 24,953.95€ 0.00€ 24,953.95€ 20,819.85€
TOTAL DO CAPITAL PRÓPRIO 110,105.30€ 0.00€ 110,105.30€ 85,151.35€
Resultados Correntes: ( D )-( C ) 34,767.24€ 24,335.33€
Dividas a Terceiros:
Resultados Antes dos Impostos: ( F )-( E ) 32,553.08€ 24,235.33€ 221   Fornecedores C/C 39,721.34€ 0.00€ 39,721.34€ 27,222.26€
Resultados Liquidos do Exercicio: (F )-( G ) 24,953.95€ 20,819.85€ 228   Fornecedores-Fact.Recp.Conferencia 2,408.51€ 0.00€ 2,408.51€ 0.00€
24   Estado e Outros Entes Publicos 8,873.74€ 0.00€ 8,873.74€ 5,548.58€
268   Outros Credores 0.00€ 0.00€ 0.00€ 2,152.16€
51,003.59€ 0.00€ 51,003.59€ 34,923.00€
TOTAL DO PASSIVO 51,003.59€ 0.00€ 51,003.59€ 34,923.00€
TOTAL DO CAPITAL PRÓPRIO E PASSIVO 161,108.89€ 0.00€ 161,108.89€ 120,074.35€

Ficha Técnica
Jornal A Página da Educação — Publicação Mensal — Publica-se na 1ª segunda-feira de cada mês | Proprietário: Editora Profedições, Lda. Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa. Isabel Menezes, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do
| Capital Social: 5.000 Euros | Director e Coordenador editorial: José Paulo Serralheiro | Editor Gráfico Adriano Rangel | Redacção: Porto. João Barroso, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. João Menelau Paraskeva, Universida-
Andreia Lobo e Ricardo Costa | Secretariado: Lúcia Manadelo | Paginação: Ricardo Eirado | Fotografia: Ana Alvim. de do Minho. Manuel Pereira dos Santos, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. | LUGARES da Educação
— Coordenação: Almerindo Janela Afonso, Universidade do Minho. Colaboram: Licínio C. Lima, Universidade do Minho. Manuel António
Rubricas e colaboradores Ferreira da Silva, Universidade do Minho e Virgínio Sá, Universidade do Minho. | O ESPÍRITO e a Letra — Serafim Ferreira, escritor e
A ESCOLA que (a)prende — Coordenação: David Rodrigues, Universidade Técnica de Lisboa e Coordenador do Fórum de Estudos de critico literário. | OLHARES de fora — Beatriz Gonçalves e Silva, Universidade Federal de São Carlos e Conselho Nacional de Educação,
Educação Inclusiva (www.fmh.utl.pt./feei). Jorge Humberto, Mestre em educação Especial. | AFINAL onde está a escola? — Coordena- Brasil. José Miguel Lopes, Universidade do Leste de Minas Gerais, Brasil. Maria Antónia Lopes, Universidade Mondlane, Moçambique. Ivonal-
ção: Regina Leite Garcia, Colaboração: Grupalfa—pesquisa em alfabetização das classes populares, Universidade Federal Fluminense, Rio de do Neres Leite, Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil | POLAROIDs.txt. Palavras Situadas — Coordenação: Rui Vieira
Janeiro, Brasil. | CINEMA — Paulo Teixeira de Sousa, Escola Secundária Fontes Pereira de Melo, Porto. | COISAS do tempo — Ana Bena- de Castro, Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho. Colaboram: António Branco, Universidade do Algarve e Maria de
vente, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Betina Astride, Escola EB1 de Foros de Vale de Figueira. Luísa Mesquita, profes- Lurdes Dionísio, Universidade do Minho. | QUOTIDIANOS — Carlos Mota e Gabriela Cruz, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro,
sora e deputada do Partido Comunista Português. Pascal Paulus, Escola Básica Amélia Vieira Luís, Outurela. | COMUNICAÇÃO e e escola Vila Real. | RECONFIGURAÇÕES — Roger Dale, (Universidade de Bristol), Susan Robertson, (Universidade de Bristol), Xa-
— Felisbela Lopes, Manuel Pinto e Sara Pereira, Universidade do Minho. Raquel Goulart Barreto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, vier Bonal (Universidade Autónoma de Barcelona), Fátima Antunes (Universidade do Minho), Fernanda Rodrigues (Universida-
UERJ, Brasil |CULTURA e pedagogia — Coordenação: Marisa Vorraber Costa, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade de Católica Portuguesa), Mario Novelli (Universidade de Amesterdão) e António M. Magalhães (Universidade do Porto). | SAÚ-
Luterana do Brasil | DA CIÊNCIA e da vida — Francisco Silva, Portugal Telecom. Margarida Gama Carvalho, Faculdade de Medicina de DE escolar – Coordenação: Rui Tinoco, psicólogo clínico Unidade de Saúde da Batalha, Porto. Colaboram: Nuno Pereira de Sou-
Lisboa e Instituto de Medicina Molecular. Rui Namorado Rosa, Universidade de Évora. | DA CRIANÇA — Raúl Iturra, ISCTE Universidade sa, médico de saúde pública; Débora Cláudio, nutricionista da Direcção dos Serviços de Saúde Área de Nutrição da Sub Re-
de Lisboa. | DISCURSO Directo — Ariana Cosme e Rui Trindade, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do gião de Saúde do Porto | SOCIEDADE e território — Jacinto Rodrigues, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto.
