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Memória
A Era de Hobsbawm
O século XX de Eric Hobsbawm
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morrido no ano anterior, e seu corpo jazia embalsamado em uma caixa de vidro na
Praça Vermelha. Depois de uma feroz luta pelo poder, Khrushchev tinha
conquistado o controle do governo, mas as intrigas abundavam. Beria, o líder dos
serviços de segurança há muito tempo, tinha sido julgado e executado
secretamente. Molotov e Malenkov, defensores inabaláveis do velho regime,
estavam de saída. Dezenas de milhares de prisioneiros, soltos depois da morte de
Stalin, estavam saindo do gulag com histórias de terror sobre fome e tortura.
terreno para a bondade / Não podíamos nós mesmos ser bons” — ele explicou: “A
dureza foi forçada sobre os revolucionários”.
Hobsbawm foi um dos historiadores mais importantes do século XX. Talvez tenha
sido o mais importante na língua inglesa. Sua série épica sobre a construção do
mundo moderno — A Era das Revoluções, A Era do Capital, A Era dos Impérios e A
Era dos Extremos — introduziu milhões de leitores à história dos séculos XIX e XX.
Sua pesquisa sobre banditismo, nacionalismo e a “invenção” da tradição ajudou a
inspirar campos inteiros de historiografia britânica e estadunidense. Sua prosa era
simples e elegante, sem a complicação dos modismos teóricos do momento. Seu
julgamento histórico estava cheio de profundas percepções e ironias aguçadas de
um historiador que parecia “saber tudo”. Ainda assim, parte do enigma de
Hobsbawm é que, enquanto escrevia com uma sensibilidade tão aguda sobre as
contradições e trágicas reviravoltas da era moderna, ele nunca parecia aceitar
completamente a realidade em relação àqueles que confrontavam suas próprias
convicções. “Por que”, Perry Anderson uma vez refletiu, “ele ficou até o amargo
final?”
Eric Hobsbawm nasceu em Alexandria, Egito, em 1917, somente cinco meses antes
dos bolcheviques tomarem o poder na Rússia e um ano e meio antes da Primeira
Guerra Mundial terminar. Seu pai tinha vindo da classe trabalhadora pobre e
engajada de Londres, e sua mãe, de uma próspera família judia austríaca. Os dois se
conheceram no distrito colonial de Alexandria, casaram-se e passaram a lua de mel
na Suíça, e então se acomodaram em um confortável lar vitoriano na cidade,
inclusive com uma babá para Eric. Segundo todas as fontes, seu tempo na cidade foi
agradável. O pai de Eric trabalhava nos serviços telegráficos, e sua mãe começou
uma carreira como escritora e tradutora. O período também foi curto: em 1919, uma
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Exultante com a notícia, ele marcou a ocasião em seu diário com uma paródia de
autorretrato:
Eric John Ernest Hobsbaum, um rapaz alto, anguloso, cambaleante, feio e de cabelos
claros de 18 anos e meio ... Alguns o consideram extremamente desagradável,
outros amável, e ainda outros (a maioria) simplesmente ridículo. Ele quer ser um
revolucionário, mas, até o momento, não demonstra nenhum talento para
organização. Ele quer ser um escritor, mas não tem energia... Ele é vaidoso e
convencido. Ele é um covarde. Ele ama a natureza profundamente. E ele esquece a
língua alemã.
Ele até se permitiu um pouco de otimismo: “Talvez, só talvez, eu viva uma vida
menos ‘de segunda mão’?”
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O tempo que Hobsbawm esteve com esses dois grupos também inspirou seus dois
primeiros livros publicados que, dado o seu crescimento meteórico entre a elite
intelectual da Inglaterra no período anterior à guerra, vieram bastante tarde na
idade de 42 anos. Em 1959, ele publicou A História Social do Jazz, uma história
social e cultural abrangente da forma musical. No mesmo ano, ele também publicou
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Nenhum dos livros tornou o nome de Hobsbawm conhecido pelo público, nem lhe
deu grandes somas de dinheiro. Porém, ambos o ajudaram em seu progresso como
historiador e intelectual, abrindo novos mundos a ele sobre a vida da classe
trabalhadora e a vida radical. Junto com outros livros produzidos pelo Grupo de
Historiadores — O Mundo de Ponta Cabeça de Christopher Hill, A Formação da
Classe Operária Inglesa de E. P. Thompson, Os Cartistas de Dorothy Thompson — o
livro Rebeldes Primitivos também ajudou a revolucionar como a história inglesa era
estudada em ambos os lados do Atlântico.
Em sua publicação inicial, Rebeldes Primitivos deve ter parecido um livro estranho
para um PhD de Cambridge escrever, mesmo um com admitidos
comprometimentos radicais. O estudo de história naquela época era dividido em
geral entre duas linhas: historiadores políticos que mapeavam a ascensão e queda
de nações e impérios sob a lente das elites — reis, primeiros-ministros, generais —
que as lideravam; e historiadores econômicos que examinavam as instituições e
grupos de interesse que competiam entre si que definiam o sistema comercial de
uma nação ou império em particular. Os historiadores marxistas, assim como os
liberais, dividiam-se entre essas frontes: os poucos marxistas que escreviam na
época estudavam ou as vanguardas revolucionárias que buscavam transformar a
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Um ponto forte crucial da biografia feita por Evans é que ela mostra o quanto isso
foi o caso tanto para Hobsbawm quanto para aqueles que deixaram o partido.
