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SUPLE

MENTO
LITE
RÁRIO
Florianópolis, SC – Junho/2023 – No 165 – Edições A ILHA – Ano 43

A NOVA
LITERATURA PORTUGUESA

ANTOLOGIA
AÇORIANO-CATARINENSE
ESCRITORES
PORTUGUESES
CONTEMPORÂNEOS

A ORIGEM
DA LITERATURA
PORTUGUESA

JOSÉ LUÍS PEIXOTO:


VOLTA AO MUNDO

DULCE RODRIGUES
NA FEIRA DO LIVRO
DE LISBOA
Portal A ILHA: http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br
Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

MEU
CORAÇÃO
E EU
Luiz Carlos
LUZBOA
Amorim Luiz Carlos Amorim

Meu coração, Lisboa, de tanta luz,


pejado de saudades, Luzboa, com sua luz única,
está de malas prontas, que adentra meus olhos míopes
de mudança e os enchem de beleza.
para as terras Lisboa, o Tejo que te banha,
d'além mar: também te ilumina, apaixonado,
Portugal, amada, e te confere essa luz sem igual.
da língua líquida e fluida, Não espalhe,
sonora e musical, minha querida Lisboa,
a única que tem mas és minha prisioneira:
a palavra saudade. acomodei toda a tua luz boa
Vou encontrar e toda a tua beleza
meu coração lá, dentro dos meus olhos míopes
mais tarde, e do meu coração antigo
à beira do Tejo, e nunca mais vou te libertar.
sob a luz sem igual Nem quando eu me quedar
de Lisboa, ao pé de ti
no esplendor do Douro nem quando me aninhar
ou à beira do Sado... no teu regaço...

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

SUPLE
MENTO
LITE
RÁRIO

EDITORIAL
INTEGRAÇÃO LUSO-BRASILEIRA
A redação das Edições A ILHA está sediada em Lisboa, este ano. Co-
mo as revistas do Grupo Literário A ILHA já publicavam e publicam
autores portugueses, contemporâneos como José Luis Peixoto e clás-
sicos como Pessoa, decidimos tentar aumentar a integração entre es-
critores brasileiros e portugueses, abrindo um espaço maior para a
literatura portuguesa. Esta edição de junho da revista SUPLEMENTO
LITERÁRIO A ILHA, quando o Grupo e a revista completam 43 anos de
trajetória, de existência e resistência divulgando a literatura brasileira e
de outros países, é especial exclusivamente com escritores portugue-
ses e de alguns outros países da lusofonia.
Aqueles que já frequentavam as nossas páginas estão, é claro, presen-
tes, como era de se esperar, e novos escritores de regiões diferentes
de Portugal chegaram para ocupar as páginas do nosso Suplemento
Literário A ILHA. Autores consagrados de países como Moçambique e
Angola, como é o caso de Mia Couto e Agualusa estão presentes, as-
sim como o já citado José Luis Peixoto, português forte na literatura de
seu país. E Dulce Rodrigues, outro nome forte da literatura infanto-juve-
nil portuguesa, de sucesso internacional. Também Nicolau dos Santos,
Rita Pea, Georgina Caçador. Outros escritores que estrearão na nossa
revista, consagrados: Afonso Cruz, Gonçalo M. Tavares, João Tordo,
Pedro Chagas Freitas. Walter Hugo Mãe já passeou por aqui. Dos no-
vos, Adélio Amaro, Rosário Pereira, Carlos Cardoso Luís, Jorge Vicente
e outros. E os clássicos da literatura portuguesa, que não podiam faltar:
Camões, Saramago, Pessoa, Miguel Torga, Florbela Espanca.
Uma edição para que os leitores portugueses se sintam em casa, lendo
seus escritores, novos ou não e para os brasileiros conhecerem mais
autores portugueses através da nossa revista.
O Editor

EXPEDIENTE

SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA – Edição 165 – Junho/2023 – Ano 43


Edições A ILHA – Contato: lcaescritor@gmail.com e revisaolca@gmail.com
A ILHA na Internet: Portal PROSA, POESIA & CIA.:
http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br

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VOLTA AO MUNDO

O escritor português José Luís Peixoto tem viajado muito, nos últi-
mos anos, não só pelo simples prazer de viajar e descobrir o mun-
do, mas para divulgar a literatura portuguesa. Transcrevemos aqui
textos do próprio escritor, sobre viagens e sobre o começo da sua
maratona, para que tenhamos uma ideia da sua volta ao mundo,
que não chegou ao fim, ela continuará nos próximos anos.

evolução acelerada das por multidões


e, do ponto de vista de bicicletas teste-
do visitante, garan- munhou um tempo
tem -nos que es sa que provavelmente
mudança será segu- não voltará a acon-
ramente para pior. tecer; mas também
VIAJAR É Mas não é verdade é verdade que, se
VIVER que todos os luga- não voltou à China,
José Luís Peixoto res do mundo estão desconhece a atual
Com boas inten- em constante trans- cidade de Pequim.
ç õ e s , av i s a m - n o s formação? Será que Os imensos engar-
que temos de ir o precisamos de nos r afa m e n t o s q u e a
mais depressa pos- apressar para ir o congestionam, e
sível. Tens de ir a mais depressa pos- que são a realida-
Cuba antes que sível a todos eles? de quotidiana des-
m orra o Fi del, di - Não creio que essa te tempo, haveriam
zem-nos. Dizem-nos opção seja viável. de surpreender esse
também: tens de ir Quem conheceu as visitante de outras
ao M ya nmar ra p i - largas avenidas de épocas. O mesmo
damente, antes que Pequim atravessa- raciocínio, com ou-
abra; daqui a pou-
cos anos, será ape-
nas mais um país
no Sudeste Asiático.
Não faltariam outros
exemplos. São mui-
tos os países e cida-
des onde se tem de
ir o mais depressa
possível. Estão em
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ideal será que en-


c o nt rem o s ra zõ es
que não sejam ape-
nas efémeras. Via-
jar é uma decisão
que toca em tudo o
que constitui a vida.
Viajar é um sinóni-
tros det alhes, s e - duas foram mudan- mo direto de viver.
ria fácil de construir do (evoluindo?) em Talvez seja por is-
em relação a outras simultâneo. so que vale a pena
cidades de outros Se isso nos der pra- procurar razões pa-
continentes. zer, p o dem os ir o ra lá do tempo, que
É assim o mundo e mais depressa pos- façam sentido ago-
é assim o tempo: ser sível, mas não te- ra e no futuro, que já
algo e, logo depois, mos de ir o mais faziam sentido antes
ser outra coisa qual- depressa possível do instante em que,
quer. Heráclito já o se isso nos trouxer por fim, as reconhe-
sabia há mais de ans ie dade. É c er- cemos. Não vale a
2500 anos. E, mes- to que, em qualquer pena ter pressa de
mo dando-se o caso circunstância, o lu- viajar e, no entan-
impossível de algum gar que vamos vi- to, também faz falta
espaço ter permane- sitar estará sempre uma certa dose de
cido intocado, have- num momento único urgência, exatamen-
ria sempre de contar da sua história. O in- te como viver. Assim
com a nossa própria teresse que formos mesmo, parado-
mudança. Os nos- capazes de lhe atri- xal. Procurar razões
sos olhos não veem buir é relativo, sub- que rejeitem o que
como antes, a nos- jetivo, depende em é apenas eféme-
sa pele não sente grande medida de ro, mesmo sabendo
como antes, toda a nós próprios. que, no fim de todas
nossa sensibilida- Agora, estamos as contas, apenas
de mudou e toda a a q ui. Se t i ve r m o s existem razões efé-
nossa forma de pen- a intenção de ir lá, meras, apenas exis-
sar mudou. Não sei Cuba, Myanmar ou te o efémero.
qual se transformou qualquer outro pon- Aquilo que muda é
primeiro, não sei se to deste planeta que aquilo que pas sa ,
uma mudou por cau- gira em torno do um c a m i n h o, uma
sa da outra ou as seu próprio eixo, o viagem.
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Neste ano de quaren- a temperatura. No


FOME DE tenas e confinamen- ecrã, fica apenas o
VIAGENS tos, fui descobrindo azul-turquesa, a di-
José Luís Peixoto formas de lidar com m e n s ã o e s t é t i c a ,
esta falta. Todas são falta o sol tórrido e
imperfeitas, nenhu- alguns inc ómodos
ma delas substitui a imprevistos que tam-
liberdade e a expe- bém fazem parte de
riência de estar lá, estar lá. Ainda as-
nenhuma delas ofe- sim, seja qual for o
rece o mesmo infini- destino, um dos pio-
to de possibilidades. res defeitos de mui-
Ainda assim, parece- tos vídeos é o cliché.
-me que vale a pena Não há nada mais
2020. Para mim, os partilhá-las. contrário à experiên-
primeiros meses da cia de viagem do
1. VÍDEOS NA
pandemia foram o que o banal, a idea-
INTERNET
c ho que, a tentati - lização estereotipa-
va de apreensão de Já se sabe que fal- da. A internet está
uma realidade radi- tam muitos sentidos cheia de pores do
calmente nova, a ne- ao audiovisual. Um sol, cocktails e ima-
cessidade de lidar d os elementos de gens de drone. Pre-
com um quotidiano que sinto mais falta firo outras opções.
inédito. Depois, o ve- quando vejo vídeos Uma alternativa são
rão foi encher o pei- de praias paradisía- os vídeos de alta-de-
to de ar, trouxe-me o cas, por exemplo, é finição com pessoas
desfrutar de peque-
nos prazeres funda-
mentais que, antes,
existiam sem nome.
Em todos esses me-
ses senti falta das
viagens, não apenas
das que tinha mar-
cado e foram cance-
ladas, mas também
das viagens com que
sonho constante-
mente. Avenida Niévski, em São Petersburgo

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nhais ou de um stand
de automóveis usa-
dos em Quar teira.
Em concreto, acon-
selho a aplicação (e
site) Radio Garden,
que permite girar o
Globo e selecionar
um dos milhares de
pontinhos dispersos
p el os mapa s, que
Sidi Ifni, Marrocos correspondem a uma
rádio desse local.
a caminhar pelas entre muitas outras Experimentem.
ruas de diversas ci- possibilidades. Fico
3. INSTAGRAM E
dades. Apenas isso. a olhar para pessoas
OUTRAS REDES
Quando tenho sau- que não imaginam SOCIAIS
dades de Manhattan, estar a ser vistas em
por exemplo, entro Portugal. A urgência da do-
no youtube e faço pamina não permite
2. RÁDIOS
uma busca por: ma- grandes travessias.
nhattan street walk. Também através da Seguir contas liga-
Escolho Soho ou up- internet, as rádios das a viagens nas
town, escolho dia ou proporcionam uma redes sociais é so-
noite, e lá inicio o curiosa experiência bretudo uma forma
meu passeio virtual. de evasão. Há a faci- de recordar sonhos
Se tiver vontade de lidade de ouvir rádios bons e, assim, aju-
passar pela Times de ilhas do Pacífico, dar-nos a sonhar um
Square, vou às câ- de países com idio- pouco mais. Mesmo
maras em tempo real mas que desconhe- que grande parte da
e fico a saber que ço, mas nem sempre oferta seja os tais cli-
horas são, se está é preciso ir tão longe. chés, ajudar os ou-
a chover, quem an- Enquanto cumpro as tros a sonhar é uma
da por lá. O mesmo minhas tarefas do- tarefa meritória, com
acontece com o cru- mésticas, pode ser muito valor.
zamento de Shibu- bastante exótico es-
4. LER E
ya, em Tóquio, com tar a ouvir o anún-
ESCREVER
a Avenida Niévski, cio dos preços de um
em São Petersburgo, minimercado em Vi- Ler esta mesma re-
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vista, por exemplo, Quando nos falam mos que ainda estão
mas também livros. de um lugar específi- lá, ficaram gravados.
Neste caso, devido co, mesmo que nun- Estas são as minhas
à natureza da expe- ca tenhamos estado tentativas. No entan-
riência não preciso lá, usamos as nos- to, com frequência,
de atualidade. Se es- sas referências pa- tudo isto me faz pen-
tiver a ler sobre uma ra interpretá-lo, para sar ainda mais nos
v i a g e m n o s é c ul o fazê-lo viver em nós. lugares onde quero
XVIII, não me sinto Esse recurso é muito voltar assim que pu-
menos transpor ta- evidente na escrita. der.
do do que se estiver Neste tempo, escre-
MARROCOS
perante a descrição ver sobre viagens é
de uma viagem fei- uma forma potente Vo l t a r a M e k n é s ,
ta na semana pas- de viajar, os estímu- a Fez, ao Atlas, a
sada. Creio que este los são convocados Ouarzazate, a Es-
meio, as palavras, aos sentidos e, afi- saouira, como quan-
tem uma ligação di- nal, pela força da do tinha vinte e
reta com a memória. memória, percebe- poucos anos e, com
os meus amigos, ar-
ranjávamos maneira
de chegar a Algeci-
ras, apanhar o barco,
alugar um carro em
Tanger e lançarmo-
-nos por esse país
enorme. Os burros
na berma da estra-
da, os sinais de stop
em árabe, as briga-
das de Polícia a fis-
calizar a velocidade.
Quando puder, que-
ro atravessar cente-
nas de quilómetros,
comer tagine, beber
chá de menta ao fim
Macau é "ser levado pela multidão, entre fragmentos de cantonês e o
cheiro de lulas secas espetadas num palito, folhas de carne de porco
da tarde e regressar
caramelizada, caixas de bolachinhas para acompanhar o chá" (Foto: a Sidi Ifni, onde já fui
José Luís Peixoto)
muito feliz.
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ÁFRICA DO SUL
Voltar a Joanesbur-
go pela quarta vez,
aperceber-me de co-
mo esta cidade tem
evoluído, de como
as pessoas são cada
vez mais livres de-
pois de uma história
tão sacrificada. Vol-
tar também a Dur-
ban, recordo aquela
frente marítima, cho- nês e o cheiro de lu-
via tanto quando lá MACAU las secas espetadas
estive, c om o será num palito, folhas de
com sol? Voltar a en- Voltar a Macau, estar carne de porco ca-
contrar os madeiren- no centro do Largo ramelizada, caixas
ses que vivem em do Leal Senado, girar de bolachinhas para
Durban, será que sobre o meu próprio acompanhar o chá.
ainda se lembram de eixo, como o planeta, E voltar ao Mercado
mim? Quando puder, e agradecer por estar Vermelho, voltar ao
quero sentir de novo novamente lá. Voltar Jardim Lou Lim Leoc,
o cheiro dessa terra, a sentir o empedra- ao Jardim da Flora,
os churrascos infini- do debaixo dos pés e subir outra vez ao Fa-
tos e, por fim, hei de seguir caminho, pas- rol da Guia e ver tudo
conhecer a Cidade sar pela Igreja de São lá de cima, sabendo
do Cabo, compará-la Domingos, ser levado que tenho todo aque-
com todas as descri- pela multidão, entre le mundo ali, à espera
ções que já escutei. fragmentos de canto- de ser redescoberto.
José Luís Peixoto nasceu em Galveias, em 1974. Em 2001ganhou o Prémio
Literário José Saramago pelo romance Nenhum Olhar. Em 2007, Cemitério de
Pianos recebeu o Prémio Cálamo Otra Mirada, destinado ao melhor romance
estrangeiro publicado em Espanha. Com Livro, venceu o prémio Libro d’Europa,
atribuído em Itália ao melhor romance europeu de 2012. Em 2016, com Galveias,
recebeu no Brasil o Prémio Oceanos para a melhor obra literária em língua por-
tuguesa do ano anterior. Na poesia, Gaveta de Papéis recebeu o Prémio Daniel
Faria e A Criança em Ruínas recebeu o Prémio da Sociedade Portuguesa de Au-
tores. Em 2012, publicou Dentro do Segredo – Uma viagem na Coreia do Norte,
a sua primeira incursão na literatura de viagens. Os seus romances estão tra-
.duzidos em mais de trinta idiomas

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O HABITANTE
(ao meu pai)

Mia Couto

Se partiste, não sei. morrer,


Porque estás, como se nos estivesse
tanto quanto sempre estiveste. ensinando
um outro modo de viver.
Essa tua,
tão nossa, presença Se o passo é tão celeste,
enche de sombra a casa, a viagem não conta,
como se criasse, senão pelo poema que nos
veste.
dentro de nós,
uma outra casa.
Os lugares que buscaste
não têm geografia.
No silêncio distraído
de uma varanda
São vozes, são fontes,
que foi o teu único castelo,
rios sem vontade de mar,
ecoam ainda os teus passos,
tempo que escapa da
feitos não para caminhar, eternidade.
mas para acariciar o chão.
Moras dentro,
Nessa varanda te sentas, sem deus nem adeus.
nesse tão delicado modo de

Mia Couto é um escritor, poeta e


jornalista moçambicano. Foi eleito
para a Academia Brasileira de Le-
tras para a cadeira n.º 5. Nasceu na
cidade da Beira, em Moçambique,
África, no dia 5 de julho de 1955.
É um dos autores estrangeiros mais
vendidos em Portugal. Recebeu inú-
meros prêmios nacionais e inter-
nacionais: Prêmio Virgílio Ferreira
(1999, pelo conjunto da obra), Prê-
Mia Couto e Luiz Carlos Amorim em um sarau da
mio União Latina de Literaturas Ro- Rua das Pretas no Museu Arqueológico do Carmo.
mânicas (2007), Prêmio Camões
(2013).

