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27/08/2002 - 02h42
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Para conhecer
Veja os passos para entrar no mundo de
Caminho das Pedras Dom Quixote
Leituras Cruzadas
MARIA AUGUSTA DA COSTA VIEIRA
Verbete especial para a Folha
Perfil
Testes O primeiro cuidado que você deve ter é com a escolha da edição. Não será
difícil encontrar edições do "Quixote" em português, como a da Villa Rica,
Arquivo com tradução de Eugênio Amado (em dois volumes, 1.022 págs., R$ 90), ou
Cartas mesmo, em algum sebo, a da José Olympio, traduzida por Almir de Andrade
e Milton Amado. Como leitura, elas são mais razoáveis e acessíveis que a tradução
Fale com a gente
mais popular dos viscondes portugueses, publicada pela primeira vez no Brasil nos
Colunistas anos 70 e relançada agora pela Nova Cultural (690 págs., R$ 9,90). É bom ter em
Gilberto Dimenstein conta que se trata de uma tradução do século 19 que pode provocar uma leitura
travada. Uma boa opção seria passar os olhos por uma edição em espanhol que
Gilson Schwartz contenha notas. É provável que você se surpreenda ao constatar que é capaz de ler
Rubem Alves Cervantes no original. Afinal, a língua espanhola dos tempos de Dom Quixote não
fica tão distante assim da portuguesa. Outra opção é aguardar o lançamento da
Editora 34. A tradução, de Sérgio Molina, vem em edição bilíngue, com notas.

Com a obra em mãos, preste atenção especial ao Prólogo da primeira


parte. Trata-se de algo que foge do habitual. Seria até possível dizer que se
trata de um "antiprólogo", pois em vez de o autor enaltecer sua obra, se põe
a falar de sua dificuldade para redigir a apresentação. Os prólogos
cervantinos, em geral, são instigantes e reveladores. De um modo muito particular,
esse Prólogo é uma declaração de princípios de composição literária, de uma visão
de Cervantes sobre a autoria, a obra e o público leitor. Mas não se preocupe caso
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você tenha se entretido com a narrativa contada no Prólogo e não tenha observado os
tais princípios de composição literária. Siga adiante, pois, muito provavelmente, em
algum momento, você retornará ao Prólogo em busca do que o autor disse nessas
páginas iniciais. Tenha presente que Cervantes é capaz de criar laços insuperáveis
de simpatia com seu leitor.

Logo adiante, ao chegar ao capítulo 8, você encontrará a aventura mais


difundida do "Quixote": a dos moinhos de vento. Essa batalha inglória —um
episódio divertido e patético— tem sido utilizada para expressar o
despropósito do idealismo e a nobreza dos princípios do personagem.

Entre a primeira e a segunda parte da obra há diferenças consideráveis. Na


primeira, o cavaleiro e seu fiel escudeiro (Sancho Pança), além de
protagonizarem as aventuras, encontram-se com vários personagens que
relatam suas experiências de vida. Para o leitor preocupado com o destino
de Dom Quixote e Sancho, as histórias intercaladas podem, às vezes, apresentar
menor interesse. No entanto, é importante ter em conta que, com essas histórias,
Miguel de Cervantes está dialogando com vários gêneros literários que vigoravam na
época.

O término da leitura do primeiro volume pode ser a oportunidade para uma


pausa, talvez para assistir ao filme "El Quijote" (direção de Manuel Gutiérrez
Aragón e roteiro de Camilo José Cela), que conta com a interpretação
impecável de Fernando Rey no papel de Dom Quixote e de Alfredo Landa
como Sancho Pança. O filme, que pode ser encontrado em vídeo, aborda apenas a
primeira parte da obra. Pelo custo muito elevado e, sobretudo, pelo falecimento de
Fernando Rey, a continuidade ficou prejudicada.

Não pense, caro leitor, que a primeira parte lhe dará uma boa idéia do
conjunto da obra. Embora a segunda parte seja feita com o mesmo tecido
da primeira, como diz o narrador, ela contém grandes diferenças. Coisas
surpreendentes acontecem logo nos primeiros capítulos. Há a introdução
de um novo personagem, Sansão Carrasco, com quem Dom Quixote e Sancho
mantêm conversas simplesmente deliciosas. Já não aparecem tantas histórias
intercaladas como na primeira parte e, embora os dois protagonistas se encontrem
com vários personagens, a narração está muito mais amarrada em torno do
cavaleiro e seu escudeiro. É na segunda parte que Dom Quixote se defronta com a
Dulcinéia "encantada", que Sancho passa a ser governador de uma "ilha" e que Dom
Quixote recebe a notícia lamentável da publicação de um falso "Quixote".

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É muito provável que a leitura do "Quixote" lhe exija pausas mais ou menos
frequentes. Após determinados episódios, parece imprescindível a
ruminação de algumas idéias. Talvez, durante essa conversa silenciosa
consigo mesmo, você possa deixar o universo da palavra e optar pelas
notas musicais, aproveitando para escutar, entre outras peças, o "Don Quixote", de
Strauss, a "Comic Opera", de Telemann e "El retablo de Maese Pedro", de Manuel de
Falla.

