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FACULDADE PRESBITERIANA MACKENZIE RIO

A COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONSTITUCIONAL SOBRE


PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

Jairo de Oliveira dos Santos

Rio de Janeiro
2021
Jairo de Oliveira dos Santos

A competência legislativa constitucional sobre processo


administrativo tributário

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao curso de Direito da
Faculdade Presbiteriana Mackenzie
Rio como requisito parcial à
obtenção do grau de Bacharel em
Direito.
Orientadora: Profa. M.Sc. Ana
Luiza dos Santos Couto de Souza

Rio de Janeiro
2021
Jairo de Oliveira dos Santos

A competência legislativa constitucional sobre processo


administrativo tributário

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado e aprovado para a


obtenção do grau de Bacharel em Direito no curso de Direito da
Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio

BANCA EXAMINADORA

______________________________________
Profa. M.Sc. Ana Luiza dos Santo Couto de Souza
Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio
Orientadora

__________________________________________
Profa. M.Sc. Elian Pereira de Araújo
Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio

______________________________________
Profa. M.Sc. Maria Leonor Sardas
Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio
Dedico este trabalho, bem como toda a minha vida,
ao Senhor Jesus Cristo, porque dele recebi a maior
dedicação para o maior imerecedor:

“Esta palavra é fiel e digna de toda aceitação: que


Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os
pecadores, dos quais eu sou o principal.”

1 Timóteo 1:15 - NAA

Dedico-o, ainda, a minha amada esposa Alessandra,


presente de Deus e companheira de vida.
Agradeço

A Deus, pela saúde e força, necessários para a


realização deste trabalho;

À minha querida esposa, que foi a principal


incentivadora, mesmo quando eu mesmo não
acreditei;

Aos meus mestres da Faculdade Presbiteriana


Mackenzie Rio, que sempre ensinaram com
brilhantismo;

À professora e minha orientadora Ana Luiza dos


Santo Couto de Souza, por clarear a busca pelo
conhecimento perseguido nesta pesquisa;

Aos colegas de turma, por compartilharem da


mesma caminhada;

Enfim, à Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio,


por fazer parte de uma das conquistas mais
importantes de minha vida.
Resumo

Este trabalho aborda o mecanismo de repartição de competências constitucionais na


República Federativa do Brasil, visando desvendar a que ente político foi atribuído dispor
legislativamente sobre o processo administrativo tributário ou fiscal. Considerando que para
haver harmonia entre os entes federados, se faz necessária uma constituição que estabeleça os
limites de atuação de cada ente político, impende saber as formas de repartição de
competências previstas na Constituição brasileira para se desvendar em que âmbito de
atribuição se enquadra o processo administrativo tributário. Em que pese não haver menção
expressa ao termo “processo administrativo tributário”, busca-se, por meio de sua natureza e
objeto, identificar em que matéria indicada na Constituição ele se insere. Uma vez que esse
instituto funda-se na ideia de controle da Administração Pública provocado pelo
administrado, em especial, o controle de legalidade do procedimento/ato administrativo de
lançamento do tributo, cujo fim é a decisão definitiva quanto à instituição do crédito tributário
ou sua extinção e considerando que a relação jurídica tributária nada mais é do que a
existência de um sujeito passivo (contribuinte), sujeito ativo (ente tributante) e uma obrigação
(tributária), que acertada pelo lançamento, faz nascer o crédito tributário, tem-se que o
processo administrativo fiscal, como instrumento do exercício do dever/poder atribuído pelas
normas tributárias de direito material estão insertas na disciplina do Direito Tributário,
porquanto o fim deste é o estudo das normas tributárias e sua aplicabilidade prática. Assim
sendo, o processo administrativo fiscal encontra previsão no inciso I, do art. 24, da
constituição, quando menciona “direito tributário”, concluindo-se, portanto, que as normas
que versam sobre esta matéria são de competência concorrente, conforme a dinâmica do art.
24. Ou seja, cabe à União dispor sobre normas gerais sobre o assunto, e aos demais entes
federativos, a suplementação dessas normas. Por fim, estuda-se o Projeto de Lei
Complementar n° 381 de 2014, que dispõe sobre normas gerais sobre processo administrativo
fiscal.

Palavras-chave: Competência Constitucional. Processo Administrativo Tributário. Direito


Tributário
Abstract

This research approaches the mechanism of division of constitutional competences in the


Federative Republic of Brazil, aiming to unveil which political entity was assigned to legislate
on the tax or fiscal administrative process. Considering that for there to be harmony between
the federated entities, a constitution is necessary that establishes the limits of action of each
political entity, it is important to know the forms of division of competences provided for in
the Brazilian Constitution in order to unveil the scope of attribution for the process
administrative tax. Although there is no express mention of the term “tax administrative
proceeding”, it is sought, through its nature and object, to identify in which matter indicated
in the Constitution it is inserted. Since this institute is based on the idea of Public
Administration control brought about by the administrator, in particular, the control of the
legality of the procedure/administrative act of tax assessment, whose purpose is the final
decision on the institution of the tax credit or its extinction and considering that the tax legal
relationship is nothing more than the existence of a taxable person (taxpayer), an active
person (taxing entity) and an obligation (tax), which, when settled by the assessment, gives
rise to the tax credit, that the fiscal administrative process, as an instrument for exercising the
duty/power attributed by the tax rules of material law, are inserted in the discipline of Tax
Law, since the purpose of this is the study of tax rules and their practical applicability.
Therefore, the fiscal administrative process is provided for in item I, of art. 24, of the
constitution, when mentioning "tax law", concluding, therefore, that the rules that deal with
this matter are of concurrent competence, according to the dynamics of art. 24. In other
words, it is up to the Union to provide for general rules on the subject, and to the other
federative entities, the supplementation of these rules. Finally, the Complementary Law
Project No. 381 of 2014 is studied, which provides for general rules on fiscal administrative
proceedings.

Keywords: Constitutional competence. Administrative Tax Process. Tax law


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO……………………………………………………………………………….9

CAPÍTULO 1. A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS NA CONSTITUIÇÃO DE


1988…………………………………………………………………………………………...13

1.1. O federalismo e a repartição de competências…………………………………….……..13

1.2. Os modelos de repartição de competências……………………………………….……..15

1.3. A repartição de competências na constituição brasileira de 1988…………………...…...17

CAPÍTULO 2. A DINÂMICA TRIBUTÁRIA E O PROCESSO ADMINISTRATIVO


TRIBUTÁRIO……………………………………………………………………………….18

2.1. Breve conceito de direito tributário……………………………………………………...19

2.2. O nascimento da relação jurídica tributária……………………………………...……....20

2.3. Controle administrativo do lançamento tributário………………………..……………...24

2.4. Principais normas de processo administrativo tributário…………………………..…….28

CAPÍTULO 3. A COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA DISPOR SOBRE


PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO…………………..…………………...31

3.1. A competência privativa da União para legislar sobre direito processual e o processo
administrativo tributário……………………………………….……………………………...31

3.2. A competência constitucional concorrente e o processo administrativo tributário……....32

3.3. O projeto de lei complementar n° 381 de 2014……………………….…………………36

CONSIDERAÇÕES FINAIS………………………………...……………………………..39

REFERÊNCIA………………………...…………………………………………………….40
9

INTRODUÇÃO

A constituição é de fundamental importância para o Estado federativo. É ela que


estabelece o vínculo entre os Estados autônomos, e forma a soberania nacional. Ela estabelece
o âmbito de atuação de cada ente político e distribui entre eles as competências necessárias
para o exercício do dever/poder. A constituição também é necessária para a garantia dos
direitos individuais e coletivos, os quais devem ser respeitados principalmente, mas não
exclusivamente, pelo Estado.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é considerada pelos juristas


como prolixa, isto é, ela aborda assuntos estranhos aos que mencionado anteriormente,
tornando-a exaustiva. O exemplo comumente usado para demonstrar esse fato é o parágrafo
2°, do art. 242, que diz em que Estado deve ficar localizado o colégio federal Pedro II.

Porém, a Constituição brasileira não se pôs a abordar expressamente sobre a


competência para legislar sobre processo administrativo tributário, dando aos acadêmicos da
Ciência Jurídica e os operadores do Direito de modo geral, o labor de desvendarem qual seja o
ente federativo competente para disciplinar sobre tal matéria.

Desta problemática, resultaram ao menos três posições doutrinárias, das quais ainda
não há ainda uma definição (científica), embora a realidade jurídica brasileira tenha se
adaptado a esse silêncio constitucional. Neste contexto, o que tem ocorrido são inúmeras
disposições legislativas, tantas quantos são os entes federados do Brasil, tratando sobre o
processo administrativo tributário e seu âmbito particular, respeitando-se, em tese, no entanto,
os preceitos da Constituição; gerando ao contribuinte enorme dificuldade na relação
processual com o Estado, e na garantia de seus direitos frente aos arbítrios do poder.

Eis, portanto, o problema da presente pesquisa: qual é a posição mais coerente com a
tratativa constitucional sobre qual seja o ente federativo competente para legislar sobre
processo administrativo tributário? Diante disso, apresenta-se o tema desta pesquisa: a
competência legislativa constitucional sobre processo administrativo tributário.
10

Justifica-se esta pesquisa pela enorme quantidade de dispositivos que disciplinam o


processo administrativo tributário em todo o Brasil e as recentes conjecturas legislativas
brasileiras. Pela ausência de tratamento expresso pela Constituição da República de 1988
quanto à competência para legislar sobre esta matéria, cada ente da federação disciplinou
sobre esse tema de maneira particular, haja vista não haver uma norma que trate de maneira
geral sobre essa seara, aplicável a todos as pessoas políticas (SILVA 2019). Por conta disso,
há um desinteresse por parte da classe acadêmica pelo estudo da temática em análise.