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A NOVA LITERATURA PORTUGUESA


GABRIELA SILVA - Doutora em Letras

A literatura portugue- como nação e arte. portuguesa perpas-


sa tem contribuído Se g un d o Ed ua r d o sou diversas épocas
de forma significativa Lourenço, “Quer pa- históricas e tornou-
na leitura do mundo ra o indivíduo, quer -se uma característi-
em todas as épocas, para o grupo, quer ca intrínseca de seus
colocando-se como para uma nação, a textos, quer poéti-
umas literaturas mais identidade num sen- cos, quer narrativos.
lidas fora de seu tido óbvio, é um A questão de sua ori-
país. Berço de gran- pressuposto para o gem, das guerras e
des nomes como indivíduo, o grupo, personalidades que
Luís de Camões, Eça a nação, a questão compõem esse ima-
de Queiroz, Fernan- de identidade é per- ginário sempre foram
do Pessoa, Vergílio recorrentes e pre-
Ferreira, Lídia Jor- sentes na literatura
ge e José Saramago até os mais recentes
entre tantos outros dias.
reconhecidos inter- As s im, des de Ca-
nacionalmente, a lite- mões e a tentativa
ratura produzida em de compor uma ideia
Portugal é leitura e mítica e também
objeto de estudo em ete r n iz a r a na ç ã o
Eça de Queiroz
diversos lugares fo- portuguesa através
ra de seu âmbito de manente e se con- de Os Lusíadas, pas-
produção. Escritas funde com a da sua sando por Fernando
marcadas pelo de- mera experiência, a Pessoa e a neces-
sejo de (re)escrita do qual não é nunca pu- s i dad e em er gente
passado, discursos ro dado, adquirido de de inovar e desco-
históricos ficcionais uma vez por todas. brir um novo Portu-
e funcionais, preser- Mas o ato de querer gal nas suas muitas
vadores e idealiza- e poder permanecer formas de escrita e
dores da identidade conforme o ser ou ao a relação de amor e
são características projeto de ser aqui- tristeza com o nacio-
que percorrem todas lo que é.” (2015, p. nal e a origem, até
as épocas da litera- 9) Essa necessida- Saramago e a críti-
tura portuguesa, na de que marca inten- ca à construção des-
afirmação de sua voz samente a literatura sa identidade através
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formações que acon-


tecem na literatura
produzida em Portu-
gal contemporanea-
mente é dispor-se a
entender as modifi-
cações que avançam
sobre o homem por-
tuguês e sua cultura.
Camões As relações históri-
cas não se esgotam,
de analogias e me- de narrar e pensar mas se modificam,
táforas que analisa- a escrita, Gonça- alteram-se e expõem
vam e inferiam sobre lo M. Tavares, Nuno ao leitor um novo su-
a realidade política Camarneiro e Afon- jeito, com uma dis-
e a construção de so Cruz destacam- posição anímica que
um passado mítico e -se entre os novos vai além do espaço
idealizado, Portugal escritores portugue- territorial que habita.
sustentou-se imagé- ses. As obras esco- Essa desnacionali-
tica e literariamente lhidas estabelecem zação que acontece
sobre o que deseja- entre si aspectos e na literatura contem-
va ser: uma grande elementos de cons- porânea por tugue-
e mítica nação. À luz trução narrativa que sa, deixando de lado
do que denomina- c omp õem diferen - um romance auten-
mos como contem- tes movimentos de ticamente centrado
p orâneo, marcada criação, recepção e sobre os temas na-
pela necessidade de contribuição ao ima- cionais e que demar-
redescoberta do ho- ginário dos leito- cavam uma cultura e
mem português, sua res do século XXI. uma literatura volta-
apreensão do real E destacam-se co- da sobre si mesma
e posicionamento m o ma nten e d o ra s oferece ao homem
no mundo hodierno, do fluxo criativo lite- português, esse no-
percebemos quais rário português, jus- vo s u j e i t o q u e s e
são as principais ca- tificando por suas abre ao mundo e se
racterísticas da lite- características a ne- torna cosmopolita,
ratura produzida em cessidade e aporte uma nova configu-
Por tu ga l n os dia s da pesquisa sobre o ração ideológica. O
atuais. Associadas tema. afastamento dessa
às diferentes formas Perceber as trans- história de um pas-
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sado, quer distante, nomenclaturas de ti- rinto da saudade, so-


quer próximo e a ex- pos de escrita, essas bre Portugal: “o seu
pansão do horizonte ficções traziam para lugar não se situa
dessa literatura de- si o encargo de colo- apenas no mapa e
monstram esse su- car ao mundo e aos muito menos se cir-
jeito que agora se próprios por tugue- cunscreve ao peque-
dispõe a expandir- ses as vozes de sua no retângulo à beira
-se identitariamente, especificidade iden- do Atlântico, carre-
percebendo também titária. Testemunhos gado de passado e
questões de alteri- de uma memória vida singulares, que
dade e afastando-se que não adormece. chamamos Portugal”
do que as fronteiras Sempre redimensio- (2015, p. 11). Assim,
territoriais e cultu- nadas, as fronteiras esse sujeito portu-
rais impõem às so- entre a ficção e a guês passou a ocu-
ciedades e que de realidade são carac- par além dos seus
maneira singular se terísticas predomi- limites fronteiriços e
manifesta nas suas nantes da literatura históricos, ele torna-
produções artísticas. portuguesa. -se mais do que sua
A ditadura salazaris- Imagens e fatos que história e insere-se
ta, o fim das guerras compuseram o ima- num contexto univer-
coloniais e o regres- ginário por tuguês sal, de uma literatu-
so de residentes das durante muitas dé- ra sem demarcação
antigas colônias (os cadas, expandindo ou delimitação, mas
chamados retorna- e desdobrando -se repleta da experiên-
dos) foram os impul- em obras de diferen- cia humana de dife-
sionadores de muitas tes configurações, rentes sujeitos em
narrativas contempo- Eduardo Lourenço diferentes épocas.
râneas, sob diversas comenta, em Labi- Então essa novíssi-
ma literatura portu-
guesa, se constrói
sobre a perspectiva
desse sujeito por-
tuguês que agora
rompe com a tradi-
ção de temas e for-
mas de construir
personagens, tem-
po, espaço, enredo e
Gonçalo M. Tavares
narrador.
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história local, conju- relação do país com


gando-a com a litera- suas ex-colônias, co-
tura, sua porta-voz, mo uma nova confi-
ou ainda mantenedo- guração ideológica
ra de diversas pers- e que também pre-
pectivas ideológicas, c i s ava r e n ova r- s e
perceberemos o no imaginário portu-
quão forte isso foi na guês.
literatura portugue- Como coloca Homi
sa, principalmente se K. Bhabha em O lo-
direcionarmos nosso cal da cultura, o con-
olhar para Portugal temporâneo, o novo,
a partir da década representam uma
Se o espaço literá- de 60 do século XX ruptura com um de-
r i o é o â m b i to da e as tendências do terminado modo de
representação do romance a come- pensar e trazem con-
mundo a que perten- çar desse momento sigo diversas novas
cemos e o qual privi- histórico. Veremos p e r s p e c t i va s . E s -
legiamos em nossas a recorrente presen- sa “cisão” como ele
percepções, o uni- ça da liberdade po- denomina a ruptu-
verso mimético é lítica como objetivo, ra, é um rompimento
então sempre reno- a s d e ma n da s da s com a norma cotidia-
vado, numa manei- classes sociais mais na, com o costume,
ra quase exaustiva baixas, a configura- com o de fato es-
de compor o quadro ção do estado e das tá arraigado e sus-
de nossa existência. estruturas políticas e tentando uma forma
Resgatam-se aspec- também sociais e a de pensar: O novo
tos históricos, discu-
tem-se as questões
literárias e de cons-
trução do texto, mas
a existência e a con-
templação do mun-
do serão sempre as
linhas permanen-
tes da literatura. Ao
pensarmos o con-
temporâneo, o atual,
Eduardo Lourenço
a sempre retomada
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mas como posição neo independente de


e status do locus do sua nacionalidade.
e n u n c i a d o s o c i a l. Ou seja, ela não dei-
(BHABHA, 1998, p. xa de ser resultado
335) da reflexão do sujei-
A essa perspectiva to sobre sua perma-
social e urgente que nênc ia no mundo,
se lança sobre a nar- mas essa literatura
rativa por tuguesa, assume uma postura
somam-se os expe- de percepção do que
rimentalismos ficcio- vai além da sua pró-
nais. O s re c entes pria história. Para o
processos narrati- mundo e do mundo,
e o contemporâ- vos do português in- a novíssima literatura
neo aparecem atra- cluem não somente portuguesa abrange
vés do ato de cisão perspectivas do texto novas formas narra-
da modernidade co- literário e da própria tivas e também um
mo acontecimento e mimese como repre- novo discurso de
enunciação, época e sentação desse mo- identidade já enun-
cotidiano. A moder- do organizacional da ciado e consolidado
nidade como signo sociedade portugue- na história da lite-
do presente emer- sa e mundial, mas ratura portuguesa e
ge nesse processo uma forma diferente ocidental. A literatu-
de cisão, nesse lap- de ver o texto como o ra tem a potenciali-
so, que dá à práti- conjunto de fragmen- dade de ser memória
ca da vida cotidiana tos que se tornou o cultural, de funcio-
sua consistência co- homem contemporâ- nar como o rastro
mo contemporânea.
É porque o presen-
te tem o valor de um
“signo” que a moder-
nidade é interativa,
um questionamento
contínuo das condi-
ções da existência,
tornando proble-
mático seu próprio
discurso não ape -
Bhabha
nas “como ideias”,
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seu percurso, nos


transformar a cada
um de nós a partir de
dentro. (TODOROV,
2009, p. 76)
O passado, seja ele
qual for, é material
da escrita, mesmo
que uma narrativa
Tveztan Todorov
procure falar de pos-
sibilidade de futuro,
que permite a iden- ratura portuguesa ou sempre o passado,
tificação de formas determinada literatu- de uma determina-
de pensar e de viver ra é antes de tudo, da forma, surge na
dos homens de dife- pensar o que ela po- ficção como uma
rentes épocas, assim de como espaço de p a r te d a e l a b o r a -
como sua reflexão manifestação de um ção do que se de-
sobre o mundo. Ela imaginário, de uma seja projetar acerca
é experiência e per- cultura e de uma for- do futuro. Passado
manência por relatar ma de pensar e ver e futuro são elemen-
ou ainda, promover o mundo:
 A literatu- tos indissociáveis na
a leitura de deter- ra pode muito. Ela construção do que
minados pontos de pode nos estender denominamos como
vista sobre a histó- a mão quando esta- presente e principal-
ria, sobre o homem e mos profundamente mente se pensarmos
sua relação com seu deprimidos, nos tor- na construção de
tempo, identidade e nar ainda mais próxi- narrativas. Antonio
cultura. Em A litera- mo dos outros seres Cândido em Litera-
tura em perigo, Tvez- human os q ue n os tura e sociedade co-
tan Todorov comenta cercam, nos fa zer menta do papel do
dessas potencialida- compreender melhor escritor, da função
des da literatura, do o mundo e nos aju- social que é atribuí-
que de fato ela pode dar a viver. Não que da a ele e como a
realizar como instru- ela seja antes de tu- c oletivi dade rec o -
mento da imagina- do uma técnica de nhece no escritor a
ção dos escritores cuidados com a al- figura de um dinami-
e da recepção por ma porém revelação zador da cultura, da
par te dos leitores, com o mundo, ela história. Em harmo-
assim pensar a lite- pode também, em nia com o seu tempo,
16
Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

o escritor é um nú- associado ao nosso se modo, resultado


cleo gerativo de uma contexto histórico ou da relação do sujeito
possibilidade de vi- ainda ao nosso coti- (escritor) com a rea-
são social e cultural, diano, entendido ou lidade em que ele se
também histórica e experienciado como insere e vive. Dentro
identitária. Umberto patrimônio de nossa desse contexto, po-
Eco em Confissões memória é também demos pensar a li-
de um jovem roman- ser um demiurgo de teratura como uma
cista comenta que um mundo externo comunidade temáti-
a “narrativa é, para ao nosso, num rom- ca e afetiva, bem co-
início de conversa, pimento de frontei- mo uma comunidade
uma questão c os - ras que nos exige a de experiências for-
mológica”, isso por capacidade de en- mais, artísticas e de
que o autor para nar- tender e assimilar o pensamento. Pensar
rar assume a função que é diferente e co- o mundo através de
de um demiurgo, de mo esse diferente se uma perspectiva de
criador de um uni- compõe. um por tuguês, vai
verso que deve ser A escrita representa além de pensar de
o mais fiel possível o desequilíbrio, uma uma maneira autóc-
ao mundo real e por determinada von- tone, mas um modo
onde esse autor pos- tade de reajuste ou de leitura e apreen-
sa andar em segu- ainda uma necessi- são das coisas e
rança. Pensando a dade de compreen- dos eventos. Essa
partir do que nos diz são do mundo a que determinada forma
Eco, escrever sobre pertencemos. Uma de percepção trans-
algo que não está obra literária é des- forma-se em cone-
xão c om o mundo
quando os temas
e as narrativas de-
salojam-se do eixo
territorial e históri-
co português. Saem
de Portugal, expan-
dem-se, ganham o
mundo, ainda que
escritos por portu-
gueses e que muitas
vezes personagens
Antônio Cândido
p or tuguesas c om -
17
Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

literatura abrange: “A dução contempo-


literatura mundo, ao rânea nos aliamos
pressupor uma ideia à definição de lite-
de presente que rat ura - m un d o q ue
ac olhe diferenc ia- se aplica ao com-
dos momentos his- partilhamento de
tóricos, localizações experiências, de per-
geográficas e perten- cepções de mundo,
ças histórico-simbó- de existência, de si-
licas, reforça por um tuações históricas e
lado o seu caráter in- sentimentais: “A lite-
tempestivo e, por ou- ratura-mundo pode
p o n ha m a s a ç õ es tro, investe-o de uma ser assim compreen-
contadas. Já não é capacidade política e dida como uma ex-
apenas a constru- simbólica que qual- periência simultânea
ção de uma identi- quer atualidade não do comum e do in-
dade, de um sujeito pode ignorar.” comum: arquivo de
num conjunto de si- Essa literatura-mun- semelhanças poten-
tuações específicas do é o que aqui nos ciais, mas também
e que configuram de- interessa, ao des- de diferenças e in-
marcações identitá- c entralizar m os d o finit a s var iaç ões.”
rias e territoriais. É âmbito por tuguês (BUESCU, 2013).
o que podemos de- as obras literárias, Para além de uma
finir como “literatu- em principal as pro- especificidade, de
ra-mundo” a que se duzidas por autores um território, é a lei-
difunde, que deixa portugueses, ao es- tura de um texto e a
de ser uma experiên- colhermos definir e relação entre o que
cia localizada, estan- entender essa pro- a literatura demanda
que, mas múltiplas,
variantes, do mundo.
H el ena Car valhão
B ues c u em E x p e -
riência do Incomum
e boa vizinhança - Li-
teratura comparada
e Literatura-mundo
define o que hoje nos
permite perceber e
Afonso Cruz
entender o que essa
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

