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AULA 2

TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA

Prof.ª Lígia Maria Bueno Pereira Bacarin


INTRODUÇÃO

Prezados cursistas, nesta aula, apresentam-se no âmbito dos Transtornos


Globais do Desenvolvimento (TGD), os “autismos” como um transtorno que não
apresenta um modelo pronto, de fácil identificação ou classificação, mas sim que
se caracteriza como um transtorno comportamental de causas neurológicas
múltiplas. Assim, tal transtorno poderá ser identificado e diagnosticado com maior
probabilidade de acertos clínicos e institucionais.
Nesse sentido, retoma-se a compreensão que estabelece o princípio básico
do TEA como um transtorno comportamental, pois só será possível detectar uma
criança autista e encaminhá-la para um diagnóstico clínico ao se observar seu
comportamento, principalmente nos seus primeiros cinco anos de vida.
Salienta-se a necessidade da observação, pois não é rara a existência de
autistas que não apresentam qualquer sinal físico de alteração, autistas com
síndromes (enquadrando-se em uma gama variada delas) e autistas que não
apresentam nenhuma síndrome. A desmistificação se apresenta nesse momento
como uma das formas de se combater, nas mais diversas áreas profissionais que
atuam com autismo, a percepção de que só há o diagnóstico de TEA se a criança
apresentar alguma característica física que indique a presença de uma síndrome.
Com a concepção de TEA com foco no comportamento da criança, existem
características-alvo que auxiliam no estágio de observação e investigação:

• Dificuldade de interação social;


• Déficit quantitativo e qualitativo de comunicação social;
• Padrões de comportamento, atividades e interesses repetitivos e
estereotipias.

Nesse sentido, após a definição dessa tríade, o TEA se conceitua


atualmente como um distúrbio complexo de desenvolvimento, comportamental, de
etiologias múltiplas de graus variáveis e causas diversas. Isso significa que:

• Os comportamentos são comuns entre todos os indivíduos do TEA;


• O que muda é a intensidade das manifestações e a gravidade do
acometimento.

Tendo em vista tantos pormenores, a problemática que orientará este


modulo é: quais são atualmente as características do TEA? E, a partir delas, quais
os desdobramentos para o seu diagnóstico?

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TEMA 1 – SINAIS DE ESPECTRO AUTISTA ASSOCIADO: FUNDAMENTO DA
MUDANÇA CONCEITUAL

Conforme o organograma a seguir, existem questionamentos que estão


além da superfície da mera mudança terminológica:

Figura 1 – Diferenciação entre TGD e TEA

Diferentes graus de
TGD
comprometimento
Espectro ou
transtorno? TEA

Considerando que o DSM é um manual de diagnóstico de transtornos


mentais que ajuda tanto a nortear e a direcionar a avaliação de comportamento de
seres humanos (sejam crianças, adolescentes ou adultos) como a orientar as
práticas clínicas e institucionais de todos os profissionais envolvidos no tratamento
do TEA, devemos analisar a nomenclatura apresentada na sua quinta edição, uma
vez que a mudança não foi apenas nominal, mas conceitual.
O termo espectro já carrega em si um questionamento: o que ele significa?
O que esse termo significa no âmbito do autismo? Para desenvolver essas
questões, tem-se como sinônimo analítico o termo sombra, utilizado pelo
neurologista Clay Brites (C. Brites; L. Brites, 2018) para elucidar essa temática.
Para esse pesquisador, a sombra não se refere ao sujeito propriamente dito, mas
representa apenas uma imagem formada a partir da intensidade de suas
características: suave, moderada ou severa.
A relevância dessa analogia é considerar que a intensidade da “sombra”
depende da forma como o objeto está posicionado em relação ao Sol. Isto é, existe
uma continuidade entre poucos sintomas e muitos sintomas, por isso há crianças
com quadros leves quando se faz o diagnóstico de TEA, sobretudo na faixa entre
um ano e meio até dois anos de idade. Com as intervenções, o quadro pode
evoluir a tal ponto que a criança não apresente mais os sintomas detectados
anteriormente. Então, tal qual a sombra do Sol, esse espectro se modifica
conforme uma série de determinações e possibilita a mudança nos traços do TEA
que a criança tem.
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Quanto às causas do TEA, observa-se que os estudos ainda não são
conclusivos, porém existem vários relatos de anormalidades orgânicas,
neurológicas, biológicas, além de fatores genéticos, imunológicos e perinatais,
achados bioquímicos e neuro-anatômicos relacionados ao autismo. Nesse
sentido,

As várias patologias associadas com os TID suportam a hipótese de que


as manifestações comportamentais que definem este complexo de
sintomas podem ser secundárias a uma grande variedade de insultos ao
cérebro. A heterogeneidade desses distúrbios pode ser devida a
etiologias distintas ou a uma combinação de fatores, tais como etiologia,
predisposição genética e fatores ambientais (Gadia; Tuchman; Rotta,
2004, p. 86).

