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Entrevista

Alexandre Soares dos Santos: “Eu não quero


ser mais um. Eu quero ser um”
Republicamos a entrevista concedida a 2 de Setembro de 2012 por Alexandre Soares dos Santos,
que morreu esta sexta-feira aos 84 anos, à jornalista Anabela Mota Ribeiro.
Anabela Mota Ribeiro (entrevista)

O que é que deixa aos filhos um homem que tem dois mil milhões de euros? Um exemplo de vida,
diz ele. “O resto é um património que têm de cuidar, para o qual outras pessoas contribuíram. Meu é
aquilo que penso, aquilo de que gosto, aquilo que defendo e que espero que topem.” Alexandre
Soares dos Santos [que morreu esta sexta-feira aos 84 anos] nasceu em 1934. Já viveu muito.
Mas só lhe interessa o dia de amanhã
Recebe-nos no pátio, estende a mão: “Soares dos Santos.” Está disposto a dar a primeira e a última
entrevista com estas características. A contar a sua história. Nunca tinha aberto a casa a um
jornalista, e por razões de segurança não autoriza fotografias dentro de portas. Conversámos o dia
todo. Almoçámos bolinhos de bacalhau e arroz de tomate. Na copa. Sem cerimónias. Quando
terminámos, mostrou um brinquedo. E confessou que não brincava quando era pequeno.
Esta é uma entrevista exclusiva, na sua quinta. Foi mantida a respiração original, assumida a
errância, as repetições. Horas e horas de gravação que permitem conhecer um pouco melhor o
homem mais rico de Portugal.
Seria uma surpresa para os seus pais que se transformasse no homem em que se
transformou?
É a pergunta mais difícil que me podem pôr. O meu pai zangou-se comigo quando abandonei
Direito. Estivemos uns três, quatro anos distantes.
De relações cortadas ou só distantes?
Secas. Comecei a fazer carreira na Unilever. O meu pai descobriu: “Afinal, este tipo vai em frente.”
Ele não se formou em Direito porque teve de formar um irmão. Foi um grande desgosto [ouvir]:
“Boa noite, vou-me embora, vou partir.” Fui para a Alemanha.
A isso chama-se ir à sua vida. Crescer.
Pois. Mas é muito difícil. Tenho filhos de 50 e poucos anos, já. Para mim, são uns miúdos. Tenho
filhos que me telefonam às sete e meia da manhã. A perguntar como é que estou. Se não me
telefonam, não fico preocupado por que não me telefonam. Fico chateado por não me terem
telefonado [riso].
Somos uma família tremendamente unida. Vim a Portugal casar-me, dois dias depois parti. A minha
mulher saiu de uma moradia para um quarto. Eu pagava para tomar banho todos os dias. Isto
reforçou os laços da família. Os muitos filhos, ainda mais.
A Alemanha em que viveu estava a renascer, tinham passado 12 anos sobre o fim da Segunda
Guerra. Como viu o país um rapaz que não estava propriamente habituado a situações de
carência?
Fui daqui para Kleve, uma cidade ao pé da fronteira com a Holanda. Primeira coisa que me chocou:
ver quilómetros e quilómetros e quilómetros de cruzes. E o sentido de austeridade. E o sentido da
poupança. Embora não faltasse nada. Uma vez fui convidado para ir a casa do advogado da
companhia às oito. Jantar? Não havia. Havia uma garrafa de vinho. Não se oferecia nada.
Como eram as pessoas?
Distantes. Vivia num quarto de uma casa de uma senhora. Nunca tive uma conversa com ela. Era
bom dia, boa tarde, acabou.
Houve uma parte interessante, que me deu um conhecimento da vida enorme, enorme, enorme. Ter
trabalhado como operário no turno da noite. Seis semanas. E trabalhei como vendedor cinco meses.
Levantava-me às cinco da manhã e deitava-me às dez, onze. Vendia, entregava e carregava uma
tonelada de margarina por dia. Com os vendedores, aprendi os truques todos.
Por que é que foi tão importante estar na unidade de montagem?