como experiência e to-mundo. As narra- aparece nessas nar-


a origem de sua pro- tivas desses autores rat i va s c om o p re -
dução. A literatura singulares da lite - sença notória, mas
então, além de co- ratura p or tugues a o homem português
municar ou exprimir, do século XXI apre- como homem-mun-
como afirma Roland sentam-se como a do. “Pessoalmente,
Barthes em O grau possibilidade da re- não quero investigar
zero da escrita, tam- novação do senti - o homem-português,
bém expõe ao mun- do do sujeito, não quero sim, perceber
do uma determinada apenas o português, o homem, no geral e
forma de um indiví- mas também ele no seus comportamen-
duo perceber o seu tempo e espaços tos”, disse Gonçalo
tempo e a história a contemporâneos.
 A M. Tavares em entre-
que pertence. experimentação nar- vista à Editoral Ca-
Assim, Gonçalo M. rativa, a organiza- minho. Do mesmo
Tavares, Nuno Ca- ção dos elementos modo Nuno Camar-
marneiro e Afon- intrínsecos ao texto neiro e Afonso Cruz
so Cruz colocam-se literário, as diferen- es c revem s obre o
como os autores tes formas de pensar comportamento dos
por tugueses con- e reagir ao mundo e homens, sendo eles
temporâneos re- as tentativas de revi- portugueses ou não.
conhecidos como são histórica são ele- Num sempre movi-
representantes de mentos constantes mento de rescrita do
uma nova vertente li- na literatura portu- eu, das visões so-
terária, discursiva e guesa. Essa identi- bre o mundo. A bus-
de articulação sujei- dade portuguesa não ca dessa identidade
é fi c c i onalizada e
contextualizada em
um universo ficcio-
nal que tenta sair do
mapeamento portu-
guês3.
As experiências nar-
rativas, o estranha-
mento, a escrita que
inova em seu con-
teúdo e técnicas
s in gulares s ão os
Nuno Camarneiro
elementos que con-
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

e percurso históri- ele define as quali-


co estão intimamen- dades literárias do
te ligadas. As obras texto literário? (2001,
são resultado de seu p. 29)
tempo, do universo Gonçalo M Tavares
de ideias que as cer- (1970), tem uma vas-
cam. O texto literário ta produção literá-
é composto de ima- ria, é ganhador de
gens e conceitos que inúmeros prêmios:
pertencem ao mun- Prêmio revelação da
do real que abrange Associação Por tu-
a realidade de sua guesa de Escritores,
firmam esses autores produção. É preciso Grande Prêmio de
na contemporaneida- antes de qualquer ti- conto Camilo Castelo
de e justificam seu po de análise ou per- Branco, Prêmio Ler/
reconhecimento pe- ceção acerca de um Millenium BCP e Prê-
la crítica através dos tex to literário, en- mio José Sarama-
prêmios recebidos tender como ele se go. Diversificada em
pelas suas obras. constrói como tex- gêneros textuais e
Essas característi- to literário. Segundo temas sua obra é re-
cas que diferenciam Antoine Compagnon ferência na produção
as obras em seus em O Demônio da portuguesa contem-
aspectos constitu- Teoria, os estudos li- porânea. E traduzi-
tivos e também na terários falam da li- do em todo o mundo.
direção de suas te- te rat ura da s ma i s Entre as suas obras
máticas as colocam diferentes maneiras, mais conhecidas es-
no mesmo foco de concordam, entre-
discussão e pesqui- tanto, num ponto: de
sa: a novíssima lite- todo estudo literário,
ratura por tuguesa. qualquer seja o seu
É, portanto, um olhar objetivo, a primeira
comparatista e por questão a ser colo-
seu turno, analítico cada embora pouco
que aqui fazemos. teórica, é a da defini-
No espaço ficcional, ção que ele fornece
personagens, narra- (ou não) de seu obje-
dores, espaço e tem- to: o texto literário. O
po As relações de que torna esse tex-
construção literária to literário? Ou como
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

compõem a narra- co e da própria rela-


tiva são indivíduos ção do sujeito com
marcados por algum as suas histórias sin-
distúrbio psíquico, gulares. A narrati-
traumas e perturba- va de Afonso Cruz é
ções causados por um percurso ficcio-
memórias numa nal que embriona-se
c ons t ante c at ar s e na arte, em diversas
do coletivo, da dor artes: a arte de tratar
sentida por outros a matéria dando-lhe
que antes deles ou vida, cor, aspecto e
até ao mesmo tem- sentimento; a ar te
po experienciaram de contar histórias,
tá Jerusalém (Edi- a mesma dor: My- de escrevê-las, en-
ção de 2010, Leya/ lia, Ernest, Theodor gendrá-las em ca-
Ca m in h o), r o ma n - B us b e c k , e K a a s, da palavra escrita
ce que compõe a Hanna e Hinnerk. ou falada; a arte de
tetralogia ou os Li- O cruzamento das produzir a música e
vros negros c omo histórias particula- provocar no espírito
são chamados, de- res, o entrelaçamen- humano as mais di-
vido a temática que to de seus motivos, ferentes emoções; a
os constituem: a dor, das razões de cada arte de morrer e de
a solidão, a guerra, movimento das per- p er mane c er e s o -
o holocausto. Jeru- s o nag en s, vão s e b retud o a ar te de
salém é a história delineando, se cons- permanecer e cons-
de um grupo de per- tituindo ao longo da truir-se até mesmo
sonagens que coa- escrita de Gonçalo nos tempos de guer-
bitam uma mesma M. Tavares. A circu- ra e cinzas.
cidade, sem nome, laridade da existên- No meu peito já não
mas que carrega em cia e do destino de cabem pássaros é
si a história do ho- cada uma dessas fi- o livro de estreia de
locausto, as marcas guras, par tindo da Nuno Camarneiro
da guerra em corpos imaginação de seu (1977). Construído
e mentes. As perso- autor, desdobra-se de forma fragmen-
nagens trazem em si em reflexão e memó- tada e alternada em
a loucura como elo ria. Uma escritura da sua organização ca-
que os une em torno experiência, da dor, pitular, o romance é
da dor. do questionamento o encontro de três
As personagens que sobre o devir históri- histórias de perso-
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

nagens diferentes narrativas particula- c i dad e.” (CA M AR-


orientadas por ape- res. Começamos por NEIRO, 2011, p. 13).
nas um fato: a pas- Karl10, um estran- Imigrante, sozinho e
s agem d o c omet a geiro que sobrevive desconhecendo os
Halley8, pelos céus, ou tenta fazê-lo na mecanismos da so-
n o a n o d e 1910 9. grande Nova Iorque. ciedade em que ago-
Anunciado como o É lavador de janelas ra estava tentando
fim do mundo, o trân- nos grandes prédios se inserir Karl esta-
sito do cometa no da cidade moderna e va a mercê não ape-
espaço, visível da engolidora das vidas nas da altura d os
Terra, causou imen- mais simples:” Dois andaimes e da dis-
sa confusão entre homens pendurados tância entre eles e o
as pessoas de diver- chão, mas também
sas partes do mun- das pessoas e suas
d o: c r u c i f i c a ç õ e s , lógicas pessoais e
suicídios, enlouque- íntimas de sobrevi-
cimento ou ainda a vência.
resignação e o si- Ao pensarmos es-
lêncio melancólico sas obras como re-
que marcava a es- presentantes da
pera do fim. Publica- novíssima literatu-
do pela primeira vez ra portuguesa, não
em 2011, a narrativa as aproximamos pe-
construída por Nuno la faixa etária de
Camarneiro se divi- seus autores, colo-
de em cinco partes: cando-os sob a de-
“Exórdio”, “Confron- nominação de uma
to”, “Acerto”, “Assom- por arneses a oitenta geração X. Ela se
bro” e “Fecho”. Os metros de altura. Os explica como novís-
capítulos que com- que trabalham dentro sima por localizar-se
põem cada parte vão c hamam - lhes par- de uma maneira di-
delinear justamen- dais com uma ironia ferente quando pen-
te sobre o sentido desnecessária. Qua- samos em literatura
de cada nome das renta e oito horas portuguesa. Ao pen-
partes.
 A través das semanais de equili- s armos s eus c on -
cinco partes as per- brismo pagas a qua- textos de produção:
sonagens vão aos tro dólares, um bom um mundo que revê
poucos se revelan- emprego para quem seus conceitos de
do e revelando suas acaba de chegar a fronteira, de cultu-
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ra, de identidade e ocupado pela lou- de vida e morte, mi-


num constante pro- cura, pela demência mese do mundo real.
cesso de determina- e pela amargura de Num espaço não
das nações como um um passado marca- d eter m inad o, ma s
reposicionamento do pela destruição e ambientado princi-
pós-guerra, pós- co- pela dor. A violência palmente como um
lonialismo, consegui- exercida na guerra, sistema de ruas, um
mos identificar o que a mutilação de cor- hospício, uma igre-
se coloca sob a égi- pos, ideais e futuros ja, esses destinos
de de uma nova lite- é o que demarca as marcados se cru-
ratura portuguesa. c arac terís ti c a s da zam, entremeiam -
Ao repensar o holo- narrativa. A condi- -se, conjugam-se na
causto, a brutalida- igualdade da loucu-
de, a violência, a dor, ra, ainda que cada
a doenças psíquicas, uma corresponda a
colocando em suas um tipo de manifes-
personagens a ma- tação. Esquizofrenia,
terialidade da histó- obsessão, depres-
ria, a memória de um são, deficiências
tempo recente, con- mentais e físic as,
jugado com a loucu- aliam-se ao,desejo
ra e a necessidade que somente a alte-
do sempre buscar ridade oferece como
o outro como forma resposta: o conheci-
de montagem de um mento e aproxima-
quebra-cabeças de ção do outro.
si mesmo, Gonça- ção humana, a trama Afonso Cruz, em A
lo M Tavares torna- de suas relações, as boneca de Kokosch-
-se um dos grandes estruturas sociais e ka, também retoma
nomes dessa litera- o modo como o en- o trauma da guer-
tura-mundo que se te se relaciona co- ra, a dor, a solidão,
dispõe a nossa lei- mo o mundo são os o medo da mor te.
t ur a . A s p e r s o na - fios que compõem A perseguição dos
gens que o autor a urdidura imbrinca- ju d eus na Se gun -
constrói em Jerusa- da de suas histórias. da Grande Guerra
l é m nã o p o s s ue m Suas personagens e todos os desdo-
um território-nação, s ão ator m ent ada s bramentos que a in-
mas estão num en- pela própria existên- felicidade da guerra
tre-lugar no mundo, cia e pela dicotomia causou na vida de
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

muitas pessoas. Em mundo e no mundo a seu poder irresistí-


sua narrativa alter- boneca comunica e vel. No entanto, o
nam-se temas como liga diversas perso- foco primário não é
a solidão e o aban- nagens. a personalidade e a
dono, mas também a Essas relações entre moralidade das per-
importância da arte, as personagens se sonagens principais,
da música e da soli- dão através de um mas a natureza de
dariedade. Suas per- “atavismo histórico”, seu mundo. A vida
sonagens constroem como se a boneca os dos protagonistas,
um universo mimé- tornasse indissociá- seu lugar no mundo,
tico em que a circu- veis. Orhan Pamuk, a maneira como se
laridade labiríntica em O romancista in- sentem, veem e li-
os aproxima e afirma dam com o seu mun-
que todas as cau- do – esse é o tema
sas e efeitos estão do romance literário.
ligadas diretamen- (PAMUK, 2011, p. 47)
te a um único moti- O grande tema do
vo.
A necessidade de romanc e de Afon -
compreender o ou- so é a memória, a
tro, de compreender construção da me-
sua origem, de co- mória e das relações
nhecer a si mesmo que dela emergem.
e a própria memória O poder da literatu-
percorrem a narrati- ra como escrita da
va de Afonso Cruz. memória e da iden-
Pamuk
Uma história desen- tidade. Sobretudo, a
cadeada a partir da gênuo e o sentimen- partir dessa memória
criação de uma bo- tal, comenta-nos também a possibili-
neca para suprir a sobre a personagem dade da esperança.
existência de uma e sua relação com o Novas construções
mulher. Laços afeti- mundo: Visto pelos de sujeitos a par-
vos, desencontros, olhos de suas per- tir da alteridade, do
esperanças, ami- sonagens, o mundo compreender-se no
zades e, relaç ões do romance nos pa- mundo como parte
amorosas e paixões rece mais próximo de uma potente e in-
surgiram do momen- e mais compreensí- terligada rede de re-
to em que o amante vel. É essa proximi- lações de memória,
cansado da bone - dade que empresta passados e que se
ca joga-a no lixo. Do a arte do romance desenvolverão em
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futuros possíveis.
 A los céus no ano de Amérika, Jorge Luís


questão labiríntica e 1910. Cada trauma Borges e Fernando
que nos coloca sem- vivido, cada neces- Pessoa. Apoiada no
pre próximo do outro sidade, configura-se imaginário literário
também aparece em como elemento que e extraliterário, sua
Nuno Camarneiro constrói a memória e obra trabalha sobre-
no romance No meu o futuro dessas per- tudo com as ques-
peito já não cabem sonagens: o desejo tões da existência
pássaros. A história de uma vida melhor, humana, de uma per-
de três personagens a possibilidade de sonagem a outra, ele
com localizações um universo ficcio- nos mostra os infor-
completamente dife- nal qie transponha o túnios do homem em
rentes, Lisboa, Bue- sonho e a identidade relação à fatalidade.
n o s A i r e s e N ova além da materialida- B e at r i z Sa r l o, e m
Iorque, com idades de do indivíduo. Nu- Te m p o P a s s a d o ,
diferentes e nacio- ma escolha narrativa Cultura da memória
nalidades diferen - de intertextualidade, e guinada subjetiva ,
tes, mas que passam Nuno Camarneiro re- comenta que o pas-
pelo mesmo even- toma personagens sado é sempre con-
to: a passagem do f i c c i o na i s c o m o o flituoso (2007, p.9).
cometa Halley pe- K a r l d e K af ka e m Po r q ue p e n s a r o
passado é permitir
acreditar na memó-
ria, e que essa tem
que acreditar na re-
constituição do que
aconteceu. Assim,
nas narrativas des-
ses três autores, o
que se manifesta em
suas ficções é justa-
mente uma modali-
dade de perceber e
reconstruir o passa-
do. Entender o que
os homens herdaram
da guerra (Jerusa-
lém); partilhar o que
homens sentiram du-
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

rante a guerra e em tam a memória cul- truções de persona-


diferentes condições tural pertencente ao gens, com a história
(A boneca de Kokos- mundo todo. Como do mundo e dos ho-
chka) e ainda enten- ex p a n d e m e t a m - mens. Formam um
der como um sujeito bém tomam para si novo cânone marca-
histórico pode ser uma nova percep - do pela diversidade,
também um sujeito ção de sujeito e me- elemento intrínse -
ficcional, e que den- mória.
Esses autores co do novo modo de
tro dessa narrativa rompem com a ques- pensar o sujeito con-
ele se iguala aos ho- tão de narrar apenas temporâneo.
 A ssim,
mens do seu tempo, dentro da identidade determinado como
ainda que ele tam- cultural a que estão c ontemp orâneo14,
bém tenha a função como novíssimo,
de criador de possí- esse recente modo
veis ficções (No meu de perceber o sujei-
peito já não cabem to, que é engendra-
pássaros). 
 C onstru- do dentro da cultura,
ções diferentes em aqui nomeadamen-
seus aspectos cons- te, a literatura, por-
titutivos, essas obras tuguesa, é de fato
compõem uma no- uma nova forma de
va perspectiva da li- ver o homem portu-
teratura portuguesa. guês. Um habitante
Vão além do sujeito do entre- lugar que a
por tuguês, expan- história oferece, um
dem-se para fora observador do mun-
das fronteiras cul- associados, ao mes- do que o compõe e
turais e identitárias mo tempo alicerçam sobretudo um artista
da cultura portugue- uma nova concep- que reflete nas suas
sa. Configuram-se ção do seu papel de tintas o que prescin-
como uma nova vi- inventor/criador de de da natureza hu-
são do sujeito por- universos ficcionais. mana em diversos
tuguês, não através O espaço ficcional tempos históricos e
da representação é, por sua natureza, num movimento ex-
de personagens que o espaço das possi- terno e progressivo
tragam em sua cons- bilidades. Além das de saída do seu ter-
tituição traços típicos fronteiras ficcionais, ritório identitário de
de identidade, mas rompem com formas nação e de referên-
pela forma como tra- de narrar, com cons- cia cultural.
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

OS
CAVALOS
E OS
NENÚFARES A SUPERFÍCIE
Nicolau Santos
DO LAGO
- Lisboa Nicolau Santos

Os cavalos são A superfície do lago


a energia está calma e tranquila.
o nervo
o sangue fervendo Os insectos brincam nas
margens
nos cascos impacientes.
e o sol descreve placidamente
a sua trajectória normal.
Os nenúfares são
a placidez
Já o disse:
a tranquilidade
A superfície do lago
a seiva girando
está calma e tranquila.
nas raízes imóveis.
Quem a contempla
Morrem os cavalos
não imagina
nos pântanos.
a força poderosa das correntes
que por baixo
Os nenúfares, esses,
se agitam.
continuam a flutuar.

