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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS

HISTÓRIA DO BRASIL II PROFª ELIANE C. D. FLECK

Camila de Azevedo Moura


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Relatório da palestra proferida pela professora Professora Karoline Carula


(UFF).

A professora Karoline Carula, docente do Departamento de História da Universidade


Federal Fluminense e convidada a palestrar pela professora Eliane Fleck, fez uma fala que
abordava aspectos socioculturais do Segundo Reinado, de forma que durante a palestra
pode-se tratar de questões sobre a mentalidade, da cultura e sociedade do Brasil ao final do
período de Segundo Reinado. Ressalta-se que a professora Karoline possui uma produção
muito focada na produção científica do referido período, assim como nas questões de raça,
gênero e na análise das atividades da imprensa e dos grupos de intelectuais que produziam
e divulgavam a ciência. Conforme disponível em seu currículo na plataforma Lattes, dentre
as publicações de maior notoriedade estão os livro “Darwinismo, raça e gênero: Projetos
modernizadores da nação em conferências e cursos públicos (Rio de Janeiro, 1870-1889)”
e “A tribuna da ciência: as Conferências Populares da Glória e as discussões do darwinismo
na imprensa carioca (1873-1880)”, os quais abordam de forma aprofundada os temas
trazidos na palestra proferida.
A temática escolhida para a palestra era “Ciência, raça e gênero no Império” e a
professora escolheu iniciar a fala explicando o contexto da sua abordagem focada nos anos
finais do regime imperial, entre as décadas de 1870 e 1880, em um momento marcado pela
crise do império e o que ficou conhecido como “geração de 1870”. Este momento de crise
no império se era caracterizado por um fluxo de circulação de ideias e conceitos da
produção científica da Europa que foram apropriados por grupos de intelectuais da época
que os utilizaram para pensar problemas sociais e culturais do período, fazendo uma
ressignificação desses conceitos e aproximando-os do contexto social do Brasil. Como a
professora colocou ao trazer a as palavras de Sílvio Romero, eram “um bando de ideias
novas” sendo recepcionadas pelos intelectuais da geração de 1870, dialogadas,
questionadas e difundidas por eles de maneira ressignificada a partir de seus interesses
políticos, pois a forma de divulgar as ideias científicas buscava atender a um projeto
modernizador para o país baseados em ideais europeus de civilização e progresso. Assim,
essa circulação de ideias ocorria não apenas entre os grupos de intelectuais, mas eram
divulgadas na imprensa e estavam presentes no parlamento, por exemplo.
Uma das principais formas de divulgação do conhecimento científico produzido
naquele momento e que a professora Karoline pesquisou em seus trabalhos foram as
conferências. Ela trouxe para nosso conhecimento os tipos de conferências que eram
comumente realizadas e que se configuravam como espaços de ciência na capital do
império: conferências populares da Glória, Cursos Públicos do Museu Nacional e
Conferências “Avulsas”. Todos esses eventos científicos tinham em comum o fato de que
abrangiam temáticas sobre aspectos de modernização da nação. Neste sentido, tudo era
ciência, pois os mais diversos elementos do cotidiano poderiam ser explicados pela
perspectiva cientificista. Formava-se um vocabulário científico para o qual se recorre para
explicar hábitos de um grupo, atributos de outro e etc.
Naquele momento o debate sobre a sociedade escravista e o abolicionismo era
assíduo em todos os espaços da sociedade imperial e o projeto de progresso estava
diretamente ligado a isso. Por esse motivo, os debates científicos eram, com frequência,
encarados a partir de um viés racializado. Neste sentido a professora trouxe a questão da
racialização da humanidade e de teorias racializadas que marcavam muitas das
conferências realizadas. Foi difundida a ideia, originada no debate científico, de dividir os
seres humanos em grupos e encaixá-los nos espaços os quais acreditava-se que lhes cabia
dentro do projeto de modernização da nação. Assim, classificavam os grupos humanos em
raça, cor de pele, gênero, aspectos culturais, religiosos, geográficos e etc. Fazia-se a
hierarquização dos grupos sempre com o homem branco no topo. Negros, índios, mulheres
e pobres eram os “bárbaros do país”, como colocado pela professora, e a discussão
cientifica por um viés racializado fundava-se nas ideias de progresso e civilização.
As conferências e cursos tinham o objetivo de levar a ciência para um público mais
amplo com a finalidade de “vulgarizar a ciência”, o que fazia parte do fazer científico no
século XIX, principalmente através do papel dos intelectuais mediadores, como trouxe a
professora. Entretanto, embora houvesse essa intenção, os espaços ainda eram restritos a
uma elite ilustrada, nobre e de maioria masculina, de forma que a intenção de vulgarização
não era de fato atingida e o saber científico seguia excludente, principalmente porque não
havia uma tradução do conhecimento científico. A professora ressaltou, ainda que embora
as conferências excluíssem a maior parte da população, o conhecimento científico
reverberava na imprensa de alguma forma, pois a imprensa noticiava as conferências e
também as comentava, o que por sí só já era capaz de formar pensamentos sociais
difundidos a partir da linguagem cientificistas, principalmente na questão da formação de
um discurso racial.
Haviam muitas conferências e material na imprensa direcionado ao público feminino,
muito embora quase sempre realizados por homens. Essas conferências e materiais
publicados traziam temas voltados às mulheres brancas de classe alta e tratavam de
difundir ideias que valorizavam o papel social da mulher como mãe de família, orientando
aos cuidados corretos com os filhos. Era uma forma de educar a mulher enquanto mãe e
esposa. A professora trouxe o conceito de “mãe desnaturada”, que seria a mulher que não
cumpre o papel natural de uma mãe. Usou-se essa classificação como estratégia para
educar as mulheres a exercerem a maternidade dentro dos preceitos estabelecidos pela
medicina higiênica e pela retórica religiosa. Neste sentido, a mãe desnaturada seria aquela
que entrega seus filhos para outra mulher cuidar enquanto cuida de outros interesses. Seria
a mulher que não tem sia atenção integral voltada para aquilo que seria considerado seu
papel mais importante, que era criar bem seus filhos. Para educar essas mulheres dessa
forma, se utilizava de uma linguagem científica/cientificista.
A amamentação foi um tema que se tornou relevante dentro da instrução às
mulheres e o papel da ama de leite passou a ser condenado com base nos argumentos
científicos. Isso se tornou também um debate racializado, pois as amas de leite no Brasil
eram, na grande maioria das famílias, mulheres negras escravizadas. Dessa forma, para
formar o argumento da defesa do aleitamento materno passou-se a difundir que o leite
poderia transmitir qualidades morais aos bebês e que mulheres negras , por serem seres
inferiores, não deveriam cumprir esse papel. A amamentação por uma mulher negra poderia
“infectar moralmente” as crianças.
Entretanto, para além disso, a defesa do aleitamento materno também era uma
forma de afastar as famílias do risco que representavam os negros às famílias brancas nas
concepções dos intelectuais cientistas daquele momento e também ajudar a forjar uma
nova ordem familiar, onde as famílias deixavam de conviver e depender do trabalho
escravo. Forjar um ambiente familiar sem escravos era uma forma de seguir o caminho da
modernização da nação, afastando-se da barbárie que estava associada ao escravismo.

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