Segundo João Batista de França Silva:

As leis reguladoras do processo tributário administrativo, para repetir as expressões


do Código, são, desse modo, editadas pelas inúmeras pessoas políticas que integram
a Federação brasileira. E com profusão e dispersão de legislações dos entes
subnacionais, além da ausência de uma lei nacional ou código, veiculando normas
gerais, aplicável indistintamente à federação, não é estranho que a Dogmática
Jurídica tenha se desinteressado pelo estudo do chamado direito tributário formal –
“reputado menos nobre” – concentrando sua atenção nas normas jurídicas de direito
material. (2019, p. 10)

Percebe-se que isso resulta em uma cadeia de fatos. Sem a edição de lei nacional com
normas gerais, há maior profusão de leis tantas quantos sãos os entes da federação, e havendo
multiplicidade de normas diferentes, menor é o ânimo acadêmico pela análise do tema. É
necessário destacar ainda que essa cadeia leva ao conhecimento raso sobre o assunto, o que
termina em uma frágil garantia dos direitos do contribuinte.

Para melhor entendimento, importa destacar que o processo administrativo tributário é


a relação jurídica entre o Estado e o contribuinte pelo qual se busca uma pretensão
(CÂMARA, 2020). Por meio dele, o contribuinte impugna o ato de lançamento, que constitui
o crédito tributário, e com isso provoca o controle administrativo interno do mencionado ato
administrativo, participando ativamente para o resultado final do processo, sendo-lhe
assegurado o direito ao contraditório e da ampla defesa (Art. 5°, LV da CF).

Ora, havendo multiplicidade de normas que disciplinem essas regras processuais para
cada ente da federação, e ainda com pouca análise doutrinária, tem uma difícil tarefa o
contribuinte de fazer uso desses dispositivos para garantia de sua defesa frente à
Administração Fiscal.

Buscando solucionar este problema, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei


Complementar (PLS) n° 222 de 2013, no Senado e Projeto de Lei Complementar n° 381 de
2014, na Câmara dos Deputados, de autoria do ex-Senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), com o
11

fim de estabelecer normas gerais sobre o Processo Administrativo Fiscal ou Tributário para
todos os âmbitos da Federação. Havendo êxito nesta proposta, mudar-se-á drasticamente a
atual realidade da processualidade administrativa fiscal no Brasil.

O estudo deste projeto também se faz necessário para se identificar qual seja a
abordagem mais coerente com a competência legislativa constitucional do tema e quais serão
os impactos no modelo atual, em caso de eventual promulgação desta Lei.

O objetivo geral é observar qual é a abordagem constitucional acerca da competência


para legislar sobre processo administrativo tributário, e identificar qual das posições da
doutrina está mais próxima dos ditames constitucionais.

Além do objetivo geral, esta pesquisa tem como objetivos específicos: pesquisar a
relação da constituição com o Estado Federativo e o mecanismo de repartição de
competências, em especial, a legislativa; examinar a natureza jurídica da relação jurídico-
tributária entre o Estado e o contribuinte, visando saber do que se trata a matéria objeto do
processo administrativo tributário e sua relação com a controle da Administração Pública e
analisar o Projeto de Lei Complementar (PLS) n° 222/13, que trata de normas gerais de PAT
para todo âmbito nacional.

Ainda, esta pesquisa buscará confirmar se a competência para legislar sobre processo
administrativo tributário é privativa da União, nos termos do Art. 22, inciso I, da Constituição
da República, estando incluído no termo “processual” do citado inciso, sendo esta posição
defendida por aqueles que entendem que este termo se estende ao processo administrativo, ou
se competência é, na verdade, concorrente, a qual é disciplinada no art. 24 da Carta Maior,
cabendo à União apenas editar normas gerais sobre o assunto (§1°), e aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios apenas suplementar a norma federal (§2°); ou ainda, se ela é, por
outro lado, comum a todos os entes, que podem legislar livremente sobre o processo
administrativo fiscal.

O método a ser usado na presente pesquisa é primeiramente análise feita através da


dogmática jurídica, que consiste no estudo das normas vigentes tendo-as como dados
empíricos. Trata-se de uma metodologia dedutiva, tendo como premissas a norma jurídica
constitucional, as normas relativas ao processo administrativo tributário e os conceitos
doutrinários; em relação com a premissa menor, isto é, a forma aplicada pelos entes políticos
da federação no ordenamento jurídico, extraindo-se a conclusão.
12

CAPÍTULO 1. A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS NA CONSTITUIÇÃO DE


1988

1.1. O FEDERALISMO E A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS

Não há como se falar em Estado Federal sem vir à memória, como modelo moderno,
os Estados Unidos da América. A dinâmica histórica da formação da independência das treze
colônias inglesas recém convertidas em Estados soberanos resultou em uma questão a ser
discutida: como eles iriam cooperar para o desenvolvimento mútuo, em um território tão
vasto, sem que isso levasse a uma forma de Estado centralizadora e autoritária, a qual era a
única referência até aquela época. 1

Para dirimir tal controvérsia, os representantes dos treze Estados se reuniram em


Filadélfia, no ano de 1787, e no parecer de Fernanda Dias Menezes de Almeida:

... a solução federativa que prevaleceu na Convenção de Filad lfia, muito mais do
que um mero acordo entre Estados, muito mais do que um meio- termo no avanço
rumo centralização, mostrou-se alternativa altamente eficaz, tanto no proporcionar
eficiência às instituições de governo, quanto no afastar os temores do autoritarismo.
(2013, p.4)

A qualidade predominante no imaginário federalista era, e ainda é, a coordenação dos


interesses, frente à ideia de subordinação. Conforme o magistério de Afonso Arinos de Melo
Franco (2018), a centralização do poder tende à subordinação, e consequentemente, a perda
da liberdade. A descentralização, por sua vez, tem como fim a garantia desse bem. Para este
autor, a descentralização pode ocorrer quanto aos órgãos do Estado, como se dá pelo princípio
da separação dos poderes, e também em termos territoriais, como acontece com o Estado
federal.

Buscava-se, também, uma gestão eficiente de um território tão vasto, o que era de
interesse comum de todos aqueles que se assentavam sobre ele, posto que a centralização do

1
Não se está afirmando que o ideal federalista nasceu no período pós-independência dos Estados Unidos. É
sabido que sua forma mais embrionária remota a tempos muito mais antigos, como o período da Antiguidade.
Porém, a forma moderna do federalismo deve-se ao processo de formação da soberania dos Estados Unidos.
13

poder poderia acarretar, ainda, por vezes, em medidas desproporcionais às realidades


regionais daquele território.

O federalismo, nos moldes deste arquétipo, é a formação de um Estado soberano


composto por Estados autônomos, seja pela divisão de um Estado unitário (modelo
centrífugo) ou pela união de Estados soberanos que transferem este atributo para o ente
federal (modelo centrípeto)2, visando sempre a descentralização do poder, como um
contraposto aos modelos autoritários de até então.

Essa autonomia que restou aos Estados membros, antes soberanos, se refere àquela
capacidade de auto-organização, autogoverno, autolegislação e autoadministração, gozando
desses atributos, no entanto, em respeito aos limites estabelecidos pelo Estado soberano
(ALMEIDA, 2013).

Não se trata, portanto, apenas de uma descentralização administrativa, mas sim de uma
descentralização política. Aquela é também presente nos Estados unitários, os quais delegam
competências administrativas às chamadas autarquias. Porém, essas entidades não são dotadas
de autonomia política, agindo apenas em cumprimento às atribuições e competências do ente
político unitário, não contribuindo previamente, no entanto, para a formação dos interesses do
Estado unitário.

Já no modelo federalista, os Estados membros abrem mão da sua soberania, mas


asseguram sua autonomia. Isto resulta na perda de autodeterminação plena, incondicionada a
fatores externos e internos, passando essa característica a ser exclusiva do Estado soberano.
Os entes autônomos têm sua atuação limitada pelo poder soberano através de um modelo de
repartição de competências que lhe garante, porém, prerrogativas que lhe permitem alcançar
seus interesses próprios, sendo elas, em regra, detalhadas na constituição daquele país, a qual
estabelece o diálogo entre os interesses nacional e regional, e dirige a atuação de todos a fim
de alcançarem esses objetivos.

Cabe analisar, empiricamente, que os principais modelos federalistas concebem uma


forma de participação dos Estados membros na formação da vontade nacional. Nos Estados
Unidos e no Brasil, por exemplo, isso é possível através do Senado Federal, composto pelo

2
O modelo centrípeto ocorreu nos Estados Unidos, tendo em vista que lá houve a união e Estados outrora
soberanos. Por sua vez, o modelo centrífugo aconteceu, dentre outros, no Brasil, com a divisão do Estado
unitário.
14

mesmo número de representantes de cada Estado membro, em respeito à paridade entre eles
(MENDES, 2021).

Percebe-se disso a imprescindibilidade de um modelo constitucional para um Estado


que adota o federalismo. Não bastaria apenas uma determinação subjetiva e verbal de
cooperação de Estados autônomos. Sem um parâmetro pré-estabelecido, através de um
documento escrito e com competências objetivas, o resultado seria um desequilíbrio
insolucionável. Portanto, o federalismo depende de um modelo constituinte que estabeleça os
limites de atuação de cada ente político, através de competências, sem o qual seria impossível
existir (ALMEIDA, 2013).