Nicolau dos Santos nasceu com os pés no mar em São Paulo de


Loanda. Jornalista especializado, foi diretor-adjunto do semanário
Expresso e coapresentador do Expresso da Meia-Noite, transmi-
tido na SIC Notícias. Publicou livros como Portugal Vale a Pena,
Aroma de Pitangas e Discurso do Vendedor de Especiarias. Foi
até março de 2021,presidente do Conselho de Administração da
Agência Lusa para o mandato 2018-2020. A partir de março de
2021 é eleito presidente do Conselho de Administração da RTP.
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ORIGEM DA LITERATURA PORTUGUESA


nhecer as origens da
Literatura Portugue-
sa, que influenciou e
ainda influencia nos-
sa produção literá-
ria. Com origens no
século XII, a Litera-
tura Portuguesa teve
seus primeiros regis-
tros em galego-por-
tuguês, haja vista a
integração cultural e
Com origem no século XII, a Literatura Portuguesa, assim como a
Literatura Brasileira, foi dividida em escolas literárias linguística entre Por-
tugal e Galícia, região
Com mais de nove gica, visto que as pri- na península Ibérica
séculos de tradição, meiras manifestações que hoje pertence ao
a Literatura Portugue- de nossa literatura território espanhol.
sa conta com ilustres ocorreram durante o Por questões didáti-
representantes, entre período colonial. cas, assim como na
eles Luís de Camões Para compreender a Literatura Brasileira,
e Fernando Pessoa. Literatura Brasileira, a Literatura Portugue-
Denomina-se como sua história e origens, sa foi dividida em es-
Literatura Portuguesa é imprescindível co- colas literárias, cujos
toda produção literá-
ria escrita em língua
portuguesa por es-
critores portugueses.
Por Literatura Lusó-
fona, compreende-
-se toda produção em
língua portuguesa de
diferentes países de
cultura lusófona, en-
tre eles o Brasil. Li-
teratura Brasileira e
Literatura Portugue- Da integração cultural e linguística entre Portugal e Galícia (hoje
sa estabelecem uma território espanhol), surgiram os primeiros registros da literatura
portuguesa
enorme relação dialó-
28
Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

teatro e da poesia pa-


laciana. Seus princi-
pais representantes
foram Gil Vicente e
Fernão Lopes.
ERA CLÁSSICA
Renascimento: Ins-
pirado na cultura clás-
sica greco-latina, o
Renascimento foi
marcado pela intro-
dução de novos gê-
neros literários, entre
eles os romances de
A obra épica Os lusíadas, de Luís de Camões, é considerada a
cavalaria e a literatu-
principal expressão do Renascimento português ra de viagens. Luís de
Camões, Sá de Mi-
autores relacionam- cantigas, tradicional- randa e Fernão Men-
-se por aproximação mente divididas em des Pinto estão entre
estilística e ideológi- cantigas de amor, de seus principais repre-
ca: amigo, escárnio e sentantes.
maldizer, representa- Barroco: Surgido em
ERA MEDIEVAL
das por nomes como um período de lutas
Trovadorismo: Pri- Dom Duarte, Dom Di- de classes sociais e
meiro movimento nis, Paio Soares de de crises religiosas,
literário da língua por- Taveirós, João Gar- o Barroco português
tuguesa, o Trovado- cia de Guilhade, Aires foi marcado por uma
rismo surgiu em um Nunes, entre outros. linguagem que refle-
período no qual a es- Humanismo: Marca- tia os estados de ten-
crita era pouco difun- do pela transição do são da alma humana,
dida, por esse motivo, mundo medieval para permeada pelo rebus-
os poetas transmi- o mundo moderno, o camento e por figu-
tiam suas poesias Humanismo conduziu ras de linguagem de
oralmente, na maioria as artes ao Renas- difícil compreensão.
das vezes cantando- cimento cultural. Na Seus principais re-
-as. Assim sendo, os literatura, deu-se a presentantes foram o
primeiros textos re- consolidação da pro- Padre Antônio Vieira,
ceberam o nome de sa historiográfica, do Frei Luís de Souza e
29
Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

ERA ROMÂNTICA de Castro. Marcado


Romantismo: Marca- pela idealização da
do pelo subjetivismo, infância e do cam-
nostalgia, melancolia po em contraposi-
e combinação de vá- ç ão à d e c ad ên c ia
rios gêneros literários, do espaço urbano, o
o Romantismo por- Simbolismo foi repre-
tuguês marcou o fim sentado também por
do Neoclassicismo, Antônio Nobre e Ca-
instaurando um novo milo Pessanha.
modo de expressão Modernismo: O
Ao lado de Antero de Quental
em Portugal e em to- marco do Modernis-
e C e s á r i o Ve r d e, Eç a d e da a Europa. Seus mo português foi a
Queirós foi um dos principais
repres ent antes d o Realis m o principais represen- publicação, em 1915,
português tantes foram Almei- da revista Orpheu,
Antônio José da Silva. da Garrett, Alexandre responsável por vei-
Neoclassicismo: Ca- Herculano, Camilo cular uma produção
racterizado pela reva- Castelo Branco e Jú- literária inovadora e
lorização dos valores lio Dinis. irreverente influen-
artísticos gregos e Realismo e Natu - ciada pelas concep-
romanos, o Neoclas- ralismo: Surgidos ções estéticas que
sicismo foi marcado como reação ao sub- circulavam à época
também pela doutri- jetivismo e idealis- em toda a Europa.
nação estética e pela mo presentes na Seus principais re-
intensa criação literá- estética romântica, presentantes foram
ria. À Arcádia Lusita- o Realismo e o Na- Mário de Sá-Carneiro
na, academia literária turalismo português e Fernando Pessoa.
de Portugal fundada tiveram como princi-
em 1756, coube a ta- pais representantes
refa de restabelecer os escritores Antero
o equilíbrio na litera- de Quental, Cesário
tura, afastando-a dos Verde e Eça de Quei-
exageros próprios do rós.
Barroco. Seus prin- Simbolismo: Opon-
cipais nomes foram do-se à estética rea-
Manuel Maria Barbo- lista, o movimento
sa du Bocage, Curvo simbolista português Ao lado de Mário de Sá-Carneiro,
Semedo e José Agos- iniciou-se com o livro Fernando Pessoa representou o
Modernismo Português
tinho de Macedo. Oaristos, de Eugênio
30
Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

FEIRA DO LIVRO DE LISBOA


ça de vários autores O presidente do
internac ionais, in - G r u p o L i te r á r i o A
cluindo brasileiros, e ILHA , Luiz Car l os
a realização de mais Amorim também au-
d e 2 0 0 0 eve n t o s , tografou seus livros
tornam o Parque Diário da Pandemia
Eduardo VII o centro e Por tugal, Minha
Começou em Lis- cultural de Lisboa. Saudade no stand
boa um dos eventos O GRUPO LITE- do Brasil. Amorim
literários mais im- RÁRIO A ILHA NA c o n t i n ua , e m L i s -
portantes da Euro- FEIRA: O Grupo Li- boa, neste ano de
pa: a Feira do Livro terário A ILHA es- 2023, o trabalho li-
de Lisboa, situada tá presente na Feira terário desenvolvido
no Parque Eduardo do Livro de Lisboa no Brasil, publican-
VII. Após três anos com a participa- do as revistas Es-
forçada a realizar- ção de um de seus critores do Brasil e
-se fora do seu ca- membros mais im- Suplemento Literá-
lendário habitual, a portantes, a escrito- rio A ILHA e divul-
Feira regres s a ao ra portuguesa Dulce gando a literatura
parque entre os dias Rodrigues e seu brasileira na Europa
25 de maio e 11 de fundador e coorde- e a literatura portu-
junho. Esta edição nad or Luiz Carl os guesa no Brasil.
c ont a 13 9 par ti c i - Amorim. Ela esteve
pantes, distribuídos autografando vários
por 340 pavilhões de seus livros no pri-
e um renovado Es- meiro dia da feira.
paço dos Pequenos Dulce Rodrigues es-
Editores. A presen- creveu mais de três
d ezena s de li v ros
infanto-juvenis. Au-
tora premiada nos
Es t ad os Uni d os e
em concursos lite-
r á r i o s n a Eur o p a ,
Dulce Rodrigues fa-
la seis línguas vivas
e traduz muitos dos Luiz Carlos Amorim autografando
na Feira do Livro de Lisboa.
seus próprios livros.
31
Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

ESCRITORES PORTUGUESES
CONTEMPORÂNEOS
nível nac ional c o -
mo internacional. É
um autor de roman-
ces multipremiado
por obras como “Je-
sus Cristo Bebia Cer-
veja” (Prémio Time
Out — Melhor Livro
do Ano, 2012), “Pa-
ra onde vão os guar-
da-chuvas” (Prémio
Sociedade Portugue-
sa de Autores, 2013)
Portugal sempre te- deramos serem uma e “Flores” (Prémio
ve autores que fica- referência nacional Fernando Namora,
rão para sempre na no panorama literá- 2015).
história da literatura rio atual. Uma esco- Para além de escri-
internacional, como lha difícil que teve em tor, Afonso Cruz é
Eça de Queirós, Fer- consideração muitos ilustrador, cineasta
nando Pessoa, Flor- outros nomes, reple- e músico da banda
bela Espanca, José tos de talento, que The Soaked Lamb.
Saramago e mui- acabaram por não Natural da Figuei-
tos outros. Um país s e r c o n te m p l a d o s
repleto de talen- neste top.
to, como os quatro
1. AFONSO CRUZ
grandes escritores
por tugueses con- Afonso Cruz é um
temporâneos sobre dos escritores por-
os quais vais que- tu g ues es c o ntem -
rer descobrir as suas porâneos que mais
obras mais relevan- merece ser desta-
tes. cado, devido à sua
Selecionamos quatro vasta obra publicada
nomes de escritores e ao reconhecimen-
portugueses contem- to que recebe, cons-
porâneos que consi- tantemente, tanto a
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

ra da Foz, comple-
A viagem pertence ca que fa zemos a
tou os seus estudos
ao domínio do invisí- todo o instante: con-
em estabelecimen-
vel, do inimaginável. verter perguntas em
tos de ensino bas-
É.um espaço que es- respostas, possibili-
tante conhecidos do
tá para lá da nossa dades em certezas,
país: Escola António
visão no momento, o futuro no passado.
Arroio, Faculdade de
que ainda não vimos, O futuro, pela sua in-
Belas Artes da Uni-
mas desejamos ver. definição, tem uma
versidade de Lisboa
Quando começamos riqueza enorme, o
e o Instituto Superior
a caminhar tornamos passado é um cami-
de Artes Plásticas de
o visível e o inima- nho único, limitado
Madeira. ginável tangível. Tal à interpretação. Há
Como obras a des-
como quando temos um empobrecimen-
tacar para agradá-
uma ideia e a exe- to intrínseco ao tem-
veis e inspiradoras
cutamos. Um passo po, na medida em
tardes de leitura, te-
fora de casa e come- que conver te a ri-
mos: “A Boneca de
çamos a desenhar o queza de inúmeros
Kokoschk, “Sinopse
mapa do mundo. 
 O caminhos em ape-
de Amor e Guerra” e
passado é como uma nas um só. Mas não
“O Vício dos Livros”.
resposta, fixo, mas o nos importamos,
futuro porta-se como uma vez que normal-
EXISTIR É
uma pergunta e en- mente sacrificamos
MELHOR DO QUE
NÃO EXISTIR cerra inúmeras pos- tudo por uma respos-
sibilidades. Devemos ta, pela existência.
Afonso Cruz estar cientes da tro- Nesse sentido, pa-
rece-nos que o acto
é superior à potên-
cia, mesmo que es-
ta contenha todas as
possibilidades e que
ao escolher, nos seja
obliterada a liberda-
de. Assim, Anselmo
de Cantuária teria ra-
zão ao afirmar, como
parte do seu famo-
so argumento onto-
lógico, que existir é
melhor do que não
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

existir. Quando ve- tir daí se afirmado


mos um bloco de como um dos gran-
pedra que pode vir des nomes do ro -
a ser a escultura de mance em Portugal.
um cavalo ou de um Os seus livros já re-
homem ou de uma ceberam vários pré-
flor, queremos que mi os em territóri o
venha a ser a escul- nacional e no estran-
tura de um cavalo ou geiro, com especial
de um homem ou de destaque para “Uma
uma flor, não que- Viagem à Índia”, “Je-
remos que se man- rusalém” e “O Se-
tenha um bloco de nhor Valéry”.
pedra: renunciamos dos escritores portu- Explora o trabalho
à possibilidade pe- gueses contemporâ- de um dos escrito-
la consumação, pe- neos que vale a pena res portugueses con-
la limitação, por um descobrir o seu tra- temporâneos mais
único caminho. O sa- balho, hoje em dia especiais da literatu-
crifício da liberdade, traduzido em mais de ra nacional, com es-
do mundo das pos- 50 países. tas três sugestões de
sibilidades, à carne Gonçalo M. Tavares leitura para o verão:
da matéria, ao acto, estreou-se como es- “Diário da Peste – O
é o que mais deseja- critor de obras literá- Ano de 2020”, “Di-
mos: tornar a viagem rias em 2001, com o cionário de Artistas”
«real», retirar-lhe tu- seu primeiro livro in- e a sua mais recen-
do o que poderia ter titulado de “Livro da te obra “Aprender a
sido e transformá-la Dança”, tendo a par- Rezar na Era da Téc-
no que efectivamen-
te foi.
2. GONÇALO M.
TAVARES
Auto r na s c i d o e m
Luanda, no ano de
1970, tendo se es-
tabelecido em Avei-
ro no seguimento da
Guerra Colonial em
Angola. Este é um
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

nica”. é trocado por outro, Namora em 2021 e o


como se um edifício Prémio GQ. Ao longo
MUDA DE VIDA
fosse uma camisa. dos anos, foi finalista
OU MUDA DE
POEMA Muda de vida ou, cla- de muitos outros.
ro, muda de poema. A sua obra encontra-
Gonçalo M. Tavares -se publicada em di-
3. JOÃO TORDO
Um poema não é versos países, como
uma coisa que se co- França, Itália, Alema-
loca sobre o teu dia nha, Hungria, Espa-
como um condimen- nha, Croácia, Sérvia,
to sobre o teu almo- México, Argentina,
ço. A vida de uma Brasil, Uruguai ou
pessoa não tem ma- Colômbia.
terial semelhante a
O LUTO DE ELIAS
nada que conheças.
GRO (Excerto)
Existir é feito de pe-
ças impossíveis de João Tordo
copiar. E a poesia “Agarrei-a c om os
não entra nesse ma- dois braços, caímos
terial único - a vida juntos no chão. O
de uma pessoa - co- fogo, à nossa fren-
mo o avião no ar ou te, crescia como um
o acidente do avião Se procuras escrito- m o n s t r o q ue t u d o
na terra dura. Um res portugueses con- consumia. A terra, a
poema não é man- temporâneos que se madeira, os bichos e
so nem meigo, não é reparem entre o ro- os homens. Pus-me
mau nem ilegal. 
 O s mance, o policial e de joelhos e abracei-
homens não se me- o ensaio, este é um -a; Cecilia enterrou
dem pelos poemas autor para ti. João o rosto no meu om-
que leram, mas tal- To r d o n a s c e u e m bro. O calor envol-
vez fosse melhor. O Lisboa, em 1975, e via-nos, as fagulhas
que é a fita métrica conta já com dezes- entravam-nos na pe-
comparada com algo sete livros publica- le e nos olhos. Le-
intenso? Há poemas dos. Recebeu vários vantei o rosto para o
que explicam trinta prémios, com espe- céu e vi as nuvens
graus de uma vida e cial destaque para o que, agora, oculta-
poemas que são um Prémio Literário José vam as estrelas, as
ofício de demolição Saramago em 2009, tuas nuvens, os cães
completa: o edifício o Prémio Fernando que corriam na dire-
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

Para quem adora ler


romances, certamen-
te que já ouviu falar
em Pedro Chagas
Freitas, natural da ci-
dade de Guimarães
e um dos escritores
portugueses contem-
porâneos que mais
ama e é amado. Divi-
ção de uma escarpa, Fazes-me falta, dis- de o seu tempo entre
os rostos, a estrada, se eu. Não me min- a carreira de jorna-
e perguntei a Cecilia, tas, disse Cecilia, e lismo e o mundo da
cujo corpo tremia nos tornou a esmurrar-me literatura, tendo já
meus braços, porque as costas, como se escrito centenas de
é que ela corria, e ela eu mentisse, e ouvi- obras e publicado
respondeu que cor- -a fungar, e esfregou quase 40 livros.
ria porque Deus não o rosto na minha bar- Os seus romances
tinha respondido às ba, molhando-a, e eu já contam com ven-
suas preces. E que repeti. Não te minto, das superiores a um
preces eram essas. Cecilia, não te minto. milhão de cópias em
Eu rezei para que ele A fogueira continua- todo o mundo. O seu
me levasse, respon- va a crepitar. Cecilia principal público de
deu, para que me le- continuava a esmur- leitores localiza-se
vasse em vez do meu rar-me as costas. Eu em países como Por-
pai. És louca, Cecilia, continuava a abraçá- tugal, Itália, Brasil e
disse eu, e abracei-a -la, mas afrouxei um
com mais força, chei- pouco o abraço, não
rou-me a cabelo cha- muito, apenas o su-
muscado. És louca, ficiente para não a
tu não podes ir, não sufocar, e fechei os
é a vontade d’Ele, fa- olhos, soltando-a, de-
zes falta. Faço falta a vagar, sem pressa ou
quem, perguntou ela, sofreguidão, até en-
e começou a esmur- contrar a medida cer-
rar, com os seus pe- ta do amor.”
quenos punhos, as
4. PEDRO
minhas costas. Faço
CHAGAS FREITAS
falta a quem, repetiu.
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

lhe aconteceu naque-


le dia longínquo em
que a deixara, sozi-
nha e esparramada
de dor, no chão, pa-
ra nunca mais voltar.

