CALÇADA DE CARRICHE Chegou a casa galga o passeio,
não disse nada. desce o passeio,
Pegou na filha, desce a calçada, deu-lhe a mamada; chega à oficina bebeu a sopa à hora marcada, Luísa sobe, sobe a calçada, numa golada; puxa que puxa, sobe e não pode que vai cansada. lavou a loiça, larga que larga, Sobe, Luísa, Luísa, sobe, varreu a escada; puxa que puxa, sobe que sobe, sobe a calçada. deu jeito à casa larga que larga, Saiu de casa desarranjada; puxa que puxa, de madrugada; coseu a roupa larga que larga, regressa a casa já remendada; toca a sineta é já noite fechada. despiu-se à pressa, na hora aprazada, Na mão grosseira, desinteressada; corre à cantina, de pele queimada, caiu na cama volta à toada, leva a lancheira de uma assentada; puxa que puxa, desengonçada. chegou o homem, larga que larga, Anda, Luísa, Luísa, sobe, viu-a deitada puxa que puxa, sobe que sobe, sobe a calçada. serviu-se dela, larga que larga, não deu por nada. puxa que puxa, Luísa é nova, Anda, Luísa. Luísa, sobe, larga que larga, desenxovalhada, sobe que sobe, Regressa a casa tem perna gorda, sobe a calçada. é já noite fechada. bem torneada. Na manhã débil, Luísa arqueja Ferve-lhe o sangue sem alvorada pela calçada. de afogueada; salta da cama Anda, Luísa, Luísa, sobe, saltam-lhe os peitos desembestada; sobe que sobe, sobe a calçada, na caminhada. puxa da filha, Anda, Luísa, Luísa, sobe, Anda, Luísa. Luísa, sobe, dá-lhe a mamada; sobe que sobe, sobe que sobe, sobe a calçada. veste-se à pressa, sobe a calçada. Passam magalas, desengonçada; rapaziada, anda, ciranda, palpam-lhe as coxas desaustinada; não dá por nada. range o soalho Anda, Luísa, Luísa, sobe, a cada passada, ANTÓNIO GEDEÃO sobe que sobe, sobe a calçada. salta para a rua, corre açodada, LUÍS, O POETA SALVA A NADO O POEMA há-de salvar. se há-de molhar. Nada que nada Estas palavras Era uma vez sempre a nadar vão alegrar um português livro perdido a minha gente de Portugal. no alto mar. de um só pensar. O nome Luís _ Mar ignorante À nossa terra há-de bastar que queres roubar? irão parar toda a nação A minha vida lá toda a gente ouviu falar. ou este cantar? há-de gostar. Estala a guerra A vida é minha Só uma coisa e Portugal ta posso dar vão olvidar chama Luís mas este livro o seu autor para embarcar. há-de ficar. aqui a nadar. Na guerra andou Estas palavras É fado nosso a guerrear hão-de durar é nacional e perde um olho por minha vida não há portugueses por Portugal. quero jurar. há Portugal. Livre da morte Tira-me as forças Saudades tenho pôs-se a contar podes matar mil e sem par o que sabia a minha alma saudade é vida de Portugal. sabe voar. Dias e dias Sou português sem se lograr. grande pensar de Portugal A minha vida juntou Luís depois de morto vai acabar a recordar. não vou mudar. mas estes versos Ficou um livro Sou português hão-de gravar. ao terminar. de Portugal O livro é este muito importante acaba a vida é este o canto para estudar: e sigo igual. assim se pensa Ia num barco em Portugal. ia no mar Meu corpo é Terra Depois de pronto e a tormenta de Portugal faltava dar vá d'estalar. e morto é ilha a minha vida Mais do que a vida no alto mar. para o salvar. há-de guardar Há portugueses o barco a pique a navegar por sobre as ondas Luís a nadar. me hão-de achar. Fora da água A vida morta Almada Negreiros um braço no ar aqui a boiar na mão o livro mas não o livro