Isso ocorre para mitigar o conflito entre os Estados membros, através de atuações
invasivas na esfera dos demais, risco esse bem presente na realidade federativa, onde há a
participação de diversos entes autônomos em um mesmo território. Conforme entende o
notável professor Gilmar Mendes:

Como no Estado Federal há mais de uma ordem jurídica incidente sobre um mesmo
território e sobre as mesmas pessoas, impõe-se a adoção de mecanismo que favoreça
a eficácia da ação estatal, evitando conflitos e desperdício de esforços e recursos. A
repartição de competências entre as esferas do federalismo é o instrumento
concebido para esse fim. (2021, p. 435)

Esse mecanismo de repartição de competências é, portanto, uma ferramenta eficiente


de atuação colaborativa das diversas pessoas políticas. Por intermédio desse mecanismo, uma
porção de poder é dada pela Lei Maior aos entes públicos capaz de delimitar a matéria de
atuação de cada um deles, a fim mitigar conflitos e proporcionar uma atuação do Estado mais
eficiente (SILVA, 1998, p. 495).

1.2. OS MODELOS DE REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS

O federalismo não é um fenômeno restrito aos Estados Unidos da América. Diversos


foram os países que adotaram a forma federativa de Estado, de modo que houve algumas
adequações às peculiaridades de cada um, não perdendo, no entanto, o núcleo essencial da
ideia do federalismo.
15

Essas adequações à forma federalista resultaram também em modelos distintos de


repartição de competência. Em suma, a diferença entre eles dizem respeito sobre a quem serão
dadas as competência enumeradas ou as remanescentes, e ainda, se haverá ou não
competências comuns ou concorrentes.

Para o doutrinador José Afonso da Silva, existem três técnicas de repartição de


competência. A primeira consiste na enumeração dos poderes da União, reservando-se aos
Estados membros os poderes remanescentes, sendo a técnica predominante. A segunda
enumera os poderes dos Estados, deixando os remanescentes à União, presente quase somente
no Canadá. Já a terceira técnica enumera os poderes de cada entidade federativa (SILVA,
1998).3

Paulo Mohn, por sua vez, identifica dois modelos de repartição de competência. São
eles: a repartição de competência horizontal, também chamado federalismo dual; e a
repartição de competência vertical, ainda denominado federalismo cooperativo (MOHN,
2010).

A repartição de competência horizontal opera uma repartição material de


competências, distinguindo as competências do ente federal e dos estados membros, sendo
poderes privativos ou exclusivos. Esse é o modelo clássico inaugurado pelos Estados Unidos.
De acordo com Schwartz:

[...] a preocupação dominante dos autores da Constituição Federal era assegurar que
o governo federal não fosse tão poderoso que tragasse os Estados que comporiam a
nação. Para tanto, limitaram o governo federal a uma lista específica de poderes
essenciais a seu funcionamento efetivo, enumerados na Constituição, ao mesmo
tempo em que reservaram todo o resto de autoridade aos Estados. (1993, p. 9, apud
MOHN, 2010, p.2016)

O segundo modelo observado por Mohn é o da repartição vertical de competência,


também chamado federalismo cooperativo. Este modelo nasceu como uma alternativa ao
formato clássico, principalmente após a 1ª Guerra Mundial, visando conceber uma atuação
organizada entre os entes que compõem a federação. Criaram-se, portanto, as competências
concorrentes (legislativas) e comuns (administrativas), que pertenceriam tanto ao ente federal,
quanto ao Estado membro, agindo ambos de forma colaborativa.

3
Silva vai destacar que, em decorrência da evolução do federalismo no mundo, passaram a existir outros
modelos de repartição de competência, as quais não se limitam apenas ao modelo de repartição material de
competências, mas também envolvem competências comuns e concorrentes e delegações de competências.
16

Destaca-se que a competência concorrente pode ser de duas espécies: a cumulativa,


na qual “a mat ria pode estar integralmente afeta a todos os entes federativos, sem limites
pr vios para o exercício da competência por cada um deles” (MOHN, 2010, p. 217); e a não-
cumulativa, onde se encontram competências fracionadas em níveis, sendo cada um deles
atribuído a determinado ente. Este último é a espécie predominante na repartição de
competências legislativas concorrente, onde à União é dado estabelecer normas gerais, e aos
Estados, complementá-las (MOHN, 2010).

Assim, diante de tantas formas de repartição do poder soberano de um Estado


federal, é necessário para se alcançar o fim deste estudo, que se identifique qual seja o modelo
adotado pela República Federativa do Brasil, de modo que passemos a fazê-lo na próxima
seção.

1.3. A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE


1988

É Fernanda Dias Menezes de Almeida (2010) quem diz que a repartição de


competências adotada pela constituição de 1988 é um conjunto de tudo que já se havia
experimentado nesta matéria, na história do federalismo. Para a autora:

Estruturou-se, com efeito, um sistema complexo em que convivem competências


privativas, repartidas horizontalmente, com competências concorrentes, repartidas
verticalmente, abrindo-se espaço também para a participação das ordens parciais na
esfera de competências próprias da ordem central, mediante delegação (2010, p. 58).

O modelo brasileiro se baseia no princípio da predominância do interesse, cabendo à


União as matérias de interesse nacional; aos Estados, as matérias de interesse regional; e aos
Municípios, as de interesse local, não se excluindo a complexidade de se distinguir o que seja
cada um desses interesses, conforme bem observa Silva (1998).

Passando a analisar o texto constitucional, encontram-se no artigo 21 as matérias


administrativas de responsabilidade da União, as chamadas competências materiais; e no
artigo 22, as matérias de competência legislativa privativa daquele ente, chamadas de
competência formal.
17

Quanto aos Estados, também de forma privativa, cabem as competências


remanescentes não enumeradas, conforme artigo 25, §1°, elencando, porém, outras
competências privativas, quais sejam, “a de explorar os serviços locais de gás canalizado (art.
25, § 2o); a de instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões (art. 25,
§ 3o) e a de criar Municípios (art. 18, § 4o).” (ALMEIDA, 2013).

Aos Municípios são atribuídas competências privativas elencadas no artigo 30,


destacando-se o inciso primeiro, que lhes permite legislar sobre assuntos de interesse local. E
não se deve esquecer o Distrito Federal, a quem cabe as competências legislativas atribuídas
aos Estados e aos Municípios, conforme artigo 32, §1° da Constituição Federal.

Quanto às competências materiais comuns, estas estão previstas no artigo 23 da


Constituição da República. Trata-se de deveres de atuação em matéria administrativa que são
objeto de atuação conjunta de todos os entes federativos, não cabendo apenas a um ou a outro.
A constituinte visou com isso uma atuação massiva a fim de se tutelar melhor aquelas
matérias ali previstas.

Por sua vez, as competências legislativas concorrentes estão previstas no artigo 24 da


Constituição Federal. Conforme a inteligência dos parágrafos deste artigo, à União cabe
legislar sobre as matérias ali previstas por intermédio de normas gerais, cabendo aos Estados,
Distrito Federal e Municípios (artigo 30, II), suplementar a normativa federal.

É assegurada aos entes federativos “menores” (com exceção da União) a capacidade


legislativa plena de dispor sobre aquelas matérias previstas no artigo 24, caso a União se
mantenha omissa. Havendo edição de normas gerais posteriormente pela União, as normas
demais normas, ficam suspensas as normas dos demais entes naquilo que forem contrárias aos
ditames da União.

A Constituição brasileira, ainda, possibilita a delegação de competências em alguns


casos. “É o que prevê o parágrafo único do artigo 22, permitindo que lei complementar possa
autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias objeto da competência
legislativa da União.” (ALMEIDA, 2013, p. 59).

Não deixando de lado o objetivo desta pesquisa, o de analisar qual ou quais sejam os
entes federativos competentes para legislar sobre processo administrativo tributário, deve-se
analisar, portanto, em que bojo de competências se encontra essa prerrogativa, o que se fará
no próximo capítulo.
18

CAPÍTULO 2. A DINÂMICA TRIBUTÁRIA E O PROCESSO ADMINISTRATIVO


TRIBUTÁRIO

2.1. BREVE CONCEITO DE DIREITO TRIBUTÁRIO

Para que o Estado alcance o bem comum de seu povo, ele necessitará de recursos. Não
basta institucionalizar o poder e criar um ordenamento jurídico apenas hipotético, ele
precisará torná-lo viável no mundo dos fatos, sendo certo que ele usará de meios coercitivos
para isso (FILOMENO, 2019).

Decorrente da própria natureza do poder do Estado, o poder de tributar é legítimo


porquanto é ele quem viabiliza que o Estado pratique os seus objetivos, sejam eles quais
forem. Se assim não fosse, o poder Estatal não subsistiria, porque ele não teria condições de
tornar sua ordem jurídica uma realidade.4

Diferentemente dos modelos antigos de Estado, onde seus objetivos basicamente


correspondiam unilateralmente aos interesses do soberano, no Estado de Direito, autorregido
por normas constitucionais que, a um só tempo, o legitimam e o limitam, fala-se em
competência tributária (MACHADO SEGUNDO, 2019). Normas constitucionais de matéria
tributária tornam-se, igualmente, um direito do Estado (de tributar), e também um direito do
cidadão (os limites da tributação).

