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ESTÃO ACABANDO COM AS BALEIAS DA ANTÁRTIDA!

Exercício dos alunos da Oficina de Roteiro


ministrada entre março e maio de 1995 no ICBA – Salvador, Bahia.

drama
15 minutos

roteiro original dos alunos

Eduardo Almeida de Menezes, Getúlio Vargas de Menezes, José Ricardo


Bispo dos Santos, Leda Xavier de Oliveira, Lindalva do Carmo Brito Faria
Santos, Lydia Duarte Sepúlveda, Marcus Vinícius Couto Rodrigues, Neri
Lima, Ricardo Fernandes de Oliveira, Rosane Cristina Prudente e Ubirajara
Dias Cruz;

revisto por

Marcus Vinícius Couto Rodrigues, Ubirajara Dias Cruz, Virgílio de Carvalho


Neto e Roberto Duarte.

Sob orientação e supervisão geral de Roberto Duarte.

Tel: 071 249 9497 - E-mail: rduarte@svn.com.br


1 INT. RODOVIÁRIA – NOITE

ÔNIBUS chega à estação rodoviária de cidade grande. Desce uma


SENHORA, de lenço na cabeça. Atrás dela, vem ARTUR, rapaz franzino, barbado,
carregando uma mochila plástica. Fora do ônibus, se despedem.

MULHER

Até mais, meu filho. Boa sorte

ARTUR

(simpático) Obrigado. A senhora quer ajuda?

MULHER

Obrigado, meu filho. O meu marido está chegando.

HOMEM se aproxima dos dois. Homem fixa o olhar no rapaz, se


cumprimentam com movimento de cabeça. Artur caminha em direção a ponto de táxi.
Nos bancos da rodoviária, algumas pessoas dormem e outras apenas observam o
movimento.

2 EXT. EM FRENTE AO PRÉDIO DE OSMAR – NOITE – BEM TARDE

Táxi para em frente a prédio mal conservado. Artur paga ao MOTORISTA.


Sai do carro com a sua mala, olha em volta. Um HOMEM DE MEIA IDADE, de
chapéu e paletó, sentado no meio-fio de uma caçada, bebe de uma garrafa de cachaça
e depois sacode-a, de cabeça para baixo. Uma MULHER, da qual vê-se o vulto,
encostada na porta de um hotel, observa a noite. Um RAPAZ lava a calçada de uma
lanchonete que está fechando. Um GAROTO remexe o lixo. O Rapaz ameaça o
Garoto, para que se afaste. O Garoto recorre a Artur, em busca de proteção. Pede
dinheiro. Artur dá-lhe algumas moedas. O Garoto agradece e sai correndo. Artur olha
a fachada do prédio, muito alto. Bate na porta.

3 INT. SAGUÃO DO PRÉDIO – NOITE.

Saguão escuro. Vislumbra-se porta de elevador e escada, ao fundo. Luzes num


balcão onde está RAIMUNDO, porteiro, rapaz jovem, baixo, vem à porta e abre-a
pela metade.

ARTUR

Boa noite, eu sou Artur. Vim pro apartamento 713, de Osmar. Ele disse
que ia deixar a chave aqui na portaria.

RAIMUNDO
Artur? É, ele deixou a chave aqui.

O porteiro abre o resto da porta. Depois, dirige-se à sua mesa de trabalho, onde está a
chave. Sobre a mesa, um radinho de pilha, ligado. Ouve-se um locutor que fala com
quem trabalha de madrugada.

RAIMUNDO

Tá aqui: 713. Você pode assinar o registro?

O porteiro dá livro e caneta para Artur assinar. Artur assina com a mão esquerda. O
porteiro olha o livro.

RAIMUNDO

Artur Medeiros, né? Mas, você é de Estrela do Norte? (Abre um


sorriso). Rapaz, eu sou de princesa Isabel!

ARTUR

É mesmo?

RAIMUNDO

É. Veio estudar, foi?

ARTUR (recebendo a chave)

Fazer prova.

RAIMUNDO

Boa sorte, viu? Se precisar... Raimundo.

ARTUR

Boa noite!

Artur vai para o elevador.

RAIMUNDO

Tá quebrado! Vai ter que subir pela escada.