Importante observar que muitas crianças apresentam outros transtornos,


como por exemplo TDAH, com sinais de espectro autista associados, mas isso
não é o TEA. Ou seja, não é o quadro principal, mas o autismo vem associado a
esse transtorno. Nesse sentido, a mudança de nomenclatura também foi
importante para reforçar que esses traços também precisam de intervenção,
sobretudo porque muitas crianças ficavam sem abordagem direcionada para as
suas características autísticas, porque apresentavam um quadro muito leve e
secundarizado em relação ao quadro principal.
Ao se constatar cientificamente o prejuízo que essa perspectiva equivocada
acarretou aos sujeitos, percebe-se a importância de se detectar o grau do espectro
para se poder fazer uma intervenção. Todavia,

[...] mesmo quando distúrbios autistas são diagnosticados


adequadamente, isto é, utilizando critérios diagnósticos apropriados, há
uma variação considerável no perfil sintomático, dependendo da
etiologia subjacente. O diagnóstico de autismo requer uma apreciação
clínica cuidadosa: avaliações de linguagem e neuropsicológica, bem
como exames complementares (por exemplo, estudos de cromossomas
incluindo DNA para X-frágil e estudos de neuroimagem ou
neurofisiologia, quando apropriados) podem ser necessárias em casos
específicos, para permitir identificar subgrupos mais homogêneos, de
acordo com o fenótipo comportamental e a etiologia. Somente assim
conseguiremos obter uma compreensão da patofisiológica desses
distúrbios e estabelecer intervenções e prognósticos mais específicos
(Gadia; Tuchman; Rotta, 2004, p. 86).

Contraditoriamente, ao se abranger os traços que compõem o TEA,


percebeu-se o aumento considerável e marcante da frequência de TEA na
população. Dentre as hipóteses sobre as causas desse aumento, uma das mais
aceitas na comunidade cientifica é que ocorreu um salto de qualidade no
conhecimento dos profissionais que realizam os diagnósticos, ou seja, hoje se

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detecta um maior número de traços e mais cedo, o que abre um diagnóstico mais
preciso e consequentemente um aumento no índice oficial de casos.
Considerando que o DSM-4 classificava de outra forma o autismo, percebe-
se que ainda prevalece uma confusão entre a compreensão atual do TEA e a
forma anterior como o autismo ou os autismos eram analisados. Observe o
organograma a seguir.

Figura 1 – Organograma

1 - Autismo Clássico

O topo da pirâmide, o Grau 1, 2 - Sindrome de Rett


caracterizaria o grau mais severo,
e o Grau 5, o mais leve.
Todavia, essa caracterização não 3 - Transtorno
existe mais e, a partir do DSM 5, a desintegrativo da Infância
compreensão se transformou.

4 - Transtorno Global do
Desenvolvimento não
específico

5 - Síndrome de Asperger

Percebe-se pela pirâmide da Figura 1 que a caracterização do autismo


hierarquizava os indivíduos, porém não apresentava um elo que justificasse esse
ranqueamento para além dos sintomas neurológicos. Para melhor compreensão
da mudança entre o DSM-4 e o DSM-5, retoma-se o conceito conforme a
metodologia elaborada pela Associação de Amigos do Autista (AMA).
Percebe-se que na definição atual do conceito, o autismo é uma síndrome,
ou seja, um conjunto de sintomas, que causa transtorno de neurodesenvolvimento
e, como consequência, alterações comportamentais, que não o caracterizam
como uma doença. O salto de qualidade na compreensão se encontra em
entender que essas características não são estanques e assimétricas, porém,
necessariamente são pertinentes à mesma síndrome porque se caracterizam
sempre por desvios qualitativos na comunicação, na interação social e no uso da
imaginação1.
Entretanto, entende-se que podem coexistir três grupos de situações que
dificultam o diagnóstico clínico:

1Estes três desvios, que ao aparecerem juntos caracterizam o autismo, foram chamados por Lorna
Wing e Judith Gould, em seu estudo realizado em 1979, de “Tríade”. A Tríade é responsável por
um padrão de comportamento restrito e repetitivo, mas com condições de inteligência que podem
variar do retardo mental a níveis acima da média (Mello, 2007, p. 15).
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• O TEA pode ser a síndrome principal, que coexiste com traços ou aspectos
de outras síndromes secundárias;
• O TEA pode ser a síndrome secundária, pois apenas alguns traços ou
aspectos se fazem presentes em relação a uma outra síndrome principal;
• O TEA pode ser a única síndrome, porém, com espectros variados
conforme cada indivíduo.

Tomando por base a análise conceitual elencada, o DSM-5 apresenta a


seguinte classificação do TEA:

Figura 2 – Classificação

Severo

Moderado

Leve

Observa-se que o Autismo Clássico, o Transtorno Desintegrativo da


Infância e o Transtorno Global do Desenvolvimento não específico foram
dissolvidos nessa nova classificação do DSM-5.

TEMA 2 – CONSEQUÊNCIA PARA O DIAGNÓSTICO A PARTIR DO DSM-5

Se por um lado a mudança na classificação de autismo ou autismos facilitou


a identificação da síndrome a partir da categorização como suave, moderado ou
severo, por outro lado essa transformação requer um maior tempo de observação
e investigação para definir o espectro em que classifica o grau da criança com
TEA. Essa é a primeira consequência decorrente da nova maneira de se
diagnosticar o TEA.
Por exemplo, é comum que nos deparemos com diagnósticos precipitados
que definem um sujeito com traços de TEA como portador de Deficiência
Intelectual — ou, como também pode ser denominado, com retardo mental. Mello
(2007, p. 13-14) explica que o “autismo se diferencia do retardo mental porque,

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enquanto no primeiro a criança apresenta um desenvolvimento uniformemente
defasado, no autismo o perfil de desenvolvimento é irregular”.
Silva, Gaiato e Reveles (2012, p. 29) apresentam uma interessante
analogia para explicar o espectro autista:

Quando jogamos uma pedrinha em um lago de água parada, ela gera


várias pequenas ondas que formam camadas mais próximas e mais
distantes do ponto no qual a pedra caiu. O espectro autista é assim,
possui várias camadas, mais ou menos próximas do autismo clássico
(grave), que poderia ser considerado o centro das ondas, o ponto onde
a pedra atingiu a água. Esse espectro pode se manifestar nas pessoas
de diversas formas, mas elas terão alguns traços similares, afinal todas
as ondulações derivam do mesmo ponto.

A analogia apresentada no excerto acima demonstra que o autismo possui


diferentes manifestações, e para que os equívocos nos diagnósticos se tornem
menos frequentes, há necessidade de que os profissionais que atuam com o TEA,
cada qual em sua área, apropriem-se do conhecimento científico acerca do
desenvolvimento das pesquisas e dos estudos sobre o tema.
Para que se possa precisar a maior abrangência das consequências do
DSM-5 para o diagnóstico do TEA, torna-se necessário o resgate de outro grupo
de conceitos que acompanham a elaboração desses diagnósticos antes da
mudança paradigmática. Esses conceitos são, conforme a OMS (2007):

 Deficiência: toda e qualquer perda, falta ou alteração de estrutura ou


função, qualquer que seja sua causa
 Incapacidade: restrição, consequente de deficiência, da habilidade de
desempenhar uma atividade funcional comum para o ser humano
 Desvantagem: decorrente de deficiência e/ou incapacidade que impede o
sujeito de desempenhar um papel que esteja de acordo com idade, sexo,
fatores sociais e culturais.