Porto. | DIZERES — Angelina Carvalho, Colaboradora do CIIE da Faculdade de Psicologioa e Ciências da Educação da UP. | DO PRIMÁRIO | TERRITÓRIOS & labirintos — António Mendes Lopes, Instituto Politécnico de Setúbal. | TEXTOS bissextos — Coordenação: Luís
— José Pacheco, Escola da Ponte, Vila das Aves. | DO SECUNDÁRIO — António Silva Pereira, Escola Secundária Fontes Pereira de Melo, Souta, Instituto Politécnico de Setúbal. Colaboram: Filipe Reis, ISCTE, Lisboa, José Catarino, Instituto Politécnico de Setúbal, José Guimarães,
Porto. Arsélio de Almeida Martins, Escola Secundária de José Estevão, Aveiro. Domingos Fernandes, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Universidade Aberta, Lisboa, Luís Vendeirinho, escritor, Lisboa, Paulo Raposo, ISCTE, Lisboa. VISIONARIUM: foto ciência com legenda
Educação da Universidade de Lisboa. Fernando Santos, Escola Secundária de Valongo, Porto. Jaime Carvalho da Silva, Faculdade de Ciências — Conteúdos Científicos Visionarium, Centro de Ciência do Europarque – Espargo – 4520 Santa Maria da Feira – info.visionarium@aepor-
da Universidade de Coimbra. | E AGORA professor? — Coordenação: Ricardo Vieira, Escola Superior de Educação de Leiria. Colaboram: tugal.com - tel 256 370 605
José Maria dos Santos Trindade, Pedro Silva, Susana Faria da Escola Superior de Educação de Leiria e Rui Santiago da Universidade de Aveiro.
| EDUCAÇÃO desportiva — Gustavo Pires e Manuel Sérgio, Universidade Técnica de Lisboa. André Escórcio, Escola B+S Gonçalves Zarco, A Página respeita as variantes do português, do galego e do castelhanoDe acordo com o seu Estatuto Editorial, a Página da
Funchal. | EDUCAÇÃO e Cidadania — Américo Nunes Peres, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Chaves. Miguel Ángel Santos Educação utiliza os idiomas como forma de promover a aproximação entre os povos de língua oficial portuguesa e destes com os povos que
Guerra, Universidade de Málaga, Espanha. Otília Monteiro Fernandes, Universidade de Trás-os Montes e Alto Douro, Chaves. Xesús R.Jares, usam as variantes do galego e do castelhano. Assim, os artigos de opinião são publicados na Página respeitando as várias variantes da língua
Universidade da Corunha, Galiza. Xurjo Torres Santomé, Universidade da Corunha, Galiza. | EM PORTUGUÊS — Leonel Cosme, investigador, portuguesa, do galego e do castelhano, usadas pelos nossos colaboradores e leitores. São traduzidos para português os textos dos colabora-
Porto. | ENTRELINHAS e rabiscos — José Rafael Tormenta, Escola Secundária de Oliveira do Douro | ERA digital — Coordenação: José dores que utilizam, na sua escrita, outros idiomas.
Silva Ribeiro. Colaboram: Adelina Silva, Casimiro Pinto, Fernando Faria Paulino, Maria Fátima Nunes, Maria Paula Justiça, Ricardo Campos,
do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais (CEMRI), Laboratório de Antropologia Visual, Universidade Aberta e Sérgio Conselho de gerência: José Paulo Serralheiro. João Baldaia. Abel Macedo. | Registo na Conservatória Comercial do Porto: 49561 |
Bairon (Brasil) e Francesco Marano (Itália) associados à rede de investigação do LabAV | MEMÓRIAS da minha morte e SUBLINHADOS NIF: 502675837 | Depósito legal: 51935/91 | ICS: 116075 | Preço: 2 Euros (IVA incluído) | Tiragem do mês anterior: 21.000 exempla-
— Júlio Roldão, Jornalista, Porto | PEDAGOGIA social e ÉTICA e educação social — Adalberto Dias de Carvalho, Faculdade de Letras res. Administração, redacção e publicidade: Rua D. Manuel II, 51 – C – 2º andar – sala 2.5b — 4050-345 PORTO | Tel. 226002790 |
da Universidade do Porto. Isabel Baptista, Universidade Católica Portuguesa, Porto. José António Caride Gomez e Xavier Úcar, Universidade Fax 226070531 | Correio electrónico: redaccao@apagina.pt | Assinaturas: assinaturas@apagina.pt | Edição na Internet: www.apagina.
Autónoma de Barcelona. | FORA da escola também se aprende — Coordenação: Nilda Alves, Universidade do Estado do Rio de Janeiro pt/ | Impressão: Naveprinter-Indústria Gráfica do Norte,S.A., Maia | Embalagem e Distribuição: Notícias Direct, Maia | Serviços Agência
UERJ, Brasil. Colaboração: Laboratório Educação e Imagem: questão de cidadania | FORMAÇÃO e Desempenho — Carlos Cardoso, Escola France Press, AFP. | Membro da Associação Portuguesa de Imprensa – AIND
Superior de Educação de Lisboa. | FORMAÇÃO e Trabalho — Manuel Matos, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Uni-
versidade do Porto. | IMPASSES e desafios — Agostinho Santos Silva, Engenheiro mecânico, CTT, Lisboa. António Teodoro, Universidade O jornal a Página da Educação é propriedade da editora Profedições, Lda

