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PRINCIPAIS CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DA MIGRAÇÃO

RECENTE DE NORDESTINOS PARA O MUNICÍPIO DE TUNEIRAS


DO OESTE – PR.
Maria Genoefa Basseto Correa1
Aníbal Pagamunici2
Resumo
Este artigo apresenta os resultados da implementação do projeto de intervenção pedagógica, exigido
pelo PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional ofertado pela SEED – Secretaria de Estado
da Educação do Estado do Paraná aos professores da rede estadual de ensino. O relato aqui
apresentado é o resultado das atividades práticas planejadas no projeto e aplicadas no Colégio
Estadual Duque de Caxias – EFM de Tuneiras do Oeste – Pr. O tema discutido é a migração recente
de nordestinos para este município, em busca de melhores condições de vida, replicando a lógica das
correntes migratória anteriores pelo espaço brasileiro tendo como principal motivação, a causa
econômica. A discussão que envolve essa temática é a busca por trabalho em um município
pequeno, não industrializado, que praticamente oferece poucas oportunidades. Aliados a essa
discussão estão fatores ligados à escola como: a distorção idade-série e a defasagem na
aprendizagem da maioria dos estudantes migrantes. E ainda, as diferenças culturais como sotaque,
vocabulário regional, costumes, que atrai a atenção para esse grupo seleto de alunos inserido no
contexto escolar e essas diferenças extrapolam a sala de aula se estendendo até seus familiares e
conterrâneos. Investigar as causas e consequências dessa migração na vida desses migrantes e na
comunidade local, estimular a troca de experiências culturais foram as práticas desse trabalho cujos
resultados alcançados foram bem interessantes.

Palavras-chave: Diferenças culturais. Estudantes. Aprendizagem. Trabalho.

Abstract
This article presents the results of the implementation of the project of pedagogical intervention,
required by the PDE - Educational Development Program offered by SEED - State Secretariat of
Education of the State of Paraná to the teachers of the state education network. The report presented
here is the result of the practical activities planned in the project and applied at Duque de Caxias State
College - EFM in Tuneiras do Oeste - Pr. The subject discussed is the recent migration of
Northeasterners to this municipality, in search of better living conditions, replicating the logic of the
previous migratory currents through the Brazilian space having as main motivation, the economic
cause. The discussion that involves this theme is the search for work in a small, non-industrialized
municipality, which practically offers few opportunities. Allied to this discussion are school-related
factors such as age-grade distortion and the learning gap of most migrant students. Also, cultural
differences such as an accent, regional vocabulary, customs, which draws attention to this select
group of students inserted in the school context and these differences extrapolate the classroom
extending to their relatives and countrymen. Investigating the causes and consequences of this
migration in the lives of these migrants and in the local community, stimulate the exchange of cultural
experiences were the practices of this work whose results were very interesting.

Keywords: Cultural differences. Students. Learning. Job.

¹Professora PDE. Graduada em Licenciatura Plena de Geografia e Especialista em Educação,


Planejamento e Gerenciamento do Meio Ambiente pela UNESPAR - campus de Campo Mourão – PR
e Especialista em Tutoria de Educação à Distância pelo IESDE – Inteligência Educacional e Sistema
de Ensino – Curitiba – Pr. Professora de Geografia no Colégio Estadual Duque de Caxias – EFM, no
município de Tuneiras do Oeste – Pr. Email: genobasseto@hotmail.com
2
Graduado em Geografia pela Faculdade Estadual de Educação Ciências e Letras de Paranavaí
(1974), Graduado em Direto pela Universidade Estadual de Maringá (1989), Mestre em Geografia
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2001) e Doutor em Geografia pela
Universidade Estadual de Maringá - UEM. Área de concentração: Produção do Espaço e Dinâmicas
Territoriais. Professor Assistente e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação da
Diversidade do Campo da UNESPAR - Universidade Estadual do Paraná campus ParanavaÍ – PR.
Integrante do Grupo de Estudos GESPES da Unicentro – Guarapuava - PR.
Email: pagamunici@uol.com.br
1. Introdução