É preciso compreender o que é entrar às onze da noite e estar lá até às seis da manhã. Não está com
os filhos, desconfia da mulher, tem quezílias com os companheiros. No Pingo Doce você tem de
fazer estágio de loja e tem de estar no departamento da carne, do peixe. Senão, amanhã, está
sentado no seu gabinete e não conhece a companhia.
Dou valor à união nacional - “Temos que recuperar a Alemanha.” Partidos políticos, pessoas com
ideologias ou credos diferentes, juntos. Em Portugal, [apesar das] grandes dificuldades, não
conseguimos fazer um governo de união nacional em que sindicatos, empresários, partidos políticos
tenham um programa em que valha a pena pensar: “Vamos fazer isto.”
Por mais severa que seja a nossa crise, não vivemos um pós-guerra. Não é comparável.
Não sei. Na Alemanha do meu tempo, já tinham o plano Marshall em marcha. Tinham a ajuda
americana a Berlim. As fábricas tinham sido reerguidas. O que havia era a perspectiva de recuperar
“o nosso país”. Que, no fundo, é aquilo que a gente tem de fazer. Enquanto estivermos na
bancarrota, estamos dependentes dos credores. Temos de fazer um esforço de aumentar a produção.
Que precisamos de investimento, todos sabemos. Mas onde é que está o dinheiro? Quem é que nos
empresta? Ninguém. Estourámo-lo.
Na Alemanha acompanhei muito o chanceler [Konrad] Adenauer. Quando caí em Kleve, ele andava
em campanha eleitoral para a CDU. Ele e o [Ludwig] Erhard, o famoso ministro da Economia
alemão. (Dois colegas meus eram cristãos-democratas. Foi uma surpresa, não estava habituado a
partidos políticos. Um tipo de 22 anos que vive bem está-se nas tintas para o resto. Não se falava de
política neste país.) Aos fins-de-semana, pimba, lá estava eu nos comícios. Não dizia: “O dia de
amanhã vai ser melhor.” Dizia: “O dia de amanhã vai ser melhor se.” Se tu fizeres isto, se tu fizeres
aquilo.
Apesar da secura que reconheceu nas pessoas, viu nelas uma união e um sentido de
solidariedade?
É muito estranho: nunca percebi isso. O meu chefe directo era filho único. Morava na mesma rua
que a mãe. Primeira pergunta que me fiz: “Por que é que não vive com a mãe?” E depois: “Por que
é que só vai ver a mãe uma vez por semana?” Hoje tenho um grande amigo alemão que tem dois
filhos: raramente se vêem. No outro dia fez 50 anos de casado. A minha mulher e eu fomos os
únicos convidados. Os filhos não estavam! Eu, quando fiz os meus 50 anos de casado, se algum dos
meus filhos não estivesse era o fim da picada.
Retomo a pergunta inicial: o seu pai podia supor o quanto cresceria na sua vida?
Vou responder-lhe assim: sou católico, crente, praticante, e gostava, se na realidade houver alguma
coisa para lá, de encontrar o meu pai e ter umas conversas com ele. Não só ajustar contas, como
relatar. [gargalhada] Sabe que discuto muito com ele, ainda hoje.
O quê?
Há coisas que não pode discutir com a mulher, nem com os filhos, nem com os colegas. Tem de
tomar uma decisão, pensar nos argumentos. Discuto comigo em voz alta! Portanto, refugio-me no
meu pai.
Discute consigo como se estivesse a discutir com ele?
Como se estivesse a discutir com ele. Não calcula o problema que é a solidão. Por exemplo, no 25
de Abril, [nas discussões com] as comissões de trabalhadores, que já existiam na Fima Lever
(aprendi o que eram na Alemanha; era - sou! - um grande defensor; não gosto de sindicatos, gosto
de comissões de trabalhadores), muitas vezes tinha de tomar decisões e não tinha dois minutos.
Havia um caderno reivindicativo, estavam 12 pessoas na minha frente e [a decisão] tinha de ser ali.
Éramos 2500 na parte industrial. Uma decisão errada ia afectar todos. E descobre que está só.
Como é que decide? Apoia-se na sua intuição depois dessa discussão consigo mesmo, depois de
ouvir pessoas?
Se tenho de decidir muito rápido, decido muito rápido. Senão, gosto de ir formulando diversas
hipóteses; e, normalmente, quando me levanto de manhã tomo a decisão. As grandes decisões da
minha vida tomei-as de manhã. Seis e meia, sete horas da manhã.