Artur olha para a tabuleta no elevador e olha para a escada. Dirige-se a ela. Na porta
do elevador, uma placa de madeirite:

“EM CONÇERTO”
Artur faz cara feia, coloca a mochila nas costas.

ARTUR

Que azar!

Sobe a escada e desaparece.

4 INT. - NA ESCADA, VENDO CORREDRO DO SEGUNDO ANDAR.- NOITE

Artur, subindo a escada, para e observa através das grades da escada uma confusão
entre moradores do segundo andar, num corredor que dá acesso aos apartamentos.
Roberto Carlos canta numa vitrola qualquer. HOMEM descalço, sem camisa, com um
cabo de vassoura na mão, discute com OUTRO. Ao redor, TRÊS MULHERES.
Falam ao mesmo tempo. O clima é confuso e agressivo.

HOMEM 1

Corno!

HOMEM 2

Corno, é a puta que pariu!

A mulher do Homem 1 puxa ela pelo braço.

MULHER 1

Já chega. Vambora!

MULHER 2

É, pode ir. Pode ir. Tá com medo, pode ir!

MULHER 1

Não tenho medo de jararaca, não!

MULHER 2

Jararaca é sua mãe!

Artur balança a cabeça e continua subindo a escada. O barulho da discussão vai


desaparecendo aos poucos. Ao fundo, ouve-se Roberto Carlos cantando “Amada
Amante”. O som vem de um dos apartamentos envolvidos no bate boca.

5 INT. - CORREDOR DO SÉTIMO ANDAR. - NOITE


Artur chega ao corredor mal iluminado, suando. Pára, olha para onde ir. Segue em
direção ao 713. No caminho, ouve uma ópera que vem de um dos apartamentos. Pára
diante da porta do 713, abre e entra.

6 INT. - APARTAMENTO DE OSMAR - NOITE

Acende a luz e observa o apartamento. É pequeno e tudo está desarrumado. Vai até a
janela, olha a paisagem, dá outra olhada geral no apartamento, vê a televisão, vai até
ela, liga. Só tem ruído no ar. Ele desliga a TV e desaparece na porta do quarto.

7 INT. - BANHEIRO. - NOITE

Banheiro pequeno, de azulejos encardidos. Detalhe da torneira do chuveiro, com a


água caindo em primeiro plano. A mão de Artur fecha a torneira. Artur esfrega a
toalha nos cabelos, diante do espelho. Enrola-se na tolha e sai.

8 INT. - QUARTO - NOITE

Quarto simples. Cama próxima da janela. Artur tenta dormir sob a luz dos neons que
vem da janela. Vira-se na cama. Uma réstia de luz atinge seus olhos. Artur não
consegue dormir. Levanta.

9 INT. - COZINHA. - NOITE

Cpzinha de azulejos como os do banheiro. Pequena e apertada. A porta da geladeira é


aberta, está vazia. Tem uma única fruta podre numa das prateleiras. Artur tira a fruta e
procura a lata do lixo. Joga fora. Artur procura algo nos armários da cozinha. Pratos e
copos, nada de comida. Um pano de prato está jogado sobre a bancada da pia. Artur
pega o pano e descobre, sob ele, uma lata de goiabada. Procura nas gavetas e acha um
abridor, daqueles clássicos. Ele pega um prato comum de refeição, talheres e copo.
Põe tudo sobre o prato e leva para a sala.

10 INT. - SALA DO APARTAMENTO. - NOITE

Sala pequena. Mesa de jantar, com cadeiras. Sofá velho ao fundo. A mesa foi
arrumada por ele, como para uma refeição. Artur, sentado, puxa para si a lata. Tenta
manejar o abridor com a mão esquerda e não encontra jeito. Troca o abridor de mão e
tenta novamente. Numa terceira tentativa, o abridor escorrega e ele termina sofrendo
um pequeno corte na própria mão. Sangra bastante. Gotas de sangue respingam na
brancura imaculada do prato.

ARTUR

Droga!
Artur fica paralisado quando vê o sangue escorrer pelo seu pulso. Perturbado, recorre
à toalha de prato e pressiona sobre o local ferido, para estancar o sangue. Enrola a
toalha na mão. Volta-se para a lata e o abridor. Quer tentar mais uma vez. A ferida
sangra bastante. Artur olha em volta, procurando algo.