É lapidar o magistério de Jorge Miranda, ao afirmar que “o Estado está adstrito ao seu
próprio Direito positivo, seja este qual for, por uma necessidade lógica de coerência e de
coesão social.” (2018, p. 154). Como tratado no Capítulo primeiro, as competências, dentre as
quais se inclui a tributária, são parcelas do poder político repartidas entres os entes do Estado
(no modelo federativo), que estabelece não apenas os termos do exercício da matéria jurídica
disciplinada, como também os próprios limites a que estão sujeitos.

4
Para Machado Segundo (2019), nos Estados Democráticos de Direito, o tributo como se fosse o “preço da
cidadania” pois este que mant m a estrutura necessária para que o Estado preste os serviços públicos
população, além de garantir a igualdade de oportunidades entre os cidadãos.
19

Assim sendo, pode-se dizer que, no Estado de Direito, o direito tributário tem por
objetivo não apenas regular a instituição, a fiscalização e a arrecadação tributária, mas
também seus limites, em garantia dos direitos individuais. Neste sentido, portanto, o mestre
Hugo de Brito Machado, conceitua Direito Tributário como sendo: “o ramo do Direito que se
ocupa das relações entre o fisco e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer
espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra os abusos desse poder”
(2002, p. 52).

Seu filho, por sua vez, de forma mais objetiva, conceitua Direito Tributário, enquanto
ramo da ordem jurídica – uma vez que ele distingue essa forma de conceituação daquela
relativa ao Direito Tributário enquanto ramo do conhecimento –, como sendo o “conjunto de
normas jurídicas que disciplinam a instituição, a regulamentação, o lançamento e a cobrança
de tributos” (MACHADO SEGUNDO, 2019, p. 23).

Para Sabbag (2019, p. 39):

O Direito Tributário é ramificação autônoma da Ciência Jurídica, atrelada ao direito


público, concentrando o plexo de relações jurídicas que imantam o elo “Estado
versus contribuinte”, na atividade financeira do Estado, quanto instituição,
fiscalização e arrecadação de tributos.

Sem equívoco, percebe-se que o Direito Tributário diz respeito a normas de direito
público que tem por finalidade disciplinar a relação entre o Estado e o contribuinte, estando
ambos submissos a tais normas. Alinhado com o pensamento de que o Direito Tributário visa
não apenas a arrecadação de recursos aos cofres públicos, mas também a proteção das
garantias individuais do contribuinte, Hugo de Brito Machado observa a finalidade do Direito
Tributário da seguinte forma:

O Direito Tributário existe para delimitar o poder de tributar, transformando a


relação tributária, que antigamente foi uma relação simplesmente de poder, em
relação jurídica. A finalidade essencial do Direito Tributário, portanto, não é a
arrecadação do tributo, até porque esta sempre aconteceu, e acontece,
independentemente da existência daquele. O Direito Tributário surgiu para delimitar
o poder de tributar e evitar os abusos no exercício deste. (2002, p.53)

Portanto, não há que se falar em Direito Tributário como sendo apenas a disciplina
cuja finalidade é a arrecadação de tributos, mas sim como a complexa relação jurídica que
visa estabelecer os limites da tributação.

2.2. O NASCIMENTO DA RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA


20

O Art. 3° do Código Tributário Nacional brasileiro dispõe que o Tributo é toda


prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não
constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa
plenamente vinculada. Sobre o fato de ser o tributo instituído em lei, é também exigido pela
Constituição (art. 150, inciso I). Esse requisito é um dos limites do poder de tributar, ao qual
deve respeito o Estado.

O tributo, conforme acima definido, somente é devido por quem realizar determinado
ato jurídico que esteja previsto na legislação tributária como sendo causa originária da
obrigação de pagar o tributo, o que se define como fato gerador. Sem a realização do fato
gerador pelo contribuinte, não há obrigação tributária.

Uma vez ocorrido o fato gerador, que é a realização, pelo contribuinte, da hipótese de
incidência no mundo dos fatos, nasce a obrigação tributária, a qual, porém, ainda encontra-se
em estado de inexigibilidade, porquanto carece de liquidez e certeza. A exigibilidade fica
condicionada a outro ato por parte da administração, que tem por fim tornar a obrigação
tributária líquida e certa, o qual denomina-se lançamento (SABBAG, 2019):

O art. 142 do Código Tributário Nacional, a dispor sobre o lançamento e tratar sobre a
competência para exercer esse ato, define-o nos seguintes termos:

Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário


pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a
verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a
matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito
passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Há algumas questões controversas sobre o lançamento que são sempre debatidas pelos
doutrinadores. Porém, preferimos tratar sobre apenas algumas delas. A primeira é sobre ser o
não o lançamento a única forma de constituir o crédito tributário. Essa questão, entendemos já
estar pacificada, pelo menos por parte da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que
entende que existe outra forma de constituição do crédito tributário, que é a declaração feita
pelo contribuinte, inteligência esta que resultou na súmula n. 436, cujo verbete diz que “a
entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito
tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco.”
21

De maneira mais radical, Sérgio André Rocha (2018) defende que o lançamento não é
um ato exclusivo da Administração Pública. O ilustre mestre faz uma crítica ao
posicionamento dominante da doutrina brasileira, argumentando que o lançamento, ora é ato
do sujeito ativo da relação tributária (Estado), ora é ato do sujeito passivo (contribuinte) e ora
é ato de ambos.

O autor faz uso do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços como


exemplo de sua tese. A verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação
correspondente, a determinação a matéria tributável e o cálculo o montante do tributo devido,
neste caso, são realizados pelo sujeito passivo, através de declaração feita ao Estado, de modo
que, para o autor, não se trata de apenas uma tarefa informativa, mas de ações típicas do ato
de lançamento, conforme previsto no art. 142 do CTN.

Desta forma conceitua Rocha o lançamento:

[...] conjunto de atividades desenvolvidas pela Administração Fazendária, pelos


sujeitos passivos dos deveres jurídicos-tributários, ou por ambos, por vezes
materializada em ato específico, cuja finalidade é concretizar o comando da norma
jurídico-tributária, verificando a ocorrência de sua hipótese no mundo dos fatos e
identificando os elementos da relação jurídica da mesma decorrente (sujeito ativo,
sujeito passivo e objeto). (2018., p. 357)

Portanto, pode-se dizer que o lançamento, enquanto ato da Administração Fazendária,


é o fenômeno pelo qual se constitui o crédito tributário. Porém, não é o único, havendo casos
em que o sujeito passivo constitui o crédito através da declaração, sendo este fato fundamental
para a função fiscalizadora tributária exercida pelo Estado.

Outra questão envolvendo o lançamento é se ele consiste em um procedimento


administrativo ou um ato administrativo. Procedimento administrativo, para Maria Sylvia
Zanella Di Pietro, “o conjunto de formalidades que devem ser observadas para a prática de
certos atos administrativos; equivale a rito, a forma de proceder; o procedimento se
desenvolve dentro de um processo administrativo.” (2021, p. 807).

Para a mesma autora, conforme citada por Juliano Di Pietro em sua tese de doutorado,
ato administrativo “é a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos
jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeito a
controle pelo Poder Judiciário” (JULIANO DI PIETRO, 2013, p. 90).

Assim, não incorre em erro quem entende que o lançamento é, por um lado, um
procedimento administrativo, porque observa um conjunto de formalidades, e por outro, um
22

ato administrativo, cujo fim é a declaração do Estado que produz efeitos jurídicos. Mas há
quem entenda que o procedimento administrativo prepondera sobre o ato administrativo.
Juliano Di Pietro defende que o procedimento administrativo não é dissociado do ato
administrativo, traduzindo-se em mera forma, mas é a própria construção do ato
administrativo, servindo-lhe de precursor. Para o autor:

[...] o procedimento (administrativo) sobre o ato (administrativo) prepondera, na


linha de que é o percurso que define o resultado, razão pela qual o procedimento não
se resume a mera forma. Muito mais do que isso, o procedimento administrativo não
só conforma a construção da decisão estatal que, posteriormente, desta conta a
história, como bem demostra Luhmann, mas sobretudo conforma o próprio meio de
atuação da administração no exercício de sua função”(2013, p. 93)

É o procedimento administrativo que verifica a matéria probatória que concluirá ou


não pela decisão do ato administrativo final. E isto é instrumento necessário, segundo o autor,
para a garantia dos direitos individuais no Estado Democrático de Direito: Mais uma vez
fazendo uso de suas palavras:

Eis pois, que não há de existir ato puro, ou seja, aquele que surge da penumbra
indevassável do intramuros da administração. Por mais imediata que pareça ser a
construção da decisão administrativa, a possibilidade de interferência em um direito
individual reclama a procedimentalização para franqueamento ao particular do
direito de participação, o que tanto contribui para a eficácia da atividade
administrativa quanto para que o particular possa fazer com que seus interesses
sejam também considerados (2013, p. 202).

Portanto, o procedimento administrativo, como elemento precursor fundamental para


possibilitar que o agente público exerça o ato administrativo, não é termo usado
equivocadamente pela lei para descrever a natureza do lançamento tributário. Por outro lado
seria para quem admite que o procedimento administrativo não se confunde com o ato em si.
No entanto, é inegável que o que mais importa para a constituição do crédito tributário é o
diálogo entre o Estado e o contribuinte, cujo fim é verificar se a hipótese abstrata da lei foi
realizada no mundo dos fatos, o que se conclui por meio das provas por ambos produzida no
procedimento administrativo, e se ocorrido o fato, quanto é devido. Ademais, a legislação
descreve o lançamento como uma sequência de atos, quais sejam, “verificar a ocorrência do
fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o
montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo” dentre outros, o que guarda maior
relação com o conceito de procedimento que de ato.