Caso tenha a possibilidade de visitar o Museu Chácara do Céu, em Santa


Teresa, no Rio de Janeiro, não deixe de abrir as 21 gavetinhas que
conservam os desenhos de Portinari sobre o "Quixote". Leve em mãos a
série de poemas de Drummond, publicados em "Impurezas do Branco"
(1973), que acompanham os desenhos de Portinari. O Projeto Portinari planeja a
reedição, ainda sem data definida, da obra
"D. Quixote Cervantes, Portinari, Drummond".

Em se tratando das andanças


do cavaleiro em terras
brasileiras, valeria a pena
conhecer também as duas
revistas publicadas no Rio de Janeiro
durante a belle époque: a dirigida por
Bastos Tigre, "D. Quixote" (1917-1927), e
a de Angelo Agostini, "Don Quixote"
(1895-1903), que, por meio da caricatura
e do humor, atribuem ao cavaleiro e a
seu escudeiro a missão de endireitar a
vida política e social brasileira. Torça
para que retornem ao palco duas peças
teatrais que recuperam a obra de Miguel
de Cervantes: o "Quixote", com Carlos
Moreno e direção de Fabio Namatame, e
"Num lugar de La Mancha",
protagonizada por adolescentes da
Febem sob a direção de Valéria Di
Pietro.

Não será difícil que, durante


Revista de Angelo Agostini ou após a leitura da obra, você
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sinta a necessidade de
conhecer mais de perto os
tempos de Dom Quixote. Seria aconselhável entrar em contato com textos que
circulavam na Espanha na época. Vale a pena ler "El Cortesano" (1524), de
Baldassare Castiglione, com tradução em português editada pela Martins Fontes.
Trata-se de um amplo diálogo (hoje seria considerado de viés antropológico) sobre
temas relacionados com a vida na corte, sendo que muitos deles serão retomados
pelo personagem Dom Quixote. Também vale a pena a leitura de "Examen de
Ingenios" (1575), de Huarte de San Juan (não há tradução em português): um tratado
excelente para avaliar o tipo de loucura de Dom Quixote. Por falar em loucura, não se
pode esquecer de "Elogio da Loucura" (1510), de Erasmo de Rotterdam, a quem os
cervantistas relacionam algumas das idéias do autor de Quixote sobre o tema.

Provavelmente o leitor também se interesse pela biografia de Cervantes: a


dedicação às armas e às letras, o tempo de cativeiro em Argel, na Argélia,
os trabalhos e andanças pela Espanha. Uma biografia consistente é a do
crítico literário francês Jean Cannavaggio, "Cervantès", que tem uma
tradução para o espanhol (editora Taurus).

Se sentir falta de estudos literários sobre a obra, prefira os de Américo


Castro ("Cervantes y los Casticismos Españoles", Alianza/Alfaguara),
Ortega y Gasset ("Meditaciones del Quijote", Cátedra), E. Auerbach ("A
Dulcinéia Encantada", em Mimesis, Perspectiva) e Leo Spitzer
("Perspectivismo Linguístico en el Quijote", em Linguística e Historia Literaira,
Gredos). Se desejar estudos mais recentes, não deixe de ler os trabalhos tão
fundamentais de Edward Riley "Introducción al Quijote", Crítica), Agustín Redondo
("Otra Manera de Leer el Quijote", Castalia), Eduardo Urbina ("El sin par Sancho
Panza", Anthropos), Anthony Close ("The Romantic Approach to Don Quixote: A Critical
History of the Romantic Tradition in Quixote Criticism", Cambridge University Press),
Edwin Williamson ("El Quijote y los Libros de Caballerías", Taurus), entre muitos
outros.

Na internet, há vários sites a visitar. Não deixe de conhecer o do Proyecto


Cervantes 2001 (www.csdl.tamu.edu/cervantes), sob a direção de Eduardo
Urbina.

(exclusivo do Sinapse Online)- Caso consiga ir até a Espanha, você


poderá seguir o roteiro de Dom Quixote, passando pelos moinhos de
vento, pela Cueva de Montesinos, pela Laguna de Ruidera, mas tome
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certos cuidados: você corre o grande risco de cair na armadilha quixotesca.
Não se deixe iludir acreditando que de fato Dom Quixote viveu nos idos de 1600.
Tome cuidado para não reproduzir em você mesmo a trajetória do mais engenhoso e
incrível cavaleiro que foi o protagonista de uma história de andanças pela Espanha,
sem suspeitar jamais que os famosos, valentes, fiéis, justos e honestos cavaleiros,
protagonistas das muitas histórias que leu, eram apenas e exclusivamente seres de
papel.

Leia mais:
Esque ça a re ve rê ncia ao abrir Dom Q uix ote

Le ia tre cho de "Dom Q uix ote " e m e spanhol

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