11 INT. COZINHA. - NOITE

Artur pega o interfone e tenta se comunicar com o porteiro.

ARTUR

Seu Raimundo? Alo! Seu Raimundo? (pausa) Merda!

Artur põe o interfone de volta na parede. Pega a lata e o abridor e vai para a porta.

12 INT. - CORREDOR DO SÉTIMO ANDAR. - NOITE

Artur abre a porta do apartamento. O corredor está mal iluminado. O som de uma ária
cantada por voz feminina invade todo ambiente. Artur identifica, pelas luzes, de qual
apartamento vem a música. Ele vai até a porta desse apartamento e hesita. Olha para a
lata e o abridor em suas mãos. Artur bate levemente na porta. Espera, nada acontece.
Bate, de novo, um pouco mais forte. Espera. Nada. Artur bate forte, na porta, mas a
música continua abafando as batidas. Artur espera um pouco e bate muito mais forte.
Antes que o primeiro golpe a tinja a porta, a música, subitamente, se cala. As batidas
de Artur soam por todo sétimo andar. Ele se assusta. Uma corrente de vento bate a
porta de seu apartamento. Inesperadamente a porta do apartamento da Velha começa a
se abrir sozinha, lentamente, com um suave rangido. Artur espicha o pescoço para
olhar quem está no apartamento.

13 INT. - APARTAMENTO DA VELHA. - NOITE

O apartamento parece um museu do teatro antigo. As paredes estão cheias de fotos


antigas da Velha, objetos e lembranças de alguém que passou a vida nos palcos. Uma
VELHA de quase 70 anos, toda arrumada, sentada numa cadeira de balanço, com um
sorriso enigmático, olha fixamente para Artur. Ao lado dela, uma vitrola, tão antiga
quanto a produção consiga encontrar, que acabou de parar de tocar. Artur dá um passo
tímido em direção à Velha.

ARTUR

Dá licença?

A Velha se levanta e começa a dar aqueles passinhos curtos, de velho. Quando Artur
se aproxima e tenta dizer o que quer, ela grita.
VELHA

Aahhhh!

Artur pára, sem jeito, assustado. Começa a recuar, sem muita ação, fazendo gestos
com as mãos para acalmar a Velha, que não pára de gritar. Artur deixa cair a toalha de
prato, suja de sangue. A Velha suspende o grito num certo instante, arregala os olhos
e grita de novo.

14 INT. - QUARTO DO SÍNDICO. - NOITE

Cama de casal. Cabeceira ladeada por abajur barato. Ouve-se o grito da Velha. O
SÍNDICO, homem corpulento, másculo, cara dura, aparentando 60 anos, que estava
dormindo sob as luzes dos neons lá de fora. Emerge dos lençóis com cara de espanto.
Acende um abajur, senta ainda na cama, estende a mão e pega uma escopeta, que
mantém sempre ao alcance. Na mesa de cabeceira há um retrato seu, com farda de
policial.

15 INT. - CORREDOR DO SÉTIMO ANDAR. - NOITE

Corredor escuro. Luzes na escada. Artur acaba de se desvencilhar da Velha, que parou
de gritar. Olha ao redor e vai em direção à escada. Vendo que ninguém acordou,
procura sair rápido da cena, acelerando os passos à medida que se aproxima da
escada.

16 INT. - ESCADA E CORREDOR DO SEXTO ANDAR. - NOITE

Escadas pouco iluminadas. Artur desce correndo. A lata de goiabada escapa de sua
mão e rola pela escada até o andar debaixo. A lata continua rolando pelo chão do
corredor e bate com violência na porta de um apartamento. Artur corre atrás, sempre
olhando ao redor para ver se vem alguém. Vai até a lata que repousa bem diante da
porta do 605. Quando ele se abaixa para pegar a lata, a porta se abre bruscamente. A
luz que vem de dentro do apartamento bate em seu rosto. Artur se assusta e olha para
cima. Um sapato de salto alto pisa a lata. Depois, o bico do sapato suspende o queixo
de Artur, fazendo-o olhar para cima. Ele vê uma longa e bem feita perna feminina
saindo de um penhoar preto. Uma MULHER LOURA, escultural, de
aproximadamente 40 anos, bonita, fala com voz sedutora. Artur se levanta e se
recompõe.