Esse artigo discute o processo migratório de nordestinos motivado por


diversas causas, tendo como uma das principais a econômica que, até aí, não difere
em nada dos demais períodos e ciclos migratórios pelo território brasileiro. Porém,
há um diferencial nessa migração recente, que é o destino procurado por esses
migrantes: o município de Tuneiras do Oeste – PR, constituído de pequena cidade.
Migram quase sempre, em busca de vagas de postos de trabalho e acabam
ingressando, quando conseguem, em atividades braçais no campo como o corte de
cana, que é temporário, serviços domésticos, construção civil, indústrias de médio
porte em municípios vizinhos ou então continuam desempregados, vivendo à custa
de programas sociais.
Após investigação e pesquisa de campo, o resultado foi uma produção
didática com natureza quanti/qualitativa com resultados interessantes quanto às
condições socioculturais, econômicas e de escolarização relacionadas ao público-
alvo da pesquisa.
Os resultados desta pesquisa de campo foram aplicados no Colégio
Estadual Duque de Caxias – EFM, através do recurso didático Implementação da
Produção Didático-Pedagógica como requisito para conclusão do PDE – Programa
de Desenvolvimento Educacional envolvendo todos os segmentos da mesma,
através de pesquisa e leitura utilizando materiais didáticos, recursos tecnológicos,
atividades práticas envolvendo os familiares dos alunos, atividades lúdicas e
artísticas englobando as diferenças entre a cultura do migrante e a cultura local,
todas relacionadas à temática da migração. O projeto envolveu equipe pedagógica e
diretiva, estudantes, merendeiras, familiares dos alunos migrantes, professores das
demais disciplinas resultando na prática de aula interdisciplinar.

2. Fundamentação teórica

A necessidade de sobrevivência leva sociedades humanas a se deslocarem


pelo espaço terrestre desde os primórdios da humanidade. Esses deslocamentos
diminuíram com o surgimento da prática da agricultura e da pecuária, atividades que
têm como característica, a fixação do ser humano no território, resultando com isso,
a transição do hábito de nomadismo para o sedentarismo nas antigas sociedades
humanas. A partir da apropriação do espaço, tendo a terra como propriedade,
capital e território, o indivíduo ou grupos humanos que ficaram à margem dessa
apropriação, passaram a deslocar-se ora espontaneamente pela sobrevivência, ora
para fugir de necessidades extremas como: guerras, doenças, fome, catástrofes
naturais, perseguições ou ainda forçosamente pela escravidão, prática muito comum
entre conquistadores e conquistados, conforme Gonçalves, (2001):

As migrações costumam figurar como o lado visível de fenômenos


invisíveis. Aparecem muitas vezes como a superfície agitada de correntes
subterrâneas. Verdadeiros termômetros que, ao mesmo tempo, revelam e
escondem transformações ocultas. Os grandes deslocamentos humanos,
via de regra, precedem ou seguem mudanças profundas, seja do ponto de
vista econômico e político, seja em termos sociais e culturais. Os
maremotos históricos provocam ondas bravias que deslocam em massa
populações e povos inteiros. Numa palavra, a mobilidade humana é em
geral um sintoma de grandes transições. Quando ela se intensifica, algo
ocorreu ou está para ocorrer, ou melhor, algo está ocorrendo nos bastidores
da história. (GONÇALVES, 2001 p.1).

Com a criação dos estados nacionais, resultante da consolidação do


capitalismo como sistema produtivo e que rege a política onde este se instala, os
deslocamentos humanos adquiriram novos formatos, tendo como principal
motivação, as causas econômicas. Nesse contexto, surgem os movimentos
migratórios externos e internos. O primeiro trata-se do indivíduo ou grupo de
pessoas que saem de seu país ou território de origem com destino a outro, fora de
seu contexto sociocultural, natural e familiar. Esse processo migratório ocorreu na
formação do território brasileiro e na sequente formação da população brasileira,
constituída da miscigenação de nativos e imigrantes, parte destes colonizadores
livres e outra parte, africanos escravos, imigrantes forçados.
O segundo caso, os movimentos internos, ocorre dentro do próprio território
do indivíduo ou grupo, onde já possuem identidade política e cultural. Esse segundo
caso se aplica intrinsecamente à população brasileira, que tem como uma de suas
características principais, as migrações internas. Migrações essas, que tem como
principal motivação a busca por melhores condições de vida e sobrevivência e que
ocorreu em ciclos migratórios distintos obedecendo à mobilidade das atividades
econômicas nas diversas áreas de atração e em diferentes épocas pelo território
brasileiro. Porém, o movimento migratório no Brasil, que mais chama a atenção
dentre todos, é sem dúvida, o praticado por parte da população do Nordeste
brasileiro, área de maior repulsão populacional, especificamente o semiárido no
Sertão Nordestino, como concordam OJIMA e FUSCO, (2015):

No Brasil, nenhuma região tem sido mais afetada por processos migratórios
que o Nordeste, fazendo desta diáspora um capítulo central da história
nacional. Conhecido, há mais de um século, como a terra da arribação, o
Nordeste está acostumado a perder grande parte de seus filhos e filhas para
outras regiões. Em consequência, a região é vista como o símbolo e a
materialização da migração. Um conjunto de fatores entrelaçados e complexos
explicam essa tradição. A profunda desigualdade socioeconômica
historicamente consolidada na estrutura latifundiária, às características
ambientais de sub-regiões afetadas por terras improdutivas e/ou períodos
cíclicos de estiagem e a relativa prosperidade de outras regiões se destacam
como os principais fatores estruturais subjacentes a estes fluxos. (OJIMA e
FUSCO p.6).