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46 / REPÚBLICA dos leitores 

Preservação ambiental: o papel da escola

IE/FN

A intervenção do homem sobre a natureza, consu- cação pode ser, sem dúvida, a “pedra de toque” na promover a construção bio-psico-social do homem.
mindo os recursos naturais e degradando o ambien- consecução da recuperação terrestre. O homem é constituído ontologicamente de cuida-
te, tem provocado consequências nefastas para o Admitindo que a conservação do ambiente depende do, de sentimentos e de contemplação, sem essas
planeta e para a vida. A produção e emissão de gases da capacidade das pessoas aprenderem a protegê- dimensões não é humano. Precisamos pois, lutar
têm destruído a camada de ozónio e promovido o lo; a escola, embora não seja a única, deve ser con- contra uma lógica destrutiva e desumanizadora, des-
aquecimento global, aumento do nível do mar, amea- siderara excelente, não só para ensinar conteúdos e provida de espiritualidade e beleza. Trata-se de nos
ça à biodiversidade, escassez hídrica, desertificação, competências, mas estimular o desejo e prazer de libertarmos através da capacidade, ela mesma huma-
regressão florestal, etc. cuidar da terra. na, de sentir e de se escandalizar com o mau trato da
Apesar disso, as políticas e medidas que contrariam Sabemos que é nas crianças e jovens que se pode terra, o que só poderá ser feito se obedecermos mais
sua emissão e os problemas decorrentes, tem sido transformar atitudes em hábitos, assim, cabe ensinar ao coração e menos a exploração dos recursos e se
pequena e protelada. a reciclar, reduzir e reutilizar, transformando esses ac- a escola se juntar à causa.
Certo de que avanços nessas áreas dependem de ac- tos numa rotina. O quadro é alarmante, mas não pode ser usado como
ções tecnológicas; é imprescindível que a sociedade Sem discutir a inclusão desses saberes no currículo, os desculpa para a inércia. Ainda é possível ter esperan-
adira a causa. As pessoas precisam aprender a adoptar professores de todas as disciplinas, podem contribuir, ça. De fato, os problemas ambientais têm solução,
atitudes simples, mas que provocam grandes efeitos. integrando as questões ambientais aos programas; con- e nós sabemos quais são. Resta ultrapassar o mo-
Algumas, tal como a redução do consumo de energia trariando as pequenas acções, realizadas de forma es- dismo, a inércia e a ganância económica; resta prin-
eléctrica e água, conseguida pelo consumo eficiente, porádica e desorganizadas, motivadas pelo modismo. cipalmente admitir que a salvação do planeta passa
utilização de fontes renováveis e reciclagem; têm si- Entretanto, para que a escola seja feliz na formação de indiscutivelmente pela escola.
do consideradas essenciais para o equilíbrio global, cidadãos comprometidos com o ambiente, ela mesma
além de estarem associadas a ganhos económicos. tem que se constituir numa comunidade ecológica, se Luiz Gustavo Lima Freire
A diminuição dos problemas depende de progressos revestindo de valores de preservação e comungando Psicólogo escolar, mestrando em Psicologia da Educação,
em outras áreas e está sujeita as políticas, mas a edu- com a terra. Não lhe basta ensinar conteúdos, mas Universidade de Lisboa