Se conhece bem o negócio (como nós conhecemos o Jerónimo Martins [JM]) a tomada de decisão é
muito mais fácil. É muito importante saber quem são as pessoas. Quando vêm falar consigo, sabe
quem está a falar consigo. E não se pergunta: “O que é que este tipo vem cá dizer?” Em Portugal, os
conselhos de administração não conhecem as empresas. Vou dar-lhe um exemplo: a Ikea quando
convida para administrador não-executivo uma pessoa, ela tem de estar dois dias numa loja, na
caixa. Se eu convidar um elemento português para ficar dois dias na caixa de um supermercado, não
encontro um.
Por que é que se dispôs a ir para o turno da noite? E por que é que acha que em Portugal não
existe a predisposição para conhecer os diferentes momentos do negócio?
Neste país ainda há muito a ideia do patrão. O patrão é que decide. O patrão é que faz.
É uma sociedade muito hierarquizada?
Hierarquizada é a Alemanha. Não sei como é hoje; no meu tempo era step by step. O que havia era
a ideia da empresa, do grupo. E não a ideia do patrão. Mesmo em empresas familiares.
A empresa não é minha. É das pessoas que lá trabalham, que têm o direito de saber que caminho a
empresa leva. E o accionista tem de perceber o que é ser accionista. Tem direito a dividendos, tem
direito a ser informado. Não tem o direito de interferir. Só interfere na medida em que nomeia um
conselho de administração em assembleia geral. A partir daí, pede contas. Não gosta, põe na rua.
Outra coisa: têm de ser profissionais, de família ou não, mas competentes.
Guardo o tópico da empresa familiar para mais tarde. Gostava de retomar outro: foi aos 22
anos para uma situação diferente daquela que conhecia. Mas tinha dinheiro.
Vivia bem. O meu avô tinha dinheiro. O meu pai vivia muito bem, mas estava longe de ser rico. E
eu não queria viver à custa do pai. Fui falar com a Unilever, que sabia quem nós éramos.
Entrevistaram-me na sede, em Roterdão, fizeram-me testes, disseram: “Entra.” Fui procurar a minha
vida. Gostei da vida internacional e nunca pensei voltar a Portugal.
Esteve na Alemanha, Irlanda, França, Brasil. Falava línguas?
Inglês e alemão. Aprendi enquanto estudante. Os meus pais tinham-me mandado lá para fora.
Fale-me do que está para trás. Nada sei da sua infância.
Foi exactamente igual à de qualquer criança. Nasci no Porto e vim para Lisboa com um ano.
Frequentei a escola primária no Colégio Académico dos Anjos, depois fui para o Porto [como]
interno fazer o liceu.
Como era, nos anos 40, o ambiente de um colégio interno de padres?
Encontrei um ambiente estupendo. Era frequentado por rapazes de Trás-os-Montes, principalmente,
e do Minho (da parte dos lanifícios, de Guimarães, Trofa). O meu colega de carteira era o Francisco
Sá Carneiro. Eu passava os fins-de-semana em casa de um dos tios do Francisco, dentista, amigo
dos meus pais.
No quinto ano, tive grandes notas e regressei a Lisboa. Fui para o D. João de Castro.
Vinha a casa quantas vezes por ano?
Vinha no Natal e na Páscoa. De comboio, no rápido das seis e dez do Porto, que chegava à meia-
noite a Lisboa. Creio que de vez em quando a minha mãe me ia visitar, mas não tenho ideia de que
me fosse visitar muitas vezes.
Escreviam cartas?
Sim. No outro dia, a minha mulher estava a arrumar umas coisas e descobriu uma carta minha para
o meu avô. Contava que estava bem, que os estudos iam bem. Tive um director, o padre Avelino
Soares, um homem de grande craveira intelectual e moral, que me tornou disciplinado. Eu não era
rebelde no sentido de me portar mal. Não aceitava as coisas sem explicação. Ainda hoje não aceito.
Esse padre ensinou-me a aceitar a opinião dos outros e a organizar a minha vida. Tenho um filho
que não é muito diferente disto que eu era.