Passados estes questionamentos, uma vez constituído o crédito tributário, pelo


lançamento, torna-se exigível por parte do ente tributante. A cobrança se dá por intermédio de
atividade administrativa vinculada, ou seja, que afasta a discricionariedade do agente público
23

de querer ou não cobrar o tributo, ou se escolhe a seu critério a forma irá cobrá-lo. O agente
público, uma vez verificada a ocorrência do fato gerador, que resulta no nascimento da
obrigação tributária, deverá constituir o crédito tributário através do lançamento, e por fim
cobrá-lo.

Por todo o exposto, a relação jurídica tributária que nascera com a ocorrência do fato
gerador, por parte do contribuinte, do que decorre a obrigação tributária, mas que, por sua
vez, ainda não possui capacidade executiva; torna-se, portanto, exigível, pela constituição do
crédito tributário, porquanto é neste momento é que se atesta a liquidez e a certeza da relação
jurídica tributária e da obrigação que dela advém.

2.3. CONTROLE ADMINISTRATIVO DO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO

Como todo ato administrativo, o lançamento está sujeito ao controle de legalidade, que
via de regra, ocorre no âmbito da própria Administração Pública, ou pelo Poder Judiciário. O
Supremo Tribunal Federal, atrav s da súmula n. 346, sedimentou que “a administração
pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos”. Aliada a esta súmula, a de n. 473
dispõe que:

A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os
tornam ilegais, porque dêles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de
conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em
todos os casos, a apreciação judicial.

Portanto, é perfeitamente possível, conforme dito anteriormente, que a Administração


anule seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade. Aqui se incluem, evidentemente, os
atos administrativos que se destinam a constituir o crédito tributário, isto é, o lançamento.
Esse controle pode nascer por iniciativa própria da Administração, em virtude do poder de
autotutela, ou mediante provocação, através de recurso administrativo (DI PIETRO, 2021).

A Constituição da República consagrou como garantia fundamental “o direito de


petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de
poder”, conforme alínea “a”, do inciso XXXIV, do art. 5°; que assegurado a todos,
independentemente de pagamento de taxas ou custas. Frise-se que o direito de petição
possibilita que o administrado provoque o controle interno por parte da Administração.
24

O recurso administrativo, porém, como espécie do gênero que é o direito de petição, é


o meio formal para que o administrado peça à Administração o reexame de determinado ato
administrativo. Havendo interesse recursal, nos mesmos moldes do Direito Processual, o
administrado poderá devolver a matéria ao órgão da Administração Pública, que tem a
faculdade, inclusive, de suspender a eficácia do direito oriundo da decisão decorrida, para que
analise novamente o mérito ou a legalidade do ato impugnado, o qual gerou a insatisfação do
recorrente. Ao seu recurso será garantido plenamente o gozo do contraditório e da ampla
defesa, nos termos do inciso LV, da Constituição da República (CARVALHO FILHO, 2021).

O recurso administrativo, no entanto, não devolve apenas o ato impugnado para nova
análise, mas apresenta à Administração outra perspectiva sobre aquele ato, a do administrado.
Ele dá as razões por que deve aquele ato administrativo ser revisto, provocando, desta forma,
o controle da administração, e também, participando da construção do novo ato decorrente da
decisão de recurso interposto.

Isso decorre daquilo que S rgio Andr Rocha denomina como “Procedimentalização
das Atividades Estatais”5. Uma vez que Estado moderno exerce mais atividades
administrativas, e se relaciona ainda mais com os administrados, houve a necessidade de se
procedimentalizar, pois certo é que com o maior número de atividades exercidas pelo Estado,
maior também é o risco de erros cometidos, e consequentemente, numerosas são as violações
dos direitos individuais ou coletivos.

Esta procedimentalização possibilita que sejam garantidos ao administrado a


publicidade dos atos da administração, a legalidade, o contraditório e a ampla defesa, sua a
revisão; tudo isso sem prejuízo do controle exercido pelo Poder Judiciário.

Para Rocha:

[...] tem-se como função da procedimentalização do agir da administração a


facilitação de tal controle (administrativo), isso por intermédio da participação dos
administrados na produção de determinados atos administrativos, prevendo-se,
ainda, o processo como efetivo instrumento de realização do aludido controle de
legalidade dos atos administrativos. (2018., p. 47)

5
Sérgio André Rocha, ao elaborar um introdução histórica da passagem do Estado Liberal para o Estado Social,
em sua obra Processo Administrativo Fiscal: Controle Administrativo do Lançamento Tributário (2019), observa
que com o aumento das atividades estatais que visam o bem estar social, as quais são preponderantemente
administrativas, houve-se um aumento das relações entre o Estado e o particular. Com isso, ocorreu que o Estado
passou a “procedimentalizar” suas atividades. É, portanto, desse fato histórico que o recurso administrativo
surgiu.
25

Uma vez apresentado o recurso administrativo, visando à reavaliação do ato


administrativo impugnado, instaura-se o processo administrativo. Quanto a este termo, existe
controvérsia na doutrina brasileira sobre se é ou não equivocado.

Parcela da doutrina, como por exemplo, Marçal Justen Filho, entende não ser possível
o uso do termo “processo” na Administração Pública, porquanto este termo está relacionado
função jurisdicional do Estado. Isto porque, para ele, o processo deve necessariamente
envolver um terceiro imparcial (magistrado), que não tenha interesse pessoal na matéria do
processo (2018, p.59).

No entanto, outros doutrinadores, como Sérgio André Rocha e José dos Santos
Carvalho Filho, vão fazer uma crítica a esta posição, por considerá-la uma visão limitada
acerca do processo. Para estes autores, o processo é um instituto jurídico pelo qual o Estado
exerce seu poder, sendo aquele exercido pela função jurisdicional apenas uma de suas formas.

Carvalho Filho vai defender que:

O processo costuma ser qualificado como instituto típico da função jurisdicional ou,
na preferência de alguns processualistas, como instrumento da jurisdição. Através do
processo é que os juízes exercem seu poder jurisdicional e, como regra, decidem os
litígios entre as partes. A relação jurídica, todavia, na qual sobressai o desempenho
da função jurisdicional é o processo judicial, que, sem embargo de ser o mais
notório (e clássico, pelas antigas e ultrapassadas noções jurídicas), não é a única
modalidade de processo (este considerado como categoria jurídica). É bastante usual
ouvir-se a afirmação – de todo equivocada – de que o processo é o instrumento da
jurisdição, como se fora essa a única forma de sua exteriorização. O que é
instrumento da função jurisdicional é – isto sim – o processo judicial, que não
exclui, como é óbvio, a existência de outras categorias de processo. (2021, p. 1046)
(grifo do autor)

Nos filiamos à segunda tese, pois até mesmo a Constituição da República faz uso do
termo processo no âmbito administrativo, conforme inciso LV, do art. 5°. Não somente isto,
mas já é de uso comum na grande maioria da realidade jurídica brasileira.

Carvalho Filho conceitua o processo administrativo como “o instrumento que


formaliza a sequência ordenada de atos e de atividades do Estado e dos particulares a fim de
ser produzida uma vontade final da Administração” (2021, p. 1046).

Para Reinado Couto, “o processo administrativo é uma série de atos concatenados,


praticados extrajudicialmente pelas partes e pela Administração Pública, em contraposição,
tendentes a um ato administrativo final dependente dos anteriores” (2019, p. 970).
26

Fazendo uso de um conceito doutrinário, desta vez por Rafael Carvalho Oliveira,
“processo administrativo é a relação jurídica que envolve uma sucessão dinâmica e
encadeada de atos instrumentais para obtenção da decisão administrativa” (2021, p. 303).

Vê-se, portanto, que não há divergência quanto ao que seja o processo administrativo
de modo que é seguro dizer que ele é instrumento pelo qual ocorre um diálogo entre o Estado
e o particular, por intermédio de atos sucessivos e lógicos, visando um resultado definitivo
por parte da Administração.

Essa ferramenta visa, por fim, um ato administrativo, que pode ser de mera tramitação,
de controle, ou punitivo, contratual, revisional, ou de outorga de direitos (CARVALHO
FILHO, 2021).

Como no presente tópico se estuda o controle administrativo do ato de lançamento,


especialmente quando provocado pelo particular através do processo administrativo, é
possível, fazendo uso das bases do Direito Administrativo, conforme anteriormente expostos,
que o particular não esteja apenas a intentar a revisão do ato de lançamento – quando este é o
caso –, mas também a provocar o controle interno da própria Administração, a fim de se
verificar se aquele ato de lançamento encontrava-se ou não eivado de ilegalidade.

No âmbito da atividade tributária do Estado, o processo administrativo que visa esse


fim é específico, não se confundindo com o processo administrativo geral. Tal distinção não é
coisa impossível, porquanto a própria lei que dispõe sobre o processo administrativo na seara
da Administração Pública Federal, Lei n. 9.784 de 1999, prevê tal discriminação, conforme o
art. 69, que declara que “os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por
lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei.”, o que
harmônico ao princípio da especialidade.