LOURA

Entre, meu amor!

A Loura puxa Artur para dentro de seu apartamento.


17 INT. - SÉTIMO ANDAR. PORTA DO APARTAMENTO DA VELHA. - NOITE

Frente da porta do apartamento da Velha. O Síndico e mais três moradores, homens


de meia idade, ao redor da Velha. Ela está muda apontando na direção da escada -
cara de pavor. O Síndico está agitado. Ele mostra aos outros a toalha suja de sangue.

SÍNDICO

Isto não está cheirando bem. Com esse tipo, é atirar primeiro e
perguntar depois. Cuidado! Esse cara é perigoso!

Eles se movimentam no sentido de começar uma perseguição.

18 INT. - APARTAMENTO DA LOURA. - NOITE

Apartamento pequeno com exagero na decoração sugerindo luxo. A Loura beija e


abraça Artur, que continua com a sua lata e tenta se desvencilhar da Loura. Afasta-se,
por um momento.

ARTUR

Você podia me ajudar? Eu não consigo...

LOURA

Venha, meu amor... Consegue, sim!

Ela tenta puxá-lo ou atraí-lo para algum lugar lá dentro. O apartamento tem uma luz
suave, clima romântico. Vê-se uma mesa arrumada para um jantar à luz de velas.

LOURA

Quer beber alguma coisa?

ARTUR

Não. Eu só queria abrir...

LOURA (maliciosa)

Você vai abrir muitas coisas esta noite.

Artur balbucia uma tentativa de se explicar. A Loura o abraça. Beija-lhe o pescoço.


Ele tenta resistir, sem sucesso. Está encurralado. Ela lhe tira a lata e o abridor das
mãos e deixa que caiam no chão. Ele se abaixa para pegar. Ela tenta montar em cima
dele, abraçando o seu pescoço.

LOURA (excitada)
Seja o meu cavalinho!

ARTUR

(Com um movimento brusco) Moça, a senhora não está entendendo.


Eu só quero...

LOURA

Ah! Entendi. É bravo!

Tenta dominá-lo como se montasse um cavalo.

LOURA

Agora você vai obedecer.

ARTUR

Moça, a senhora é louca? Deixa eu ir embora!

A Loura está com um olhar obsessivo. Pega um chicote, chicoteia um móvel e se


aproxima de Artur. Artur recua, assustado.

LOURA

Você só sai daqui depois de cruzar comigo, meu garanhão!

Na excitação ela começa a rasgar o próprio penhoar e avança para ele, que recua,
tropeçando nos móveis. Ela se agarra com ele. Os dois lutam. Ele se solta e dá-lhe um
empurrão. Ela esbarra na mesa, derruba as velas e destrói o “jantar” que havia
preparado. Artur aproveita par sair correndo. Volta, pega a lata e o abridor e são de
novo.

LOURA

Volte aqui, meu tarado! ( Muda de tom. Grita.) Tarado! Tarado!

19 INT. - CORREDOR DO SEXTO ANDAR. - NOITE

Olhando para os lados, Artur atravessa o corredor apressadamente em direção à


escada que dá passagem ao andar inferior. O corredor está pouco iluminado. Algumas
lâmpadas piscam. Ouve-se um vozerio e passos que vêm de algum andar acima.

20 INT. - CORREDOR DO QUINTO ANDAR. - NOITE

Artur desce a escada apressado. Ao chegar ao quinto andar, pára, escuta e decide o
que fazer. Quando resolve seguir, ao dobrar para o corredor, dá de frente com uma
MOÇA de 22 anos, cabelos longos, claros, vestindo jeans e camiseta colorida,
carregando livros, cadernos e uma mochila. Artur quase esbarra com ela. Ele se
assusta, ela ri e vai em direção à porta do seu apartamento. Enquanto ela abre a porta,
Artur se aproxima, mostrando a lata e o abridor.

ARTUR

Desculpe. Você pode me ajudar?

A Moça olha para a lata, para o abridor, percebe o ferimento e encara Artur,
interrogativa.

ARTUR (confuso, quase gaguejando)

Sou canhoto. Tava tentando abrir essa lata... me feri... o abridor...