O Pedro?
O Pedro. [riso] Somos muito pouco diferentes. Vim para Lisboa, entrei na faculdade, tinha muito
boas notas. E depois tudo mudou.
O colégio foi importante para a sua religiosidade?
Não. O colégio não forçava nada, só tínhamos missa ao domingo. Íamos de manhã e à tarde à
capela. Não era obrigatório confessarmo-nos. E nunca vi essas cenas de que hoje se fala, da
homossexualidade. Havia um prefeito que dormia no dormitório, e havia as partidas normais (tirar o
colchão, ter umas coisas na cama).
O que é que lhe deu essa dimensão religiosa?
Sou filho de uma senhora muito religiosa. Na vida há várias fases. Na fase do Brasil, a preocupação
principal era fazer uma carreira, ser alguém na vida e educar os filhos. Para fazer carreira na
Unilever, tinha de dar o máximo. A religião passou para segundo lugar. Outra fase: a preocupação já
não era tanto o negócio, e reencontro a religião.
O que é que o fez ambicioso?
Boa pergunta. Na parte do Brasil, queria ter qualidade de vida e ser independente. “Eu não quero ser
mais um. Eu quero ser um.” Era isto que me movia.
Quando vim para o JM, [encontrei] uma empresa pouco conhecida, mas muito importante. Tinha
um investimento extraordinário na indústria. E era o maior armazenista do país. Não eram as lojas
da Rua Garrett que eram importantes. Não tinha jovens. Porquê? O meu avô tinha como política dar
emprego a pessoas que quisessem estudar; pagava os estudos. Tínhamos uma série de pessoas que
tinham o curso comercial, que estavam cansadas (muitos começaram a trabalhar com 14 anos), e
que não sabiam mais do que aquilo. O mundo estava a mudar rapidamente com o desenvolvimento
da EFTA. O problema que se pôs: isto é para vender e dividir ou é para crescer?
Explique-me a natureza da sua opção.
Se tenho um avô que aos dez anos abandonou a aldeia [na Beira] para ir trabalhar [para o Porto], o
que nos deu um conforto brutal toda a vida, não tenho o direito de vender. Tenho é que o
homenagear e agradecer o que nos deixou, e fazer crescer.
Muitas vezes, a terceira geração é uma geração fracassada. Consigo aconteceu o oposto.
Ampliou o que recebeu. Insisto: o que é que o fez querer ser um?
É a personalidade do indivíduo. Você, se calhar, não vai acreditar nisto: não ligo nenhuma ao
dinheiro. Gosto do dinheiro para viver bem. Mas, se julga que perco cinco minutos a tratar dos
meus investimentos particulares, está enganada. Entreguei isso aos meus filhos. Só me interessam
duas coisas: dois anos de reserva no banquinho [para o caso] de me querer demitir. Disse à minha
mulher quando casámos: “Quero ser comprado, não quero estar à venda.” Desde o primeiro dia em
que comecei a trabalhar, poupei. Comprei um carro muito mais tarde. O meu pai nunca me deu
carro nenhum. Esse dinheirinho de lado ainda mantenho. De resto, o dinheiro fez-se para criar
emprego, modernizar o país, dar melhor qualidade de vida a todos os que trabalham [connosco]. Daí
a Fundação [Francisco Manuel dos Santos, FFMS].
Os seus pais eram primos entre si. Eram os escolhidos do seu avô. A sua mãe era uma filha
dilecta, o seu pai acabou por se transformar, aos olhos dele, numa espécie de filho?
Não. Dava-lhe um tratamento especial, muito superior ao que dava aos filhos. Se o meu avô
soubesse que o meu pai não tinha carro, ia deixar-lho à porta de manhã. Levava-me para todo o
lado. [A minha irmã e eu] éramos praticamente os únicos netos que iam com ele. O meu pai tinha
1,8% do JM antigo: foi o meu avô que lho deu. Não vi até hoje um documento que dissesse que o
meu pai tinha comprado a quota. O meu pai era um tipo de muita categoria.
Fale-me dele.
Durante anos e anos e anos não o conheci. A primeira impressão era a de que era um tipo longínquo,
agreste, pedante (fumava charuto). Mas depois de o conhecer era um homem profundamente
humano. Se tomarmos o aspecto sexual de um miúdo de 14 anos: não era o pai que falava com o
filho.