Entretanto, partir da década de 1980 ocorreram no Brasil transformações


econômicas que reduziu o ritmo do crescimento e de concentração urbana, através
da desconcentração industrial na região Sudeste, pioneira no processo de
industrialização do Brasil, e que polarizou durante décadas, a atividade urbano-
industrial. Essas transformações redesenharam o mapa da distribuição espacial da
atividade industrial no espaço do país como o maior atrativo para a mão de obra
migrante no Brasil, e desaceleraram o ritmo da migração da população nordestina,
incluindo um retorno aos seus respectivos lugares de origem conforme Siqueira,
Magalhães e Silveira Neto, (2016):

A trajetória da migração no Brasil tem sido, predominantemente,


direcionada para as regiões Sul e Sudeste do país, particularmente, para o
estado de São Paulo. Nos dias atuais, entretanto, tem-se verificado uma
diminuição relativa da capacidade destas regiões em atraírem migrantes.
Por outro lado, observa-se um maior crescimento da migração para os
estados tradicionalmente fornecedores de mão-de-obra, como Minas Gerais
e os estados da região Nordeste. ... O maior incremento da migração de
retorno pode estar ocorrendo por algumas melhorias nas condições de vida
no local de origem do migrante. A principal região receptora de remigrados,
o Nordeste, tem apresentado certo dinamismo das suas atividades
econômicas causado, pelo crescimento de subáreas em expansão como
pólo petroquímico de Camaçari,o pólo têxtil e de confecções de Fortaleza, o
complexo mineiro-metalúrgico de Carajás, o pólo agroindustrial de Petrolina/
Juazeiro,... Além de a região apresentar redução nos seus indicadores de
pobreza, ainda que de forma relativamente menor do que o resto do país.
(SIQUEIRA, MAGALHÃES E SILVEIRA NETO. p. 4, 9,10).

Simultânea a essas transformações econômicas no Nordeste, acompanhando


a trajetória da mobilidade das atividades econômicas, a produção sucroalcooleira
chegou ao noroeste paranaense, absorvendo grande contingente de trabalhadores
da região, residente em áreas urbanas dos municípios onde se instalaram as
agroindústrias do setor. Esses municípios em geral, são de médio e pequeno porte,
não industrializados e, portanto, fornecedores dessa mão de obra. As conquistas
trabalhistas no setor sucroalcooleiro progrediram satisfatoriamente em relação aos
direitos dos trabalhadores como carteira assinada, plano de saúde, salário fixo,
transporte adequado, enfim, todos os direitos possíveis ao cortador de cana. Todas
essas conquistas encareceram essa mão de obra. Outros setores da economia
como outras indústrias do setor alimentício, de vestuário, construção civil ou
indústria pesada (pavimentação asfáltica), passaram a absorver parte dessa mão de
obra empregada ou ainda defasar a necessidade crescente dela. A alternativa
encontrada pela indústria sucroalcooleira instalada ao município vizinho foi buscar
mão de obra mais barata em outros estados, mais precisamente na região Nordeste.
Esse fator econômico nesse novo padrão migratório é categoricamente confirmado
por GREENWOOD, 1980, citado por LISBOA (2008):

Muitos pesquisadores [11, 12] já apontaram satisfatoriamente o papel e a


relevância dos fatores econômicos na atração dos migrantes para locais
que oferecem melhores oportunidades. As principais causas da migração
são indicadas como “os diferenciais nos benefícios econômicos líquidos,
sobretudo os diferenciais de salários” [13, p. 473] entre localidades ou
áreas diferentes, sendo a principal motivação para migrar a busca por
melhores oportunidades econômicas, principalmente representadas pelas
oportunidades de emprego diferentemente distribuídas no espaço.
(LISBOA, p.6).