Enquanto tenta falar, Artur faz uma espécie de mímica. Demonstrando sua falta de
jeito.

MOÇA (achando graça)

É tão difícil assim? Espere.

Ela acaba de abrir a porta do apartamento e põe as suas coisas sobre uma mesa na
sala, próxima da porta.

21 INT. - CORREDOR DO ANDAR DA LOURA. - NOITE

O grupo do Síndico encontra a Loura na porta do seu apartamento. Sua roupa está
rasgada. Ela está com uma expressão de raiva.

SÍNDICO

Pra onde ele foi?

LOURA

Quem? O tarado?

SÍNDICO

Ele te atacou?

A Loura chora, dramática, exagerada. Deve-se entender que ela chora porque ele foi
embora. O Síndico entende que ela chora porque foi atacada.

LOURA

Foi horrível...
O Síndico segura firme o seu braço.

SÍNDICO

Calma! Pra onde ele foi?

LOURA

Ele desceu (chora mais).

SÍNDICO

Fique clama. Ele não volta. Vamos!

A Loura aumenta a crise de choro quando o Síndico garante que ele não volta. O
Síndico sai com o grupo. A Loura sai atrás do grupo.

22 INT. - APARTAMENTO DA MOÇA. - NOITE

Outro apartamento, semelhante aos outros. Móveis simples. Mesa e lugares para
sentar. Artur pára na porta, indeciso. Ela bota os livros e a mochila sobre a mesa. Vem
em direção à porta.

MOÇA

Pode entrar.

Artur entra, timidamente, uns poucos passos. Ela se dirige para ela, pega a lata e o
abridor. Vê o ferimento e sorri.

MOÇA

Acho que você precisa é de um curativo.

Artur limpa um pouco do sangue que voltou a escorrer, na própria camisa. Neste
instante o PAI da moça aparece. Artur se assusta. Do lado de fora do apartamento vem
o barulho dos perseguidores comandados pelo Síndico. O pai se aproxima dos dois.

PAI

Isso é hora de chegar em casa? O quê você está pensando? Que isso
aqui é motel? E agora deu pra trazer homem pra dentro de casa? Era só
o que faltava! É isso que você aprende na faculdade? (para Artur)
Cafajeste!

O Pai dá um soco em Artur, que é arremessado pela porta aberta e vai cair no
corredor.
23 INT. - CORREDOR DO QUINTO ANDAR. - NOITE

Artur cambaleia e para nos braços do Síndico, que o empurra em direção a um dos
outros que vêm chegando com ele. Este recebe Artur com um soco. Um a um, todos
têm a oportunidade de golpear Artur, que apanha no meio de uma roda. Ele ainda está
de pé, mas sem qualquer controle. A última pancada é uma coronhada de escopeta
desferida pelo próprio Síndico, evitando que Artur caísse sobre ele.

SÍNDICO

Tomaí, tarado!

Com o golpe do Síndico, Artur cai e agora é a vez das mulheres e dos menos
corajosos: pontapés, pauladas, socos e cusparadas histéricas. A Moça faz uma menção
de tentar intervir mas é contida pela mãe. As duas têm expressão de muito medo. A
Moça fecha os olhos, horrorizada.

24 INT. - PORTARIA. - NOITE

O Porteiro, que estava dormindo em sua cadeira, recostado na parede, ouve os


barulhos e acorda num susto. Corre para a escada.

25 INT. - CORREDOR DO QUINTO ANDAR. - NOITE, POUCO DEPOIS

Outro corredor, semelhante aos dos outros andares. Artur está no chão, todo
ensangüentado, inerte. As pessoas se afastam e o Síndico retoma o comando. Artur se
mexe. Está recobrando a consciência, parece que vai levantar. Uma SENHORA,
envolta num robe florido, bobes e lenço nos cabelos, cerca de 50 anos, dá-lhe uma
vassourada definitiva. Artur desmaia.

26 INT. - ESCADA. - NOITE

Trecho qualquer das escadas. O Porteiro sobe, correndo, a escada do quarto para o
quinto andar.

27 INT. - CORREDOR DO QUINTO ANDAR. - NOITE

Porteiro chega, vê o corpo de Artur. O Porteiro olha Artur e em seguida para o


Síndico e para os outros.