Segurança na aplicação de agroquímicos


Fato de protecção certificado
Seguros e confortáveis, é quanto se exige dos fatos de zações agrícolas. O que em toda a Europa só sucedia to NanoPel, produzido na Alemanha e designado por
protecção individual para a aplicação de produtos fito- com a Alemanha e, desde fins de Maio último, passou “Resist Spills”. A confecção do fato ora certificado,
farmacêuticos. Ou seja, devem proteger eficazmente o a acontecer com Portugal. que pode ser lavado mais de 50 vezes sem perder as
operador e proporcionar-lhe o conforto necessário ao Na verdade, através de estreita colaboração entre a propriedades, é efectuada em Braga, estando, ao que
bom desempenho do seu trabalho, especialmente em ANIPLA – Associação Nacional da Indústria para a se sabe, já disponível no mercado.
regiões com climas quentes, como os países do Sul Protecção das Plantas, a DGPC – Direcção-Geral pa- Tenha-se em conta que a certificação deste primeiro
da Europa e, bem assim, encontrar-se disponíveis a ra a Protecção das Culturas e o IPQ/CITEVE – Cen- fato de protecção constitui um dos principais resulta-
um preço acessível aos agricultores. Requisitos estes tro Tecnológico das Indústrias Têxtil e do Vestuário dos do projecto “Cultivar a Segurança” lançado pela
fundamentais que, a par de outros, como manda a lei, de Portugal, foi possível, de forma bastante rápida, ANIPLA no Minho há cerca de três anos, mas a alar-
terão de ser garantidos, através de certificação. transcrever para a legislação nacional a norma ale- gar gradualmente a todo o país, a exemplo do que se
Tudo isso conseguiu a pesquisa portuguesa, integra- mã que, depois de ter sido sujeita às etapas próprias passa um pouco por todo o Sul da Europa, tendo em
da num grupo europeu, num tempo excepcionalmen- deste tipo de normalizações, foi oficialmente desig- vista aumentar a segurança do operador de produtos
te curto e o certo é que, por uma vez, Portugal, nesta nada por NP 4462:2007. fitofarmacêuticos, através da melhoria das técnicas
área, vai à frente da generalidade dos países euro- Todo este labor, contudo, foi antecedido por uma in- de aplicação e da utilização correcta do equipamento
peus, sendo inclusive pioneiro na certificação de um tensa pesquisa de tecidos teoricamente capazes de de protecção individual.
fato de protecção com base em nanotecnologia para garantir a protecção do operador que, não só foram O coordenador do projecto é o engenheiro Luís Sara-
uso exclusivo na aplicação de produtos fitofarmacêu- testados nos melhores laboratórios do mundo nes- mago para quem este fato é factor de competitividade,
ticos. Uma tecnologia que confere um grau acrescido tas matérias, como também passaram por rigorosos pois, “se o agricultor tem respeito por si, transmite tam-
de protecção ao operador. testes de campo. Foram seleccionados três tipos de bém uma imagem de respeito pelos consumidores.”
Efectivamente, o processo de certificação implica tecidos que mostraram proteger eficazmente os ope-
que antes seja homologada e publicada uma norma radores, mas o que apresentou melhores resultados,
que defina as características técnicas a que devem inclusive em termos de conforto, foi o que é constituí- Luís Vieira
obedecer os fatos de protecção a utilizar nas pulveri- do por tecido de algodão e polyester com acabamen- Técnico da Autoridade para as Condições de Trabalho