Em meados da década de 1990 iniciou-se a migração de nordestinos para a


região do noroeste paranaense incluindo o município de Tuneiras do Oeste, que é
fornecedor de trabalhadores para a agroindústria sucroalcooleira instalada no
município vizinho de Tapejara. As escolas tanto estaduais quanto municipais
passaram a receber os filhos desses migrantes que apresentam na maioria deles,
inadequação na idade-série e defasagem na aprendizagem. Entre outras
informações interessantes, está o fato de serem oriundos de municípios também
produtores de cana em seus respectivos estados nordestinos. Esses fatores
chamaram a atenção e propomos realizar um trabalho de pesquisa com esses
migrantes que se desdobrou em diversas atividades práticas como segue.
Para uma melhor aproximação da realidade tratada no tema proposto,
realizamos em 2016 com os estudantes migrantes do Colégio Estadual Duque de
Caxias – EFM, uma pesquisa de campo relacionada ao seu nível cognitivo e cultural.
Nesta pesquisa, foram constatados diversos problemas como: distorção idade-série
justificada pela reprova, matrícula tardia, abandono escolar e defasagem na
aprendizagem e casos de sérias dificuldades de aprendizagens relacionadas a
deficiências cognitivas. Outra pesquisa foi realizada com seus respectivos familiares,
que revelou o analfabetismo e semianalfabetismo em praticamente todos os casos,
justificados pela necessidade de trabalho quando crianças, adolescentes ou jovens.
Entre o público feminino alguns casos, como o casamento e gravidez precoces ou
ainda o impedimento imposto pelos pais, ou marido após o casamento, explicam
essa condição de baixa ou nenhuma escolarização. Também foram entrevistados
migrantes que não possuem vínculos com a escola englobando os aspectos
culturais, econômicos e cognitivos. Estes dois últimos grupos são compostos por
indivíduos adultos onde apenas 10% possuem o ensino básico completo, e 13% se
apresentaram como totais analfabetos. Essa condição limita a esses migrantes o
acesso e a oportunidade de um trabalho com melhor remuneração, ou os faz
permanecer no desemprego, ou ainda os mantém nas mesmas atividades que
ocupavam antes de migrar.
Outras informações interessantes estão relacionadas ao preconceito, no
início da chegada: como o estranhamento(segundo relatos na pesquisa de campo),
quanto ao modo de vida local, mais voltado para o trabalho, sem muitas opções de
lazer festivo como na cultura nordestina, à culinária local que não tem o mesmo
sabor e a variedade dos pratos nordestinos. Os costumes locais familiares também
foram bem enfatizados e não compreendidos pelo migrante, como por exemplo, o
relacionamento de pais e filhos na sociedade local, que eles julgam em muitos casos
desrespeitosos por parte dos jovens e crianças em relação às pessoas mais adultas
ou idosas. Outra informação reveladora e que confirma as teses científicas da
migração no Brasil, foi a motivação para essa migração: a busca por trabalho e
oportunidades de uma vida melhor.

3. Desenvolvimento

As primeiras atividades desenvolvidas foram com os alunos, e de início


percebemos a falta de conhecimentos prévios sobre a geografia do Brasil como:
localização geográfica e espacial, organização política interna e regionalização do
território brasileiro. Foi necessário uma retomada substancial desses conteúdos para
que o tema do projeto tivesse sentido e significado para esses alunos. O ponto a
favor de todo o processo é o fato de que a presença dos migrantes recentes é
contemporânea, ou seja, diferente daquela ocorrida no século passado e discorrida
nos livros didáticos de Geografia. Isso facilitou a compreensão dos conteúdos
propostos nas atividades, pois essa nova migração é vivenciada pelos alunos.