SÍNDICO
Seu Raimundo, como é que o senhor deixou este homem entrar no
prédio?

Uma MULHER de cerca de 35 anos se agacha ao lado de Artur, toma-lhe o pulso,


procura tocar um ponto no pescoço, se inquieta.

MULHER

Não tem mais perigo. Ele morreu!

O Porteiro fecha a cara para o Síndico e se ajoelha junto ao corpo, no chão. Fica
inquieta e pega a cabeça de Artur entre as mãos, sujando-se no seu sangue. Ouvem-se
ruídos de sirene.

PORTEIRO

Ele estava no apartamento de Seu Osmar. Chama Artur.

O Síndico e os moradores se entreolham. UM MORADOR cínico comenta para o


outro.

MORADOR

Chi! Tarado errado!

O Síndico se aproxima e fala baixo com o Porteiro.

SÍNDICO

Tem certeza, homem?

PORTEIRO

Claro! Chegou agora, há pouco!

28 INT. - CORREDOR DO QUINTO ANDAR. - NOITE

Chegam três policiais. Constrangimento geral. Alguns moradores estão espalhados


pelo corredor. O corpo de Artur está sendo coberto por um lençol trazido por um dos
moradores. Outra, traz velas. O Síndico avista os policiais. Dirige-se a um deles,
muda completamente de atitude quando o reconhece. Passa a falar alto.

SÍNDICO

Tenente Matias!

CAPITÃO

Capitão! ( O policial adota posição de sentido e sorri) Capitão!


SÍNDICO

Parabéns! Foi merecido! Você é dos meus!

O Síndico coloca a mão no ombro do Capitão Matias e leva-o, conversando, em


direção ao fundo do corredor. O Síndico gesticula supostamente explicando os
detalhes da perseguição e luta. MÚSICA irônica sublinha gestos. Os dois vão se
afastando pelo corredor mal iluminado. Quase desaparecem nos intervalos entre as
lâmpadas. Vão até o final do corredor e retornam. Na volta, já estão mais tranquilos e
o Síndico está dando de ombros, como se tivesse uma atitude fatalista. Ao chegarem,
sob expectativas gerais, o Capitão Matias olha, uma por uma, as pessoas, com cara
grave, até chegar, por último, ao porteiro. Balança a cabeça positivamente.

CAPITÃO

O senhor é Seu Raimundo?

PORTEIRO

Sim, senhor.

CAPITÃO

Porteiro deste prédio?

PORTEIRO

Sim, senhor. Vai fazer três anos no São João!

CAPITÃO

Seu Raimundo, teje preso! (aos soldados) Leva o homem!

Raimundo está perplexo, mas sem acreditar que possa acontecer algo tão louco. Olha
para os moradores, vão baixando a cabeça ou virando o rosto. Todos evitam o olho no
olho. Os soldados pegam o porteiro pelos braços e o levam escada abaixo. Ele ainda
tenta resistir, mas um cassetete encostado em seu queixo o demove. Vai.

CAPITÃO

Pode deixar com a gente, Coronel. De qualquer jeito, a técnica ainda


tem que vir.

O Capitão cumprimenta a todos com uma batida de cabeça, um tanto militar. Os dois
se despedem com um aperto de mãos. O policial desce. O Síndico começa a andar em
direção à escada. Cruza com a Loura. Ela abaixa os olhos e passa.
29 INT. - CORREDOR DO QUINTO ANDAR. - NOITE, MAIS TARDE

Corredor tranquilo. Indiferentes, as pessoas vão retornando para os seus apartamentos,


saindo de campo. As luzes se apagam à medida em que os moradores entram em suas
casas. Ouvem-se algumas frases relativas aos afazeres do dia seguinte, ditas por
pessoas diferentes. A lata de goiabada está no chão, meio amassada, ao lado do
abridor.

FRASES

Cooper às seis horas.


Dia de feira.
Aniversário de minha madrinha.
Tenho que vender dezoito apólices.
Sabe que eles estão matando as baleias da Antártida?

Quando a cena já está quase vazia, a moça sai, discretamente, de seu apartamento e
recolhe a lata e o abridor. Sai de cena. No corredor vazio, fica o corpo de Artur.

FIM

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