Não obstante, o processo administrativo “geral” um instrumento que possibilita ao


particular provocar e colaborar com o controle da legalidade dos atos da Administração
Pública, fundamentos esses que servem ao processo administrativo tributário. Em ambos,
devem-se respeitar os princípios inerentes à própria Administração Pública, conforme
previstos no art. 37 da Constituição da República, como também os princípios próprios do
processo, tais quais o do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

De forma bem apontada por Hugo de Brito Machado Segundo:


27

Assim, e em síntese, os atos praticados pela Administração Tributária de uma


maneira geral, tais como o ato de lançamento, o ato de indeferimento de isenção, de
uma imunidade, de indeferimento ou rescisão de parcelamento, de exclusão de um
contribuinte do âmbito do REFIS103 etc., são essencialmente impugnáveis, podendo
ser objeto de questionamento perante a própria Administração Pública. Surge, então,
o chamado processo administrativo propriamente dito, no qual é assegurada a
participação dos interessados, participação esta que, por conta do conflito que lhe é
subjacente, desenvolve-se de modo dialético, com submissão a princípios
constitucionais processuais como o da ampla defesa e do contraditório. (2020, p.56)

Em função desses princípios constitucionais servirem ao processo administrativo, ao


processo administrativo fiscal e ao processo judicial, confunde-se saber a natureza de cada um
desses institutos. Porém, nos importa nesta pesquisa saber sobre a natureza jurídica do
processo administrativo tributário mais especificamente, para que daí se extraia seu correto
enquadramento nas competências legislativas constitucionais. É o que se propõe no seguinte
item.

2.4 PRINCIPAIS NORMAS DE PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

Seria impossível estudar sobre todas as normas que dispõem sobre o processo
administrativo fiscal, isto porque existem incontáveis legislações estaduais e municipais que
tratam sobre esse tema. Por este motivo, restringi-mo-nos a abordar as principais normas
federais.

Também desviaria do propósito desta pesquisa estudar as normas selecionadas de


forma exaustiva. O que será feito é uma análise dos principais pontos que servirão para se
alcançar o objetivo deste trabalho.

As normas que serão brevemente estudadas são estas: a Lei Federal n° 5.172 de 1996
(Código Tributário Nacional); o Decreto 70.235 de 1972, que dispõe sobre o processo
administrativo fiscal, e dá outras providências; a Lei Federal n° 9.784 de 1999, que regula o
processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal; e a Lei Federal n° 9.430
de 1996, que dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade
social, o processo administrativo de consulta e dá outras providências.

Começando pelo Código Tributário Nacional, sabe-se que a referida lei não visa
especificamente regular o processo administrativo tributário, e sim dispor sobre o Sistema
Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e
28

Municípios. No entanto, existe na lei alguns pontos que introduzem a processualidade fiscal,
que serão demonstradas nos parágrafos seguintes.

Por exemplo, os incisos I e II do art. 82 determinam que a lei que tratar sobre a
Contribuição de Melhoria deve prever prazo para que o contribuinte impugne este tributo, o
qual deverá ser de trinta dias. Além disso, o Código Tributário Nacional determina que a lei
de Contribuição de Melhoria discipline o processo administrativo da impugnação prevista no
inciso I.

O já mencionado art. 142 do Código trata sobre o procedimento administrativo de


lançamento, conforme já estudado no item anterior. Por sua vez, o inciso I do art. 145 do
Código diz que a impugnação feita pelo sujeito passivo tem a possibilidade de alterar o
lançamento tributário, decorrendo disso o processo administrativo.

O art. 148 fala sobre a hipótese do arbitramento tributário, que ocorre quando há
imprecisão nos documentos e declarações prestados pelo contribuinte. O art. põe a salvo o
direito de impugnação do sujeito passivo, seja administrativa ou judicial.

O inciso III, do art. 151, trata da impugnação e do recurso, notadamente


administrativos, como instrumentos capazes de suspender a exigibilidade do crédito tributário,
porquanto se está em discussão a legalidade da cobrança, e enquanto ela não for
definitivamente resolvida, não pode o fisco cobrar o tributo, sob o risco de cobrá-lo
ilegalmente, o que é inadmissível no Estado de Direito.

O inciso IX, do art. 156, estabelece que a decisão administrativa definitiva extingue o
crédito tributário. Quando a decisão, porém, é contrária ao contribuinte, o art. 201 estabelece
que a decisão definirá o prazo de pagamento, que não sendo cumprido, tornará o crédito
tributário inscrito na Dívida Ativa.

O art. 210 aborda a forma de contagem dos prazos do Código e demais legislações
tributárias. O parágrafo único deste art. ainda específico ao fazer referência ao “processo”.

O parágrafo único do art. 116 do Código determina que lei própria irá disciplinar sobre
o procedimento de fiscalização da ocorrência do fato gerador, podendo, inclusive, desde que
respeitado o procedimento, desconsiderar atos ou negócios jurídicos que visam dissimular a
ocorrência do fato gerador.
29

Estes são, pois, algumas normas do Código Tributário Nacional que introduzem o
processo administrativo fiscal, chegando a trazer algumas diretrizes sobre este instituto. Por
sua vez, o Decreto 70.235 de 1972 abordará de forma profunda o instrumento processual
administrativo. Senão vejamos.

Já no seu art. 1°, diz que o Decreto “rege o processo administrativo de determinação e
exigência dos créditos tributários da União e o de consulta sobre a aplicação da legislação
tributária federal.” Logo em seguida, o capítulo I passa a tratar do “Processo Fiscal”.

O capítulo II do Decreto trata sobre o “Processo de Consulta”, que embora não


envolva o conflito de interesses, não deixa de ser denominado e tratado pela norma como
processo. Ou seja, na seara administrativa, o processo administrativo nem sempre envolve
conflito de interesses. A Lei 9.430 de 1996 também trata sobre o processo de consulta.

Outra importante legislação federal que trata sobre o processo administrativo é a Lei n.
9.784 de 1999. Esta norma trata do processo administrativo de forma geral, e é aplicável
subsidiariamente às leis de processo administrativo específicas, conforme diz o art. 69, o que
inclui o processo administrativo fiscal.

Por ela, garantido ao administrado “formular alegações e apresentar documentos


antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente” (art. 3°, III),
o que encontra respaldo no direito de petição previsto na Constituição da República, conforme
já afirmado neste trabalho. Ainda, o capítulo IV trata sobre o “início do processo”, que pode
ocorrer tanto de ofício ou a requerimento (art. 6°, IV).

Portanto, essas são algumas leis que tratam direta ou indiretamente do processo
administrativo fiscal, umas aplicáveis tão somente à seara da relação tributária, outras
oriundas do Direito Administrativo, aplicáveis de forma subsidiária.

Resta, portanto, saber em que âmbito do Direito se enquadram. Isto é, mais


precisamente em que matéria legislativa se encontram dentro daquelas que estão elencadas
nas competências constitucionais legiferantes. É o que se buscará no próximo capítulo.

CAPÍTULO 3. A COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA DISPOR SOBRE


PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO
30

3.1. A COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE


DIREITO PROCESSUAL E O PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

Desde a Constituição de 1934 o Direito Processual vem sendo atribuído


privativamente ao Poder Legislativo da União (art. 5°, XIX, “a” da Constituição de 1934; art.
16, XVI da Constituição de 1937; art. 5°, XV, “a” da Constituição de 1946; art. 8°, XVII, “b”
da Constituição de 1967 e art. 22, I, da Constituição de 1988).

Isso se perpetuou por diversos fatores, como a tendência centralizadora do modelo de


federação brasileiro e a ideia de que a relação dos indivíduos com a atividade jurisdicional do
Estado teria relevância nacional.

É de se destacar que em todas as constituições acima citadas, a ideia por trás do termo
“processual” sempre foi relacionada ao processo judicial, e não ao termo processo no sentido
amplo de “instrumento” pelo qual o Estado exerce suas funções, da maneira apresentada no
item 2.3 deste trabalho.

Esse sentido também foi mantido no atual Estatuto Maior, o de que o termo
“processual” inserido no inciso I, do art. 22, refere-se especificamente ao processo judicial.
Em comentário ao inciso mencionado, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em citação feita por
Fernando Dias Menezes de Almeida, faz menção exclusiva ao Direito Processual Civil e
Direito Processual Penal, para por fim recomendar que tais matérias fossem atribuídas à
competência legislativa estadual:

Já quanto ao direito adjetivo (Processual Civil e Processual Penal), de natureza


instumental, servindo ao cumprimento do direito substantivo nos processos judiciais,
soam ponderadas as considerações de Manoel Gonçalves Ferreira Filho
(Comentários, cit., v. 1, p.167), para quem mais sábio seria atribuir aos Estados a
competência de produzi-lo, adaptando-o, para melhor atendimento de sua finalidade,
às condições tão diferentes de cada região. Quando muito, para evitar disparidades
excessivas, a competência legislativa no caso poderia ser concorrente, ficando com a
União a edição das normas gerais de Direito Processual. (2018, p. 799)

Não se quer, neste trabalho, discutir qual seria a melhor forma de distribuição das
competências legislativas constitucionais. O trecho acima serve apenas para a correta
interpretação do termo “processual” inserida no âmbito da competência privativa da União é
que se trata do processo judicial.
31

Neste sentido já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de


Inconstitucionalidade n° 1807, senão vejamos:

A definição de regras de competência, na medida em que estabelece limites e


organiza a prestação da atividade jurisdicional pelo Estado, é um dos componentes
básicos do ramo processual da ciência jurídica, cuja competência legislativa foi
atribuída, pela Constituição Federal de 1988, privativamente à União (Art. 22, I,
CF/88) (BRASIL, 2014, p.1) (grifo nosso)

Portanto, fica evidente que quando a Constituição da República dispôs que compete
privativamente à União legislar sobre processo, estava-se referindo ao judicial. Por esta razão,
é possível concluir que o processo administrativo tributário, objeto de nosso estudo, não está
limitado à atividade legiferante privativa da União, pois não encontra fundamento normativo
no art. 22 da constituição.