a página da educação · outubro 2007


LIVROS / 47

Montra de Outubro Editora Profedições, Lda – Novidades de Setembro

O Imaginário das Crianças Passagens para África Crianças de meio rural


Os Silêncios da Cultura oral O povoamento de Angola e As mãos na terra e os olhos no futuro
Raúl Iturra / pp.189 Moçambique com Naturais Rui Pedro Rodrigues Palma da Silva
Fim de Século da Metrópole (1920-1974) ISBN: 972-8562-45-8 · pp. 250 · Preço: 12.00€
Cláudia Castelo / pp. 405
“Tenho defendido, em vários Professor e Investigador associado do centro de Investigação em Ciências Sociais (CICS) da Uni-
Edições Afrontamento
dos meus textos, que o grupo versidade do Minho. Participou no Projecto E.R.V.A.L. (Escolas Rurais do Vale do Lima), no âmbito
social tem duas culturas: a do A obra conta-nos a história da do Projecto “Escolas Rurais – De Obstáculo a recurso” do I.C.E. – Instituto das comunidades
adulto e a da infância. O pensa- migração para Angola e Mo- Educativas.
mento do adulto está formado, çambique de centenas de mi-
desenvolvido e sabe que, ao fa- lhar de portugueses naturais da
lar ou agir, define uma interac- metrópole, entre cerca de 1920
ção. O pensamento da infância (início da ocupação civil) e 1974 (vésperas da descoloniza-
está em formação e explora as várias alternativas para enten- ção). Apresenta uma visão panorâmica da migração colonial,
der a realidade da mencionada interacção, da qual faz par- cruzando três abordagens complementares: uma história das
te. O pensamento e agir da infância é uma experimentação politicas oficiais e das concepções ideológicas em confronto
permanente, tendo em vista a definição dos seus próprios sobre os modelos de povoamento das principais colónias
conceitos e o entendimento dos usados na interacção.” Do africanas; um estudo sociológico da migração de portugue-
autor, Raul Iturra, etnógrafo, antropólogo, professor no Ins- ses para Angola e Moçambique e das populações brancas aí
Editora Profedições, Lda – Novidades de Agosto
tituto de Ciências Sociais, da Universidade de Lisboa. Co- residentes.; uma história antropológica dos colonos (...) e
labora mensalmente na PÁGINA da Educação, onde escreve que reivindicações dirigiam ao poder central. Claúdia Cas- EDUCAÇÃO E CINEMA
na rubrica Da criança. telo é mestre em História dos Séculos XIX e XX e doutorada Novos olhares na produção do SABER
em Sociologia Histórica. José de Sousa Miguel Lopes
ISBN: 978-972-8562-41-0 · pp. 311 · Preço: 12.00€
Revista Lusófona
de Educação 2007/09 Cognição, José de Sousa Miguel Lopes, moçambicano, é Mestre em Educação pela Universidade Federal de
Neoliberalismo e Transfor- Neuropsicologia Minas Gerais e Doutor em História e Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica
mação da Educação e do e Aprendizagem de São Paulo. Tem vários trabalhos publicados no campo da educação e literatura no Brasil, Por-
Trabalho dos Professores Abordagem tugal e Alemanha. É membro do Conselho Editorial consultivo da Revista Presença Pedagógica,
Director António Teodoro neuropsicológica desde a sua criação em 1995. Membro do Conselho Editorial da Revista “on-line” “Currículo sem
/ pp. 217 e psicopedagógica fronteiras”, editada nos EUA a partir de Janeiro de 2001. Colaborador regular desde 2002, do jor-
Edições Universitárias Lusófonas Vítor da Fonseca / pp. 184 nal “A Página da Educação”, editado em Portugal. Sócio fundador da Associação Internacional de
Editora Vozes Literaturas de língua Portuguesa e Outras Linguagens (2004).
A Greve Académica de 1907,
as suas repercussões políticas Embora a educação cognitiva
OS PORTUGUESES
e educativas; globalização e tenha uma herança de quase
Portugal a Descoberto
educação; uma Epistemologia feminina Freiriana; as rela- 100 anos, os conceitos aplica-
Leonel Cosme
ções entre professores e alunos, computador e sociedade dos na sala de aula são recentes. Por este motivo, este livro
ISBN: 978-972-8562-47-2 · pp.71 · Preço: 9.00€
em ambiente digital. São alguns dos temas a ler nesta edição vem introduzir conceitos teóricos e procedimentos de avalia-