3.1 As atividades desenvolvidas em sala de aula

Os alunos envolvidos em sala de aula na implementação foram turmas do 7º


ano B e o 7º ano C do Ensino Fundamental dos turnos da manhã e tarde
respectivamente, e a 2ª série A do Ensino Médio do turno da manhã. A escolha
dessas turmas se deu pelo principal fator de que o conteúdo de geografia das
mesmas trata da Geografia do Brasil, e a demografia brasileira faz parte dos
conteúdos específicos do currículo. E ainda, pelo fato de que o projeto foi aplicado
na escola, uma turma em cada turno se tornou eficaz na divulgação do mesmo .
Como pré-requisitos para a introdução das atividades específicas do projeto,
foram aplicados os conteúdos específicos relacionados ao processo histórico da
construção do espaço territorial brasileiro enfatizando as diversas regionalizações do
Brasil. Em seguida, a introdução ao conteúdo das migrações internas no Brasil. Foi
apresentado a essas turmas o processo de formação da população brasileira,
enfatizando a miscigenação étnico-cultural e o povoamento do país, pautado nas
migrações internas, que se deram em diversos ciclos e diferentes direções, tendo a
migração nordestina como modelo clássico na história das migrações internas no
Brasil.
A localização geográfica que referenciam as migrações nordestinas foi o
ponto de partida para o estudo específico dessa migração recente no município de
Tuneiras do Oeste - PR. Para tal, o trabalho com mapas(em anexo 1) nas turmas do
7º Ano, foi aplicado em atividades destacando a região Nordeste os estados e seus
respectivos municípios de nordestinos dos quais vieram migrantes de acordo com a
pesquisa de campo. Esse recurso visual resultou em ótima aceitação e
compreensão por parte dos estudantes que responderam positivamente aos
objetivos da mesma.
Além dessas atividades com dados da pesquisa de campo, a apresentação
de vídeos de animação que tratam do tema sobre a seca do sertão, os desafios
enfrentados pelo migrante na cidade grande, trechos de música e poesia(em Anexo
2) de artistas nordestinos, também foram trabalhados com os alunos do Ensino
Fundamental, objetivando a compreensão do papel da arte como meio de expressão
de uma realidade triste no cenário brasileiro.
Após a aplicação dessas atividades, os alunos do 7º Ano, manifestaram o
desejo de “desenhar o sertão”(em anexo 3), e enfatizaram o que viram nos vídeos e
o que interpretaram dos trechos da música Asa Branca(Luiz Gonzaga) e da poesia A
triste partida(Patativa do assaré). O resultado foi surpreendente.
A metodologia utilizada com a 2ª série do Ensino Médio foi a mesma: a
introdução dos conteúdos específicos sobre a formação do espaço territorial do
Brasil, o processo de formação da população brasileira e a regionalização do país.
Porém, ao introduzir especificamente o assunto sobre migrações internas, foram
explorados textos, vídeos e documentários sobre os diferentes tipos de migrações e
suas respectivas motivaçoes a nível do Ensino Médio. A apresentação dos
resultados da pesquisa de campo para a turma, chamou a atenção e houve
diferentes questionamentos por parte dos alunos em relação à motivação das
migrações e em relação às questões socioeconômicas dos migrantes como a baixa
escolarização, as dificuldades de adaptação ao clima e aos costumes locais. Alguns
dos vídeos apresentados à turma, trata especificamente da migração de nordestinos
ligada diretamente ao corte de cana, que foi a atividade econômica motivadora inicial
desse processo recente de migração. Utilzando os gráficos com os resultados da
pesquisa de campo, foi proposto aos alunos atividades(em anexo 4) onde a análise
desses resultados fosse comparada à realidade apresentada nos vídeos e nos
textos explorados, para que esses identificassem semelhanças e diferenças entre a
realidade local e a dos vídeos e que também identificassem os diferentes tipos de
migração que ocorrem dentro desse novo modelo migratório: migração inter-
regional, temporária, pendular e definitiva. A maioria dos alunos identificou esses
tipos de migração através dessa atividade. O relato de uma das alunas da turma foi
bem interessante após uma conversa com um migrante nordestino: este informou
que já havia estado em nove cidades entre os estados de São Paulo e Paraná, para
depois fixar-se em Tuneiras do Oeste, por conseguir trabalho e até comprou um
“carro”, como disse a aluna. Esse relato confirma a busca incessante por trabalho
nessa migração recente.
3.2 O debate

Como as diferenças culturais entre os migrantes e a comunidade local foram


um dos destaques na pesquisa de campo, propomos entre os alunos locais e os
alunos migrantes um debate com questões relacionadas às diferenças culturais
regionais formuladas pelos próprios alunos e supervisionadas por professores de
outras disciplinas também. Participaram deste atividade as segundas séries do
Ensino Médio, os sétimos anos do Ensino Fundamental, professores de História,
Geografia e Matemática. O resultado foi bem interessante e teve mais a
característica de uma entrevista, com os alunos migrantes sendo cravejados de
perguntas tamanha era a curiosidade dos alunos locais em relação à “escola de lá
com a escola daqui” como questões disciplinares, que segundo os alunos migrantes,
o professor nas escolas nordestinas ainda é figura de autoridade. Várias
curiosidades foram relatadas pelos alunos migrantes como o costume de respeito às
pessoas mais velhas, tal qual mostra a pesquisa de campo, as festas religiosas, o
hábito de pedir a bênção dos pais e avós de joelhos no feriado da Sexta-feira Santa,
a liberdade e comportamento dos jovens e adolescentes nordestinos são bem
diferentes do local em relação a namoro e casamento, que ocorre muito
precocemente na sociedade nordestina.
Uma confirmação bem interessante por parte dos alunos migrantes é o fato
de alegarem que o nível de conhecimento dos professores locais é bastante elevado
e que as oportunidades para a continuidade dos estudos, aqui no sul são
imediatamente maiores e melhores do que no Nordeste.
O debate resultou em uma troca de experiência e de conhecimento não
somente para os alunos, mas também, para os professores e outros profissionais
que assistiram a esse debate.