De tudo o que amo
és tu o que mais me
apaixona.
 F oram as
palavras dela, pou-
México. naturalidade do mun- cos minutos depois,
do que queria levá-la quando ele, teimoso,
COMECEI A
para a cama. Ela pri- a seguiu até ao fun-
AMAR-TE NO
DIA EM QUE TE meiro pensou em es- do da rua em hora de
ABANDONEI. bofeteá-lo e depois ponta. Estavam frente
amá-lo a tarde toda e a frente, toda a gente
Pedro Chagas Freitas
a noite toda, de segui- a passar sem perce-

 F oram as palavras da pensou em fugir ber que ali se decidia
d e l e q u a n d o, d e z dali e depois amá-lo o futuro do mundo.
anos depois, a en- a tarde toda e a noi- Ele disse: “casei-me
controu por mero te toda, e finalmen- com outra para te po-
acaso no café. Ela te resolveu não dizer der amar em paz”. Ela
sorriu, disse-lhe “olá, nada e, lentamente, disse: “casei-me com
amo-te” mas os lábios a esconder as lágri- outro para que hou-
só disseram “olá, está mas por dentro dos vesse um ruído que te
tudo bem?”. Ficaram olhos, abandonou-o calasse em mim”. Na
horas a conversar, da mesma maneira verdade nem um nem
até que ele, nestas que ele a abandona- outro disseram nada
coisas era sempre ele ra uma década antes. disso porque nem um
a perder a vergonha Não era uma vingan- nem outro eram poe-
por mais vergonha ça nem sequer um tas. Mas o que as pa-
que tivesse naquilo castigo – apenas per- lavras de um (“amo-te
que tinha feito (como cebeu que estava tão como um louco”) e
é que fui deixar-te? perdida dentro do que as palavras de outro
como fui tão imbecil sentia que tinha de ir (“amo-te como uma
ao ponto de não per- para longe dali para louca”) disseram foi
ceber que estava em ir para dentro de si. isso mesmo. A rua
ti tudo o que queria?), Pensou que provavel- parou, então, diante
lhe disse com toda a mente foi isso o que do abraço deles.
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

QUASE UM POEMA DE AMOR


Miguel Torga

Há muito tempo já que não escrevo um poema


De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.
Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
— Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
Miguel Torga (1907-1995) foi um escritor portu-
guês, um dos mais importantes poetas do século
XX. Destacou-se também como contista, ensaís-
ta, romancista e dramaturgo, deixando mais de 50
obras publicadas.
Miguel Torga, pseudônimo de Adolfo Correia da
Rocha, nasceu em São Martinho de Anta, Vila
Real, Portugal, no dia 12 de agosto de 1907. Ain-
da estudante de medicina, Miguel Torga Iniciou
sua vida literária e publicou seus primeiros livros
de poemas: Ansiedade (1928); Rampa (1930); Tri-
buto (1931); Abismo (1932). Em 1934, publicou A
Terceira Voz, quando passou a usar o pseudôni-
mo que o imortalizou. Ganhou muitos prêmios li-
terários, inclusive o Prêmio Camões.

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

MORRE ESTUDIOSA BRASILEIRA DA


LITERATURA PORTUGUESA
pesar e a nossa
gratidão", declara o
Presidente da Re-
pública.
Na nota, destaca-
-se que Cleonice
Berardinelli foi pro-
fessora em univer-
sidades brasileiras,
americanas e portu-
O Presidente da Re- brasileiros da lite- guesas, "dedicou-se
pública por tuguês, ratura por tuguesa, aos estudos camo-
Marcelo Rebelo de Cleonice Berardi- n i a n o s e a d i v e r-
Sousa, manifestou nelli tinha um lugar sos trabalhos sobre
pesar pela mor te destacadíssimo", lê- P e s s o a (e n s a i o s ,
de Cleonice Berar- - se numa nota d o antologias, edições
dinelli, no dia 31 de chefe de Estado críticas)".
fevereiro de 23, aos português. "Decana da Aca-
10 6 a n o s , s u b l i - Na mensagem pu- demia Brasileira de
nhando o seu "lu- blicada no sítio ofi- Letras, era corres-
gar destacadíssimo" cial da internet da pondente da Acade-
entre os estudiosos Presidência da Re- mia das Ciências de
brasileiros da litera- pública, Marcelo Lisboa desde 1975,
tura portuguesa. Rebelo de Sousa foi membro do júri do
"De todos os lusi- refere que "os escri- Prémio Camões e re-
t anis t a s, que t an - tores e académicos cebeu as insígnias da
to contribuem para portugueses e bra- Ordem do Infante D.
manter viva a cul- sileiros, e os seus Henrique e da Ordem
tura portuguesa no alunos dos dois la- de Sant'Iago da Es-
mundo, os brasilei- d o s d o A t l â n t i c o, pada", lê-se ainda na
ros merecem men- devem muito ao ma- mensagem publicada
ção especial, dada gistério de «Dona pela Presidência da
a nossa história an- Cleo», como era ca- República.
tiga e a nossa lín- rinhosamente trata- De acordo com a
gua c omum. E de da". "Manifesto, na imprensa brasileira,
entre os estudiosos sua partida, o meu Cleonice Berardi-
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

nelli morreu no úl- de Janeiro (UFRJ) e obras de Cleonice


timo dia de janeiro, a Pontifícia Univer- Berardinelli encon-
aos 106 anos. sidade Católica do tram-se "Estudos
Segundo o jornal Rio de Janeiro (PU- camonianos, de
Estadão, a especia- C-Rio). 1973, que foi am -
lis t a em literatura Cleonice Berardi- pliada em 2000,
portuguesa do Bra- nelli foi também " O b r a s e m p r o s a:
sil doutorou-se em professora na Uni- Fernando Pessoa",
19 5 9 e m L e t r a s versidade Católica de 1986, "A passa-
Clássicas e Verná- d e Pe t r ó p o l i s , n o gem das horas de
c u l a s p e l a Fa c u l - Instituto Rio Bran- Álvaro Campos", de
d a d e N a c i o na l d e c o e foi professo - 1988, "Poemas de
Filosofia da Univer- ra convidada pelas Á l v a r o C a m p o s ",
sidade do Brasil e Universidades da editada em Lisboa
foi profes s ora du- Califórnia, cam- em 1990, "Fernando
rante mais de 50 pus Santa Barbara Pessoa: outra vez te
anos em instituições (1985), e de Lisboa revejo..., de 2004", e
como a Universida- (1987 e 1989). Gil Vicente: autos",
de Federal do Rio Entre as principais de 2012.

O livro O VALE DAS ÁGUAS, seleção de crônicas sobre Corupá, a Cidade


das Cachoeiras, com muitas fotos e cores ilustrando os textos, está à disposição,
na Amazon. Veja no link https://amz.run/4LtO .

Se você conhece Corupá, vai gostar de relembrar e rever as belezas da cidade.


Se não conhece, vai gostar de conhecer as belezas do Vale das Águas.

40
Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

SEM TÍTULO
José Saramamgo

Já ouço gritos ao longe


Já diz a voz do amor
A alegria do corpo
O esquecimento da dor
Já os ventos recolheram
Já o verão se nos oferece
Quantos frutos quantas fontes
Mais o sol que nos aquece
Já colho jasmins e nardos
Já tenho colares de rosas
E danço no meio da estrada
As danças prodigiosas
Já os sorrisos se dão
Já se dão as voltas todas
Ó certeza das certezas
Ó alegria das bodas.

José de Sousa Saramago foi um dos mais importantes escritores


portugueses. Tanto que foi o único escritor de língua portuguesa
galardoado com o Nobel de Literatura em 1998. Também ganhou,
em 1995, o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da
língua portuguesa. Saramago foi considerado o responsável pe-
lo efetivo reconhecimento internacional da prosa em língua portu-
guesa.
41
Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

e social gravíssima,
levando a nossa cul-
tura a um es paç o
demasiado regional,
o certo é que mes-
mo assim os escri-
tores por tugueses
fizeram um enorme
esforço para preser-
var e renovar a nos-
sa literatura.
A LITERATURA tores enormes co- Neste aspecto, creio
PORTUGUESA m o C a m õ e s , E ç a que só houve uma
ACTUAL de Queiroz, Teófilo a u t ê n t i c a r e n ova -
João Bernardino Braga, Bocage, Al- ção dois ou três
meida Garret, Ale- anos após a Revolu-
Foi precisamente a xandre Herculano, ção de Abril de 1974
partir do século XII, Fernando Pessoa e em Portugal, e creio
com os cancionei- José Saramago que que se pode afirmar
ros populares tro - colocaram a literatu- que o Séc. XX literá-
vadorescos, que ra portuguesa num rio português come-
Por tugal, o berço patamar elevado. çou nesse preciso
da nossa língua e Mas não é só do m o m e n to. O m a i s
cultura, nos presen- passado que vive a imp or tante (e que
teou ao longo dos Literatura Portugue- gostaria de assina-
tempos, com gran- sa. Embora menos lar) consistiu numa
des artistas das le- produtivo e menos verdadeira reconci-
t r a s . To d o s e l e s d i v ul g a d o, o S é c . liação entre o públi-
donos de uma litera- XX e início do Séc. co e os escritores.
tura rica e sem par, XXI tem também os O que quero dizer
os escritores portu- seus ícones. E se, com isto? É que an-
gueses tornaram a infelizmente escri- teriormente, devido
literatura, entre os to r e s e o b r a s i m - à censura, fazia-
falantes de línguas pressionantes foram - se uma literatura
l at i n a s , n um m a r- sucumbidas ao regi- que poderei dizer de
co único e singular. me ditatorial de Sa- “alusiva”. Depois de
Claro que estou a lazar, que além de 1974 tud o mud ou,
referir-me em maior afundar Portugal nu- pelo menos para
dimensão a escri- ma crise económica os es c ritores p or-
42
Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

que tiveram o mé- tos que juntaram ajudam - se mutua-


rito e sobretudo a alguns escritores mente e com uma
sorte (porque é tam- antigamente – es- maior frequência. E
b ém uma questão tou a rec ordar-me isso era impensável
de sorte) de passa- do Orfeu Presença, há não muito tem-
rem a ser traduzidos ou o Neo-Realismo po. É verdade, não
e lidos no estran - p o r exe m p l o. C o - e s to u a exa g e r a r.
geiro, quer nos paí- mo dizia, não há um È que hoje, todos
s es d e ex p res s ão movimento literário nós queremos que
de língua portugue- (pelo menos que eu leiam os nossos tra-
sa quer sobretudo conheça) mas esta- balhos e sentimos
por toda a Europa. mos profundamente que ninguém tira o
E isso ajudou na di- diferentes e é essa público a ninguém.
vulgação da nossa diversidade que faz Organizam-se con-
literatura por este a riqueza da nossa ferências colecti-
mun d o fora , m os - literatura. E é por is- vas, sessões em
trando a nossa forte so tudo que tenho comum com os lei-
capacidade de es- a boa sensação de tores, tertúlias onde
crevermos excelen- que se está a criar se declama poesia
tes textos. uma onda de soli- e se constata uma
Posso dizer que se dariedade entre os grande adesão do
instaurou após es- escritores, uma es- público. É um fenó-
sa data um novo es- pécie de sentimento meno que não é no-
tado de espírito nos da classe de ESCRI- vo mas que se está
escritores em Portu- TO R p a r e c i d o a o uma vez mais a re-
gal. Não há um “mo- que existe já no Bra- descobrir em Portu-
vimento literário” do sil. H oje, em Por- gal, que contribui, e
tipo dos movimen- tugal, os escritores bem, para desmis-
tificar o escritor e,
porque não dizê-lo,
os próprios leitores.
Começa-se, quan-
to a mim, a atingir
de novo a qualidade
exigida desde sem-
pre na nossa lite -
ratura, nos nossos
escritores e poetas,
Bocage
at r avé s d e m u i t a ,
43
Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

Ou a de Portugal é descobertos porque


superior à do Brasil? é que as editoras
Será que a literatura preferem as tradu-
francesa é superior ções dos autores de
à nossa? Ou que a renome ou os cha-
Literatura portugue- m a d o s c l á s s i c o s?
sa nunca chegará Porque obviamen-
aos calcanhares da te dão dinheiro cer-
l i te r at ur a Rú s s i a? to em c ai xa e em
mas muita arte e de- São sempre pergun- tempo recorde. Por-
dicação. E toda a Li- tas que se colocam tanto, ninguém se
teratura passa a ser porque sempre se arrisca a lançar um
assim mais dinâmi- fizeram ao longos livro de autor jo-
ca nos dias de hoje, d os últim os s éc u- vem ou menos jo -
a ponto dos escrito- los. O certo é que vem mas que seja
res surgirem como em Portugal, tal co- desconhecido. Ape-
cogumelos neste mo no Brasil, há nas para se ter uma
país a beira-mar um problema sério ideia, no Brasil mais
plantado, o que é de porque não se pu- de 70.000 manus-
louvar, obviamente, blicam autores na- critos são recusa-
mesmo passando c ionais apesar da dos pelas editoras
pela triste travessia existência de mui- por ano. Será pos-
económica, social e tos bons textos. Por sível que em tantos
cultural em que Por- exemplo, o escritor trabalhos não exis-
tugal está mergulha- Richard Zimler (ape- ta uma boa centena
do há alguns anos a sar de não ser por-
esta parte. tuguês mas vive cá
Mais a mais passou- há imensos anos),
-se a dar igual im- o seu livro O Último
portância ao estado Cabalista de Lisboa
da literatura em ca- foi recusado por 24
da um dos países editoras norte-ame-
mas com uma preo- ricanas e hoje é li-
cupação crescente d o e m 12 p aís e s ,
sobre o que se pas- porque uma editora
sa noutros países. portuguesa decidiu
Será que a literatura apostar nele. Se te-
brasileira é melhor mos excelentes es-
que a de Portugal? critores para serem
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

ou mesmo um mi- suas aptidões e com me, os políticos e


lhar de excelentes uma ânsia de serem mecenas deste país
romances ou mui- publicados como reconhecerão exis-
to bons livros de nunca vi até então. tirem gran des au-
p o e s i a? Po r m i m , Isto só demonstra tores em Por tugal
respondo que obvia- que esta nova gera- que deverão e serão
mente que CLARO ção (seja de jovens v is tos c om outros
QUE EXISTEM! En- o u m e n o s j oven s , olhos num futuro
quanto perdurarmos mas poderei referir- muito próximo. Te-
neste pensamen- -me pelo menos aos mos excelentes es-
t o e m p r e s a r i a l (e escritores das últi- critores, basta que
que me desculpem mas duas décadas olhem para eles, na-
a s Editora s, mes - p e l o m e n o s) e s t á da mais! Haja quem
mo entendendo o interessada em de- a p os te n os n ovos
seu lado accionista monstrar a este país autores porque, tal
de não pretenderem caduco de ideias e c o m o a s c r ia n ç a s
perder dinheiro), o valores culturais, são o futuro deste
cer to é que assim de que não deixare- país, são nos novos
o s n ovo s e s c r i t o - mos morrer a nos- escritores, poetas e
res não conseguirão sa língua e a nossa autores que está o
vingar nunca. literatura. Acredito horizonte da litera-
E é exactamente que muito em bre- tura e, sobretudo, da
em páginas de Fa- ve, e isso tenho a nossa língua e do
cebook, em conver- certeza, as institui- nosso país, porque
sas em rádios ou ções de grande no- não dizê-lo.
em Tertúlias que se
vão efectuando um
pouco por todo o
país, ou através da
divulgação de algu-
mas editoras por pe-
quenas antologias e
concursos literários,
que aos poucos os
escritores e poetas
deste país vão mos-
trando amiúde os
seus trabalhos, as

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

QUERO SER TEU AMIGO


Fernando Pessoa

Quero ser o teu amigo. Nem E sem calar, quando for hora de
demais e nem de menos. falar.
Nem tão longe e nem tão perto. Nem ausente, nem presente por
Na medida mais precisa que eu demais.
puder. Simplesmente, calmamente,
Mas amar-te sem medida e ficar ser-te paz.
na tua vida. É bonito ser amor amigo, mas
Na maneira mais discreta que confesso é tão difícil aprender!
eu souber. E por isso eu te suplico
Sem tirar-te a liberdade, sem paciência.
jamais te sufocar. Vou encher este teu rosto de
Sem forçar tua vontade. lembranças.
Sem falar, quando for hora de Dá-me tempo, de acertar
calar. nossas distâncias...