da responsabilidade do Observatório de Políticas da Educa- ção dinâmica, que podem ser agrupados como componentes “Não será hiperbólico pensar que as novas saídas de numerosos portugueses para o estrangeiro,
ção e de Contextos Educativos da Universidade Lusófona de de uma educação cognitiva. Enfim, um valioso instrumento em busca de melhores condições de vida, - se nos lembrarmos de que situações de vida análogas
Humanidades e Tecnologias. Esta edição trás um CD Rom de trabalho para os profissionais e os estudantes de psicolo- já se verificaram noutros séculos – poderão ser um indício preocupante de que mais uma parcela
“Escola Francisco Arruda (1956-1974): Espólio documental gia, pedagogia, de educação especial e reabilitação. do nosso povo está a desistir antes de terminar o último desafio.” Neste livro, editado na colecção
de Manuel Maria Calvet de Magalhães. “Bichos Carpinteiros – Corroendo o pensamento dominante”, Leonel Cosme, põe Portugal a Des-
coberto, debruçando-se sobre histórias que se repetem, a insularidade, a tristeza dos portugueses e
A Magia de Ler
uma certa nostalgia do paraíso perdido. O autor, colaborador de A PÁGINA da Educação na rubrica
A Separação das Águas Enciclopédia Moderna
EM PORTUGUÊS, exerceu actividade jornalística e dedica-se actualmente à actividade literária.
(Angola 1975-1976) Estudos Literários
Leonel Cosme / pp. 475 José António Marina
Campo das Letras e Maria de la Válgoma /
pp. 133
“Tendo por cenário Angola de ESCRITAS DO MAIO: escrever com José Afonso
Ambar
1975-76, representa-se neste Texto de Miguel Gouveia e Design gráfico de Cláudia Lopes
livro o quarto acto do drama “A linguagem transfigurou a ISBN: 978-972-8562-42-7 · pp. 111 · Preço: 14.00€
(ou melodrama, ou epopeia, espécie humana, talvez a magia
Trata-se de uma obra que resulta da colaboração entre a editora Profedições e a Associação José
ou tragédia, como se queira) de ler faça o mesmo consigo.”
Afonso. Uma unidade didáctica que, centrada na pessoa e na obra de José Afonso, apresenta pro-
da colonização portuguesa de Porque ler é uma necessidade urgente, pública e privada. A
postas de trabalho não só na área da língua portuguesa mas em outros aspectos da educação e
África. Deu-se-lhe o título de ‘A vida humana decorre entre palavras. Este livro é apresentado
formação dos alunos. Indispensável aos educadores sociais e professores.
Separação das Águas’ para sig- como uma introdução poética, científica e prática à leitura.
nificar, na sequencia dos actos anteriores – representando (...) Mas, acima de tudo, é um livro de magia. Mistura receitas
“a revolta”, “a terra da promissão” e “a hora final” – , que e conselhos para conseguir encantamentos prodigiosos.
marcaram a longa viagem dos portugueses pelo rio da his-
tória colonial, o momento último em que, quando a corrente OS PROFESSORES EM CONTEXTO DE DIVERSIDADE
se dividiu antes de precipitar os viajantes numa queda fatal, Carlos Cardoso
eles tiveram de escolher entre a margem de salvamento que ISBN: 972-8562-32-2 · pp. 170 · Preço: 12.00€
lhes serviria de ancoradouro ou entre o chão das raízes.” Le-
Doutorado em ciências da Educação/Educação Urbana (Educação Multicultural e para a Cidadania),
onel Cosme colabora mensalmente na PÁGINA da Educação,
King’s College, University of London, 1997; Mestre em Ciências da Educação (Ensino das Ciências
onde escreve na rubrica Em Português.
Sociais), Bóston University, 1985; Licenciado em Sociologia, Instituto Superior de Ciências do
Trabalho e Empresas; Licenciado em Antropologia, Instituto Superior de Ciências Sociais e Polí-
Esboço de um programa ticas; Diploma (Bacharelato) em Administração Pública, Instituto Superior de Ciências Sociais e
para os trabalhos das Políticas. É, actualmente, Professor Coordenador da ESE de Lisboa onde exerce desde 1988. Tem
novas gerações dezenas de publicações (incluindo livros, partes de livros e artigos) no domínio da educação, com
Fernando Pereira Marques particular incidência na área da educação e diversidade.
/ pp. 256
Campo das Letras