3.3 O jantar

Outro item que foi unânime entre os migrantes entrevistados, é a saudade da


culinária do Nordeste. O sabor diferenciado dos temperos, a variedade de alimentos,
são algumas das alegações que justificam a saudade da “comida”da terra natal.
Propusemos então uma atividade que envolvesse também as famílias dos alunos e
as merendeiras da escola. Uma reunião prévia com as mães de alguns alunos
migrantes e com as merendeiras, definiu-se um cardápio com pratos nordestinos à
base de ingredientes vindos diretamente da região Nordeste. Esses ingredientes:
charque, inhame, farinhas amarela e branca, pimenta, feijão de corda seco,
temperos prontos, foram trazidos da Feira de Camaçari (BA), pelo senhor P.B.de
Araújo, colega e conhecido nosso, morador do município de Tuneiras do Oeste,
caminhoneiro que quinzenalmente faz o trajeto Bahia-Alagoas-Rio Grande do Norte.
Algumas mães migrantes e as merendeiras da escola prepararam: feijão tropeiro,
cuscuz, inhame cozido acompanhados com pimenta e arroz branco(em anexo 5).
Essa atividade foi realizada no período noturno, para envolver também alunos
migrantes e locais desse período, e também professores e demais profissionais que
trabalham nesse turno. Os resultados foram surpreendentes ao ver a satisfação dos
migrantes sentindo o sabor de sua terra natal. Outro fato interessante, foi o
depoimento de uma das merendeiras que afirmou que foi a primeira vez que ela
participava de uma atividade do PDE.

3.4 O teatro

A arte sempre retratou a saga dos migrantes nordestinos seja na escrita em


forma de poesia, romances, contos. No cinema, na televisão, nas artes plásticas,
música, teatro. E foi através dessa última modalidade artística, que apostamos em
uma estratégia metodológica para apresentar de forma mais concreta o modelo
clássico da migração nordestina: a fuga do sertão motivada pela seca ruma à cidade
grande. Tal qual proposto na Produção Didática, com uma peça teatral pequena em
quatro atos de autoria própria, procuramos de um modo bem didático, dramatizar a
realidade dos habitantes do sertão nordestino com as mazelas de seu lugar de
origem e os sonhos de uma vida melhor na cidade grande.
Com a participação de alunos do Ensino Fundamental e Médio, migrantes e
locais como atores e atrizes, a peça teatral foi encenada na Quadra de Esportes da
escola (em anexo 6) e apresentada para toda a escola. Alguns depoimentos de
alunos e professores que assistiram a peça confirmam os resultados esperados.
Uma aluna do Ensino Médio comentou que nunca havia participado de uma
atividade do PDE.
Outros, não conheciam a música “Cidadão” de autoria de Lúcio Barbosa na
interpretação do cantor Zé Ramalho, cujo alguns versos fazem parte de algumas
cenas da peça. Os próprios alunos que participaram da apresentação,
desconheciam esse clássico da música brasileira. Com cenário e figurinos
caracterizando lugares e habitantes do Sertão, chegamos bem próximo da realidade
que procuramos representar e dos objetivos que propomos ao planejar esta
atividade.
A ludicidade de todas essas atividades planejadas e executadas, embora
exigindo tempo, pesquisa, trabalho em equipe, ensaios e custos, resultou em
objetivos alcançados e aprendizado concreto para aqueles e aquelas que
participram diretamente de todo o processo e também para o restante da
comunidade escolar que presenciou a realização desta implementação desta
produção didático-pedagógica.