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

Rita Pea

POEMA I uma língua


Canta inquieta
a madrugada a percorrer
entre os meus dedos o meu corpo.
o eco silencioso
das amendoeiras em flor.
POEMA III
Deitada na margem do rio
POEMA II a noite
A poesia molhou os meus lábios
tem seios fartos e a poesia
macios bebeu-me nua
e reclusa na sombra.

Rita Pea nasceu no Outono de 1986 em Lisboa. Escritora, Poeta, Dramaturga


e Libretista. Publicou Fragmentos de uma Alma (2009) e Nu Avesso das Pala-
vras (2016), O Espelho da Medusa (2018) e O Mar de Electra, 2021. Escreveu as
peças teatrais Abigail (2014) e Par 735 (2017), em parceria com Mónica Banza.
Estreou-se como Libretista ao escrever Lençóis de Vénus (2019) em parceria
com o Maestro Gonçalo Lourenço. Em 2020 escreveu o seu primeiro romance.
É membro da Academia de Letras e Artes de Fortaleza, Academia de Belas Ar-
tes do Rio Grande do Sul, Núcleo de Letras y Artes de Buenos Aires e Núcleo
Académico de Letras e Artes de Portugal.

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

«Sede honrados», mens pisarem o solo


e veem-nos apesar político, os mesmos
disso adormecidos ameaços de fisco, a
no seio ministerial; mesma gradativa de-
os homens da oposi- cadência. A política,
ção não confiam uns sem actos, sem fac-
O QUE nos outros e vão pa- tos, sem resultados,
VERDADEIRAMENTE ra o ataque, deitan- é estéril e adormece-
MATA
do uns aos outros, dora. 
Q uando numa
PORTUGAL
c o m b ate nte s a m i - crise se protraem as
Eça de Queiroz
gos, um turvo olhar discussões, as aná-
O que verdadeira- d e a m e a ç a . E s t a lises reflectidas, as
mente nos mata, o des c onfian ç a p er- lentas cogitações,
que torna esta con- o povo não tem ga-
juntura inquietadora, rantias de melhora-
cheia de angústia, mento nem o país
estrelada de luzes esperanças de sal-
negras, quase lutuo- vação. Nós não so-
sa, é a desconfian- mos impacientes.
ça. O povo, simples Sabemos que o nos-
e bom, não con- so estado financei-
fia nos homens que ro não s e res ol ve
h o j e t ão es p e c t a - em bem da pátria no
culosamente estão espaço de quaren-
meneando a púrpu- ta horas. Sabemos
ra de ministros; os que um deficit ar-
ministros não con- pétua leva à confu- reigado, inoculado,
fiam no parlamento, são e à indiferença. que é um vício na-
apesar de o traze- O estado de expec- cional, que foi criado
rem amaciado, aca- tativa e de demora em muitos anos, só
lentado com todas cansa os espíritos. em muitos anos se-
as doces cantigas Não se pressentem rá destruído. 
 O que
de empregos, ren- s o l u ç õ e s n e m r e - nos magoa é ver que
dosas conezias, pin- sultados definitivos: só há energia e acti-
gues sinecuras; os grandes torneios de vidade para aqueles
eleitores não con- p a l a v r a s , d i s c u s - actos que nos vão
fiam nos seus man- sões aparatosas e empobrecer e ani-
d a t á r i o s , p o r q u e sonoras; o país, ven- quilar; que só há re-
lhes bradam em vão: do os mesmos ho- pouso, moleza, sono
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

beatífico, para aque- de reforma econó- ção desta dolorosa


las medidas fecun- mica, duma despe- comédia, está can-
das que podiam vir sa a eliminar, dum sado: o poder anda
adoçar a aspereza bom melhoramento num certo grupo de
do caminho. 
 Trata- a consolidar? Come- homens privilegia-
-se de votar impos- çam as discussões, dos, que investiram
tos? Todo o mundo crescendo em so - aquele sacerdócio e
se agita, os gover- noridade e em len- que a ninguém mais
nos preparam relató- tidão, começam as cedem as insígnias
rios longos, eruditos argumentações ar- e o segredo dos orá-
e de aprimorada for- rastadas, frouxas, culos. Repetimos
ma; os seus áulicos que se estendem as palavras que há
afiam a lâmina re- por meses, que se pouco Ricasoli dizia
luzente da sua ar- prendem a todo o no parlamento ita-
gumentação para incidente e a toda a liano: «A pátria está
cortar os obstáculos sorte de explicação fatigada de discus-
eriçados: as maio- frívola, e duram as- sões estéreis, da
rias dispõem-se em sim uma eternidade fraqueza dos gover-
c o n cíl i o s p a r a j u - ministerial, imen- nos, da perpétua
rar a uniformidade sas e diáfanas. 
 O mudança de pes-
servil do voto. Tra- país, que tem visto soas e de progra-
ta-se dum projecto mil vezes a repeti- mas novos.» 


José Maria de Eça de Queiroz – nasci-


do em em Póvoa de Varzim, 25 de no-
vembro de 1845 e morto 16 de agosto
de 1900, mais conhecido como Eça
de Queirós, foi um escritor e diplomata
português. É considerado um dos mais
importantes escritores portugueses de
sempre. Foi autor de romances de reconhecida importância, como
Os Maias e O Crime do Padre Amaro. Os Maias é considerado por
muitos o melhor romance realista português do século XIX. Eça
de Queiroz e Machado de Assis são considerados os dois maiores
escritores em língua portuguesa do século XIX. Eça notabilizou-se
pela originalidade e riqueza do seu estilo e linguagem, o realismo
descritivo; e pela crítica social constantes nos seus romances. O
texto acima continua atual nos nossos dias.

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

A ILHA DA MINHA INFÂNCIA


Rosário Pereira

Lembro-me daquela janela de madeira,


Com vidros gastos pela história do tempo,
Já pouco deixavam ver para fora,
Pintura roçada da podridão seca vinda do
relento.
Foi por ela que olhei pela primeira vez o mundo
Foi no parapeito dela,
Que contemplei muitas madrugadas,
Que naveguei por alguns contos sem
naufragar na dor.

Nunca ninguém poderá adivinhar


A ilha da minha infância
Que abraçava as águas revoltadas
Deixando que se estendessem em suas areias
Para olhar as estrelas que bailavam no céu.

Nesse tempo,
Eu era um poema com letras ordenadas
Num universo de rimas silenciosas
Depositadas numa esperança sem estremecer.

Nesse tempo,
Viajava sem grandes paragens
E essa janela podre e fria
Era o apeadeiro do meu mundo
Onde eu sonhava acordada.

Rosário Pereira nasceu em Valença, Portugal. É uma apaixonada pelas coisas


simples da vida e pelas artes. Em Junho de 2015, publicou o seu primeiro livro
de poesia intitulado “Sentimentos”. Em 2017, foi convidada a participar com um
poema no mural “Muro dos Poetas” do Festival Internacional Kerouac, em Vigo.
Este mural foi construído em azulejos e colocado numa parede da Rua Londres
dessa mesma cidade espanhola. Em Junho de 2020, publicou o seu segundo li-
vro de poesia intitulado “Poeta Bandida” e em Dezembro de 2022 publicou “De-
vaneios”, também de poesia. Conta ainda com participação em 41 colectâneas
com outros autores.

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

poetas de além-mar, Catarinense de Letras,


porque afinal de con- numa gestão das mais
tas, foram eles que trou- atuantes e tem resga-
xeram para cá a nossa tado a obra de grandes
língua, a língua portu- nomes da literatura de
guesa. A única língua, nosso estado, republi-
ANTOLOGIA aliás, que tem a pala- cando suas obras. Ele
POÉTICA vra saudade. M 
 as não organizou e publicou,
AÇORIANO-
me surpreende que te- por exemplo, a obra de
CATARINENSE
nha sido o professor Luiz Delfino, o grande
Luiz Carlos
Amorim - Lisboa
Lauro a estar a frente lírico da poesia brasilei-
do grupo que organi- ra, o segundo maior po-
Em uma visita ao sau- zou a antologia luso-ca- eta catarinense, ficando
doso professor Lauro tarinense. Incansável, apenas atrás de Cruz
Junkes, um dos pesqui- além das inúmeras re- e Sousa. São mais de
sadores e crítico literário senhas sobre a obra 1. 300 (mil e trezentas)
mais atuante em Santa de quase todos os es- páginas, divididas em
Catarina, com um tra- critores de Santa Ca- dois volumes: “Poesia
balho constante e sério, tarina – e de outras Completa – Sonetos”
sempre divulgando as plagas, também – ele e “Poesia Completa –
letras do Estado, seja a tem algumas dezenas Poemas Longos”. 
 O
obra de novos escrito- de livros publicados so- professor Lauro publi-
res ou de autores con- bre literatura, foi o pre- cou, também os Contos
sagrados, ganhei um sidente da Academia Completos de Virgílio
grande presente. Foi
engraçado, pois fui co-
brar um presente que
ele me prometera e ele
me deu mais outros. O
presente que não ha-
via sido prometido é o
livro “Caminhos do Mar”
- Antologia Poética Aço-
riano-Catarinense. Cor-
ria o ano de 2005.
Reputo de grande im-
por tância essa in-
tegração de poetas
Prof. Lauro Junkes
catarinenses com os
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

Várzea, em dois volu- de estabelecer, pela pri- res: Antero de Quental,


mes, a Poesia Reunida meira vez, um diálogo Roberto de Mesquita,
de Maura Senna Pe- entre autores dos dois Armando Côrtes Rodri-
reira, o Teatro escolhi- lados do Oceano, aço- gues, Vitorino Nemé-
do de Horácio Nunes rianos e catarinenses. sio, Pedro da Silveira,
Pires. E mais resgates Então, por tudo o que Eduíno de Jesus, Ma-
de obras importantes já fez pela literatura até dalena Ferin, Emanuel
estavam sendo feitos e aqui, não me surpreen- Félix, José Martins Gar-
seriam publicados, não de que Lauro Junkes cia, Álamo Oliveira, J. J.
fosse a morte do escri- tenha se juntado a ou- Santos Barros, Vasco
tor e pesquisador recen- Pereira da Costa e ou-
temente. 
 Ele já havia tros. N

 a segunda parte,
escrito sobre “Açores – temos os Poetas da Ilha
Travessias”, que mostra de Santa Catarina: Mar-
a influência da cultu- celino A. Dutra, João
ra açoriana sobre es- Silveira de Souza, Luiz
critores catarinenses, Delfino, Lacerda Couti-
como Almiro Cadeira, nho, Delminda Silveira,
Flávio José Cardoso, Cruz e Sousa, Araújo
Virgílio Várzea, Othon Figueiredo, João Batista
D´Eça e Franklin Cas- Crespo, Othon D´Eça,
caes. O livro analisa Maura Senna Perei-
as obras dos cinco es- ra, Aníbal Nunes Pires,
critores, destacando a Júlio de Queiroz, sau-
sua ligação com a cul- tros escritores, catari- doso membro do Gru-
tura açoriana. “Açores – nenses e portugueses, po Literário A ILHA e
Travessias” foi lançado, para organizar a antolo- outros. U
 m documento
em meados de 2005, gia poética açoriano-ca- que perpetua a sensibi-
no evento Travessias - tarinense. N

 a antologia lidade, emoção, lirismo,
Encontro de Escritores encontramos, na pri- estilo e criatividade de
Atlânticos - Açores-Bra- meira parte, poetas do poetas catarinenses e
sil, que tinha o objetivo Arquipélago dos Aço- portugueses.

Luiz Carlos Amorim é escritor, professor, jornalista, editor e revisor. Cadeira


19 da Academia Sulbrasileira de Letras. Reside atualmente em Lisboa e é fun-
dador e presidente do Grupo Literário A ILHA. Editor das Edições A ILHA, que
publicam as revistas SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA e ESCRITORES DO
BRASIL e que já publicou mais de uma centena de livros solo e antologias. Tem
trinta e cinco livros publicados, nos gêneros conto, poesia, crônica, infanto-juve-
nil, história da literatura e crônica de viagem.

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

É MAIS LINDO VIVERMOS COM A PAZ


Carlos Cardoso Luís

Eu canto para a virgem mãe no altar,


um canto alegre, forte e bem profundo,
para pôr as crianças a brincar
e acabar com as guerras neste Mundo.

É mais lindo vivermos com a paz,


mas sem guerras, sem ódio, sem maldade.
Pois querendo o Homem pode ser capaz,
de amar para viver em liberdade.

Com liberdade falo, vejo e penso,


sinto no ar o perfume leve a incenso,
que traz a força e ajuda a lutar.

Um canto alegre forte e bem profundo,


que irá salvar um homem moribundo.
É meu canto á virgem Mãe no altar.

Carlos Cardoso Luís nasceu em Lisboa no dia 28 de Março de 1946. Começou


a escrever poesia com 13 anos. Publicou um livro de poesia a que deu o título
de “ GOTA D’ÁGUA”. Tem vários prémios e menções honrosas em poesia e pro-
sa. Participou em várias Antologias. Fez alguns prefácios, pósfácios e capas de
livros de Amigos. Escreveu onze letras de fado gravadas no CD “Marinheiro do
Fado”. De 2015 e 2018 foi Presidente da Associação Portuguesa de Poetas. Foi
Vice-Presidente da Associação Cultural o Patriarca do Fado Alfredo Marceneiro.

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

tar que nos fora ofe- dos em Lisboa, foram


recido lá. publicados lá, conse-
Depois disso, ganhei quentemente estão
alguns livros, outros na língua portuguesa
comprei e comecei praticada em Portu-
a ler escritores por- gal. Sabemos que a
LENDO tugueses contempo- unificação do portu-
ESCRITORES râneos, como José guês, falado em vá-
PORTUGUESES Luís Peixoto, Gon- rios países, não será
NO BRASIL
çalo M. Tavares e uma realidade nem
Luiz Carlos Amorim -
Escritor - Http://www.
Walter Hugo Mãe, a curto nem a longo
prosapoesiaecia. angolano que vive prazo, por mais que
xpg.com.br em Portugal desde queiram alguns, mas
Até pouco tempo tenra idade, Nicolau as palavras desco-
atrás, eu só havia lido Santos, Dulce Ro- nhecidas que encon-
os autores portugue- drigues e outros tan- trei nos livros que li
ses mais populares, não dificultaram a
mais conhecidos de compreensão ou a
nós, brasileiros: Fer- re c r iaç ão da s b e -
nando Pessoa, Sa- las obras. Acho, até,
ramago e Camões. muito interessante.
Pois estive algumas De José Luís Peixo-
vezes em Portugal to, li “Dentro do Se-
e lá encontrei livros gredo”, uma viagem
de outros autores da na Coreia do Norte.
terrinha maravilho- Num tom quase co-
sa, na casa da mi- loquial, o autor nos
nha filha Daniela e dá a oportunidade de
de Pierre Aderne, o tos. E que mergulho conhecer um país tão
cantor- compositor- agradável nas letras fechado para o res-
- es critor- produtor- portuguesas atuais, to do mundo como
-apresentador. embora os autores aquele. Em seguida,
Encantei-me com Mi- conhecidos ainda se- com certeza, vou ler
guel Torga, ao ler pe- jam poucos e eu te- a prosa de ficção e a
quenos trechos de nha lido apenas um poesia do escritor.
um grande livro anti- livro de alguns deles, “ Novos Contos da
go dele ou sobre ele, por enquanto. Montanha” é o livro
na Quinta do Crasto, Os livros, como já que li de Miguel Tor-
no Douro, em um jan- disse, foram compra- ga. Trata-se de um
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

nosso querido Júlio bilidade e profunda


de Queiroz, pois mui- percepção do ser hu-
tos de seus contos mano. Li “A Máquina
chegam ao desfecho de fazer Espanhóis”,
com revelações im- o quarto e último vol-
pressionantes, sur- ume da sua tetralogia
preendendo sempre, que mostra o tempo
nunca sendo óbvio. da uma vida humana,
De todos que li, Gon- desde a infância até
çalo foi o mais singu- a velhice. É claro que
lar, um pouco difícil vou ler os primeiros
de digerir, mas sem- três romances, até já
pre interessante. Pre- os comprei.
painel das almas da ciso ler mais da obra Então se a literatu-
s er ra p or tu gues a , dele. ra brasileira é boa,
como o próprio autor E Walter Hugo Mãe, tem grandes autores,
diz. Que magnífico o angolano - p or tu- não é por acaso. É
contador de histórias! guês, tamb ém me porque a literatura
Quanta singeleza, impressionou, não portuguesa é riquís-
quanto lirismo, quan- só pelo domínio sima em conteú-
to conteúdo, quan- sereno e tranquilo d o, em es t il o, em
ta criatividade, nos da língua-mãe, mas qualidade. Então os
contos desse gran- pelo fôlego e pe- grandes escritores
de escritor. Ele me la excelência de sua brasileiros têm a
lembrou um pouco o criação, pela sensi- quem puxar.