Aduzir o contrário seria dar interpretação histórica diversa da que vem sendo dada ao
“processo” enquanto mat ria de competência legislativa da União desde a constituição de
1891. Ademais, a consequência desta hermenêutica seria, inevitavelmente, que todo o
processo, incluindo o administrativo, estaria restrito à competência legislativa privativa da
União.

3.2. A COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL CONCORRENTE E O PROCESSO


ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

Quando se fala em normas de Direito Tributário, elas possuem expressa reserva


legislativa constitucional. O art. 24, inciso I, diz que a competência para dispor sobre normas
desta natureza é concorrente. Essa dinâmica, já estudada no primeiro capítulo desta pesquisa,
determina que a União deve legislar sobre normas gerais, e os demais entes federativos,
suplementá-las.

Até aqui, porém, resta-nos as seguintes perguntas: esta competência


constitucionalmente atribuída, diz respeito apenas às normas materiais de Direito Tributário,
ou estaria também incluso as normas formais (processo)? As normas de processo
administrativo tributário são dispositivos do processo administrativo geral, e portanto, seriam
normas de Direito Administrativo ou estariam elas ligadas, em maior medida, à aplicação do
Direito Tributário material?
32

Primeiramente, sabe-se que os ramos do direito são divididos por uma questão
meramente didática. Ou seja, quando se fala em “direitos”, não se está debruçando sobre
fenômenos isolados e inteiramente distintos. O direito é um só, sendo a sua divisão uma
forma didática para tratarmos sobre cada uma de suas partes. Portanto, ao falar em Direito
Tributário e Direito Administrativo, estamos falando de um direito que se relaciona com a
atividade tributante do Estado e sobre as normas de funcionamento da Administração Pública
e sua relação com os administrados, respectivamente.

Mesmo com esta sucinta conceituação, vê-se que existe entre ambas as matérias
grande proximidade sem, contudo, deixar de haver distinção. As leis que disciplinam o
funcionamento da Administração Pública e sua relação com os administrados, matérias
inerentes ao Direito Administrativo, também atingem as relações tributárias entre o Estado e o
contribuinte, que não deixa de ser uma relação entre Administração Pública e administrado.

Desta forma, é razoável concluir que existe um núcleo duro entre ambos os direitos,
assim como entre todos os ramos do direito. Este núcleo, atribuído muitas vezes à
Constituição, torna todo o ordenamento jurídico interligado. No entanto, é inegável também
que até mesmo a Constituição faz distinção entre seus ramos. A divisão de competências
materiais legislativas é um exemplo disso. Por esse motivo é que o presente estudo, frente ao
silêncio da Constituição brasileira, busca saber se o processo administrativo tributário pode
acertadamente ser atribuído ao ramo do direito público chamado Direito Tributário, e assim
saber se entra na competência concorrente do art. 24.

Já nos debruçamos mais profundamente sobre o conceito de Direito Tributário no


capítulo 2. Cito novamente o que Sabbag diz ser esta matéria:

O Direito Tributário é ramificação autônoma da Ciência Jurídica, atrelada ao direito


público, concentrando o plexo de relações jurídicas que imantam o elo “Estado
versus contribuinte”, na atividade financeira do Estado, quanto instituição,
fiscalização e arrecadação de tributos.

Vê-se, pois, que a ação do Estado relativa ao Direito Tributário não se limita à
instituição de tributos, mas sim tamb m a “fiscalização” e a “arrecadação”. Tudo isso,
conforme já exposto neste trabalho, é feito por atividade plenamente vinculada (art. 3° do
CTN), o que significa dizer que são atividades que só podem ser praticadas pela
Administração Pública nos limites da lei. Melhor dizendo, é através da lei que o Estado
institui, fiscaliza e cobra o tributo, e jamais poderá fazer isso quando a lei não permitir ou de
forma diversa da prevista in legis.
33

O processo administrativo tributário, pois, como um dos instrumentos pelo qual a


Estado Democrático de Direito exerce o poder (CÂMARA, 2018), e aqui fala-se da sua
competência tributária, nada mais serve senão para que o Estado tributante decida sobre a
relação jurídica com o contribuinte e ao final cobre ou não o tributo.

Conforme estudado no item 2.2, a relação jurídico tributária nasce com a ocorrência
do fato gerador do tributo, por parte do contribuinte. Ato contínuo, o Estado, através de
procedimento administrativo, verifica esta ocorrência, identifica o sujeito passivo, quantifica
do tributo devido e faz o lançamento, nascendo assim o crédito tributário. Note-se que a partir
daqui o Estado poderá cobrar o tributo. Porém, é lícito ao contribuinte impugnar o lançamento
e assim nasce o processo administrativo tributário visando uma decisão final por parte da
Administração. Tudo isso já foi tratado neste trabalho.

Mas, por decorrência lógica, e sabendo que a impugnação do lançamento suspende o


crédito tributário, a atividade de arrecadação do tributo por parte do Estado não se exauriu.
Ademais, o lançamento tributário só é definitivo após a decisão da impugnação do sujeito
passivo (art. 145, I, do CTN).

Diferentemente do processo judicial, onde a finalidade é o exercício da jurisdição, o


processo administrativo tributário visa a cobrança do tributo, assegurando, no entanto, a
participação do contribuinte na decisão final, o contraditório e a ampla defesa, todos
corolários do Estado de Direito.

É por esse motivo que Souto Maior Borges vai dizer que:

[...] [a] autorização em que a competência consiste envolve, na hipótese da


arrecadação tributária, a outorga implícita dos meios necessários a efetiva cobrança
do tributo. Um desses - posto que há outros - é o processo administrativo. A
competência para arrecadar abrange, assim, a efetiva possibilidade de escolha dos
meios idôneos para a concretização da prestação tributária. Noutros termos: na
competência para arrecadar o tributo se contém a competência para disciplinar o
respectivo processo administrativo. (apud SILVA, 2019, p. 97)

Recordemos o que foi observado no item 2.3 desta pesquisa, que o processo
administrativo é a sequência de atos logicamente organizados visando uma decisão final da
Administração Pública. Na seara do Direito Tributário, a decisão final que se busca, via de
regra, é o lançamento tributo ou a extinção do crédito tributário.

João Batista França Silva sustenta que essa noção de lançamento do Código Tributário
Nacional, isto é, que é ele somente definitivo após a decisão final do processo administrativo
34

tributário, serviu de “conceito pr -constitucional” para que a atual Constituição desse sentido
ao termo “lançamento” do art. 146, III, “b”. Defende-se o seguinte:

[...] A Constituição, impossibilitada de conceituar ou definir todas as categorias


jurídicas empregadas ao longo de seu texto, muitas vezes se vale de conceitos
pressupostos ou simplesmente “conceitos pr -constitucionais”, trabalhados pela
dogmática jurídica ou previstos tradicionalmente em leis anteriores. É o que se dá
com o “lançamento”, previsto no já citado artigo 146, III, “b”, por m não definindo
no texto da constituição, que remete, na sua contextura aberta, à denseficação
normativa para lei, no caso, o Código Tributário Nacional. (2019, p. 67)

Conforme dito anteriormente, é certo que a Constituição não fez expressa


diferenciação entre o Direito Tributário material e formal. Mas como o processo é o único
meio pelo qual o Estado aplica o direito material, o qual, na verdade, só é efetivamente
definitivo após o sobredito instrumento (CARNIO, 2014), entendemos que o direito adjetivo
está incluso no art. 24, I, da Constituição, quando esta elenca o “direito tributário”.

Em resumo, ao tratar o art. 24, I, da Constituição, sobre o direito tributário, está-se


abordando não apenas as normas de direito material, mas também formal, isto é, o processo
administrativo tributário, de modo que, inclusive, pode o Poder Legislativo da União elaborar
lei complementar de normas gerais em matéria de processo administrativo tributário, nos
termos do art. 146, III, item “b”.

3.3. O PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR N° 381 DE 2014

O entendimento do item anterior atualmente vem caminhando para se tornar, agora,


hipótese prática no ordenamento jurídico do Brasil, transcendendo a mera teoria exposta nesta
pesquisa, isto através do Projeto de Lei Complementar n° 381 de 2014, de autoria do então
senador Vital do Rêgo.

O projeto de lei visa instituir normas gerais sobre processo administrativo fiscal, no
âmbito das administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios.

Nas justificativas da apresentação de seu projeto, o senador Vital do Rêgo argumenta


que a norma proposta por ele visa disciplinar a garantia constitucional do contraditório e da
ampla defesa no âmbito do processo administrativo fiscal (art. 5º, LV da CRFB). Aduz o
35

proponente que esta lei “[...] visa suprir lacuna, atualmente existente, no que diz respeito à lei
de normas gerais que discipline, no âmbito do direito tributário, o processo administrativo
fiscal (art. 24, I c/c § 1º da CRFB).” (BRASIL, 2013, p. 5). Note-se que o senador faz
remissão ao inciso I do art. 24, ou seja, fazendo referência ao Direito Tributário como a
matéria que permite à União estabelecer normas gerais sobre processo administrativo
tributário, seguindo o raciocínio do que foi exposto no item 3.2 deste trabalho.