4 . O GTR – Grupo de Trabalho em Rede

O grupo de trabalho em rede – GTR é uma das atividades que o professor


PDE realiza no decorrer dos estudos do programa, e que se constitui em uma
modalidade de ensino à distância onde esse e os professores da rede pública
estadual co-participam da discussão do tema proposto na implementação da
produção didática desenvolvida pelo professor PDE. Os objetivos desse grupo de
trabalho é entre tantos, o aperfeiçomento dos professores da rede estadual
mediante as dicussões propostas no PDE envolvendo o tema de cada projeto, a
divulgação e discussão produções didáticas respectivas a cada disciplina, a troca de
ideias, sugestões e experiências entre os professores participantes e entre o
professor PDE de cada grupo de trabalho, o aperfeiçoamento da prática pedagógica
mediante as intervenções propostas em cada produção didática e ainda, fomentar a
pesquisa e o aprofundamento da leitura como fonte e base do conhecimento e da
prática pedagógica.
Iniciamos o GTR com doze professores participantes porém, houve três
desistências não justificadas, concluindo o curso com nove participantes. Como o
tema proposto é bastante conhecido e está inserido nos conteúdos estruturantes e
básicos se estabelece como conteúdo específico na disciplina de Geografia, as
discussões foram bem pertinentes. Todos os professores participantes relataram
com clareza e objetividade, o conhecimento prático de trabalhar com alunos
oriundos de outras regiões do Brasil e até mesmo de outros países, como hatianos,
por exemplo, que tem se constituído como umas correntes imigratórias mais
vigentes no Brasil recentemente, e que procuram de imediato, uma escola para
melhorar suas oportunidades de trabalho e sobrevivência.
Os professores relatam em suas respectivas realidade escolar, as mesmas
características socioeconômicas quando se trata de alunos migrantes sejam eles de
qualquer lugar ou região. São oriundos de lugares menos favorecidos de estrutura
econômica, cujas famílias chegam em busca de trabalho. Um fator comum entre
todos os professores do GTR que relatam trabalhar com alunos migrantes, é a
questão da chegada e da receptividade da escola em relação a esse novo aluno. O
preconceito ainda é uma realidade local. Porém, é relatado também que essa lacuna
social da sociedade brasileira, não permanece nas escolas, pois as mesmas,
através de seus educadores têm realizado um trabalho de socialização e acolhida
para esse aluno. O termo “acolhimento” está muito bem definido na fala desses
professores. A necessidade de inserir o migrante no contexto social da escola, é
uma proeocupação entre todos observadas nos relatos do GTR. Essa perspectiva
relacionada ao migrante é mencionada por GONÇALVES, 2001:

“...a acolhida. Tanto na saída quanto na chegada, os migrantes passam por


um processo muitas vezes traumático de ruptura. O golpe da migração
costuma ser duro e profundo. Situações de solidão, de saudade e de
anomia repetem-se com freqüência. Na saída, sofre quem parte e quem
fica; na chegada, nem sempre é tranqüila a adaptação ao novo local.
Nesses momentos, não raro o desespero pode bater à porta. Daí a
necessidade de criar e fortalecer grupos de acolhida, por meio dos quais os
laços rompidos possam ser gradualmente reatados. A integração com a
nova vizinhança requer, por outro lado, o apoio na luta por emprego e
moradia, escola e saúde, enfim, para reiniciar uma nova
vida.”(GONÇALVES, P.9).

Outras contribuições também foram muito significativas, como a sugestão de


materiais didáticos complementares e ainda comentários relacionados aos
estereótipo da migração nordestina protagonizada por uma população vista sem
identidade cultural ou capacidade de se construir em seu próprio lugar ou de se
reconstruir fora de seu lugar de origem. Foi enfática também a acomodação política
do país, em não criar condicões econômicas favoráveis na região Nordeste para
fixar a população ali, que a impele a essa migração contínua. Ainda que nem todos
os professores inscritos tenham concluídos o GTR, as contribuições, discussões e
troca de exeperiências práticas, foram bastante produtivas e plenamente pertinentes
ao tema discutido.
5. Considerações Finais