REVISÃO DE TEXTOS
E EDIÇÃO DE LIVROS
Da revisão até a entrega dos
arquivos prontos para imprimir.

Contato:
revisaolca@gmail.com

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

VOU BUSCAR-TE AO FIM DA TARDE


Valter Hugo Mãe

vou buscar-te ao fim da tarde,



porque a noite só escurece contigo ao

meu lado, porque a noite aprende por ti

o caminho aberto das estrelas

vou buscar-te ao fim da tarde,



e verás como preparei a casa, como

escolhi a música, como, enfim, espalhei

os objectos mais impressionados contigo,

os que ganharam vida por se interporem

na espessura estreita que vai do meu

ao teu coração

e não mais devolvo, correndo todos os



riscos de não amanhecer nunca

numa loucura propositada por ti

não mais te devolvo,



ocuparás o mundo debaixo e sobre mim,

e não haverá mais mundo sem que seja
assim

Valter Hugo Mãe é um escritor português que nasceu numa ci-


dade angolana outrora chamada Henrique de Carvalho, actu-
al Saurimo. Passou a infância em Paços de Ferreira e em 1980
mudou-se para Vila do Conde. Licenciou-se em Direito e fez uma
pós-graduação em Literatura Portuguesa Moderna e Contem-
porânea. Em 1999 foi co-fundador da Quasi edições na qual publi-
cou obras de Mário Soares, Caetano Veloso, Adriana Calcanhotto,
Manoel de Barros, António Ramos Rosa, Artur do Cruzeiro Seixas,
Ferreira Gullar, Adolfo Luxúria Canibal e muitos outros.
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

aquisição, por parte de dos pais da crianças


cada indivíduo, de co- – que não estão pa-
nhecimentos no campo ra investir um pouco
intelectual, moral, físico do seu “precioso” tem-
e de inserção na socie- po a educar os filhos;
dade. Diria ainda que a culpa é também de
EDUCAÇÃO, a Educação anda de alguns professores,
LIVROS E mão dada com a Cul- pois muitos limitam-se
LEITURA
tura, pois esta última é a “estar na aula” e a ir
Um livro é uma
viagem a um mundo
a arte de estar na vida buscar o salário ao fim
de imaginação e e pressupõe o desen- do mês; a culpa é ain-
de criatividade, e

 volvimento prático dos da dos meios de co-
aqueles que não
lEem permanecerão
conhecimentos adquiri- municação social, com
para sempre no dos através da primeira. particular ênfase para
mesmo lugar. Se aprofundarmos a a televisão e os seus
Dulce Rodrigues nossa reflexão, possi- programas medíocres
velmente veremos que a todos os níveis; a cul-
Sem pretender ser cada povo tem a edu- pa é, afinal, da grande
exaustiva ou ser deten- cação que merece. No maioria da sociedade
tora de uma qualquer pelos maus exemplos
verdade absoluta, gos- que dão. Curiosamen-
taria de partilhar algu- te, são sempre os que
mas reflexões sobre a mais falam e protestam,
Educação, sobretudo que menos fazem. E 
 m
em Portugal, reflexões Portugal, não faltam
essas fruto de uma painéis de discussão
longa experiência de caso que nos interes- sobre reformas do en-
vida, tanto no estran- sa, Portugal, estamos sino, competências dos
geiro como dentro des- sempre à espera que professores, projectos
te rectângulo de terra seja o Governo (qual- e programas educati-
à beira-mar plantado quer que ele seja) a fa- vos... Mas, tudo isto não
a que chamo “o meu zer tudo por nós. Ora a passa de palavras atira-

 ntes de entrar Educação é algo que
país”. A das ao vento ou escri-
propriamente no assun- também está ao nos- tas em folhas de papel.
to, impõe-se a definição so alcance individual. A 
 Onde estão as verda-
do que entendo como culpa da Educação que deiras acções? Não me
“Educação” e que, na temos é dos respon- refiro a uns cursinhos
minha modesta opi- sáveis governamen- intensivos de três me-
nião, é o processo de tais, sim, mas também ses – as “Novas Opor-
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

tunidades” – onde os mente, das crianças, àquela pergunta: Es-


estudantes, pompo- futuros adultos de ama- ses mesmos adultos
samente chamados nhã. R
 ecordo-me com são aqueles que foram
de formandos obtêm frequência de um arti- “castrados” intelectual-
o certificado de equi- go de um psicólogo in- mente em crianças por
valencia ao 9º. ou 12º. glês, de cujo nome me adultos também eles
anos. Com estes cur- esqueci, que se ques- vítimas de castração in-
sinhos de brincar - “As tionava por que razão telectual. É um círculo
Novas Oportunidades” a maioria das crianças vicioso familiar do qual
– gastaram-se e, pos- são inteligentes, cria- tem de se sair em de-
sivelmente continuam tivas, curiosas, aven- terminado momento, e
a gastar-se, rios de di- tureiras... e a maior o melhor momento é
nheiro para passar parte dos adultos são precisamente o perío-
certificados de ignorân- estúpidos, rotineiros e do da primeira infância,
cia. A

 Educação – e a para podermos "sair"
Cultura – em Portugal ainda antes de termos
necessitam efectiva- "entrado". 
 C ompete,
mente de uma reforma. portanto, aos pais to-
O sistema de ensino marem a responsabili-
tem de ser reinventado dade de dar aos filhos
nos seus três vectores: uma melhor Educação
a sociedade, os pais do que aquela que ti-
e a escola. Enquan- veram. Ao procederem
to não educarmos os assim, esses pais, ou-
adultos (os pais), dificil- trora eles próprios ví-
mente conseguiremos conformistas? 
Deixo timas inocentes, terão
mudar a mentalidade a pergunta em aber- também a possibilida-
tacanha e medíocre da to, para que cada um de de dar um passo em
sociedade em geral, possa meditar sobre a frente para encontra-
logicamente dos seus resposta. Todavia, per- rem alguma realização
(des)governantes, dos mito-me partilhar o que na sua própria existên-
professores e, obvia- seria a minha resposta cia.

Dulce Rodrigues é uma escritora portuguesa que vive um pouco por toda a Europa.
Gosta de jardinagem, fotografia, arte, música, animais e livros – especialmente os que
escreve para crianças e jovens… de todas as idades. Ela é uma autora de obra infanto-
-juvenil extensa e de imenso sucesso em vários países. É uma apaixonada por História e
por viagens. Dulce Rodrigues foi distinguida com duas bolsas de estudos e nove prémios
literários, entre eles o Hollywood Book Festival nos Estados Unidos e o London Book
Festival no Reino Unido. Algumas das suas peças foram representadas no estrangeiro.

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

FANATISMO
Florbela Espanca

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida



Meus olhos andam cegos de te ver!

Não és sequer a razão do meu viver,

Pois que tu és já toda a minha vida!



Não vejo nada assim enlouquecida...



Passo no mundo, meu Amor, a ler

No misterioso livro do teu ser

A mesma história tantas vezes lida!

"

Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."



Quando me dizem isto, toda a graça

Duma boca divina fala em mim!



E, olhos postos em ti, digo de rastros:



"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,

Que tu és como Deus: Princípio e Fim!..."

Florbela Espanca, nome literário de Florbela da Alma da Conceição, nasceu


em Vila Viçosa, no Alentejo, Portugal, no dia 8 de dezembro de 1894. Foi uma
grande poetisa portuguesa. A sua vida, de apenas 36 anos, foi plena, embora
tumultuosa, inquieta e cheia de sofrimentos íntimos, que a autora soube trans-
formar em poesia da mais alta qualidade, carregada de erotização, feminilidade
e panteísmo.

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

cei a desmontar tudo. mado entrelaçamento


Reparei, sem grande quântico. Segundo a
surpresa, dado tal fe- mecânica dois ou mais
nómeno ser recorrente objetos situados a mi-
sempre que começo a lhões de anos-luz de
remexer nas estantes, distância podem estar
RODEADO POR que, nas filas de trás, ligados uns aos outros
LIVROS iam surgindo títulos de tal forma que, atuan-
José Eduardo Agualusa desconhecidos. Não do sobre o primeiro, os
Gosto de me sentir ro- me lembro de ter com- restantes respondem
deado por livros. A prado aqueles livros. a tal ação no mesmo
presença de livros, de Não sei como se intro- instante. 
Quem acre-
muitos livros, tem um duziram na minha ca- dita em teses como
poder calmante, como sa. A
 credito, desde há esta não tem por que
flutuar num oceano pa- muito tempo, que livros não acreditar que livros
cífico, olhando o céu, esquecidos nos confins esquecidos evoquem
numa tarde de sol. Es- de estantes remotas para o seu convívio ou-
crevo melhor em casa, tendem a chamar ou a tros livros esquecidos,
na minha biblioteca. engendrar novos livros. ou — possibilidade
Ontem, interrompi o ro- Trata-se de um prodí- que exige um esforço
mance em que estou gio ignorado pela ciên- de credulidade apenas
a trabalhar para procu- cia. Isso não o invalida. um pouco maior — que
rar uma coletânea de A ciência reconhece dois ou mais livros jun-
haikus, na secção de hoje prodígios muitíssi- tos interajam uns com
poesia. Não encontrei mo mais assombrosos, os outros, numa espé-
o livro que procurava, infinitamente menos cie de festiva suruba
de forma que come- credíveis, como o cha- literária, de forma a ge-
rar títulos inteiramente
originais. Pode ser que
os dois prodígios ocor-
ram simultaneamen-
te: uns livros chegam
através de misteriosas
cerimónias de evoca-
ção; os outros são en-
gendrados, ali mesmo,
nas estantes, a partir
de terceiros. E 
 m deter-
minada altura da minha
60
Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

comecei a ler). Todos mesmo sido escrito


aqueles livros foram num tempo futuro, num
realmente publicados. dialeto futuro.
Os seus autores são Fiquei particularmen-
conhecidos. As edito- te maravilhado com
ras que os publicaram um volume, em carac-
têm existência mais teres árabes, que me
ou menos comprova- pareceu uma reprodu-
da. Antes de surgirem ção moderna de um
na minha biblioteca re- ensaio muito antigo
sidiam certamente em sobre a extinção dos
alguma outra. A bio- unicórnios. Guardei-o
busca caiu-me aos pés grafia de Kapuscinski entre um exemplar au-
um volume magro, Si- aliás, traz na terceira tografado da primeira
logismos da Amargura, página uma nota, a lá- edição moçambicana
de Emil Cioran. Ficou pis, do presumível pro- de Vozes Anoitecidas,
caído de borco, aber- prietário original. M

 ais do Mia Couto, e uma
to, indefeso, em meio curiosos são os livros volumosa biografia do
à desordem geral. De- tão improváveis que só grande viajante inglês
brucei-me para o apa- podem ter nascido do Richard Francis Bur-
nhar, segurando-o pela concúbito ansioso de ton (por este exemplo
primeira vez entre as vários títulos desencon- podem avaliar a desor-
minhas mãos espan- trados. Descobri, por dem em que se encon-
tadas, e li: «Passados exemplo, um tratado tra a minha biblioteca).
os 30 anos deveríamos romeno de pogonolo- Quando voltei a procu-
dar tanta importância gia (o estudo da barba), rá-lo já não estava lá.
aos acontecimentos e um título de poesia
quanto um astrónomo redigido num perverso
aos mexericos.» C 
 olo- dialecto do português.
quei o livro de E.M. Cio- O livro de poemas tra-
ran na pilha dos «livros zia a indicação de ter
evocados», juntamente sido impresso em 2017.
com um volumoso en- Pode ser um erro de
saio, em francês, so- ortografia. Pode ser
bre poesia chinesa, e que o livro inteiro não
a biografia, em inglês, seja outra coisa senão
de Ryszard Kapuscins- uma penosa coleção
ki, de Artur Domosla- de erros de ortografia.
wski (que, entretanto, Ou não — talvez tenha
61
Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

priedades em redor —
uma escola, um lagar,
um quartel da Polícia
—, e agora a bibliote-
ca estende-se por to-
dos aqueles espaços.
Emergimos de um cor-
redor sombrio e esta-
mos num pátio e logo
a seguir nos antigos
José Pacheco Vieira calabouços da Polícia,
sempre entre livros. A
Suponho que terá sido Pacheco Pereira co- biblioteca ameaça de-
convocado para outra meçou por adquirir um vorar a povoação in-
biblioteca. casarão enorme nu- teira. Imagino o furor
Visitei recentemente ma localidade perto de noturno nas estantes
aquela que deve ser Lisboa, mas depressa dobradas ao peso dos
a maior biblioteca pri- compreendeu que não livros. Os desvairados
vada de Portugal. Per- iria conseguir colocar lá títulos que ali se engen-
tence a José Pacheco todos os seus livros — dram. O fantasma de
Pereira, conhecido mais de 100 mil. Então Borges vagando feliz
comentador político. foi comprando as pro- pelos corredores.

José Eduardo Agualusa nasceu na cidade do Huambo, em Ango-


la, a 13 de dezembro de 1960. Estudou Agronomia e Silvicultura.
Viveu em Lisboa, Luanda, Rio de Janeiro e Berlim. É romancista,
contista, cronista e autor de literatura infantil. Os seus romances
têm sido distinguidos com os mais prestigiados prémios nacionais
e estrangeiros, como, por exemplo, o Grande Prémio de Literatu-
ra RTP (atribuído a Nação Crioula, 1998); também os seus contos
e livros infantis foram merecedores de prémios, como o Grande
Prémio de Conto da APE e o Grande Prémio de Literatura pa-
ra Crianças da Fundação Calouste Gulbenkian, respetivamente.
O Vendedor de Passados ganhou o Independent Foreign Fiction
Prize, em 2004, e, mais recentemente, o romance Teoria Geral do
Esquecimento foi finalista do Man Booker Internacional, em 2016,
e vencedor do International Dublin Literary Award (antigo IMPAC
Dublin Award), em 2017.
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

Jorge Vicente nasceu em Lisboa. Com Mestra-


do em Ciências Documentais, tem poemas publi-
JORGE cados em várias antologias e revistas. Faz parte
VICENTE da comissão editorial da revista virtual Incomu-
nidade. Publicou 5 livros, o último "Cavalo que
passa devagar" Contato: jorgevicente.seacar-
rier.@gmail.com
1.
o meu amor chegou 3.
com as folhas talvez ainda me demore no
caminho estreito
no caminho sanguíneo e
chegou a esse grande lugar apertado
a essa grande palavra mas as moradas são como um
a essa talvez tão grande, corpo habitado por gaivotas:
tão transparente
e sem brilho, mergulham sempre nas falésias
brancas da praia.
chegou com toda a luz
da maré solar, mas sempre [e
sempre]
com o abismo
de toda a minha alegria.

2.
falha flor
falha temerosa cidade
falha rosa de Hiroxima ou de
Harlem
falha rosa de fogo anunciando
amianto ou xisto ou gás de
esperança

falha genocida voz como as


águias
falha entre continentes e
oceanos
entre grito amazónida e de voz
pintada
de voz talvez tão falha como a
sucuri que espreita
no recôncavo das folhas.

63
Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

LEVANTO ÂNCORA
Georgina Caçador

Levanto âncora As que sempre me seduziram.