A análise dos conceitos remete a uma determinação de prioridades no nível


de importância desses conceitos ao se estudar TEA. Ou seja, um conceito decorre
do outro. A Figura 3 esquematiza essa reflexão:

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Figura 3 – Prioridades

• DEFICIÊNCIA
MUDANÇAS
CONCEITUAIS
- de doença à síndrome

• INCAPACIDADE
MUDANÇAS
CONCEITUAIS
- de causa afetiva à cognitiva

• DESVANTAGEM
MUDANÇAS
CONCEITUAIS
- de base psicogênica à base biológica

• PREVALÊNCIA
MUDANÇAS
CONCEITUAIS
- de quadros raros a quadros frequentes

• TERAPÊUTICAS
de tratamentos antipsicóticos ao tratamento de sintomas-alvo
MUDANÇAS
CONCEITUAIS de psicoterapia de base analítica a abordagens pedagógicas com base
cognitivo-comportamental

Com a análise do organograma apresentado na Figura 3, infere-se que,


para o diagnóstico do TEA, é preciso considerar a patogênese:

Fatores genéticos e ambientais têm sido associados à etiologia e


fisiopatologia do TEA, indicando etiologia multifatorial. [...] O TEA tem
sido associado a alterações no sistema imunológico e a diversos
distúrbios metabólicos, a exemplo da elevação do estresse oxidativo e
deficiências relacionadas à mutilação, anormalidades na função
mitocondrial, além da baixa desintoxicação de metais pesados do
organismo. Outros pesquisadores que estudaram cuidadosamente a
cadeia transportadora de elétrons (CTE) nas células imunológicas
sugerem que cerca de 80% dos autistas exibem algum grau de
anormalidade em seu mecanismo. Esses distúrbios biológicos podem ter
como causa défices nutricionais. Contudo, em relação às outras
patologias, a amplitude e a profundidade dessas deficiências
nutricionais, assim como as ineficiências ou disfunções bioquímicas,
podem afetar o funcionamento do sistema nervoso e levar ao
agravamento do transtorno. A identificação da presença desses
distúrbios é importante por permitir a triagem, tratamento e
possivelmente estratégias de prevenção e pode permitir a identificação
de biomarcadores e tratamentos direcionados para as anormalidades
metabólicas, pois o fenótipo é diverso (Lázaro, 2016, p.19).

TEMA 3 – A DIFERENÇA ENTRE TRANSTORNOS ESPECÍFICOS DE LINGUAGEM


E TEA
Para a superação dos equívocos nos diagnósticos, não basta apenas a
preocupação com as mudanças nas terminologias. O importante é estabelecer um
referencial teórico e metodológico que embase a detecção precoce do TEA na
infância.

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Nesse sentido, um dos equívocos mais cometidos acontece durante a
avaliação de uma criança que apresenta um quadro grave de atraso de fala ou de
linguagem em geral: o profissional — tanto da área clínica, que faz o diagnóstico,
como da área institucional, que faz a avaliação cognitiva — pode chegar a uma
conclusão equivocada, pois os espectros do TEA possuem algumas
características que podem se confundir com Transtornos Específicos de
Linguagem (Specific Language Impairment – SLI), tais como: Transtorno
Semântico Pragmático, Transtorno de Aprendizagem não Verbal (TANV), entre
outros.
Um Transtorno Específico de Linguagem, na definição de Befi-Lopes (2004,
p. 989), é definido como

[...] um acometimento da linguagem onde não existe perda auditiva,


alteração no desenvolvimento cognitivo e motor da fala, síndromes,
distúrbios abrangentes do desenvolvimento, alterações
neurossensoriais, lesões neurológicas adquiridas ou qualquer outra
patologia que justifique essa dificuldade.

3.1 Diagnóstico para os Transtornos Específicos da Linguagem

Segundo Chevrie-Muller (2007), o diagnóstico do Distúrbio Específico de


Linguagem é multidisciplinar e caracteriza-se por um método de exclusão, ou seja,
deve-se descartar a possibilidade de qualquer outra patologia antes de se afirmar
que a criança apresenta exclusivamente um distúrbio de linguagem.
Para essa autora, a avaliação de linguagem precisa ser averiguada em
suas modalidades expressivas e receptivas, bem como quanto aos seus
diferentes aspectos: fonológico, lexical, morfossintático, semântico e pragmático.
Chevrie-Muller (2007) afirma que esse exame permitirá classificar o distúrbio
quanto ao tipo e avaliar sua gravidade, tendo por referência o desenvolvimento
normal que seria esperado para a idade da criança.
Por sua vez, Jakubowicz (2003) comenta sobre a dificuldade de se
diferenciar um Distúrbio Específico de Linguagem de um simples atraso quando a
criança é ainda pequena. Segundo a autora, na França é comum que o
diagnóstico seja confirmado somente na idade de cinco anos.

