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Escola Secundária Dr.

Baltazar Lopes da Silva


C.P.- 59 Telef/Fax – 351114/ –Email EBLS@hotmail.com Vila da Ribeira Brava São Nicolau

2ª Prova Língua Portuguesa – 10ª Ano – 1ª Trimestre – 4/12/2021

Nome: _________________________________ Turma: _________Nota: _________Prof._______

A Casinha no Caleijão

Como quem ouve uma melodia muito triste, recordo a casinha onde nasci, no Caleijão.
O destino fez-me conhecer casas bem maiores, casas onde parece que habita constantemente o
tumulto, mas nenhuma eu trocaria pela nossa morada coberta de telha francesa e emboçada de
cal por fora, que o meu avô construiu com dinheiro ganho de-riba água do mar. Pena que o
meu avô tivesse morrido tão novo, sem gozar direitamente o produto do seu trabalho.
E lá toda a minha gente se fixou. Ela povoou-se das imagens que enchiam o nosso
mundo. O nascimento dos meninos. O balanço da criação. O trabalho da hortas e fadiga de
mandar comida para os trabalhadores. A partida de papai para a América. A ansiedade quando
chegavam as cartas. Os melhoramentos a pouco e pouco introduzidos pelos dólares que
recebíamos. Mamãe deslizava como uma sombra silenciosa no tráfego da casa. Mamãe-velha
não parava, indo de um lado para outro, como se nada pudesse fazer-se sem a sua fiscalização
e os seus gritos. A minha avó só sabia querer a sua gente descompondo.
Ao lado da casa grande, de quatro quartos, ficava a casinha desaguada, onde Mamãe
fazia a despensa, e que nos dias de chuva servia para abrigar as galinhas da criação.
A casinha desaguada era a tentação da meninência. Mamãe guardava lá o barril de
farina-de-pau, a talisca que ficava da rala da mandioca e o peixe seco da ilha do Sal, tao bom
para se misturar na boa, mesmo cru, com a mãozada de farinha apanhada às escondidas. Os
meus dois irmãos mais novos incitavam-me às incursões na despensa. Lela e Nanduca não
mediam bem a responsabilidade que resultaria da descoberta do delito. Por isso horavam, quase
gritando, quando eu hesitava:
- Mano Chiquinho, Mamãe não vê…
Geralmente era depois do almoço que eu me arriscava no interior da despensa. Àquelas
horas, Mamãe estava lá para dentro ocupada a escarolar a louça e a tirar o queimado à caldeira
para dar ao Baluca, um cão de guarda manhento de comida que nem menino nascido na
fraqueza da lua. Ou então ficava sentada no baú a dar pontos na roupa e a botar chapas nas alas
da meninência.
Assim, depois do jantar do meio-dia, tínhamos jazigo para as nossas aventuras na asinha
desaguada. Mal eu punha o último bocado, fazia o Pelo-Sinal e abalava para fora com jeitos
manhosos de mula-velha. Mamãe ralhava comigo:
- A virgem Santíssima há-de te dar juízo e governo na cabeça! Pareces o cavalo de nhô
António Aninha, não para nunca na manjedoura…
Eu saía direitinho à cancela, para dar a entender que ia ter com os camaradas da
brincadeira, mas depois deslizava encostado à parede do tapadinho, dava uma volta debaixo de
asa e entrava na despensa.
Nem sempre a operação se fazia sem incidentes. De uma vez o Baluca denunciou-me à
saída porque, como lhe tivesse engatado o rabo na porta, começou a uivar com a sua voz
esganiçada de sopleta-e-fogo. Naquele dia comi uma sova de lato que me deixou o corpo
talhado de vergônteas. Mamãe pegou-me com uma indignação que lhe fazia tremer as mãos.

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Furtadela só coisa própria de menino sem eira nem beira. De mais, ela não queria que a fama
da sua asa fosse injustamente minguada na boa de linguareiros, que só sabem nicar na vida do
próximo. Mamãe-Velha interveio em minha defesa. E foi um chover de atenuantes sobre as
minhas culpas. A minha avó só se arvorava em juiz rigoroso quando ela mesma verificava os
delitos. No resto, era um passa-culpas de olhar severo.

Baltasar Lopes da Silva, Chiquinho (com supressões)

I - Leitura e Interpretação.

1. Chiquinho recorda com saudade a “casinha” onde nasceu.


15pts
1.1. Que quereria o narrador transmitir-nos ao utilizar este diminutivo?
15pts 1.2. Que imagens se associavam àquela lembrança?

2. A despensa chamava à aventura, à transgressão.


10pts
2.1. Porque motivo Chiquinho hesitava mais do que os irmãos em invadi-la às
escondidas?
10pts
2.2.Que momento do dia lhe parecia mais favorável à realização do “delito”?
Porquê?
15pts
2.3. Como conseguia ele evitar as desconfianças da mãe?
10pts 2.4.Uma das vezes, porém, houve um incidente. Explica qual?
2.5.A irritação da mãe de Chiquinho teve duas causas: quais?
20pts

3. O texto “A casinha do Caleijão” tem várias palavras em crioulo.


15pts 3.1. Refere algumas. (três exemplos)
3.2.Com base no texto, carateriza a situação linguística de Cabo Verde.
30pts

II – Funcionamento da língua.

1. Atenta à seguinte frase: “Mamãe-velha interveio em minha defesa.”

1.1. Substitui “Mamãe-Velha” por “Lela e Nanduca” e põe o verbo na 3ªpessoa


10pts do plural.

30pts 2. Inicia as frases seguintes por “Talvez” e procede às alterações. Não te esqueças
de que “Talvez” exige o modo conjuntivo:
5x
a) A casinha do Caleijão ainda la está.
b) Nunca esquecemos a infância.

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c) Quero também escrever as minhas recordações.

3. Identifica os registos de língua utilizados nos textos abaixo propostos:


20pts Texto A

10x “O metabolismo energético dos componentes orgânicos esta relacionado com


reações químicas que libertam e consomem energia, a qual pode ser transferida
para moléculas de ATP(…)”
Texto B
“Querida Rita:
Desculpa ainda não ter escrito, mas a barafunda tem sido grande, como deves
calcular.
Fazes-me muita falta para a gente poder conversar sobre todas estas coisas. Ainda
não tenho amigas novas. Também ainda noa tive muito tempo para reparar nelas,
mas sei que há algumas da nossa idade cá no prédio

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