E navego ao fim de universo. Que sempre me deram
Aceito a sede de viagem caminhos
Vou no caminho das Para eu percorrer.
constelações, Sempre me encheram a alma
Gravo na pedra os meus versos. Ou me deixaram o vazio,
Que escrevi com coragem Pois também sempre fugiram,
Da vida e das emoções. Me deixaram abandonada
Parada a morrer.
Levanto âncora e faço-me ao
mar. Levanto âncora
Às correntezas e infinitas vagas. Vou viajar.
Mergulho nas profundezas No meu espaço de querer,
escuras
Quero-me leve a navegar,
Que sempre me levaram,
No meu caminho.
Às estúpidas amarguras
Do meu viver ao morrer,
E rendo-me às palavras.
Desde o espaço às profundezas
do mar.

Georgina Caçador nasceu em Coruche, Ribatejo, Portugal. Escreve desde os


12 anos. As publicações iniciou-as depois dos cinquenta anos. Nesses per-
curso tem poemas publicados em Portugal, Brasil e Moçambique através de
Antologias e coletâneas. “Viveiro De Palavras”, poesia, foi o seu primeiro livro.
Seguiu-se “Portugal A Dois Tempos”, crônicas . Em 2021 lança um livro de fic-
ção narrando uma historia acerca da maneira de viver das pessoas que vivem
na charneca do Ribatejo e vivem dos trabalhos duros e rudes que nela existem.
“Até a Cortiça Que Cresce Tão Lenta Se Dá Ao Machado Com Bravura”. Trocou
Lisboa pela charneca e não está arrependida.

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

AMOR É FOGO QUE ARDE


SEM SE VER
Luís Vaz de Camões

Amor é fogo que arde sem se ver,



é ferida que dói, e não se sente;

é um contentamento descontente,

é dor que desatina sem doer.


É um não querer mais que bem querer;



é um andar solitário entre a gente;

é nunca contentar-se de contente;

é um cuidar que ganha em se perder.



É querer estar preso por vontade;



é servir a quem vence, o vencedor;

é ter com quem nos mata, lealdade.



Mas como causar pode seu favor



nos corações humanos amizade,

se tão contrário a si é o mesmo Amor.

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

pontapeando as no meio de tanta


pedras da rua, feito gente, deu-me uma
puto reguila que vai vontade enorme de
contrariado para abraçar aquela ár-
a es c ola , levantei vore. E se pensei
a c abeç a , apenas a s s im o fim. T irei
TUDO POR porque o tempo a gravata e atei-
UM ABRAÇO ameaç ava c hover, -a como corda que
Adélio Amaro, num dia tão nubla- atraca um simples
Leiria, Portugal
do e cinzento como barco num porto de
Hoje, quando saí o meu interior, con- pesca, pois aquela
d e c a s a , d e i xe i o fuso, cheio de nu- árvore passou a ser
carro na garagem, vens de nada e sem para mim "alguém"
e fui a pé de ca- sonhos solarengos. em quem posso
beça baixa. Não E uma chuva ligei- c o n f i a r, e d e i x e i
apetecia trabalhar. ra invadiu o meu n ela a l g o q ue m e
Far to da s c onfu - caminho, abriguei- identificava perante
sões, das ilusões, -me debaixo da co- os outros.
das funções, dos pa de uma ár vore, Continuei meu ca-
mandões, e muitos que ali estava, des- minho, com o fato
outros "ões" que fa- de que sou gente, a ficar encharcado
zem da nossa vida e só hoje olhei pa- e o p o u c o c a b el o
verdadeiros trapa- ra ela e reconheci que mora na caixa
lhões aos trambo - a sua importância. dos meus sonhos
lhões. De repente, c omo a ficar embaciado
Depois, conforme alguém que sente pela água que o in-
fui caminhando e a dor de estar só, vadia . Não dem o -
rou muito para ver
o Zé Barbas, com o
seu casaco rasga-
do e encardido, de
calça rota e varrer
o chão, chapéu en-
g elhad o c om uma
beata de cigarro na
lapela, uma garrafa
c om rolha de c or-
tiça já roxa no bol-
s o d o c a s ac o e o
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

seu rafeiro (Piloto) em poucos segun- va por entre as nu-


preso por uma fita, dos algo me fez vens. Sabia bem
a agitar o c aixote vol t ar atrá s. Che - o s eu c a l o r a s e -
do lixo, aliás como guei junto do Zé car a roupa que me
todos os dias eu Barbas e dei-lhe o encharcava o cor-
via quando por ele meu casaco e ele, po... mas o que me
passava de carro. desconfiado, tirou o par tia a alma era
Não res i s t i e aju - dele e pendurou-o a forma estranha
dei- o a levantar a na borda do caixo- como as pessoas
tampa do caixote te do lixo. Ele ves- m e o l h ava m, c o m
e espreitei lá para tiu o meu e eu levei aquele casaco sujo
dentro, com a cara o dele, devolvendo- e molhado e cabelo
de lado devido ao -lhe a garrafa. colado à cabeça.
cheiro nauseabun- A c huva c ome ç ou Já com o sol a
do que dele brota- a apertar e vesti o aquecer o dia,
va. Ele olhou para casaco do Barbas. abandonei o casa-
mim e disse: Na berma da estra- co num caixote do
– Que queres dou- da, todo encharca- lixo e fui trabalhar,
tor? do fui levando com embora muito inco-
Eu esgueirei o a água que saltava m o dad o p or es t ar
olhar na sua direc- q ua n d o o s c a r r o s com a roupa amar-
ção e apenas enco- por mim passavam. rotada e suja...
lhi os ombros. Já no centro da ci- No outro dia , vol -
E com receio de d a d e, s e n t i a i m - te i a o n o r m a l, f u i
encetar conversa portância de um trabalhar de carro,
com ele, continuei simples raio de sol passei pela árvore
o meu caminho e que se esgueira- que estranhamente
tinha a minha gra-
vata no chão, com
lama seca, e pou-
co metros depois lá
encontrei o Zé Bar-
bas no caixote do
lixo. Q uando c he -
guei ao es c r i tó r i o
tinha pendurado na
porta o casaco que
havia dado ao Bar-
bas!
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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

Interrogado com o nha o casaco sujo pesado... eu prefi-


que estava a acon- e roto que eu tinha ro andar sujo e ro-
t e c e r, p e g u e i n o levado e abandona- to, nas b oc as do
carro e fui ter com do num outro caixo- lixo, que andar to-
o Barbas. Quando te do lixo. do bonitinho com
o encontrei, saí do Ele, com uma cal- a alma amarrota-
carro furioso e di- ma incrível, com a da e suja... sabes
rigi-me a ele dizen- beata apagada no porquê, doutor?
do: canto da boca, que Porque mesmo vi-
– Q ue é isto pá?! s e p er d ia p o r en - vendo na miséria,
Rejeitaste o casaco tre as suas barbas eu ainda consigo
que te dei? Pobre e enormes e despen- abraçar aqui o Pilo-
mal-agradecido. teadas, respondeu- to. E o teu casaco
E, enquanto lhe di- -me: prendia-me os bra-
z i a t a i s p a l av r a s , – Oh doutor. O seu ços, não me deixa-
reparava que ele ti- casaco era muito va abraçar...

ADÉLIO AMARO, nasceu em 1973, em Leiria. Entre vários cur-


sos frequentou Design da Comunicação e História de Arte do Sé-
culo XX. Atualmente é Presidente do Centro de Património da
Estremadura (CEPAE) que engloba todo distrito de Leiria e o con-
celho de Ourém, tendo nos corpos sociais a presença de sete
municípios e presidente da BiblioRuralis – Associação Cultural.
É Consultor para a Cultura Popular do Município de Leiria, Dire-
tor Artístico do Agromuseu Municipal Dona Julinha, Presidente da
BiblioRuralis Associação Cultural, Diretor do jornal Gazeta Lusófo-
na (Suíça) desde 2020 e Coordenador Editorial da editora Portugal
Mag (Paris, França).

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

PALHAÇO
Frankelim Amaral, Vagos, Portugal


Sou palhaço, de sapatos rotos.



Salto, corro e danço na rua.

Invento cambalhotas e dou
pulos,

Que vão da terra até à lua.

Faço magia com um coelho,


Espetáculos de mil balões.
Com este meu nariz vermelho,
Sou o rei das imperfeições.


Estou presente, estando


ausente,

Pés na terra, cabeça no espaço.

Canto, danço, vivo
simplesmente,

Sou assim, um simples
palhaço…

Frankelim Gomes Amaral é coordenador e editor na Portugal Mag Editora,


membro do Circulo dos Poetas Lusófonos de Paris, da Associação dos Autores
Lusófonos de França, Associação Portuguesa dos Escritores, Academia de Le-
tras e Artes de Paranapuã de Rio de Janeiro e Sociedade Portuguesa de Auto-
res.
Tem sido homenageado por várias instituições, pelo seu empenho e trabalho
em prol da cultura portuguesa, como o prémio «Empreendedorismo Inovador
na Diáspora Portuguesa», iniciativa da COTEC, prémio entregue pelo presiden-
te da República.
Produtor e organizador de eventos culturais. Livros publicados: O Grito do Silên-
cio, Segredos, A Gaveta, Espalhando palavras no caminho da lusofonia, Adélio
Amaro, a voz da cultura lusófona, Memórias Fotográficas, Amor

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

EXTINÇÃO
Pedro Antunes, Leiria, Portugal

Se um dia eu me extinguir.
Quer seja alma, vácuo, ou vento…
Que parta eu sem qualquer lamento...
Sem qualquer angústia por não ser.

Que não fiquem de mim


Castelos nem tesouros...
Nem despojos de convés
E que me tenha dado todo

Que não haja em mim...


Nunca vontade de ser tudo...
Mas que mesmo a medo
Tenha sido vaga essência

Que possa ser essência


Mesmo que carta sem baralho
Mas que não haja nunca em mim
A angústia de não ter sido.

Que a ínfima parte do ser que fui


Tenha pela entrega sabido ser raiz
E que ainda que pó ao vento
Tenha achado forma de ser chão.
Pedro Antunes fala de si mesmo: Quem sou eu... Às vezes queria ser apenas
um escolho atirado aos ventos, outras a minha faceta de louco faz-me querer
enveredar por caminhos que desconheço e espanto-me a mim próprio. Diria
que sou alguém que aspira a ser simples. Se um dia me for espero ser lembra-
do como um amigo e permanecer vão e escasso nas linhas que vou vertendo
no papel.

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

O MEU MAR
Trindade Pereira, Leiria, Portugal

Navegava em perfume cada onda um rochedo


o meu doce mar monstros em reboliço.
sorria a cada cardume
ouvia a sereia a cantar. Veio a brisa anunciar:
- Voltou a calmaria.
O mau tempo chegou, Vi os rios abraçar
velejava o medo marés cantavam o hino,
o mar se zangou os peixes aplaudiam
a sereia pegou feitiço a chegada ao destino.

Trindade Pereira nasceu em Carvide, Leiria. Foi Auxiliar de Educação durante


19 anos e licenciou-se em Educação de Infância em 2010. Pós-Graduação em
Livro Infantil, 2016/2017.
Tem poemas publicados em Antologias e Coletâneas de Poetas Lusófonos.
Autora dos livros infantojuvenis: “Capitão Brincalhão”, 2014, “Piratinha Brinca-
lhão” 2018, e “O Reino de Bol, o Caracol”, 2022”, que integram letras musicadas,
suporte de voz pelo coro juvenil do Orfeão de Leiria.

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

O SEU AMOR ME FASCINOU


Ígor Lopes, Covilhã, Portugal

Como se eu pudesse acreditar Me sinto singular…


Deixei me envolver no seu olhar Capaz de mudar e ser popular
Coisas tão reais…
Por que fui me apaixonar? Infelizmente acordei
Vivi o dia e não lhe encontrei
Trato os devaneios com rigor Onde você estava???
Todos os poemas são de amor Será que lhe desapontava?
E são tão iguais…
Fazem parecer conceituais Agora já não posso mais querer
Acordar e experimentar você
Deixo acontecer a ilusão Tudo terminou…
Passo a passo sigo a sua mão O seu amor me fascinou!

Ígor Lopes é jornalista e escritor; Doutorando em Ciências da Comunicação


(Universidade da Beira Interior); Mestre em Comunicação e Jornalismo (Univer-
sidade de Coimbra); Especialista em Gestão de Redes Sociais e Comunidades
para Jornalistas (Universidade de Guadalajara) e em Comunicação Mediática
(Universidade de Santiago de Compostela); Licenciado em Comunicação So-
cial, na vertente Jornalismo (FACHA). Professor convidado da FACHA, coorde-
nador de redação do Gazeta Lusófona, Suíça; jornalista da agência e-Global,
Lisboa; correspondente do programa de TV “Assim é Portugal”, Brasil, e autor
do podcast “Rumo ao Sul” na RDP Internacional. Autor de livros-reportagem e
membro de Academias de Letras e Artes.

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

O QUE É SER POETA


Mariana Vaz Heleno, Leiria, Portugal

O poeta é um ser sentimental Sente aquilo que ousa dizer.


Fala com o coração, com os O poeta exprime através da
olhos escrita
O que a boca quer manifestar De forma desmedida:
Através de um simples olhar. Fala, escuta, não fica
O poeta tem sensibilidade: indiferente,
Na voz, no sentido, Aos problemas dos outros,
Olha com atenção, Às circunstâncias da vida.
E vive em liberdade, escondido. Ser poeta é ser
Ouvindo as batidas do seu Um comum mortal,
coração, É sentir necessidade de pôr em
O poeta fala verdade alerta,
E tenta perceber com muita Tudo o que a vida lhe desperta
autenticidade, Num grito silencioso,
descomunal.

MARIANA VAZ HELENO é natural de Mértola, Beja. Emigrante na Suíça duran-


te oito anos, vive atualmente em Carvide, Leiria. A paixão pela poesia e a escrita
sempre a acompanharam ao longo da vida.

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

NÃO ME ACORDES
Catarina Pedrosa, Leiria, Portugal

Não me acordes Não me acordes


Quando sais de mansinho Depois do nosso momento
Pela madrugada Perdidos no espaço e no tempo
E me deixas dormindo Entre ânsias, desejo
Num sono profundo Saudades e paixão

Não me acordes Não me acordes ainda


Deixa que fique ainda Deixa que o dia desponte
Por mais umas horas Que chegue a luz da manhã
Perdida no mundo irreal Que cantem os pássaros
Do sonho e ilusão E me lembre de ti…

Catarina Pedrosa nasceu em 1976 em Bajouca, Leiria.


Participou em várias antologias e colectâneas. Tem a sua página no Facebook
“rabiscoseestadosdealma” desde 2017, onde partilha alguns textos.
Em 2021 lançou o seu primeiro livro de poesia “Dar voz à alma”, cujo objetivo é
chamar a atenção para a saúde mental e tentar ajudar as pessoas com a sua
obra.

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

LÍNGUA PORTUGUESA
Olavo BilaC*

Última flor do Lácio, inculta e bela,


És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela

Amo-te assim, desconhecida e obscura


Tuba de algo clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma


De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!",


E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
(*) Este autor é brasileiro, mas entra nesta edição pela belíssima homenagem à nossa língua portuguesa.

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Suplemento Literário A ILHA – Junho/2023 – N. 165 – Edições A ILHA – Ano 43

LITERARTE
INAUGURAÇÃO DE BIBLIOTECA EM SC

fui juntando ao lon-


go dos anos. Mas
destiná-los para este
espaço é dar vida a
eles, fazer com que
mais pessoas pos-
sam ter acessos a es-
tas obras”, afirma.
Toda a reforma da ca-
sa, que é da década
de 1940, foi realizada
Professor Celestino Sachet autografando.
pela própria família.
Agora, o município
N o va Ve n e z a (S C) das autoridades em vai administrar o es-
possui diversos casa- literatura catarinense, paço e preservar a
rões históricos e um fez a doação para o história. Ainda, junto
deles, depois de anos município. Mas com com a biblioteca, que
servindo de moradia uma condição, do po- pode ser visitada pela
para duas importan- der público preservar comunidade, também
tes famílias do mu- a história do local e vai servir como a no-
nicípio, virou, no dia seus livros. “Esses li- va sede da Secretaria
20 de maio, Espaço vros fazem parte da de Cultura, Esporte e
Cultural Família Brat- minha vida inteira, Turismo.
ti Sachet e Biblioteca
Municipal – Acervo
C el e s t i n o Sa c h et .
Inaugurado com a
presença de autori-
dades e familiares, o
espaço conta com 25
mil livros, com desta-
que para a literatura
catarinense.
Aos 95 anos, o pro-
fessor e escritor Ce-
lestino Sachet, uma Professor Celestino Sachet revendo seus livros na nova biblioteca

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