3.1.2 Características do Distúrbio Específico de Linguagem

Considerando os estudos de Tourrette (2014, p. 220), têm-se que as


características do Distúrbio Específico de Linguagem incluem:

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1. Dificuldade de linguagem expressiva e/ou receptiva, sendo a compreensão
normalmente melhor do que a expressão.
2. Atraso na aquisição das primeiras palavras.
3. Falha na discriminação dos fonemas.
4. Frases mal elaboradas (algumas vezes sem artigos, preposições ou
concordância verbal).
5. Fonologia, semântica, sintaxe e pragmática são atingidas em graus
diferentes. Uma criança pode ter mais dificuldade para produzir os fonemas
da língua, enquanto outra tem mais dificuldade para construir frases
gramaticalmente corretas.

Importante: uma mesma criança pode apresentar mais problemas em


relação à fonologia num momento e em relação à semântica num outro momento,
ou seja, o quadro nem sempre é estável.

Antes do DSM-5 essas confusões eram mais constantes e frequentes.


Atualmente, com o aumento do número de pesquisas, as metodologias para
definição desses transtornos são mais precisas. Hoje existem escalas, avaliações
multidisciplinares, entre outros recursos que auxiliam os profissionais a
diagnosticarem com maior precisão.
Bishop (1987, p. 159) afirma que o Distúrbio Específico de Linguagem é
“uma dificuldade persistente para adquirir e desenvolver a fala e a linguagem.
Aparentemente a criança possuiu todas as condições para falar, mas ela não
consegue ou apresenta muita dificuldade neste processo”. Durante muito tempo,
quando descartada a hipótese de problemas auditivos, esse distúrbio foi
interpretado como sinal de falta de estímulos ou como indicativo de transtornos
mais globais no desenvolvimento, como o TEA e a Deficiência Intelectual.
Para Bishop (1987), o distúrbio específico de linguagem pode gerar
consequências para o processo de aprendizagem da escrita e leitura. As crianças
afetadas geralmente não conseguem se alfabetizar na idade prevista e
demonstram sérias dificuldades para acompanhar as atividades em sala de aula,
pois não conseguem compreender a relação entre o som e a escrita. A aquisição
e o desenvolvimento da linguagem oral são determinantes para o aprendizado da
leitura e escrita.

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TEMA 4 – O TRANSTORNO INVASIVO DO DESENVOLVIMENTO (TID)

O TEA apresenta características observáveis (conhecidas cientificamente


como fenótipos) que se enquadram no TID, uma vez que este inclui singularidades
em três graus: social, da comunicação e do comportamento. Para entender melhor
o TEA, é importante que tenhamos uma melhor definição da categoria de TID,
uma vez que

O TID não-autístico compreende duas categorias bem definidas,


incluindo critérios operacionalizados (transtornos desintegrativo e
síndrome de Rett) e uma categoria residual maior (TID-SOE). As
pesquisas atuais estão tentando identificar grupos dentro da categoria
de TID-SOE. Há algumas propostas de categorias com base clínica
(TDMC; EPD; transtorno de prejuízo multidimensional e crianças
esquizoides) e algumas categorias que estão relacionadas com
hipóteses de um déficit etiológico primário, que poderia levar ao fenótipo
comportamental (transtornos do aprendizado não verbal, SSP,
transtornos de vinculação). É importante notar que nem todos os
indivíduos que preenchem critérios de transtornos do aprendizado não
verbal, SSP ou transtorno de vinculação preencherão critérios de TID.
No entanto, esses critérios globais têm sido úteis no planejamento
terapêutico. (Mercadante; Van Der Gaag; Schwartzman, 2006, p. 13)

Figura 4 – Diagrama das categorias do Transtorno Invasivo de Desenvolvimento

Fonte: Mercadante; Van Der Gaag; Schwartzman, 2006, p. 19.

Conforme análise realizada pelo Dr. Jair de Jesus Mari (2019) para a ONG
Autismo & Realidade, observa-se que

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Nova edição do DSM trouxe uma nova estrutura de sintomas, e a tríade
de sintomas que modela déficits de comunicação separadamente de
prejuízos sociais do DSM-IV, que foi substituído por um modelo de dois
domínios composto por um domínio relativo a déficit de comunicação
social e um segundo relativo a comportamentos/interesses restritos e
repetitivos. Além disso, o critério de atraso ou ausência total de
desenvolvimento de linguagem expressiva foi eliminado do DSM-5, uma
vez que pesquisas mostraram que esta característica não é universal,
nem específica de indivíduos com TEA.