Depois do discurso de Khrushchev, Hobsbawm foi coautor de uma carta raivosa
denunciando o Partido Comunista Britânico por seu “apoio sem críticas a todas as
políticas e ideias soviéticas”. No rescaldo da violenta supressão da revolta húngara,
ele assinou uma declaração pública depreciando o servil “apoio dado pelo Comitê
Executivo do Partido Comunista à ação soviética na Hungria”. Recusando-se a ser
disciplinado, ele ajudou a lançar uma campanha para reformar o partido britânico
por dentro, insistindo em que “o teste da democracia dentro do partido é se a
política e a liderança podem ser modificadas de baixo para cima”. Quando isso
fracassou, ele tentou derrubar a liderança do partido e então abandonou quase
todas as atividades formais do partido. “A Hungria foi a última gota d’água para
E[ric]”, reportou um membro do Grupo dos Historiadores em uma carta
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A épica trilogia de Hobsbawm sobre o “longo século XIX” — A Era das Revoluções, A
Era do Capital e A Era dos Impérios — magnificaram essa percepção por toda a
totalidade de um século. Os profundos fracassos da Revolução de Outubro e dos
partidos comunistas ocidentais foram somente os ecos de um padrão mais amplo
de progresso e reação que moldou toda a história moderna. As “revoluções duplas”
— francesa e industrial — que tinham iniciado o longo século anularam as
sufocantes hierarquias do regime antigo, mas elas então impuseram suas próprias
formas de dominação. A formação das democracias constitucionais nos anos 1860 e
1870 libertaram milhões do punho do absolutismo, mas o autogoverno na Europa
foi então subsidiado pela brutal colonização de grande parte do resto do mundo.
Toda guinada para o lado certo parecia seguir-se de uma para o errado.
Isso é o que fez a narrativa de Hobsbawm tão monumental: sua série Era de foi seu
Guerra e Paz. Narrados como observando-se de cima e sintetizando grandes
trechos de pesquisa, cada volume foi infundido com o olho de um romancista para
a natureza paradoxal e desordenada do progresso humano. O século que começou
com a forte luz da emancipação tinha terminado na escuridão do império e da
guerra mundial. Os industriais e imperialistas da era tinham culpa, mas também
tinham culpa, Hobsbawm insistiu, os revolucionários que iniciaram a era com uma
fúria de violência sectária e os liberais e social-democratas que ajudaram a
terminá-la ao soar os tambores da guerra continental.
Essa percepção também modificou Hobsbawm como ator político, abrindo-o para
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uma série muito mais ampla de movimentos e causas igualitárias. No começo dos
anos 1960, ele participou dos protestos na Praça Trafalgar contra armamentos
nucleares e no final dos anos 1960 encontrou-se em meio aos protestos em Paris,
que, depois de algum ceticismo inicial, ele apoiou por suas “potencialidades
revolucionárias”. Ele somente visitou a União Soviética mais uma vez como um
convidado oficial depois de sua primeira viagem, mas ele viajou frequentemente
para a América Latina, estabelecendo alianças fortes com intelectuais e políticos
socialistas da região, incluindo, entre outros, o futuro presidente do Brasil Lula da
Silva. Quando em 1970 o governo da Unidade Popular de Allende tomou o poder no
Chile com uma maré crescente de colaboração da esquerda, Hobsbawm celebrou o
caso como uma “perspectiva animadora”.
progressistas e democráticas era necessária”, acreditava ele, “se for para pararmos a
revolução conservadora de Thatcher”.
Hobsbawm ainda manteve algumas das limitações de sua visão estrita marxista do
começo do século XX: ele era frustrantemente indiferente ao ativismo feminista
que irrompeu no cenário nos anos 1960 e 1970, e, em seus últimos trabalhos
históricos — especialmente sobre o “curto século vinte” — ele tendia a se focar mais
nas colisões tectônicas que aconteciam no topo da história às custas daquelas lutas
diárias acontecendo mais abaixo. Também havia um perigo sempre presente de que
sua política de frente popular pudesse lançar uma rede ampla demais em busca de
poder, aliando-se àqueles da esquerda que estavam muito dispostos a abandonar os
tradicionais programas igualitários de seus partidos.
Porém, as lições amargas colhidas dos anos de Hobsbawm como militante tinham
apesar de tudo deixado uma marca profunda: para Hobsbawm, a esquerda somente
teria sucesso se encontrasse uma forma de transcender suas diferenças ideológicas
e construir movimentos grandes de tendências múltiplas. “A estratégia popular”,
explicou ele em um artigo de 1985, “era mais do que uma tática defensiva
temporária... Também era uma estratégia cuidadosamente pensada para se avançar
para o socialismo.”
Hobsbawm tendia a caracterizar seu próprio “curto século vinte” como uma era
catastrófica entre os extremos de um socialismo que tinha dado terrivelmente
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