Ao final da implementação desse projeto na escola e as contribuições do


GTR, percorremos um intenso trajeto entre teoria e prática, atingindo objetivos
propostos e foram detectadas algumas das causas da defasagem de aprendizagem
dos alunos migrantes como as matrículas tardias, o abandono e o retorno à escola
após a idade-série adequada por motivos econômicos e socioculturais como o
casamento e a gravidez precoce, a dificuldade de adaptação a novos locais de
destino, a necessidade premente de migrar e trabalhar. E ainda, confirma-se a
motivação econômica como causa principal dessas migrações recentes e que
apesar de encontrarem dificuldades econômicas também aqui e de adaptação local,
esses migrantes optam por permancer no município, justificando as possibildades e
as oportunidades de um futuro melhor através do trabalho e da educação escolar,
que segundo eles, é de qualidade.
Percebemos também, a luta incessante desses migrantes em manterem-se
ligados ao seu lugar de origem, através da cultura, dos laços afetivos pois, em cada
família migrante, existe no mínimo, dois aparelhos de telefone celular, o meio mais
rápido e barato de se comunicarem com os familiares e conhecidos. Em relação à
sala de aula, o tema „migração‟ passou a ter um significado a mais para os alunos
que vivenciaram as atividades didáticas na teoria e prática. A escola, em geral,
percebeu com mais propriedade, a presença do aluno migrante. Um pouco da
cultura nordestina, foi vivenciada através das atividades de socialização como o
jantar, o debate e através da peça teatral.
Além desses resultados, detectamos um processo migratório composto de
diferentes tipos de migração: a migração inter-regional, migração sazonal, em alguns
casos, migração de retorno, migração pendular no caso dos migrantes que se
empregam em indústrias em outros municípios. Dessa forma, concluímos que esses
brasileiros, mantêm uma incessante busca de oportunidades para uma vida mais
justa e digna, ao mesmo tempo que lutam para conservar sua identidade cultural e
humana através de um complexo e constante movimento de migração. E na escola
onde chegam, tornam-se protagonistas de uma realidade que se reproduz no Brasil
durante décadas, resultante do sistema político-econômico impetrado secularmente
no país.
A escola pública, podemos concluir, que é um “raio X” dos problemas
socioeconômicos brasileiros ao mesmo tempo que se constitui num espaço de
inserção do indivíduo que se encontra fora de seu contexto social. No caso dos
migrantes recentes, ela pode e deve auxiliar para que estes, encontrem espaço para
conservar suas origens sociais e ao mesmo tempo, encontrar espaço para a criação
de novos vínculos, sem contudo, perder aqueles que deixou em seu lugar de origem.
Desta forma, a escola cumpre a sua função social constituindo-se em um
espaço de diversidade.
REFERÊNCIAS

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da literatura. Migração interna; textos selecionados. Fortaleza: Banco do Nordeste
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1677 Acesso em 21/11/207
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MOURA, Hélio Augusto de. (Coord.). Migração Interna: textos selecionados. Fortaleza:
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http://www.cibaimigracoes.com.br/arquivos/o_processo_migratorio_no_brasil.pdf
Acesso em: 14/11/2016
ANEXOS

Anexo 1 - Atividades com mapas envolvendo os municípios nordestinos dos quais


vieram migrantes para o município de Tuneiras do Oeste.
Figura 1

Crédito: Maria G.B. Correa – 2017

Figura 2

Crédito: Maria G.B. Correa – 2017


Anexo 2 - Atividade com trechos de poesia e música, A triste Partida (Patativa do
Assaré) e Asa Branca(Luiz Gonzaga), respectivamente.

Figura 3

Crédito: Maria G.B. Correa – 2017

Anexo 3 – Desenhos dos alunos do Ensino Fundamental após a aplicação de


atividades relacionadas à seca no Sertão utilizando os trechos da poesia “A triste
partida” e da música “Asa branca”.

Figura 4

Crédito: Maria G.B. Correa – 2017/Desenho “Esperança no Sertão” da aluna Luísa Batista Basseto/7º
Ano
Figura 5

Crédito: Maria G.B. Correa – 2017/Desenho “A fé e o Sertão” do aluno Pablo Santana de Araújo
7º Ano

Figura 6

Crédito: Maria G.B. Correa – 2017/ Desenho “Persistência” do aluno Mikael E. G. de Jesus
7º Ano
Anexo 4 - Atividade aplicada para a 2ª série do Ensino Médio: leitura e interpretação
dos gráficos com resultados da pesquisa de campo.
Figura 7

Crédito: Maria G.B. Correa – 2017

Anexo 5 - Pratos elaborados no jantar pelas merendeiras da escola e mães de


alunos migrantes com os ingredientes da Feira de Camaçari – BA.

Figura 8

Crédito: Maria G.B. Correa – 2017 – Feijão tropeiro e arroz


Figura 9

Crédito: Maria G.B. Correa – 2017 – Inhame cozido

Figura 10

Crédito: Maria G.B. Correa – 2017 – Cuscuz e pimenta


Anexo 6 - Cenário e cena da peça teatral apresentada no encerramento das
atividades de implementação
Figura 11

Crédito: Maria G.B. Correa – 2017

Figura 12

Crédito: Maria G.B. Correa – 2017


Figura 3

Crédito: Maria G.B. Correa – 2017

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