Isto é, para Mari (2019), a reorganização dos subdomínios aumenta a


clareza e continua a fornecer sensibilidade adequada, ao mesmo tempo que
melhora a especificidade necessária por meio de exemplos de diferentes faixas
de idade e níveis de linguagem.

Figura 5 – Níveis de gravidade no TEA – DSM5

Fonte: Cornel, 2013.

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TEMA 5 – A TRÍADE COMPORTAMENTAL PRIORIZADA NA AVALIAÇÃO

Quando se avalia o comportamento de uma criança, três grandes


alterações de comportamento são priorizadas.

Figura 6 – Níveis de gravidade

Alterações de comportamento

Alterações de
Hiperatividade conduta: Ansiedade e
motora comportamento Depressão
disruptivo

Essas três grandes alterações de comportamento observáveis no processo


de diagnóstico do TEA podem estar presentes ao mesmo tempo em uma mesma
criança ou não. Do mesmo modo, o TEA pode apresentar nenhuma dessas
alterações e, em outros casos, pode apresentar quadros de alucinação, de
psicose, entre outros comportamentos. Ou seja, as alterações podem aparecer
todas ou apenas alguns delas em crianças com TEA. Com isso, muitas vezes
essas alterações de comportamento não são passíveis de separação durante o
processo avaliativo, e, ao se produzir o diagnóstico de TEA, elas precisam
aparecer para que também sejam tratadas.
O TEA carece de um Diagnóstico Diferencial:

• Com o grupo dos transtornos específicos do desenvolvimento:

o Transtornos do desenvolvimento do aprendizado


o Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade

• Fora do grupo dos transtornos de desenvolvimento:

o Esquizofrenia
o Transtorno Desafiador de Oposição

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Prezados cursistas, neste módulo foram elencados elementos para o
aprofundamento dos pressupostos básicos do TEA, tomando por base a
compreensão do TEA como uma síndrome pertencente ao grupo dos Transtornos
Globais do Desenvolvimento.
Para sintetizar esse debate, faz-se necessário retomar as questões que
orientaram a trajetória neste módulo:

Quais são atualmente as características do TEA?


A partir delas, quais os desdobramentos para o diagnóstico do TEA?

Infere-se que muitas das características observadas no TEA também são


vistas em outros distúrbios de desenvolvimento e em certas doenças psiquiátricas.
O que distingue o autismo são o número, a gravidade, a combinação e a interação
de problemas, os quais resultam em danos funcionais importantes. O autismo é
um conjunto de déficits, e não uma ou outra característica.
Conforme Júlio-Costa e Moreira Antunes (2017), o autismo é um dos
transtornos neuropsiquiátricos com maior influência genética e, na prática, isso
significa que, na maior parte dos casos, os sintomas são expressos precocemente
e se manifestam durante toda a vida. Para os autores:

Saber identificar essas características é a base do diagnóstico do


TEA, pois este é essencialmente clínico. Ele depende do
conhecimento do profissional e da capacidade de descrever os
sintomas atuais e do histórico de desenvolvimento. Em razão
disso, propomos um passo a passo da avaliação diagnóstica. Mas
qual seria a função do diagnóstico, se não dar um norte para a
família, principalmente sobre as intervenções necessárias para a
criança? Assim a penúltima parte do livro aborda um modelo de
intervenção focado nos pais e outros programas com maior base
científica para o TEA. Por fim, tendo ciência da quantidade de
informações falsas divulgadas sobre o autismo, fechamos o livro
com a discussão sobre esses mitos e o que a ciência fala sobre
eles. Este livro é fruto de muito trabalho e da vontade de garantir
o que há de melhor para as crianças com TEA e suas famílias
(Júlio-Costa; Moreira Antunes, 2017, p. 36).

Nesse sentido, infere-se ao desta aula que, embora definido por uma tríade
principal de sintomas, o fenótipo dos pacientes com TEA pode variar muito,
abrangendo desde indivíduos com deficiência intelectual (DI) grave e baixo
desempenho em habilidades comportamentais adaptativas até indivíduos com
quociente de inteligência (QI) normal, que levam uma vida independente. Esses
indivíduos também podem apresentar uma série de outras comorbidades, como
hiperatividade, epilepsia, distúrbios de sono e gastrintestinais.