Ainda segundo o parlamentar, a realidade atual brasileira quanto às diversas normas


sobre processo administrativo fiscal no âmbito de cada ente tributante, ou seja, União, Distrito
Federal, Estados e Municípios, não decorre da ideia de que as normas que versam sobre essa
matéria são da natureza do Direito Administrativo tal como o processo administrativo geral, e
que por isso, todos os entes políticos poderiam livremente dispor sobre elas em função da
aptidão para a auto-administração e autonomia.

A justificativa dessa realidade atual de multiplicidade de normas sobre o processo


administrativo tributário, segundo o senador, é que pelo fato de a União não ter instituído
normas gerais sobre essa matéria até o presente momento, os demais entes fizeram uso de sua
competência legislativa plena, assegurada pelo §3°, do art. 24, para suprir a omissão da
União, cada qual em seu ambiente de governo.

Tal projeto se funda, conforme argumenta o parlamentar, sobre o Art. 146, inciso III,
da Constituição Federal, que determina reserva de matéria tal à lei complementar, e também
sobre o Art. 24, I e §1° da CF, corroborando para a tese sustentada nesta pesquisa, de que o
processo administrativo tributário é inserto no Direito Tributário, e, consequentemente,
disciplina a ser legislada concorrentemente entre a União, Estados, Distrito Federal e os
Municípios.

Diz o art. 1° do projeto de lei:

O processo administrativo fiscal relativo à exigência de tributos rege-se pelos


princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes, nos termos desta lei complementar e da legislação
pertinente, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios .
(BRASIL, 2014)
É evidente que, seguindo a dinâmica da competência legislativa concorrente, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão (deverão) suplementar as normas gerais
da União. Ponto relevante, em relação aos Municípios, é que aqueles que possuem população
36

de até 500.000 (quinhentos mil) habitantes (na proposta original era de 40.000 pessoas) terão
a faculdade de adotarem ou não as normas gerais da lei complementar (art. 9°).

No art. 2°, a lei garante aos contribuintes os seguintes meios de impugnação: a)


impugnação, com prazo de 30 (trinta) dias; b) recurso voluntário, também com prazo de 30
(trinta) dias; e c) recurso especial, com prazo de 15 (quinze) dias. Com a interposição
tempestiva da impugnação, instaura-se o contencioso administrativo fiscal (art. 3°).

O recurso especial mencionado na lei é cabível quando um órgão colegiado fracionário


de determinado ente administrativo dá interpretação à lei tributária diferentemente de outro
órgão fracionário do mesmo ente público (art. 4°, §1°).

O art. 5° diz que as decisões serão sempre motivadas, e considerar-se-ão definitivas as


decisões de primeira instância que não forem objeto de recurso voluntário, as de segunda
instância que não caibam recurso ou este for interposto intempestivamente, ou as de instância
especial. Aqui cabe lembrar que, enquanto a decisão não for definitiva, o crédito tributário
ficará suspenso, isto é, sem a exigibilidade do pagamento.

O art 6° estabelece que os julgamentos serão baseados no livre convencimento do


julgador monocrático ou colegiado, através do conjunto probatório produzido no processo
administrativo tributário.

Ainda, o projeto de lei também permite a criação de súmulas com efeito vinculantes,
de decisões da instância especial do ente julgador, cuja obrigatoriedade, evidentemente, estará
limitada àquele ente apenas. Ou seja, se a instância especial formula uma súmula de
observância obrigatória, ela apenas vinculará os órgãos daquele município.

Por fim, o art. 10 estabelece um prazo de quatro anos para que a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios com número de habitantes acima de 500.000, ou que tenham
abaixo disso e opte pela aplicação da norma, para que adaptem suas legislações às normas
gerais desta lei.

Este projeto encontra-se na Câmara dos Deputados, tendo sido substituído pela
Comissão de Finanças e Tributação de forma não muito relevante, mantendo-se o núcleo
rígido da proposta do Senado, e seu substituto foi aprovado também pela Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania.
37

Uma vez aprovada esta lei, os efeitos dela seguirão a dinâmica do art. 24 da
Constituição da República. O §4° estabelece que a superveniência de lei federal de normas
gerais suspende a eficácia das normas estaduais, e aqui pode-se estender às normas do Distrito
Federal e dos Municípios, naquilo lhe for contrário.

Como dito acima, o art. 10 determina um prazo de quatro anos para que os entes
federativos adaptem suas legislações à norma federal. Tal adaptação nada mais é senão a
suplementação das normas gerais da União às peculiaridades de cada ente tributante.
38

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sendo certo que a constituição é de fundamental importância para o Estado que adote
a forma federativa, para cumprir sua função, ela deve expressar como o Estado, através dos
entes autônomos que o compõem, exercerá o poder que detém. Para isso, ela deve elencar as
competências atribuídas a cada ente federativo, para que nenhum se sobreponha ao outro e
não atravesse os próprios limites, ferindo os direitos e garantias fundamentais do povo.

Sem essa organização, a existência entre os entes federados jamais seria harmônica e
não haveria segurança jurídica para os cidadãos, pois não se teria restrição para as entidades
federativas sobre qualquer matéria. A Constituição da República Federativa do Brasil resolve
esse problema em seu Título III, que trata da organização do Estado e dos poderes.

Abordando as competências legislativas, mas não fazendo, porém, menção a que ente
federativo é competente para legislar sobre o processo administrativo tributário, instituto
importante para a defesa do cidadão contribuinte, a constituição deixa um desafio para os
estudiosos e demais aplicadores do direito em desvendar qual pessoa política tem
competência para dispor sobre esta matéria.

Por conta dessa interrogação constitucional, União, Estados, Distrito Federal e


Municípios vêm legislando de forma isolada sobre matéria tão relevante. Consequência disso
é a enorme variedade de normas, diversas umas das outras e sem parâmetro, resultando no
árduo trabalho dos operadores do Direito em interpretar e aplicar corretamente cada norma no
caso concreto aplicável. Em vista disso, é de extrema urgência a uniformização do processo
administrativo fiscal no Brasil, sem que isso fira a autonomia constitucionalmente atribuída a
cada um dos entes federativos.

Embora a constituição não tenha feito uso expresso do termo “processo administrativo
fiscal” como mat ria de competência legislativa, por força de seu objeto ser evidentemente a
relação jurídica tributária, isso porque através dele exerce-se o controle dos atos
administrativos na seara tributária, buscando-se uma decisão final do ente tributante quanto à
legalidade ou não da incidência da norma tributária ao caso concreto ou do lançamento, cujas
consequências, neste último caso, são a constituição do crédito tributário, por um lado, ou a
sua extinção, tratando-se o processo não apenas de mera forma, mas de instrumento do
exercício da função estatal, necessário para a construção do ato administrativo final; tem-se
39

que o processo administrativo tributário é matéria inserta no direito tributário, e


consequentemente, prevista na mecânica da competência concorrente, por força do art. 24,
inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil, cabendo à União editar normas
gerais sobre o processo administrativo fiscal, e aos demais entes, suplementá-las.

Isso porque, quando há a impugnação do lançamento tributário, ato inaugural do


processo administrativo tributário, o crédito tributário fica suspenso, e a decisão final
concluirá pela cobrança ou não do tributo, fato este que ainda pertence ao âmbito do Direito
Tributário, o qual tem por fundamento as normas jurídicas que disciplinam a instituição, a
regulamentação, o lançamento e a cobrança de tributos.

Nesta razão, encontra-se em discussão no Congresso Nacional o Projeto de Lei


Complementar n° 381, de 2014 (Câmara dos Deputados), que dispõe sobre normas gerais
sobre processo administrativo fiscal, com fundamento nos arts. 24, inciso I c/c 146, inciso III,
ambos da Constituição, corroborado empiricamente com as considerações finais alcançadas
por esta pesquisa.
40

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6.176/1993 do Estado do Mato Grosso, com as alterações operadas pela Lei nº 6.490/1994.
Fixação, no âmbito estadual, da competência dos juizados especiais cíveis e criminais. Vício
Formal. Procedência da ação. 1. A definição de regras de competência, na medida em que
estabelece limites e organiza a prestação da atividade jurisdicional pelo Estado, é um dos
componentes básicos do ramo processual da ciência jurídica, cuja competência legislativa foi
atribuída, pela Constituição Federal de 1988, privativamente à União (Art. 22, I, CF/88). 2. A
lei estadual, indubitavelmente, ao pretender delimitar as matérias de competência dos juizados
especiais, invadiu esfera reservada da União para legislar sobre direito processual civil e
criminal. A fixação da competência dos juizados especiais cíveis e criminais é matéria
eminentemente processual, de competência privativa da União, não se confundindo com
42

matéria procedimental em matéria processual, essa, sim, de competência concorrente dos


estados-membros. 3. O Supremo Tribunal Federal, por diversas vezes, reafirmou a ocorrência
de vício formal de inconstitucionalidade de normas estaduais que exorbitem da competência
concorrente para legislar sobre procedimento em matéria processual, adentrando aspectos
típicos do processo, como competência, prazos, recursos, provas, entre outros. Precedentes. 4.
Ação julgada procedente. Requerente: Governador do Estado do Mato Grosso. Relator: Min.
Dias Toffoli, 09 de fevereiro de 2015. Disponível em:
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próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque dêles não se originam
direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos
adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. DF: Supremo Tribunal
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