(...)
Teve amigos ricos e pobres?
Dou-me com todo o mundo. Ainda ontem fez anos um rapaz que foi director de compras de uma
loja; telefonei-lhe e estivemos a falar meia hora. Se me dou com a classe alta? Não.
A quem é que chama amigo?
Só tenho um. É do meu tempo do liceu. Tenho tido conversas sérias com aquela senhora [aponta
para a directora de comunicação] sobre o modo como vemos o mundo daqui a dez anos. São
conversas que não tenho com outras pessoas cá fora, porque fico a falar com o maneta. A minha
preocupação, a minha responsabilidade como presidente do JM não é ocupar-me do dia-a-dia ou do
curto prazo. É ocupar-me do longo prazo. E perguntar-me: que empresa? (Você e eu, que somos de
gerações diferentes, tivemos um dia seguinte sempre melhor do que o anterior, tirando coisas
pequeninas que não interessam. Hoje, o dia seguinte é mais preocupante e talvez menos bom do que
o anterior.) Para onde crescer? Agora, a Colômbia, que passa a ser responsabilidade do presidente-
executivo. Ele é que tem de fazer do lançamento na Colômbia um sucesso. Eu tive de lhe dizer: é
para ali.
O seu papel, mais do que tudo...
[peremptório] Estratégia e recursos humanos. Vão ter de ser os novos a responder pelo JM. Eu vou
responder pela família. Há uma nítida separação entre JM e Sociedade Francisco Manuel dos
Santos.
É impressionante que o meu avô, aos 30 anos, tenha escrito no diário: “Já tenho os primeiros mil
contos.” Mil contos, naquela época!
Para mim, é impressionante que escrevesse um diário. Pouco tinha estudado, começou a trabalhar
aos dez anos.
[a mulher, na altura presente, intervém] Era um livrinho deste tamanho, que a minha sogra me
confiou. “Nasceu o meu filho tal. Devo uma promessa de cem escudos a Nossa Senhora.”
[Novamente Soares dos Santos] Era a vida dele que ali punha. O meu pai deixou escrito o seguinte:
“Garanto sob palavra de honra que só tenho dois filhos: fulano e sicrano.” [riso]
Tem diário?
Eu? É o jornal do dia. [gargalhada] Não, não tenho necessidade. Não ligo nenhuma ao passado. Só
me interessa o dia de amanhã.
Disse que tinha umas contas a acertar com o seu pai e umas coisas para narrar. Pode voltar a
este assunto?
O que eu gostava de discutir com ele: sendo ele um homem que teve a iniciativa da Unilever e de
montar a fábrica de margarina, por que é que deixou morrer o JM? Nitidamente, a certa altura da
sua vida fez a opção da indústria; e deixou cair o outro [ramo]. Não entendo.
Pode ter sido uma opção estratégica errada?
A JM era constituída por duas famílias: a Santos e a Vale. Que se davam muitíssimo bem, mas que
tinham perspectivas de vida diferentes. A minha interpretação é a de que ele não esteve para lutar
com a família [Vale]. E foi para a indústria com a Unilever. Jerónimo Martins?, deixa andar. Isso
explica [a razão pela qual] acabei por adquirir a posição da família Vale. A minha família era mais
empreendedora, a família Vale era muito conservadora. Herdei do avô e do pai o espírito
empreendedor.
E conflituoso se for preciso?
Conflituoso, também. Topo o conflito a sério. E topei, no JM. Encostei tios. Se tem um rumo, e está
a ser honesto ao traçar esse objectivo, tem de o cumprir. Entrei na distribuição para ter um
contrapoder à Unilever. “Se tu tens a parte da inovação, eu tenho a parte da venda.” A Unilever, que
era 60 ou 65% da JM, hoje é 4 ou 5%. E assim nasceu um grupo de distribuição. Desenvolveu-se,
onde vai parar, não sei. Depende da situação mundial e dos jovens. (Todos os meus filhos passaram
pelo IMD para fazer o Family Business Network. E vão recomeçar nos Estados Unidos em Março
do ano que vem.)

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