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Leitura complementar

Texto de abordagem teórica

JÚLIO-COSTA, A.; ANTUNES, A, M. Transtorno do espectro autista na prática


clínica. São Paulo: Pearson Clinical Brasil, 2017. (Coleção Neuropsicológica na
Prática Clínica)

As autoras desenvolvem uma sistematização detalhada da avaliação, do


diagnóstico e da intervenção do TEA. O protocolo de avaliação, adotado pelas
autoras, foca os sintomas do TEA.

Texto de abordagem prática

BRITES, L.; BRITES, C. Como saber do que seu filho precisa? São Paulo:
Gente, 2018.

Os neurologistas desenvolveram nessa obra uma metodologia de sete pilares


para que os pais e responsáveis pelas crianças com TEA possam se organizar
cotidianamente.

Saiba mais

BACKES, B.; ZANON, R. B.; BOSA, C. A. A relação entre regressão da linguagem


e desenvolvimento sócio comunicativo de crianças com transtorno do espectro do
autismo. CoDAS, v. 25, n. 3, p. 268-273, 2013.

As autoras abordam as consequências da relação entre regressão da linguagem


e desenvolvimento sócio comunicativo de crianças com TEA.

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REFERÊNCIAS

BEFI-LOPES, D. M. Avaliação, diagnóstico e aspectos terapêuticos nos distúrbios


específicos de linguagem. In: FERREIRA, L. P.; BEFI-LOPES, D. M.; LIMONGI,
S. C. O. Tratado de Fonoaudiologia, São Paulo, p. 987-1000, 2004.

BISHOP, D. M. V; EDMUNDSON, A. Language impaired 4 years old:


distinguishing transient from persistent impairment. Journal of Speech and
Hearing Disorders, v. 52, p. 156-173, 1987.

BRITES, L.; BRITES, C. Como saber do que seu filho precisa? São Paulo:
Gente, 2018.

CHEVRIE-MULLER, C. Troubles spécifiques du développement du langage


(TSDL): « dysphasies de développement ». In: CHEVRIE-MULLER, C.;
NARBONA, J. Le langage de l’enfant. Aspects normaux et phonologiques. Issy-
les-moulineaux: Masson, 2007. p. 361-419.

CORNEL, A. E. M. V. Impacto do diagnóstico. In: OMARI, C. et al. Autismo


perspectiva no dia a dia. Curitiba: Ítala, 2013.

GADIA, C. A.; TUCHMAN, R.; ROTTA, N. T. Autismo e doenças invasivas de


desenvolvimento. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 80, n. 2, p. 83-94, 2004.

JAKUBOWICZ, C. Hypothèses psycholinguistiques sur la nature du déficit


dysphasique. In: GÉRARD, C. L., BRUN, V. Les dysphasies. Paris: Masson,
2003. p. 23-70.

JÚLIO-COSTA, A.; ANTUNES, A, M. Transtorno do espectro autista na prática


clínica. São Paulo: Pearson Clinical Brasil, 2017. (Coleção Neuropsicológica na
Prática Clínica)

LÁZARO, C. P. Construção de escala para avaliar o comportamento alimentar


de indivíduos com transtorno do espectro do autismo (TEA). 142 f. Tese
(Doutorado em Medicina e Saúde Humana) – Escola de Medicina e Saúde
Pública, Salvador, 2016.

MARI, J. de. J. Sobre o Autismo. Instituto Pensi. Disponível em:


<https://autismo.institutopensi.org.br/informe-se/sobre-o-autismo/diagnosticos-
do-autismo>. Acesso em: 23 jan. 2019.

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MELLO, A. M S. ROS de autismo: guia prático. São Paulo: AMA; Brasília: Corde,
2007.

MERCADANTE, M. T; VAN DER GAAG, R. J; SCHWARTZMAN, J. S. Transtornos


invasivos do desenvolvimento não-autísticos: síndrome de Rett, transtorno
desintegrativo da infância e transtornos invasivos do desenvolvimento sem outra
especificação. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 28, supl. 1,
p. s12-s20, maio 2006.

OMS – ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Convenção Internacional sobre


os Direitos das Pessoas com Deficiência. 2007.

SILVA, A. B. B; GAIATO, M. B; REVELES, L. T. Mundo Singular: entenda o


autismo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

TOURRETTE, C. Évaluer les enfants avec déficiences ou troubles Du


développement: Déficiences motrices, sensorielles ou mentales – Troubles
autistiques ET troubles des apprentissages. Paris: Dono, 2014.

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