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48 / ÚLTIMA 

ANA ALVIM

  Dizeres

A evidência
Tinham começado as aulas há pouco. No jardim-de-infância, as jovens educadoras (algumas — Hereditário?!
muito jovens mesmo) recebiam as primeiras estagiárias. Era o primeiro contacto destas com — Sim, ela tem, eu sempre tive, a minha mãe sempre teve e a minha avó também tinha. Isto
a realidade, a formação no terreno, como então dizíamos. é mas é uma doença de família. Vê-se logo que é hereditário…
Uma dessas minhas alunas procurou-me preocupada pois não sabia muito bem como agir. Não sei o que fazer, professora…
Professora, contava ela, uma das meninas que está na minha sala está coberta de…piolhos, Quando a minha aluna terminou a sua história fiquei um pouco sem saber o que dizer. A
pode iniciar-se um surto de pedicolose…Já lhe lavei a cabeça, dei o champô para ela levar à argumentação estava correcta: tínhamos as provas. As situações que se repetiam, as dife-
mãe, mas ela continuou a chegar cheia de…daquilo, com muitas lêndeas, e eu já não sei que rentes gerações com um mesmo problema, logo a conclusão, para aquela mãe, só podia ser
fazer. É que chamei a mãe. Ela lá apareceu; até que nem ia mal arranjada embora à moda do aquela. A evidência impunha-se por si mesma. Aquela era a argumentação da evidência.
campo. Ia assim, sei lá, assim de socos, avental e o cabelo apanhado. E até dava a ideia de A mesma argumentação que se usa para reafirmar que os da família dos Melros são sempre
estar limpa mas a cabeça estava cheia de lêndeas, eram tantas que parecia que tinha a cabeça assim: já fui professora do pai, dos irmãos mais velhos e agora deste. Nunca conseguiram
com farinha. Depois eu falei-lhe da filha, de como ela estava mal com aquele problema, que era aprender nada. Logo, ele também não conseguirá…
perigoso para a saúde dela e também das outras crianças e até evitava olhar-lhe para a cabeça Alguns pais dizem que se nasce com vocação para uma coisa: ou jogador de futebol, ou
enquanto falava, porque era como se estivesse mesmo a falar dela também. serralheiro ou médico. É tudo uma questão de vocação, basta ver o que faziam os pais e
Expliquei-lhe que tudo se podia tratar mesmo com o champô que eu mandara pela miúda os avós…
– e que pelos vistos ela não usara – e de como devia lavar a cabeça da filha com alguma Os alunos de famílias pobres são sempre mais fracos a matemática…e talvez isto seja tam-
regularidade e, se possível, (aqui senti-me corar) também a das outras pessoas da família. bém uma questão de vocação ou de hereditariedade. Daí que a meritocracia possa benefi-
Foi quando ela me interrompeu, nada aborrecida mas apenas preocupada com a minha ciar menos os ricos que os pobres. Mostra-se à evidência que estes serão duplamente be-
preocupação: neficiados: o mérito de terem sucedido e o mérito de se poderem comparar com os ricos…
— Não vale a pena, menina, deixe lá, não se esteja a afligir.., disse ela A minoria que conseguir, claro.
— Não vale a pena porquê? Perguntei admirada. Como refere António Nóvoa, o que é evidente mente, evidentemente.
— Porque nem a ela aquilo vai passar nem ela vai pegar às outras crianças…
— Porque diz isso? Insisti com ela. Angelina Carvalho
— Porque isto é a modos que uma doença que temos. É, como é que se diz? Hereditário? Colaboradora do CIIE da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto

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